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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAIS Brasília 07 e 08 de Outubro de 2004 SEMINÁRIO FAIXA DE FRONTEIRA: NOVOS PARADIGMAS

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICAGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAIS

Brasília07 e 08 de Outubro de 2004

SEMINÁRIO

FAIXA DE FRONTEIRA: NOVOS PARADIGMAS

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REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASILPresidente: Luiz Inácio Lula da Silva

GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALMinistro: Jorge Armando Felix

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO E ESTUDOS INSTITUCIONAISSecretário: José Alberto Cunha Couto

Edição: Secretaria de Acompanhamento e Estudos InstitucionaisEndereço para correspondência:Praça dos Três PoderesPalácio do Planalto, 4° andar, sala 130Brasília - DF CEP 70150 - 900Telefone: (61) 3411 1374Fax: (61) 3411 1297E-mail: [email protected]

Criação e editoração eletrônica: CT Comunicação LtdaImpressão: Santa Clara Editora - Produção de Livros Ltda A presente publicação expressa a opinião dos autores dos textos e não reflete necessariamente a posição do Gabinete de Segurança Institucional.

S471 Seminário Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas (Brasília: 2004). Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2004.

108 p.

CDD - 320.12

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

1. Fronteira - Brasil. 2. Geopolítica - Brasil. I. Presidência da República. II. Gabinete de Segurança Institucional.

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IApresentação ............................................................................................... 05

II1º Painel: �� ���������� ��� ����������� �������� ���������� ���������� ��� ����������� �������� �������� �� �������� ��mb������� .................................................................. 11

III2º Painel: �� O������� ��� T�������� �������� F����á��� �� �������� I��íg���� .........................................................................27

IV3º Painel: P����������v� I�������������� � N��m���z���� �� F���� ��� F��������� .................................................................. 43

V4º Painel: �� F���� ��� F��������� �� � ���g������ N����������� F���� ��� F��������� �� � ���g������ N��������� P����������v� ������ég��� �� ������õ��� ��� I������gê���� .............. 61

VI5º Painel: �� F���� ��� F����������� �� ���m��� T��������������� F���� ��� F����������� �� ���m��� T������������� �� �� ���õ��� ��� I����g����� .......................................................... 83

VIIRelatório do Seminário ................................................................................. 97

VIIIEncerramento ............................................................................................... 105

Sumário

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APRESENTAÇÃO

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Apresentação

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PRIMEIRO DIA - 07/10/2004

Em parceria com a Advocacia Geral da União, por intermédio do Centro de Estudos Vitor Nunes Leal, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República promoveu nos dias 7 e 8 de outubro de 2004, no auditório do Palácio do Planalto, o Seminário “Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas”.

O objetivo do seminário foi reunir estudiosos para uma discussão ampla sobre “Faixa de Fronteira”, conceito que vem passando por informal revisão ao longo dos últimos anos, tendo em vista a busca de subsídios para formulação de políticas públicas sobre o assunto.

Durante dois dias, o seminário, dividido em cinco painéis e mais uma sessão de abertura e outra de relatoria e de encerramento, constou de 20 palestras temáticas, que foram acrescidas de diversas intervenções do público – cerca de 200 pessoas – presente no auditório.

Da solenidade de abertura do seminário participaram o Vice-Presidente da República, José Alencar Gomes da Silva; o Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes; o Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Jorge Armando Felix; o Advogado-Geral da União, Ministro Alvaro Augusto Ribeiro Costa; e o Consultor-Geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho.

Ao abrir o seminário, o Vice-Presidente José Alencar Gomes da Silva destacou a importância das questões ligadas às nossas fronteiras e aplaudiu a iniciativa do evento que se coaduna com os elevados objetivos nacionais de integridade territorial. Ele lembrou a necessidade de reciclar o tema atualizando concepções de defesa do Território e advertiu que a atual delimitação da Faixa de Fronteira, de 150 km, como de interesse da segurança nacional, “não resiste às modernas técnicas de

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Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas

comunicações, de transporte e de logística hoje largamente utilizadas pelo crime transnacional”.

Em seguida, o Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Jorge Armando Felix, ao discorrer sobre as diferentes concepções da região fronteiriça, fixou-se na mais recente, que se fundamenta na necessidade de integração Sul-americana: “Ponto de encontro para os mais importantes projetos multinacionais de integração, sobretudo na área de transportes, a fronteira deixa de ser elemento de separação e transforma-se em faixa de contato. Ali, não só apenas começam e terminam as soberanias formais, mas é locus da cooperação, da integração cultural, comercial e em especial da construção de um mercado comum Sul-americano que permitirá a região sobreviver e competir economicamente em um mundo cada vez mais competitivo pela globalização”.

Para o Ministro Ciro Gomes, da Integração Nacional, o fato da Faixa de Fronteira ter sido durante muito tempo tratada apenas como “uma porta orçamentária de distribuição clientelista de recursos” levou à ausência do Estado e “permitiu sua transformação em Território livre para o narcotráfico, para o banditismo, para o tráfico de armas”.

Segundo o Ministro, “a sensação de abandono que os brasileiros experimentam nessas regiões não se pode mais tolerar”, e por isso, o Ministério está desenvolvendo um conjunto de iniciativas para oferecer oportunidades de trabalho, de produção para a gente brasileira que vive nessas áreas.

Parceiro do evento, o Ministro Alvaro Augusto Ribeiro Costa, Advogado-Geral da União, afirmou que a questão da Faixa de Fronteira é “um desafio para a nossa própria capacidade enquanto nação de vivenciar o texto constitucional e as questões envolvidas de natureza ambiental, de natureza mineral, a questão fundiária, a questão das nações indígenas, tudo isso, já exalta a complexidade de todas as questões inter-relacionadas”.

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Apresentação

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O Consultor-Geral da União, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, discorreu sobre as regras constitucionais e legais que vem disciplinando ao longo do tempo a evolução da Faixa de Fronteira e manifestou a opinião de que a despeito do tratamento dispensado pela lei ou pela Constituição - ora como Faixa de Segurança, ora como Faixa de Defesa, ora como Faixa de Defesa das Fronteiras, a faixa que acompanha a linha de fronteira com os nossos vizinhos deve ter uma disciplina toda própria para as ativida-des ali praticadas, com as devidas restrições e que são praticamente as mesmas desde 1891.

Na Faixa de Fronteira, por conta do interesse da Defesa e da Segurança do Território nacional, e a despeito da atuação dos Estados e das prefeituras, nos 588 Municípios que estão na Faixa de Fronteira, existe toda uma disciplina própria voltada para a proteção do Território e da Segurança, e da qual resultam competências administrativas e competências normativas específicas.

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1º PAINELA Exploração de Recursos:

Questão Mineral e Questão Ambiental

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Com o tema “A Exploração de Recursos: Questão Mineral e Questão Ambiental”, o primeiro painel teve o Ministro José Carlos de Araújo Leitão, Coordenador de Estudos da Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional, na qualidade de coordenador da mesa, composta pelo Sr. Miguel Antonio Cedraz Nery, Diretor-Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); pelo Professor José Augusto Leitão Drummond, da Universidade de Brasília; pelo Sr. Flávio Montiel, Diretor de Proteção Ambiental do Ibama, e pela Sra. Célia Maria Cavalcanti Ribeiro, Procuradora-Geral Federal, também como coordenadora da mesa.

O Sr. Miguel Antonio Cedraz Nery, Diretor-Geral do DNPM, apresentou o conceito do que vem a ser a atividade de mineração em Faixa de Fronteira, começando por destacar alguns aspectos peculiares da indústria mineral. Ele iniciou abordando a exaustão dos recursos minerais, lembrando que os bens minerais são recursos exauríveis e não renováveis, e também aspectos da rigidez locacional das jazidas minerais, que segundo ele são próprias e determinadas pela geografia, pela natureza e pela distribuição irregular dos depósitos em relação às necessidades regionais, o que faz com que cada jazida tenha uma característica única, a ponto de não existirem duas jazidas iguais no mundo.

Explicou que pelas particularidades geológicas há uma grande incerteza na fase de exploração para fins de identificação das jazidas e de avaliação técnica econômica. Com escalas de produção pouco flexíveis, a indústria mineradora, em alguns aspectos, tem características transnacionais.

No passado, os bens minerais eram tidos na sociedade como estratégicos para a soberania nacional, conceito que segundo ele evoluiu. Citou o exemplo do Japão, que chegou a possuir grande estoque de minério de ferro sem nunca ter tido uma jazida sequer.

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Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas

Do ponto de vista da economia mineral do Brasil, hoje, a indústria extrativa juntamente com a indústria de transformação mineral movimenta US$ 46,3 bilhões/ano. Isso correspondeu a 9.3% do PIB em 2003. A balança comercial do setor alcança uma relação com 188 países, movimentando em torno de US$ 12,9 bilhões, com superávit na ordem de US$ 7,5 bilhões participando, portanto, com 23,5% do total das exportações, excluindo-se petróleo, gás e seus derivados.

O setor emprega atualmente 238 mil trabalhadores diretos e 222 mil terceirizados, totalizando 460 mil empregos. Atinge 1,5 milhão de empregos indiretos em decorrência das próprias cadeias produtivas dos bens minerais, e rende cerca de 300 milhões de reais/ano de compensação financeira pela exploração mineral que são repassados para a União (12%), Estados (23%) e Municípios (65%).

De acordo com o índice do Instituto Frazier, uma instituição canadense que divulga anualmente uma avaliação sobre o potencial mineral e os investimentos de diversos países do mundo no setor, no índice de potencial mineral o Brasil, hoje, ocupa a 10ª posição entre todos os países. E em relação ao índice de investimento, o País ocupa a 5ª posição.

Sobre a atividade de mineração na Faixa de Fronteira, disse que um grupo de trabalho - coordenado pelo Ministério de Minas e Energia do qual participaram o DNPM, o Gabinete de Segurança Institucional, a Casa Civil, o Ministério da Defesa e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - elaborou uma minuta de anteprojeto de lei, buscando regulamentar a participação de empresas estrangeiras na mineração na área de fronteira. O objetivo desse texto é o estabelecimento de compromissos dos grupos estrangeiros que operarem em Faixa de Fronteira de oferecerem contrapartidas para o País com a geração de empregos e investimentos em infra-estrutura local e regional. Nessa questão de mineração em Faixa de Fronteira, o DNPM tem trabalhado visando à atração de investimentos.

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A retomada do crescimento econômico impõe o desafio de se garantir a disponibilidade de recursos minerais, pois o crescimento econômico implica diretamente no maior consumo de bens minerais. E no Brasil o consumo de bens minerais per capita ainda é muito baixo. Se comparado com países desenvolvidos, estamos defasados quase na proporção de um para dez. Afirmou ainda que a mineração tecnicamente bem desenvolvida e controlada é uma das atividades industriais que menos afeta o meio ambiente.

O Professor José Augusto Leitão Drummond, da Universidade de Brasília, apresentou estudo de caso sobre a mineração de manganês em Serra do Navio, no Amapá, de 1957 a 1997, que considera uma experiência pioneira em área de fronteira amazônica. A Serra do Navio foi a única grande mina na Amazônia brasileira que fez o seu ciclo completo: ela foi descoberta, pesquisada em detalhes, foram elaborados estudos de viabilidade comercial, técnica, de transportes, a infra-estrutura para a exploração foi construída, realizou-se a exploração, propriamente dita, ou seja, a retirada do minério foi executada, até que o minério se exauriu para fins comerciais e técnicos e a mina fechou.

A mineração de Serra do Navio foi o primeiro grande empreendimento mineral de caráter empresarial na Amazônia e no Estado do Amapá. Para o bem ou para o mal o Amapá foi conformado pela importância da mineração de Serra do Navio. É difícil encontrar lá algo que não tenha sofrido influência em algum grau desse empreendimento.

Uma outra característica singular é que ela foi operada por uma joint-venture, formada pela Norte-americana Bethlehem Steel, que na época era a maior empresa siderúrgica do mundo e a maior consumidora de manganês, e uma pequena empresa nacional brasileira chamada na época Icomi, hoje a KM, que chegou a ser a maior empresa privada nacional de mineração até a privatização da Vale do Rio Doce.

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A mineração de Serra do Navio teve padrões gerenciais e financeiros próprios bastante “avançados” para a época por causa, principalmente, da participação da Bethlehem Steel que abriu muitos mercados para o manganês em todo o mundo, pois era uma empresa que já tinha tradição no ramo e, também teve um tipo de tratamento com a sua força de trabalho, seu corpo de empregados, que ainda hoje é considerado moderno. Treinamento e promoção de empregados, programas universais de educação e saúde, bons salários, cooperativas de crédito, fundo de pensão, aproveitamento de empregados da mina em outros empreendimentos que foram criados, isso também ajudou a solidificar a empresa regionalmente. A empresa teve um importantíssimo partidário local, Janari Gentil Nunes, Interventor do Amapá de 1943 a 1956, que foi um grande lobista a favor do empreendimento. Era um oficial do Exército paraense, já tinha servido no Amapá e fez tudo que pôde para ajudar a implantação desse empreendimento.

Outra característica interessante de Serra do Navio é que o projeto nasceu em meio às lutas diplomáticas da Guerra Fria, das ameaças e boicotes, até que Stalin proibiu a exportação de manganês da Rússia, que era e ainda é o país detentor das maiores reservas e o maior exportador para os Estados Unidos, para a Inglaterra e para a França. A atitude do líder russo levou preocupação a esses países e o Governo dos Estados Unidos acabou participando ativamente do empreendimento de Serra do Navio, comprando minério do Brasil através da Bethlehem Steel, que estava associada à Icomi.

Uma outra característica que chama atenção quando se estuda a mineração de Serra do Navio é que toda infra-estrutura para explorar o minério foi construída pela iniciativa privada. Se os empreendedores fossem esperar que a infra-estrutura que eles precisavam para explorar manganês fosse feita pelo Governo, eles iam esperar mais 20 ou 30 anos.

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O Amapá ganhou em torno de 4% ou 5% de royalties sobre a receita líquida da empresa que investiu localmente 20% dos seus lucros líquidos. Esse foi um acordo pioneiro, negociado por Janari Gentil Nunes como Interventor do Território.

O Amapá recebeu um total de 130 milhões de dólares depositados na conta bancária do Governo do Estado que era bloqueada exclusivamente para a construção da usina hidrelétrica Coaracy Nunes. Os recursos eram depositados a cada 90 dias em espécie, nessa conta bancária com custo zero de arrecadação para o Governo federal ou Governo estadual. Grande parte desse dinheiro foi gasto realmente na construção da usina hidrelétrica. Depois disso, a Eletronorte injetou recursos para concluir a hidrelétrica, sendo que parte desse dinheiro também foi usada na construção de escolas, hospitais, e no asfaltamento de alguns trechos de estradas.

A empresa, além dos royalties, gastou 200 milhões de dólares criando outras cinco empresas numa tentativa de diversificar as suas atividades e, por conseqüência, as atividades econômicas do Estado: quatro mil hectares de dendê, uma grande indústria de madeira, um plantio comercial de eucaliptos e pinheiros, e uma siderurgia que começou a funcionar em 1989 e é a maior consumidora de energia elétrica individual de todo o Estado. Fez ainda pesquisa mineral complementar em 1999 ao custo de quase dois milhões de dólares, procurando novos minérios que ela pudesse explorar. Achou só a cromita, que é um minério mais nobre, e que estava sendo minerado até o início desse ano. Apesar desse investimento, os amapaenses criticam a mineração em Serra do Navio.

Serra do Navio foi também alvo de uma longa polêmica entre nacionalistas e não-nacionalistas, aqueles a favor do capital estrangeiro. Por isso, o empreendimento é muito mais famoso politicamente do que economicamente. Há muitos estudos de como o empreendimento

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ameaçava a soberania nacional e poucos estudos sobre seu desempenho econômico extraordinariamente bem sucedido.

Na visão do Professor, o País não perdeu nada em termos de recursos naturais, nem de divisas, nem tão pouco de soberania por causa da localização da Serra do Navio nessa área, quase que de fronteira, com presença de capital estrangeiro, e com vocação exportadora. Ao contrário, foi uma grande oportunidade de negócio. Diferentemente do que se previa, o manganês não acabou. Hoje sobra manganês e o Brasil continua um grande exportador desse minério. O Amapá não ficou tão dilapidado como geralmente se diz e é líder em vários indicadores sociais e econômicos dentro da Amazônia.

A Bethlehem Steel funcionou como acionista minoritária do empreendimento e isso nunca foi contestado judicialmente. Ela continuou como sócia da Icomi até a década de 80, quando vendeu de volta para a empresa brasileira a sua participação.

O Sr. Flávio Montiel, do Ibama, expôs a presença do órgão e a sua atuação na Faixa de Fronteira, que se dá principalmente com as Unidades de Conservação. Essas Unidades de Conservação representam em torno de 11,3% da Faixa de Fronteira, portanto, em torno de 145 mil km². O Brasil tem hoje, como áreas protegidas, cerca de 57 Unidades de Conservação, entre unidades de uso sustentável e de proteção integral.

Outra atuação se dá por intermédio dos escritórios locais e regionais. O Ibama tem, na Faixa de Fronteira, 12 escritórios que vão desde o Amapá até o Rio Grande do Sul, além de 23 postos de vigilância e fiscalização, a partir dos quais o órgão deflagra as operações de fiscalização e de monitoramento.

São operações conjuntas de fiscalização em situações bilaterais

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e multilaterais, no âmbito do Mercosul, do Acordo de Cooperação de Fiscalização Ambiental com o Peru e da Organização do Tratado de Cooperação Amazônia (OTCA), onde algumas operações também são previstas com a Bolívia e com a Venezuela.

As ações de monitoramento e fiscalização têm o apoio de imagens de satélites. O Ibama trabalha com o satélite Multes, de resolução média, de 250 m, que chega a identificar desmatamentos de até 25 hectares, com uma passagem de três em três dias; e com outro satélite brasileiro, que já opera há alguns anos e traz informações com relação a desmatamentos, queimadas e focos de calor. Esse satélite tem uma resolução média de 260 m e uma passagem orbital a cada cinco dias.

Com o apoio dos satélites são desenvolvidas as operações de campo que vão desde as notificações até embargos e multas, apreensões e prisões, a destruição de acampamentos e de materiais coletados. A destruição de equipamentos e de materiais coletados se faz necessária em função das distâncias que têm que ser percorridas e da dificuldade de acesso a muitas dessas áreas.

Nesse quadro, são contextualizados os principais crimes ambientais verificados nessa Faixa de Fronteira, divididos em três grandes blocos. No primeiro bloco Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia, com contrabando de substâncias não autorizadas (como agrotóxicos e transgênicos, que foram plantados no Rio Grande do Sul); o tráfico de animais silvestres, de peixes, de aves e de insetos; a pesca e caça proibidas e a contaminação de recursos hídricos compartilhados ou não.

No segundo bloco, Bolívia, Peru e Colômbia, onde os grandes riscos ambientais se concentram nas ações de queimadas e desmatamentos ilegais, tráfico de animais, biopirataria, entendida também como etnopirataria, envolvendo o solo e a flora. Há um conjunto de descobertas recentes envolvendo solos que foram fertilizados por populações pré-européias, populações nativas que desenvolveram uma fertilidade

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muito grande. Esses solos estão sendo retirados do País e levados para o Japão e para outros países, onde se busca a partir deles desenvolver essa fertilidade.

No terceiro bloco, composto pela Venezuela, Colômbia, Guiana, Suriname e a Guiana Francesa, há principalmente tráfico de animais, biopirataria, a mineração ilegal (garimpo) e o contrabando de pedras e gemas. Não é uma ação que venha apenas dos países vizinhos para o Brasil, mas também no sentido inverso, do Brasil para os seus vizinhos.

Há outros crimes, além da lavagem de dinheiro, que estão muito relacionados, com a exploração ilegal de madeira ou com a atividade do narcotráfico. Esses crimes são a grilagem de terras, o tráfico de armas, a formação de grupos armados, a exploração de trabalhadores em regime de semi-escravidão e os assassinatos de lideranças indígenas, de trabalhadores rurais e de posseiros que se encontram na região há mais de trinta anos.

Frente a esse quadro, tanto em relação aos crimes ambientais como em relação a esse contexto vivido na fronteira, foram relacionadas algumas propostas de ações estratégicas que estão sendo já executadas e outras que estão sendo discutidas no âmbito do Governo, no Ministério do Meio Ambiente, na Casa Civil, junto à Coordenação do Grupo de Trabalho Permanente Interministerial que discute políticas públicas integradas para a redução das taxas de desmatamento na Amazônia. São elas:

1 – Um Plano Integrado de Vigilância e Monitoramento que estabelece ações em conjunto para essas áreas críticas já identificadas de fronteira do País. O plano é executado em função do modo que cada ministério trabalha e tem se revelado uma experiência muito positiva no que se refere às ações integradas no âmbito do plano de combate ao desmatamento, principalmente junto com o Exército.

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2 – Aprimoramento e fortalecimento dos sistemas de vigilância, monitoramento e alerta das áreas de fronteira. Além das técnicas disponíveis hoje – satélites, monitoramentos, vistoria de campo, equipes técnicas e postos de vigilância – desenvolve-se um trabalho diretamente com as comunidades autóctones da região (as comunidades ribeirinhas, as populações tradicionais, as populações indígenas) que podem ser capacitadas para identificar crimes ambientais e eventuais invasões ao Território brasileiro e acionar o posto de vigilância mais próximo.

3 – Intensificação da investigação. O trabalho de Inteligência está se desenvolvendo no âmbito do plano de combate ao desmatamento e já resultou em 86 mandados de prisão contra empresas que vinham explorando ilegalmente recursos naturais.

4 – Adensamento de postos de fiscalização integrada envolvendo além do Ibama, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, Funai, Exército, Marinha, os órgãos estaduais de Meio Ambiente e a Receita Federal.

5 – Ações combinadas bilaterais. Nós últimos anos foram desenvolvidas ações conjuntas com o Peru e com a Venezuela na questão do garimpo ilegal, e de fiscalização no âmbito do Mercosul. A fiscalização integrada envolve não só a questão ambiental, mas também outros ilícitos associados a questões trabalhistas, fundiárias, tributárias e de transporte de cargas ilegais.

6 – Fortalecimento das instâncias internacionais bilaterais e multilaterais existentes no âmbito do Mercosul, OTCA, e do Grupo de Cooperação Ambiental e de Fiscalização Brasil/Peru para resolução de crises e encaminhamento de soluções conjuntas.

O representante do Ibama destacou que uma das questões cruciais relativas ao novo paradigma para ação da área ambiental em Faixa de

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Fronteira seria um trabalho no âmbito do Tratado de Cooperação Amazônica, por exemplo, para o estabelecimento de diretrizes e um nível de legislação que fosse isonômica para os países vizinhos. Isso se faz necessário porque enquanto o Brasil tem uma legislação ambiental extremamente avançada, não existe correspondência com relação à legislação ambiental dos vizinhos, e o que para nós pode ser considerado como um crime ambiental, para eles não. No uso ou apropriação, ou destinação de animais silvestres, por exemplo, a legislação brasileira é muito clara na proibição da exploração comercial do uso, do apanho, do transporte de animais silvestres. Em alguns países vizinhos ela é autorizada.

Nos debates que se seguiram, o Ministro José Carlos de Araújo

Leitão encaminhou duas perguntas ao Professor Drummond: Quanto tempo a pequena Icomi levou para transformar-se na grande KM? Qual a posição atual do Brasil como produtor/exportador no mercado internacional de manganês?

O Professor Drummond relatou que a Icomi era uma pequena empresa criada em 1942, no Estado de Minas Gerais, e chegou a ser um dos primeiros fornecedores de manganês para a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. Quando ela ganhou a concessão de Serra do Navio, em 1946, ainda era uma empresa pequena, mas passou a ter muito dinheiro quando ela foi destinatária ou beneficiária do grande empréstimo do Banco de Exportação e Importação, entre 1953/54. Em 1957, a empresa começou a exportar, gerando negócios e receitas, mas ela ainda estava endividada. O citado empréstimo foi integralmente pago em sete anos em vez de vinte, e a partir de 1963, a Icomi poderia ser considerada uma empresa grande. Continuou crescendo, porque a própria mineração de manganês crescia, e chegou a ser uma multinacional, com investimentos no Canadá e no México.

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Sobre a posição do Brasil na produção de manganês disse que o País continua entre os cinco maiores, provavelmente em 4º lugar depois da decadência da mineração do Amapá, tendo à frente a Rússia, a África do Sul e a China.

A Sra. Célia Maria Cavalcanti Ribeiro quis saber quais foram os reflexos para o Estado do Amapá decorrentes do mega investimento em Serra do Navio, e o Professor Drummond afirmou que além da hidrelétrica construída com recursos dos royalties provenientes da mineração do manganês e embora a atividade de mineração, quando se encerra, não deixe muito em termos de diversificação da estrutura produtiva local, os seus outros empreendimentos ainda estão lá. Além disso, ele destacou os ganhos do Estado com mão-de-obra especializada, como contadores, engenheiros, técnicos de manutenção de máquinas, eletricistas, lembrando que em 1957 a Icomi foi obrigada a buscar em Recife até motoristas para os seus caminhões; sem falar nos recursos que foram aplicados na saúde e na educação, fazendo com que o Amapá passasse a deter os melhores indicadores sociais dentro da Amazônia.

Evandro Silva perguntou ao Sr. Miguel Antonio Cedraz Nery como o Sistema de Vigilância da Amazônia está cooperando com o Departamento Nacional de Produção Mineral no controle de exploração mineral na Faixa de Fronteira amazônica. O representante do DNPM informou a respeito da existência de um convênio com o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), ainda em processo de implantação, e que em algumas das nove unidades do DNPM na região Amazônica existem bases do Sipam. As informações são transmitidas com alguma celeridade através de sistemas de comunicação de tecnologia avançada. As redes do próprio Sipam estão interligadas aos computadores dessas bases do DNPM. Sempre que são verificadas ações clandestinas, o Sipam avisa o DNPM, que desloca para as áreas as equipes quando se faz necessário.

Daniele Trindade Cabral perguntou ao Sr. Flávio Montiel se

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grupos estrangeiros de pesquisa científica na Faixa de Fronteira estão submetidos à fiscalização do Ibama e quais as nuances de competência do Ibama para autorização de expedições científicas estrangeiras na Faixa de Fronteira. E o Professor Argemiro Procópio, da Universidade de Brasília, quis saber quantos funcionários do Ibama trabalham na Faixa de Fronteira.

Montiel respondeu que tanto grupos estrangeiros, como também qualquer instituição de pesquisa brasileira, dependem de uma autorização para coleta de material biológico que é emitida pelo Ibama. Dos seis mil funcionários do órgão, em torno de 9% estão exatamente distribuídos na Faixa de Fronteira, nos postos de vigilância. Incluídas as gerências localizadas nas capitais e nas principais cidades da Amazônia, esse número sobe para aproximadamente 25% de funcionários entre a direção e o corpo técnico e de fiscalização presente na Faixa de Fronteira.

Fernando Mathias, do Instituto Socioambiental, disse que o Professor Drummond deixara de mencionar que a Icomi depositou, durante anos, os resíduos tóxicos resultantes da extração de manganês junto às terras de comunidades negras, quilombolas, especialmente o quilombo de Kuriau, causando danos sociais, ambientais, de saúde de natureza irreversível junto a essas comunidades protegidas pela Constituição Federal, e quis saber se a respeito desses custos sócio-ambientais o empreendimento poderia ser considerado bem sucedido para o patrimônio social e cultural brasileiro.

O Professor respondeu que as companhias de mineração em todo mundo, principalmente quando elas se embrenham em regiões remotas, de fronteira, de difícil acesso, são conhecidas por construir vilas operárias que geralmente garantem um bom nível de vida para seus empregados, exatamente para estabilizar essa força de trabalho e para diminuir a rotatividade. A Bethlehem Steel tinha experiência de fazer isso nos Estados Unidos e em alguns outros países. Então eles contrataram os

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melhores arquitetos brasileiros que estudaram a região Amazônica, a vida do caboclo regional, e dos habitantes das pequenas cidades e tentaram reproduzir isso. Atenderam outras demandas: a estação de tratamento de água e esgoto, a coleta de lixo, a medicina preventiva, a escola para 100% das crianças com horário integral, além de algumas vantagens trabalhistas, fundos de pensão, cooperativas de crédito etc. Embora isso seja notável, afetava uma parcela relativamente pequena da população porque não era uma política pública e sim uma prática privada.

Quanto à questão do Kuriau, esclareceu que foi mais recente. Nos idos de 1970, a Icomi tentou fazer uma melhoria do minério que implicava um tratamento químico. Devido ao risco de liberação de certas substâncias tóxicas, jogaram o lixo num lugar que tinha uma base de cimento, que não suportou e esse cimento vazou. O vazamento só foi descoberto por um consultor estrangeiro na hora de uma transação comercial. O Ibama aplicou umas das maiores multas da História do Brasil e apontou a omissão da Secretaria de Meio Ambiente do Amapá, dos diversos órgãos ambientais e do Poder Público que deixaram esse material ficar lá por vinte e cinco anos.

Júlio César Borges perguntou ao Sr. Miguel Antonio Cedraz Nery por que as grandes empresas mineradoras localizam os seus empreendimentos em países do chamado Terceiro Mundo, a exemplo do manganês e do alumínio. Nery disse que a migração dos investimentos determina a geopolítica estratégica das mineradoras. Muitas empresas buscam diversificar a sua atuação no globo como uma posição estratégica de busca de competitividade, de domínio de mercado. Citou o exemplo de uma grande empresa brasileira que estava deixando de fazer alguns investimentos no Brasil e fazendo no exterior, na África e na América do Sul, em função da necessidade de ser uma multinacional para garantir competitividade com as concorrentes no mercado internacional.

Ao Sr. Flávio Montiel, José Pimenta perguntou se os equipamentos

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clandestinos em Terras Indígenas estão ligados à exploração ilegal de madeira ou ao narcotráfico; a Professora Lia Osorio Machado, quantos são e onde estão os postos de vigilância do Ibama na Faixa de Fronteira amazônica, e o Sr. Antonio Prancutti, qual a destinação que é dada às madeiras apreendidas e se há uma preocupação quanto ao seu apodrecimento.

O Diretor do Ibama disse que as atividades clandestinas observadas nas Terras Indígenas, na região do Rio Moa, são de exploração ilegal de madeira. Explicou que a partir da área da terra indígena em Território brasileiro se constroem varadouros por onde, com o uso de uma engenhoca, eles retiram a madeira, principalmente mogno que é uma das madeiras de maior valor comercial. Sobre a destinação dessa madeira, quando apreendida, disse que o Ibama tem se preocupado muito ao discutir a questão para não permitir que ela, por um processo de doação, possa voltar às mãos do infrator. Sobre o problema do apodrecimento, disse que dependendo da forma como a madeira é acondicionada, na floresta ou dentro de rios, pode durar até dois anos, não mais que isso. Sobre os postos de vigilância, disse que são 23 postos distribuídos ao longo da Faixa de Fronteira.

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2º PAINELA Ocupação de Terras:

Questão Fundiária e Questão Indígena

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“A Ocupação de Terras: Questão Fundiária e Questão Indígena” foi o tema do segundo painel do seminário, cuja Mesa ficou assim constituída: Coordenadoras, Sras. Renata Furtado, Procuradora Federal responsável pela área de Assentimento Prévio do Gabinete de Segurança Institucional, e Hélia Costa, Procuradora Federal do Incra no Paraná. Expositores: Sr. Joaquim Modesto Pinto Júnior, Coordenador-Geral Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário; Sr. Mércio Pereira Gomes, Presidente da Funai; Professor João Pacheco de Oliveira Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Sra. Alexandra Reschke, Secretária do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

O Sr. Joaquim Modesto Pinto Júnior iniciou sua exposição afirmando que a questão fundiária em Faixa de Fronteira ou fora de fronteira, rege-se pelo binômio obtenção-destinação. Segundo ele, o destino da terra pública é a privatização. A exceção fica para as terras reservadas, as terras a serem reservadas ou as já reservadas pela Constituição e pela ordem jurídica.

A privatização da terra pública devia ser propelida pelo Estado, mas ela não é. Ela é propelida pela sociedade através de um processo de ocupação. Todavia falar de terras públicas em Faixa de Fronteira é também falar de terras devolutas. Em Faixas de Fronteira, como de resto, as terras de competência pública, são as devolutas. Falar de terras devolutas é falar de arrecadação, de obtenção. Daí voltar ao binômio obtenção-destinação.

O diploma que rege a arrecadação das terras devolutas dentro e fora da fronteira, na sua versão mais atualizada, é a Lei nº 6.383 de 1976, onde se presume que antes de destinar a terra é preciso arrecadá-la e para arrecadá-la é necessário distinguir quais são as devolutas das que já estão em domínio privado.

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Afirmou que terra devoluta é aquela que esteve sob a apropriação de particular e retornou ao domínio do Estado. A primeira definição de terra devoluta normatizada está na Lei de Terras do Império, a Lei nº 601 de 1850, no art. 3º. Uma definição mais contemporânea está no art. 5º do Decreto-Lei nº 9.760 de 1946. A mesma Lei de Terras que cunhou a definição legal de “terra devoluta” que é a Lei Imperial de 1850, também cunhou o termo “Faixa de Fronteira”, que até então não existia. O que havia, até então, era um tratamento estatal para situações de Faixa de Fronteira.

Num retrospecto um pouquinho mais amplo, a preocupação decerto advém dos tratados que o Império, e antes do Império também Portugal, vinha assinando com os países limítrofes. O último deles, anterior à Lei de Terras, foi o Tratado de Santo Ildefonso, de 1777. O Tratado de Santo Ildefonso é uma reedição do Tratado de Madri, de 1750, e desenhou, mais ou menos, as fronteiras que hoje temos, à exceção do Acre, que depois teve um outro tratado que o regulou. Certamente o Império estava preocupado em preservar as fronteiras, daí ter cunhado a expressão “Faixa de Fronteira” no art. 1º da Lei de Terras, Lei nº 601 de 1850.

Criada a questão em âmbito normativo na Lei de Terras, no art. 3º, definiu-se o incentivo à ocupação mediante doação. Mas em 1891, pelo art. 64 da Constituição, a competência para arrecadar as terras devolutas, que até então era do Estado passou às Unidades Federadas, aos Estados, e a exceção foi da fronteira. A competência passada aos Estados permaneceu com a União no que se referia à fronteira. E novamente a fronteira foi citada como um referencial de tratamento diferenciado para as terras públicas.

Quando criada a Faixa de Fronteira, o objetivo era ali estabelecer colônias militares, o que ocorreu principalmente no Sul do País, no perímetro que lhes era reservado titulavam-se as pessoas. Antes da Lei de Terras de 1850, as pessoas eram tituladas pelo Regime Sesmarial

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importado de Portugal. E aqui já são duas as situações de títulos em Faixa de Fronteira.

No Império, a fronteira foi constituída com a faixa de extensão de dez léguas, separando o Brasil dos países estrangeiros. Dez léguas eram léguas de sesmarias, portanto, 66 km. Com a Constituição de 1934 criou-se afora a faixa dos 66 km, uma faixa que se denominou “Faixa de Interesse da Segurança Nacional”. Permaneceu a Faixa de Fronteira de 66 km onde o domínio sobre as terras devolutas era absoluto da União e criou-se uma faixa dos 66 km aos 100 km onde se admitia domínio dos Estados, mas se condicionava a titulação de Estados a terceiros ou o processo de privatização dessas terras à oitiva do então Conselho Superior da Segurança Nacional. A Constituição de 1937 manteve essa dicotomia, no entanto, ampliou a faixa que extrapolava os 66 km para 150 km e o mesmo tratamento destinou ao assunto. Na faixa de 66 km, sobre presunção de domínio absoluto, só a União poderia titular. De 66 km a 150 km os Estados podiam emitir títulos, contudo eles estavam compelidos a obterem oitiva prévia do Conselho de Segurança Nacional.

A par dessas exigências de titulação, desde o Regime Sesmarial, sempre houve limites quantitativos de titulação de terras devolutas a particulares na Faixa de Fronteira. No Regime da Lei de Terras também houve limitações. No Regime da Constituição de 1934, regrando o limite máximo de titulação de terras públicas a particulares eram dez mil hectares, o mesmo ocorrendo no Regime da Constituição de 1937. A Constituição de 1946 não fixou uma dimensão de largura para a Faixa de Fronteira, manteve o conceito de área de interesse da Segurança Nacional que ia ser regrada por lei ordinária. A Lei n° 2597 de 1955 regrou o assunto, no Regime da Constituição de 1946, que também estabeleceu limite máximo de dez mil hectares para a titulação de terras devolutas para a chamada privatização das terras.

O Sr. Joaquim Modesto Pinto Júnior enfatizou que ao longo

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de toda essa evolução, desses marcos regulatórios, quem podia titular na fronteira invariavelmente não o fez, a União. E quem não podia muitas vezes o fez, os Estados. E ao fazerem isso eles privatizaram terras da União como se fossem representantes da União que não eram. A maioria das pessoas adquiriu essas terras agindo de boa fé.

Foram tantas as titulações e delas desmembraram-se tantas áreas que, hoje, em alguns Estados fronteiriços, a questão fundiária é caótica. Há sobreposição de títulos, existem títulos expedidos por Estado num mesmo segmento que a União já o fez, há títulos expedidos pelo Estado sobre títulos que ele, Estado, houvera expedido. E esses títulos estão todos em segmentos de terras outrora devolutas ou em origem devolutas e, portanto, de competência exclusiva de titulação da União.

Vislumbrando esse problema adveio na Ordem Normativa Federal o Decreto-Lei nº 1.414 de 1975 para a ratificação desses títulos por parte da União, passaria a ter um certo poder discricionário para ratificá-los. Esse Decreto-Lei nº 1.414 de 75 inspirava-se no art. 5º da Lei nº 4.947 de 1966 que regia os princípios do direito agrário. Essa lei, ao seu tempo, era decorrência da Emenda 10 da Constituição de 1946 que deu autonomia ao Direito Agrário.

Tem-se um processo de ocupação da fronteira por posse ou por titulação espúrio, muito intenso, propelido pelos Estados, que não podiam titular terras da União e uma preocupação estatal regrada no Decreto nº 1.414 de 1975 para que fossem ratificados esses títulos.

A tarefa principal, hoje, do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário na Faixa de Fronteira, no contexto do quadro fundiário de trato de terras outrora devolutas, é uma tarefa que tem posto essas repartições em certo grau de perplexidade, porque existem alguns nós jurídicos que estão inviabilizando o fluxo dos pedidos de retificação. Essas perplexidades estão até certo ponto postergando soluções sociais.

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Por se tratar o Seminário de um evento que se propõe a discutir novos paradigmas, o Sr. Joaquim lamentou ter desenvolvido toda a sua apresentação a partir dos velhos paradigmas, mas na medida em que há a conscientização de que esses velhos paradigmas não geraram as soluções ou não estão propiciando as soluções, considerou que criou a base para que se vislumbrem os novos paradigmas.

O segundo expositor, o Sr. Mércio Pereira Gomes, Presidente da Funai, apresentou a estrutura do órgão, responsável pela execução da política indigenista, com todas as reservas demarcadas, homologadas, registradas ou aquelas ainda em estudo, que estão em processo de delimitação e de demarcação. No mapa, apontou o conjunto de Terras Indígenas que faz parte da fronteira brasileira. É uma questão fundamental para entender a fronteira brasileira, entender as Terras Indígenas que fazem parte dessa fronteira. Dos 17.500 km de fronteira, cerca de 5.700 km são de Terras Indígenas ou 31% do total da Faixa de Fronteira. São 185 reservas, quase todas demarcadas ao longo de quase 100 anos.

Lembrou que a política indigenista brasileira republicana foi criada por um militar, Coronel Cândido da Silva Rondon - que à época era o auxiliar do General Carneiro, que estava fazendo a extensão das linhas telefônicas por todo o Brasil - a partir da observação de que a situação indígena estava sem nenhuma legislação. A última legislação tinha sido do Império, de um Decreto Imperial de 1845. A implantação da República não contemplou a questão indígena. Ela foi muito discutida na Constituinte de 1891, mas as propostas, muito radicais, para que as Terras Indígenas fossem compreendidas como Estados e que tivessem autonomia, não foram acolhidas.

No início do século XX, problemas ocorridos na Bahia e no Sul do País, envolvendo novos imigrantes que estavam entrando no Paraná e que contratavam matadores de índios, provocaram um escândalo

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internacional que levou o Governo do Presidente Nilo Peçanha a criar o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que antecedeu a Funai. Rondon foi convidado e dirigiu o SPI por mais de 47 anos, até sua morte em 1957, e nesse quase meio século ele foi uma figura fundamental na criação e no estabelecimento de uma política indigenista brasileira.

Durante muitos anos a política indigenista brasileira foi feita com base no sentimento, de fato universal, de que os índios, nas Américas e os aborígines em outros lugares, estavam destinados ao extermínio, porque assim estava se processando a história: desde 1.500, no caso brasileiro, desde 1492 na América, 1760 na Austrália, na Oceania e em outros países. Acontece que a partir da década de 1950 houve uma reversão desse processo e a partir daí, foi se concebendo como seriam as Terras Indígenas.

A Terra Indígena pertence à União. Não há terra, propriedade privada nem coletiva de povos indígenas. A propriedade é da União. Os índios têm a posse e o usufruto permanente inalienável dessas terras, mas a propriedade é da União.

No Mato Grosso do Sul, na fronteira com a Bolívia, está a reserva que se chama Kadiweu, a terra dos índios Guaicurus. Eles foram os únicos índios da América do Sul que adotaram o cavalo tal como os índios das planícies americanas, e usaram-no com vigor e com uma capacidade exímia.

Os índios Kadiweu controlavam esse Território imenso ao Sul do Pantanal e fizeram o primeiro e único tratado que Portugal teve com povos indígenas. Portugal não tratava índios como nações, embora em várias situações afirmou que não tinha capacidade legislativa sobre os povos indígenas. Vários dos alvarás de reis começam dizendo: “... eu errei, não tenho jurisdição sobre esses povos. Esses povos são senhores das suas terras sobre as quais não tenho jurisdição...” Mas logo em seguida faziam as suas ressalvas que diziam que podiam “levar, fazer e acontecer”. A política portuguesa, que é a que também herdamos para o bem ou para o

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mal, sempre foi ambígua em relação aos índios. Garantia os direitos, mas também fazia concessões a interesses privados.

São 590 as Terras Indígenas do Brasil, das quais 400 estão demarcadas, homologadas e registradas. Elas compreendem cerca de 11% do Território nacional e mais ou menos 1 milhão de km2. Sua origem data daquele tratado celebrado por um vice-rei português, no Rio de Janeiro, em 1791. A maneira que Portugal encontrou para ganhar essa parte do Território brasileiro em Mato Grosso foi realizando acordo com os Kadiweu. Esse é o exemplo mais eloqüente que temos de que as fronteiras brasileiras que foram expandidas desde o Tratado de Tordesilhas se consolidaram por causa da aliança que os portugueses souberam fazer com os índios. O mesmo ocorreu no caso de Roraima, que hoje está em pauta por causa das discussões sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, cujo Território, com a ajuda dos índios Macuxi, estendeu-se até a fronteira com o que hoje é a Guiana Francesa, na consolidação do Tratado de Santo Ildefonso pelo Brasil.

Em toda a fronteira os índios garantem a soberania brasileira. Eles têm um grande sentimento de brasilidade pela presença do Estado brasileiro, seja da Funai, seja da Funasa, seja da Previdência Social. Muitas vezes a Funai recebe denúncias de invasão de fronteira, como no Acre onde uma área tem sido invadida por madeireiros vindos do Peru, cujos alarmes e chamativos são feitos pelos índios dessas áreas. Eles demonstram preocupação e alertam o Exército e a Polícia Federal, que fazem operações de retirada de madeireiros.

Também há preocupação, por exemplo, com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), na Cabeça do Cachorro, uma Terra Indígena no chamado Alto Rio Negro, onde os índios brasileiros, índios Tukanos, dão conhecimento às autoridades das invasões. Graças à presença dos índios fica muito fácil saber o que está acontecendo na parte da fronteira brasileira que não tem cidades ou mesmo vilas.

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O Professor João Pacheco de Oliveira Filho, da UFRJ, terceiro palestrante, sugeriu que a concepção sobre fronteiras remonta a uma época bastante antiga, ela remonta ao mundo medieval com o próprio Feudalismo. Nesse período da história havia cidadelas, quer dizer, núcleos demográficos e pólos de poder onde se situavam celeiros, praças de mercado e autoridades políticas. Fora de seus muros existia a insegurança, o risco de ataques de inimigos, o controle rarefeito da autoridade, a ausência da lei e a desproteção mais absoluta.

Um outro paradigma surge com o Renascimento e o mundo moderno com o crescimento e a formação das nações. O processo de centralização política e econômica leva a novos arranjos. O primeiro aspecto é a questão da pacificação interior nesses domínios, quer dizer, um Território Nacional, um Território pacificado e onde existia apenas o domínio da lei, e não o da guerra. Ele era um domínio uníssono sujeito a uma mesma autoridade. A autoridade política se irradiava a partir de um centro onde se localizava o soberano, que com suas viagens pelos seus domínios criava o sentimento de pertencimento a uma dada nação. Isso definia os limites dessa nação.

Os limites das outras unidades nacionais tornam-se, então, o foco de preocupação e de controle. A presença permanente das autoridades políticas nas fronteiras era uma forma de evitar as ameaças à segurança e à soberania desse universo nacional.

Hoje em dia, no entanto, a concepção de segurança nacional não pode mais se circunscrever somente à borda da nação. Está relacionada, sobretudo, ao cotidiano das capitais e às relações entre classes sociais no seu convívio cotidiano.

As formas de controle das fronteiras não podem também ser restritas a unidades fixas, faz-se necessário praticar uma fiscalização mais moderna e onipresente, apelando, sobretudo, para tecnologias bem mais avançadas e atividades pontuais de Inteligência que podem ser

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mais eficientes propriamente do que, simplesmente, guarnições nesse contexto.

No período colonial português a população autóctone – os índios, no caso brasileiro – foi pensada sempre como elemento de fortalecimento da autoridade política. A categoria fundamental de divisão era: índios mansos e índios bravos. Os índios mansos, dentro desse processo, eram resultado da catequização. Eles eram os defensores da fronteira, os arcos com os quais o rei tinha condição de se contrapor a outros agentes. Os bravos eram vistos como estrangeiros.

No século XVI, as descrições sobre os indígenas são muito mais de impactos favoráveis do que propriamente marcadas pelo racismo. Isso vai prosperar já no século XIX. Não há linha unilinear de avanço, ao contrário, existe uma postura mais dura com o decorrer do tempo.

A ocupação dessas fronteiras pelos bandeirantes e por outros desbravadores levou à incorporação progressiva da população autóctone. É preciso destacar a importância da figura de Rondon, que de certa maneira mudou bastante as formas de intervenções feitas desde o Império.

Hoje, os índios, dentro dessa Faixa de Fronteira, são executores de diversas políticas públicas, estando integrados em ações com diferentes órgãos governamentais. Os programas de saúde existentes na faixa da fronteira, por exemplo, mobilizam populações indígenas bastante amplas. Há programas envolvendo meio ambiente, outros de apoio às comunidades indígenas além de programas educacionais envolvendo as instâncias federal, estadual e municipal.

A Quarta expositora, Sra. Renata Furtado, Procuradora Federal responsável pela área de Assentimento Prévio do Gabinete de Segurança Institucional, discorreu sobre o Ato de Assentimento Prévio. Tal Ato é dado pelo Secretário-Executivo do Conselho de Defesa Nacional (CDN),

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Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas

Ministro de Estado-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Jorge Armando Felix, por delegação do Conselho de Defesa Nacional. O Conselho de Defesa Nacional, por sua vez, é o órgão de consulta do Presidente da República que visa propor critérios e condições de uso da Faixa de Fronteira.

Ela lembrou que a Lei nº 6.634, de 1979, estabelece alguns critérios para a ocupação da Faixa de Fronteira. Se qualquer um dos critérios estabelecidos na Lei não for obedecido, gera nulidade de pleno direito e multa para os cartórios que fizerem qualquer tipo de negociação com terra em Faixa de Fronteira. Essas nulidades de pleno direito são invocadas em Juízo pelos Advogados da União. Dessa forma, o Assentimento Prévio é a base jurídica para defesa da União em juízo.

A lei diz que não só o domínio deve ser objeto de atenção do Assentimento Prévio, mas também a posse. No Brasil, existe uma tendência de se definir qual é o padrão a ser estabelecido, haja vista que o número de posses está sendo maior que o de propriedades. Por intermédio de Corregedores estaduais é sabido que algumas áreas são utilizadas através de procuração em causa própria. Este é o caso de grandes empresas localizadas na Faixa de Fronteira. Apesar de estarem instaladas e gerando empregos, não averbaram a propriedade já que o processo de Assentimento Prévio exige um trâmite burocrático, ou seja, impõe uma certa dificuldade.

Um outro ponto é que existe a necessidade de que relatórios trimestrais sejam encaminhados ao Secretário-Executivo do Conselho de Defesa Nacional - CDN a respeito das aquisições de terras em fronteiras. Ocorre que pouquíssimos Municípios repassam esses relatórios. Santa Catarina, no ano de 2004, não repassou qualquer relatório. Será que não está havendo transação de terras, será que não está mais havendo aquisição de terras por estrangeiros na Faixa de Fronteira?

A legalização da propriedade não está sendo priorizada, pelo

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menos é uma tendência que estamos percebendo. Daí a necessidade de se criar os novos parâmetros. E esses parâmetros, numa idéia inicial, são no sentido de que seja resgatado dentro do Incra, o Departamento para Aquisição de Terras por Estrangeiros, a fim de acelerar o trâmite da aquisição, compra e venda.

A questão da posse é um outro problema. A lei fala que “obtenção de posse em Faixa de Fronteira também é objeto de assentimento prévio”. Contudo, essa prática não vem sendo utilizada.

Não é possível efetuar negociação de posse num Cartório de Registro de Imóveis e sim num Cartório de Notas e Protestos de Títulos. Dessa forma, nada impede que o Cartório, ao receber uma negociação de posse seja obrigado a notificar o ato e que o diagnóstico chegue às mãos do Assentimento Prévio. A partir daí, é possível conhecer a situação fundiária real daquele Estado.

De fato, é crescente o número de propriedades sem o controle da posse por parte do Assentimento Prévio. A situação atual exige duas condutas básicas: estabelecer uma exigência sobre negociação com posse e normatizar as situações de posse que mereçam atenção.

A Secretária do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Sra. Alexandra Reschke disse que a Secretaria vem cumprindo uma nova política de gestão do patrimônio público da União, que pertence a todos os brasileiros. Essa política estabelece que cada imóvel da União deve cumprir uma função socioambiental em equilíbrio, em harmonia com a função arrecadadora. E por conta disso a missão, hoje, da Secretaria de Patrimônio da União é justamente conhecer esse patrimônio, identificá-lo, zelar por ele.

Para ela, a nossa história territorial – não é por acaso que temos 30% da Faixa de Fronteira ocupada por Terras Indígenas – decorre de

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toda uma estratégia de ocupação deste imenso País que, na verdade, foi empurrando essas populações para o interior e combinando com elas, a própria defesa desse Território. Isso vem ocorrendo com o povo indígena Ashaninka, no Acre, uma comunidade que, como diversas outras, atua na proteção daquela região, exigindo, para tanto, uma maior presença do Estado. Sendo assim, deveria haver maior participação dos governos federal, estadual e local, para com eles firmar um pacto de controle do Território Nacional, com o estabelecimento de programas de desenvolvimento sustentável ali já experimentados.

Na opinião da palestrante, é importante reconhecer as diferenças locais e estabelecer normas onde a legislação permita formas diferenciadas de contratação, que ultrapassem essas fronteiras, tanto do ponto de vista de cidades que estão coladas entre os países, como também, dos territórios indígenas, de florestas e parques nacionais que estão ao longo dessas áreas.

Seria necessária uma legislação que prevesse, que dialogasse com as legislações dos demais países. Isso incluiria, com urgência, uma revisão dos paradigmas das relações internacionais e diplomáticas com os países da fronteira.

Na abertura dos debates do segundo painel, a Sra. Eliane Guerra, Procuradora Federal do Incra no Paraná, questionou sobre a forma de sanar nulidades existentes em função do descumprimento do limite constitucional. Em resposta, o Sr. Joaquim Modesto disse que esse é um dos pontos de impasse da atividade de ratificação do Incra. No Paraná existe caso em que o Estado titulou em Faixa de Fronteira de 66 km, que é domínio presumido absoluto da União, na ordem de 85 mil hectares para um só beneficiário. Esse título matriz foi desmembrado em centenas de títulos menores, tornando-se um grande impasse.

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Ao Presidente da Funai, Sr. Mércio Pereira Gomes, foi perguntado quais são os procedimentos recomendados pelo órgão para a regularização de áreas militares dentro de áreas indígenas, e a situação da soberania, quando áreas indígenas ficam na fronteira, em razão das guerrilhas na divisa com a Colômbia.

Atualmente existem guerrilhas colombianas próximas à fronteira com o Brasil. A Colômbia possui Terras Indígenas nos Andes, nas áreas quentes do Atlântico, do Pacífico e na Amazônia. Este país reserva como terra indígena 20% do seu Território, proporcionalmente uma área indígena maior que a do Brasil. Entretanto, a relação entre reservar terras e garanti-las é algo distante. Já o Brasil, naquilo que consigna como Terra Indígena faz um esforço imenso para demarcar, registrar, fiscalizar, proteger e dar condições aos índios de ajudar também nessa proteção.

Ele disse que a guerrilha colombiana tem controle sobre uma grande parte da Amazônia Colombiana, mas que não está propriamente na fronteira com o Brasil, na Cabeça do Cachorro. Só às vezes atinge Território brasileiro e quando isso ocorre, as patrulhas do Exército que fazem incursões na fronteira, expulsam os guerrilheiros. Se há uma invasão ela é comunicada pelos índios aos pelotões do Exército que têm na área uma presença permanente.

Nessa região, há muitos índios colombianos que fazem parte da guerrilha. De vez em quando surge notícia de que alguns índios brasileiros também são recrutados pela guerrilha. Mas o que há de fato são as informações dos pelotões do Exército, em São Gabriel da Cachoeira, de que não há presença de guerrilha em nenhuma Terra Indígena do Brasil.

Quanto à regularização da presença militar nas Terras Indígenas, especialmente de fronteira, o Presidente da Funai afirmou que a situação é tratada no Decreto nº 4.412 de 07 de outubro de 2002, que regulamenta a presença de pelotões do Exército, a sua relação com os índios da área, os momentos de excursões, fiscalização e a presença indígena em políticas

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de recrutamento para participarem como soldados ou para seguirem uma carreira militar. No Alto Rio Negro, nas áreas indígenas dos Yanomamis em Roraima, em Raposa Serra do Sol, ou em Boa Vista, existem pelotões do Exército onde a maioria dos soldados são índios. O Coronel Comandante do Batalhão de Boa Vista considera proveitosa a presença dos índios nas unidades militares.

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3º PAINELPerspectiva Institucional:

a Normatização da Faixa de Fronteira

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O terceiro painel abordou o tema “Perspectiva Institucional: a Normatização da Faixa de Fronteira”. A mesa foi presidida pelo Comandante José Alberto Cunha Couto, Secretário de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional, e pelo Sr. Marcos Antônio Cavalcante, Coordenador de Assuntos Extrajudiciais da Advocacia-Geral da União. Teve como expositores o Sr. Sérgio Augusto de Faria, Professor da Fundação Getúlio Vargas; Sra. Maria Jovita Wolney Valente, Secretária-Geral de Consultoria da Advocacia-Geral da União; Sra. Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios; Sr. Carlos Augusto Grabois Gadelha, Secretário de Programas Regionais do Ministério da Integração Nacional; e a Sra. Ana Paula Leal Aguiar Calhau, Assessora Jurídica do Gabinete de Segurança Institucional.

O Professor Sérgio Augusto de Faria, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), abriu o painel abordando a questão das fronteiras sob o ponto de vista dos paradigmas que começam a surgir com o advento da globalização e que afetam diretamente a questão de Defesa Nacional. Com a globalização, pela primeira vez na história o poder econômico prepondera sobre o poder político. O sistema produtivo se estabelece onde há melhor alcance, vantagens competitivas para os produtos gerados, independente de fronteiras físicas. A globalização está fazendo com que países fiquem alijados do processo de desenvolvimento global, como já se verifica na América Latina, onde o PIB de alguns países diminuiu nos últimos anos.

Antigamente, no Brasil, uma multinacional trabalhava com pessoas e insumos do País. No caso de uma montadora se observava bem isso: as autopeças eram nacionais, os funcionários eram brasileiros e o projeto vinha da matriz, normalmente ultrapassado. O mesmo não ocorre com uma transnacional. Ela trabalha com insumos oriundos de locais onde possa produzi-los por preço mais baixo. Então um carro brasileiro pode

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ter peças da África do Sul, da Argentina e num momento seguinte advir de outro lugar, dependendo do preço competitivo que tenha o insumo. Assim surgem as intrafirmas. Uma montadora de automóvel compra dela própria na África do Sul, na Argentina e nem sempre os preços são controláveis. Ela pode estar superfaturando (já houve acusações dessas de diversas maneiras, em várias ocasiões, em diversos países) e é dificílimo avaliar se o preço é justo ou não. O capital internacional busca lucros a qualquer preço sem compromisso desenvolvimentista com a localidade aonde é aplicado.

Antigamente, o capital vinha nos acordos interpaíses e permanecia realmente como um fundamento desenvolvimentista: “Vou aplicar naquele país”. Agora é diferente: “Aplico no mercado de capitais e quero lucro o mais rápido possível”. Há aplicadores famosos - como George Soros - que já “quebraram” países. Já colocaram a Coréia, por exemplo, que não é um país pequeno, em situação complicada. De repente há uma mudança em relação à economia em que atores internacionais compram praticamente 50% das empresas de determinado país, ignorando a soberania. Há também a questão do preço do petróleo, que afeta os preços internos e a competitividade. A fronteira é incapaz de barrar isso.

A era digital altera os paradigmas do controle de fronteira com transações eletrônicas se aperfeiçoando e facilitando burlas especialmente na área financeira. Isso é o mais evidente e dispensa até comentários. Já se falou de Faixa de Fronteira, de linha de fronteira, regiões de fronteira, no passado, e hoje temos que ter uma estratégia de defesa bem mais específica que é sobre o que seja “bem nacional”, tanto tangível quanto intangível, inclusive conhecimento. Hoje é possível atravessar a fronteira com um software de grande valor, num disquete, num cd ou num pen drive. Há um risco de perdas de valores com os sistemas atuais em vigência de controle de fronteira.

Hoje, as relações internacionais ocorrem mais em nível de mercado do que em nível de Governos. Se a Ambev está na China ela tem

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que ter proteção no local. Temos outras empresas, como por exemplo, a Romi que é a maior produtora de tornos de médio porte e está, hoje, nos Estados Unidos. Ela remete lucros fabulosos para o Brasil. É a primeira do mundo em tornos médios. Uma empresa totalmente nacional, que está no exterior sem nenhuma cobertura jurídica do país de origem, mesmo remetendo lucros.

Acordos de produção agrícola como existem entre o Brasil, Japão e China levam a parcerias estratégicas no sentido de defesa da própria fronteira nacional no futuro. Esses países, no organismo internacional pertinente, irão possivelmente defender o Brasil quando houver interesses conjuntos também em jogo. O álcool, por exemplo, será agregado, como combustível ecológico, à gasolina em vários países. Brasil e Índia deverão ser os dois maiores produtores de álcool do mundo. Devido às parcerias, não é interessante de maneira alguma que o Brasil sofra qualquer descontinuidade econômica, política, etc. ou que devido a pressões externas tenha o seu projeto de melhoria ambiental do combustível colocado sob risco.

Como resposta a essa questão, a geopolítica está ressurgindo. Não com aquela implantação de bases em pontos do Território do globo, que dão vantagens militares, mas obedecendo a uma estratégia de desenvolvimento que leva a alianças estratégicas como o Brasil vem estabelecendo com a Índia e a China. A China é um dos países que mais precisa de ferro, possui poucos automóveis e no futuro, provavelmente, terá que produzi-los. O ferro seguramente será brasileiro, o que pode levar a China a construir no Brasil uma grande siderúrgica e nos dar como brinde, dentro desse processo da parceria, uma estrada de ferro.

A prospecção de futuro ganha importância. É fundamental ter áreas e cenários para saber o que é estratégico ao País no futuro. Hoje, se as empresas formam joint ventures, os países formam as parcerias estratégicas e isso pode ser uma forma de defesa, principalmente dos

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países chamados de “satélites” pelos países de alta tecnologia (a tríade Europa, Japão e Estados Unidos).

O mundo se transformou, os paradigmas estão sendo quebrados realmente. Temos que nos preocupar muito com o nosso desenvolvimento, com a nossa governabilidade, para não nos vermos de uma hora para outra numa situação crítica como a da Argentina. O Brasil está numa situação diferente, está indo bem e conseguindo manter o equilíbrio, mas isso é uma mera questão de momento. A economia mundial é perversa e é preciso estar atento.

O Sr. Carlos Augusto Grabois Gadelha, segundo expositor, explicou que o Ministério da Integração Nacional está fazendo um esforço muito importante, prioridade máxima do Ministro Ciro Gomes, de reestruturar o Programa Faixa de Fronteira e em breve divulgará um estudo aprofundado sobre a região de fronteira. O estudo considera que a idéia tradicional de Faixa de Fronteira tem uma dimensão ligada à defesa, mas que a perspectiva da defesa não pode jamais ser cindida da perspectiva do desenvolvimento regional.

A defesa alimenta o desenvolvimento e este alimenta a defesa. Isso exige que o modelo clássico de atuação da esfera pública na Faixa de Fronteira seja repensado. A nova política de desenvolvimento regional norteia as ações em andamento. O foco prioritário da política de desenvolvimento regional está dividido em duas sub-regiões especiais: a região do Semi-Árido e a região de Faixa de Fronteira. São regiões críticas sob diversos aspectos ligados ao desenvolvimento, à soberania nacional e à questão da própria prioridade da política pública do Governo do Presidente Lula.

A política de desenvolvimento regional tem que partir de uma visão econômica, onde se procura identificar e estimular arranjos dos

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sistemas produtivos. Nesse sentido, a fronteira não pode ser vista como um peso a ser levado pelo País, mas como espaço de oportunidades de desenvolvimento nacional.

O Programa Faixa de Fronteira tinha uma atuação completamente fragmentada e sem estratégia do Governo Federal. Na realidade não era um programa, não havia nenhuma diretriz estratégica, nenhuma ação indutora por parte do Governo, nem padrão de articulação com os Estados e Municípios. Constituía apenas uma janela orçamentária para se colocar demandas justas e legítimas, mas sem nenhuma orientação estratégica de desenvolvimento nacional e de desenvolvimento regional. Esse paradigma vigente precisa ser questionado.

Um dos desafios estratégicos que se colocam para a Faixa de Fronteira é a definição de estratégias respeitando a diversidade da região. Outro desafio é associar soberania como estratégia de desenvolvimento e integração da América do Sul, na qual a Colômbia possa ser uma via de escoamento da produção do Alto Solimões. Outro desafio seria a articulação da Faixa de Fronteira com a nova política de desenvolvimento regional.

Com base em aspectos econômicos e culturais, o estudo a ser divulgado pelo Ministério da Integração Nacional identifica 17 sub-regiões nos três grandes arcos da Faixa de Fronteira: o Arco Norte, o Arco Central e o Arco Sul, considerando-se a diversidade como primeiro passo para que se possa atuar de forma correta na região da Faixa de Fronteira.

As estratégias incluem o fortalecimento institucional, onde o Ministério atua na dimensão de fortalecimento da sociedade civil no espaço da fronteira, que é uma dimensão essencial da política de desenvolvimento da Faixa de Fronteira.

A primeira ação em andamento trata da Constituição da Câmara de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional em 1º de junho

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de 2004, coordenada pela Casa Civil da Presidência da República. A Câmara de Desenvolvimento Regional criou um corpo de trabalho com três programas prioritários: Faixa de Fronteira, Semi-Árido e Meso-Regiões, discutidos e desenvolvidos no âmbito de vinte e um ministérios e secretarias especiais.

A priorização do Programa Faixa de Fronteira fica evidente por ter sido eleita esta sub-região como a prioritária desses vinte e um Ministérios e Secretarias Especiais. Já está havendo um esforço piloto de apoio à atividade produtiva, ou seja, mesmo a relação com o Executivo começa a se transformar. Começam a chegar emendas parlamentares de desenvolvimento e não apenas emendas fragmentadas sem estarem ligadas a projetos de desenvolvimento.

São apoiados arranjos produtivos locais na área de piscicultura, agroindústria, reflorestamento, erva-mate, castanha, fruticultura. Está sendo estabelecida uma diretriz com foco em cidades gêmeas para uma ação piloto de integração. A idéia é que algumas cidades gêmeas, uma no Arco Norte, uma no Arco Central e uma no Arco Sul sirvam como exemplo de um novo modelo de integração transfronteiriço.

Ainda no âmbito desse Programa estão sendo trabalhadas quatro sub-regiões que tradicionalmente se incluem na área de atuação do Ministério da Integração Nacional: Alto Solimões, Vale do Rio Acre, a Grande Fronteira do Mercosul e a Metade Sul do Rio Grande do Sul.

A idéia é que o processo de desenvolvimento envolva a mudança de paradigma, e uma profunda inovação que abarque diversas dimensões da sociedade. Que abranja o universo das empresas, o Estado, o marco regulatório, a inovação na cultura e nas formas de pensar a Faixa de Fronteira. Esse é o desafio ao qual estamos dedicando total prioridade. Não está de forma alguma fechado, é um processo de discussão e de implementação, mas acho que o cenário constituído realmente abre uma perspectiva inovadora para a ação do Governo Federal na Faixa de Fronteira.

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Na seqüência do painel, a Sra. Ana Paula Leal Aguiar Calhau, Assessora Jurídica do Gabinete de Segurança Institucional, explicou que a discussão “Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas” surgiu no âmbito da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN), um Conselho de Governo, que criou um Grupo de Trabalho para estudar a Faixa de Fronteira com vistas a modernizar a legislação atual sobre o tema.

Os critérios definidos na legislação vigente para as atividades na Faixa de Fronteira foram pautados em políticas passadas onde o cerne era o conceito de defesa e de segurança do Território nacional. Por isso, a discussão sobre a necessidade do novo paradigma deve se iniciar com uma consulta ao texto constitucional. Na Constituição é preciso encontrar definição para as diversas expressões que giram em torno da segurança e da defesa do Território nacional. Também é preciso identificar quais são os bens e serviços considerados sensíveis e estratégicos para se saber se há necessidade de protegê-los como ao longo desses anos todos têm sido tratados. Essa é a grande importância de se buscar nova regulamentação.

A Faixa de Fronteira sempre foi definida como de defesa e só recentemente começa a ser discutida de forma regionalizada em busca do seu desenvolvimento. No Grupo de Trabalho para estudar a Faixa de Fronteira, começou-se a buscar esse novo paradigma, questionando-se à luz da Lei 6.634 de 1979 se estaria trazendo desenvolvimento regional, sócio-econômico e permitindo a busca da vivificação da Faixa de Fronteira e sua integração com as outras nações. Esse grupo elaborou uma proposta de projeto de lei regulamentando o art. 3º da Lei nº 6.634, onde abriu a possibilidade de adoção de políticas de desenvolvimento sócio-econômico das regiões como geração de emprego e desenvolvimento de infra-estrutura das áreas localizadas na Faixa de Fronteira. A Sra. Ana Paula acredita que esse é o caminho para promover crescimento,

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contribuir para a erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades sociais e regionais.

Ela também defende a necessidade de se buscar uma definição para o conceito de Segurança Nacional, que no seu entendimento consiste em assegurar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, salvaguardando os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e a Justiça, dentre outros. Com isso, finalizou: permitimos a busca de uma sociedade mais justa e igualitária em que estaremos atendendo a todos os anseios previstos na Constituição de 1988, dentre os quais a necessidade de integração econômica, política e social e cultural dos povos da América Latina. Esse é o foco com que temos que trabalhar a nova legislação, nesse paradigma que está sendo discutido para a Faixa de Fronteira.

A Sra. Maria Jovita Wolney Valente, quarta palestrante, apresentou algumas idéias próprias, resultado de mais de duas décadas de trabalho no Incra e na antiga Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. A primeira delas refere-se à largura da Faixa de Fronteira, que dada às condições de cada região da fronteira, esta faixa poderia ter larguras diferenciadas de acordo com a região: mais estreita na região Sul, um pouco mais larga na região Centro-Oeste e, na região Norte, onde há uma preocupação maior com a fronteira, ela poderia manter os atuais 150 km definidos na Constituição de 1988.

Ela lembrou que a nossa fronteira amazônica, na sua quase totalidade é um imenso vazio demográfico. A do Centro-Oeste tem uma densidade um pouco maior e a da região Sul tem uma grande densidade demográfica e é muito desenvolvida. Essas seriam as razões, segundo ela, dessa fronteira não apresentar outras preocupações, exceto com relação ao

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tráfico e ao contrabando. Após o exemplo, ela ressaltou seu pensamento de que, quanto maior o vazio demográfico, mais larga deve ser a faixa; e inversamente, quanto maior a densidade demográfica, mais estreita poderá ser essa Faixa de Fronteira.

Como se repete na Faixa de Fronteira toda a vivência que acontece no País inteiro, ela não vê motivos para se regular todas as atividades que se desenvolvem na Faixa de Fronteira. Na sua opinião, é preciso estabelecer prioridades que tenham uma regulamentação diferenciada na Faixa de Fronteira, sob pena de se aplicar todo um arcabouço jurídico-legal-comportamental, na Faixa de Fronteira, como no restante do Território nacional. Portanto, se queremos algo diferenciado, temos que estabelecer as prioridades e quais atividades, serviços devam ser diferenciados na Faixa de Fronteira, para que possam ser melhor acompanhados e fiscalizados.

Ao Conselho de Defesa Nacional compete a fixação, o estabelecimento, a proposição de critérios e condições de utilização da Faixa de Fronteira. Isso é uma competência constitucional. Esta Constituição, diferentemente da anterior, não enumerou qualquer atividade que deveria ser objeto de fiscalização quando se desenvolvesse na Faixa de Fronteira. Preferiu atribuir ao Conselho de Defesa Nacional a competência para propor políticas definindo os critérios e as condições de utilização da Faixa de Fronteira e que não se prendem às atividades listadas na Lei nº 6.634/79. Aquelas vêm de um passado onde talvez algumas delas fossem relevantes, mas que, hoje, estão superadas. Os meios de comunicação são o exemplo melhor de que não mais se justifica um Assentimento Prévio para que uma empresa de televisão se estabeleça na Faixa de Fronteira. Porque as grandes redes podem ser sintonizadas, basta que se tenha uma antena parabólica para se captar qualquer emissora de televisão. Então não é essa preocupação. Determinadas atividades por si só justificam um tratamento diferenciado. Não pelo fato de estarem na Faixa de Fronteira. O exemplo das comunicações foi apresentado para mostrar como se trabalhava com

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Assentimento Prévio. Não havia preocupação com a programação que a emissora exibia. Nem com o alcance das outras empresas que não estavam localizadas na Faixa de Fronteira.

O adensamento populacional lhe parece uma das formas de levar a presença do cidadão brasileiro para a fronteira, e ele sim é o primeiro sentinela que vai defendê-la. É a presença dele que vai garantir a integridade do Território; evidentemente, junto com as Forças Armadas, principalmente o Exército que nessas regiões despovoadas é quem faz essa vigilância. A preocupação deve ser a de levar esse cidadão, esse brasileiro para se fixar na Faixa de Fronteira, nesse Território, principalmente na região Norte e Centro-Oeste, sem deixar de considerar as questões indígenas e as questões ambientais quando da concepção de qualquer adensamento humano, não só na fronteira, mas na Amazônia toda e aonde quer que existam essas populações e esses recursos.

Um outro aspecto importante relacionado à autorização, ao Assentimento Prévio, é a construção de pontes, de estradas, de aeroportos, ou seja, a questão do planejamento da malha viária do País. É necessário rever o Sistema Nacional de Viação aprovado pela Lei nº 5.917 de 1973, com os olhos voltados para as fronteiras Norte e Centro-Oeste de modo adequado à nova realidade dessas regiões. Aquilo que foi planejado há mais de 30 anos pode não mais refletir as necessidades atuais. A própria Lei nº 5.917 prevê a revisão do Plano Nacional de Viação a cada cinco anos.

Embutidos nesse sistema encontram-se as pontes, muitas delas construídas sem considerar a eventual necessidade de utilização militar seja pela tonelagem que possam suportar, o trânsito de pesados carros de combate, seja pela curvatura que permita a navegabilidade de embarcações de maior porte. Nesse contexto, também se encontra a construção dos aeroportos e pistas de pouso, os quais com raras exceções são construídos sem considerar estratégias militares. As malhas viárias dos Estados devem

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estar perfeitamente articuladas com aquela federal, assim como parte das estradas e sinais de responsabilidade dos Municípios.

Na fixação desses critérios e condições devem ser considerados também os assentamentos rurais. Não é possível o Incra continuar fazendo assentamento e levar ao Conselho de Defesa Nacional, como levava ao antigo Conselho de Segurança, apenas o pedido de Assentimento Prévio para titular. Depois de estabelecido o empreendimento, com todos já instalados, a titulação era o último momento deste projeto concebido à revelia de qualquer consulta prévia.

A Constituição Federal determina que a Faixa de Fronteira esteja sob permanente vigilância quanto ao seu uso efetivo. Aqui se inclui o exercício de determinadas atividades na Faixa de Fronteira. A atividade de mineração, que de acordo com a Lei nº 6.634 de 02 de fevereiro de 1979, vai depender de Assentimento Prévio quando se desenvolver na Faixa de Fronteira nos fornece elementos para a discussão desse tema. Deve-se fazer um questionamento em relação à mineração não só na Faixa de Fronteira, mas em todo o País. São concessões de lavra feitas gratuitamente.

Então este minério de propriedade da União passa para a iniciativa privada de graça, com o pagamento de nulas participações estatais seja de Estado, Município ou de algum órgão da União a título de compensação financeira. As terras públicas que não produzem nada, ou tem destinação social ou são vendidas. Os minérios não. Os minérios passam de graça.

Em princípio, ela não vê merecedora de disfunção a atividade de mineração enquanto extração mineral, seja da Faixa de Fronteira ou fora dela, porque o ouro da Faixa de Fronteira não é diferente do ouro do interior do País. O que deve ser motivo de preocupação é a maneira como se explorará este ouro. A atividade em si é a atuação garimpeira. Isso é que deve ser motivo de preocupação em relação à Faixa de Fronteira, porque a atividade em si é preocupante, desenvolva-se ela ou não na Faixa de Fronteira.

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A Sra. Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, última expositora do terceiro painel, disse que num seminário em que se busca discutir novos paradigmas, é importante e imprescindível a apresentação de sugestões desses novos paradigmas, sobretudo, quando se trata de um tema cuja legislação remonta a 1979.

O Poder Executivo avança a passos largos no que tange à Faixa de Fronteira em termos de políticas públicas. O Poder Judiciário também trabalha com novos paradigmas, a partir da Constituição de 1988, principalmente, imprimindo uma jurisdição constitucional ao tema.

Na sua opinião compete, hoje, ao Poder Legislativo dar à sociedade esse novo paradigma que tanto se espera. Uma nova legislação deve vir a lume sem desprezar toda uma experiência anterior, mas efetivamente uma legislação já prospectiva. Para que isso ocorra é importante que o Legislativo possa partir de alguns referenciais. Inicialmente não se pode olvidar em qualquer momento que a questão é constitucional nos termos do art. 20, parágrafo 2º, uma vez que o legislador constituinte, ao decidir por uma nova ordem jurídica constitucional, estabeleceu dentro dos bens da União o que vem a ser essa Faixa de Fronteira. Dentro desse paradigma constitucional, ou seja, a partir desse referencial, alguns pontos são imprescindíveis ao legislador nessa sua nova missão, sobretudo, de atualizar a legislação numa matéria que já se faz atualizada na prática.

Não pode o legislador olvidar que o paradigma inicial venha a ser os princípios fundamentais postos na Constituição, notadamente aqueles elementos que se apresentam como elementos de base que estruturam a República Federativa do Brasil. Vale dizer a soberania que deve ser tomada, sobretudo, nesse tema a partir do seu novo conteúdo jurídico material. Estamos numa sociedade, hoje, globalizante e globalizada, a cidadania que vem a ser hoje não pode mais ser tomada no seu aspecto estritamente formal de ser cidadão aquele que dispõe de um título de eleitor e que, efetivamente, possa concorrer a um cargo eletivo; mas

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cidadão é muito mais do que isso, é aquele que se vê e que se pode ver reintegrado à sociedade.

Ao lado desses dois elementos faz-se necessária a apreciação do conteúdo jurídico material da dignidade humana que, hoje, se apresenta no Direito Constitucional como sendo a síntese de todos os direitos fundamentais elencados na Constituição. Além disso, os valores do trabalho e da livre iniciativa, hoje, devem ser tomados na sua dimensão social. E ao lado desses quatro elementos básicos um último que vem a ser o pluralismo político, ou seja, a pluralidade de que se reveste a nossa própria sociedade.

Junto aos princípios fundamentais, devem ser observados como um segundo paradigma os direitos e garantias fundamentais prescritos na Constituição. E de acordo com o parágrafo 2º do art. 5º da Constituição eles não se limitam àqueles direitos expressamente elencados no art. 5º, mas vão além. Projetando-se no art. 6º, no art. 7º e outros. Nesse paradigma dos Direitos Fundamentais é importante a observância de uma primeira dimensão desses Direitos Fundamentais, ou seja, o direito à liberdade como sendo a sua principal expedição. Temos ainda, os Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de uma chamada Segunda Dimensão de Direitos Fundamentais. Além disso, os Direitos Difusos chamados Direitos de Terceira Dimensão também se apresentam como sendo, efetivamente, um norte, um vetor, um ponto de referência de orientação para toda e qualquer política pública que possa atender aos anseios da atual sociedade.

Ao lado dos dois grandes paradigmas que a própria Constituição nos traz, a questão do parágrafo 2º do art. 20 se mostra como sendo o marco específico da nossa Constituição a definir o que possa vir a ser a nova legislação sobre Faixa de Fronteira, e mostrar que essa Faixa de Fronteira tem um caráter de fundamentalidade nos termos do próprio dispositivo da Constituição.

Dentro dessa Constituição é importante levar em conta que ao

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largo da Faixa de Fronteira haverá sempre a questão relacionada às terras e direitos indígenas e a questão ambiental. Ambos surgem dentro da Constituição já como Direitos de Terceira Dimensão, como Direitos Difusos e que não podem, a qualquer momento, nos termos do que quer a Constituição, serem considerados direitos absolutos, uma vez que, hoje, todos os Direitos Fundamentais se apresentam relativizados, como passíveis de limitação. A própria idéia de Faixa de Fronteira conduz a essa possibilidade de limitação, de recessão de todo e qualquer Direito Fundamental que se apresente em torno da matéria, da questão em si.

Uma outra questão dentro da Constituição que se apresenta como um norte, como um vetor, como uma orientação, vem a ser a competência, a força, o status constitucional do Conselho de Defesa Nacional. Trata-se de um órgão colegiado opinativo e que até pela sua composição deve ser levado em consideração.

O Sr. Fernando Vianna indagou sobre como o artesanato indígena vem sendo trabalhado no Meso-Região do Alto Solimões, abrindo os debates do terceiro painel. A resposta coube ao Sr. Carlos Augusto Grabois Gadelha, que disse que o artesanato indígena no Alto Solimões foi o primeiro arranjo produtivo apoiado pelo Ministério da Integração Nacional nessa nova lógica da Faixa de Fronteira. Já se estabeleceu uma unidade de capacitação, que foi bem sucedida. Agora está se formando uma rede de parcerias envolvendo associações indígenas, o Sebrae e o Ministério da Integração Nacional, que entra com recursos não reembolsáveis. Esse arranjo produtivo vai desde o aperfeiçoamento da qualidade do produto até a sua comercialização.

A Sra. Ana Paula Souto Maior questionou a defesa que a Sra. Maria Jovita Wolney Valente fez da intensificação da presença humana para garantir a segurança da Amazônia, comparando com a fronteira Sul do País, que apesar de intensamente habitada é por onde entram armas

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ilegais, drogas e ocorrem intensos contrabandos de bens. Diante disso, perguntou se não seria o momento de repensar esse conceito. A resposta foi negativa. Maria Jovita explicou que quando falou no adensamento humano da fronteira também visou a presença das Forças Armadas, da Polícia Federal e de todo o aparato estatal ligado à segurança. Disse que nenhuma população é capaz de por si só garantir segurança para si se os órgãos próprios do Estado, também não estiverem presentes.

Francisco Manoel Mercedes de Oliveira quis saber da Sra. Maria Jovita se a existência de Faixa de Fronteira larga ou estreita estabelecendo um certo grau de controle das atividades estratégicas contribui ou tem contribuído para as desigualdades socioeconômicas e os baixos índices de desenvolvimento humano na região. Ao responder, ela disse que não é pelo fato de estar na Faixa de Fronteira que haverá baixo desenvolvimento humano. Não é por isso. Tem-se uma realidade nacional muito preocupante em relação a essas regiões, principalmente a região Amazônica, que é o isolamento. Lá o índio tem um aparato estatal que lhe dá assistência. Contudo, o caboclo da Amazônia, que não tem origem indígena, mas vive igual ao índio, não tem o apoio estatal. A diferença em relação ao desenvolvimento humano ocorre pela falta de presença de políticas públicas adequadas, não só na fronteira, mas em todas as regiões. Então não é um privilégio ou um demérito da Faixa de Fronteira. Isto acontece em qualquer parte do Território nacional.

Em outra pergunta à Sra. Maria Jovita o Sr. Francisco Manoel quis saber se no caso das Terras Indígenas, o usufruto, a exploração de riqueza mineral à luz da Constituição é exclusiva dos índios ou continua sendo da União como no resto do País. Ela respondeu que a riqueza mineral é de propriedade da União, assim como as terras habitadas pelos índios, de posse imemorial dos índios. Que eles sejam usufrutuários dessas riquezas como o são de todos os bens que ali estão. No caso da União ela tem a propriedade, e o usufruto é do índio, usufruto de todas as suas riquezas.

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Mas defendeu a necessidade de uma regulamentação da forma de utilização desses recursos, porque o índio não tem empresa de mineração, para extrair este mineral, ou madeireira para explorar as madeiras. Ele tem usufruto, mas não tem o poder decisório de como explorar determinado minério ou recurso natural do ponto de vista da flora.

Cristina Campos Esteves relatou que com o advento da Constituição de 1988, a Lei nº 7.805 de 1989, extinguiu o regime de matrícula e criou o regime de permissão de lavra garimpeira em áreas de garimpo. Quando o interessado, pessoa física ou jurídica, requer a permissão no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) ele solicita ao Conselho de Defesa Nacional o Assentimento Prévio quando a área se localiza na Faixa de Fronteira. Ela quis saber se existe alguma norma que deixou de exigir esse assentimento para a permissão de lavra garimpeira. A resposta coube à Sra. Ana Paula Leal Aguiar Calhau. Explicou que o Assentimento Prévio é dado desde que preencha os requisitos previstos na lei. Disse que é preciso buscar dentro de um sistema jurídico a amplitude de uma modernização da legislação como um todo. O Assentimento Prévio não está focado estritamente na Lei da Faixa de Fronteira. Para todos os pedidos de Assentimento Prévio para a mineração, busca-se apoio na legislação ambiental, na legislação das Sociedades Anônimas e nas outras legislações que possam respaldar e dar amparo legal à decisão. Também defendeu, além da necessária autorização do Congresso Nacional, a regulamentação da atividade mineradora em Terras Indígenas, estabelecendo critérios para a presença de terceiros.

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4º PAINELA Faixa de Fronteira e a Segurança Nacional:

Perspectiva Estratégica e Questões de Inteligência

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SEGUNDO DIA - 08/10/2004

No segundo dia do seminário, o quarto painel teve por tema “A Faixa de Fronteira e a Segurança Nacional: Perspectiva Estratégica e Questões de Inteligência”. Coordenaram a Mesa o Ministro José Carlos de Araújo Leitão, Coordenador de Estudos da Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do GSI, e o Sr. Láurence Ferro Gomes Raulino, Procurador Federal (AGU). Os expositores foram o Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa, do Ministério da Defesa; o Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos, Chefe da Divisão da América Meridional I do Ministério das Relações Exteriores; o Sr. Carlos Roberto de Oliveira Varella, Analista de Informações da Agência Brasileira de Inteligência; e o Professor Eliézer Rizzo de Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas.

O Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa, abrindo o painel, considerou extremamente importante que a regionalização na Faixa de Fronteira seja discutida, porque não se pode continuar tratando de igual forma a faixa de 150 km nas diversas regiões do País, de condições sociais, vegetação e desenvolvimento econômico totalmente diferentes. Entende que isso é um ponto a ser debatido no Grupo de Trabalho sobre Faixa de Fronteira com mais profundidade, para avaliar o problema da regionalização.

Centrando sua palestra na questão da Defesa Nacional, ele destacou o relacionamento com os países vizinhos como o aspecto mais favorável da nossa convivência na região Amazônica, porque a redemocratização ocorrida no continente tende a reduzir a probabilidade de ocorrência de conflitos.

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A atitude externa do País se fundamenta na busca de solução pacífica de controvérsias e no fortalecimento da paz e da segurança internacionais. A prioridade da política externa brasileira para a América do Sul já é contemplada na nossa Constituição. No Governo anterior isso foi bastante marcante, mas neste Governo está sendo executado de uma maneira mais intensa. Os fatos, principalmente para o Ministério de Defesa, estão sendo extremamente mais positivos nessa política em relação à América do Sul. O fortalecimento do Tratado de Cooperação Amazônica, que também ganhou um novo impulso de dois anos para cá, tem contribuído muito para isso. Tudo isso facilita uma maior integração e aproximação entre os países do continente.

A ação de bandos armados que atuam em países vizinhos e o crime organizado internacional são alguns dos pontos a provocar preocupação. O principal deles é o crime organizado na Faixa de Fronteira, principalmente tráfico de drogas e de armas, facilitado pela grande capilaridade da rede viária nacional e pelo fluxo de veículos de todos os tipos. As principais conexões seriam as cidades fronteiriças com grande fluxo de comércio local e mercado informal; e também o trânsito, principalmente entre as ligações aquaviárias existentes entre esses países. Quase todos os rios na região Norte não são rios de fronteiras e sim rios de penetração, que facilitam a circulação de mercadorias. As principais dificuldades são a fiscalização e a falta de cooperação entre autoridades, o que já está sendo modificado. Recentemente, o Ministro da Defesa e o Ministro da Justiça assinaram com as suas contrapartes da Colômbia e do Peru um acordo entre os três países, de colaboração principalmente na parte fluvial.

O terrorismo não é bem o caso da região Norte, mas o Brasil tem sido mencionado como receptador de células do terrorismo internacional, depois do 11 de setembro de 2001, mas nada foi identificado. As grandes dificuldades para o acompanhamento de atividades suspeitas são: o controle de entrada e saída de estrangeiros no Brasil e a manutenção da

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identidade social, política e cultural de comunidades islâmicas na Tríplice Fronteira. Na Tríplice Fronteira, as comunidades tentam se agrupar mantendo os seus costumes e sua forma de vida. Na Amazônia, o mais preocupante é as Farc, cujas ações ainda não são reconhecidas como terroristas, mas não é uma situação de tranqüilidade. Obviamente, está sob controle. Os países onde as Farc atuam, além da Colômbia, são o Equador e a Venezuela.

Outra perspectiva desfavorável é a possibilidade de envolvimento do Brasil em conflitos gerados externamente, como conseqüência de ameaças ao seu patrimônio, aos seus interesses vitais. O desenvolvimento amazônico se constituiria numa ameaça ao meio ambiente global, ao patrimônio ambiental, que também é patrimônio da humanidade. Isso também geraria situações não muito confortáveis para a política externa brasileira.

A longa fronteira terrestre com a quase totalidade dos países Sul-americanos confere ao Brasil uma profundidade geoestratégica e torna complexa a tarefa de planejamento geral de Defesa. Essa complexidade é especialmente agravada na região Norte, em decorrência dos extensos vazios demográficos existentes.

Outra perspectiva desfavorável é a criação de extensas áreas protegidas na Faixa de Fronteira, caracterizadas por imensos vazios demográficos que possibilitam a redução do espaço vital de atuação do Estado na plenitude que a Constituição Federal impõe. A referência são as Terras Indígenas que são criadas na Faixa de Fronteira e as Unidades de Conservação, principalmente aquelas de proteção integral.

O Ministério da Defesa entende que é necessário haver Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Mas considera que as Terras Indígenas muito extensas provocam uma densidade demográfica muito baixa e prejudicam a noção de vivificação. A Unidade de Conservação do tipo integral é muito pior, porque ela praticamente isola uma área.

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No final do Governo Fernando Henrique, foi criado o Parque Nacional Montanha do Tumucumaque, de três milhões e oitocentos mil hectares com quase 700 km de fronteira com a Guiana Francesa e ao qual não existe qualquer forma de acesso. O Ibama não está lá dentro para vigiar, o que deixa a área desprotegida. O mesmo acontece na Serra do Divisor, onde a mídia freqüentemente publica denúncias de crimes ambientais que estão sendo cometidos por peruanos, de degradação da floresta (por ser um parque nacional, sem estrutura e muito grande para ser controlado). Isso tudo, de alguma forma, reduz a presença de pessoas na Faixa de Fronteira, o que do ponto de vista da Defesa Nacional é extremamente desconfortável.

Na Política de Defesa Nacional, algumas diretrizes estão relacionadas à ação do Ministério da Defesa na Faixa de Fronteira Norte: aprimorar a organização, o aparelhamento, o adestramento e a articulação das Forças Armadas; aperfeiçoar a capacidade de comando e controle e inteligência de todos os órgãos envolvidos na Defesa Nacional; aprimorar o sistema de vigilância, controle e defesa das fronteiras; garantir recursos suficientes; fortalecer os sistemas nacionais de transportes, energia e comunicações e uma diretriz especificamente para a Amazônia - protegê-la com o apoio de toda a sociedade e com a valorização da presença militar.

Isso é importante porque a Política de Defesa Nacional e a própria Defesa Nacional não são tarefas exclusivas das Forças Armadas, mas de toda a sociedade brasileira. Sensibilizar e esclarecer a opinião pública, promover a interação das demais políticas governamentais com a Política de Defesa Nacional é extremamente importante, porque no Brasil há várias políticas setoriais que na sua totalidade fazem a Política Nacional, mas cada uma delas trabalha totalmente independente, quando deveria haver mais integração.

O Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) é um importante

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instrumento nessa integração, na conservação e desenvolvimento sustentável na região, produção e veiculação de informações para a gestão do conhecimento, proteção e desenvolvimento humano, e conjugação de alta tecnologia com integração institucional e inclusão social. A cada dia um novo setor do País descobre no que o Sipam pode ajudar. Os países que nos circundam, na área amazônica, também são profundamente interessados nas informações advindas do Sipam.

Quanto às ações implementadas, o Ministério da Defesa está aumentando o poder de combate na Amazônia Ocidental. O Exército está transferindo uma brigada de Niterói para São Gabriel da Cachoeira e está criando novos batalhões e pelotões especiais de fronteira, principalmente na região do Estado do Acre. A Marinha transformou um grupamento em um batalhão de fuzileiros para as operações ribeirinhas e está aumentando a sua capacidade de apoio logístico para que os seus navios possam ter capacidade e mais autonomia de operação na região, sem depender tanto de Belém como era até agora. A Força Aérea está trabalhando na criação de bases, tendo uma quase pronta em São Gabriel da Cachoeira e estuda, agora, a implantação de mais duas bases aéreas, uma delas em Vilhena - RO.

A regulamentação da Lei do Abate e as novas atribuições dadas às Forças Armadas no que se refere ao apoio à Segurança Pública, principalmente dando um poder de polícia ao Exército Brasileiro na Faixa de Fronteira, fez com o que os pelotões de fronteira ganhassem um instrumento jurídico valiosíssimo para a sua ação. São também contribuições importantes para a elaboração de uma nova Lei de Faixa de Fronteira que atenda aos interesses brasileiros.

O Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos iniciou sua fala

destacando que o Brasil talvez seja o único País do mundo que tem como heróis dois diplomatas envolvidos em fronteira. O primeiro deles,

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Alexandre de Gusmão, ainda sobre a orientação da Corte Portuguesa, negociou o Tratado de Madri em 1750 que substituiu o velho Tratado de Tordesilhas que precedeu a descoberta do Brasil.

O outro é o Barão do Rio Branco, monarquista convicto que serviu, como poucos, à República e ao Estado brasileiro. Resolveu quase todas as questões de fronteiras herdadas do Império. Assinou o Tratado de Limites com os nossos vizinhos contribuindo para dar a forma final do Território brasileiro. Com isso o Brasil resolveu um grande problema na sua agenda diplomática e na sua agenda de política externa.

Grandes Estados, como a Índia, China e Rússia, têm problemas de fronteiras. O Brasil tem problemas “na” fronteira, mas não tem problemas “de” fronteiras. A forma do Território nacional e a manutenção dessa configuração é um objetivo nacional permanente. E esse objetivo nacional permanente não se discute mais. O Brasil não aceita discutir limites, pois estão todos definidos.

Como pregava o Barão do Rio Branco, o Governo Lula procura, na política externa, dar aos países vizinhos, meios de desenvolvimento através de uma cooperação estreita para que esses vizinhos não causem problemas de segurança. Quanto mais ricos e prósperos eles forem, menor será a probabilidade de problemas de segurança.

O exemplo é Ciudad de Leste, no Paraguai. Quanto mais incorporar a economia de Ciudad de Leste à economia legítima brasileira, por intermédio de cadeias produtivas e de uma reestruturação desta cidade paraguaia, menores serão os problemas de contrabando, de descaminho, de narcotráfico, porque os paraguaios que ali estão, precisando trabalhar, terão menos probabilidade de serem cooptados para atividades ilícitas.

A segurança passa necessariamente pelo desenvolvimento, pelo progresso e este é exatamente o objetivo da política externa brasileira. O Brasil quer manter na América do Sul um espaço político de estabilidade

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democrática, de respeito aos direitos humanos e de inclusão dos cidadãos. Esse também parece ser o objetivo de todos os países do entorno, inclusive daqueles que não têm fronteira com o Brasil, mas as relações são estreitas.

A região do Rio da Prata é prioritária para o Brasil. Nela estão situadas as cidades de São Paulo, Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre. É aonde a fronteira é mais viva, é mais epidérmica, onde as populações passam de um lado para o outro sem se dar conta que passaram para o território vizinho. Nesta região ocorreram os problemas mais sérios, como as Guerras Platinas no tempo do Império.

O Uruguai é talvez a fronteira mais viva. Em 2002, por iniciativa do Itamaraty, criou-se uma nova agenda para a cooperação e o desenvolvimento fronteiriço. Essa nova agenda abrange educação, saúde, meio ambiente e saneamento, para atender necessidades de cidades irmãs na fronteira. Foram criados grupos de cidades casadas. Então os cidadãos de Quaraí, no Brasil, e Artigas, no Uruguai, cruzam de um lado para outro, e podem trabalhar sem problemas. Foi criada a “carteirinha de fronteiriço” e o uruguaio que a possui tem todos os direitos de um cidadão brasileiro. Essa agenda de cooperação com o Uruguai poderá ser a fronteira do futuro, mais do que uma fronteira de cooperação, uma transfronteira. Essa cooperação poderá reduzir problemas de segurança, de narcotráfico, de contrabando, de descaminho, criando assim uma cooperação estreita entre as autoridades judiciárias dos dois países, entre o pessoal que trabalha com o meio ambiente, com o saneamento, com a educação e com a saúde.

Com o Paraguai, o Brasil tem, provavelmente por causa da usina de Itaipu, um modelo de cooperação ímpar em todo o mundo. A usina poderia ter sido construída em Território brasileiro, com capacidade menor, mas com isso o Brasil perderia um amigo e sócio eterno que é o Paraguai. Itaipu fornece cerca de 20% a 25% de toda energia elétrica do Brasil e faz do Paraguai o maior exportador de energia elétrica do mundo.

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Em 1979, o Brasil também resolveu seu maior problema com a Argentina que era o aproveitamento dos rios, precisamente o do Rio Paraná, rio de fronteira, esvaziando a famosa rivalidade Brasil/Argentina.

O Sr. Carlos Roberto de Oliveira Varella, terceiro expositor, centrou sua abordagem nos assuntos que são de maior importância para a Inteligência Nacional conduzida pela Agência Brasileira de Inteligência como coordenadora ou órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência. Dentro da Faixa de Fronteira a Segurança Nacional tende a tratar os assuntos de Inteligência no ramo que se chama Contra-Inteligência.

Normalmente existe uma atuação muito grande nas fronteiras enfocando os temas em virtude da ameaça que podem trazer à autonomia, à soberania e ao desenvolvimento do País. Apesar de não termos células terroristas no Brasil e em nossas fronteiras, o terrorismo é um dos pontos importantes sobre o qual se debruça a Inteligência. Todavia, desde a década de 90 até a presente data, não foi detectada a presença de células ou campos de treinamento de grupos terroristas em Território nacional (apesar da divulgação que tem sido feita pela imprensa). No entanto, a Inteligência Nacional não invalida a continuidade dos esforços de caráter preventivo na verificação de atividades relacionadas ao terrorismo internacional, até para responder a “determinadas pressões”, com o controle e observação das fronteiras nacionais e dos pontos de entrada de pessoas e cargas do País. Por ser um tema que afeta a Segurança Nacional, a Inteligência procura acompanhar o deslocamento de movimentos de grupos guerrilheiros próximos às nossas fronteiras.

Outro assunto que preocupa a Inteligência é a expansão do crime organizado transnacional ou das organizações criminosas transnacionais, que têm facilidade de transitar por nossas fronteiras. Já existem pontos delimitados e mapeados de entrada, de trânsito, de contrabando de armas e, principalmente, de drogas entrando no Brasil - mercado consumidor.

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A produção de drogas nos países fronteiriços também nos afeta. Outra preocupação é com a expansão de comunidades de imigrantes que ficam dos dois ou três lados da fronteira e com isso usufruem das diferenças de fiscalização entre os Governos, propiciando um enclave difícil de ser controlado, do qual o próprio crime organizado se aproveita. Portanto, a observação desses movimentos, dessas comunidades é importante para que se possam minorar os problemas advindos dessa situação.

Outra questão igualmente importante é a exploração ilegal dos recursos naturais, um assunto difícil de se obter informações. Com o aumento da rede de informantes, principalmente nas fronteiras, a Inteligência tem identificado casos importantes de empresas estrangeiras que atravessam para o lado brasileiro e, juntamente com algumas comunidades, fazem explorações ilegais depredando matas.

Os esforços de fronteira seriam concentrar pontos de observação em áreas do Rio Grande (Chuí, Uruguaiana), do Paraná (Foz do Iguaçu e Guaíra), no Mato Grosso do Sul (Ponta Porã e Corumbá), no Amazonas (Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira) e nos Estados do Acre, Rondônia e Roraima.

A despeito da grande integração entre o Brasil e o Uruguai, a fronteira oferece o risco de um crescimento de determinadas comunidades que pelas suas características, ou pelos elementos abrigados por essas comunidades, podem trazer problemas de contrabando e de homizio de pessoas que possam ser procuradas internacionalmente.

O Mato Grosso do Sul (Ponta Porã e Corumbá) é área típica de entrada de drogas e, também onde há um processo de escambo de drogas por armas.

No caso do Paraguai, a presença dos brasiguaios que ultrapassaram a fronteira e plantam soja, já está ocasionando conflitos que, também, podem ser caracterizados como conflitos fronteiriços. Há ainda, no

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Paraguai, um incremento da presença de tropas do Comando Sul Norte-americano que inspira cuidados à Inteligência.

Em suma, o Serviço de Inteligência necessita manter um sistema de coleta e busca adequado, integrado, com comunicação nacional eficiente, para que possa obter as informações precisas e de grande utilidade para os decisores em âmbito nacional.

A palestra do Professor Eliézer Rizzo de Oliveira completou o painel. Foi a primeira vez em toda a sua longa vida acadêmica que ele participou de um seminário sobre fronteiras, embora tenha estudado Defesa Nacional e o papel das Forças Armadas tanto no Sistema Autoritário quanto no Sistema Democrático.

O Professor identifica uma evidente relação entre as situações da fronteira e determinadas condições para a criminalidade urbana. Um dos elementos que mais destaca na importância das fronteiras é a adaptação - que se vive de dez anos para cá - acerca do papel das Forças Armadas na Segurança Pública (poder de polícia das Forças Armadas), concretizada na Lei Complementar nº 97 de 1999, aonde se chegou contra a vontade expressa da mentalidade militar.

No entanto, como dizem algumas autoridades, na fronteira não se produz armas nem drogas. Mesmo assim, consideram que, se não houver uma conexão de controle de fronteira com essa situação a tendência é que o papel de polícia das Forças Armadas não seja especificamente nas fronteiras, mas no País inteiro.

Nesse sentido, chamou a atenção para os objetivos da Política de Defesa Nacional quanto à garantia da soberania com a preservação da integridade territorial, do patrimônio e dos interesses nacionais.

O processo de globalização tem diversos aspectos interessantes. Um deles mostra o quanto é enganoso do ponto de vista ideológico.

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Durante um curso em que participou, como Professor Visitante, no Centro Hemisférico de Estudos de Defesa, nos Estados Unidos, um diplomata americano do Corpo de Professores do Curso defendeu a tese de que “o processo de globalização supera as fronteiras”, tese na qual o Professor Eliézer não acredita.

Os Estados Nacionais formados por províncias ou por Estados Federados têm limites, assim como os municípios. A integridade territorial é um valor, um bem da Nação. As terras demarcadas fazem parte do Território brasileiro para efeito de Defesa Nacional. É uma questão de estratégia, não de exclusão.

Inspirado por um texto da Professora Lia Machado, no qual a Defesa Nacional deveria ser pensada como um sistema de redes, de redes públicas de natureza diferente que pudesse ter acesso às fronteiras, o Professor Eliézer acredita que a Defesa Nacional não pode ser obstaculizada. Na hipótese de determinado problema de Defesa Nacional grave, o Ibama não teria que ser ouvido. Trata-se de uma decisão do Presidente da República. Ele citou o Ibama porque esse órgão tem um papel nacional bastante conhecido e por vezes muito restritivo.

O Estado tem que estar presente não só através das Forças Armadas, mas através de todos os seus setores. Ele lembrou de uma visita que fez ao Projeto Calha Norte, há três anos, quando viveu uma experiência muito marcante. Em Roraima soube de um mutirão que os poderes públicos faziam de vez em quando naquele batalhão de fronteira. Setores representativos do Poder Judiciário e de outros iam da capital; lá resolviam e aplicavam a lei conforme demandas, decidiam os problemas em torno do batalhão. Chamou isso de rede do Estado, que não precisa estar presente o tempo todo, mas sim com regularidade.

A Amazônia é uma prioridade estratégica que o Brasil escolheu muito corretamente. Ela é uma prioridade, mas não uma exclusividade. Como foi dito, ameaças que são eminentemente criminais não são de

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natureza militar, porém cada vez mais as Forças Armadas são chamadas a participar no combate a essas ameaças.

As ameaças são claras: narcotráfico, crimes ambientais, contrabandos, e a difícil situação da Colômbia. A Amazônia é de tal importância que tudo de mais relevante, em termos conceituais e operativos da Defesa Nacional, está voltado para lá primordialmente. O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e o Sistema de Informação e Proteção da Amazônia (Sipam) são o que o Exército chama de Transformação, isto é, unidades e comandos novos que são transferidos para lá. Em vinte anos, o Poder Militar efetivo do Brasil será, sobretudo, amazônico.

Com a priorização da Amazônia, os militares ganharam conceitualmente uma batalha política em que estiveram sozinhos. Nem mesmo o Itamaraty esteve com eles num determinado momento. Quando afirmaram que a Amazônia precisava ser defendida, o ataque imediato aos militares foi: “apontem o risco”. Ao responderem: “o risco não é imediato, é uma perspectiva”, ganharam com isso. Para o bem do Brasil, venceram o debate contra uma certa facção da imprensa e de algumas forças políticas.

Ele apresentou duas hipóteses. Na primeira cogitou: se o oponente possuir um poder militar semelhante ou inferior ao Brasil, a ameaça será de um país Latino-americano. Nesse caso, a estratégia será, em primeiro lugar, de dissuasão, com possibilidades de ações ofensivas e a estratégia da presença se dará o tempo todo sem desconhecer a ação da diplomacia.

Na segunda hipótese, o emprego da força na Amazônia seria na defesa da soberania e integridade territorial, porém contra um oponente com poder militar efetivamente superior. Esse poder militar ocuparia parcialmente a Amazônia ou realizaria outros tipos de agressão. Observa-se uma grande mudança conceitual de 20 anos para cá. Em primeiro lugar, o novo mapa da presença militar na Amazônia e, em segundo lugar, a

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dissuasão - a estratégia da resistência, com guerra convencional ou guerra de guerrilha estatal.

Os debates do quarto painel se iniciaram com perguntas ao Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa. A primeira delas foi se a criação de novos Estados na região Norte atenuaria os riscos de segurança nacional na região. O Almirante respondeu que (em razão dos pareceres que o Ministério da Defesa tem elaborado com base nas consultas que realiza nesse sentido) para a Defesa Nacional é importante qualquer proposta de criação de estados. Para a Defesa Nacional é importante o desmembramento em unidades. Mas isso em tese, porque existem outras considerações que têm que ser levadas a efeito na análise de criação de uma Unidade Federativa.

O Sr. Paulo Resende indagou por que os Grupamentos Especiais de Fronteira (GEFRONs), que trouxeram uma tranqüilidade ímpar para o Mato Grosso, não têm sua atuação expandida por toda Faixa de Fronteira. O Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa explicou que os GEFRONs foram criados para combater crimes transfronteiriços e/ou transnacionais. A criação dos GEFRONs foi motivada pelo fato da presença da Polícia Federal ser pequena e os pelotões especiais de fronteira estarem presentes praticamente em todo o Arco Norte. Os mesmos pelotões passaram a ter o poder de polícia e complementaram a ação da mesma, tanto em nível federal quanto estadual. O Vice-Almirante desconhece a intenção de estender essa ação à região Sul.

Ao Sr. Carlos Roberto de Oliveira Varella foi perguntado por que cientistas, jornalistas e estudantes brasileiros têm muito mais dificuldades para entrar nas áreas indígenas e reservas biológicas do que as Ongs. Varella respondeu que a ação de Ongs tem sido realizada com uma liberdade muito grande e talvez não se tenha um controle eficiente das suas atividades e dos seus objetivos. Admitiu que algumas delas

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podem fugir não só a esse controle, mas também fugir aos princípios que elas preconizam. Mas que não tem como afirmar que alguma delas esteja fazendo trabalho alheio ao interesse nacional.

O Professor Argemiro Procópio, da Universidade de Brasília, considerando que a Amazônia efetivamente ocupa mais da metade do Território brasileiro, perguntou quantos Generais-de-Exército, Almirantes-de-Esquadra e Tenentes-Brigadeiros vivem e trabalham, hoje, na região. O Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa relatou: O Exército tem um General-de-Exército, que é o Comandante Militar da Amazônia, e mais quatro Oficiais-Generais em Manaus: o Comandante da Região Militar, o Chefe de Estado-Maior; o Comandante de Operações; o Comandante do Grupamento de Engenharia e da Esquadra. Tem, ainda, uma Brigada em Boa Vista, comandada por um General-de-Brigada. Foi ativada recentemente, uma Brigada em São Gabriel da Cachoeira, com o comando de outro General-de-Brigada; tem um General-de-Brigada em Tefé e em Belém tem o Comandante da 8ª Divisão de Exército. Tem-se ainda, um Oficial-General em Porto Velho e outro em Marabá. A Marinha tem um Vice-Almirante em Belém que é o Comandante do Quarto Distrito Naval e um Contra-Almirante em Manaus que é o Comandante Naval da Amazônia Ocidental. Da mesma maneira a Aeronáutica tem um Brigadeiro Comandante do COMAR (Comando Aéreo Regional) em Belém e um Brigadeiro Comandante do COMAR em Manaus. Essa é a presença dos oficiais generais na Amazônia.

Pepeu Garcia, da Agência de Desenvolvimento da Amazônia, perguntou qual a posição do Ministério da Defesa quanto à demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. O Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa disse que o Ministério da Defesa tem se posicionado contrário à demarcação contínua, mas que isso não deve ser interpretado como uma posição contrária à Terra Indígena, tanto que já se manifestou favoravelmente à criação de inúmeras Terras Indígenas

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em Faixa de Fronteira. Acontece que Raposa Serra do Sol, como a reserva Yanomami que foi criada há mais de dez anos, são áreas muito extensas e com uma densidade demográfica baixíssima e por isso não atendem aos interesses da Defesa Nacional.

Bruno Souza colocou para o Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos que um dos principais argumentos da diplomacia brasileira na disputa fronteiriça se relaciona à noção de posse da qual deriva a idéia de vivificação das fronteiras e perguntou se no mundo contemporâneo é correto permanecer atrelado ao argumento de Alexandre de Gusmão, no Século XVIII. A resposta do Diplomata foi que a saída seria devolver para a Espanha tudo que conquistamos. Foi exatamente empregando a noção de posse que o tamanho do Território brasileiro se configurou. Quando houve a União Ibérica em 1580 os portugueses, sabiamente, adentraram pelo território da Coroa Espanhola. Quando terminou a União Ibérica em 1640 - os espanhóis despertaram quase um século depois - os portugueses já tinham tomado quase que a metade da América do Sul. E a argumentação brilhante de Alexandre de Gusmão, que não era português, era brasileiro, foi exatamente essa: “temos a posse e, portanto, somos donos”. Trata-se de um conceito do século XVIII? Não. É mais antigo ainda. Se não aceitássemos esse conceito teríamos que devolver tudo e voltaríamos ao velho Tratado de Tordesilhas. Aliás, um péssimo tratado porque delimitou mal as terras da Espanha e Portugal, e causou uma grande celeuma internacional à época. O Tratado dividiu o mundo em duas partes: uma parte espanhola e outra portuguesa. O Rei da França, Francisco I, perguntou: “onde está no Testamento de Adão e Eva que o mundo seria dividido entre Portugal e Espanha?” Seguindo esse conceito, os franceses vieram aqui buscar produtos e, por duas vezes, tentaram ocupar o Território brasileiro com a França Antártica e a França Equinocial no Maranhão.

O Ministro José Carlos de Araújo Leitão perguntou ao

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Vice-Almirante Murillo de Moraes Rego Barbosa se as diferenças de realidades na fronteira do Brasil, por exemplo, São Gabriel da Cachoeira, Corumbá, Santana do Livramento, têm implicações de custos, ou seja, se formos formular uma política de fronteiras para cada uma dessas regiões não seria muito caro. O Vice-Almirante confirmou as implicações de custo, e disse que há pelotões de fronteira que são apoiados logisticamente por aeronaves e outros por embarcações.

O Sr. Jackson Trindade apontou ao Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos o que seria uma incoerência da política externa brasileira, defender o fortalecimento econômico dos seus vizinhos, e perguntou se no caso do Estado ficar muito rico não se constitui em ameaça permanente a um Estado vizinho pobre.

Brêtas Bastos viu na pergunta uma questão de assimetria e disse que o Brasil reconhece a assimetria, não confunde seu poder com hegemonia. Ele não vê nenhuma ação brasileira em que os outros países tenham a veleidade de se deparar contra uma invasão do império brasileiro porque o Brasil sempre respeitou o direito dos outros países quanto à questão de soberania.

Lembrou que o Barão do Rio Branco, Patrono da Diplomacia brasileira, fez o Governo brasileiro conceder o condomínio da Lagoa Mirim ao Uruguai, pensando no desenvolvimento do país vizinho. O Brasil poderia ter construído Itaipu no Território brasileiro e, no entanto, não o fez. Com isso permitimos ao Paraguai a capacidade de ser o maior país exportador de energia elétrica do mundo. Poucos sabem disso, a metade da energia do Paraguai é paga pelo Governo brasileiro que a importa.

O Brasil construiu um anel de paz em torno de suas fronteiras. A exceção foi a Guerra do Paraguai, que durou cinco anos, e ao término foi assinado um tratado. Dom Pedro II deu instruções claras para que a negociação com o Paraguai fosse feita com equidade e justiça.

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Por isso temos em volta do Brasil, em nosso entorno, países amigos, que nos chamam exatamente quando precisam, quando têm uma diferença de fronteira. Exemplo: Peru e Equador. Temos a tranqüilidade de ter negociado palmo a palmo do nosso Território numa perspectiva de paz. A diplomacia brasileira é extremamente cuidadosa, nasceu em 1808 com a chegada da Família Real ao Brasil. Temos uma tradição de diplomacia que poucos países têm, por isso que os nossos vizinhos dizem: el Itamaraty no improvisa.

Sônia Saldanha, do Ministério da Saúde, perguntou se a população que habita a Faixa de Fronteira sabe que existe uma fronteira geográfica ou se entende a fronteira como um grande Território sem limites definidos. O Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos afirmou que existem muitas cidades em Faixa de Fronteira e os habitantes não se interessam muito em saber onde está o limite. Citou o exemplo de uma ponte construída entre Quaraí, no Brasil, e Artigas, no Uruguai, que os Governos dos dois países desconheciam a sua existência. A realidade impõe fatos no dia a dia, sobre os quais as leis produzidas pelo Congresso e pelos tratados internacionais não têm alcance.

O Ministro José Carlos de Araújo Leitão resumiu nas palavras de um embaixador português a paz que o Brasil mantém com seus dez vizinhos: “a coroa de louros da diplomacia portuguesa era o Território brasileiro. Mas a coroa de louros da diplomacia brasileira é a paz com os vizinhos”. Depois comentou os acordos de cooperação do Brasil com os vizinhos, de energia com o Paraguai e a Bolívia, rodoviários com o Peru e a Venezuela, ou a Ponte da Amizade que já tem 50 anos, para perguntar se a fase de geopolítica do conflito que eventualmente, aqui e ali, tivemos com os vizinhos está superada por uma nova fase, a de geopolítica da cooperação.

O Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos, seu colega do Itamaraty, respondeu que não tinha dúvida sobre a colocação. Disse

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acreditar que a geopolítica da integração é uma realidade palpável e que vai transformar as nossas fronteiras de separação nas fronteiras de cooperação, para um conceito que apresentou da transfronteira, de acesso livre para os dois lados, sempre pensando na cooperação conjunta, na fiscalização conjunta contra os delitos, contra as ações criminosas, mas sempre numa harmonia total de entendimento.

Disse que o Brasil é um País privilegiado no contexto Sul-americano onde as fronteiras estão todas demarcadas. O que se faz nesse momento, e isso é de responsabilidade do Itamaraty em cooperação com o Exército Brasileiro, é o adensamento de marcos, para delimitar o Território, porque cooperação não significa abdicar da soberania. Cooperação, integração não significa eliminar a diversidade, a diferença, muito pelo contrário (na Europa os países mantêm as suas tradições).

Lembrou do recente Festival da América do Sul que reuniu em Corumbá artistas Sul-americanos como um exemplo de integração cultural, que deve ser incrementada em outras frentes, como na literatura e na história. Brêtas Bastos defende que os brasileiros precisam ler os autores da América do Sul, conhecer as obras de arte e a história da América, da América Pré-Colombiana, esquecendo um pouco do Franco-Centrismo no estudo da História. O Diplomata acha que conhecemos muito Carlos Magno, Luís XIV, a Partilha da Polônia, que foi partilhada três vezes, mas conhecemos muito pouco sobre a Guerra entre o Chile e a Bolívia, por exemplo. Ficamos olhando para a Europa, para a Guerra da Secessão americana e não estudamos a história da América do Sul. Esse é um dos desafios da nossa cultura. Aprofundar o conhecimento sobre os nossos vizinhos.

O Ministro José Carlos de Araújo Leitão se disse impressionado com o divórcio que temos em relação aos vizinhos, mas observou que já foi muito pior. Lembrou que o primeiro encontro de um Presidente brasileiro com um Presidente venezuelano foi em 1973, após 151 anos

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da Independência. Foi o encontro de Rafael Caldera com o Presidente Médici. Isso mostra claramente a distância que nos separa. Lamentou que não existam, por exemplo, especialistas brasileiros em Argentina, enquanto nos Estados Unidos há vários brasilianistas, vários professores especialistas em Brasil.

Priscila Carvalho perguntou ao Professor Eliézer Rizzo de Oliveira como ele interpretava decisões jurídicas recentes indicando a exclusão da área de fronteira de Terras Indígenas, como o caso Raposa Serra do Sol. Ele manifestou a impressão de que em algum momento será encontrada uma solução para essa dificuldade de terras muito longas e contínuas. É menos uma questão de Defesa Nacional e mais uma questão societária, isto é, da relação entre os direitos indígenas definidos na Constituição e as aspirações e necessidades de parcela da sociedade envolvida na ocupação de terras, lavouras e outros.

Eduardo Fernandes, após tecer uma série de considerações sobre a prática de ilícitos na região de fronteira, e sendo missão constitucional das Forças Armadas a defesa da Pátria, perguntou se não estariam as Forças desde já legitimadas a utilizarem na Faixa de Fronteira quaisquer instrumentos para cumprir a sua missão constitucional de defesa da Pátria no combate a uma guerra que na opinião dele apenas não foi declarada. O Professor Eliézer Rizzo de Oliveira respondeu que no combate à criminalidade as Forças Armadas só podem usar aqueles instrumentos constitucionais que dizem respeito ao Estado Democrático. O papel de polícia mais nítido para as Forças Armadas é na região de fronteira, mas pelo texto da Lei Complementar nº 97 de 1999 não é só na região de fronteira, e sim na totalidade do Território nacional.

Gilton Brito, Advogado da União, perguntou sobre os riscos para a Faixa de Fronteira do Plano Colômbia promovido pelos Estados Unidos. O Professor Eliézer Rizzo de Oliveira disse crer que não é tanto para a questão de Faixa de Fronteira, mas para a política externa

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brasileira e Defesa Nacional. O Plano Colômbia incomoda o Brasil, isso é verdade. Por outro lado o Brasil tem clara a posição de não se envolver militarmente, se dispor a ajudar diplomaticamente na ONU. Os Estados Unidos iniciaram um processo que não se sabe para onde vai. O Plano Colômbia é uma relação estritamente bilateral com efeitos em toda a Amazônia. Em recente exposição do General Rui Monarca, do Grupo de Trabalho do Ministério da Defesa sobre a renovação do pensamento estratégico, ele mostrou quantas bases americanas existem em torno do Brasil. Portanto, há incômodos, há razões para que o Brasil se sinta inseguro com essa situação.

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5º PAINELA Faixa de Fronteira, os Crimes Transnacionais

e as Ações de Integração

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“A Faixa de Fronteira, os Crimes Transnacionais e as Ações de Integração” foi o tema do quinto e último painel do seminário. A mesa foi coordenada pelo Senhor Joarez Alves Pereira Júnior, Assessor da Saei e pelo Senhor Moacir Antonio Machado da Silva, Procurador-Geral da União. O painel teve como expositores o Delegado Mauro Sposito, Coordenador de Operações Especiais de Fronteira da Polícia Federal; o Senhor Robson Robin, Assessor Especial da Secretaria Nacional de Segurança Pública; o Senhor Bruno Cobuccio, Assessor Internacional do Ministério da Integração Nacional; e a Professora Lia Osorio Machado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Primeiro expositor, o Delegado Mauro Sposito discorreu sobre a questão da Faixa de Fronteira, sob a ótica policial, a ótica da Polícia Federal, sobre os crimes e as ações de integração. Para os fins da Convenção das Nações Unidas Contra a Delinqüência Organizada Transnacional entende-se como “grupo delituoso organizado” um grupo estruturado por três ou mais pessoas que exista durante certo tempo e que atue com propósito de cometer um ou mais delitos graves ou delitos tipificados pela convenção. Pouco esclarece se seria quadrilha de três, algo nesse sentido, mas não fala da potencialidade da organização e se realmente está se tratando de um determinado tipo de crime.

Ainda não existe um entendimento do que seja o crime organizado. E a transnacionalidade do crime organizado também ainda está para ser conceituada. A ONU considera que o crime organizado transnacional destrói as bases da ordem democrática e da segurança internacional, valores consagrados em sua Carta. O delito transnacional, delito transfronteiriço, nada mais é do que uma metáfora jurídica utilizada para conceituar uma ação ilícita cujos resultados extrapolam os limites territoriais de uma nação. Porém, a potencialidade ofensiva

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do delito ainda não está delimitada por qualquer diploma legal. E não havendo delimitação, o Brasil procura discipliná-lo dentro de suas fronteiras.

As principais atividades do crime transnacional são: narcotráfico, desvio de verbas públicas, de material nuclear, de substâncias químicas e biológicas, lavagem de dinheiro, contrabando de armas, tráfico de seres humanos, imigração clandestina e terrorismo. Com esses crimes surge uma nova figura, a doutrina da Segurança Internacional, que hoje está sendo imposta a todas as Nações, de tal forma que se não for disciplinada a tempo pode se transformar em problemas que afetem diretamente a soberania não só do Brasil, mas também de outros países.

A ampliação da cooperação internacional é fundamental para o combate a esses crimes, porque sem essa cooperação não há como verificar a existência do crime que ultrapassa as fronteiras. Pode ser iniciado em Território brasileiro e concluído em outro país, ou vice-versa. Nada pode ser feito sem a cooperação internacional, principalmente sem o aperfeiçoamento de um sistema de intercâmbio de provas.

O Brasil deve dar prioridade às fronteiras amazônicas e, também ao Mato Grosso, em razão da sua fronteira com a Bolívia. A necessidade de prioridade se dá principalmente em decorrência da ausência do Poder Público naquela região. Na linha de fronteira confrontante com Argentina e Uruguai, a presença do Poder Público é maciça, tem-se uma população efetiva aviventando aquela linha de fronteira, enquanto que ao Norte, ali sim, verifica-se a total ausência do Poder Público.

Todos os estudos até agora realizados sobre o estado atual da Colômbia apontam para uma premissa básica - a ausência do Poder Público.

Portanto, é em decorrência da ausência do Poder Público nessa Faixa de Fronteira, que advém a grande preocupação, a prioridade que

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vem sendo dada às atividades nas fronteiras amazônicas. Nesse conjunto, o Departamento de Polícia Federal realizou estudos e detectou dez principais problemas, entre eles o narcotráfico; a questão mineral; o extrativismo de madeira e de outros bens biológicos; a atuação das Ongs, interferindo em políticas públicas; a Zona Franca de Manaus, cujo modelo de desenvolvimento pode virar um paraíso fiscal, e a questão do terrorismo.

O Delegado afirmou que embora o Brasil não tenha o problema, não pode negar que está cercado da atividade terrorista pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), pelo Exército de Libertação Nacional (ELN) e agora, pelo ressurgimento do Sendero Luminoso. Há, ainda, a questão política, com campanhas financiadas pelo dinheiro do narcotráfico, a questão do meio ambiente (degradação, biopirataria), as questões fundiárias e os projetos amazônicos, além das questões indígenas.

Diante desse quadro, a Polícia Federal criou a Coordenação de Operações Especiais de Fronteira (COESF) para exercer a Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras, com base na comunhão de esforços da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Entorpecentes. Estão sendo desenvolvidas operações abrangendo as fronteiras dos países limítrofes ao Brasil, da Guiana Francesa até o Uruguai. Esse conjunto de ações estará funcionando totalmente até dezembro de 2005 e inclui 50 postos de controle de fronteira, todos eles interligados e com o apoio de todos os órgãos envolvidos na fiscalização de fronteira.

Segundo expositor, o Sr. Robson Robin, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), disse que o crime transnacional seguiu o mesmo processo do desenvolvimento econômico: precisou aumentar a sua interdependência e se estabeleceu com a globalização, e sempre se fez presente onde estava o lucro. A pirataria é um desses crimes com

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que convive o setor de Segurança Pública, que atua hoje como fator fundamental de desenvolvimento do crime.

Recentemente, a Senasp junto com outros órgãos se fez presente no Ministério das Relações Exteriores para tratar de uma demanda de pirataria feita pelos Estados Unidos, em função de um pretenso diagnóstico de que o Brasil não estava zelando o suficiente pelo direito autoral, a contra-facção, a pirataria. Isso envolvia a cifra de dois bilhões e quinhentos milhões de dólares.

O narcotráfico tem uma penetração no sistema político, executivo e judicial dos países. O narcotráfico foi o grande malefício que inaugurou os anos 80 e hoje se tem o terrorismo. O Brasil, por sua postura e cultura, tem passado ao largo desse flagelo, mas não pode se dizer imune a ele, se dizer dissociado da globalização. Hoje, o que vale para o narcotráfico vale para tantos outros delitos. Como fazer frente a essa nova realidade, preservando, observando a Faixa de Fronteira? A lei diz que a Faixa de Fronteira é uma área estratégica, que precisa ser zelada. Então, tudo que se aplica em Segurança Pública no País, deve-se aplicar com mais ênfase na área de fronteira.

Um dos primeiros passos para se falar em Faixa de Fronteira, já que a lei uniformiza uma faixa, é nivelar o conhecimento sobre essa faixa, porque os percalços da fronteira são os mesmos. É necessário formar uma nova doutrina, padronizar procedimentos, equipamentos, legislação e nivelar o conhecimento mínimo dos agentes que atuam e atuarão na área.

Em breve será inaugurado o INFOSEG, uma rede virtual que integra 27 estados brasileiros e dará acesso a diferentes bancos de dados criminais e de justiça. Permitirá do Oiapoque ao Chuí, por exemplo, a consulta sobre mandado de prisão. O Sistema Nacional de Controle de Armas (Sinarm) ajudará a controlar todas as armas autorizadas do País e o AFIS, um sistema criminal que em última análise controlará as impressões digitais (mais difícil de ser fraudada).

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Na edição de uma nova lei de Faixa de Fronteira tem-se que levar em conta que do outro lado existe um outro país, com os mesmos problemas. Essa lei deve estabelecer um plano de segurança transversal, alinhado com os planos de segurança estaduais e os municipais. Não é só o sistema de informação, de mandado de polícia, de prisão que tem que permear a União, Estados e Municípios. O Poder político, quando legislar, tem que permear a sua doutrina de segurança até a fronteira.

Por último, sugeriu que a percepção que cada país tem de sua presença, seja no cenário mais restrito, contíguo a um país fronteiriço, seja no seu cenário mais amplo em termos de América, deve ser considerada na adoção de uma concepção de defesa estratégica baseada no equilíbrio cooperativo. Acredita-se que, hoje, a Segurança Pública só será eficaz se obedecer a um equilíbrio cooperativo com quem está do outro lado da Faixa de Fronteira.

O Sr. Bruno Cobuccio, terceiro expositor, teceu considerações sobre a lógica de reformular o Programa Faixa de Fronteira resgatando um pouco do que está por trás da decisão do Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, sob a orientação do Presidente da República.

A primeira idéia é a vislumbrada pelo Ministro, de resgatar o lado mais nobre da noção de Federalismo que, historicamente, sempre foi utilizado para expressar a idéia de que a organização política deve basear-se na solidariedade e na cooperação. A noção que vem desde o Século XIX de que somente a Federação pode resolver, na teoria e na prática, o problema da conciliação nacional.

Então a preocupação é justamente de superar o debate maniqueísta que sempre existiu e continua existindo, entre Federalismo versus Unitarismo. E tomar consciência de uma vez por todas de que o País tem graves desequilíbrios regionais que foram produzidos historicamente por

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uma industrialização concentrada numa área limitada do País, e essa percepção leva, não somente, à decisão de reformular o Programa Faixa de Fronteira, mas também a de recriar órgãos como as antigas Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e de criar novos mecanismos com a função de introduzir elementos compensatórios a essas assimetrias nacionais de ordem econômica, social etc.

Houve uma decisão imediata, quando o Ministro Ciro Gomes assumiu a Pasta, de revigorar o Federalismo e estimular, por exemplo, novas formas de articulação entre os Poderes central, estadual e municipal. O objetivo era e continua sendo de fomentar uma verdadeira regionalização do Poder central, por meio da criação de contra-pesos, derivados da institucionalização de instâncias decisórias intermediárias, única via capaz de estimular, em todas as suas dimensões, a capacidade criativa da sociedade brasileira. Então essa preocupação dá um novo vigor ao Federalismo; é o primeiro passo dessa reflexão sobre a problemática da Faixa de Fronteira.

Outro elemento fundamental dessa reflexão é a necessidade de reformulação da capacidade estratégica do Estado brasileiro, que havia sido perdida no Governo anterior. De certa forma, o Governo anterior acreditou que a globalização, as políticas neoliberais seriam por si só suficientes para tornar o Estado brasileiro mais eficiente. A aposta na bondade dos mercados tornou o Estado Brasileiro incapaz de adotar políticas eficazes de planejamento e, inclusive, implementar qualquer política coerente de longo prazo. Então, diante das deficiências do Programa Faixa de Fronteira, o Ministério da Integração Nacional buscou adotar uma estratégia de maior fôlego, de caráter estrutural.

Numa economia como a brasileira, que tem imenso atraso acumulado, desequilíbrios regionais e setoriais e um potencial enorme de recursos não utilizados, abandonar a idéia de planejamento é renunciar

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a idéia de ter um Governo efetivo. A determinação de ordenamento do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira nasce, portanto, dessas preocupações. As insuficiências eram notórias. Os projetos eram totalmente desarticulados, sem vieses desenvolvimentistas, movidos por uma lógica tão somente assistencialista, sem qualquer planejamento, o que implicava a dispersão dos escassos recursos públicos. Não tinha nenhum efeito multiplicador duradouro em termos de geração de emprego e renda, estruturação das atividades produtivas em nível regional, também não havia qualquer tipo de convergência em termos de ações com as demais áreas do Governo federal, estadual e municipal, nem com a sociedade civil, o que obviamente leva esse conjunto de fatores negativos a contribuir para uma total incoerência dos projetos que eram levados a cabo pelo antigo programa.

Uma outra reflexão que responde um pouco à preocupação desse painel é que havia demasiada ênfase na idéia da fronteira como uma peça fundamental da Defesa Nacional contra eventuais inimigos externos e, sobretudo, num determinado momento, contra ameaças de natureza ideológica. Com a globalização, as ameaças externas ao Estado se transformaram totalmente, são muito mais perniciosas, hoje, do que no passado.

Uma análise criteriosa da conjuntura demonstra que essas ameaças ao Estado não residem, atualmente, na probabilidade de invasão do Território nacional por um país limítrofe, ou por uma potência estrangeira, ou ainda na hipótese de assalto ao poder por um determinado grupo social ou terrorista. As ameaças ao Estado derivam muito mais, hoje, do esgarçamento do tecido social, da miséria que condena importante parcela dos brasileiros ao não-exercício de uma cidadania plena, do desafio cotidiano perpetrado ao Estado pelo crime organizado. Então são essas as novas ameaças ao Estado, qualquer Estado, sobretudo, ao Estado brasileiro. E esses elementos que são desagregadores, anti-sistêmicos

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estão presentes, obviamente, na Faixa de Fronteira. E eles são, na Faixa de Fronteira, magnificados pela condição histórica de abandono em que vive a região. Cabe ao Estado, portanto, assumir a função de planejador e colocar em prática políticas com estratégicas capazes de ocupar, vivificar esse imenso Território.

É preciso superar a visão de fronteira como uma espécie de “fim de mundo”, portadora de problemas e de maus presságios para a Nação. Não é na fronteira que o Brasil termina, e sim onde começa. Não se deve cair na tentação ingênua de negar a fronteira. Muitos o fazem, sobretudo, os ideólogos da globalização que apregoam que não há mais fronteiras, que a idéia de Estado-Nação está cada vez mais superada. A visão do Ministério da Integração Nacional é de que as fronteiras nacionais são uma realidade inabalável, uma realidade concreta e que cabe, portanto, abraçar o internacional, no caso com os nossos países vizinhos, mas como meio de reforçar o nacional. Nesse sentido, o Programa Desenvolvimento da Faixa de Fronteira abre promissoras e inovadoras formas de articulação com todas as demais áreas do Governo Federal e com a sociedade civil.

A Professora Lia Osorio Machado, última palestrante, procurou iluminar questões que o foco na Segurança Nacional deixa um pouco de lado, e focalizar a atenção no contexto do crime transnacional e o efeito de sua atuação para o Estado Nacional. De fato, não existe crime transnacional, existem atividades criminosas que operam de forma transnacional.

Lembrou que o Senador John Kerry, recentemente candidato a Presidente dos EUA, fez, no final da década de 80, uma CPI no Senado americano sobre bancos privados e chegou à conclusão que o Trade Bank deveria ser fechado. Os representantes do banco disseram: “o senhor pode fazer isso, só que vai cair o Sistema Financeiro Internacional”.

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O Trade Bank era comprovadamente um dos elementos para a lavagem de dinheiro.

Isso quer dizer que estão se realizando em todo o mundo atividades que escapam ao controle de cada Estado Nacional. Esse é o caso sem dúvida do narcotráfico, da lavagem de dinheiro, do tráfico de armas etc. É o caso da evasão fiscal. Quase 50% dos lucros das multinacionais estão em paraísos fiscais.

Outro problema é a dificuldade de reprimir o crime, porque esta ação tem efeito no quadro social de emprego, político, econômico, regional e geopolítico, pois a linha entre o que é legal e ilegal está ficando cada vez mais tênue.

Quando esse Gabinete mudou de nome, de Casa Militar para Gabinete de Segurança Institucional, isso não foi uma idiossincrasia, foi por um fato que está acontecendo no mundo inteiro, que é a interpenetração entre Segurança Interna e Segurança Externa e a constatação cada vez mais premente de que a população está indo para um lado e as instituições para um outro.

Em outras palavras, existe um poder legítimo que está sendo desafiado não só pelo crime internacional, mas também por uma série de fatores que colocam em xeque as instituições e que, portanto, colocam em xeque alguns dos fundamentos do Estado Nacional. Essa interpenetração entre a Segurança Externa e a Segurança Interna vai colocar em xeque o poder e a legitimidade do mundo da segurança.

A outra questão é a da cronologia de repressão, por exemplo, no caso das drogas. Nitidamente, é colocar todos os países sob pressão internacional, via Nações Unidas, ou Estados Unidos, para que sejam aprovadas políticas internas que não teriam condições de serem aprovadas, não fosse a pressão externa. É o caso do sigilo bancário. Quando foi instaurado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras ( COAF), o objetivo foi facilitar o controle interno.

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A Colômbia tem o apoio das tecnologias da potência Norte-americana que faz, inclusive, mensalmente, o levantamento da produção de coca no País. Estudos mostram que a produção de coca está vindo em direção à fronteira com o Brasil, que é área das Farc.

O Ministério da Integração Nacional, o Gabinete de Segurança Institucional e todos os outros ministérios envolvidos nas questões de fronteira devem se entender para fazer da fronteira uma região livre dessas ameaças e, com planejamento, levá-la ao desenvolvimento, considerando a área como estratégica. A região de fronteira tem visibilidade e pode permitir ao Estado recompor a legitimidade do Estado como força una e não de competição entre os órgãos, no sentido de avançar na luta em defesa de algumas instituições que estão realmente em crise.

Na abertura dos debates, o Ministro José Carlos de Araújo Leitão, da Saei, perguntou à Professora Lia Osorio Machado em que medida o aumento das necessidades das mencionadas atividades criminosas transnacionais representam um risco para a soberania do País. Ela respondeu que o que está em jogo é exatamente o conceito de soberania. Pensando em termos da Amazônia, ela considera que se não tivermos uma bomba atômica, qualquer potência que tenha maior condição militar que o Brasil pode invadir. Desde a época dos ingleses há o que se chama Imperialismo formal e informal. O informal é aquele que você negocia, não precisa invadir. A soberania, às vezes, é negociável. Tanto é que há mais de dez anos o Governo Norte-americano está pressionando o Exército a assumir o papel de polícia, e, agora, até os Governos estaduais também o fazem. A resistência existia por não ser função constitucional do Exército, exatamente por um conceito de soberania existente. Este conceito está se transformando, adaptando-se às novas injunções. O crime transnacional tem a participação de brasileiros e de outras pessoas, ocupa os lugares e não é definido por nenhum dos lugares que ocupa. Por isso é transnacional.

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Francisco Manoel perguntou ao Sr. Robson Robin se não seria o momento de se criar uma polícia específica para a fronteira, em caráter nacional, com encargos de vigilância, alfandegária e migratória, tal como ocorre em outros países. Ele respondeu que a inclinação é de não se criar outra polícia, pois o sistema já existe. Tem que ser implementado efetivamente e completadas as atribuições constitucionais que não se complementaram na prática. Não se pode desistir das instituições, criar novos organismos sem exaurir a competência do Estado.

Pepeu Garcia, da Agência de Desenvolvimento da Amazônia, colocou que a atividade ilícita na fronteira acontece pela falta de capacidade do Estado, e questionou o seu combate diante da discrepância muito grande entre a capacidade dos países de fronteira de reação ao crime. Ao responder, o Sr. Mauro Sposito apontou o que chamou de uma premissa falsa porque considera que não é na fronteira que se origina o crime, até mesmo pela falta de condição econômica nessa região. Os crimes se originam em grandes centros urbanos. A fronteira é um local de passagem de um território para outro. A Colômbia detém 90% de toda a produção do cloridrato de cocaína em nível mundial, isso está na Faixa de Fronteira colombiana. Mas a Colômbia tem que escoar o que produz e precisa ultrapassar a fronteira, para vender no exterior. Portanto, não é ali na Faixa de Fronteira que se origina o crime. O Estado precisa estar presente na fronteira para guarnecer o que é seu.

O Sr. Robson Robin completou a resposta afirmando que a fronteira é um local estratégico. Crimes que se destinam ou que se originam numa terra além fronteira têm na mesma um ponto de convergência obrigatório. A fronteira deve ser vista como estratégica e não como um local de proliferação de crime.

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Relatório do Seminário

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Ao final do debate do quinto painel, passou-se ao Relatório do Seminário, apresentado pelo General Valmir Fonseca Azevedo Pereira, Vice-Presidente de Assuntos da Amazônia e Soberania Nacional, do Instituto Nacional de Estudos e Assuntos Estratégicos.

O relatório cita a Lei nº 6.634 de 1979 e o Decreto nº 85.064 de 1980 que estabelecem: cabe à Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, na condição de órgão Assessor do Conselho de Defesa Nacional, dar ou negar o Assentimento Prévio para a outorga de títulos minerais na Faixa de Fronteira.

Afirma que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com sua responsabilidade estabelecida na legislação citada, buscou privilegiar em sua agenda, no corrente ano, o Seminário sobre Faixa de Fronteira. Ao fazer isso, o GSI abriu ao debate um leque de oportunidades para os diversos atores apresentarem suas demandas, perspectivas e incertezas.

Destaca o ponto de partida desenvolvido pelo General Jorge Armando Felix, Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, sobre a nova concepção da Faixa de Fronteira no século XXI, liquidando conceitos e marcos legais, cuja caducidade tornou-se evidente e foi corroborada ao longo das apresentações e debates. Aponta o destaque às dimensões da Faixa de Fronteira, cuja área de 150 km de largura e 16.866 km de extensão equivaleria à 12ª nação do mundo em extensão territorial.

A primeira dessas concepções refere-se à relação da Faixa de Fronteira com a Defesa. A segunda concepção determina a manutenção das reservas indígenas e dos parques florestais, em determinadas áreas, sobretudo, nas fronteiras amazônicas. As terras seriam mantidas, nesse caso, inalteradas. E, finalmente, a terceira e mais recente proposta decorrente da necessidade de aprofundar a integração Sul-americana por meio de projetos conjuntos em todas as áreas, especialmente nas áreas de

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transportes e nas atividades econômicas advindas do estabelecimento de mercados comuns, concepção que privilegia a Faixa de Fronteira como um elo de ligação, como um ponto de contato, e não uma barreira como no passado.

O relatório aponta o desafio que a questão fronteiriça engloba, sua complexidade de questões ditadas pelo confronto entre a norma e o real, frente o seu direcionamento para a Defesa Nacional. A questão fronteiriça passa a ser repensada como decorrência das novas injunções que passam a prevalecer nas políticas advogadas pelos diversos agentes do Governo. Em conseqüência, surgem competências específicas, próprias, que devem ser elaboradas em consonância entre si, ou carecem de ser integradas, quando não são complementares.

De acordo com o relatório, o seminário deixou claro que as atividades na Faixa de Fronteira demandam antes de tudo a necessidade de compatibilizar interesses na exploração mineral, no respeito às áreas indígenas, na preservação ambiental, na prestação de serviços públicos tanto para os nacionais como para os estrangeiros como já ocorre em algumas regiões e, no combate aos crimes transnacionais.

Destaca a relevância da questão mineral, dimensionando sua importância como bem estratégico e outras vantagens facilmente percebíveis. A atividade de mineração pode funcionar inclusive na Faixa de Fronteira. Contudo, a atividade deve ser desenvolvida sob rígidos marcos legais e com a implantação de um instrumento de controle.

O relatório cita a gestão pública eficiente dos recursos minerais e a exploração de jazidas, novos empreendimentos de mineração que atraem os investimentos estrangeiros. Tais medidas extrapolam os limites da Faixa de Fronteira sendo do interesse do País como um todo.

O documento faz referência ao entendimento firmado pela Advocacia-Geral da União (AGU) de que a única maneira de permitir

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atividades por empresas de capital estrangeiro em Faixa de Fronteira seria por intermédio de alteração da legislação. Foi então elaborada a minuta de anteprojeto de lei alterando o art. 3º da Lei nº 6.634 de 1979 para excluir a exigência da restrição ao capital estrangeiro na Faixa de Fronteira.

O Ibama é citado pela sua presença nos mais distantes rincões. Nas Unidades de Conservação foram instalados 12 escritórios locais e 23 postos de vigilância e fiscalização, reconhecidamente insuficientes, mas que se dedicam à faixa fronteiriça. O relatório destaca que essas unidades realizam constantes atividades de monitoramento para debelar focos de incêndio, combater a exploração ilegal da madeira, e outros ilícitos como contrabando de transgênicos, o tráfico de animais silvestres, a biopirataria e o contrabando de pedras preciosas. Além de outros crimes associados, como a grilagem de terras, o tráfico de armas, o trabalho escravo, a sonegação de impostos e o narcotráfico.

O relatório destaca as ações estratégicas empreendidas decorrentes de políticas públicas integradas, como o Plano Integrado de Vigilância e Monitoramento envolvendo todos os ministérios interessados. O fortalecimento dos sistemas de vigilância com o objetivo de criar capacidade de resposta à intensificação da investigação e, finalmente, o adensamento dos postos de fiscalização. Enfatiza, ainda, a preocupação com a realização de ações combinadas bilaterais como aquelas multilaterais, tanto no âmbito do Mercosul como na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Tudo com viés do fortalecimento das instâncias internacionais, mediante assento com países vizinhos. Ressalta que tais acordos, incentivados pelos partícipes, por vezes, deparam-se com óbices diversos, inclusive, as legislações diferenciadas.

Segundo o relatório, o Incra enfrenta a caducidade da legislação que originou titulações irregulares, e situações difíceis de serem resolvidas à luz dos atuais marcos legais. O cipoal de leis tem engessado a capacidade decisória do órgão, conforme exposto pelo seu coordenador agrário,

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para quem a situação é de perplexidade em face dos gargalos jurídicos que entravam o processo, necessitando o estabelecimento de novos paradigmas, pois os antigos não resolvem os problemas, em especial os sociais.

A questão indígena não é um problema adstrito à Faixa de Fronteira. Não obstante cerca de 31% de suas terras estarem confinadas naquela faixa. No exposto ficou bastante claro que as Terras Indígenas pertencem à União.

O documento apontou que o Professor Sérgio Augusto de Faria, inferindo suas considerações na vertente econômica, se sobrepôs, inclusive, ao viés político, salientando a dimensão obtida pelas empresas transnacionais que deram origem às intrafirmas que atingiram uma magnitude de poder econômico e movidas pelo lucro, ganho a qualquer preço, fragilizam economicamente os países onde se inserem, sem nenhum compromisso para com eles. O relatório advoga a adoção de estruturas jurídicas para dar suporte a essa interação que se reflete sobre toda a Nação.

Quanto à reflexão sobre novos paradigmas, o relatório ressalta, além da caducidade de algumas leis, o papel desempenhado pelo homem, em particular o habitante da Faixa de Fronteira, como o primeiro sentinela da Pátria. Tanto mais cidadão, quanto mais inserido no País e não marginalizado como costuma acontecer com o fronteiriço.

O relatório aponta a justa preocupação com os adensamentos humanos na Faixa de Fronteira, que contabilizam uma população de cerca de 10 milhões de habitantes e possuem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo das médias regionais e estaduais brasileiras. A área é economicamente deprimida e carente de infra-estrutura, onde a população cresce em razão do intenso fluxo migratório intra-regional e do seu crescimento vegetativo.

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O relatório cita o “Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira” como sendo um empreendimento cujo objetivo é promover o desenvolvimento da Faixa de Fronteira por meio de sua estruturação física, social e econômica, com ênfase na ativação das potencialidades locais e na articulação com os países da América do Sul, desta feita sem os equívocos do passado.

Dentre os aspectos de segurança, o relatório cita que as ações em curso na Amazônia, a presença da Polícia Federal em diversos pelotões de fronteira, em particular na sensível Fronteira Oeste, marca uma adoção de efetivas medidas para o maior controle daquela faixa. No aspecto de Defesa destaca uma integração militar com as Forças Armadas dos países vizinhos. Ressalta, ainda, um enfoque concedido ao Programa Calha Norte que tem sido contemplado com recursos para a efetivação da presença militar na área e a fixação do habitante na região.

Refere-se o relatório à abordagem do Ministro Pedro Fernando Brêtas Bastos com citações a Alexandre de Gusmão e Rio Branco, construtores da nossa dimensão continental. E o destaque que o Diplomata deu ao tratamento que o País tem dispensado aos seus vizinhos, corroborando a importância da fronteira como um fator de aproximação, em particular na Faixa Sul que, por sua singularidade, vivificação e vetor econômico, merece especial atenção por parte do Governo brasileiro.

O relatório registra as atividades de Inteligência na Faixa de Fronteira, que na maior parte das vezes referem-se às ações de Contra-Inteligência, sendo que a possibilidade de ocorrência de ações terroristas ocupa especial atenção por parte da Agência Brasileira de Inteligência. Quanto aos crimes transnacionais que ocorrem na Faixa de Fronteira observa que eles são de amplo conhecimento da Polícia Federal. Desde lavagem de dinheiro, passando pelo contrabando, pelo narcotráfico, por ilícitos que têm adquirido uma dimensão tamanha que têm, inclusive, se tornado problema de Segurança Nacional.

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Ressalta a criação da Coordenadoria de Operações Especiais de Fronteiras, um instrumento responsável por diversas operações de envergadura, e a previsão de criação de 50 postos na fronteira até 2005, o que deverá, sem dúvida nenhuma, inibir a ocorrência dos ilícitos de que temos tido conhecimento. Destaca ainda que, de um modo geral, as atividades de vigilância levadas a efeito contam com a colaboração de órgãos similares dos países vizinhos.

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Encerramento

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Seguiu-se ao Relatório a sessão de encerramento do seminário, com breves palavras do Ministro José Carlos de Araújo Leitão e do Sr. Moacir Antonio Machado da Silva.

Após uma série de agradecimentos, o Ministro José Carlos de Araújo Leitão destacou alguns aspectos do seminário. Um deles foi a capacidade de criar um universo multidisciplinar a partir do tema Faixa de Fronteira, abrangendo geopolítica, geografia, história, estratégia, meio ambiente, questão indígena, narcotráfico, terrorismo, política externa, relações internacionais, exploração de recursos naturais, Direito Constitucional e Direito Internacional.

Na opinião do Diplomata, isso dá uma visão do que se conseguiu abordar nos dois dias do seminário. Destacou, também, a presença dos acadêmicos no seminário, presença que orienta os seminários da Saei desde o início, quando em dezembro de 2003, foi feito o primeiro encontro de estudos, aliás, sobre a questão indígena e desde então não se abriu mão da presença dos acadêmicos. Segundo o Ministro, a presença dos professores universitários em eventos como esse, somada à vivência e prática de personalidades da alta administração pública que participaram do evento, é muito bem-vinda e muito especial porque eles trazem um pensamento da liberdade, pois no seu entendimento só o meio acadêmico consegue fornecer elementos para esse tipo de discussão que tende a ser sempre livre, aberta e democrática.

O Sr. Moacir Antonio Machado da Silva disse que o êxito do seminário não se restringe à difusão das informações e dos conhecimentos relacionados com as várias questões relativas à Faixa de Fronteira, questões jurídicas, questões políticas, questões sociais e questões econômicas, mas também tem o mérito de propiciar reflexões mais amplas e abrangentes em torno de uma realidade complexa, como é a realidade das áreas na Faixa de Fronteira.

Disse que os painéis do seminário evidenciaram a relevância dos valores envolvidos na questão relativa à Faixa de Fronteira. Esses valores são

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a soberania e segurança nacional, relações exteriores e ações de integração, os interesses de populações indígenas, exploração de recursos minerais, do meio ambiente, polícia, fronteiras, e o combate aos crimes transnacionais. Um elenco que, segundo ele, demonstra a importância que tem a Faixa de Fronteira e a variedade das ações do Estado em torno das questões.

Considerou que esses valores foram defendidos com entusiasmo, com ardor pelas autoridades e pelos agentes públicos que têm por missão precisamente conferir-lhes efetividade. Apesar de concepções e óticas diferentes de cada área envolvida, às vezes conflitantes, manifestou a convicção de que as diferentes posições em torno desses valores não podem ser vislumbradas com o caráter absoluto, mas com relatividade, e nada pode ser exacerbado.

Destacou que na Faixa de Fronteira as questões não são as mesmas em todo lugar. O caso mais evidente é que as questões em torno da fronteira amazônica não são as mesmas das fronteiras do Brasil com os países que compõem o Mercosul. Ademais, enfatizou que a Faixa de Fronteira envolve variáveis extremamente dinâmicas, bastando que se considere a própria evolução da disciplina normativa em torno da matéria desde a definição da Lei nº 601 de 1850, passando pelos vários textos constitucionais, para verificar que os problemas de hoje não são os problemas de todas as épocas e nem serão necessariamente os problemas de amanhã.

Para ele, tudo indica que há uma necessidade de integração entre os órgãos. Não só no estudo, como também, na proposição de soluções conjuntas, de forma a minimizar as discrepâncias, de forma a maximizar as convergências. Afinal, a Faixa de Fronteira tem dimensão de mais de um quarto da área territorial brasileira.

Finalmente, sugeriu que essa iniciativa deve ser repetida periodicamente, porque tem o mérito, não só de desvendar questões, mas também de propiciar o entendimento em torno das soluções para esse relevante tema de interesse nacional.