Sentença muro

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ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca - Criciúma 2ª Vara da Fazenda 1 Endereço: Av. Santos Dumont, S/N, Prédio do Fórum, Milanese - CEP 88804-500, Fone: (48) 3431-5396, Criciúma-SC - E-mail: [email protected] Autos n° 0008580-62.2013.8.24.0020 Ação: Ação Civil Pública/Unidade de Conservação da Natureza Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina Réu: Anibal Carlos Bristot e outros Vistos etc. Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa Catarina em face de Anibal Carlos Bristot, Júlio César Bristot e Lúcia Maria Baldessar Bristot, aduzindo, em apertada síntese, que os réus concluíram a construção de um muro de alvenaria nos fundos do imóvel descrito na inicial, "sem autorização dos órgãos competentes e em área de preservação permanente", nas proximidades de um curso hídrico, ferindo o meio ambiente, constitucionalmente protegido, requerendo: 1) a demolição do muro, às expensas dos autores, "tomando-se a metragem mínima de trinta metros, sob pena de multa diária; 2) indenização pelos danos morais coletivos, em cem salários mínimos destinados ao Fundo apontado na exordial. Indeferida a liminar, foram os réus citados, sustentando que o muro foi erguido para proteção da posse dos réus, após tramitação de lide possessória vencida pelos mesmos, sendo portanto muro de divisas de terrenos, contemplando a legislação a expedição de licença apenas para muros frontais. Negaram a clandestinidade do muro, apontando a existência de conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente, inexistindo impacto ambiental com a presença do muro, não sendo ademais aplicável o Código Florestal em áreas urbanas, em especial em área em que não existiu supressão de vegetação, descrevendo a legislação vigente acerca da matéria. Vergastaram o pedido de danos morais ambientais, pugnando ao final pela improcedência do pedido. Após nova manifestação do Ministério Público, foi realizada prova pericial, com ciência e manifestação das partes, seguindo-se regular dilação probatória, e ao final a apresentação dos memoriais, tendo as partes repetido seus argumentos anteriores. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Decido.

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Autos n° 0008580-62.2013.8.24.0020

Ação: Ação Civil Pública/Unidade de Conservação da Natureza

Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Réu: Anibal Carlos Bristot e outros

Vistos etc.

Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa

Catarina em face de Anibal Carlos Bristot, Júlio César Bristot e Lúcia Maria Baldessar

Bristot, aduzindo, em apertada síntese, que os réus concluíram a construção de um muro

de alvenaria nos fundos do imóvel descrito na inicial, "sem autorização dos órgãos

competentes e em área de preservação permanente", nas proximidades de um curso

hídrico, ferindo o meio ambiente, constitucionalmente protegido, requerendo: 1) a demolição

do muro, às expensas dos autores, "tomando-se a metragem mínima de trinta metros, sob

pena de multa diária; 2) indenização pelos danos morais coletivos, em cem salários

mínimos destinados ao Fundo apontado na exordial.

Indeferida a liminar, foram os réus citados, sustentando que o muro foi

erguido para proteção da posse dos réus, após tramitação de lide possessória vencida

pelos mesmos, sendo portanto muro de divisas de terrenos, contemplando a legislação a

expedição de licença apenas para muros frontais. Negaram a clandestinidade do muro,

apontando a existência de conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente,

inexistindo impacto ambiental com a presença do muro, não sendo ademais aplicável o

Código Florestal em áreas urbanas, em especial em área em que não existiu supressão de

vegetação, descrevendo a legislação vigente acerca da matéria. Vergastaram o pedido de

danos morais ambientais, pugnando ao final pela improcedência do pedido.

Após nova manifestação do Ministério Público, foi realizada prova pericial,

com ciência e manifestação das partes, seguindo-se regular dilação probatória, e ao final a

apresentação dos memoriais, tendo as partes repetido seus argumentos anteriores.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

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O objeto da presente lide é em última análise o desfazimento do muro a

folhas 36 e 37, segundo o Ministério Público erigido em área de preservação permanente,

nas proximidades de um curso d' água e sem licença dos órgãos ambientais.

Da íntegra dos autos tenho que a área em discussão está longe de ter

suas características originais preservadas, resultado da ocupação urbana desordenada ao

longo de décadas, fruto do equívoco dos nossos antepassados que, por ignorância que o

tempo tratou de perdoar, tinham como incompatíveis o crescimento urbano e a preservação

do meio ambiente saudável. Por ser fato público e notório, o ora subscritor pode afirmar que

desconhece cidades brasileiras de grande e médio porte que tenham rios despoluídos em

toda a sua extensão (leia-se água potável com oxigenação plena).

O Rio Criciúma não foge à regra, ou como bem concluiu o experto, "com

qualidade de água ruim, com elevado número de coliformes fecais, matéria orgânica

e baixo nível de oxigenação".

A imagem a folhas 266 mostra a exata realidade de como a construção do

perímetro urbano de Criciúma pura e simplesmente desprezou o curso de um rio que já não

guarda nenhum de seus caracteres primitivos, sendo em boa parte "canalizado e fechado"

(por onde passa a Avenida Centenário – a principal artéria que corta a cidade).

Observo do laudo pericial que o terreno em que está o referido muro "era

considerado plano. Encontrava-se inserida (a área) dentro dos limites de abrangência

da bacia hidrográfica do Rio Araranguá".

Ainda quanto à imagem a folhas 266, restou constatado no laudo:

"5.2 O muro erguido na área ficava localizado ao lado de um curso

d'água, denominado rio Criciúma, pertencente ao trecho com a denominação 'Médio

Rio Criciúma', mostrando-se com largura de aproximadamente 5,50 m (cinco metros e

cinquenta centímetros). Até próximo do portão de entrada do terreno onde estava

instalado o muro, o rio Criciúma apresentava-se canalizado e fechado (trecho que

passava pela Avenida Centenário). A partir deste ponto, o referido rio ficava aberto,

seguindo seu leito, entretanto com intervenção antrópica em suas margens, em

especial a margem esquerda, como a existência de paredes de pedra próximo da

saída da canalização que passava pela Av. Centenário.".

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Neste pormenor, as fotos do item 5.4, a folhas 267/270, aclaram que o

muro da discórdia situa-se em meio a paisagem urbana vulgar, com outras construções de

alvenaria, paredes altas, portões e cercas, porém há vegetação no local vizinho ao muro

(nos dois lados do muro), e nas margens do rio que ainda está a céu aberto, como descrito

no item 5.3 a folhas 267, não sendo "notado vestígios de supressão de vegetação".

Diz o experto:

"5.3 Foi verificado que a vegetação presente nas margens do rio

Criciúma, próximo do local examinado, logo após o fim da canalização do rio,

mostrava-se descaracterizada, em estágio inicial de regeneração, com presença de

gramíneas e algumas árvores isoladas. Ressalta-se que cobertura vegetal das áreas

da microbacia do Rio Criciúma, que inclui a área periciada, apresenta-se com

fragmentos florestais, com exemplares de espécies exóticas e espécies nativas

provenientes da formação de Floresta Ombrófila Densa secundária, pertencente ao

bioma Mata Atlântica.

"5.4 Dos locais onde se puderam visualizar o muro não foi notado

vestígios de supressão de vegetação." (grifo do subscritor).

Nas respostas aos quesitos, o expert deixou claro que se cuida de área de

preservação permanente e que "a região no entorno da construção do muro

apresentava-se já antropizada, com a intervenção na vegetação ciliar do rio situado

próximo da área examinada. A vegetação ciliar possui alta relevância ecológica, visto

que exerce uma função determinante para a estabilização das margens de corpos

d'água, permitindo um escoamento gradativo das águas das chuvas por meio dos

lençóis freáticos, protegendo o solo e evitando, desta forma, a erosão acentuada das

margens e a consequente deposição excessiva de sedimentos que poderiam causar

seu assoreamento" (grifo meu).

Observou ainda o Sr. Perito que "construções em APP, especialmente

em locais preservados em sem intervenção humana, atingem a vegetação ciliar dos

corpos d' água", e que "a construção é localizada ao lado de um curso d' água".

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É fato que o muro foi construído em área de preservação permanente, e

nas suas proximidades há vegetação nascente, e que existiu sim intervenção na vegetação

ciliar, o quanto basta para afirmar do impacto ambiental, ainda que não na proporção

afirmada pelo Ministério Público, como se verá adiante.

Outra resposta merece transcrição:

"Como já descrito no laudo, a região no entorno da construção do

muro apresentava-se já antropizada, com a intervenção na vegetação ciliar do rio

situado próximo da área examinada, sendo que esta vegetação garantiria,

naturalmente, a estabilização das margens de corpos d'água. Entretanto,

considerando a situação encontrada e pelas características da área, entende-se que o

muro não agravaria os riscos descritos no quesito acima." (grifo do subscritor).

A conclusão do perito no sentido de que a presença do muro não agrava

os riscos é de ser vista com reservas, diante da conclusão dele próprio dois quesitos

adiante, no sentido de que "a obra não contribui para o exercício de função ambiental

da APP definida em lei, mais especificamente na Lei 12.651, de 25 de maio de 2012,

art. 3º, inc. II".

Finaliza o perito no sentido de que "a construção, dada a situação e

local onde foi instalada, não interfere especificamente na vida do rio", porém que "a

construção não contribui para o exercício da função ambiental definida em lei para a

área de preservação permanente".

Ora, se o muro não contribui para o exercício da função ambiental é

porque não poderia ter sido edificado naquela área de preservação ambiental, ainda que

não interfira diretamente no curso do rio já sacrificado pela poluição, posto que vários erros

históricos não justificam ou descartam outros erros contemporâneos.

Portanto, em sendo construído em área de preservação ambiental, e com

impacto no meio ambiente das margens do rio, com intervenção na fundamental vegetação

ciliar (felizmente não suprimida), o muro deve ser demolido para resguardar a função

ambiental daquele local.

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Mas há outro motivo para a demolição do muro, e a questão relativa ao

impacto ambiental assume proporção um tanto mais grave.

Sem meias palavras, o muro em questão é clandestino, pois erguido sem

licença municipal.

A escusa dos réus é a de que o muro foi construído em razão de uma lide

possessória, em a qual se temeu a possibilidade de novo esbulho, e por esse motivo

haveria uma "legitimação" do muro em razão da decisão favorável do Poder Judiciário aos

réus.

Ora, não há na legislação pátria qualquer permissivo legal para a

construção de muros sem as licenças das autoridades competentes tendo como

fundamento o provimento positivo em um interdito possessório, o quanto basta para afastar

o raciocínio dos réus, o qual não merece maiores digressões por razões um tanto

evidentes, todas dispensáveis.

A ausência da licença municipal faz com que se presuma a ilicitude da

construção, o quanto basta aliás para a justa demolição do muro construído em local onde

não o poderia.

Da jurisprudência neste exato sentido:

" 'Como a construção é atividade sujeita a licenciamento pelo Poder

Público, a ausência de licenciamento para construir faz presumir um dano potencial à

Administração e à coletividade, consistente na privação do exame do projeto e na

possibilidade de insegurança e inadequação da obra às exigências técnicas e

urbanísticas.' (Hely Lopes Meirelles. Direito de Construir. RT, 3 ed., p. 185).

"Caracterizada a clandestinidade da obra, porquanto desprovida da

necessária licença para construção e erigida sobre área de preservação permanente,

que é área non aedificandi, mostra-se acertada a decisão que determinou a sua

demolição." (Apelação Cível n. 2011.055411-2, de São Francisco do Sul, Relator: Des.

Carlos Adilson Silva, j. 24.06.2014).

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Assim, seja por ferir a legislação ambiental, por estar o muro construído

em área de preservação ambiental, "até junto da margem do rio" (fls. 273), com intervenção

na vegetação ciliar, não contribuindo para o exercício da função ambiental da APP, ou

ainda em razão da ausência de licença municipal indispensável, a demolição do muro é de

rigor, atendendo-se assim o pedido principal da presente ação civil pública, às expensas

dos réus, na forma do item 7.1 da inicial, sob pena de multa diária de R$ 300,00, nos

termos do art. 13, da Lei n. 7.346/85.

Quanto aos "danos morais coletivos", permissa venia, entendo não assistir

razão ao Ministério Público.

Já decidiu-se que " 'é admissível a indenização por dano moral

ambiental nos casos em que a ofensa ao meio ambiente acarreta sentimentos difusos

ou coletivos de dor, perda, sofrimento ou desgosto. A caracterização do dano moral

ambiental, entretanto, não se revela pelo só fato de ter havido uma repercussão física

lesiva ao meio ambiente em local ou imóvel particular, sem maiores consequências

lesivas para o entorno coletivo. (Apelação Cível n. 2010.024915-3, da Capital, rel. Des.

Newton Janke, Segunda Câmara de Direito Público, j. 13.03.2012)' " (Apelação Cível n.

2010.015480-9, da Capital, Relator: Des. Nelson Schaefer Martins, j. 09.10.2012).

Ora, respeitadas a razoabilidade e proporcionalidade, embora o muro deva

ser mesmo destruído pelas razões acima expostas, não se deve considera-lo como

causador de uma ofensa anormal á coletividade durante o período de tempo em que se

mantem de pé. Fez parte da paisagem urbana, aliás invisível aos olhos dos transeuntes,

relevando-se ainda o fato de que não houve supressão da vegetação do local, tendo os

réus respeitado as margens do rio, não obstante tenham erguido o muro de forma ilícita.

Basta-lhes a demolição da obra ilegal.

ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido

formulado na inicial, e em consequência CONDENO os réus na demolição do muro objeto

da presente ação civil pública, sob pena de multa diária de R$ 300,00, a contar do trânsito

em julgado da presente sentença.

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CONDENO os réus ao pagamento de metade das custas processuais.

P. R. I.

Criciúma, 22 de setembro de 2014.

Pedro Aujor Furtado Júnior

Juiz de Direito