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PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO DÉCIMA TERCEIRA VARA DO TRABALHO DE GOIÂNIA-GO Aos 23 dias do mês de março de 2007, estando presente o Exmo. Juiz do Trabalho, MÁRIO SÉRGIO BOTTAZZO, que ao final assina, foi realizada a audiência relativa ao processo 13ª VT/GO nº 01963-2006-013-18-00-2, entre partes: ANA RITA DE PAULA COELHO, KÁTIA REGINA DE PAULA COELHO e ELOY DE SOUZA COELHO FILHO, reclamantes, e BANCO DO BRASIL S/A, reclamado/denunciante e NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA, denunciado. Às 17 horas, aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz apregoadas as partes: ausentes. ANA RITA DE PAULA COELHO, KÁTIA REGINA DE PAULA COELHO e ELOY DE SOUZA COELHO FILHO, qualificados na inicial, ajuizaram reclamação trabalhista contra BANCO DO BRASIL S/A, expondo, em síntese, que Eloy de Sousa Coelho Neto, marido da primeira reclamante e pai de Kátia e Eloy era empregado do reclamado e foi assassinado a tiros dentro da agência de Redenção do Pará-PA, em abril de 1984. O autor dos disparos, José Erivaldo da Silva, conhecido como "Ceará", era empregado da empresa NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA, que prestava serviços ao reclamado. Disseram que "Ceará" agiu "com consciência de seu ato e vontade de atingir o resultado obtido", acrescentando que o dolo "salta aos olhos" e é "tão ululante que não necessita ser demonstrado" (sic, fl. 6). E que a responsabilidade da empregadora pelos prejuízos de seus empregados é objetiva e, mesmo que não fosse, houve-se a empregadora com culpa. E que a responsabilidade do tomador dos serviços - no caso, o

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PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃOTRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO

DÉCIMA TERCEIRA VARA DO TRABALHO DE GOIÂNIA-GO

Aos 23 dias do mês de março de 2007, estando presente o Exmo. Juiz do Trabalho, MÁRIO SÉRGIO BOTTAZZO, que ao final assina, foi realizada a audiência relativa ao processo 13ª VT/GO nº 01963-2006-013-18-00-2, entre partes: ANA RITA DE PAULA COELHO, KÁTIA REGINA DE PAULA COELHO e ELOY DE SOUZA COELHO FILHO, reclamantes, e BANCO DO BRASIL S/A, reclamado/denunciante e NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA, denunciado. Às 17 horas, aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz apregoadas as partes: ausentes.

ANA RITA DE PAULA COELHO, KÁTIA REGINA DE PAULA COELHO e ELOY DE SOUZA COELHO FILHO, qualificados na inicial, ajuizaram reclamação trabalhista contra BANCO DO BRASIL S/A, expondo, em síntese, que Eloy de Sousa Coelho Neto, marido da primeira reclamante e pai de Kátia e Eloy era empregado do reclamado e foi assassinado a tiros dentro da agência de Redenção do Pará-PA, em abril de 1984. O autor dos disparos, José Erivaldo da Silva, conhecido como "Ceará", era empregado da empresa NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA, que prestava serviços ao reclamado.

Disseram que "Ceará" agiu "com consciência de seu ato e vontade de atingir o resultado obtido", acrescentando que o dolo "salta aos olhos" e é "tão ululante que não necessita ser demonstrado" (sic, fl. 6). E que a responsabilidade da empregadora pelos prejuízos de seus empregados é objetiva e, mesmo que não fosse, houve-se a empregadora com culpa. E que a responsabilidade do tomador dos serviços - no caso, o

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2reclamado - também é objetiva (e, mesmo que não fosse, também ele houve-se com culpa, no caso dos autos).

Para os autores, "no que toca ao caso em tela, não há que se negar o dever de segurança que uma agência bancária tem sobre seus clientes e funcionários, quando, consoante já explicitado, estes se encontrem em suas dependências".

Pleitearam a condenação do reclamado no pagamento de indenização por danos morais e materiais, além "da condenação pelas custas processuais e honorários de sucumbência". Deram à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Respondeu o reclamado (fls. 160/175) argüindo, preliminarmente, a nulidade da citação e a carência de ação. No mérito, disse que "a conduta imprudente da vítima concorreu para que a mesma sofresse a lesão". Disse que "se houve culpa in eligendo na contratação e recrutamento do vigilante a mesma é exclusiva da empresa Norsegel" (sic, fl. 169).

Além da contestação, o reclamado denunciou a lide à empresa NORSEGEL - VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA (fls. 220/222). A denunciada veio aos autos (fls. 254/275) argüindo, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, disse que o falecido e José Erivaldo "mantinham uma incubada inimizade, alimentada, dia a dia, por fatos (às vezes passados desapercebidos) pretéritos ao narrado na exordial, que culminou com a tragédia em questão" (sic, fl. 255). E que "não há nexo causal entre a morte do Sr. Eloy e a contratação do Sr. Erivaldo, pela empresa denunciada, eis que aquela (a morte) foi conseqüência direta de atitudes conscientes praticadas pela vítima, durante um lapso de tempo

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2e, principalmente, nos momentos que antecederam a reação" (sic, fl. 266).

Manifestaram-se os autores sobre as respostas do reclamado e da denunciada.

Audiências realizadas (fls. 307, 327/328, 340/341).

Ouvida a testemunha Abraão Rodrigues Miranda, na Comarca de Redenção-PA (fls. 454/455).

Memoriais dos reclamantes (fls. 472/517), do reclamado (fls. 519/525) e da denunciada (fls. 530/541).

Em 3/2/2005 declarou-se incompetente em razão da matéria o ilustre juiz Abrão Rodrigues Faria (fl. 544). A decisão foi agravada e foi provido o agravo (fls. 605/611), mas o ilustre juiz Benedito Soares de Camargo Neto, em data posterior (22/6/2006) também declarou-se incompetente em razão da matéria (fls. 594/595).

Instrução processual encerrada sem a produção de outras provas (fl. 648). Razões finais orais. Tentativa final de conciliação rejeitada.

É o relatório.

1. Preliminarmente.1.1 Nulidade de citação.Disse o reclamado que os autores "aguardaram 16

(dezesseis) anos para proporem a ação, e maliciosamente direcionaram a mesma em face da Agência do Requerido em

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2Goiânia (GO), cuja carta de citação, endereçada para agência desta Capital, foi recebida por empregado que não detém, no caso apresentado, poderes para receber citação" (sic, fl. 161).

Sem ambages, não há nulidade sem prejuízo e o reclamado não demonstrou nenhum prejuízo nisto de a citação não ter sido encaminhada à agência na qual o falecido Eloy de Souza Coelho Neto foi assassinado.

Ainda que assim não fosse, e só para argumentar, a ementa transcrita pelo reclamado à fl. 162 diz que "é possível efetuar a citação de empresa de banco no lugar da agência onde a obrigação foi contraída" (negrito meu), o que é duplamente inaplicável no caso dos autos: em primeiro lugar, porque trata-se de possibilidade, não de obrigatoriedade; em segundo lugar, porque não se trata, aqui, de "obrigação contraída", mas de responsabilidade por culpa extracontratual.

A segunda ementa transcrita também não socorre o reclamado, ainda argumentando, simplesmente porque a citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, "na conformidade da Lei Processual" (CPC, art. 222, caput). Sendo feita por correio e "sendo o réu pessoa jurídica, será válida a entrega a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração" (CPC, art. 223, parágrafo único). É do reclamado o ônus de provar que a pessoa que recebeu a notificação não tinha poderes de gerência geral ou de administração, mas esta prova não veio aos autos.

Preliminar rejeitada.

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1.2 Carência de ação.Disse o reclamado que "os requerentes Kátia Regina de

Paula Coelho e Eloy de Souza Coelho Filho não demonstraram ser sujeitos da relação material trazida em juízo, até porque o s mesmos não são dependentes do falecido, por serem filhos que já ultrapassaram o limite legal de idade para o efeito de dependência prevista na Lei". "Desse modo", diz o reclamado, "com clareza se percebe a ilegitimidade passiva ad causam dos Requerentes Kátia Regina de Paula Coelho e Eloy de Souza Coelho Filho para ocuparem o polo ativo na presente ação" (sic, fl. 163).

Sem ambages, com clareza percebo que o reclamado confunde mérito e condições da ação: se os autores Kátia e Eloy não são dependentes do falecido e não fazem jus a nenhuma indenização, então o caso é de rejeição dos pedidos. Só isso.

Só para argumentar, a regra da legitimação existe pura e simplesmente para impedir que uns demandem por outros, quer dizer, para impedir que alguém proponha demanda ou ofereça defesa em nome de outrem. Trocando em miúdos, só tem legitimidade ativa quem invoca a tutela jurisdicional em defesa de seu próprio interesse, é dizer, do "próprio direito", como acontece no caso dos autos.

A inexistência do alegado "direito" só pode implicar a rejeição do pedido, nunca a inexistência do direito de ação.

E, para encerrar, a legitimação passiva é - e só pode ser - daquele que tenha sido citado.

Preliminar rejeitada.

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1.3 Impossibilidade jurídica do pedido.Disse a denunciada que o pedido é juridicamente

impossível "haja vista a ausência de norma de direito que ampare o pleito dos autores", aduzindo que "A impossibilidade jurídica diz respeito à falta ou ausência de tutela jurisdicional do bem jurídico, objeto do pedido" (sic, fl. 254). E acrescentou (sic, fl. 255):

É que os autores requereram a condenação

da contestante ao pagamento de alegados danos morais e materiais, suscitando, em seu socorro, os dispositivos dos artigos 159 e 1.518, do Código Civil. Entretanto, os comandos legais declinados no pedido de condenação não asseguram o direito perseguido.

O artigo 1.518, inserto no Título VII, do Livro III, do Código Civil, exige, para sua aplicabilidade, a existência de ato ilícito. Ocorre que, nem nas razões vestibulares e, muito menos, nos documentos acostados, restou caracterizado ter a contestante cometido algum ato ilícito contra os autores, ou mesmo o falecido, pressuposto essencial para atribuir-lhe a obrigação de indenizar. Em momento algum, a peça de ingresso evidencia ter a empresa demandada dado causa a qualquer ato ilícito, do qual poderia derivar a pré-falada indenização.

Sem ambages, a denunciada confundiu matéria de mérito com as condições da ação, tanto é que ela própria disse que "a preliminar articulada confunde-se, sem dúvida, com o mérito..." (sic, fl. 255).

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De fato, diz a lei que é obrigado a reparar o dano aquele que deu causa a ele, por dolo ou culpa. É evidente que existe "norma de direito" impondo àquele que causa dano o dever de repará-lo. E a lei também impõe objetivamente o dever de indenizar, em alguns casos.

É claro que o dever não existe se não houver dolo nem culpa, nem for caso de responsabilidade objetiva - mas isto é matéria de mérito e não tem nada a ver com as condições da ação, simplesmente porque o direito de ação não é o direito à decisão favorável, isto é, a existência do direito de ação não está condicionada à existência do direito afirmado.

Só para argumentar, é bem verdade que conhecida doutrina ensina que o pedido é juridicamente possível quando a pretensão do autor estiver incluída, em abstrato, entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo. Mas, com o devido respeito, o equívoco é evidente: a possibilidade jurídica do pedido, enquanto condição da ação, diz respeito ao pedido imediato, dirigido contra o Estado.

É que o direito de ação é autônomo, ou seja, não pressupõe a existência de um direito subjetivo material violado, e mais, independe da existência efetiva do direito material invocado. Sendo assim, a verificação da possibilidade jurídica da ação não resulta do exame da pretensão material deduzida em juízo, mas decorre da permissão1 estatal a que se 1. A referência à permissão estatal não deve ser entendida como existência de regra permissiva, mas sim como inexistência de regra proibitiva, isto é, de norma que vede a concessão da tutela estatal. Era o que acontecia, no Brasil, sob o regime da antiga Lei 883/49, que em seu artigo 1º condicionava a ação do filho havido fora do matrimônio, para que se lhe declarasse a filiação, somente após a dissolução da sociedade conjugal. Se demandasse o pai na constância de seu casamento, o então denominado filho adulterino seria julgado carecedor de ação, em razão da impossibilidade jurídica do pedido (imediato), decorrente de expressa vedação legal.

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2instaure a relação processual. Nesse sentido, a lição de Humberto Theodoro Júnior2:

Predomina na doutrina o exame da possibilidade jurídica sob o ângulo da adequação do pedido ao direito material a que eventualmente correspondesse a pretensão do autor. Juridicamente impossível seria, assim, o pedido que não encontrasse amparo no direito material positivo.

Allorio, no entanto, demonstrou o equívoco desse posicionamento, pois o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma solução de mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite com o ordenamento jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda.

Diante dessa aguda objeção, impõe-se restringir a possibilidade jurídica do pedido ao seu aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma verdadeira condição da ação, como requisito prévio de admissibilidade do exame da questão de mérito.

Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2º, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito material.

A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na

2. Curso de Direito Processual Civil. Forense, 6ª edição, vol. I, pág. 56/57.

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permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor.

É relevante notar que Enrico Tullio Liebman defendia a existência de três condições da ação, tal qual o Código pátrio: interesse, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido. No entanto, Liebman reviu sua posição após o advento da Lei 898, de 1970, que instituiu o divórcio (na Itália), de forma que já a partir da 3ª edição de seu Manuale o autor deixou de incluir a possibilidade jurídica do pedido entre as condições da ação, como anotou Cândido Rangel Dinamarco3.

Neste rápido bosquejo, merece também registro a posição do insigne processualista Manoel Antônio Teixeira Filho, que sustenta a existência de apenas uma condição da ação: o interesse de agir4.

De qualquer forma, a razão está com Humberto Theodoro Júnior: o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma solução de mérito, mesmo que o direito invocado não exista nem mesmo abstratamente. O pedido é juridicamente impossível quando o Estado nega a prestação jurisdicional, como acontecia no regime da Lei 883/49. Importante registrar, a propósito, que a CF/88 não permite que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV), de forma que a possibilidade jurídica do pedido não é mais condição da ação no direito positivo brasileiro. Em outras palavras: se a lei não pode excluir da

3. Manual de Direito Processual Civil. Forense, volume I, 2ª edição, pág. 160/161, nota 106.

4. As Ações Cautelares no Processo do Trabalho. LTr, 2ª edição, pág. 76.

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, simples corolário é que a possibilidade jurídica do pedido simplesmente já não consiste condição da ação, no direito brasileiro.

Finalmente, já encerrando este ponto, a possibilidade jurídica do pedido não pode mesmo consistir na previsão, em abstrato, do direito cuja tutela se requer: se o pedido deve ser rejeitado quando o autor não prova o direito alegado (se for o caso) ou o fato constitutivo dele, com maior razão o pedido deve ser rejeitado quando o direito invocado não existe nem mesmo abstratamente!! Declarar o autor carece do direito de ação, em tais casos, significa dizer, com todas as letras, que não há ação porque não há direito, negando seu propalado e tão difundido caráter autônomo e abstrato5!!

2. Mérito.2.1 Da responsabilidade do reclamado/tomador e da denunciada/prestadora.Segundo consta dos autos, José Erivaldo da Silva,

alcunhado "Ceará", matou Eloy de Souza Coelho Neto. O falecido era empregado do reclamado Banco do Brasil S/A; o assassino era empregado da denunciada NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA, que prestava serviços ao reclamado. Isto é incontroverso.

Para os autores, esposa e filhos do falecido, "Pelo homicídio doloso de que foi vítima Eloy de Souza Coelho Neto (ato ilícito), pela dor e sofrimento além da perda pecuniária que sofreram os Autores (dano moral e material) e pelo elo através do qual ambos os elementos constitutivos estão ligados

5. Sem olvidar que a extinção do processo sem julgamento de mérito faz apenas coisa julgada formal, permitindo a renovação do pedido.

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2(causalidade) nasce a obrigação de reparação por parte de José Erivaldo da Silva, vulgo "Ceará"" (sic, fl. 14).

Mas, dizem os autores, "Além da responsabilidade direta, a do autor do ato ilícito, há, ainda, por determinação legal, a chamada responsabilidade indireta, gênero da responsabilidade por fato de outrem" (sic, fl. 14): no caso dos autos, indiretamente responsável é "o patrão" de José Erivaldo, ou seja, a denunciada Norsegel.

Ainda segundo os autores, o caso é de "responsabilidade civil absoluta da empresa prestadora de serviços de vigilância" pelo ato de seu empregado, porque "a jurisprudência evoluiu, conseguindo, de certa forma, desfazer-se da noção de culpa, pois que a tornou presumida e sem possibilidade de prova em contrário".

Para os autores, "a presunção de culpa absoluta, não mais é que a adoção camuflada da teoria da responsabilidade objetiva" e "por isso, exige-se para responsabilidade absoluta do patrão apenas a culpa do empregado que no momento do dano encontrava-se no exercício de sua atividade ou por motivo dela" - tudo isto, segundo eles, de acordo com a súmula 341 do STF.

Portanto, ainda segundo os autores, "Não cabe, dessa forma, a discussão sobre se teria ocorrido ou não culpa in eligendo ou culpa in vigilando por parte da empresa Norsegel com relação ao seu funcionário, apesar de ambas terem inegavelmente ocorrido, diga-se ainda que de passagem" (sic, fl. 17).

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Até aqui tratou-se da responsabilidade do autor dos disparos e de seu empregador, a denunciada Norsegel.

Quanto ao reclamado, disseram os autores que "a construção pretoriana, com fulcro no já mencionado dever de guarda e vigilância, passou a atribuir responsabilidade às empresas que, fornecendo local para estacionamento, com ou sem contraprestação, devem responder pelo furto ocorrido em suas dependências". "Essa responsabilidade", disseram os autores, "não se pode deixar de ressaltar, é, como bem consignou a jurisprudência colacionada, objetiva, independendo de culpa ou dolo, somente elidível "por eventual intercessão de outro fluxo causal autônomo (caso fortuito)"" (sic, fls. 18/19).

Disseram que chegou-se "a um tal ponto da evolução do instituto da responsabilidade civil que se pode afirmar, categoricamente, que, a partir do momento em que a empresa abre suas portas a terceiros, torna-se ela responsável pela segurança deles e de seus bens, enquanto permaneçam em suas dependências" (sic, fl. 19).

Daí porque "no que toca ao caso em tela, não há que se negar o dever de segurança que uma agência bancária tem sobre seus clientes e funcionários, quando, consoante já explicitado, estes se encontrem em suas dependências".

Sustentaram que "o caso em tela possui uma particularidade" e ela "diz respeito à pessoa do assassino que, a bem da verdade, não era um estranho, mas sim um funcionário de empresa contratada pelo Requerente para prestação de serviço de vigilância" (sic, fl. 20). "Em assim sendo", disseram, "ainda que não se lhe queira atribuir a responsabilidade objetiva por descumprimento de seu dever de

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2segurança, o que só se admite ad terrorem, inegável a culpa in eligendo do Requerido, isso porque contratou para prestação de serviços de vigilância empresa absolutamente desqualificada, empresa que não vacilou em admitir falhas na contratação de seu funcionário" (sic, fl. 20).

Por fim, transcreveram ementa de acórdão proferido pelo STJ (fl. 19), no qual assentou-se que "o caso fortuito ou a força maior carateriza-se pela imprevisibilidade e inevitabilidade do evento" (Resp 50.129-6, 4ª Turma, Rel. Min. Torreão Braz, j. 29/08/94).

É justamente a imprevisibilidade e a inevitabilidade do evento o que alega o reclamado, dizendo que "o vigilante dolosamente, conforme ficou comprovado nos autos da ação penal, praticou o ato ilícito, no qual o Requerido nada pode fazer para impedir, vez que o ato foi cercado pelos característicos da imprevisibilidade e da inevitabilidade" (sic, fl. 167). E mais adiante acrescentou: "a conduta do falecido concorreu para a ocorrência do evento danoso, motivo pelo qual, apenas ad argumentandum, caso haja a responsabilização do requerido esta deve ser atenuada" (sic, fl. 170). E mais: "Uma vez que a morte da vítima se deveu com exclusividade à conduta invencível do vigilante, que fora do exercício normal das funções, praticou ato ilícito, ao qual o Requerido não deu o menor resquício de causalidade, a excludente de responsabilidade do 'fato de terceiro' se mostra perfeitamente aplicável" (sic, fl. 171).

Acrescentou que "a conduta imprudente da vítima concorreu para que a mesma sofresse a lesão". Disse também que "a morte da vítima ocorreu unicamente por conduta exclusiva do vigilante, que agindo fora de suas atribuições, de proteger e

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2guardar os empregados, clientes e bens do Requerido, fez justamente o contrário, lesando um de seus empregados e lhe ocasionando a morte" (sic, fl. 165).

Disse que "não há sentido ou razão para a pretensão à solidariedade e/ou subsidiariedade do Requerido no caso ora apresentado, vez que estas não se presumem, mas decorrem da lei ou do contrato (art. 896, do Código Civil)".

E arrematou afirmando que "se houve culpa in eligendo na contratação e recrutamento do vigilante a mesma é exclusiva da empresa Norsegel" (sic, fl. 169).

A referida Norsegel, empregadora/prestadora de serviços/denunciada, veio aos autos e disse que o falecido e José Erivaldo "mantinham uma incubada inimizade, alimentada, dia a dia, por fatos (às vezes passados desapercebidos) pretéritos ao narrado na exordial, que culminou com a tragédia em questão" (sic, fl. 255).

Disse que "ao admitir o Sr. Erivaldo, examinou a vida pregressa, como o faz com todos os candidatos, constatando nada haver que o desabonasse, principalmente na esfera criminal". Daí que "se não comprovado qualquer ato ilícito da demandada ou de seus prepostos na contratação do acusado, é de ser afastada a culpa in eligendo e, por conseqüência, elidida a responsabilidade indenizatória da denunciada"(sic, fl. 256).

Disse que "nunca dispôs de 'bola de cristal' para prever um infortúnio, principalmente de tamanha dimensão". E que "Não havia, simplesmente, como antever que uma pessoa, sem antecedentes criminais, de trato urbano e postura compatível com seu nível intelectual e financeiro e com os padrões

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2sociais da comunidade onde vivia, pudesse, em momento de arroubo, demonstrar comportamento tão violento e descabido".

E também: "Deve-se ressaltar, com veemência, que o ato praticado não resultou da personalidade atávica do acusado, mas de uma típica reação ao comportamento instigativo, pirracento e, talvez até mesmo intencional, de menosprezo ao subalterno, protagonizado pela vítima".

Para a denunciada, "os tiros que teriam sido desferidos pelo acusado resultaram da enorme pressão psicológica exercida pela vítima, que ocupava, naquela ocasião, posição de destaque no Banco, sendo a maior autoridade presente na cena do crime e que, de modo sutil, mas perspicaz, soube como atingir o intelecto e o emocional do acusado, ameaçando, de forma velada, o maior bem material daquele homem - o seu emprego" (sic, fls. 259/260).

Acrescentou que "não há nexo causal entre a morte do Sr. Eloy e a contratação do Sr. Erivaldo, pela empresa denunciada, eis que aquela (a morte) foi conseqüência direta de atitudes conscientes praticadas pela vítima, durante um lapso de tempo e, principalmente, nos momentos que antecederam a reação" (sic, fl. 266).

Para a denunciada, "tem a doutrina e a jurisprudência pacificamente admitido como causa de isenção de responsabilidade, o que se chama de CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, pela qual fica eliminada a causalidade em relação ao agente do ato danoso" (sic, fl. 266). E, "No presente caso, se apenas por hipótese, não ficar provada a culpa exclusiva da vítima, como argumentado, impõe-se a aplicação da tese da 'culpa concorrente', eis que a vítima se conduziu de modo a provocar

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2a reação inesperada do acusado, retirando-lhe a possibilidade psicológica de avaliar a atitude que lhe imputam, pelo que, de acordo com o entendimento dos Tribunais Regionais, deve ser reduzida, em caso de condenação, pela metade, a indenização correspondente aos danos causados" (sic, fl. 267).

Pois bem.

A narração exordial percorre um iter lógico: 1) José Erivaldo da Silva, alcunhado Ceará, assassinou Eloy de Souza Coelho Neto e, por isto, tem o dever de indenizar o dano moral e material que sofreram os autores; 2) a empregadora/denunciada é objetiva e subjetivamente responsável pelo ato de seu empregado porque "exige-se para responsabilidade absoluta do patrão apenas a culpa do empregado que no momento do dano encontrava-se no exercício de sua atividade ou por motivo dela"; 3) o reclamado/tomador é objetivamente responsável porque "a partir do momento em que a empresa abre suas portas a terceiros, torna-se ela responsável pela segurança deles e de seus bens, enquanto permaneçam em suas dependências".

Ora, é fora de dúvida que Eloy foi assassinado por José. Discute-se, todavia, se "a conduta do falecido concorreu para a ocorrência do evento danoso", como disse o reclamado/tomador, ou se o caso é mesmo de "culpa exclusiva da vítima", como disse a denunciada/empregadora.

Sem ambages, não existe uma coisa nem outra.

De fato, nenhuma das afirmações da denunciada/empregadora tem amparo na prova colhida.

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Em primeiro lugar, não é verdade que o falecido e José Erivaldo "mantinham uma incubada inimizade, alimentada, dia a dia, por fatos (às vezes passados desapercebidos) pretéritos ao narrado na exordial, que culminou com a tragédia em questão" (sic, fl. 255).

A propósito, Abraão Rodrigues Miranda, empregado da denunciada/empregadora, foi ouvido pela autoridade policial no dia do assassinato (26/4/1984) e disse desconhecer a existência de rixa entre a vítima e o assassino. E disse também que retirou-se para os fundos do prédio e que ficaram no interior da agência apenas Edgar, o assassino e a vítima e que ao retornar para o interior do prédio foi chamado por Eloy, que lhe pediu que desarmasse José. E ainda disse que, ao aproximar-se de José, o assassino sacou a arma e efetuou os disparos (fl. 37).

Edgar Serrão Ribeiro, empregado do reclamado, também ouvido pela autoridade policial naquele mesmo dia, reproduziu o diálogo havido entre vítima e assassino imediatamente antes dos disparos mas nada disse a respeito do relacionamento entre eles.

Maria Ferreira Soares Miranda, faxineira na agência onde aconteceu o assassinato, também ouvida pela autoridade policial naquele mesmo dia, disse que "nunca viu" vítima e assassino discutirem (fl. 40).

Mais de nove anos depois, em 12 de novembro de 1993, Abraão Miranda foi ouvido em juízo. Na ocasião (ainda) era empregado da denunciada. Disse que Eloy pediu que José consertasse uma tomada mas José recusou-se porque isto não lhe competia, e por isso "começou a discussão". Disse que "foi

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2trocar o motor de luz" e quando retornou "viu o faxineiro e a faxineira correndo para fora do Banco"; disse que "incontinenti entrou no Banco para ver o que estava acontecendo" e já encontrou José com a arma em punho; que Eloy lhe pediu que tomasse a arma de José, o assassino começou a atirar, inclusive contra o próprio depoente. Não há nenhuma referência a desavenças anteriores (fls. 59/60).

Edgar Serrão Ribeiro foi ouvido em juízo no mês de janeiro de 1994 (fls. 98/99). Reproduziu as declarações prestadas perante a autoridade policial e acrescentou que "durante o tempo em que trabalhou no banco este nunca viu nenhum desentendimento entre o acusado e a vítima antes da ocorrência deste fato", que "nunca viu o acusado se referir a vítima de maneira desrespeitosa antes da ocorrência deste fato" e que "a vítima não ameaçava o acusado em nenhuma ocasião".

Ouvido nestes autos, o já referido Abraão Miranda disse que "a relação existente entre o Sr. Eloi e "ceará" era normal, não havendo animosidade entre eles" (fl. 454). Interessantíssima novidade, contudo, é sua afirmação no sentido de que "não viu todos os acontecimentos que envolveram o crime, mas acredita que o Sr. Eloi é quem tenha mais provocado 'ceará', uma vez que insistia na discussão". E que "durante a discussão ocorrida entre Eloi e 'ceará', escutou aquele falar para este 'que podia dar um tapa no ceará'", que "o Sr. Eloi jogou leite próximo aos pés de 'ceará', no calor da discussão" e que "no início da discussão, o Sr. Eloi parecia mais alterado que 'ceará'" (fl. 455).

Disto tudo lembrou-se Abraão exatamente vinte anos e dois dias depois do assassinato. Lembrou-se do leite jogado

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2nos pés do assassino, mas disto não fez nenhuma menção ao ser ouvido no dia do assassinato! Lembrou-se de ter escutado Eloy dizer que "poderia dar um tapa em 'Ceará"", mas disto não fez nenhuma menção ao ser ouvido no dia do assassinato! E disse que Eloy insistia na discussão, embora só tivesse assistido o início dela, e nisto chocando-se frontalmente com o testemunho de Edgar, que estava dentro da agência e declarou, perante a autoridade policial e em juízo, que Eloy disse "não quero conversa com você".

O terceiro testemunho de Abraão, colhido nestes autos, foi claramente modificado para favorecer a denunciada, sua empregadora. Basta ver que, depois de vinte anos, é de esperar-se que as pessoas esqueçam os fatos ao invés de lembrarem-se daquilo que não se lembraram no exato dia em que eles aconteceram. Ou seja, a memória não se reaviva com o passar do tempo: ao invés, ela fenece. Isto é o que mostram as regras de experiência comum, subministradas pela observação daquilo que ordinariamente acontece.

Por tudo isto, vejo não provada a alegada inimizade entre vítima e assassino.

Em segundo lugar, não há, de jeito nenhum, prova de que o ato praticado por José resultou "de uma típica reação ao comportamento instigativo, pirracento e, talvez até mesmo intencional, de menosprezo ao subalterno, protagonizado pela vítima". Não há, nos autos, prova de que a vítima tivesse dispensado esse tipo de tratamento ao assassino, nem antes, nem no dia do assassinato, importando notar que o testemunho de Abraão colhido nestes autos merece solene desprezo em razão da absurda inverossimilhança.

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Em terceiro lugar, não há, de jeito nenhum, prova de que "os tiros que teriam sido desferidos pelo acusado resultaram da enorme pressão psicológica exercida pela vítima, que ocupava, naquela ocasião, posição de destaque no Banco, sendo a maior autoridade presente na cena do crime e que, de modo sutil, mas perspicaz, soube como atingir o intelecto e o emocional do acusado, ameaçando, de forma velada, o maior bem material daquele homem - o seu emprego" (sic, fls. 259/260).

Não há, nos autos, prova de que Eloy tivesse ameaçado o assassino de despedimento. Segundo a testemunha Edgar Serrão Ribeiro, ouvida perante a autoridade policial, o assassino perguntou à vítima: "Seu Eloy, quer dizer que o senhor vai mandar eu ir embora?" (fl. 38). Quase dez anos depois, a testemunha repetiu a mesmíssima frase, ao ser ouvida em juízo (fl. 98/v).

Se José perguntou se ia ser mandado embora é porque disto não tinha certeza. E se ele, por medo (mas não certeza) de perder o emprego, reagiu disparando o revólver várias vezes, contra Eloy e contra Abraão, tenho como provado seu completo desequilíbrio emocional para o exercício da função.

Aliás, a denunciada/empregadora quase negou a autoria dos disparos ao sair-se com tiros que "teriam sido" desferidos por José. Na verdade, os tiros foram desferidos por José, sem dúvida nenhuma. Sem dúvida nenhuma, repito.

Em resumo, não há que se falar em culpa concorrente e muito menos em culpa exclusiva da vítima, rectius, em fato da vítima.

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Dito isto, examino agora a questão da responsabilidade da denunciada/empregadora pelo dano causado pelo empregado José Erivaldo da Silva, e o faço pondo de lado, sem ambages, a questão de ser ou não ser objetiva a responsabilidade do patrão pelos atos de seus empregados, para assentar que a culpa da denunciada está sobejamente demonstrada nos autos.

De fato, a denunciada disse que "ao admitir o Sr. Erivaldo, examinou a vida pregressa, como o faz com todos os candidatos, constatando nada haver que o desabonasse, principalmente na esfera criminal". Daí que "se não comprovado qualquer ato ilícito da demandada ou de seus prepostos na contratação do acusado, é de ser afastada a culpa in eligendo e, por conseqüência, elidida a responsabilidade indenizatória da denunciada"(sic, fl. 256).

É possível que a denunciada tenha examinado a "vida pregressa" de José antes de contratá-lo e não tenha encontrado nada, mas encontrou logo depois do assassinato. O relatório de fls. 123/125 dos autos, elaborado pela própria denunciada, assinala "a ausência de motivação para a absurda violência com que o crime foi praticado". E conclui: "Tudo leva a crer que JOSÉ ERIVALDO DA SILVA é um psicopata".

Repito as palavras do diretor de segurança da própria denunciada: "tudo leva a crer que JOSÉ ERIVADO DA SILVA é um psicopata".

Ainda segundo o relatório, "um incidente que só veio à tona após o crime e que nos foi relatado por seu ex-patrão, Sr. Caleb dos Santos Oliveira, ratifica nosso entendimento". E o relatório prossegue:

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Segundo o Sr. Caleb, após ligeira discussão entre José Erivaldo da Silva e um seu colega de serviço, aquele o agrediu com uma faca só não o matando graças a interferência de circunstantes. Mais tarde "Ceará" sofreu uma crise em que sua respiração alterou, permanecendo por algum tempo inconsciente e espumando pela boca. Quando voltou a si, declarou que isso acontecia "sempre" que era impedido de se vingar de alguém". Obviamente, foi despedido do emprego. Outras notícias não confirmadas dão conta da desproporcionalidade de suas reações ao ser censurado por alguém.

Assim sendo, entendemos ter havido falha no recrutamento do vigilante José Erivaldo da Silva. Ainda que sua contratação tenha sido feita por indicação do sub-gerente da Agência de Redenção do Branco do Brasil, Sr. Valter Domingos do Amaral, uma pesquisa em seus últimos empregos teria demonstrado sua inadequação para o cargo.

Repito a conclusão do autor do relatório, o diretor de segurança Paulo Celso Pinheiro Sette Câmara: uma pesquisa em seus últimos empregos teria demonstrado sua inadequação para o cargo.

Confessadíssima está, portanto, a culpa in eligendo.Mas, por amor à argumentação, e se não houvesse prova

da culpa in eligendo? Teria melhor sorte a denunciada?

A resposta é negativa.

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Os vigilantes bancários estão sujeitos a violento estresse, simplesmente porque colocam a vida em risco. No caso dos autos, está claríssimo que a reação de José revestiu-se de absurda violência, como registrou o diretor de segurança, revelando o completo desequilíbrio emocional do vigilante homicida. Então, se não houve falha no recrutamento (in eligendo) é insofismável que houve falha no acompanhamento da saúde emocional de José, é dizer, culpa in vigilando.

Porque não basta selecionar bem, examinando a "vida pregressa" do candidato desde a maternidade. É indispensável acompanhar o profissional ao longo do tempo, submetendo-o a avaliações e treinamentos periódicos, porque tudo flui, tudo está em movimento.

Pantha rei, disse Heráclito de Éfeso: um homem não se banha duas vezes no mesmo rio porque, no segundo banho, não são os mesmos nem o homem, nem o rio. Não basta, portanto, que a denunciada cerque-se de alguns ou muitos cuidados no momento da contratação, mas é indispensável que continue a zelar pela manutenção da higidez física, mental e emocional existente no momento da contratação. Em miúdos, não basta examinar e constatar a saúde e equilíbrio mental e emocional do empregado no momento da contratação, mas é indispensável garantir que a saúde não desapareça com o tempo. E é evidente que a denunciada/empregadora disso não cuidou.

É ofensiva, portanto, a afirmação da denunciada/empregadora de que "nunca dispôs de 'bola de cristal' para prever um infortúnio, principalmente de tamanha dimensão": pondo de lado o fato de o assassino ser um "psicopata", na avaliação da própria denunciada/empregadora, o

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2fato é que a perda ou diminuição do controle emocional é perfeitamente previsível, tratando-se de empregado cuja atividade implica expor a própria vida.

Aliás, a denunciada/empregadora concluiu que "uma pesquisa em seus últimos empregos teria demonstrado sua inadequação para o cargo", isto é, uma simples pesquisa teria demonstrado que o homicida não tinha trato urbano nem agia de acordo com os "padrões sociais da comunidade onde vivia".

Enfim, a morte de Eloy não "foi conseqüência direta de atitudes conscientes praticadas pela vítima, durante um lapso de tempo e, principalmente, nos momentos que antecederam a reação" (sic, fl. 266).

De todo o exposto, seja porque José Erivaldo fosse um "psicopata" já no momento da contratação, seja porque ele perdeu o equilíbrio emocional ao longo do tempo, a culpa da denunciada - in eligendo e in vigilando - está sobejamente demonstrada. A culpa in eligendo foi confessada; a culpa in vigilando está in res ipsa, isto é, na própria reação absurdamente violenta do vigilante homicida.

A gradação da culpa, após o advento da Constituição Federal de 1988, só tem relevância na fixação do quantum indenizatório, em que pese o disposto na Súmula 229 do STF. Aliás, nesse sentido, os artigos 944 e 945 do CCB. De qualquer forma, a culpa da denunciada/empregadora é grave, sem dúvida nenhuma, e não há, nos autos, prova de que a vítima tenha "concorrido culposamente para o evento danoso" nem há "excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano".

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Não se trata de caso fortuito nem de força maior porque o evento não era inevitável nem imprevisível: ao contrário, tratando-se o assassino de um psicopata, como foi assinalado pelo diretor da própria denunciada/empregadora, o evento era mais que previsível. E perfeitamente evitável.

Culpada a denunciada/prestadora, decorre lógica e inexoravelmente demonstrada a culpa do reclamado/tomador, por ter contratado empresa inidônea. Ou, em outras palavras, culpada a empresa prestadora de serviços, é conseqüentemente culpada a empresa tomadora desses serviços.

Não há que se falar em imprevisibilidade e inevitabilidade do evento, invocadas pelo reclamado/tomador, em razão da confessada culpa in eligendo e na demonstrada culpa in vigilando da denunciada/prestadora de serviços.

É possível que "a morte da vítima se deveu com exclusividade à conduta invencível do vigilante, que fora do exercício normal das funções, praticou ato ilícito", mas disto não decorre que o reclamado não tenha dado "o menor resquício de causalidade" e que, por isto, "a excludente de responsabilidade do 'fato de terceiro' se mostra perfeitamente aplicável" (sic, fl. 171).

É que "fato de terceiro" é "aquele ilícito praticado por alguém que não seja nem o acidentado, nem o empregador ou seus prepostos", como ensina Sebastião Geraldo de Oliveira. No caso dos autos, o ilícito foi praticado pelo empregado da denunciada/tomadora, donde decorre que o autor do dano não pode ser juridicamente considerado um "terceiro"6.

6 Indenizações Por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. LTr, p. 151.

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Por último, mas não o menos importante, apreciando caso idêntico ao dos autos, é dizer, caso em que o vigilante empregado de prestadora de serviços ceifou a vida de empregado da tomadora, decidiu o STJ que "para o reconhecimento do vínculo de preposição não é preciso que exista um contrato típico de trabalho; é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviços sob o interesse e comando de outrem". Ou seja, o vigilante é, sim, preposto da tomadora, embora não seja seu empregado. E, sobre o alegado "fato de terceiro" (no caso paradigmático falava-se em "caso fortuito" - mutatis mutandis, a idéia era a mesma), aquela corte assentou:

Na espécie, diante dos fatos registrados no acórdão, a obrigação de indenizar da demandada é evidente, uma vez que não se cuidou de comprovar a ausência de culpa pelo delito praticado pelo vigia. Segundo o que consta, a empregadora não só faltou com critério na escolha na firma de vigilância (culpa in

eligendo), mas também não procedeu à fiscalização eficaz e permanente sobre o comportamento do vigilante no trabalho (culpa in vigilando).

Tudo isto foi assentado no REsp 284586, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, relatório e voto transcritos integralmente pelos autores às fls. 493/499. E, no mesmíssimo sentido, o Agravo de Instrumento 497.692, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.

Enfim, confessada a culpa in eligendo e demonstrada a culpa in vigilando da denunciada/prestadora, decorre

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2inexoravelmente a culpa do tomador por ter contratado empresa inidônea. Sendo tão culpado quanto a denunciada/prestadora, o reclamado/tomador é igualmente responsável pela reparação do dano, vale dizer, é solidariamente responsável pela reparação do dano.

2.2 Do dano material. De acordo com a jurisprudência iterativa, notória e

atual do STJ, a pensão por morte corresponde a 2/3 (dois terços) do salário da vítima, incluindo horas extras habituais e o 13º salário. Fixo a pensão neste montante, portanto, cabendo 1/3 deste montante a cada um dos autores, sendo que a base de cálculo da pensão é aquela apontada no item 86 dos Memoriais dos autores, fl. 508 dos autos.

Ainda, a pensão por morte é devida até a idade provável do falecimento da vítima, sendo que "a longevidade provável de vítima fatal, para efeito de fixação do tempo de pensionamento, deve ser apurada em consonância com a tabela de sobrevida adotada pela Previdência Social, de acordo com cálculos elaborados pelo IBGE" (REsp 268.265). O pedido não foi contestado nesta parte, devendo prevalecer, portanto, a idade indicada pelos autores (65 anos).

Ainda, os filhos somente fazem jus à pensão por morte do genitor falecido até os vinte e quatro anos de idade "integralmente considerados", cessando o direito a partir dos vinte e cinco anos. E é assegurado à viúva, beneficiária remanescente, e o direito de acrescer a quota-parte atribuída aos filhos, sem que a remaridação signifique óbice. Acolho os pedidos, nestes termos.

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E mais: "A jurisprudência do STJ consolidou entendimento no sentido de que apurada a responsabilidade decorrente de acidente automobilístico ou outro evento danoso, o causador há de reparar o dano (culpa aquiliana) com supedâneo no direito comum e inviável e compensar tal reparação com a que a vítima há de perceber em decorrência de sua vinculação a sistema previdenciário ou securitário" (REsp 241613, Rel. Min. Waldemar Zveiter), razão pela qual não há compensação nem abatimento dos valores recebidos da previdência oficial nem da previdência privada (no caso, da complementação de aposentadoria paga pela PREVI).

Quanto aos juros moratórios, decidiu o STJ, no já referido REsp 284.586: "Na linha do entendimento da Segunda Seção, os juros moratórios, no caso de acidente de trabalho, por configurar este ilícito extracontratual, fluem a partir da data do evento danoso, na modalidade simples (EREsp n. 146.398/RJ, DJ 11/06/2001)". Nesse sentido a súmula 54 do STJ. Acolho o pedido, nestes termos.

Os autores disseram que "o valor de seus recebimentos [do falecido] devem ser atualizados não apenas monetariamente, mas de acordo com a ascensão de seus colegas, visto que lhe foi roubada também a oportunidade de ascender profissionalmente, de alcançar promoções que certamente conquistaria" (sic, fl. 13). Sem ambages, a correção monetária é devida em relação às parcelas vencidas, na forma da lei, sendo certo que as promoções que o falecido certamente conquistaria são aquelas decorrentes da antigüidade, apenas; nenhuma outra é certa, porque todas sujeitas à álea - incluindo a possibilidade de reversão ao cargo efetivo (CLT, art. 468, parágrafo único). Acolho o pedido nestes termos e

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2determino que a evolução na carreira por antigüidade seja apurada em liquidação.

A evolução salarial também será apurada em liquidação.

Avanço para assinalar que a ação foi proposta apenas contra o tomador Banco do Brasil S/A. A denunciação da lide à prestadora NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA instaura relação jurídica processual apenas entre denunciante e denunciada, é dizer, o denunciado não se converte em co-réu. Por isto, considero írritos todos os pedidos de condenação da denunciada NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA no pagamento das verbas elencadas na exordial, deduzidos já em sede de Memoriais (fl. 517).

Dito isto, rejeito o pedido de condenação do reclamado Banco do Brasil S/A na constituição de capital: o sólido entendimento da Segunda Seção do STJ, também extraído do citado REsp 284.586, no sentido de que “diante da realidade da economia dos nossos dias, não há razão suficiente para substituir a constituição de capital prevista no art. 602 do Código de Processo Civil pela inclusão em folha de pagamento”, ainda que se trate de empresa de grande porte, com idoneidade financeira (REsp 302.304/RJ)", certamente não se aplica quando a "empresa de grande porte" é o reclamado, em que pese o disposto na súmula 313 do STJ. É bastante e suficiente, no caso dos autos, a inclusão em folha de pagamento (TST, SBDI-1, OJ 172, por analogia), ora determinada.

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Finalmente, ainda de acordo com a jurisprudência iterativa, notória e atual do STJ, os valores vencidos serão pagos integralmente e de uma só vez.

2.3 Do dano moral. São cumuláveis as indenizações por dano material e

dano moral oriundos do mesmo fato, sendo certo que a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa (STJ, súmulas 37 e 281).

Não tem razão o reclamado, destarte, ao afirmar que "nos casos da espécie a indenização por dano moral, não é devida, face ao fato de que os requerentes já são beneficiários da pensão deixada pelo falecido" (sic, fl. 173). Os dois julgados cujas ementas foram transcritas às fls. 173/174 estão completa, inequívoca, indiscutivelmente superados.

De seu turno, disse a denunciada que "Cabia aos autores demonstrar, através de laudos especializados, a existência de seqüelas somáticas em decorrência do fato noticiado na peça vestibular ou, ao menos, terem protestado pela produção de tal prova, o que não é mais possível, diante da preclusão" (sic, fl. 268).

Sem ambages, o dano moral não se prova porque a dor está in res ipsa. Nesse sentido a lição de Sérgio Cavalieri Filho, em seu "Programa de Responsabilidade Civil", 2003, p. 102, citado e endossado por Sebastião Geraldo de Oliveira em seu "Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional", 2005, p. 121:

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O dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in res ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.

Além disso, a denunciada também disse que "não é crível conceber-se a ocorrência de um dano aos valores morais sem a imediata reação, mormente quando os Autores, no caso em exame, viveram tranqüilamente 16 anos sem qualquer manifestação" (sic, fl. 267). A propósito, já decidiu o STJ que é "Impossível admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais por ter o ofendido demorado a propor a ação respectiva, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão, seja no dia do evento, seja anos depois" (REsp 663196, Rel. Min. Nancy Andrighi) e, de outro lado, que "O direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso do tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas a demora na busca da reparação é fato a ser considerado na fixação do quantum, como na hipótese" (REsp 416846, Rel. Min. Castro Filho).

De fato, é verdade que "o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão, seja no dia do evento, seja anos depois", mas a

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2rapidez ou a demora na busca da reparação está ligada ao sentimento de urgência daquele que sofre e, portanto, também à intensidade da dor, por via de regra. E as regras de experiência comum, subministradas pela observação daquilo que ordinariamente acontece, mostram que a demora na busca da reparação e a intensidade da dor são valores inversamente proporcionais.

Daí que a demora na busca da reparação é fato a ser considerado na fixação do quantum.

Avanço para dizer que "O dano moral deve ser indenizado mediante a consideração das condições pessoais do ofendido e do ofensor, da intensidade do dolo ou grau de culpa e da gravidade dos efeitos a fim de que o resultado não seja insignificante, a estimular a prática do ato ilícito, nem o enriquecimento indevido da vítima" (REsp 207926, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).

Dito isto, vejo que num caso de morte de filho em acidente de trabalho, o STJ decidiu (ERESp 435157, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros):

A dor da perda dum filho é diferente daquela sentida pela morte do pai e do cônjuge. A inversão da ordem natural das coisas é sentida com maior intensidade e justifica a diferença do dano moral. São casos diferentes. Dissídio pretoriano inexistente.

Danos morais de 300 salários mínimos, por morte de filho maior de família humilde em acidente de trabalho, não se configuram

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irrisórios ou abusivos a ensejar controle do STJ em nome do Princípio da Razoabilidade.

Trezentos salários mínimos correspondem, hoje, a R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais).

Num outro caso, de morte de trabalhador e pai de família, deixando companheira e três filhos, o STJ assentou que é razoável o valor certo de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), a ser dividido entre os autores (REsp 698443, Rel. Min. Jorge Scartezzini).

Nos dois casos citados os réus eram CANOPUS EMPREENDIMENTOS E INCORPORAÇÕES LTDA e RODOVIÁRIO MORADA DO SOL LTDA, respectivamente. Não há notícia da capacidade financeira dos réus em questão, mas é fora de dúvida razoável que ela não se compara, nem de longe, à do reclamado Banco do Brasil S/A. E essa observação foi feita apenas por amor à argumentação.

Em suma: considerando a demora na busca da reparação, as condições pessoais do ofendido e do ofensor, a culpa gravíssima da denunciada/prestadora (que confessou ter contratado um psicopata), a necessidade de desestimular a prática de atos ilícitos da mesma natureza sem que isso represente o enriquecimento ilícito dos autores e ainda os valores fixados pelo STJ nos casos acima citados, tenho para mim que o valor certo de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), a ser dividido em partes iguais entre os autores, não é irrisório nem abusivo.

Pedido acolhido, nestes termos.

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2.4 Do pedido do reclamado/denunciante contra a denunciada.A denunciada aceitou a denunciação e não se insurgiu

contra a pretensão do reclamado/denunciante, razão pela qual condeno-a no pagamento de indenização correspondente ao valor desembolsado pelo denunciante em razão desta condenação.

2.5 Honorários advocatícios.De acordo com a jurisprudência iterativa, atual e

notória do STJ, os honorários advocatícios, ora arbitrados em 15% do valor da causa, serão calculados sobre o quantum correspondente ao dano moral e também sobre o valor das prestações mensais vencidas, mais um ano das vincendas (RESp 284.586, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

DO EXPOSTO, acolho parcialmente os pedidos que ANA RITA DE PAULA COELHO, KÁTIA REGINA DE PAULA COELHO e ELOY DE SOUZA COELHO FILHO deduziram contra BANCO DO BRASIL S/A, condenando o reclamado no pagamento de pensão, indenização por dano moral e honorários advocatícios, nos termos da fundamentação. Além disso, condeno a denunciada NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA no pagamento de indenização correspondente ao valor desembolsado pelo denunciante/reclamado em razão desta condenação.

Expeça-se ofício ao Ministério Público do Trabalho, com cópia desta decisão.

Liquidação e juros na forma da fundamentação. Correção monetária na forma da lei.

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P.J.U – TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃOPROCESSO AIAT-01963-2006-013-18-00-2

Custas pelo reclamado no importe de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais) calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais).

O reclamado recolherá as contribuições previdenciárias e o imposto de renda devidos pelos reclamantes nos termos da lei e demais normas aplicáveis.

INTIMEM-SE.

Nada mais.

Audiência encerrada às 17h5min.

Mário Sérgio BottazzoJuiz do Trabalho

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