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Anais Eletrônicos do IV EHECO, Campo Grande, MS, 2017, ISSN 22374310 “SEM PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO” 1 : o uso dos desfiles das escolas de samba em sala de aula Christian Gonçalves Vidal da Fonseca Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) E-mail: [email protected] Ana Carolina Brasil Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) E-mail: [email protected] Resumo Este artigo propõe um novo olhar sobre os desfiles das escolas de samba e os sambas- enredo, vendo estes como fontes possíveis de serem trabalhadas no ensino de História. A partir da década de 1980, houve um amplo estudo acadêmico acerca do ensino de História, emergindo discussões sobre as distintas formas de ensino, as fontes, os métodos e a construção do conhecimento histórico, questionando-se os grandes vencedores, os heróis nacionais, a utilização dos livros didáticos e a relação entre professor e aluno. Nesse passo, as escolas de samba tendem a protagonizar os negros, as mulheres e os indígenas em seus desfiles de carnaval. Levar a cultura popular brasileira para dentro das instituições escolares é um recurso ainda pouco utilizado pelos docentes de história nas salas de aula, mas é uma prática que buscamos potencializar neste artigo. Os desfiles das agremiações carnavalescas e os sambas-enredos criam narrativas acerca de uma temática, podendo ser uma possibilidade de uso em sala de aula, as imagens produzidas pelas escolas de samba não devem ser vistas apenas como ilustração, mas sim, problematizadas e situadas no tempo e espaço. Para a construção do artigo, bebeu-se das contribuições historiográficas de Maria Auxiliadora Schimidt (2004), Antoni Zabala (1998), Circe Bittencourt (2007) e Leandro Karnal (2004). Palavras-chave: Ensino de história. Fontes. Samba-enredo. I. O Carnaval e o Ensino de História “Na sala de aula É que se forma um cidadão Na sala de aula Que se muda uma nação Na sala de aula Não há idade, nem cor” (Leci Brandão) 2 O samba carrega consigo influências de vários ritmos e povos, principalmente dos africanos escravizados que atravessaram o Atlântico rumo ao Brasil. Sua emergência no final do século XIX permite uma disseminação que seria adaptada por diversas regiões brasileiras, como o samba de roda, samba de enredo, samba de breque, samba de partido alto, dentre outras formas. As escolas de samba emergem em meados da década de 1920, porém, estabelecem uma aproximação mais acentuada com o poder público em 1935,

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Anais Eletrônicos do IV EHECO, Campo Grande, MS, 2017, ISSN 22374310

“SEM PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO”1: o uso dos desfiles das escolas de samba em sala de aula

Christian Gonçalves Vidal da Fonseca Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

E-mail: [email protected]

Ana Carolina Brasil Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

E-mail: [email protected]

Resumo Este artigo propõe um novo olhar sobre os desfiles das escolas de samba e os sambas-enredo, vendo estes como fontes possíveis de serem trabalhadas no ensino de História. A partir da década de 1980, houve um amplo estudo acadêmico acerca do ensino de História, emergindo discussões sobre as distintas formas de ensino, as fontes, os métodos e a construção do conhecimento histórico, questionando-se os grandes vencedores, os heróis nacionais, a utilização dos livros didáticos e a relação entre professor e aluno. Nesse passo, as escolas de samba tendem a protagonizar os negros, as mulheres e os indígenas em seus desfiles de carnaval. Levar a cultura popular brasileira para dentro das instituições escolares é um recurso ainda pouco utilizado pelos docentes de história nas salas de aula, mas é uma prática que buscamos potencializar neste artigo. Os desfiles das agremiações carnavalescas e os sambas-enredos criam narrativas acerca de uma temática, podendo ser uma possibilidade de uso em sala de aula, as imagens produzidas pelas escolas de samba não devem ser vistas apenas como ilustração, mas sim, problematizadas e situadas no tempo e espaço. Para a construção do artigo, bebeu-se das contribuições historiográficas de Maria Auxiliadora Schimidt (2004), Antoni Zabala (1998), Circe Bittencourt (2007) e Leandro Karnal (2004). Palavras-chave: Ensino de história. Fontes. Samba-enredo.

I. O Carnaval e o Ensino de História

“Na sala de aula É que se forma um cidadão Na sala de aula Que se muda uma nação Na sala de aula Não há idade, nem cor” (Leci Brandão)2

O samba carrega consigo influências de vários ritmos e povos, principalmente dos

africanos escravizados que atravessaram o Atlântico rumo ao Brasil. Sua emergência no

final do século XIX permite uma disseminação que seria adaptada por diversas regiões

brasileiras, como o samba de roda, samba de enredo, samba de breque, samba de partido

alto, dentre outras formas. As escolas de samba emergem em meados da década de 1920,

porém, estabelecem uma aproximação mais acentuada com o poder público em 1935,

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quando o então prefeito do Rio de Janeiro Pedro Ernesto, legaliza a competição entre as

agremiações carnavalescas.

Em um Estado tradicionalmente autoritário como o brasileiro, cujo diálogo com os extratos sociais mais baixos, pelo menos até a década de 1930, era orientado pelas marretas das reformas urbanas e demais tentativas de impor uma nova ordem ‘civilizada’, o reconhecimento do poder público era também uma vitória contra o preconceito e a discriminação que afligiam não apenas as práticas culturais, mas também os próprios indivíduos pertencentes aos extratos inferiores (PAVÃO, 2008, p. 2).

A Importância do reconhecimento do Estado brasileiro na comemoração do

carnaval em espaço público contribuiu para a legitimação desta prática cultural das

camadas brasileiras que viviam em uma situação socioeconômica desfavorecida. Com

efeito, esse processo de compreensão pelo poder público pode ser interpretado, segundo

aponta o antropólogo Fábio Oliveira Pavão (2008), como uma série de transformações

políticas e ideológicas mais amplas que abarcavam toda a sociedade brasileira,

possibilitando entender à ascensão do samba como identidade nacional. Como resultado,

o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu o samba

carioca (partido alto, samba de terreiro e samba-enredo), em 2007, como patrimônio

cultural imaterial do Brasil.

Vale ressaltar que o carnaval ocorre de diversas formas e modos pelo Brasil, sejam

os trios elétricos, o frevo, o maracatu, os ranchos, os blocos e os desfiles das escolas de

samba que não se limitam ao espaço do Rio de Janeiro, mas que também ocorrem em

outras cidades brasileiras, como São Paulo, Santos, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória,

Uruguaiana e Manaus.

Os desfiles das escolas de samba procuram contar uma história através de um

enredo, uma trama literária ou fictícia que se materializa em fantasias, alegorias e no

samba-enredo. Logo, desponta como uma ferramenta que pode ser aproveitada em sala

de aula. Diante disso, propõe-se um novo olhar sobre a produção audiovisual das

agremiações carnavalescas, entendendo-as como fontes possíveis de serem trabalhadas

no ensino de História. Embora haja um terreno muito fértil a se explorar, este ainda é

pouco cultivado pelos professores, que tendem a criar uma distância ou preconceito com

elementos que estão próximos ao cotidiano dos alunos, valorizando assim, aquilo que é

tido como tradicional.

Sugerimos então, uma proposta de ensino que contribua na dinâmica e desponte

como mais um recurso que esteja à disposição do docente. Considerando os apontamentos

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da filósofa Elsa Garrido (2001, p. 45), que entende o papel do professor como o

profissional que:

aproxima, cria pontes, coloca andaimes, estabelece analogias, semelhanças ou diferenças entre cultura ‘espontânea e informal do aluno’, de um lado, e as teorias e as linguagens formalizadas da cultura elaborada, de outro favorecendo o processo interior de ressignificação e retificação conceitual.

O docente mediante a esta proposta, deve estar aberto e disposto a vencer a

resistência e a “preguiça pedagógica” que rodeiam nossa carreira profissional. Ou seja,

muitos professores “resistem a trabalhar a História sob a perspectiva das novas

abordagens ou utilizar métodos diferenciados para discutir conteúdos históricos”

(BERGAMO, 2009, p. 4). Tal reflexão endossa o pensamento de Jörn Rüsen, afirmando

que “o ensino de história em sala de aula tem tendido a se tornar uma atividade mecânica”

(2006, p. 13).

Reconhecemos aqui, que o docente, independente da instituição em que está

lecionando, está sujeito a limitações impostas pela estrutura e pelas normas estabelecidas

por esta. Em alguns casos, há um desinteresse de ambas as partes, como destaca Flávia

Eloisa Caimi (2006, p. 18):

Os professores, de um lado, reclamam de alunos passivos para o conhecimento, sem curiosidade, sem interesse, desatentos, que desafiam sua autoridade, sendo zombeteiros e irreverentes. Denunciam, também, o excesso e a complexidade dos conteúdos a ministrar nas aulas de História, os quais são abstratos e distantes do universo de significação das crianças e dos adolescentes. Os alunos, de outro lado, reivindicam um ensino mais significativo, articulado com sua experiência cotidiana, um professor ‘legal’, ‘amigo’, menos autoritário, que lhes exija menos esforço de memorização e que faça da aula um momento agradável.

Mediante esta tensão, Caimi (2006) entende que o professor deve conhecer outras

maneiras de produção e expressão do conhecimento histórico, expandindo os limites dos

livros didáticos e operacionando distintas estratégias para viabilizar a aprendizagem em

sala de aula. Assim, propomos uma abordagem alternativa no âmbito escolar,

aproximando o Ensino de História com os materiais audiovisuais produzidos pelas

escolas de samba. Desfiles estes que ocorrem, geralmente, no mês de fevereiro em

diversas cidades brasileiras e que são transmitidas por algumas emissoras de televisão

que detêm o direito de imagem.

II. Proposta Operacional

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Para a análise de uma composição musical, deve-se compreendê-la como um

artefato estético que permite evidenciar e explorar “seus múltiplos significados [que]

podem flutuar e se deslocar de acordo com as circunstâncias em que emergem e são

recepcionados por diversos ouvintes na sucessão do tempo” (AZAMBUJA, 2011, p. 232).

É valido ressaltar que o professor deve estimular no aluno um “espírito investigativo” que

permita despertar a curiosidade, aproximando o conteúdo da realidade vivida pelos

estudantes, pois segundo Azambuja (2011, p. 229), “os jovens quando vão à escola,

carregam além das suas pesadas mochilas, uma outra bagagem simbólica: um repertório

de ideias, concepções e pontos de vistas, experiências que não devem ser

menosprezadas”.

Tendo em vista que os desfiles são televisionados anualmente num mesmo

período, em rede nacional e de fácil acesso, eles estão disponíveis em plataformas digitais

durante todo o ano, de forma que, em certa medida, se faz presente na realidade de vários

alunos, independente da forma em que são recepcionados por estes, seja positiva ou

negativamente. O professor ao recorrer ao material audiovisual dos desfiles tem a

possibilidade de explorar os mais diversos temas e ainda aproximar as fontes do cotidiano

de seus alunos, seja pela identificação destes com as fontes ou até mesmo pelo acesso a

estas, diversificando tanto os materiais quanto as formas de análise.

As escolas de samba ao longo do século XX abordaram as mais variadas temáticas

que fornecem um subsídio básico com abordagens e ênfase nos campos político, social,

cultural e econômico, auxiliando o docente a explorar temas lúdicos, polêmicos,

históricos e complexos. Nesse sentido, os sambas-enredos podem ser utilizados como

uma ferramenta introdutória de alguns conteúdos, como: História do Brasil, História

regional, transformações do espaço urbano, lendas, tradições, tolerância religiosa e a

pluralidade identitária, ética, racial e sexual. Vale salientar que em alguns períodos

específicos, por exemplo, no carnaval do Rio de Janeiro, as escolas de samba produziram

desfiles que abordaram momentos históricos importantes, como o centenário da abolição

(carnaval de 1988), os 500 anos do Brasil (carnaval de 2000), os 200 anos da Chegada da

Família Real (carnaval de 2008), dentre outras temáticas.

O estudo imagético e sonoro dos desfiles das escolas de samba, considerando o

fato de que estes compõem inúmeras narrativas sobre as temáticas de História e Cultura

afro-brasileira e indígena, apresenta-se como um instrumento que possibilita o

cumprimento das leis 10.639/03 e 11.645/08, que modificam a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, obrigando as redes de ensino a incluírem no currículo oficial tais

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temáticas. Esta lei tem como objetivo evidenciar as contribuições políticas, econômicas,

sociais e culturais que os povos africanos e indígenas deixaram e deixam nestas terras.

Para que essa proposta possa ser levada até a sala de aula os professores devem

ter em mente algumas considerações, entre elas o fato de que as escolas de samba

produzem leituras de períodos históricos brasileiros selecionados, carregados de sentido

e intenção. Em seguida, convidamos o leitor a um exercício imagético, compreendendo o

desfile da escola de samba como uma leitura de um livro sonoro. Na capa estão

evidenciadas a logo e o título do enredo, o autor da obra seria o carnavalesco, a

composição das alas as ilustrações deste livro e as capitulações equivalem aos setores.

III. Proposta de Oficina

A proposta de aula oficina em questão pode ser aplicada para alunos do ensino

fundamental e médio, considerando alguns ajustes necessários para as determinadas

faixas etárias. Primeiramente, o docente deve aplicar um questionário investigativo aos

alunos, com o objetivo de uma observação prévia que consista em relevar questões

socioculturais em que os estudantes estão inseridos. Ou seja, “quanto mais o aluno sentir

a história como algo próximo dele, mais terá vontade de interagir com ela, não como uma

coisa externa, distante, mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado a

exercer” (KARNAL, 2008, p. 28). Sendo assim, construímos uma tabela básica que pode

inspirar outros modelos de questionário investigativo pelo professor:

Questionário Sociocultural Investigativo

Idade

Qual o Bairro em que você reside?

Qual o seu passatempo preferido?

Qual emissora de TV você costuma assistir? ( ) Globo ( ) Record ( ) SBT ( ) Band ( ) Outro. Qual _____________

De quais redes sociais você se utiliza? ( ) Facebook ( ) Whatsapp ( ) Twitter ( ) Outro. Qual _______________

Costuma ler livros? Se sim, quais os gêneros pelo qual você mais se identifica?

( ) Comédia ( ) Ficção ( ) Ação ( ) Outro. Qual _______________

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Você costuma acompanhar desfiles das escolas de samba? Comente sobre.

Na sua Casa tem internet? ( ) Sim

( ) Não

Na sua Casa tem TV a Cabo? ( ) Sim

( ) Não

Pretende prestar vestibular ( ) Sim

( ) Não

Você sempre estudou em colégios públicos?

( ) Sim

( ) Não

Tabela 1. Questionário Sociocultural investigativo

O questionário sociocultural investigativo permite ao professor mapear o perfil

dos estudantes e utilizá-lo a favor de suas propostas educacionais em sala de aula. O

modelo aqui apresentado pode e deve ser moldado pelos docentes a fim de atender a

demanda de sua turma. É importante que após a aplicação do questionário, o professor se

atente as nuances das respostas e consiga identificar as carências e as qualificações dos

estudantes, a fim de aproximar o Ensino de História dos desfiles de carnaval.

De acordo com Isabel Barca numa aula oficina deve haver “o desenvolvimento da

competência de interpretação de fontes, em tarefas ao longo da aula” (2004, p. 140).

Amparados nisso, o professor ao montar sua oficina pode seguir alguns passos. Em

primeiro lugar, dividir a turma em grupos e disponibilizar para um debate coletivo as

letras dos sambas-enredos, isto é, o texto musical utilizado pela agremiação para compor

a trilha sonora de seu desfile carnavalesco. Logo, o professor deve instigar o aluno a

questionar a fonte: buscar os autores da obra, perceber o período abordado pela escola de

samba, apontando o contexto da narrativa e da produção escrita. Como exemplo segue o

samba-enredo da São Clemente, que no ano de 2008, desfilou com o enredo “O Clemente

João VI no Rio: a redescoberta do Brasil”.

Enredo: O Clemente João VI no Rio: a redescoberta do Brasil Compositores: Helinho 107, Ricardo Góes, Naldo, Cláudio Filé, Armandinho do Cavaco e Marcelo Santa Clara

No céu brilhou

O azul cintilante refletindo a nobreza Lisboa se enfeitou

Celebrando a união das realezas O povo festejou

Para orgulho da coroa portuguesa O reino então se mudou Meu Rio se transformou

Num grande centro de "Real" beleza Um verdadeiro paraíso tropical

Entrada régias com florais e esculturas

O ritual do beija mão é sem igual O amor impera em sublime poesia

E no palácio a alegria é geral

Com os portos abertos Surgem amigas nações

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Após se depararem com este documento em que realizarão uma primeira análise

coletiva, os alunos receberão algumas imagens selecionadas referentes ao desfile, neste

caso, da São Clemente de 2008. É nesse sentido que o conjunto texto-imagem forma um

sistema complexo, e que é fundamental para a compreensão das condições representativas

em geral (SCHØLLHAMMER, 2002, p. 20). Logo, o aluno deve se atentar a

materialidade visual da narrativa, buscando perceber os símbolos, as cores, os adereços,

possíveis estereótipos, enfim, elementos selecionados pelas escolas de samba para

representar um período histórico proposto. Pode-se observar a segunda etapa a partir das

imagens abaixo selecionadas:

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Imagem 2 – Foto aproximada da Comissão de Frente da São Clemente 2008. À frente, Maria I de Portugal. Ao fundo, seu filho, Dom João VI. Foto: Guilherme Pinto – O Globo.

Imagem 1 - Comissão de Frente da São Clemente 2008 - O Teatro de Maria, a Louca. Foto: Widger Frota.

Roteiro Analítico das Imagens 1 e 2: 1. Autor do Enredo? Nome da Escola de Samba? Nome do carnavalesco? Nome da

Comissão de Frente? 2. Qual período histórico e cenário político a Comissão de Frente da São Clemente se

propõe a apresentar? 3. Que adereços marcam presença na narrativa da escola de samba remetente a Vinda

da Família Real ao Brasil? 4. Quem são os personagens que aparecem nas imagens? 5. Que reflexão se pode extrair a partir das duas imagens? 6. Quais relações se pode estabelecer entre o samba-enredo e as duas imagens?

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Em seguida, os discentes receberão um material, em que o professor pode

selecionar e retirar do livro didático da turma, contendo imagem e texto de um mesmo

período histórico abordado pela narrativa carnavalesca. A partir disso, os alunos devem

se ater, mediante a um roteiro confeccionado pelo professor, a algumas questões: quem

produziu o livro? Quais as abordagens do livro? Qual o conteúdo histórico apresentado?

Qual a relação estabelecida entre texto e imagem? Como é construída a narrativa do livro?

Mediante os exemplos abordados, segue um modelo:

Imagem 3 – Aclamação do Rei Dom João VI. Obra de Debret.

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O livro didático, escreve José Ricardo Oriá Fernandes (2005, p. 122), “exerce um

papel preponderante no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem nas escolas

brasileiras, sobretudo nos estabelecimentos da rede pública de ensino caracterizados pela

Imagem 4 – COTRIM, Gilberto. História & Consciência do Brasil: Da Conquista à independência. 9º Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

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carência de outros materiais de ensino”. Mesmo com a distância que se deve ter com o

livro didático, problematizando-o, não podemos ignorá-lo, pois, conforme ressalta

Fernandes (2005), o livro se apresenta como um objeto multifacetado, de múltiplas

funções e que é ainda muito recorrido pelos docentes de escolas públicas. Considerando

a carência de outros recursos tecnológicos em algumas instituições públicas e visando a

acessibilidade desta proposta didática, o livro didático desponta como uma ferramenta

detentora do saber.

Contudo, os desfiles das escolas de samba demonstram outras narrativas que

enfatizam questões históricas. Dito isso, a partir do último documento entregue ao

estudante, a página do livro didático (imagens 3 e 4), o professor deve dar autonomia para

que os alunos articulem letra, imagens e o texto escrito. Esse exercício vai permitir que o

discente construa um emaranhado de ideias, fazendo uma leitura geral, dando sentidos e

significados aos elementos que compõem a oficina.

As discussões que podem sair das análises dos alunos podem ser as mais variadas.

A aula-oficina será uma introdução para que o docente possa discorrer acerca da transição

entre o período colonial e imperial. Os debates devem evidenciar perspectivas distintas,

buscando a todo o momento relacionar as três linguagens apresentadas: sonora, visual e

textual. Os temas a serem abordados podem ser: A Vinda da Família Real, o cenário da

cidade carioca, a distinção social (trajes), o período escravocrata, as relações econômicas,

políticas e sociais em que Dom João VI, príncipe regente do Brasil, estabelecia com a

Inglaterra e com seu próprio país.

IV. Processo Avaliativo

Após o processo de oficina, o professor geralmente é cobrado pelos alunos acerca

da avaliação quantitativa pelo esforço desempenhado durante a aula. Contudo, alinhado

ao pensamento de Léa Depresbiteris (1998), entendemos que as notas são frequentemente

utilizadas como classificador dos alunos, enfatizando-se comparações de desempenhos,

não se preocupando com a dimensão crítica na qual o estudante atingiu. O docente deve

voltar sua avaliação para um conjunto de processos pensados durante o planejamento da

oficina em que se definiram os objetivos, conteúdos, estratégias de ensino e os critérios

avaliativos. Para Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli, o docente deve estar

ciente que avaliar se configura sempre em um julgamento de valor e, que nesse sentido,

“[...] é importante que o professor esclareça ao aluno a finalidade e o porquê de sua

avaliação, além de explicar os critérios que serão utilizados para avaliá-lo” (2004, p. 147).

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Desse modo, o professor deve identificar quais foram às habilidades desenvolvidas pelos

estudantes, atentando-se pela maneira em que ele conseguiu relacionar a proposta da

oficina com a sua realidade. Além disso, perceber se o aluno desempenhou as funções

propostas, de análise e interpretação das fontes, juntamente com a percepção e construção

de um produto final pautado nos moldes sugeridos pelo professor, estabelecendo uma

relação entre o conteúdo, o livro didático e os desfiles carnavalescos.

V. Considerações Finais

Por fim, durante a narrativa proposta, buscamos teorizar questões que

possibilitassem aproximar os desfiles das escolas de samba com o Ensino de História sem

se distanciar da realidade do estudante. Entendemos que os debates das questões sociais

e políticas devem ocorrer, e as maneiras pelas quais estas serão abordadas são válidas.

Pensar o carnaval nesse ambiente é refletir acerca de um meio popular pelo qual os

estudantes têm acesso, e pelo qual, muitas vezes enxergam os problemas sociais

existentes materializados pela televisão na forma de um rico material audiovisual.

Além disso, buscamos evidenciar que toda a composição sonora e visual das

escolas de samba e seus respectivos sambas-enredos, podem ser utilizados como uma

alternativa didática ao ensino de história, e que, através de uma análise comparativa entre

o conteúdo destas fontes e o conteúdo do livro didático, a nova proposta não deixa a

desejar em termos de possibilidades e conteúdos ao livro didático, representante de um

recurso metodológico tradicional.

VI. Referências Bibliográficas

AZAMBUJA, Luciano de. “Fado Tropical”: protonarrativas de jovens alunos brasileiros e portugueses, escritas a partir das leituras e escutas de uma canção “engajada”. In: Educação história: teoria e pesquisa. CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (Org.). Ijuí: Ed. Unijuí, 2011.

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projecto à avaliação. In:______. (Org.). Para uma educação histórica com qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga: Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004. P. 131-144. BERGAMO, Mayza. O uso de metodologias diferenciadas em sala de aula: uma experiência no ensino superior. 2009. Disponível em: <http://revista.univar.edu.br/downloads/metodologiasdiferenciadas.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017.

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CAIMI, Flavia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Tempo, v. 11, n. 21, p.17-32, 2006. COTRIM, Gilberto. História & Consciência do Brasil: Da Conquista à independência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. DEPRESBITERIS, Léa. Avaliação da aprendizagem do ponto de vista técnico-científico e filosófico-político. Série Idéias n. 8. São Paulo: FDE, 1998, p. 161-172. FERNANDES, José Ricardo Oriá. O livro didático e a pedagogia do cidadão: o papel do instituto histórico e geográfico brasileiro no ensino de história. Sæculum. Revista de História. João Pessoa, jul/dez. 2005. GARRIDO, Elsa. Sala de aula: espaço de construção do conhecimento para o aluno e de pesquisa e desenvolvimento profissional para o professor. In: CASTRO. Amélia Domingues e Carvalho, Anna Maria Pessoa de (org.). Ensinar a ensinar. Didática para a escola fundamental e média. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001. KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2008. PAVÃO, Fábio Oliveira. O samba como patrimônio. 26º Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Segura, Bahia. 2008. RUSEN, Jorn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07-16, jul-dez, 2006. SCHMIDT, Maria Auxiliadora;CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004. SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Regimes representativos da modernidade. Légua & meia: Revista de literatura e diversidade cultural, nº1, 2002. VII. Notas de Rodapé 1 Título retirado de um trecho do samba-enredo da Leandro de Itaquera para o carnaval paulista de 1999, cujo o enredo foi “Educação, um salto para a liberdade”. 2 Trecho retirado da canção “Anjos da guarda”, composta pela cantora e compositora Leci Brandão.