SENTENÇA MONOCRÁTICA DO JUIZ DE 1ª INSTÂNCIA DA COMARCA DE SÃO FIDÉLIS

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Contratação por David Loureiro da Servidora Maria José Boechat Jardim como "funcionária fantasma"

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Processo nº: 0001459-69.2006.8.19.0051 (2006.051.001425-3)

Tipo do Movimento:

Sentença

Descrição: I - RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Maria José Boechat Jardim e David Loureiro Coelho. Alega que a primeira requerida ocupou cargos públicos indevidamente, sendo um cargo comissionado no executivo de São Fidélis, um cargo efetivo no executivo do Estado do Rio de Janeiro e outro cargo comissionado no executivo de Campos. Também se confessou funcionária ´fantasma´ do Município de São Fidélis, em conluio com o segundo requerido, prefeito da cidade, mesmo ciente de que havia acumulação de cargos públicos e incompatibilidade de horários. Requer a reparação de danos causado ao erário, com a condenação por atos de improbidade administrativa. Com a inicial vieram os documentos de fls. 21/169 e 173/213. Defesa prévia do segundo requerido às fls. 223/257 e da primeira requerida às fls. 263/269. Manifestação do autor às fls. 274/289. À fl. 309 houve suspensão do feito, considerando o conflito de competência suscitado em outra ação de improbidade. Mas à fl. 310 foi retomado o curso do feito. Decisão à fl. 311 recebendo a inicial e determinando a citação. Contestações acostadas às fls. 324/352. Réplica às fls. 356/360. Juntada de ofício do Hospital Ferreira Machado, fl. 370/371. Decisão de saneamento à fl. 382. Audiência de conciliação conforme fl. 406/408. Alegações finais às fls. 420/451 e 453/461. É O RELATÓRIO. DECIDO. II - FUNDAMENTAÇÃO O Ministério Público alega que a ré Maria José Boechat Jardim era funcionária 'fantasma' contratada pelo então Prefeito, 2.° réu, em 2001, como 'coordenador de setor de apoio administrativo', e exonerada pela Portaria 279/2003. Após exoneração em Julho de 2003, foi novamente nomeada como 'coordenadora de serviços gerais', permanecendo até novembro de 2004, definitivamente exonerada. A carga horária, nos dois períodos de contratação, era de 40 (quarenta) horas semanais. Ocorre que a 1.ª ré efetivamente trabalhava no Hospital Ferreira Machado como servidora pública do Município de Campos dos Goytacazes e do Estado do Rio de Janeiro. Descobriu-se que ela ocupava, desde 1981, o cargo de auxiliar operacional de serviço de saúde para o Estado e

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nomeada, pelo município de Campos, para o cargo comissionado no Hospital Ferreira Machado de ´chefe de decisão de pronto socorro´, com carga semanal de 40 horas. A ré admitiu o acúmulo de 03 cargos irregularmente, admitindo que era funcionária 'fantasma' em São Fidélis, oferecido pelo réu Davi, então prefeito, por amizade e que sabia de tais fatos e das incompatibilidades de horários. A ré admitiu os fatos em depoimento prestado no Ministério Público. Os documentos de fls. 24, 25 e 26 confirmam tal alegação e são corroborados pelas provas, especialmente a confissão dos fatos no depoimento de fls. 32/33, prestado e assinado perante o Ministério Público. Seus demais vínculos estão provados pelos contracheques de fls. 35/36 e pelo ofício de fl. 174, oriundo do Estado. Em defesa preliminar, David Loureiro argumentou, basicamente, sobre a ilegalidade nos atos investigatórios por inquérito civil. Certo é que está superada e pacificada a matéria acerca da possibilidade de serem colhidos elementos e provas para as ações civis por tal meio. A legitimidade da autoridade administrativa não exclui a do Ministério Público, principalmente se inerte aquela, caso dos autos. O artigo 22 da Lei 8.429/92 trata de uma faculdade do Ministério Público e não exclui sua legitimidade de obter provas. O réu David Loureiro hoje não mais ostenta a qualidade de prefeito, estando sem mandato eletivo. Contudo, o DL 201/67 que prevê os crimes de responsabilidade de prefeito, não impede os agentes, mesmo políticos, de responder por improbidade, nos termos do julgado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça e retratado pelo informativo 418 do STJ nos seguintes termos: COMPETÊNCIA. IMPROBIDADE. GOVERNADOR. Trata-se de reclamação proposta por governador para extinguir, ante a suposta usurpação da competência deste Superior Tribunal, ação civil pública por improbidade administrativa referente a atos praticados durante sua gestão como prefeito. Sustenta que as condutas que lhe são atribuídas estão descritas no DL n. 201/1967 como crimes de responsabilidade de prefeito, que não cabe ação de improbidade tendente a aplicar sanções por atos que, como no caso, também configuram crimes de responsabilidade e, como atualmente ocupa o cargo de governador, a competência para apreciar os fatos que lhe são imputados é do STJ. Isso posto, a Corte Especial julgou a reclamação procedente em parte ao entendimento de que, excetuada a hipótese

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de atos de improbidade praticados pelo presidente da República (art. 85, V, da CF/1988), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86 da mesma carta), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º, da CF/1988. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. O STF, em 13/3/2008, com apenas um voto contrário, declarou competir a ele julgar ação de improbidade contra seus membros (QO na Pet. 3.211-0, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJe 27/6/2008). Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em casos tais, decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na CF/1988, que assegura a seus ministros foro por prerrogativa de função tanto em crimes comuns, na própria Corte, quanto em crimes de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, seria absurdo ou o máximo do contrassenso conceber que ordem jurídica permita que um ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isso seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que uma norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa - com possível aplicação da pena de perda do cargo - contra governador que, a exemplo dos ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função tanto em crimes comuns (no STJ) quanto em crimes de responsabilidade (na respectiva Assembléia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (art. 105, I, a, CF/1988), há, em casos tais, competência implícita complementar do STJ. Precedentes citados do STF: ADI 2.860-DF, DJ 19/12/2006; do STJ: Rcl 591-DF, DJ 15/5/2000; Pet 2.588-RO, DJ 9/10/2006; Pet 2.639-RJ, DJ 25/9/2006; AgRg na MC 7.487-GO, DJ 17/4/2006; Pet 2.593-GO, DJ 6/11/2006, e Rcl 2.197-DF, DJe 9/3/2009. Rcl 2.790-SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgada em 2/12/2009. Logo, refuto tal alegação. Ademais, isso restou decidido na decisão de saneamento de fl. 382. Em mérito alegou que a prova colhida, unilateralmente, no inquérito civil é imprestável . Afirma que mantinha a

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servidora em Campos para atender a população fidelense, o que não afasta a patente ilegalidade e somente confirma os fatos narrados na inicial. Isso porque a 1.ª ré foi contratada e desviada de função e, de fato, não prestou serviço a este município, não podendo o serviço prestado naquele Hospital em Campos, e para o qual ela já era remunerada, ter qualquer pagamento pelo município fidelense, ainda que realizasse 'favor' ao povo fidelense. Resta evidente que o, então, Prefeito admitiu os fatos. A ré Maria José justifica da mesma forma, dizendo que atendia os pacientes de São Fidélis no referido Hospital e dispensava-lhes atenção especial e, por esse motivo, foi nomeada para coordenar os atendimentos, olvidando que ela já recebia até gratificação do município para chefiar e coordenar o pronto socorro e não poderia receber de outro ente público pelo mesmo serviço. A acumulação do cargo estadual e do município de Campos não são objeto desta sentença, motivo pelo qual ignoro tais alegações sobre o acúmulo ilegal entre eles, mas a própria grade horária demonstra que não poderia exercer a ré as atividades no Hospital Ferreira Machado com carga de 40 horas semanais e fazer mais 40 horas aqui na municipalidade fidelense, o que nem cuidou de afirmar, pois impossível. Querem os réus dar a pecha de legalidade a uma situação que, na verdade, retrata uma forma de pagar a uma servidora de outro município para fazer o seu trabalho com 'especial atenção' ou 'prioridade'. Que atenção especial seria esta? Passar na frente de outros pacientes? Não seria igualmente ilícito? Ou apenas receber bem? Isso já é obrigação do servidor público, desempenhar sua função com urbanidade e eficiência (Princípio Administrativo). Não há que se falar em direito de opção por cargo, pois aqui, entendo, resta provado que a ré recebia ilegalmente por função que não exercia, como funcionária 'fantasma', pois não poderia receber por trabalho já inerente às suas funções como coordenadora do Pronto Socorro no município campista, desde 2001, conforme fl. 389. Na Audiência de Instrução e Julgamento (fls. 406/408), a ré confirmou os fatos e a esdrúxula situação já mencionada, o que não poderia ser afastada por qualquer testemunha. Entendo que os direitos políticos de David Loureiro Coelho não devem ser suspensos, pois se tratou de contratação de servidora que, sem afastar a absoluta ilegalidade, até possa aquele ter

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agido em prol da população local. A perda da função pública é inócua e não guarda proporcionalidade, pois o segundo réu não exerce, atualmente, mandato eletivo. Traz-se à baila o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL N° 0003181-44.2005.8.19.0029 APTE. NÚBIA COZZOLINO APDO. MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: DESEMBARGADOR MAURICIO CALDAS LOPES Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa da então Prefeita do Município de Magé. Descumprimento de decisões judiciais proferidas no mandado de segurança impetrado por servidores municipais, fiscais de tributos e cadastradores, sujeito à incidência de multa diária, arbitrada em R$ 2.000,00. Efetivo dano ao erário, - artigo 10, caput c/c artigo 11, II, ambos da Lei 8429/92. Sentença de procedência. Apelação. Nulidade da sentença. Sentença hostilizada que, em verdade, abordou toda a matéria necessária ao desate da controvérsia com perspicácia e atenção às provas carreadas aos autos, sempre com observância ao princípio do contraditório. Congruência. Redução da multa imposta, em ordem a ajustar a sentença ao pedido. Preliminar rejeitada. Mérito. Malgrado sua insistente afirmação no sentido de que implementara a gratificação em favor dos impetrantes, nenhuma prova fez a ré nesse sentido¿ Instada a se manifestar em provas, abrira mão de sua produção (fls. 1137 e 1023/1031), aí incluída a prova oral e documental superveniente, únicas capazes de demonstrar a efetiva execução do quanto determinado no mandamus em epígrafe, por isso que os documentos acostados aos autos, unilateralmente produzidos, não se exibiam a tanto suficientes. Os acostados às fls. 90/328, 339/589 e 1033/1084, como bem assinalou o Ministério Público, são folhas em branco, sem rubrica, sem timbre e com valores desconexos. Pior: os de fls. 1886/1916 e 2032/2303, por sua vez, são aparente e ideologicamente falsos, como já assinalado por esta Relatoria (fl. 2026), por isso que todos os impetrantes, tanto que intimados, não os reconhecem como legítimos, afirmando jamais terem recebido a gratificação de produtividade, nem mesmo quando da respectiva manifestação nestes autos (fls. 1967/1968, 1970/1973, 1997, 2001 e 2013). Aliás, tal e ousada intervenção da ré em segundo grau, oferecendo documentos de expedição sob seu inteiro controle, mas frontalmente impugnados pelos impetrantes-servidores, escarnece do poder judiciário e se exibe compatível com sua conhecida e notória conduta como prefeita do Município de Magé¿ (cfr. O Globo, edição de

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13.03.2011). Em todo ato de improbidade há sempre violação dos princípios reitores da administração pública inscritos no artigo 37 da Constituição da República, daí porque as disposições do artigo 11 da Lei de Improbidade qualificam-se como subsidiárias em relação as dos artigos 9 e 10, de modo a resolver-se pelo vetusto princípio lex specialis derogat legi generali, eventual e aparente conflito de normas, por isso que as infrações neles tipificadas - embora abertos os respectivos modelos típicos - são, nada mais, nada menos, do que violações aos mencionados princípios constitucionais, acrescidos de circunstâncias especializantes que as distinguem do tatbestand genérico do artigo 11 e seus incisos, ora em comento, cuja incidência se afasta à vista do elemento dano ao erário. Dolo indiscutível. Inequívoco prejuízo ao patrimônio público por isso que da intencional omissão da ré em implementar a gratificação judicialmente concedida, resultou, em desfavor do erário, a incidência da multa diária, de R$ 2.000,00 (dois mil reais), desde os idos de 2005. Sanções. 2 Cominações de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por oito anos, proibição de contratar com o Poder Público, de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos, de ressarcir integralmente o dano causado ao Município que se afiguram proporcionais às condutas praticadas e ao resultado inibidor legitimamente almejado, consubstanciadas no atuar ímprobo da ré. Multa civil cuja dosagem cobra reparos, de modo a alinhá-la ao pedido formulado na inicial, com a respectiva redução ao valor equivalente a duas vezes o valor da última remuneração percebida pela ré quando do exercício do mandato de prefeita do Município de Magé - do qual, ao que se viu, jamais se afastou. Provimento parcial do recurso. III - DISPOSITIVO No arcabouço de tais considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, na forma do artigo 269, I, do Código de Processo Civil para: 1) Condenar a ré Maria José Boechat Jardim pela prática do Ato de Improbidade Administrativa previsto no artigo 9.°, caput, da Lei 8429/1992; 2) Condenar a ré Maria José Boechat Jardim ao ressarcimento integral do dano ao erário, determinando a devolução dos valores não impugnados e documentados na inicial, corrigidos desta data e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação; 3) Condenar a ré Maria José Boechat Jardim na proibição de contratar com os entes

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públicos, excetuada a manutenção de seu vínculo no emprego/serviço público; 4) Suspender a capacidade eleitoral passiva de Maria José Boechat Jardim por 08 (oito) anos; 5) Condenar o réu David Loureiro Coelho pela prática dos Atos de Improbidade Administrativa previstos nos artigo 10, I e XII, e 11, I, todos da Lei 8429/1992; 6) Condenar o réu David Loureiro Coelho, solidariamente com a primeira ré, ao ressarcimento integral do dano ao erário, determinando a devolução dos valores não impugnados e documentados na inicial, corrigidos desta data e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação; 7) Condenar o réu David Loureiro Coelho na proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de 10 (dez) anos; 8) Condenar o réu David Loureiro Coelho ao pagamento de multa em uma vez o valor do ressarcimento a ser por ele arcado; 9) JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos na forma do artigo 269, I do CPC. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se. P.R.I.