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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação Sequências didáticas para o trabalho com produções do gênero instrucional: leitura, produção textual e (re)escrita de instrução de aparelhos eletrônicos Maria Aparecida Pacheco Gusmão (UESB) Resumo: Este estudo parte de inquietações fomentadas pelos estudos mais recentes sobre as novas tecnologias em sala de aula. Propõe discussões sobre gêneros textuais na dinâmica discursiva estimulando o desenvolvimento de habilidades sociais, a capacidade de comunicação efetiva do aluno do século XXI, postura que passa a exigir do professor a incorporação da tecnologia como uma ferramenta habitual nas práticas escolares. Este trabalho tem os seguintes propósitos: 1) apresentar uma análise de um texto produzido por um aluno do 8º ano do ensino fundamental em que o discurso social do sujeito se evidenciou na escrita de um bilhete com orientações sobre como usar o adaptador do carregador do celular e 2) oportunizar aos professores um percurso de análise sobre o uso social da escrita demonstrando que um gênero escrito instrucional pode evidenciar aspectos de uma competência linguística que nem sempre tem visibilidade na sala de aula. O percurso teórico dos estudos se deu com base nos estudos de Bakhtin, Dolz e Scheneuwly, Rojo , Kenski , Valente, Brito e Purificação , Xavier e outros. A metodologia delineada é da pesquisa qualitativa, porque uma preocupação em focar os elementos que se constituem significativos para o pesquisador. Palavras-chave: sequência didática, Gênero instrucional, Leitura, produção e reescrita textual. Abstract: This study begins with questions raised by the most recent studies on new technologies in the classroom. It proposes discussions about textual genres in the discursive dynamics, stimulating the development of social skills, the effective communication capacity of the twenty-first century students, an approach that now requires, by the teacher, the incorporation of technology as a standard tool in school practices. This work has the following goals: 1) to present an analysis of a text produced by an 8th grade elementary school student, in which his social discourse was evident in the writing of a written message with directions on how to use the cellphone charger adapter and 2) to create opportunities so that teachers have an analysis route concerning the social writing use, showing that an instructional written genre may show aspects of a linguistic competence that has not always been visible in the

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Sequências didáticas para o trabalho com produções do gênero instrucional: leitura, produção textual e

(re)escrita de instrução de aparelhos eletrônicos

Maria Aparecida Pacheco Gusmão (UESB)

Resumo: Este estudo parte de inquietações fomentadas pelos estudos mais recentes sobre as novas tecnologias em sala de aula. Propõe discussões sobre gêneros textuais na dinâmica discursiva estimulando o desenvolvimento de habilidades sociais, a capacidade de comunicação efetiva do aluno do século XXI, postura que passa a exigir do professor a incorporação da tecnologia como uma ferramenta habitual nas práticas escolares. Este trabalho tem os seguintes propósitos: 1) apresentar uma análise de um texto produzido por um aluno do 8º ano do ensino fundamental em que o discurso social do sujeito se evidenciou na escrita de um bilhete com orientações sobre como usar o adaptador do carregador do celular e 2) oportunizar aos professores um percurso de análise sobre o uso social da escrita demonstrando que um gênero escrito instrucional pode evidenciar aspectos de uma competência linguística que nem sempre tem visibilidade na sala de aula. O percurso teórico dos estudos se deu com base nos estudos de Bakhtin, Dolz e Scheneuwly, Rojo , Kenski , Valente, Brito e Purificação , Xavier e outros. A metodologia delineada é da pesquisa qualitativa, porque há uma preocupação em focar os elementos que se constituem significativos para o pesquisador. Palavras-chave: sequência didática, Gênero instrucional, Leitura, produção e reescrita textual. Abstract: This study begins with questions raised by the most recent studies on new technologies in the classroom. It proposes discussions about textual genres in the discursive dynamics, stimulating the development of social skills, the effective communication capacity of the twenty-first century students, an approach that now requires, by the teacher, the incorporation of technology as a standard tool in school practices. This work has the following goals: 1) to present an analysis of a text produced by an 8th grade elementary school student, in which his social discourse was evident in the writing of a written message with directions on how to use the cellphone charger adapter and 2) to create opportunities so that teachers have an analysis route concerning the social writing use, showing that an instructional written genre may show aspects of a linguistic competence that has not always been visible in the

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classroom. The theoretical course of studies was traced based on studies related to Bakhtin, Dolz and Scheneuwly, Rojo, Kenski, Valente, Brito and Purificação, Xavier and others. The outlined methodology is based on a qualitative research, because there is a concern in focusing on the elements that are significant to the researcher. Keywords: Didactic Sequence. Instructional Genre. Reading. Writing. Rewriting.

Introdução

Na contemporaneidade engendram diferentes processos de ler, de escrever, de

se informar, de estabelecer relações sociais, de construir identidades. O uso das novas

tecnologias de informação e comunicação (TIC) modificou significativamente as formas

de aprendizagem e de relacionamento entre as pessoas, pois crianças, jovens e adultos

estão inseridos, no mundo virtual, via celular, bate papo pelo WhatsApp, pelo

Facebook, pelo Skype, correio eletrônico, fóruns, blogs etc.

As relações estabelecidas entre os interlocutores como sujeitos da linguagem a

cada dia ficam mais intensas. Com as transformações tecnológicas, atos de leitura e

escrita são atividades diárias, consequentemente, no âmbito escolar, os professores

precisam criar condições para que o trabalho com o uso e as funções sociais dos

gêneros textuais discursivos se efetivem, objetivando a ampliação da competência

comunicativa dos alunos e o consequente aperfeiçoamento da língua.

Nessa perspectiva e, no contexto deste trabalho que versa sobre a produção de

texto com o gênero instrucional na perspectiva discursiva, alguns questionamentos são

pertinentes:

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1. Quais as consequências das transformações tecnológicas na produção

textual dos alunos?

2. Considerando o uso das novas tecnologias de que forma a escola poderá

integrá-las ao seu fazer pedagógico?

3. As sequências didáticas com leitura, produção e reescrita de textos ,

como proposta metodológica para subsidiar o trabalho pedagógico

poderão se tornar alternativas viáveis no trabalho com os gêneros

discursivos em sala de aula?

4. O gênero instrucional pode se tornar significativo para o trabalho de

sala de aula no ensino fundamental?

A elaboração desse artigo tem os seguintes propósitos: 1) apresentar uma

análise de um texto produzido por um aluno do 8º ano do ensino fundamental em que

o discurso social do sujeito se evidenciou na escrita de um bilhete com orientações

sobre como usar o adaptador do carregador do celular e 2) oportunizar aos

professores um percurso de análise sobre o uso social da escrita demonstrando que

um gênero escrito instrucional pode evidenciar aspectos de uma competência

linguística que nem sempre tem visibilidade na sala de aula.

Considerando esses objetivos, acreditamos que este trabalho possa servir como

discussões sobre possibilidades de ressignificação do fazer pedagógico para que ele se

adeque às modalidades virtuais contemporâneas, considerando as práticas sociais, as

tecnologias, a língua em sua funcionalidade e contextualização. No espaço da sala de

aula com a mediação do professor o trabalho com a produção textual se conecta aos

modos de circulação social do texto e assim, se potencializa um espaço discursivo.

A abordagem metodológica da pesquisa foi de natureza qualitativa. Os textos

foram selecionados dos dados de uma pesquisa maior intitulada “Escrita e reescrita de

textos no ensino básico: relação dialógica e interativa”, desenvolvido no Grupo de

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Pesquisa Linguagem e Educação (GPLED) da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (UESB). A análise e a discussão dos dados se inseriram em um caráter explicativo

e descritivo.

Selecionamos, especialmente para este artigo, o gênero textual bilhete om

traços instrucionais em que o autor expõe um plano de ação para se atingir

determinado fim. Discutiremos alguns conceitos que se fazem oportunos,

analisaremos o texto e por fim, apresentaremos uma proposta de sequência didática.

2. Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e Gêneros

Textuais Discursivos

Segundo os estudos de Belloni, ass TIC podem ser definidas da seguinte forma:

“[...] são o resultado da fusão de três grandes vertentes técnicas: a informática, as

telecomunicações e as mídias eletrônicas”. (BELLONI, 2005,p. 21).

É incontestável que a maior vantagem do avanço acelerado das tecnologias da

informação e comunicação (TICs) é o acesso a qualquer domínio de conhecimento.

Esse fato transforma as práticas de leitura e de escrita, presentes nas atividades

comunicativas e exercem funções diversas no contexto social e histórico.

Os PCNs (BRASIL, 1998), ainda que publicados no final dos anos 1990, período

em que havia poucos estudos sobre o uso escolar das tecnologias, já indicavam, como

um dos objetivos do ensino fundamental, que os alunos fossem capazes de: “saber

utilizar diferentes fontes de formação e recursos tecnológicos para adquirir e construir

conhecimentos” (BRASIL, 1998, p. 80). Nessa perspectiva, ações pedagógicas pautadas

em textos que circulam na vida social, especialmente os diretamente associados à

tecnologias de comunicação e informação (TICs) constituem desafios que os

professores devem enfrentar. Uma proposta didática para esse enfrentamento pode

ser vislumbrada nos estudos de Dolz e Schenewly (2004). Esses autores propõem que o

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ensino de Língua Portuguesa deve ser alicerçado nos textos utilizando diferentes

gêneros textuais.

Pautadas na concepção de linguagem sociointeracionista que concebe a língua

como fenômeno social da interação verbal, compreendemos que o texto trata-se de

um processo que dialoga com o leitor e junto com este produz sentido (BAKHTIN,

2004).

Bakhtin, um dos autores que direciona teoricamente esse nosso trabalho

argumenta que “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente

estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gênero” (BAKHTIN, 2000,

272)Segundo esse autor “os gêneros correspondem a circunstâncias e a temas típicos

da comunicação verbal e, portanto, a certos pontos de contato típicos entre as

significações da palavra e a realidade concreta”(BAKHTIN, 2000, p. 312).

Segundo os postulados bakhtinianos, a língua é dialógica, no sentido amplo da

palavra, pois leva em conta discursos produzido anteriormente integrando diversas

vozes e, no processo da interação verbal, o ouvinte ou leitor ocupa uma posição ativa,

responsiva, que o mobiliza a agir promovendo novos discursos.

Sobre esse processo Bakhtin (2010, p. 275) afirma que: “o falante termina o seu

enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente

responsiva”. Nessa interação todas as unidades da comunicação manifestadas

verbalmente são enunciados.

O conceito de “enunciação” proposto por Bakhtin representa esse momento

em que uma palavra, uma frase ou uma sequência de frases, se constitui como uma

réplica do diálogo social. Para Bakhtin essa palavra é sempre carregada de um

conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. (2004, p. 99).

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Diante dessas considerações sobre a dialogicidade da língua, a organização do

trabalho pedagógico precisa considerar a riqueza e a diversidade dos gêneros textuais

discursivos que se desenvolvem e se complexificam conforme a necessidade

comunicativa em dado contexto social.

Os variados tipos de textos presentes na vida moderna, através da rede

mundial, exigem novos gêneros textuais, pois possuem características próprias

(MARCUSCHI; XAVIER, 2004). Para esses autores, esses gêneros são chamados de

gêneros digitais, pois possuem características particulares: nova formatação, mais

dinamismo, descentralização e autonomia, o que os torna mais atraentes.

3.O gênero Instrucional no ensino de língua portuguesa

Textos instrucionais/injuntivos presentes em diversos ambientes discursivos da

sociedade fazem parte do dia a dia do jovem adolescente. Esses textos se referem a

gêneros marcados fundamentalmente pela linguagem em sua função

apelativa/conotativa, pela orientação ao leitor sobre a realização de uma atividade ou

utilização de um produto. Tenta convencer o receptor (quem ouve) a atender a

vontade do emissor (quem fala).Portanto, se caracterizam: a) pela finalidade discursiva

voltada para a instrução; b) O uso de modalidades imperativas (leia, utilize, selecione,

coloque, evite, mantenha) e de verbos no infinitivo (funcionar, apresentar, oferecer,

observar) e no futuro do presente (estará, será, deverá); c) uso de linguagem objetiva,

com vocábulos, expressões e construções usuais, porém corretas e d) acessibilidade do

uso da sintaxe, com períodos simples.

O texto instrucional se caracteriza como um texto intencional que objetiva

instruir o interlocutor sobre algum procedimento como sugestão de algo que deve ser

feito, mas sem caráter coercitivo, haja vista que apenas induz o interlocutor a proceder

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desta ou daquela forma. Assim é possível fazer uma substituição de um determinado

procedimento em função de outro, por exemplo, no caso da receita é possível a

substituição de ingredientes. Alguns exemplos dessa modalidade podem ser

encontrados em: manuais de instrução, livros de autoajuda, receita culinária, discursos

revelados em instrução para montagem, instalação de uso de aparelhos, instrumentos,

utensílios e programas de computador, regras de jogo, etc.

Quanto à estrutura organizacional, normalmente os textos instrucionais

apresentam títulos (marca do produto, nome do aparelho, etc.), seguidos de

subtítulos (manual de instruções, recomendações gerais...), e, em seguida,

normalmente, aparecem outros subtítulos destacados (localização, precauções

importantes, guia de cuidados, instruções de uso). Entre as muitas vantagens dessa

organização na estrutura textual podemos destacar a facilitação na busca de

informações pelo interlocutor.

Diante dessas caracterizações percebemos o quanto esses textos estão

presentes no mundo altamente informatizado em manuais de instrução e aparelhos

tecnológicos cada vez mais sofisticados. No entanto, ainda não nos damos conta de

que essa estrutura também está presente nas produções textuais, principalmente dos

jovens adolescentes, usuários em potencial desses instrumentos.

4.Proposta de Sequência didática: leitura, produção e reescrita

centrada na perspectiva textual-interativa

Dolz, Noverraz e Schenewly (2004, p. 97) denominam sequência didática como

“[...] um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em

torno de um gênero textual oral ou escrito.” Esses autores apresentam como

vantagens desse procedimento: a organização do ensino, a possibilidade de ajudar ao

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aluno a dominar melhor um gênero de texto e o uso da escrita e da fala de uma maneira

mais adequada numa dada situação de comunicação (SCHNEUWLY & DOLZ, (2004). Sugerem

ainda os respectivos autores que o trabalho seja realizado: a partir de gêneros que o aluno

não domina ou o faz de maneira insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis,

espontaneamente, pela maioria dos alunos; e sobre os gêneros públicos e não privados (...). As

sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem

novas ou dificilmente domináveis. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 83).

O esquema apresentado por esses autores implica em uma apresentação da

situação, produção inicial, módulos 1, 2, 3 e produção final. A fase da apresentação da

situação corresponde à etapa diagnóstica. Nela o professor apresenta as informações

necessárias sobre o projeto, descreve brevemente as tarefas a serem executadas. Em

seguida propõe uma produção inicial que irá permitir ao professor fazer uma avaliação

dos conhecimentos sobre o gênero em estudo dominado pelos alunos. Essa produção

servirá como norteadora das diversas atividades que serão propostas nos módulos.

Nos módulos então, o professor fará uma exploração sistemática e aprofundada das

capacidades necessárias para o domínio do gênero. Por fim, na produção final os

alunos deverão demonstrar os conhecimentos adquiridos acerca do gênero e do tema

proposto o que permitirá ao professor avaliar todo o trabalho desenvolvido.

Vale lembrar que de acordo com a visão de Schenewly e Dolz (2004), desde o

início o aluno terá claro o gênero que será abordado, a quem se dirige a produção, a

forma como o gênero será produzido e quem serão seus participantes. Ou seja, desde

o primeiro instante o aluno estará inserido numa possibilidade de compreensão global

do trabalho a ser executado, bem como perceberá a importância desses conteúdos em

situações de comunicação específicas.

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Em todo esse processo, por meio do papel mediador do professor o aluno

desenvolve comportamentos reflexivos sobre leitura, produção e reescrita de textos.

Na perspectiva textual-interativa, o aluno compreenderá que suas produções

deverão atender as condições de produção propostas por Geraldi : que se tenha o que

dizer; que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; que se tenha para quem dizer o

que se tem a dizer; que o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz

para quem diz; que se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 1997,

p. 137).

Consideramos como reescrita de textos as atividades em que alunos e

professores leem a primeira versão do texto escrito e realizam um trabalho de

reflexão/dialógica sobre os diversos aspectos apresentados pelo mesmo, questionando

o que o texto diz e como diz, considerando tanto a macroestrutura como a

microestrutura textual, objetivando, assim um aperfeiçoamento linguístico e discursivo

do texto.

A importância da reescrita de uma produção textual reside no fato de que

provoca o diálogo do sujeito autor com seu próprio texto fazendo operações de

confronto, substituições, acréscimos e/ou exclusões de enunciados, etc.

5.Análise de dois textos instrucionais

Os textos foram elaborados no 1º semestre de 2015 por um adolescente que

cursa o 8º ano do ensino fundamental. Trata-se de um bilhete com orientações para o

uso do adaptador do celular. Consideremos o contexto de produção ou situação

comunicativa que orientou a produção de texto e, portanto, determinante para a

compreensão.

O produtor do texto em questão, na condição de sobrinho, havia emprestado

um celular à sua tia, mas havia se esquecido de lhe entregar o carregador. Então,

distante dessa tia ele envia o carregador em um envelope, com um bilhete no sentido

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de orientá-la no uso do equipamento. Assim, a opção do autor pela sequência injuntiva

ocorreu devido ao seu objetivo de querer o “fazer agir” por parte de seu interlocutor,

sua tia ausente.

Fig. Bilhete

Fonte: Dados obtidos na pesquisa da autora.

Embora se trate do gênero bilhete, a sequência textual predominante nesse

enunciado é a instrucional, pois o objetivo é levar à execução de uma ação. O

enunciador (o sobrinho) que propõe os comandos e de um enunciatário (a tia), a quem

se dirigem as instruções a serem executadas.

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Percebe-se logo de início que o produtor é leitor de textos instrucionais,

sobretudo referentes à aparelhos tecnológicos, pois escolhe o gênero do enunciado,

elabora os procedimentos composicionais e utiliza os recursos linguísticos objetivando

a dialogicidade.

Com uma estrutura linear ordenada temporalmente, apresenta coerência em

suas três partes distintas, a saber:

1) Vocativo ao destinatário explicando o que se encontra dentro do envelope;

2) Em “como colocar” apresentação dos comandos a serem efetuados;

3) Duas observações que o autor do texto considera lembretes importantes.

A função sócio-comunicativa entre o produtor e interlocutor indica as ações

que deverão ser operacionalizadas no texto através dos verbos na voz ativa “pegue”,

“procure”, “encaixe-o “vire”. Na sequência 2, em “como colocar” percebe-se a coesão

entre os elementos. O emprego de operadores argumentativos apropriados ao

encadeamento das ações (primeiro, depois, por último) permitindo a sequência lógica

das ações a serem executadas pelo interlocutor para a concretização das instruções.

Emprega uma linguagem comum e direta, frases objetivas de fácil

compreensão. A relação locutor/interlocutor é efetiva e não simulada. A injunção tem

o caráter discursivo de ordem.

O grupo semântico do vocabulário usado é específico do aparelho eletrônico,

celular, através das palavras como: “cabo”, “adaptador”, “carregador de celular”...

O texto foi construído por uma sucessão lógica de etapas a executar com o

estabelecimento da inter-relação entre emissor texto e receptor de forma dialógica. O

enunciador na posição de sobrinho sugere comandos, de forma sistematizados, na

perspectiva de que a receptora, sua tia, concretize as ações para dar a carga

necessária ao celular.

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A linguagem neste texto tem uma função social específica: o dizer do produtor

do texto comunicado de forma explícita, através de micro ações que induz o receptor

a concluir uma macro ação específica que deseja: carregar o celular .

O receptor reconhece o produtor do texto como alguém que seguramente tem

conhecimentos sobre o assunto e isso garante o sucesso da interação, a dialogicidade.

6. Proposta de sequência didática

Como o texto é de um estudante que cursa o 8º ano do ensino fundamental,

passaremos a apresentar, detalhadamente, os procedimentos da sequência didática

para alunos desse nível escolar.

Podemos enumerar alguns objetivos para a sequência didática: a)Perceber a

função social do gênero injuntivo estabelecendo uma relação de sentidos entre o texto

e a experiência (universo comunicacional do aluno); b) Reconhecer o gênero injuntivo,

sua organização estrutural, características, etc. e c)Estabelecer relações lógico-

discursivas em atividades de leitura, produção e reescrita de textos.

Seguiremos as etapas propostas por Dolz, Noverraz e Scheneuwly (2004)

Apresentação da situação – o professor deverá apresentar a proposta de

trabalho com os alunos. Nesse primeiro momento o professor deve instigar os alunos

para que eles possam expressar os conhecimentos prévios acerca de circunstâncias

comunicativas práticas, dos quais fazemos parte cotidianamente. Algumas questões

poderiam ser: qual atitude que uma pessoa deve adotar quando questionado sobre

como fazer uso de um aparelho eletrônico que ela não se mostra capaz de manuseá-

lo? Como se sente na necessidade de ingerir um medicamento, mas que não tem

ciência de sua posologia? Como proceder quando vai praticar um esporte radical e

precisa saber como se prevenir para evitar acidentes? Sabem o que é um texto

instrucional? Quais textos instrucionais você já teve contato? O professor também

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poderá discutir com os alunos sobre a proposta de produção final que será realizada

ao término de todo o trabalho.

Primeira produção - 1. O professor deverá organizar os estudantes em grupos e

distribuir entre eles diversos tipos de manuais de instrução de diversos aparelhos:

eletrodomésticos, de informática, esportivos, eletrônico, propaganda, etc. para que haja, um

primeiro encontro com o gênero” (DOLZ, NOVERRAZ E SCHENEULY (2004, p.101); OBS.: essa

primeira atividade serve como sondagem inicial. Ela é interessante porque põe os alunos em

contato com textos injuntivos proporcionando questionamentos diversos; 2. Solicitação para

que leiam os respectivos textos entregues aso grupos observando a organização

estrutural e características do texto; 3. Elaboração pelos grupos de um novo texto

instrucional com base no texto lido. Momento rico para que o professor obtenha

informações sobre o que os alunos sabem e quais suas preferências em relação aos

textos instrucionais; por fim 4. De posse dos textos produzidos pelos alunos o professor

deverá fazer uma análise extra-classe e elaborar as atividades que serão desenvolvidas nos

módulos.

Módulos – Nessa etapa, o professor deverá trabalhar como os problemas identificados

na produção inicial. Para isso elaborará uma série de atividades. . O professor deverá fazer

seleção e adequação conforme nível e interesse da turma. É necessário que o professor gradue

os níveis de dificuldades apresentadas conforme a especificidade do gênero em foco: focalizar

o destinatário, a finalidade do texto, o papel do interlocutor, os propósitos comunicativos, a

função do gênero textual, a adequação dos verbos, do vocabulário, etc.; Em todo esse

processo o professor deverá ficar atento para trabalhar com atividades de leitura, produção

textual, reescrita de textos e análise linguística.

O trabalho com a reescrita do texto deve ser feita por etapas, conforme dificuldades

apresentadas pelos alunos e evidenciadas nos textos: dificuldades de léxico, estrutura frasal,

coesão e coerência, conectivos, pontuação, grafia, concordância, etc. que prejudicam a

qualidade da sua expressão escrita. O professor deve organizar as atividades de forma gradual

e nunca trabalhar com todas as dificuldades apresentadas de uma só vez.

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Algumas atividades de reescrita poderiam ser: o professor grifa trechos e/ou tópicos

do texto, elabora cópias e entrega-as aos alunos para que eles observem e façam as correções

apresentadas pelo professor; o professor pode também elaborar uma questão enfatizando

elementos do texto (estruturais, gramaticais, discursivos...) e solicitar aos alunos para que

observem se os referidos elementos estão presentes no texto e se caso não estejam que façam

a adequação, conforme proposto, etc.

Produção final - momento da elaboração de um texto real, de circulação social.

De posse dos textos reescritos, o professor poderá combinar com os alunos o que deverá ser

feito com eles: expô-los no mural coletivo da escola, organizar uma coletânea de textos que

fará parte do material de leitura da sala ou produzirem um livro ou outras sugestões

apresentadas pelos alunos.

Não se esquecer de que a avaliação será constante durante todo o

desenvolvimento da sequência didática, ou seja, o professor deverá observar a

participação e o interesse dos estudantes ao fazerem as atividades propostas.

Considerações finais

A produção do bilhete com instruções para o uso do carregador do celular

permitiu-nos perceber os gêneros como objetos disponíveis na sociedade, mas que em

seus contextos comunicativos, permitem flexibilidade e autonomia linguística por

parte dos usuários da língua.

A análise do texto permitiu-se compreender as interlocuções e a dialogicidade.

O trabalho com sequências didáticas possibilitou-nos entender a lógica do

gênero discursivo trabalhado em sua estrutura, suas características, implicações

linguísticas, textuais, enunciativas. Em sala de aula com o gênero discursivo,

especificamente com o instrucional há umaperfeiçoamento da capacidade de se

expressar por escrito de forma sistematizada, respeitando a função social do gênero e

também considerando os aspectos de produção, circulação e recepção de um texto.

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Assim, estabelecer conexões entre os novos paradigmas tecnológicos

evidenciados nas produções dos usuários e a prática pedagógica do professor de LP

poderá contribuir no aperfeiçoamento da língua e potencializar a apropriação de

novos conhecimentos.

Referências bibliográficas

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