Sentença locks - frankfurt

5
ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma 2ª Vara da Fazenda Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected] Autos n° 0013686-05.2013.8.24.0020 Ação: Ação Civil Pública/Liminar Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina Réu: Construtora Locks Ltda Vistos etc. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de Construtora Locks Ltda., alegando, em síntese, que instaurou inquérito civil para apurar se o empreendimento da situado na Rua Artur Pescador, bairro Santa Bárbara, Criciúma/SC, matrícula n. 86.789, estava em conformidade com a legislação ambiental. Asseverou que a construção não observou o recuo mínimo do curso d'água existente, em desrespeito à legislação pertinente. Requereu a procedência do pedido para determinar à a demolição da edificação construída, com a retirada dos restos de materiais decorrentes da demolição, seguida da recomposição da mata ciliar existente na área de preservação permanente; sucessivamente, caso não seja possível a demolição, pugnou pela condenação da ao pagamento de indenização pelos danos materiais coletivos. Ainda, requereu a condenação da ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos. Deferida em parte a liminar, foi a citada, apresentando contestação na qual asseverou que adquiriu do Município de Criciúma os terrenos em que edificou a construção ora questionada, sendo alertado que o recuo necessário seria de apenas 15 metros. Narrou que o projeto de construção foi apresentado ao Município e à FAMCRI, tendo ambos aprovado o projeto com o recuo de 15 metros. Invocou, para defender a suficiência do recuo obedecido, a lei inerente ao parcelamento urbano do solo, o plano diretor à época vigente, bem como termos de ajustamento de conduta firmados pelo Município e FAMCRI com o Ministério Público. Sustentou a regularidade do empreendimento, que recebeu todas as licenças necessárias e se encontra em área consolidada, além de o curso d´água ser canalizado e poluído, não cumprindo sua função ambiental e, consequentemente, não podendo ser considerado de preservação permanente. Rechaçou a existência de dano ambiental e de moral coletivo, pugnando, ao fim, pela improcedência do pedido. Houve réplica.

Transcript of Sentença locks - frankfurt

Page 1: Sentença   locks - frankfurt

ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma2ª Vara da Fazenda

Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected]

Autos n° 0013686-05.2013.8.24.0020

Ação: Ação Civil Pública/Liminar Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina Réu: Construtora Locks Ltda

Vistos etc.

Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado

de Santa Catarina em face de Construtora Locks Ltda., alegando, em síntese, que instaurou

inquérito civil para apurar se o empreendimento da ré situado na Rua Artur Pescador, bairro

Santa Bárbara, Criciúma/SC, matrícula n. 86.789, estava em conformidade com a legislação

ambiental. Asseverou que a construção não observou o recuo mínimo do curso d'água

existente, em desrespeito à legislação pertinente.

Requereu a procedência do pedido para determinar à ré a demolição da

edificação construída, com a retirada dos restos de materiais decorrentes da demolição,

seguida da recomposição da mata ciliar existente na área de preservação permanente;

sucessivamente, caso não seja possível a demolição, pugnou pela condenação da ré ao

pagamento de indenização pelos danos materiais coletivos. Ainda, requereu a condenação

da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais coletivos.

Deferida em parte a liminar, foi a ré citada, apresentando contestação na

qual asseverou que adquiriu do Município de Criciúma os terrenos em que edificou a

construção ora questionada, sendo alertado que o recuo necessário seria de apenas 15

metros. Narrou que o projeto de construção foi apresentado ao Município e à FAMCRI,

tendo ambos aprovado o projeto com o recuo de 15 metros. Invocou, para defender a

suficiência do recuo obedecido, a lei inerente ao parcelamento urbano do solo, o plano

diretor à época vigente, bem como termos de ajustamento de conduta firmados pelo

Município e FAMCRI com o Ministério Público. Sustentou a regularidade do

empreendimento, que recebeu todas as licenças necessárias e se encontra em área

consolidada, além de o curso d´água ser canalizado e poluído, não cumprindo sua função

ambiental e, consequentemente, não podendo ser considerado de preservação

permanente. Rechaçou a existência de dano ambiental e de moral coletivo, pugnando, ao

fim, pela improcedência do pedido.

Houve réplica.

Page 2: Sentença   locks - frankfurt

ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma2ª Vara da Fazenda

Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected]

Foi juntado aos autos estudo pericial preliminar, com a devida

manifestação das partes, bem como produzida a prova testemunhal, dando-se por

encerrada a instrução

Com a juntada dos memoriais vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

Decido.

Não há questões preliminares pendentes, razão pela qual adentro

diretamente ao mérito.

O objeto da presente lide é em última análise o desfazimento de prédios

de alvenaria pertencentes aos chamados Residencial Frankfurt e Residencial Berlim,

segundo o Ministério Público erigidos em área de preservação permanente, nas

proximidades de um curso d' água.

É incontroverso nos autos que parte dos residenciais não respeitou o

recuo de 30 metros desde a margem do rio, recuo este estabelecido no art. 4º, I, a, da Lei n.

12.651/12, considerando que o Rio Criciúma, na indigitada área, possui largura aproximada

de 7 metros, conforme documento expedido pela FAMCRI a folhas 174 do Caderno 2 do

Objeto 1 (que acompanhou a petição inicial, conforme certidão a folhas 21).

Conforme estudo preliminar a folhas 263/298, mais especificamente pelo

contido a folhas 267 e 268, as Torres A de ambos os empreendimentos (Residencial

Frankfurt e Residencial Berlim) foram erguidas com recuo de 15,42 metros e 15,83 metros,

respectivamente.

Apenas a título de informação, as Torres B respeitam com folga o limite

legal (42,56 metros e 38,21 metros, respectivamente), de modo que não serão atingidas

pela presente decisão, uma vez que as Torres A e B são autônomas e independentes entre

si.

Delimitada a lide, da íntegra dos autos tenho que a área em discussão

está longe de ter suas características originais preservadas, resultado da ocupação urbana

desordenada ao longo de décadas, fruto do equívoco dos nossos antepassados que, por

ignorância que o tempo tratou de perdoar, tinham como incompatíveis o crescimento urbano

e a preservação do meio ambiente saudável. Por ser fato público e notório, o ora subscritor

pode afirmar que desconhece cidades brasileiras de grande e médio porte que tenham rios

despoluídos em toda a sua extensão (leia-se água potável com oxigenação plena).

Page 3: Sentença   locks - frankfurt

ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma2ª Vara da Fazenda

Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected]

O Rio Criciúma não foge à regra, bastando circular por suas proximidades

para constatar a veracidade do que suficientemente demonstrado nas fotografias a folhas

227/231, corroboradas pelo experto a folhas 287 e 291.

As imagens na parte inicial do Caderno 3 do Objeto 2 (que acompanhou a

contestação, conforme certidão a folhas 133) mostram a exata realidade de como a

construção do perímetro urbano de Criciúma pura e simplesmente desprezou o curso de um

rio que já não guarda nenhum de seus caracteres primitivos, sendo em boa parte

"canalizado e fechado" (por onde passa a Avenida Centenário – a principal artéria que corta

a cidade).

Quanto ao caso em tela, observo do estudo preliminar que no terreno em

que estão edificados os prédios o Rio Criciúma corre a céu aberto (e não canalizado e

fechado, como em outras partes da cidade), apesar de contar com intervenção antrópica

em suas margens, inclusive com paredes de pedra e construções que iniciam a partir da

margem do rio.

Neste pormenor, as fotos a folhas 227/231 aclaram que a obra impugnada

situa-se em meio a paisagem urbana vulgar, com outras construções de alvenaria, porém

com um resquício de vegetação marginal, ainda que reduzida à gramíneas e árvores

isoladas.

Em outras palavras, não ocorreu uma completa descaracterização daquele

local, embora urbanizado, ainda existindo o que se preservar em um meio já degradado,

mas com possibilidade de recuperação, desde que se atente ao disposto na lei protetora.

O ora subscritor não olvida de precedentes da e. Corte Catarinense em

sentido contrário, acerca da não incidência das normas do Novo Código Florestal, e tão-

somente da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (vide a propósito APCMS 2013.056913.3,

de Joinville, rel. Des. José Volpato de Souza; AI 2011.036170.6, de Pomerode, rel. Des.

Nelson Schaefer Martins), todavia, o caso dos autos parece-me distinto.

Nos referidos precedentes, salvo melhor juízo, a antropia foi completa e de

caráter irreversível, o que não é o caso dos autos.

Não fosse isso, entendo que deve prevalecer o fato de que aquela área é

sim de preservação permanente, e em sendo assim "note-se que a Lei Federal

12.651/2014 (Novo Código Florestal), seguindo a inteligência da legislação anterior,

manteve no conceito de área de preservação permanente, em zona urbana ou rural,

as faixas marginais em largura mínima de 30 metros para os cursos d'água de menos

de 10 metros de largura" (TJSP, Apelação nº 0001268-61.2009.8.26.0653, da Comarca de

Page 4: Sentença   locks - frankfurt

ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma2ª Vara da Fazenda

Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected]

Vargem Grande do Sul, j. 03.11.2014).

No mesmo precedente acima mencionado, colho ensinamento que deve

ser sempre observado:

"Ressalte-se, ademais, que a existência de construções irregulares

no Município, provavelmente fruto de negligência das gestões anteriores, não tem o

condão de impedir que a Administração atual zele pelo fiel cumprimento das normas

de parcelamento do solo urbano, de modo a impedir edificações em áreas que não

permitem construções de qualquer natureza tal como as margens de rios e córregos -

, a fim de evitar prejuízos futuros, com a condenação de edificações acarretadas

pelas costumeiras enchentes sazonais".

Em síntese, erros do passado não justificam erros do presente,

condenando as futuras gerações, sob o frágil argumento – ab ovo falho – de que a tão-só

urbanização de uma área de preservação permanente pode servir de escusa para a

perpetuidade da destruição urbana.

A demolição das torres dos empreendimentos que desrespeitem o recuo

de 30 metros da margem do curso d'água é, então, a medida que se impõe.

Considerando a complexidade da obra (prédio com oito pavimentos),

concedo o prazo de 90 (noventa) dias para cumprimento da ordem demolitória, contados do

trânsito em julgado da sentença.

Por óbvio, para resguardar a função ambiental daquele local, a demolição

deve ser seguida da recuperação da área de preservação permanente — faixa de 30

metros da margem do rio, o que implica na retirada de todos os restos de materiais

decorrentes da demolição, bem como na recomposição da mata ciliar.

Quanto aos "danos morais coletivos", permissa venia, entendo não assistir

razão ao Ministério Público.

Já decidiu-se que " 'é admissível a indenização por dano moral

ambiental nos casos em que a ofensa ao meio ambiente acarreta sentimentos difusos

ou coletivos de dor, perda, sofrimento ou desgosto. A caracterização do dano moral

ambiental, entretanto, não se revela pelo só fato de ter havido uma repercussão física

lesiva ao meio ambiente em local ou imóvel particular, sem maiores consequências

lesivas para o entorno coletivo. (Apelação Cível n. 2010.024915-3, da Capital, rel. Des.

Newton Janke, Segunda Câmara de Direito Público, j. 13.03.2012)' " (Apelação Cível n.

Page 5: Sentença   locks - frankfurt

ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma2ª Vara da Fazenda

Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected]

2010.015480-9, da Capital, Relator: Des. Nelson Schaefer Martins, j. 09.10.2012).

Ora, respeitadas a razoabilidade e proporcionalidade, embora as Torres A

do Residencial Frankfurt e do Residencial Berlim devam ser mesmo destruídas pelas razões

acima expostas, não se deve considerá-las como causadoras de uma ofensa anormal à

coletividade durante o período de tempo em que se mantém de pé.

A uma porque a edificação em si não trouxe maiores prejuízos à paisagem

urbana, existindo outras construções nas proximidades. A duas porque foi respeitado um

recuo de pouco mais de 15 metros, o que, mesmo sendo insuficiente, ao menos não

aumentou a degradação que já existia.

Basta a demolição da obra ilegal.

ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido

formulado na inicial, e em consequência CONDENO a ré na demolição da Torre A do

Residencial Frankfurt e da Torre A do Residencial Berlim, no prazo de 90 (noventa) dias a

contar do trânsito em julgado da presente sentença, com a retirada de todos os restos de

materiais decorrentes da demolição.

Ainda, CONDENO a ré a efetuar a recomposição da mata ciliar na área de

preservação permanente, através de Projeto de Recuperação de Área Degradada a ser

aprovado pela Fundação do Meio Ambiente de Criciúma (FAMCRI).

Tendo o autor decaído no pleito de dano moral coletivo, sendo exitoso no

de demolição, CONDENO a ré ao pagamento de metade das custas processuais.

Sem honorários.

Em reexame necessário.

P. R. I.

Criciúma, 18 de novembro de 2014.

Pedro Aujor Furtado Júnior Juiz de Direito