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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG FACULDADE DE DIREITO - FD PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO NÍVEL MESTRADO SÉRGIO RICARDO MOREIRA DE SOUZA A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO RURAL Goiânia 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG

FACULDADE DE DIREITO - FD

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO

NÍVEL MESTRADO

SÉRGIO RICARDO MOREIRA DE SOUZA

A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO

RURAL

Goiânia

2012

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SÉRGIO RICARDO MOREIRA DE SOUZA

A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO

RURAL

Dissertação de Mestrado do Programa de

Pós-Graduação em Direito da

Universidade Federal de Goiás,

apresentada como requisito parcial para

obtenção do Título de Mestre em Direito

Agrário.

Orientador: Prof. Dr. João da Cruz

Gonçalves Neto.

Goiânia

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

SOUZA, S.R.M. de.

A redução das desigualdades sociais e o acesso às novas tecnologias de

informação e comunicação / Sérgio Ricardo Moreira de Souza Goiânia GO 2012.

Dissertação - Universidade Federal de Goiás _ UFG

Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário, 19 de março de 2012

Orientador: Prof. Dr. João da Cruz Gonçalves Neto

1- Desigualdade social – tecnologias de informação e comunicação –

vida pública – meio rural

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Sérgio Ricardo Moreira de Souza

A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO

RURAL

Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Direito da Universidade Federal de

Goiás, apresentada como requisito parcial para

obtenção do Título de Mestre em Direito Agrário.

Orientador: Prof. Dr. João da Cruz Gonçalves

Neto.

Defesa de dissertação realizada em ______ de ____________ de ________, pela Banca

Examinadora constituída pelos Professores.

________________________________________

Prof. Dr. João da Cruz Gonçalves Neto

Presidente da Banca

________________________________________

Prof.ª Dr. Nivaldo dos Santos

________________________________________

Prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto

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“Dedico este trabalho a minha amada esposa Lílian, que com sabedoria e apoio irrestrito me incentivou a

mergulhar na pesquisa científica, com prazer e dedicação.”

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a minha mãe, Maria Lúcia, por uma vida de incentivo aos estudos.

Agradeço aos colegas do Mestrado, Júnior, Luciana, Rangel, Cláudio Grande, Henriques e

Gustavo pelo apoio durante a jornada que enfrentamos juntos.

Agradeço à Andréia, colega do Mestrado que sempre foi minha “Guru” para assuntos

profissionais, nunca se furtando a estender sua mão.

Agradeço ao amigo Cláudio Porto, companheiro de Mestrado e de docência, sempre uma ótima

companhia.

Agradeço a meu orientador pelo incentivo a realização deste árduo e recompensador estudo sobre

a democracia.

Agradeço ao Prof. Eduardo Gonçalves Rocha, colega de docência na Faculdade de Direito da

UFG/Cidade de Goiás, pela fundamental contribuição para a definição da estrutura desta

Dissertação.

Agradeço às Professoras Heloísa Dias Bezerra e Marta Rovery de Souza, ambas do Programa de

Mestrado em Sociologia da UFG, por ter ministrado aulas que foram inspiração para o

enfrentamento do tema abordado nesta dissertação e para a contribuição a meu entendimento

acerca do que se tratam os métodos e técnicas de pesquisa científica, respectivamente.

Agradeço aos colegas da sociologia, Thiago, Patrícia, Murilo, Régis, Uyanã e demais colegas

pela paciência que tiveram comigo durante as aulas.

Agradeço, também, a todos que de alguma maneira foram luz para que eu pudesse vencer com

dignidade os desafios da pesquisa acadêmica.

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RESUMO

A maneira de se exercer a cidadania na esfera pública é de extrema relevância para a condução

das relações do ser humano com seus concidadãos, e pode contribui para a redução das

desigualdades sociais e para a exclusão social. E durante cada período histórico, as técnicas ou

tecnologias de informação e comunicação foram não apenas o suporte para a propagação do

conhecimento, mas para reunir grupos que tinham interesses convergentes, fossem eles

articulados para a realização do bem público, do interesse comum ou privado. A concentração

destas técnicas ou tecnologias por parte de um grupo restrito da sociedade provoca desequilíbrio

no convívio social, uma vez que é latente o poder de manipulação que acompanha o uso destes

meios de transmissão da linguagem. O objetivo da presente dissertação é analisar os impactos da

utilização das novas tecnologias de informação e comunicação para o processo democrático, à luz

da teoria constitucional democrática e verificar se as políticas públicas de inclusão digital rural do

Governo Federal são democráticas e constitucionais. Para isto, será usada a tese da linha crítico-

metodológica, bem como a investigação do tipo histórico-jurídico e a pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Desigualdade social, Tecnologias de Informação e Comunicação, Vida Pública,

meio rural

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ABSTRACT

The way to exercise citizenship in the public sphere is extremely important for the conduct of

relations between human beings and their fellow citizens, and can contribute to reducing social

inequalities and social exclusion. And during each historical period, techniques or technologies of

information and communication were not only support for the spread of knowledge, but to bring

together groups that had converging interests, be they articulated for the realization of the public,

private or common interest. The concentration of these techniques or technologies by a small

group of society causes imbalance in the social life, since it is the latent power of manipulation

that accompanies the use of these means of transmission of the language. The purpose of this

paper is to analyze the impacts of the use of new information and communication technologies to

the democratic process in the light of democratic and constitutional theory verify that the policies

of digital inclusion in rural Federal Government are democratic and constitutional. For this, the

thesis will use the line-critical methodology, and research the type-legal and historical literature.

Keywords: Social Inequality, Information and Communication, Public Life, Rural Areas

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LISTA DE ABREVIATURAS

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

CATI – Comitê da Área da Tecnologia da Informação

CETIC – Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação

CGI – Comitê Geral da Internet

CGPID – Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

CNJ – Conselho Nacional de justiça

CTN – Código Tributário Nacional

FHC – Fernando Henrique Cardoso

GESAC – Governo Eletrônico – Serviço de atendimento ao cidadão

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MC – MiniCom

MCI – Marco Civil da Internet

MCTI – Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST – Movimento dos Trabalhadores sem Terra

NMS – Novos Movimentos Sociais

ODF – OpenDocument format

PNBL – Programa Nacional de Banda Larga

SID – Secretaria de Inclusão Digital

STF – Supremo Tribunal Federal

TI – Tecnologia de Informação

TIC – Tecnologia de Informação e Comunicação

TELEBRÁS – Telecomunicações Brasileiras

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1: A constituição do novo espaço (de fluxo) global................................... 18

1.1 As fases da esfera pública que precederam o paradigma do espaço de fluxos da

Revolução da Informação. ..............................................................................................

19

1.2 Espaço de fluxos, o novo espaço público ................................................................. 39

1.3 As alterações sociais, políticas, econômicas e culturais da Era

Informacional...................................................................................................................

50

1.4 A exclusão digital ..................................................................................................... 62

CAPÍTULO 2: O Direito Constitucional Democrático como solução para a

facticidade .......................................................................................................................

67

2.1 A crise de legitimidade ............................................................................................. 68

2.2 A Teoria Constitucional Democrática ...................................................................... 72

2.2.1 Os institutos jurídicos que se concretizam na participação política ativa

dos cidadãos ...................................................................................................................

85

2.2.1.1 O cidadão e o controle político. As modalidades de

accountability..................................................................................................................

87

2.2.1.2 Controle judicial ............................................................................... 94

2.2.1.3 Controle exercido pelos Poderes Constituídos ................................. 99

2.2.1.4 Mutação normativa ........................................................................... 101

2.3 Princípios Fundamentais como aporte ao princípio do controle .............................. 103

CAPÍTULO 3: O Programa Nacional de Banda Larga ..................................................

117

3.1 Políticas Públicas de inclusão digital antecedentes ..................................................

118

3.2 A sintonia entre o Constitucionalismo Democrático e o Projeto de Lei do Marco

Civil da Internet e a ameaça advinda dos Projetos de Lei dos cibercrimes ....................

123

3.3 O Programa Nacional de Banda Larga .....................................................................

130

3.3.1 A inconstitucionalidade dos Comitês criados pelos Decretos n° 4.829/2003;

n°25/2008; n° 6.948/2009, à luz do artigo 187 da CRFB/88 ..........................................

133

4 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 135

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5 Referências Bibliográficas............................................................................................ 140

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Introdução

Os termos desigualdade e exclusão, assim como a maioria dos termos e expressões

ganham novos contornos em decorrência das mudanças de organização de um corpo político e

dos valores que formam seu alicerce. Santos (1999) faz uma clara distinção entre a desigualdade

no Antigo Regime e no Estado Moderno. Naquele, a desigualdade era algo natural, intrínseca a

sociedade estratificada. Neste, considerado na sua origem, ou seja, estruturado para o

desenvolvimento da sociedade de mercado capitalista, a hierarquia definida pelo capital

proporcionava uma desigualdade entre capital e trabalho tolerável. Mas o resultado do laissez-

faire foi a enorme disparidade entre seus membros, explicitando o fracasso do modelo de Estado

Liberal a partir das mazelas produzidas pelo sistema.

E o aprofundamento da desigualdade social forçou reflexões e a busca por novos

paradigmas de organização de Estado, culminando no Estado Social1 e no Estado de Bem-estar

social2. Todavia, estes paradigmas não resolveram a disparidade insustentável entre os membros

da sociedade, tendo em vista que não tiveram o propósito de abertura da esfera pública para a

participação dos cidadãos nas deliberações e tomadas de decisões, como método para alcançar

este objetivo (HABERMAS, 1992a).

A desigualdade social na República Federativa do Brasil, país de território com

dimensões continentais, é um problema que tem como causa não apenas seu tamanho ou a

colonização portuguesa. Colonização que pretendia extrair riquezas para o avanço da Metrópole,

em detrimento de um planejamento que trouxesse organização social, política e econômica a até

então Colônia (HOLANDA, 1977). Tem como causa também o papel a se cumprir num cenário

internacional, com fatos que impõem durante os quinhentos anos que se sucederam às invasões

1 O Estado social de direito é uma evolução do Estado Liberal de direito concretizada no início do século XX, “[...]

produzindo-se a passagem do Estado liberal (marcado pela idéia de limitação ao poder) para o Estado social

(caracterizado pela participação no poder) (SOARES, 2000, p. 86). Soares conclui sua análise da metódica dos

direitos fundamentais no Estado social de direito, no item 2.3 da referida obra dizendo que “[...] não tendem a

absorver ou anular a liberdade individual, mas visam a garantir o pleno desenvolvimento da subjetividade humana”

(2000, p. 87).

2 “A promessa capitalista na Europa era de criar um Estado de Bem Estar Social que tivesse uma preocupação

cuidadosa com o cidadão, com cada cidadão, dando-lhe saúde, escola, paz e velhice digna, além de um trabalho que

o mantivesse altivo e orgulhoso de sua produção” (MARÉS, 2003, p. 83).

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portuguesas, o papel de ser suporte ao permanente acúmulo de capital dos países mais poderosos

(FAORO, 1979). Posição que volta com força total, com as comodities.

A presente dissertação versa sobre a desigualdade social e a exclusão, consequência do

Estado Moderno com vestes liberais, que assolam um enorme contingente de cidadãos do Centro-

Oeste do Brasil nos dias atuais, precipuamente no que concerne à disparidade de acesso à

internet. A exclusão e a desigualdade social são calcadas na falta de efetivação de princípios

consagrados no Estado Moderno e dispostos na Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988 (CRFB).

Um destes princípios é o da igualdade. Sua inobservância se traduz na falta de paridade

para os cidadãos do Brasil terem acesso à estrutura que os auxilie no desenvolvimento de suas

capacidades, inclusive de acesso e uso da internet. A ausência de simetria entre os cidadãos

soterra a democracia quando inviabiliza que o desenvolvimento no meio rural seja semelhante ao

do urbano, respeitadas as culturas de cada região. Traduz, dentre outros, na carência de

possibilidade de participação política de maneira equitativa, gerando o mais grave dos problemas

que aprofundam a desigualdade e a exclusão sociais, qual seja, o reiterado descumprimento do

paradigma do constitucionalismo democrático.

E é flagrante a disparidade de condições de participação política, tanto na escolha dos

representantes eleitos e nas deliberações que precedem e dão contorno às tomadas de decisões

sujeitas ao Processo Legislativo Constituído, quanto no processo constitucional de controle da

atuação dos representantes eleitos durante o cumprimento do mandato com a accountability

concomitante e regressiva. Disparidade corrente em sociedades que prendem apenas a

democracia representativa, e não dão abertura à prática simultânea da democracia deliberativa.

Analisando a CRFB, percebe-se que a sociedade, no intuito de reverter a desigualdade

social, dispôs sobre o modelo de democracia participativa, a ser exercido pelo cidadão para a

construção permanente da sociedade. Em um país que pretende ser de cidadãos ativos na esfera

pública, é indispensável se questionar qual a melhor maneira dos cidadãos terem acesso à

informação e buscarem o entendimento pelo uso da linguagem nas deliberações (HABERMAS,

1992a, 1992b). Isto para que suas propostas sejam consideradas quando das tomadas de decisões

nos “[...] processos institucionalizados da formação democrática da opinião e da vontade”

(HABERMAS, 1992b, p. 105). À época da promulgação da CRFB os instrumentos conhecidos

era o plebiscito, o referendo, bem como fóruns e assembléias onde cidadãos deviam se reunir

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para as deliberações e formação da opinião e da vontade. A internet ainda não era um meio de

comunicação. Internet já fazia fax

Pensar a maneira de incorporar a democracia deliberativa no cotidiano do cidadão

brasileiro com vistas à redução das desigualdades sociais ganhou novos contornos com a

Revolução das Tecnologias de Informação nas últimas décadas (dec 70 em diante). A partir de

meados da década de 90 do século passado a difusão das novas Tecnologias de Informação e

Comunicação (TIC) inaugura novo debate. A expectativa dos primeiros a analisarem a

repercussão das novas TIC para a democracia era que as novas TIC pudessem resolver de vez os

efeitos da desigualdade social por possibilitar a aproximação entre representantes eleitos e

representados (EGLER, 2008).

A euforia da expectativa em torno das novas TIC foi freada e dúvidas surgiram quanto a

solução do déficit de democracia vir pelo uso das novas TIC. Diversos estudos nos mais variados

e complexos campos de atividade humana vêm sendo desenvolvidos. E a questão da inclusão

digital como um dos instrumentos para a redução das desigualdades sociais entra em voga, já que

é indiscutível que há nas novas TIC uma enorme capacidade de auxiliar a transformação da

sociedade. E neste contexto de alteração profunda o ser humano entra no século XXI

(SANTAELLA, 2003).

Assim, será demonstrado que a redução da desigualdade social, enquanto objetivo

fundamental disposto no artigo 3° da CRFB, e a necessidade da devida a inclusão digital no meio

rural são indissociáveis. Este nobre objetivo fundamental da sociedade brasileira, questão de

direito, não se implementará sem uma efetiva participação dos trabalhadores rurais nas

deliberações e tomadas de decisões referentes às Políticas Públicas rurais. Todavia, para que os

Poderes Constituídos considerem as ponderações que vem da sensibilidade dos envolvidos,

mister que estes ocupem o cenário político na qualidade de membros iguais e livremente

associados, contribuindo para as deliberações e tomadas de decisões definidoras de políticas

públicas que lhes afetam (HABERMAS, 1992a). Promover a aproximação entre os cidadãos do

meio rural e os integrantes dos Poderes Constituídos é indispensável para a redução das

desigualdades sociais.

Os objetivos da presente dissertação são analisar a chegada e os impactos da Revolução

informacional para a reconfiguração da esfera pública. Abordar o paradigma do

Constitucionalismo Democrático com vistas a elucidar a postura que se espera dos cidadãos na

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construção das regras de convívio social. Ainda, analisar as políticas públicas que visam

disponibilizar o acesso e utilização da internet no meio rural e verificar se a inclusão digital no

Brasil atende à efetivação dos Direitos Fundamentais e da redução das desigualdades sociais.

Para tanto, comparar a inclusão digital nos meios rural e urbano, a partir de pesquisa de campo

realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.Br.

A fim de se contemplar os objetos da pesquisa será utilizada a tese da linha crítico-

metodológica que “[...] insere-se na versão postulada pela teoria do discurso e pela teoria

argumentativa” (GUSTIN, 2006, p. 21). Por este método, defende-se que o pensamento jurídico é

tópico, e não dedutivo; é problemático, e não sistemático. Tópico e problemático por não partir

da compreensão do todo de maneira sistemática para a solução das questões postas pela

sociedade complexa. Mas sim, da analise o problema a partir de pontos de vista diversificados,

expostos no discurso que se realiza na esfera pública aberta de interpretes, para o alcance de

decisões que considerem não apenas os interesses defendidos por representação, mas pela

participação efetiva do cidadão na esfera pública (GUSTIN, 2006).

Será realizada a investigação do tipo histórico-jurídico (GUSTIN, 2006) acerca da

evolução da interação entre representantes e representados, através da técnica de pesquisa

documental bibliográfica (SILVA, 2002).

Mediante pesquisa bibliográfica constata-se que movimentos sociais tem feito uso da

internet para alcançar seus intentos. Sendo que tal ferramenta tem o condão de aproximar os

representados dos representantes eleitos e fortalecer o processo democrático, visto como

inacabado, em construção permanente, tendo em vista que o incremento da esfera pública facilita

a captação das necessidades de cidadãos que não gozam de efetiva participação na democracia

exercida de maneira representativa.

O movimento camponês do México conhecido como Zapatismo é o primeiro

movimento de guerrilha informacional. Fez uso da internet, enquanto comunicação alternativa,

para contestação política. Os Zapatistas realizaram algo temido pelos organizadores da nova

ordem, utilizar a internet como forma de pressionar os governos perante a comunidade

internacional ao denunciar abusos e expor suas idéias (CASTELLS, 2006). Cidadãos do Irã,

Egito e Líbia, dentre outros, tem recorrido à internet nos últimos anos para contestar a

organização social a que estão submetidos. No Brasil, a violência encoberta pelo isolamento do

homem do campo sempre foi um poderoso aliado dos grupos dominantes, e uma das causas ao

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aprofundamento da desigualdade social (MARTINS, 1996; LOUREIRO, V., GUIMARÃES, E.

C., 2011). E a partir da experiência daqueles países, percebe-se a importância do acesso à internet

para a mudança desta realidade.

Com vistas a refletir sobre a constitucionalidade da difusão das novas TIC no Brasil, o

primeiro capítulo abordará a mudança de paradigma imposta pela Revolução Informacional. Será

analisado como se constitui(u) o novo espaço público, um espaço onde circulam fluxos dos mais

variados bens à disposição do ser humano. As alterações sociais, políticas, econômicas e culturais

da Era Informacional serão analisados em seção específica, assim como o processo de exclusão

digital, e suas implicações para o aprofundamento da desigualdade social em patamares até então

impensáveis.

O segundo capítulo foi dedicado à análise da existência de um núcleo central dos

paradigmas do Constitucionalismo no Estado Moderno. Reflete-se sobre a Teoria Constitucional

Democrática e suas implicações para a esfera pública. O escopo foi verificar se o paradigma de

democracia participativa, disposto na CRFB, pode resolver a crise de legitimidade das leis através

da abertura política praticada com o suporte de institutos jurídicos de controle e de princípios

fundamentais. Também, se municia o cidadão de argumentos para compelir os Poderes

Constituídos a promover e disponibilizar meios para os cidadãos se inserirem na esfera pública.

Sendo a ferramenta internet a mais eficaz para o alargamento da esfera pública. Com isto,

deliberarem e formarem suas opiniões e vontades para que se tomem decisões legítimas.

O terceiro capítulo abordará a política pública nacional de inclusão digital rural,

precipuamente o Programa Nacional de banda Larga - PNBL. Será verificada a maneira de

planejamento e execução da referida Política Pública. Para tal, serão analisados Projetos de Lei

que tem repercussão, ainda que indireta, na liberdade e na neutralidade da utilização da internet.

Serão abordadas as políticas públicas de inclusão digital rural, antecedentes ao PNBL, e a

maneira com que foram conduzidas. Será debatido qual tipo de software é mais salutar para a

difusão da internet nos projetos públicos de inclusão digital, se o software livre ou o comercial.

No II Plano Nacional de Reforma Agrária há o reconhecimento de que a

comercialização dos produtos agrícolas precisa de atenção especial. Tanto é que em vários pontos

aborda a atividade de comercialização. Num dos pontos menciona que:

A comercialização da produção dos assentados provocou não apenas a dinamização ou

até mesmo a recriação de canais tradicionais, como é o caso das feiras na região

nordestina, como também a emergência de pontos de venda próprios (feiras de

produtores), formas cooperativas, experiências relativamente bem sucedidas de

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transformação do produto para venda por meio da implantação de pequenas

agroindústrias, constituição de marcas para comercializar a produção e de um mercado

específico para os “produtos da reforma agrária” (MINISTÉRIO DO

DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2003, P. 9).

Em que pese os benefícios acima descritos e a importância da afirmação dos

assentamentos perante a população, entende-se que a internet reconfigura a noção de espaço

(CASTELLS, 2006), de maneira que com acesso e educação digital, o homem do campo poderá

dispor seu produto para um mercado além dos espaços que o Poder Executivo Federal afirma que

foram revigorados com o II PNRA.

Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (2011), demonstra

que o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) tem muitos desafios para consolidar uma

política de inclusão digital, considerada sob três aspectos básicos, a saber: a disponibilidade de

acesso; a existência de conteúdo adequado; e a capacitação dos usuário.

A presente dissertação apontará se as políticas públicas de inclusão digital rural

democratizam ou não as relações socioeconômicas, perpetuando o julgo do homem do campo,

cada vez mais vulnerável à imposição da economia capitalista com seu insustentável modo de

vida consumista. Ainda, se as políticas públicas de inclusão digital rural são suficientes ou não

para redução das desigualdades sociais.

Importante refletir os motivos para a manutenção das desigualdades sociais, que

perpetua a hegemonia de terminados grupos da sociedade. É com reflexão neste sentido que

poderá elucidar os rumos da efetivação da inclusão digital no meio rural.

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Capítulo I: A constituição do novo espaço (de fluxo) global

O espaço de fluxos é a característica da Era informacional de maior relevância para a

análise do impacto das novas Tecnologias de informação e Comunicação (TIC) em todas as

searas da vida humana, inclusive no modo de exercício da democracia.

Na seção 1.13 será abordada a evolução da esfera pública enquanto local de interação

social, e as seções seguintes serão dedicadas à análise minuciosa da Era informacional.

3 No presente capítulo está contido quase integralmente artigo publicado por este mestrando no decorrer das

pesquisas que resultaram na presente dissertação, com poucas alterações. Disponível em

http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/florianopolis/Integra.pdf .

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1.1 – As fases da esfera pública que precederam o paradigma do espaço de fluxos

da Revolução da Informação.

No decorrer da história da humanidade, a relação entre os seres humanos na esfera

pública tem variado quanto ao grau de importância e modo de ser vivenciada (SENNETT, 1998),

estando intimamente ligada à organização política do Estado e a maneira de se utilizar as

tecnologias à disposição. Segundo Santaella (2003, p. 14), “É certo também que, em cada período

histórico, a cultura fica sob o domínio da técnica ou da tecnologia de comunicação mais recente”.

Isto faz com que a interação entre os membros de uma mesma comunidade, sofra alterações que

repercutirão na participação política presente no processo de construção permanente da sociedade

e, consequentemente, na legitimidade das regras de convívio social e sentimento de

pertencimento ao corpo político.

Analisando esta relação sob a perspectiva do que vem a ser “público” e “privado”, de se

notar que o conceito destas palavras se altera com o passar do tempo, da mesma maneira que

ocorre com o significado de termos e palavras de um modo em geral. Segundo Pitkin (2006, p 15)

“No campo dos fenômenos sociais, culturais e políticos, a relação entre as palavras e o mundo é

ainda mais complexa, pois esses fenômenos são constituídos pela conduta humana, que é

profundamente formada pelo que as pessoas pensam e dizem, por palavras”. As tecnologias

desempenharam função crucial na propagação do conhecimento e métodos de deliberação.

Na Antiguidade “público” significava bem comum. No século XVI já se tinha uma idéia

de público como “aquilo que é manifesto e está aberto à observação geral.” (SENNETT, 1998, p.

30), apesar de no início do Renascimento seu sentido ainda estar em consonância com o bem

comum e corpo político. A partir desta época sua compreensão foi sendo percebida como região

especial da sociabilidade (SENNETT, 1998).

A vida “privada” na Grécia Antiga guardava íntima ligação com a pública. Mesmo não

sendo pertinente à política dizer o que era bom para cada indivíduo, era sua função determinar o

que convinha à pluralidade (ARISTÓTELES, 1995). O grego devia ser parte do todo. A virtude

mais elevada seria a dedicação ao Estado. “É visível, pois, que a existência perfeita é

forçosamente a mesma, tanto para o homem tomado individualmente, como para os Estados e

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para os homens em geral” (ARISTÓTELES, 1995, p. 136). Conforme se verá adiante, este

entendimento se corromperá com o tempo. Não havia a noção de indivíduo do século XVIII.

A vida pública que permite influenciar nas deliberações de regras de convívio social, à

obviedade, será possibilitada na medida em que os indivíduos gozem do direito de cidadania e a

exercitem. Aristóteles (1995) trata de três formas de governo que, se analisadas à luz da abertura

para cidadania, tem num extremo a Monarquia e no outro extremo, a Democracia, além da

Aristocracia, ou governo de poucos, em posição intermediária.

Na Monarquia há exclusão quase absoluta dos membros da sociedade do processo

político, vistos apenas como súditos do Monarca, sendo este o único cidadão e o fluxo de

informações e opiniões era nulo; na Democracia, um número maior de membros participava das

deliberações segundo seus méritos e riqueza. A tranquilidade econômica era indispensável para

esta entrega ao público, vista como compromisso (ARISTÓTELES, 1995).

Não favorecer ou retirar dos homens o direito participação nas deliberações é privá-los

de se realizarem como seres humanos, de se autodeterminarem. Aristóteles entendia que “Por ai

se vê, pois, o que é o cidadão: aquele que tem uma parte legal na autoridade deliberativa e na

autoridade judiciária” (ARISTÓTELES, 1995, p. 88, grifo nosso).

As deliberações tinham procedimentos distintos entre povos contemporâneos da Grécia

Antiga, codificados cultural e socialmente. Na Pérsia, era habitual deliberar sob efeito de vinho e

no dia seguinte submeter as matérias tratadas a reconsideração para nova aprovação antes de sua

execução. Quando estavam sóbrios na primeira deliberação, a segunda sobre o mesmo assunto

ocorria à luz da influência desta bebida milenar (EPSTEIN, 1997). Em Atenas, os membros do

conselho dos 500 eram escolhidos por sorteio dentre os cidadãos com idade superior a trinta anos,

marca registrada da democracia para os gregos (FINLEY, 1983).

A quantidade de habitantes das cidades neste período, embora bastante reduzida se

comparada com os dias atuais, não possibilitava a todos os habitantes a oportunidade de

participação nas deliberações. Nos Estados que adotavam a democracia como forma de governo,

as reuniões para deliberação contavam com a adesão efetiva daqueles com direito a cidadania, o

que fazia o modo de se praticar a democracia ser tida como direta, apesar de ficarem de fora das

deliberações os metecas e os escravos, grupos que formavam a maioria da população

(NASCIMENTO, 2010).

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Outra característica que favorecia a democracia da Grécia Antiga, tal como era

praticada, era a pequena extensão da unidade territorial das cidades. Realidade diametralmente

oposta no Império Romano. O Estado, apesar de conservar o princípio da cidadania, “Votar era

uma das principais atividades dos cidadãos que viviam na Roma republicana ou que lá se

encontravam quando as Assembléias se reuniam...” (FINLEY apud Taylor, 1983, p. 107), passou

a ter um amplo território, restringindo ainda mais a cidadania, afeta apenas aos mais ricos. As

dificuldades para cidadãos sem recursos participarem da vida política de Roma eram muitas.

Havia diversas regras neste sentido, tais como o veto interposto por outro magistrado de categoria

mais elevada ou dificuldades de se fazer presente, aqueles que viviam longe da cidade de Roma

(FINLEY, 1983).

O alfabeto, invenção de 2.700 a.C, é a tecnologia grega que mais contribuiu para que o

conhecimento fosse passado por gerações, entretanto, sua utilização para desenvolvimento da

esfera pública só ocorreria com o surgimento da imprensa no século XV, como se verá adiante.

Até que o Imperador ocupou o lugar público e dominou os assuntos que deveriam ser

objeto de solução construída em deliberações públicas (REIS, 2010). Não se tinha mais

legitimidade por conta da participação nas tomadas de decisões, mas com amparo na religião.

Relegar a população à condição a meros súditos priva-a da condição de cidadã e da capacidade de

autodeterminação, uma vez que despolitiza os membros do corpo político. Conseqüência foi o

esfriamento do interesse em viver o “público” e a procura da vida “privada” em outros moldes,

que não os sufocantes de outrora.

À medida que a vida pública do romano tornava-se exangue, ele buscou privativamente

um novo foco para suas energias emocionais, um novo princípio de compromisso e de

crença. Esse compromisso privado era mítico, preocupado em fugir do mundo em geral e

das formalidades da res publica como parte deste mundo, e vinculava-se a várias seitas

do oriente Próximo, dentre os quais o Cristianismo passou a predominar. O Cristianismo

deixa então de ser um compromisso praticado em segredo para irromper o mundo,

transformando-se, ele próprio, em novo princípio de ordem pública (SENNETT, 1998,

pag.15).

Os fenômenos sociais, culturais e políticos “são constituídos pela conduta humana”

(PITKIN, 2006, p. 15). Portanto, natural que a decadência do Império Romano tenha repercutido

na maneira das pessoas organizarem suas vidas públicas e privada.

Por volta do ano 800, surgem as cartas de franquias medievais dadas pelo monarca aos

vassalos. Tais documentos são apontados como marco inicial da idéia de dir. individuais (NETO,

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1979). A conseqüência foi a progressiva ocupação da esfera público com práticas que demandam

maior participação dos membros da sociedade, mas ainda em proporções modestas se comparada

com a amplitude da participação nas deliberações que ocorrem na esfera público digital.

Segundo Pitkin (2006), na Idade Média, grupos distintos de cavaleiros e da burguesia

local, ainda não reconhecida como classe (MARX, 2007). Descobriram que tinham queixas

comuns e começaram a apresentar petições comuns. “Embora os gregos antigos tivessem várias

instituições e práticas às quais aplicaríamos a palavra “representação”, eles não tinham palavra ou

conceito correspondente” (PITKIN, 2006, p. 17). Desses movimentos de cavaleiros e da

burguesia, entende Soares (2000, p. 22),

[...] emergiram traços marcantes da evolução da organização política rumo ao Estado

moderno Europeu: a doutrina da lei injusta e do direito de resistência (formulada pela

escolástica medieval), a conquista de algumas garantias básicas de liberdade e segurança

pessoal estatuída na Inglaterra.

Mark A. Kishlansky (1986 apud URBINATI, 2006) elencou três fenômenos políticos

vinculados ao nascimento do processo eleitoral da Inglaterra do século XVII, sendo que dois tem

pertinência direta com os movimentos dos cavaleiros e burguesia local, a saber: “a transformação

dos eleitos, de delegados em representantes; e a emergência das alianças partidárias ou

ideológicas entre os cidadãos” (URBINATI, 2006, p. 195).

A Carta Magna de 1215 é frequentemente lembrada como marco deste período. O

descontentamento dos Barões com os altos tributos impulsionou a idéia de se definirem dentro de

seus pares, membros para defenderem interesses comuns perante o Rei. No mesmo ano o Papa

revogou este documento, mas ainda sim é considerado indispensável, por conta dos súditos

perceberem que o novo caminho era justamente o da reivindicação através da participação

política na esfera pública. E a via da representação era o melhor modo para se pleitear as

pretensões naquela época (SIDOU, 1998).

Este documento beneficiava diretamente os Barões, grupo forte capaz de exercer pressão

política, e só indiretamente o povo. Nenhum homem livre seria detido, a não ser em virtude de

um juízo legal de seus semelhantes e segundo a lei. Sidou (1998) diz que é superfetação apontá-la

como limiar das liberdades. Alega que os direitos coletivos do homem não são fruto de uma

época, de um só povo e muito menos brotaram num só ato. Exemplifica dizendo que isto já era

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previsto quase um milênio antes desta Carta, com o imperador Constantino, recolhida no Código

de Justiniano.

Traz a baila outros documentos anteriores à Carta Magna e que tinham em seu bojo a

presença da participação cidadã na construção da res publica, como, por exemplo, o Fuero de

León (1188), um limitador do poder absoluto dos reis, em garantia dos direitos individuais de

liberdade corpórea. Ao elegeram o rei, os aragoneses lhe entregaram as leis sob as quais havia de

governar (SIDOU, 1998). Fato este que demonstra ser cabal a importância do envolvimento dos

membros da sociedade na construção permanente da sociedade, já que a democracia deve ser

vista como um projeto inacabado, que depende da abertura às deliberações entre membros iguais

e livremente associados.

Seguindo a análise das alterações no modo de participação política no desenrolar da

história, de se dizer que o Antigo Regime se enfraqueceu em grande medida por conta de novas

mudanças na esfera de domínio público. E foram ocasionadas como natural conseqüência do

supra abordado contexto histórico da representação, que precedeu e impulsionou a burguesia a se

organizar como classe (MARX, 2007). Pressão direta para contestar a ordem até então constituída

pela incipiente classe foi exercida com o uso da tecnologia da imprensa (HABERMAS, 1984).

Para Sennett (1998), a relação com a vida pública vista como local de observação geral

foi elemento chave para se possibilitar críticas à ordem Absolutista, “a tentativa de criar uma

ordem social em meio a condições caóticas e confusas trouxe consigo ao mesmo tempo as

contradições do Antigo regime” (SENNETT, 1998, p.33). Os encontros em locais públicos das

cidades, fora do julgo dos Senhores Feudais, ocasionaram o retorno de esferas públicas política,

seja episódica, da presença organizada ou abstrata4 (HABERMAS, 1992b). Entende-se ser o

fluxo de informações e argumentos nas discussões acerca de anseios dos membros da sociedade

burguesa local, o elemento que se encarregou de identificar e dar publicidade à vontade geral

destes, aglutinando-os e contribuindo para o surgimento da burguesia enquanto classe.

Habermas (1984), se referindo aos estabelecimentos de café menciona que “No primeiro

decênio do século XVIII já existiam mais de 3.000 deles em Londres, cada um com seu circulo

íntimo de fregueses habituais” (HABERMAS, 1984, p. 48). Destarte, consoante descreve Sennett

4 “[...] esfera pública episódica (bares, cafés, encontros na rua), esfera pública da presença

organizada (encontros de pais, público que freqüenta o teatro, concertos de Rock, reuniões de

partidos ou congressos de igrejas) e esfera pública abstrata, produzida pela mídia (leitores,

ouvintes e espectadores singulares e espalhados globalmente).

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(1988), grupos sociais complexos e dispares convivem independente da vontade pessoal de cada

um. O que faz ser indispensável que o homem se adapte a nova realidade, tendo uma postura

cosmopolita, ou seja, “Homem que se movimenta despreocupadamente em meio à diversidade.

Que está à vontade em situações sem vínculo nem paralelo com aquilo que lhe é familiar”

(SENNETT, 1998, pag. 31).

Não se deve esquecer que, em princípio, somente a parte mais abastada dos membros da

sociedade freqüentava locais desta natureza. Mas houve a construção de parques públicos para

camada mais laboriosa e abertura de teatros e óperas à venda de ingressos, ao invés da

distribuição de lugares entre os aristocratas. Os teatros contribuíam para a cultura da

representação (SENNETT, 1998).

A esfera pública burguesa se apoiou no princípio da publicidade como mediadora entre a

política e a moral, indo de encontro à dominação absolutista do Antigo Regime, já que era

identificada com função política de mediação entre o Estado e sociedade (Habermas 1984). E a

imprensa escrita teve papel fundamental neste processo. Eram através dos periódicos que parte

dos membros da sociedade, denominada Terceiro Estado manifestavam as insatisfações “Os

jornais passam de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes

e condutores da opinião pública, meio de luta da política partidária” (HABERMAS, 1984, P.

214).

Durante a quebra do paradigma do Estado Absolutista e a elevação do paradigma do

Estado de direito liberal, o uso da imprensa espelhava bem a relação do homem com a vida

pública da época. A ordem social, vinda da vida pública no Antigo Regime, contestava-o.

(SENNETT, 1998).

A imprensa foi a tecnologia que amparou o aumento da participação na esfera pública do

século XVIII em virtude não unicamente pelo desejo de participação, mas em grande medida por

ter facilitado a integração entre os membros da sociedade e dado voz a quem quisesse se

expressar, mesmo com as limitações próprias desta tecnologia e os empecilhos sócio-econômicos

e políticos da época.

Ocorre que, após a derrubada deste regime, a burguesia detentora do meio de

comunicação em voga, inicia um comando da imprensa norteado por interesses políticos próprios

da classe “A autonomia jornalística de redator também é, aliás, sensivelmente diminuída nessa

espécie de imprensa que não se curva às leis do mercado, mas que serve primeiramente a fins

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políticos” (HABERMAS, 1984, p 218). A ruptura da imprensa com as características originais se

deu também quando a “imprensa se torna manipulável à medida que ela se comercializa”

(HABERMAS, 1984, p. 217), afastando-a do lugar de realização da liberdade para sacramentar o

desaparecimento do interesse geral.

Naturalmente, o consenso fabricado não tem a sério muito em comum com a opinião

pública, com a concordância final após um laborioso processo de recíproca

“Aufklärung”, pois o “interesse geral”, à base do qual é que somente seria possível

chegar a uma concordância racional de opiniões em concorrência aberta, desapareceu

exatamente à medida que interesses privados privilegiados a adotaram para si a fim de se

auto-representarem através da publicidade (HABERMAS, 1984, p. 228/229, grifo autor).

Sieyès (2001), tratando da sociedade estamental do Antigo Regime, dividia sociedade

em primeiro e segundo Estados, compostos pelo clero e nobreza. Ao passo que o Terceiro Estado

era comum aos demais membros, inclusive a burguesia “classe laboriosa – os homens das

cidades, os comerciantes enriquecidos, os fabricantes da indústria incipiente e do campesinato –

que politicamente eram denominados Terceiro Estado” (SIEYÈS, 2001, p. XXIX). Suas idéias

foram fundamentais para o embasamento das Declarações, que foram fruto das Revoluções

Liberais na França e Estados Unidos, sendo base do constitucionalismo moderno.

Diante das diferenças sociais na França, Sieyès (2001) propôs a participação política via

Assembléia Nacional Constituinte, integrada por representantes do primeiro, segundo e terceiro

Estado. Assim os deputados passariam a se reunir em uma assembléia nacional, retirando o poder

absoluto do Monarca, que ficou incapaz de exercer pessoalmente o poder político. A nação

passou a definir seus rumos por meio dos representantes, os legitimados para a definição da

opinião pública “Assim, Fraenkel equipara a opinião pública com a concepção dominante do

parlamento e obrigatória para o governo” (HABERMAS, 1984, p. 277).

E como a burguesia era a parte do Terceiro Estado mais forte economicamente, impôs

seus ideais no sistema representativo, cujos representantes do povo estavam distantes dos anseios

do proletariado e camponeses, que não tinham a devida participação na vida pública,

comprometendo o fluxo de informações e deliberações afetas ao homem do campo, logo o

afastando das tomadas de decisões, míopes aos anseios daqueles que desempenhavam as

atividades agrárias.

Torna-se claro que se o século XVIII concretizou a cidadania através da representação.

A origem desta maneira de participação política, que coaduna com a conhecida nos dias atuais,

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remonta a práticas que foram sendo alteradas no decorrer da Idade Média e no Estado estamental

(SOARES, 2000).

Hobbes (2007) entende que para o homem sair do Estado de Natureza, onde há uma

guerra constante que é de todos contra todos, é necessária a participação política limitada a abrir

mão de sua liberdade de fazer tudo quanto queira e eleger um soberano ou uma assembléia como

representante dos demais membros do corpo político, para que decidam sobre as regras de

convívio social, sem a participação, tampouco a contestação destes. A legitimidade das leis

decorreria do reconhecimento do Soberano ou assembléia enquanto tal.

Defendia Hobbes (2007), que o representante, pessoa fictícia ou artificial, agiria na

posição de um ator “As pessoas artificiais emitem palavras e ações que pertencem aqueles a

quem representam. Nesses casos a pessoa é o ator e aquele a quem pertence suas palavras e ações

é o autor”. Contudo, o protagonismo de cada cidadão, enquanto fenomenologia da cidadania

indispensável à autodeterminação dos povos, ficava alijado.

Este filósofo do século XVII é considerado precursor do Estado de direito liberal, tendo

grande influência na idéia de organização social que surge com as Revoluções Liberais um século

depois.

Para Hobbes, o modelo do indivíduo semovente, voraz e possessivo, e o modelo de

sociedade como sendo uma série de relações de mercado entre esses indivíduos, eram

fonte suficiente de dever político. Não eram necessários conceitos tradicionais de justiça,

lei natural ou determinação divina. O dever do indivíduo para com o estado era deduzido

dos fatos supostos, como estruturados no modelo humano materialista e no modelo da

sociedade de mercado. Os modelos continham as duas suposições de fatos que Hobbes

achava suficientes para a dedução dos direitos e deveres: a igualdade de necessidade de

movimento contínuo e a igual insegurança devida à igual probabilidade de intrusão de

outros, por meio do mercado (MACPHERSON, 1979, p. 277).

Um ponto da teoria de Hobbes (2007) que não encontraria acolhida na sociedade de

mercado era, justamente, quando advogava que a Soberania deveria se perpetuar através da

escolha do sucessor pelo Soberano, com vistas a se assegurar os fins colimados do Estado e, com

isto, a paz e o direito a vida.

Mas mesmo os que aceitavam substancialmente a sua análise da natureza humana e

compartilhavam de sua visão da sociedade como sendo um mercado, dentre os quais

podemos incluir Harrington e mesmo Locke, rejeitaram suas conclusões integrais.

Quando observamos quais as conclusões de Hobbes que rejeitaram e quais aceitaram,

veremos mais claramente que parte de sua doutrina é, em princípio, aceitável e que parte

é inaceitável numa sociedade de mercado....

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O que tanto Harrington como Locke achavam desnecessário e incompatível com os

únicos desígnios para os quais seria concebível que os indivíduos pudessem dar

autoridade ao poder soberano, era o fato de que o poder soberano seria colocado

irrevogavelmente nas mãos de uma pessoa ou grupo de pessoas com autoridade para

apontar seu, ou seus sucessores. Opunham-se, não ao poder perpétuo do soberano, mas à

autoperpetuação da soberania de uma pessoa ou grupo de pessoas (MACPHERSON,

1979, p. 100/101).

De se dizer que os acontecimentos também não corroboraram integralmente a teoria de

Hobbes. “O fato de ter a sociedade inglesa chegado rapidamente a ser governada por um corpo

soberano, sem o poder de se perpetuar, mostra que a receita completa de Hobbes não era

necessária para a manutenção de uma sociedade estável” (MACPHERSON, 1979, p. 102).

No século seguinte, a crença no ator e na representação como meio de participação

política se enraíza na cultura ocidental. Cada vez mais o povo se amadurecia para enfrentar a

quebrar do paradigma do Absolutismo, e dar início à Revolução Liberal, institucionalizando a

representação como meio de exercício de cidadania.

Em que pese toda relevância do pensamento de Hobbes, são as teorias de Locke,

Rousseau e Montesquieu que irão ser o alicerce das Revoluções do século XVIII. Locke (1998)

justificou a aquisição de propriedades através do trabalho e o direito do cidadão em definir a

organização social com base no contrato social, definido entre os representantes dos indivíduos. E

com os metais preciosos não ocorreria o desperdício reprovável, estimulando-se as relações

mercantis intersubjetivas, que dariam conta de regular o convívio social. Ao Estado cabia intervir

o mínimo nas relações, e se preocupar em assegurar os direitos à vida, liberdade e propriedade,

este com caráter absoluto. A legitimidade da vida pública se despontava na medida em que

viabilizava os interesses privados (REIS, 2010).

Destarte, o ideal do Laissez-faire tinha terra fértil para seu desenvolvimento. Mas o

Laissez-faire não era puro; para o desenvolvimento da sociedade de mercado possessivo, a

intervenção do Estado se fazia indispensável diante dos intensos reflexos na sociedade.

Parte da regulamentação se destinava, certa ou errada, a promover a indústria e o

comércio; em sua maior parte era destinada a prevenir ou reduzir as flutuações do

mercado. Foi em grande parte pelo fato de tantos homens estarem então dependendo de

empregos, e seus empregos dependendo dos caprichos dos mercados de artigo de

consumo que produziam o desemprego cíclico numa escala que ameaça a ordem pública,

que os governos foram forçados a interferir de modo tão vigoroso (MACPHERSON,

1979, p. 72/73).

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E se esta era a postura do Estado, indispensável que todos os grupos ou camadas da

sociedade tivessem participação política ativa na construção da sociedade. Como neste momento

da história do homem, o modo de se praticar democracia era mediante a representação política,

mister que tivesse o condão de contemplar todos os grupos contidos na sociedade, sem as

manipulações dos mais afortunados. A proposta de representação política era nivelar os membros

da sociedade através da esfera pública, e afastar as desigualdades oriundas da concentração de

poder na esfera privada.

Por um lado, concentração de poder na esfera privada do intercâmbio de mercadorias e,

por outro, a esfera pública estabelecida, com sua institucionalizada promessa de acesso a

todos, reforçam uma tendência dos economicamente mais fracos: contrapor-se, agora

com meios políticos, a quem seja superior graças a posição de mercado (HABERMAS,

1984, p. 173).

De se dizer que estender os direitos políticos a todos era necessário para justificar a

ruptura com a sociedade estamental do Antigo Regime. Todavia, a devida efetivação dos direitos

políticos não era do interesse da classe Burguesa que, por ter o controle da imprensa, corrompeu

seu uso e passou a dominar e a ditar as idéias que deveriam ser tidas como as corretas (MARX,

2007). Entendimento corroborado por Macpherson (1979, p. 155),

Esses direitos econômicos, como os civis e religiosos eram exigidos para todos. Na

prática, naturalmente, os direitos de produzir, comerciar, etc., só podiam ser usufruídos

pelos que detinham o controle do próprio trabalho. Os assalariados, enquanto

assalariados eram incapazes de usá-lo. Mas os direitos precisavam ser instaurados de

forma completamente generalizada, de modo a assegurá-los aos que deles podiam

usufruir....

O direito político à voz para escolher representantes era diferente. Estava baseado, como

os outros, na concepção da essência humana como sendo a liberdade, e da liberdade

como sendo estado ativo da propriedade da própria pessoa e das próprias capacidades,

mas não era necessário reivindicá-lo para todos.

No século XVIII a busca pela felicidade tem relação com os direitos humanos, e não

mais na busca de anseios comuns à vida pública e privada. “A noção de direitos humanos provém

de uma oposição entre natureza e cultura”. Identificava-se o natural com o privado e a cultura

com o público. E como a natureza do século XVIII não corroborava com a superstição medieval,

toda vez que o homem se sentisse injuriado por práticas culturais podia se posicionar contrário a

elas. Atitude que punha a prova a cultura e fortalecia a noção de indivíduo (SENNET, 1998).

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A partir destas alterações sociais, culturais e políticas, o homem derrubara o argumento

que legitimava regras de convívio social, quais sejam, as práticas previamente postas, ancoradas

no Poder Divino e fechadas à deliberação. Regras desta estirpe se tornavam arbitrária.

Neste período, Rousseau, o maior defensor da democracia direta, propõe a organização

social mediante contrato cunhado na vontade geral, entendida como “o que há de comum à

infinidade de vontades particulares, o que está presente em cada uma delas mas transcende a

todas, isto é, aquilo que nelas se orienta para a realização do bem comum” (VITA 1991, p. 217-

218).

Assim, o Poder soberano se deslocaria do Estado, para ser emanado do Povo

(ROUSSEAU, 1973). Sua teoria foi uma das que contribuiu para a crise do paradigma

Absolutista, em detrimento ao paradigma do Estado de Direito Liberal, sendo adotada após as

Revoluções Liberais. O grande perigo consistia na predominância do interesse da maioria ante o

interesse comum, que deveria se revelar na participação política, e punha em risco a minoria

(VITA, 1991). Pereira (2010, p. 54) entende que “Essa noção de soberania nacional não tardou a

se transformar em, na prática, no primado da soberania de legislador”.

Contemporâneo a Rousseau, Kant (2003) desenvolve a teoria da Lei Universal

“Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei

universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um puder coexistir com a

liberdade de todos de acordo com uma lei universal” (KANT, 2003, p. 76/77). Para este filósofo

seria inconcebível que se pudesse legislar de maneira a prejudicar outrem, pois se as leis não

observassem seu caráter universal, as previsões que a um desfavorecesse, recairia sobre os

demais. A teoria da Lei Universal de Kant contribuiu, diretamente, para a edificação dos Direitos

Humanos.

Quando os Direitos Humanos penetram no cenário político do século XVIII há

repercussão imediata na participação política inclusive por mitigar a Soberania do Povo, tendo

em vista que retirava a possibilidade da produção de legislação atentatória a direitos básicos de

todas as pessoas, independente dos usos e costumes. (SENNETT, 1998).

Habermas (1992a), ao analisar a contribuição de Rousseau e Kant para a cidadania,

discorre sobre a tensão entre Direitos Humanos e o princípio da Soberania do povo, considerando

a repercussão direta no exercício da cidadania.

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A depender da compreensão que se tem desta relação, não haveria integração. Ao

contrário, seriam concorrentes.

As tradições políticas surgidas nos Estados Unidos e caracterizadas como “liberais” e

“republicanas” interpretam os direitos humanos como expressão de uma

autodeterminação moral e soberania do povo como expressão da auto-realização ética.

Nesta perspectiva, os direitos humanos e a soberania do povo não aparecem como

elementos complementares, e sim, concorrentes (HABERMAS, 1992a, p. 133).

A tensão em voga tinha mais sentido no período de ruptura com a ordem Absolutista.

Embora de difícil conciliação, não significa que deva prevalecer na atualidade o antagonismo de

outrora. Alega Habermas (1992a), inclusive, que os Direitos Humanos e a Soberania do Povo

“formam idéias em cuja luz ainda é possível justificar o direito moderno”. (HABERMAS, 1992a,

p. 133). Deve-se buscar o nexo interno “no conteúdo normativo de um modo de exercício da

autonomia política, que é assegurado através da formação discursiva da opinião e da vontade,

não através da forma das leis gerais” (HABERMAS, 1992a, p. 137).

Segundo Dahl (1997) a seqüência histórica de um país é uma das condições que exercem

natural influência nos rumos da democracia. E como não podia deixar de ser, a tomada do Poder

pela burguesia fez com que se mudasse a maneira de usar a imprensa, já que era por esta classe

controlada, indo de meio de contestação do Poder político a meio de perpetuação no Poder

político, mediante práticas manipuladoras da sociedade. A imprensa que antes se preocupava em

captar idéias das discussões sócias antes das publicações, inicia fase de divulgação de idéias sem

contato prévio com a população (HABERMAS, 1984).

Nos tempos de Absolutismo (BOBBIO, 1986) do Antigo Regime, a burguesia, enquanto

parte do Terceiro Estado, estava alijada do processo político. O restante dos membros que

compunham o Terceiro Estado, também desprivilegiados no sistema onde a nobreza e o clero

nada produziam e ficavam com os frutos do labor do restante da população (SIEYÈS, 2001),

permaneceu desconsiderado do processo político no Estado Liberal do século XIX, paradigma de

Estado que sucedeu o Estado Absolutista.

Nasce uma classe que suporta todos os ônus da sociedade, sem gozar das suas vantagens,

que é expulsa da sociedade e se encontra forçosamente na oposição mais aberta a todas

as outras classes, uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade (Marx,

2007, p. 79).

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A classe laboriosa tinha a função de facilitar o acumulo de capital por parte da classe

dominante, mas sem direito a opinar na esfera pública, já que não era alternativa para a sociedade

de mercado possessivo, pois não possuíam propriedades.

As teorias de alguns dos pensadores acima referidos formam o movimento conhecido

por Iluminismo. Dentre outras conseqüências, o Iluminismo contribuiu para os rumos da

representação e para a relação do homem com o domínio público. Estava consagrada importância

dos detentores do conhecimento na criação das regras de convívio social, inibindo a maioria da

população de tentar ocupar um lugar nas deliberações. E com o distanciamento entre

representantes e representados, bem como a manipulação política potencializada com o uso da

imprensa como meio de comunicação de massa, as chances de influência nas tomadas de decisões

diminuíam ainda mais. A imprensa era explorada como “um ramo de atividade econômica,

industrialmente organizada nos padrões dos grandes conglomerados típicos da fase monopolista

do capitalismo” (DUARTE, 2003, p. 50).

Não há como analisar as mudanças na esfera público dos fluxos de informação sem

refletir sob o prisma mecanicista de Descartes e da Revolução Industrial. O paradigma

mecanicista cartesiano de Descartes, que advogava o funcionamento da vida como o de uma

máquina, foi uma teoria que contribuiu para legitimar a Revolução Industrial e preparar o campo

para a era moderna. A visão cartesiana compreendia a relação da vida do homem dissociada da

natureza, já que isolava o objeto de análise para entendê-lo (CAPRA 2006). Criando, assim,

condições para que a cultura individualista do ocidente superasse a cultura oriental em invenções

e aculumo de riquezas, em detrimento de condições de vida que não aprofundasse as

desigualdades entre os homens, e de uma relação harmônica entre os seres humanos e a natureza.

Nos séculos XVII e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica

e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de universo orgânico, vivo e

espiritual foi substituída pela noção de mundo como máquina, e a máquina do mundo

tornou-se a metáfora dominante da era moderna (CAPRA, 2006, p. 34).

A Revolução Industrial foi intimamente amparada por outras áreas do saber, como o

direito que justificava a concentração de terras, expropriando do homem do campo para atender

aos imperativos do Mercado, ávido por mais produção. Favoreceu, portanto, a dinâmica

individualista concretizada com as Revoluções Liberais acima tratadas.

Pensando-se nas relações sociais tendo como método o materialismo histórico (MARX,

2007), vê-se que alteraram sobremaneira. As relações de troca passam a ser com base na

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propriedade privada. De um lado, a classe com poder econômico e detentora dos meios de

produção. E do outro, a grande maioria dos cidadãos que tinham quase que o trabalho como única

propriedade. Cada um era considerado como uma força produtiva independente dos demais

cidadãos em situação semelhante. Consequência foi o esvaziamento da esfera pública.

Com todo aparato do Estado Inglês e do poder econômico, a Revolução Industrial tanto

preparou a derrubada do Antigo Regime no Velho Continente quanto contribui decisivamente

para as mudanças sociais, políticas e econômicas dos últimos 250 anos.

Segundo CASTELLS (2006) a sociedade mundial viveu os três últimos séculos

orientada pelo paradigma da Revolução Industrial. A contradição reside no fato de que a cultura

do consumo que sustenta a produção industrial no capitalismo não tem sustentação, pois os

recursos naturais são fontes esgotáveis e não há como manter o ritmo de produção sem por em

risco a degradação do meio ambiente e inviabilizar a própria vida humana na terra.

Enfim, o ecossocialismo é uma ética responsável. Na sua célebre obra, O Princípio

Responsabilidade (1979), o filósofo Hans Jonas pôs em evidência as ameaças que a

destruição do meio ambiente pelas tecnologias modernas apresenta para as gerações

futuras. Desde a publicação do seu livro, a crise ecológica se tem infinitamente

agravado, e a ameaça de uma catástrofe no meio ambiente de proporções imprevisíveis

se perfila no horizonte das próximas décadas. Não se trata mais apenas de

responsabilidade para com as gerações futuras, como pensava Jonas, mas na verdade

para com a nossa própria geração. (LÖWY, 2005, p. 76-77 grifo do autor).

Culturas que de início não se sucumbiram a este novo paradigma de organização social,

que implicava em negar a natureza ou em dominá-la, sentiram os efeitos da Revolução Industrial.

Perderam em desenvolvimento econômico, em qualidade do meio ambiente, em vista dos efeitos

da devastação da natureza desconhecer fronteiras, e por conta de terem assumido o papel de

fornecedores de matéria prima para os países industrializados, que passam a se apropriar dos

recursos naturais de regiões que não se industrializaram (CAPRA 2005).

De um lado os países que destruíram suas reservas naturais para alcançarem o

desenvolvimento econômico e responder ao valor do consumo enquanto valor primeiro da

sociedade ocidental (SANTOS, 1996), criadas com o suporte das tecnologias de comunicação de

massa; e do outro lado, os países que não tinham como sair da condição de subordinados neste

processo de industrialização, e eram invadidos pela imposição capitalista que solapou a

diversidade cultural para impor o consumo das necessidades da cultura capitalista dominante.

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Até os últimos anos do século passado o paradigma da Revolução Industrial

predominou, e a Era Informacional inaugurou um novo paradigma de organização social. Kuhn

(1970) entende que a quebra de um paradigma não acontece em um ato e, pronto, mudado está o

paradigma que estrutura a sociedade. Para dar forte tempero de tensão ao período da história que

coincide com a quebra de paradigmas, sempre haverá defensores do antigo paradigma

confrontando com os que propõem novo paradigma. Não é um fato isolado que promove a

“quebra de paradigmas”, a ruptura é descontínua e revolucionária (KUHN, 1970).

Talvez por isto, percebe-se o Estado, de um lado, vivendo numa organização típica do

Estado-Nação, garantidora do sucesso da Revolução Industrial. E do outro lado, a sociedade

pressionando pelo reconhecimento da diversidade, do pluralismo político. Enfim, pela ampliação

da esfera pública e respeito à diversidade cultural.

A disparidade entre o modo de vida imposto pela Revolução Industrial e o paradigma

do Estado-Nação, que roga a igualdade e fragmenta a sociedade, quando comparados com a

sociedade complexa e diversificada, que reconhece que as relações estão todas interligadas,

sistemicamente, é vital se compreender as mudanças profundas que foram provocar nas relações

em geral, inclusive no modo dos cidadãos se comunicarem. Esta realidade ressoou em distintas

áreas do saber no decorrer do século XIX e XX.

A teoria da função social da propriedade de Comte (1983), trazida ao direito por Léon

Duguit, foi outro instituto com repercussão na participação política, atingindo diretamente um

princípio tão festejado entre os contratualistas liberais, o princípio da autonomia da vontade5,

base para uma sociedade que pretende a regulamentação do convívio social em decorrência das

relações privadas do mercado, e com interferência mínima do Estado. Antes da função social, o

direito de propriedade era absoluto/individual; após, conquistou caráter relativo/social (Oliveira,

2004) e trouxe novos contornos a um direito que estava na essência do capitalismo. Mudança que

vem da pressão na esfera pública e sinaliza que o terreno para a democracia participativa

começava a ser percorrido, ainda que de maneira incipiente.

O sistema capitalista chega ao século XX em seu terceiro estágio, o capitalismo

multinacional, batizado de globalização (independente do capitalismo os traços de globalização

5 MONTEIRO (2011, p. 23) discorrendo sobre os princípios fundamentais do direito contratual, elenca o princípio da

autonomia das vontades em primeiro lugar, e ensina que por este “[...] têm os contratantes ampla liberdade para

estipular o que lhes convenha, fazendo assim do contrato verdadeira norma jurídica, já que o mesmo faz lei entre as

partes. Em virtude desse princípio, que é a chave do sistema individualista e o elemento mais colorido na conclusão

dos contratos, são as partes livres de contratar, contraindo ou não o vínculo obrigacional”.

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são anteriores). Anteriormente, houvera o capitalismo de mercado e o capitalismo imperialista ou

monopolista, cada um influenciando à sua maneira, a relação do homem com a vida pública. Os

avanços tecnológicos continuaram a ser meio poderoso no direcionamento político, social,

cultural e econômico do mundo globalizado. O uso do vídeo e do cinema alterou a atividade de

interpretação, deixando-a superficial (JAMESON, 2006), bem como disseminou a ideologia

Norte Americana e seu modo de vida, que deveria ser acompanhado por outros povos para o

sucesso daquele. Claro que a mudança cultural refletiu nas necessidades dos indivíduos, que

passaram a ser adquiridas em filmes vindos do estrangeiro, assim como na relação entre a vida

pública e a privada.

Vem da biologia a maior contribuição para a evolução da noção de organização social.

O rompimento com a lógica mecanicista coaduna com as possibilidades de interação através das

tecnologias contemporâneas à visão sistêmica. A compreensão da organização social conquistou

um sentido diametralmente oposto.

Assim, a microbiologia nos ensina a solene lição segunda a qual tecnologias tais como a

engenharia genética e a rede global de comunicações, que nós consideramos como

avançadas realizações de nossa civilização moderna, têm sido utilizadas pela teia

planetária das bactérias durante bilhões de anos para regular a vida sobre a terra

(CAPRA, 2006, p. 184 grifo nosso).

O sistema fechado de outrora já não harmonizava com as complexas demandas da

sociedade pluralista, tampouco resolveria questões relacionadas com a natureza, previstas ainda

em Marx. Segundo Foster (2005), Marx passa a ver o metabólico como constituindo um processo

complexo, interdependente, que vincula os seres humanos à natureza através do trabalho. De

acordo com o físico Capra (2006, p. 39), “[...] um sistema passou a significar um todo integrado

cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes, e “pensamento sistêmico”, a

compreensão de um fenômeno dentro de um contesto de um todo maior”.

A idéia de sistema aberto surge então num horizonte de distanciamento próprio da

organização filha do sistema fechado. Sistema este que destoa da maneira participativa de se

exercer democracia na atualidade. Com aquele, a interação na esfera pública passa a ser

fundamental para que se preceda à tomada de decisões, uma ampla deliberação contendo pontos

de vista distintos. Destarte, há a possibilidade de se concluir pela melhor decisão, considerando

os impactos deste em toda sociedade. Exemplo indiscutível é o amplo debate na sociedade, que

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mudou os rumos dos debates nos Poderes Constituídos acerca da regulamentação da internet e

culminou no Projeto de Lei conhecido como Marco Civil da Internet, que será abordado adiante,

no capítulo 3 da presente dissertação.

Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária que faz

a mediação entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida

e sistemas de ação especializados em termos de funções, de outro. Ela representa uma

rede super-complexa que se ramifica espacialmente num sem número de arenas

internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõe entre as

outras; [...] (HABERMAS, 1992a, p 107).

As últimas décadas do século passado, o computador possibilitou o surgimento de um

novo tipo de formação cultural, a cultura digital ou cibercultura, que se desenvolve nas redes

digitais. O insumo desta manifestação cultural é a facilidade para dispor informação sem se

submeter, necessariamente, à mercantilização da cultura.

A natureza dessa cultura é essencialmente heterogênea. Usuários acessam o sistema de

todas as partes do mundo, e, dentro dos limites da compatibilidade lingüística,

interagem com pessoas de culturas sobre as quais, para muitos, não haverá um outro

meio direto de conhecimento. Por isso mesmo, é também uma cultura descentralizada,

reticula, baseada em módulos autônomos (SANTELLA, 2003, p. 104-105).

As duas principais consequências da cibercultura, apontadas por Santella (2003) são as

comunidades virtuais6 e a inteligência coletiva

7. Ambas promovem a interação entre os cidadãos

e, portanto, são positivas para a mudança no modo de exercer democracia, conforme será tratada

no capítulo 2 da presente dissertação. Para Capra (2006) a integração é uma relação de poder

originária da influência de outros poderes. Entende que este poder não é exercido pela hierarquia,

mas pelas redes.

Contudo, o movimento conhecido como cultura digital, cibercultura ou cultura virtual

não representa uma ruptura abrupta com as maneiras de manifestação culturais até então

existentes, embora não haja consenso em torno da era cultural8 que serviu como fase preparatória

6 “Explicando o que compreende por comunidades virtuais, Santella (2003, p. 121) as define como [...] grupos de

pessoas globalmente conectadas na base de interesses e afinidades, em lugar de conexões acidentais ou geográficas”. 7 Quanto à inteligência coletiva, de acordo com Kerckhove (1997b apud SANTELLA, 2003, p. 106), “A internet é,

na realidade, um cérebro, um cérebro coletivo, vivo, que dá estalidos quando estamos a utilizar. É um cérebro que

nunca pára de trabalhar, de pensar, de produzir informação, de analisar e combinar”. 8 Segundo Santaella (2003, p. 24), “Para compreender essas passagens de uma cultura à outra, que considero sutis,

tenho utilizado uma divisão das eras culturais em seis tipos de formações: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura

impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital Antes de tudo, deve ser declarado que essas

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para a era da cultura digital. A dúvida é se a transição teria se iniciado com a cultura de massa ou

com a cultura das mídias.

A cultura de massa é oriunda da comunicação de massa, assim denominada por ter

como característica fundamental a transmissão de mensagem simultânea e uniforme, ou seja, um

número limitado de informações a uma audiência homogênea.

De se dizer que as técnicas ou tecnologias da informação e comunicação de uma fase da

cultura convivem com as técnicas precedentes e não inviabilizam o uso destas (SANTAELLA,

2003). E na visão de Castells (2006), a cultura de massa já possibilitava aos receptores das

informações uma interação, ainda que incipiente, já que na sua interpretação, o cidadão não

acolhe as informações simplesmente como são transmitidas. Conversas corriqueiras com pessoas

que conviviam no mesmo tempo e espaço também contribuem para o entendimento da

informação massivamente transmitida, incidindo na formação da opinião e da vontade dos

membros da sociedade.

A contribuição da comunicação de massa para a chegada da Era da Informação em

Castells (2006) é mais facilmente percebida se há o enfrentamento da distinção existente entre

esta forma de comunicação de massa e a chamada ‘cultura de massa’. Entende que aquela não

existe como pretendem os críticos apocalípticos da comunicação de massa, já que:

Se as pessoas tiverem algum nível de autonomia para organizar e decidir seu

comportamento, as mensagens enviadas pela mídia deverão interagir com seus

receptores e, assim, o conceito de mídia de massa refere-se a um sistema tecnológico,

não a uma forma de cultura, a cultura de massa (CASTELLS, 2006, p. 420).

Ressalta-se que para o cidadão ter consciência para uma reflexão crítica das informações

recebidas através dos meios de comunicação deve ter acesso à educação. Mas não qualquer

educação. Tem de ser uma educação condizente com a democracia participativa. Dito de outra

maneira, uma educação que estimule o cidadão a construir o conhecimento, com o professor

desempenhando um papel de orientador da aprendizagem, e não de transmissor do conhecimento

(FREIRE, 2007).

A combinação das tecnologias do computador, do telefone, e da televisão, cada qual

acrescida das capacidades das demais, está criando graças à sinergia desta integração,

uma mudança qualitativa em várias práticas sociais e culturais. Uma dessas alterações, a

divisões estão pautadas na convicção de que os meios de comunicação, desde o aparelho fonador até as redes digitais

atuais, não passam de meros canais para a transmissão de informação”.

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substituição da democracia representativa pela democracia direta, tem sido anunciada

por vários autores que se dedicam a análises globais, e comentadores que escrevem em

revistas conhecidas (BEEDHAM, 1993, NASBIT, 1994 apud EPSTEIN, 1997).

Pesquisas apontam que embora a comunicação de massa tenha criado um processo

unilateral de transmissão de informação, a comunicação social por ela motivada vai além e

propicia interação de uma “Platéia Ativa”. Relevante é a observação de Castells (2006), de que a

postura ativa do receptor na comunicação de massa abriu as possibilidades para a

individualização da informação.

Para Croteau e Haynes (2000 apud CASTELLS, 2006, p. 420), “há três maneiras

fundamentais em que as platéias dos meios de comunicação de massa são consideradas ativas:

por meio da interpretação individual dos produtos da mídia, por meio da interpretação coletiva da

mídia e por meio da ação política”.

Outro autor de peso que tem a comunicação de massa, especificamente a imprensa,

como ferramenta que enfraqueceu a esfera pública, afundando o indivíduo na passividade política

é Habermas. Acima foi trazido a baila a interpretação de habermasiana sobre a função da

comunicação de massa para manipular o receptor. Como se vê, não há consenso acerca da

tecnologia que primeiro preparou o campo para a chegada da Era da Informação.

Santaella (2003) alega que a cultura das mídias é que foi a responsável para preparar a

sociedade para a chegada da cultura digital. Por suas características implantou processos de

produção, distribuição e consumo de comunicação dispares da comunicação de massa,

permitindo um receptor com postura ativa, graças as tecnologias desta era cultural. As novidades

da cultura das mídias abriram caminho para a cibercultura, na medida em que seus equipamentos

foram suporte para se alterar esta característica fundamental da comunicação de massa.

Para esta autora, a principal característica da Cultura das Mídias foi propiciar o consumo

individualizado, em oposição ao massivo, retirando da inércia os receptores das mensagens. Com

isto, possibilitou-se a eclosão do comportamento um pouco mais ativo do cidadão perante as

manifestações culturais que tinham espaço no mercado da cultura das mídias. Com maior

liberdade de escolha do que na cultura de massa, a cultura das mídias preparou o cidadão para a

chegada da cultura digital e sua gama de opções, inclusive para que cada um pudesse se expressar

na esfera pública sem ter que mercantilizar a cultura, contribuindo para a democratizando as

relações socioeconômicas. Para Santaella (2003, p. 82),

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Mudanças profundas foram provocadas pela extensão e desenvolvimento das hiper-

redes multimídia de comunicação interpessoal. Cada um pode tornar-se produtor,

criador, compositor, montador, apresentador, difusor de seus próprios produtos. Com

isso, uma sociedade de distribuição piramidal começou a sofrer a concorrência de uma

sociedade reticular de integração em tempo real. Isso significa que estamos entrando

numa terceira era midiática, a cibercultura.

Ressalta-se que, conforme se verá adiante, na cultura digital, uma vez disponibilizada

aos cidadãos mediante software livre, a diversidade das manifestações culturais terão ampla

abertura. O aumento da liberdade de escolha do conteúdo cultural é outro ponto a ser

posteriormente destacado.

Independente da era cultural que iniciou a abertura experimentada com a cultura digital,

esta é uma realidade. A seção seguinte será dedicada à análise dos impactos da internet na a

esfera pública, no exercício da cidadania e, consequentemente na a redução das desigualdades

sociais.

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1.2 – Espaço de fluxos, o novo espaço público

Como se viu no item precedente, o espaço público anterior à Era da Informação tinha

limitações intrínsecas que obstavam a prática, ao menos em tese, do modo de participação

política descrita por Rousseau (1973). Ou seja, uma democracia com a abertura para que qualquer

cidadão possa opinar acerca das coisas públicas, sem que a definição do destino do corpo político

fique sob o privilégio do grupo que detém o poder econômico e aprofunde as desigualdades

sociais. Uma democracia que não restrinja a participação e contestação política aos moradores

dos centros urbanos, por ocuparem o mesmo espaço físico onde se encontram os representantes

eleitos, as Sedes dos Poderes Constituídos e o poder econômico.

Contudo, há cerca de trinta anos, as novas tecnologias de Informação e Comunicação

(TIC) surgiram e promoveram a Revolução da Informação, responsável por uma transformação

cultural abrangente (SANTAELLA, 2003), comparável às mudanças sociais impostas pela

Revolução Industrial (CASTELLS, 2006). Política, exercício da cidadania, educação, economia,

relacionamentos amorosos ou profissionais, enfim, a esfera privada e a esfera pública tiveram

profundas mudanças com a inserção das TCI, e especialmente a internet. E neste contexto de

alteração profunda o ser humano entra no século XXI.

E a Revolução da informação segue com a ruptura com o sistema mecanicista e a

fragmentação do conhecimento, pois coaduna com as mudanças sociais que passaram a conceber

a vida e as relações sócio ambientais como um sistema aberto, tal qual como o acolhido no §2°

do artigo 5° da CRFB/889. Na compreensão de Castells (2006, p. 69)

O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e

informações, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração

9 Art. 5°.

...

§2° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios

por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL,

2010).

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de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação de informação, em

um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso.

Por conta destas novidades tecnológicas, passou-se a discutir em âmbito internacional

qual seria o impacto destas ferramentas de comunicação nas práticas democráticas. Indiscutível é

que a cibercultura alterou o convívio social nas mais diversas áreas (SANTAELLA, 2003).

Segundo Bezerra (2008), a corrente de pensamento que primeiro se manifestou acerca

dos impactos das novas TIC para a democratização é composta pelos “cyberotimistas

rousseaunianos”. A corrente que se manifestou posteriormente, pode ser designada de

“cyberpessimistas schumpeterianos”. Ressalta-se que Schumpeter filia-se à teoria elitista que

reduz a democracia “a um método para designação das elites dirigentes” (PEREIRA, 2010. p.

103).

Os otimistas entendem que antigos problemas seriam resolvidos e a democracia seguiria

os rumos de práticas que incluíssem a efetiva participação da população, inclusive a rural. Para

eles, a apatia política do cidadão quanto a participação política nas deliberações estaria resolvida.

Esta postura de não apropriação do espaço público se fez presente no Estado Liberal e no Estado

Social por conta, dentre outros, dos efeitos da representação e do ideal do Laissez-Faire e da

concentração de poder no Chefe do Executivo, respectivamente já que ambas retiram os

representados das tomadas de decisões.

Alegam que o uso das novas TIC traz a facilidade na comunicação e difusão do

conhecimento. A informação é bem indispensável para a formação da opinião e da vontade entre

os membros iguais e livremente associados e é tido como central na sociedade em rede

(CASTELLS, 2006). O baixo custo de acesso e a variedade das fontes de informação atenuam os

efeitos da manipulação feita pela classe que detém o controle da informação homogênea dos

meios de comunicação da grande mass media (ROTHEBERG, 2008).

Outra característica positiva é que a deliberação via internet nivela os debatedores por

ter o condão de suprimir a coação presente no face-a-face; afastam-se as dificuldades advindas da

locomoção no espaço e no tempo para participação nas deliberações. Ainda, fez surgir um novo

espaço público de deliberação, onde os representados podem se aproximar dos representantes e

influenciar no processo de tomada de decisões. Claro que dependendo da utilização que os

Chefes do Executivo e parlamentares derem a estes meios tão eficazes.

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Alegam, o espaço muda sobremaneira nas relações apoiadas pelas TIC. Na sociedade

em rede não há necessidade dos cidadãos estarem no mesmo espaço físico, chamado de espaço de

lugares, para se formar um espaço público durante as deliberações (CASTELLS, 2006).

Ademais, as novas TIC rompem com a lógica temporal, uma vez que possibilita um

debate sem necessidade de uma deliberação onde as perguntas e respostas não podem ter um

relativo interstício temporal entre uma fala e outra.

Segundo Harvey (1990, apud, Castells, 2006, p. 500),

sob uma perspectiva materialista, podemos argumentar que concepções temporais e

espaciais objetivas são necessariamente criadas por meio de práticas e processos

materiais que servem para reproduzir a vida social... Um axioma fundamental de minha

investigação é que o tempo e o espaço não podem ser entendidos independentemente da

ação social.

As mudanças na estrutura espaço/temporal tem o condão de, dentre outro, facilitar o

desenvolvimento do capital social dos cidadãos, “entendido como a capacidade de interação dos

indivíduos, seu potencial para interagir com os que estão a sua volta, com seus parentes, amigos,

colegas de trabalho, mas também com os novos vizinhos, com alguém novo no bairro ou no

trabalho etc.” (COSTA, 2004). O capital social é fonte de solidariedade. É no contato entre

cidadãos que demandas privadas se tornam públicas e comuns a determinados grupos, que

conseguem força para pressionar os Poderes Constituídos para solucionar os impasses e trazer

harmonia social. Registra-se que aqui se percebe as novas TIC facilitando a implementação do

objetivo fundamental da RFB, disposto no inciso I, do artigo 3° da CRFB/88, a construção de

uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL, 2011, grifo nosso).

Os pessimistas entendem que a internet não resolverá problemas nascidos do

descumprimento da efetivação de direitos fundamentais, como o analfabetismo, dificuldade de

aquisição de computadores pelo alto custo destes aparelhos; dificuldade de inclusão de portadores

de necessidades especiais; aspectos culturais de gênero; manipulação da informação; uma

generalizada falta de conhecimento e interesse políticos, dificuldade cognitiva; a desconfiança

que pesa sobre a classe política; o sentimento de ter desconsideradas as contribuições dos

cidadãos nas tomadas de decisões (MARQUES, 2006).

Ressalta-se que as características peculiares das políticas públicas de um país para outro

influenciam no impacto pela utilização da internet. Definem o que é positivo ou negativo. Como

exemplo há a possibilidade de acesso feita por disponibilização do software livre ou de cunho

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capitalista. Aquela reduz os custos e amplia o acesso, o que condiz com a diversidade cultural;

esta não reduz os custos e mercantiliza a cultura, sobressaindo a que tiver mais capital. Por isto à

frente será enfrentada a questão da adoção ou não do software livre no Brasil para difusão da

internet no meio rural.

Mas o mais importante neste momento é analisar quais foram as mudanças que

provocaram a polarização de conclusões, sucintamente expostas, sobre os impactos da inserção

da internet no cotidiano de parte da população mundial. E dizer destas mudanças é dar

continuidade à reflexões acerca das alterações na relação entre os seres humanos no espaço

público, a partir da Revolução das Tecnologias da Informação. Mas não sem antes serem feitas

considerações acerca da contribuição da comunicação para o desenvolvimento da humanidade.

Reflexão inevitável para se compreender o novo espaço de fluxos.

No início dos tempos não havia organização social. As ações humanas eram puramente

instintivas, e o que motivava as ações humanas era a necessidade de sobrevivência. Rousseau

(1973) quando trata da passagem do homem em estado de natureza10

para o homem organizado

em sociedade, põe o desenvolvimento da comunicação como primordial para esta forma de viver.

Em princípio, a comunicação era feita pelo grito, emitido diante de perigo ou dor,

basicamente. Diante do surgimento de idéias que iam além do instinto de sobrevivência, sinais e a

inflexão da voz começaram a surgir. Com esta, vieram as primeiras palavras, mas “os homens, a

princípio, deram a cada palavra o sentido de uma proposição inteira” (ROUSSEAU, 1973, p.

254). E foi no desenvolvimento dos sinais da gramática, como suporte para comunicação e

transmissão de conhecimento, que progresso da humanidade se assentou. “[...] a comunicação,

decididamente, molda a cultura [...]” (CASTELLS, 2006, p. 414).

E é por estes sinais que a humanidade sempre direcionou suas ações no espaço público e

construiu sua realidade (CASTELLS, 2006). Por isto foi dito no início do item I.1 que a

tecnologia de cada época influencia na relação entre os seres humanos no espaço público, tendo

em vista que cada tecnologia incorpora estes sinais e os reapresenta com as peculiaridades que a

tecnologia oferece. Os símbolos constroem uma realidade virtual. “Explicarei com a ajuda do

dicionário, segundo o qual ““virtual é o que existe na prática, embora não estrita ou

10

A nota de roda-pé n° 74: “O estado de natureza de que fala Rousseau não é o estado de guerra a que se refere

Hobbes, pois o homem é acessível à piedade” (ROUSSEAU, 1973, p. 258).

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nominalmente, e “real é o que existe de fato”” (English, 1992, apud CASTELLS, 2006, p. 459).

Portanto, a realidade é virtual e vem dos símbolos.

Com a revolução da tecnologia da informação há um movimento no sentido contrário,

denominado por Castells (2006) de virtualidade real. O ambiente digital absorve a experiência

humana em todas suas manifestações, representada por sinais da gramática, imagens, sons, e

demais símbolos, que podem ser experimentadas sem a necessidade da ordem cronológica dos

acontecimentos. Mais adiante será abordado o tempo intemporal e suas repercussões.

A transformação tecnológica responsável pelo espaço de fluxo que nasce com a Era

Informacional age diretamente sobre a comunicação, logo, sobre o espaço público. Conseguiu

agregar o alfabeto, ou comunicação escrita, com a oral e o áudio visual. Modos de comunicação

que permaneceram inconciliáveis até então. Os defensores da tipografia acusavam o áudio visual

de ter convertido a complexa tarefa de interpretação ao superficialismo. Castells (2006, p. 458),

explicita que “talvez, a característica mais importante da multimídia seja que ela capta em seu

domínio a maioria das expressões culturais em toda sua diversidade”.

Pela rede passam fluxos que constroem a sociedade. E são fluxos da mais variada

ordem. O mais importante é o fluxo de informações, com todos os sons e símbolos das

expressões culturais que tem acesso à internet e que dão corpo à comunicação entre os incluídos

no paradigma da sociedade informacional. Mais: há o fluxo de capital, de tecnologia, interação

organizacional. Fluxo é entendido por Castells (2006, p. 501), como “as seqüências intencionais,

repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas,

mantida por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade”.

Impacto dos mais significativos foi o de retirar dos grandes grupos econômicos e dos

Poderes Constituídos, o controle dos meios de comunicação, e amplificar a níveis outrora

impensáveis, a capacidade de interação entre cidadãos pelos meios de comunicação,

redimensionando a esfera pública. Agora com possibilidades reais de acolher as vozes que não

ecoavam na democracia representativa, mas que encontram espaço na maneira deliberativa de se

exercer democracia. E a cultural tem a chance de ser conhecida em toda sua diversidade, já que

também passa a não depender dos imperativos do mercado. Tendo em vista que a internet “[...] é

a espinha dorsal de comunicação global mediada por computadores” (CASTELLS, 2006, p.431),

de se dizer que ela “[...] se tornou, literalmente, uma Teia de Alcance Mundial para a

comunicação individualizada, interativa” (CASTELLS, 2006, p. 440).

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Cada região do mundo, por conta de sua cultura e história próprias, terá uma influência

específica com as novidades da sociedade informacional. O interessante é que o que corrobora

isto é, justamente, uma das características comuns da sociedade informacional. Castells (2006, p.

456) destaca que tem sido percebida em locais variados do mundo, e diz que:

Finalmente, talvez a característica mais importante da multimídia seja que ela capta

em seu domínio a maioria das expressões culturais em toda sua diversidade. [...]. Todas

as expressões culturais, da pior à melhor, da mais elitista à mais popular, vêm juntas

nesse universo digital que liga, em um supertexto histórico gigantesco, as manifestações

passadas, presentes e futuras da mente comunicativa (CASTELLS, 2006, p. 456).

De se dizer em eras pré-modernas, via de regra, o espaço público era condicionado pela

relação espaço e tempo. Relação que se desenrolava com o espaço condicionado pelo tempo e,

fisicamente, delimitado pelo local onde as pessoas se encontravam face a face e realizavam as

práticas sociais. A influência nas deliberações e tomadas de decisões era local. A definição de

espaço perpassava pelas práticas sociais situadas em um momento específico do tempo,

desenvolvendo-se com linearidade, ou seja, seguindo uma ordem cronológica. Com isto, espaço e

tempo mantinham-se “ligados através do lugar” (GIDDENS, 2002, p. 22). E a Teoria social de

espaço se ocupa da tarefa de desvendar os efeitos das tecnologias nesta relação entre espaço e

tempo.

Giddens (2002) aponta a invenção do relógio como a primeira tecnologia que alterou a

relação espaço e tempo anterior à modernidade (RP: 21). A universalização do tempo foi

essencial para que o ser humano recebesse influência de lugares e tempos distintos do local que

conviviam habitualmente. Esta dinâmica foi potencializada com a criação da imprensa. “A

medida em que um meio serve para alterar as relações espaço-temporais não depende

fundamentalmente do conteúdo ou das “mensagens” que carrega, mas de sua forma ou

reprodutibilidade” (GIDDENS, 2002, p. 29).

A imprensa completou separou espaço e lugar, mas não com a simultaneidade

experimentada com o advento das novas TIC, quando tomou proporções globais e a influência

ocasionada pelo compartilhamento de informações passou se dar no exato instante que um fato,

que uma deliberação ocorre, ainda que em local bem distante. O tempo passa a ser virtual.

Segundo Castells (2006, p. 557), na sociedade informacional “O espaço modela o tempo em

nossa sociedade, assim invertendo uma tendência histórica: fluxos induzem tempo intemporal,

lugares estão presos ao tempo”. E por isto o tempo se torna virtual.

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A noção de espaço é redimensionada e projeta um outro patamar à liberdade de

locomoção. Isto repercute na realização de tarefas rotineiras, como transações bancárias, trabalho,

estudo, aquisição de bens, participação política e luta por redução das desigualdades sociais,

dentre outros. A interatividade foi alterada. De espaço de lugares para espaço de fluxo.

Mas o que significa o tempo virtual? É o tempo composto por dois elementos. O

primeiro é a simultaneidade de informação por todo o mundo, prestada em tempo real, inclusive

com as reportagens ao vivo, retratando fatos que ocorreram no local onde o cidadão está

fisicamente. É simultâneo, também, o diálogo escrito entre pessoas de diferentes locais. Propostas

feitas por escrito levavam tempo entre o envio, o recebimento e o retorno dizendo se estavam de

acordo ou não. Mas na sociedade informacional a dinâmica é outra. A interatividade pode agilizar

uma negociação que a lei determina que deva obedecer a forma escrita, evitando-se a insegurança

das transações que se arrastam no tempo, já que o proponente e o solicitado “[...] são reputados

presentes” (MONTEIRO, 2011, p. 34).

A simultaneidade pode possibilitar, ao contrário, que um diálogo escrito ocorra com um

tempo bem maior entre uma intervenção e outra. Exemplos são os sites que os ciberativistas usam

para discutir questões de ordem pública ou os fóruns de debate do ensino à distância. Embora as

respostas não sejam imediatas, as deliberações dos ciberativistas e a orientação da aprendizagem

não ficam comprometidas.

O outro elemento que compõe o tempo virtual é a intemporalidade, contrapondo-se à

cultura do tempo cronológico, seqüencial. Os sinais da nossa comunicação entram na internet e

podem ser visitados e explorados por colagens que reorganizam as informações de maneira não

seqüencial. Fatos passados são facilmente trazidos à tona em paralelo a fatos presentes e

prognósticos do futuro. Tudo a depender da vontade do cidadão inserido na sociedade

informacional.

Pode parecer contraditório, mas o tempo virtual tem a qualidade de perpetuar fatos,

quando elimina a sequência cronológica ou transformá-los em passageiros. Castells (2006, p. 554

grifo do autor) aborda o tempo virtual e diz:

Portanto, é simultaneamente uma cultura do eterno e do efêmero. É eterna porque

alcança toda a seqüência passada e futura das expressões culturais. É efêmera porque

cada organização, cada seqüência específica, depende do contexto e do objetivo da

construção cultural consolidada.

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Avanços desta estirpe tem repercussões que não se limitam às inovações tecnológicas.

Vão ao alicerce da estrutura social criando situações que promovem a elevação de valores

esquecido no caminho traçado pelo espírito capitalista da sociedade individualista liberal, por ter

o potencial de mobilizar os cidadãos por solidariedade, lealdade, compromisso com o que é

público.

Exemplo notório vem de um avanço que a ferramenta internet inaugura: a possibilidade

de interação com usuários que podem contribuir para o aperfeiçoamento deste sistema aberto de

comunicação. Foi o que aconteceu com o software Linux. Após sua criação e difusão gratuita

para ser opção extra Microsoft, os usuários “descobriam novos usos e aperfeiçoavam o software,

depois divulgando esses aperfeiçoamentos na Rede, gratuitamente, retribuindo, assim, o presente

técnico que haviam recebido” (CASTELLS, 2006, p. 441).

O espaço de fluxos e o tempo intemporal são as bases principais de uma nova cultura.

Mister salientar que esta nova forma de espaço não substituirá o espaço de lugares in totum.

Independente do nível de inclusão digital os cidadãos residem em lugares. “Um lugar é um local

onde cuja forma, função e significado são independentes dentro das fronteiras da contigüidade

física” (CASTELLS, 2006, p. 512, grifo do autor). Porém, em que pese a proximidade física

entre os cidadãos, os lugares mesmo antes da Era Informacional, não necessariamente propiciam

interação social, não facilitando a formação de identidades.

Os cidadãos moram em lugares, embora as práticas sociais que determinam a posição de

dominação na sociedade global ocorram no espaço de fluxos. O problema de se ter a presença

simultânea do tradicional espaço de lugares e do espaço de fluxos consiste no aumento da

desigualdade social, visto que canais de comunicação entre toda a sociedade podem ser

desmantelados. Os cidadãos excluídos do espaço de fluxo, por conseguinte, ficam de fora das

relações políticas e econômicas, comprometendo a busca pela prática da democracia deliberativa

que democratiza da economia (LÖWY, 2005).

Castells (2006) discorre acerca cinco aspectos centrais do Paradigma da Tecnologia da

Informação que representam a base material da sociedade da informação.

O primeiro aspecto abordado foi justamente a função da informação na sociedade

informacional ou também chamada de sociedade em rede. Nome recebido pelo fato da

informação ser o insumo da organização social em rede. O compartilhamento do conhecimento

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acadêmico e a valorização da interpretação que os cidadãos tem dos fatos e normas jurídicas

compõe a trama da vida em rede.

E numa sociedade que tem como proposta a abertura do espaço público a todo e

qualquer cidadão, a informação é um dos aspectos centrais por ser a matéria prima das ações

humanas. Segundo Castells (2006, p. 108), “[...] são tecnologias para agir sobre a informação,

não apensas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas

anteriores”.

Através da internet é possível o oferecimento de milhares de fontes de informação, que

são ingrediente indispensável para a formação da opinião e da vontade conscientes. De se dizer

que o quanto este potencial será explorado é uma incógnita e será para ser percebido no decorrer

dos acontecimentos e a depender do país. Sendo que os próprios cidadãos contribuirão para a

definição dos modos de utilização. E as opções são muitas. Pode haver uma integração

significativa para a democratização das relações socioeconômicas, mas, também, o aumento das

desigualdades sociais, em vista da polarização da sociedade entre transmissores e receptores de

informação. “O mundo dos meios de comunicação é dominado por uns poucos conglomerados

gigantescos de multimídia” (CAPRA, 2005, p. 166).

O segundo aspecto se refere à influencia das novas tecnologias nos processos de nossa

existência. Este aspecto é intrínseco a toda tecnologia e pode ser assim percebido levando dois

fatores. Um dos fatores é que toda atividade humana depende de informação para viabilizar sua

ação através do discurso e construir a realidade (HABERMAS 1992a). O outro fator é que a

informação é difundida pela tecnologia à disposição em cada época (SANTAELLA, 2003).

O terceiro aspecto vem da lógica de redes, que consiste na adaptação à crescente

complexidade de interação, inclusive para abranger novos modelos que surjam do poder de

criação da interação. E ao se difundir, o crescimento é exponencial, tendo em vista o aumento de

conexões. Isto faz com que quem esteja fora da rede seja preterido nas relações. A estrutura da

rede é aberta, acolhendo as manifestações das práticas sociais que se inserem no novo espaço.

A flexibilidade é o quarto aspecto. E é sentida pela facilidade para se reconfigurar a

ordem vigente, garantindo a possibilidade de mudanças, sempre latente nas sociedades plúrimas,

diversificadas e que anseiam por igualdade jurídica. Todavia, conforme usada será libertadora ou

repressiva, dependendo da definição das regras, que tendem para esta consequência quando os

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poderes constituídos a controlam. Lembrando que a contracultura foi de encontro com a internet

controlada pelo Estado e deu maior liberdade aos cidadãos.

O quinto aspecto é que a tecnologia está integrando todo o sistema de comunicação.

Tanto para o funcionamento das tecnologias em si, quanto para atrair os cidadãos. Exemplo é a

postura dos telejornais, intercalando a transmissão da notícia via televisão e internet, que garante

uma maior interação com o público alvo. Castells (2006, p. 113) assim resume:

o paradigma da tecnologia da informação não evoluiu para seu fechamento como

sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo

em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico.

Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais

atributos.

Os aspectos elencados tem íntima relação com o constitucionalismo democrático, cuja

característica que garante sua perpetuação não é mais a rigidez das leis gerais e abstratas, mas a

capacidade de adequação, a flexibilidade diante da multiplicidade de vozes (PEREIRA, 2010).

Questão intrínseca à presente dissertação é se a internet seria mesmo uma ferramenta

hábil para a redução das desigualdades sociais. Analisando os estudos referidos no item I.1, que

travam discussão em torno da efetividade da comunicação de massa nas campanhas eleitorais,

para que candidatos conquistem votos dos eleitores, Castells (2006, p. 421) reconhece que

Embora os efeitos da televisão sobre as opções políticas sejam bastante diversos, a

política e os políticos ausentes da televisão nas sociedades desenvolvidas simplesmente

não têm chance de obter apoio popular, visto que as mentes das pessoas estão

informadas fundamentalmente pelos meios de comunicação, sendo a televisão o

principal deles.

Certo é que se um candidato não quiser fazer uso da mídia, juridicamente não haverá

sanção. Todavia, as sanções que recaem sobre os cidadãos por seus atos não são obra exclusiva

das leis. Diante da sociedade, atos que não são considerados ilícitos podem ter repercussão que

traga consequências mais ruinosas do que os rigores de uma lei (DURKHEIM, 1998). Neste caso,

a desvantagem deste candidato em se fazer conhecer repercutirá nas urnas. Os eleitores que,

potencialmente, votarão nele são os que conviveram no mesmo espaço físico e ouviram suas

propostas ao vivo. Logo, um número reduzido se comparado com os eleitores que tomarão

ciência das propostas de um candidato que use os meios de comunicação para propalar suas

idéias. “Mas em uma sociedade organizada em torno da grande mídia, a existência de mensagens

fora da mídia fica restrita a redes interpessoais, portanto desaparece do inconsciente coletivo”

(CASTELLS, 2006, p. 421).

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A internet nivela os cidadãos e põe em cheque o poder11

exercido através da estrutura

da organização hierárquica dos Estados nacionais. Mas não deixou um vácuo de Poder.

No entanto, há um outro tipo de poder, um pode que é mais apropriado para o novo

paradigma – poder de influência de outros. A estrutura ideal para exercer esse tipo de

poder não é mais a hierarquia mas a rede, [...]. A mudança de paradigma inclui, dessa

maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes

(CAPRA, 2006, p. 28).

Repensar o modo de vida imposto pela Industrialização e o espírito capitalista, foi uma

tendência natural diante das consequências deste processo. Com o individualismo a desigualdade

aumentou soterrando a promessa do laissez faire. A vida do indivíduo era fragmentada por ter se

dissociado das relações coletivas, e da natureza. O espaço público que havia sido ressignificado

durante o Antigo Regime e foi o lugar onde as pessoas puderam conectar suas insatisfações e

deliberar soluções, esvaziou-se a partir das Revoluções Liberais.

A modernidade, não se deve esquecer, produz diferença, exclusão e marginalização.

Afastando a possibilidade de emancipação, as instituiçõies modernas ao mesmo tempo

criam mecanismos d supressão, e não de realização, do eu (GIDDENS, 2002, p. 13).

O paradigma da tecnologia da informação é um sistema aberto. “É forte e impositivo em

sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico” (CASTELLS,

2006, p. 113). E a dimensão social da revolução da TIC deve ser analisada a partir do uso na

esfera pública.

Mas as novas TIC por si só não produzem alterações positivas nem negativas nas as

relações sociais. O que determina as mudanças são os interesses que predominarão na sociedade.

Na seção seguinte será analida a repercussão sentida na sociedade, a apartir da introdução da

internet no cotidiano de parte dos abitantes da “Aldeia Global”.

11

Poder aqui é utilizado, “[...] no sentido de dominação sobre os outros, é auto-afirmação excessiva” (CAPRA, 2006,

p. 28).

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1.3 Quais são as alterações sociais, políticas, econômicas e culturais da Era

Informacional?

Neste item serão abordadas as mudanças que são consequência da criação e utilização

das novas TIC no cenário mundial, que não foram objeto do item I.2. À obviedade, as variações

de comportamento nas searas social, política, econômica e cultural não são estanques. Portanto,

serão aqui tratadas sem a preocupação de abordagem em tópicos específicos para cada uma das

categorias dispostas no título desta seção.

De início as novas TIC eram de difícil manuseio e integração. As redes tinham

protocolos individualizados que não permitiam a interface dos sistemas. Em 1990 com a criação

da internet na Europa, a forma de interação entre os membros da “Aldeia Global” começou a

mudar. Conforme retro abordado, a esfera pública foi reconfigurada. E com a progressiva

facilitação para utilização das novas TIC, as pessoas saíram da dependência dos meios de

comunicação de massa para exporem suas queixas no espaço público, através das novas TIC

disponíveis.

Pela primeira vez o diálogo entre diversos cidadãos de diferentes localidades do

mundo, e em tempo real, foi possível a custos cada vez mais baixos. Regiões mais

desenvolvidas, economicamente, saíram na frente neste processo. E o ajustamento entre os

concidadãos é, incomparavelmente, mais rápido e eficaz no meio digital, posto que “A

pluralidade de escolhas que confronta os indivíduos nas circunstâncias da alta modernidade

deriva de várias influências” (GIDDENS, 2002, p. 81), disponibilizando mecanismos de auto-

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identidade aos cidadãos12

. “Num universo social pós-tradicional reflexivamente, organizado

reflexivamente, permeado por sistemas abstratos, e no qual o re-ordenamento do tempo e do

espaço re-alinha o local com o global, o eu sofre mudanças significativas” (GIDDENS, 2002, p.

79).

Castells (2000, p. 22) esclarece seu posicionamento sobre o conceito de identidade

quanto a atores sociais da seguinte maneira: “[...] entendo por identidade o processo de

construção do significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos

culturais inter-relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras formas de significado”.

Com isto, um cidadão pode ter mais de uma identidade individual. Mas a identidade

que tem relação com a presente dissertação é a identidade coletiva desenvolvida na alta

modernidade. Analisando a contribuição da alta modernidade, propostas por Giddens (2002),

percebe-se que as influências que conduzem à pluralidade de escolhas do indivíduo são

significativas. Influências esta que se analisadas à luz das novas TIC, percebe-se que serão

elevadas, exponencialmente. E se considerar a necessidade de abertura à participação na esfera

pública, para que se viabilize a pluralidade de escolhas, de se dizer que o Constitucionalismo

Democrático13

é a proposta de organização própria a época atual.

A primeira influência é pelo fato de se viver numa sociedade que disponibiliza várias

opções, neutralizando o poder da tradição.

A segunda é a pluralização dos ambientes sociais, não mais circunscritos ao local das

atividades habituais. É possível interação além fronteira, e em tempo real, tendo em vista a

alteração da relação espaço-tempo propiciada pelas novas TIC, abre campo para “[...] múltiplos

ambientes de ação [...]” (GIDDENS, 2002, p. 81).

A terceira influência à multiplicação das escolhas é decorrente da não realização das

promessas do constitucionalismo Liberal, já que só fez aumentar as desigualdades sociais, dentre

outros males.

Como quarta influência, o autor menciona o conhecimento transmitido pela mídia

eletrônica. “[...] a mídia, especialmente a eletrônica, altera a “geografia situacional” da vida”

(GIDDENS, 2002, p. 81). Acontecimentos que não seriam conhecidos se tornam públicos e,

naturalmente, faz o cidadão pensar a respeito, inclusive se sentindo parte daquele fato ocorrido

12

“Auto-identidade: o eu entendido reflexivamente pelo indivíduo em termos de sua biografia” (GIDDENS, 2002,

p. 221). 13

Ver Capítulo 2

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num mundo global. Esta influência é consequência direta da alteração tempo espaço na Era

Informacional e repercute no planejamento da vida para o futuro. É o que Giddens chama de

Colonização do futuro14

.

A influência que por último é trabalhada se refere à mudança das relações pessoais. A

Era Informacional rompe com a tradição de se buscar nos pares, os prazeres de uma vida

compartilhada.

Mas a coluna dos corações solitários, os encontros via computador e outras formas de

serviço de apresentação mostram suficientemente bem que a escolha plural é fácil de

alcançar se se estiver preparado para abandonar os últimos resquícios da maneira

tradicional de fazer as coisas (GIDDENS, 2002, p. 85).

A repercussão das identidades coletivas para a esfera pública deve ser analisada a partir

de questionamento de quem é responsável e para quê é construída, pois as respostas a estas

perguntas mostrarão os objetivos de cada identidade coletiva, dividida entre três formas e

origens (CASTELLS, 2000). A Saber: identidade legitimadora15

; identidade de projeto16

e, por

fim, a identidade de resistência, tipo de identidade que, ao lado da identidade de projeto, tem

ressonância direta com a redução das desigualdades sociais, e não sua majoração, como ocorre

pela identidade legitimadora.

Cumpre salientar que os ambientes locais por si só não formam identidades. Faz-se

mister um processo de mobilização social, que não precisa ter cunho revolucionário, onde os

cidadãos tenham condições de participar das deliberações que definem e defendem metas comuns

para a construção permanente da sociedade (CASTELLS, 2000). E como a internet

redimensionou a esfera pública, mais uma vez é latente o poder desta ferramenta em criar

identidades rurais, com condições de se organizarem independente dos entraves espaço temporais

que sempre dificultaram a união dos trabalhadores rurais. E a partir disto, forçarem o Poder

14

“Colonização do futuro: criação de territórios de possibilidades futuras, reivindicada por inferência

contrafactual” (GIDDENS, 2002, p. 221).

15

“Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e

racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais...” (CASTELLS, 2002, p. 24). Forma uma sociedade

civil, não vista como suporte para a democracia, mas como “dominação internalizada e legitimação de uma

identidade imposta, padronizada e não-diferenciada” (CASTELLS, 2002, p. 25). 16

“identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance,

constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a

transformação de toda a estrutura social. Esse é o caso do feminismo [...]”.

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Público a reduzir as desigualdades sociais, inclusive para se equiparar o serviço de acesso à

internet rural com o urbano, equiparando, por conseguinte, a possibilidade de participação na

democrática, agora vista como um processo, em construção permanente, e aberto à multiplicidade

de vozes (ROCHA 2011).

A democratização do acesso à internet implica no fortalecimento do princípio da

participação, a ser abordado no capítulo 2, já que nivela a possibilidade de exercício da cidadania

através da participação, que pode se dar em deliberações, em tomadas de decisões, em

contestação das práticas, bem como no processo de controle (PEREIRA, 2010) dos atos

cometidos pelos agentes políticos17

, no exercício do cargo.

A vontade coletiva, ainda que os indivíduos que a compõe tenham interesses

individuais diversos, pode criar um grupo que se organiza para servir a um propósito específico

e se desmanchar uma vez conquistado o intento que motivou sua formação. Mas, se o motivo

que impulsionou o nascimento do grupo for a situação fática de exclusão ou abandono dos

cidadãos, em comparação aos cidadãos mais afortunados que impõe a dominação, pode surgir a

identidade de projeto e a identidade de resistência. E por essa desigualdade de tratamento entre

dominantes e dominados acarretar em desigualdade social, impulsiona a aparição de identidades

de resistência mundo a fora. Castells (2000, p. 25, grifo do autor) expressa que:

[...] a identidade destinada à resistência, leva à formação de comunas, ou

comunidades, segundo Etzioni. É provável que seja esse tipo mais importante de

construção de identidade em nossa sociedade. Ele dá origem a formas de resistência

coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável, em geral com

base em identidades que, aparentemente, foram definidas com clareza pela história,

geografia ou biologia, facilitando assim a “essencialização” dos limites da resistência.

A construção da identidade antes da chegada da sociedade da informação tinha a

tradição como importante fator. Ou seja, os ingredientes da história do local eram indispensável

para a formações da identidade. Todavia, a identidade criada na sociedade em rede, não conhece

as fronteiras espaço temporais de outrora, e convive simultaneamente com a disparidade entre o

local e o global. É, portanto, capaz de agregar pessoas que vivem em pontos diversos do mundo

e que passam por problemas provocados pela globalização da economia, ou por desrespeito aos

Direitos Humanos. Assim, pressões sobre os governos são impostas não somente por quem é

17

São os representantes eleitos para os cargos de Chefe do Executivo e Parlamentares dos três Entes da República

Federativa do Brasil; Ministros e Secretários de Estado (MELLO, 2002).

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vítima da desigualdade social de um país. Os diretamente prejudicados recebem o apoio de

atores sociais que vivem em locais distintos. Como exemplo, cita-se o controle sobre governos

feito pela Anistia internacional.

É esta afinidade de males da ordem econômica internacional disseminada pelo mundo,

bem como uma postura ativa dos oprimidos que fazem resistência às pretensões do capital

globalizado, que pode fazer despontar a chamada democracia local. A prática deliberativa do

agir comunicativo na comunidade local é intrínseca à democracia local, pois só se consolida

com a participação dos cidadãos iguais livremente associados, nas deliberações e tomadas de

decisões. É a efetivação do princípio da participação, ínsito ao Constitucionalismo Democrático.

Como nos tipos puros de dominação18

legítima weberiana, onde os tipos acabam

evoluindo para a dominação legal, inclusive a de caráter carismático, a identidade de resistência

pode se transmutar em identidade legitimadora. Weber (1991) não vê possibilidade de relação

social19

sem dominação. Este autor entende que não existe e nem vai existir sociedade sem

dominação, visto que a dominação é condição de ser da sociedade. Alega que todas as searas da

ação humana estão envoltas por algum tipo de dominação.

Nesta dinâmica das relações sociais de dominação e hegemonia, o mal reside no fato

de que se a classe que ocupa o poder se sentir ameaçada pelo grupo que força sua ascensão,

agirá com intolerância e fará de tudo para não compartilhar o poder (DAHL, 2007). Mas é certo

também, que historicamente o homem tenta concentrar poder, logo, sem pressão não há

inclusão. Dito de outra maneira, sem luta não há a materialização da igualdade entre os

desiguais.

O fortalecimento do Constitucionalismo Democrático e, consequentemente, do

processo de accountability democrática, partir do uso da internet é uma poderosa arma contra

hegemonias no Poder, logo positivo para a redução das desigualdades sociais. Conforme se verá

no capítulo seguinte, a democracia praticada pelos cidadãos de maneira deliberativa, ao invés de

praticada por representação, amplia a variedade de cidadãos na esfera pública, acolhendo o

pluralismo social das sociedades complexas da atualidade. E a accountability em um Estado

18

“Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas

pessoas indicáveis” (WEBER, 1991, p. 33). 19

Enquanto que a intenção de um cidadão não precisa ser explicitada para que outra pessoa possa praticar uma ação

social, a relação social só se desenrola quando há consciência dos envolvidos (WEBER, 1991).

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Democrático de Direito deve ser exercida na esfera pública, deliberativamente, e concomitante

aos fatos.

A Revolução Informacional amplia o significado e abrangência da esfera pública, logo,

redimensiona o processo de accountability. Via de regras, na democracia representativa era

apenas regressiva, também chamada de controle regressivo. Tal modalidade ocorre após o

cumprimento do mandato do agente político, quando o eleitor analisa o que foi feito, e se estiver

insatisfeito, responde nas urnas não reelegendo quem não executou, devidamente, os desígnios

do cargo que ocupou (ARATO, 2002).

A democracia participativa requer cidadãos ativos na esfera pública. E com a

ferramenta internet, o processo de accountability do cidadão sobre os atos dos representantes

eleitos é imediato. É a accountability concomitante obrigando-os a ponderar mais suas posições,

como vem acontecendo com as discussões no Poder Legislativo Federal sobre a regulamentação

do uso da internet, que será abordada em detalhes no Capítulo 3 da presente dissertação.

Mas se os cidadãos não verbalizarem suas demandas e não se organizarem em

iniciativas e fóruns políticos, o papel da opinião pública de monitoramento e de

geração de informação poder ser danificado, tornando a accountability uma promessa

vazia (ARATO, 2002, p. 101).

Alteração significativa é a mitigação da Soberania do Estado-Nação. E há motivos de

difícil contorno. A inauguração da política dos escândalos na década de 90 do século passado

que, não raro, reporta-se ao embate entre o crime organizado internacional e organização jurídica

do Estado-Nação. A conexão global do crime organizado, “condicionando relações

internacionais, tanto econômicas como políticas, à escala e ao dinamismo da economia do crime”

(CASTELLS, 2000, p. 304), sem dúvidas é um dos motivos que compromete a autonomia e

poder de decisão do Estado-Nação.

Fatores para derrocada da Soberania surgem, também, pela possibilidade de

relacionamento entre cidadãos além fronteiras territoriais e em tempo real, ignorando os limites

do ordenamento jurídico. As novas TIC devolveram aos cidadãos a opção de terem contato com

culturas estranhas ao território do Estado, e trocar experiências sem a necessidade de se ter

autorização para sair ou entrar nos domínios de outro estado. É notório que no Antigo Regime

não havia a noção de liberdade do Estado Moderno, conquanto naquela época, podia-se transitar

com maior liberdade pelos países. “De modo geral, a globalização/localização da mídia e da

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comunicação eletrônica equivale à desnacionalização e desestatização da informação, duas

tendências que, por ora, são indissociáveis” (CASTELLS, 2000, p. 303).

A omissão dos Estados em resolver questões globais, é outro fator que põe em cheque a

organização social em Estado-Nação, pois demonstra que são incapazes de solucionar questões

graves que tem reflexos além fronteira. Exemplo são os impactos ambientais provocados pela

ação predatória do ser humano. E esta debilidade do Estado-Nação fica ainda mais explícita a

partir da atuação da cidadania global que assumiu este mister e é, em regra, mais eficiente.

A incapacidade cada vez mais acentuada do Estado-Nação em atender simultaneamente

a essa ampla gama de exigências leva ao que Habermas denomina de “crise de

legitimação”, ou, segundo a análise de Richard Sennett, à “decadência do homem

público”, a figura que representa as bases da cidadania democrática” (CASTELLS,

2000, p. 317).

Outra causa da crise das instituições nacionais vem dos privilégios da elite, detentora do

poder econômico no Estado-Nação. A disparidade de tratamento relegou a maioria do povo a ser

minoria política, logo, desconsiderada nas tomadas de decisão. Destarte, a promessa de igualdade

do Estado Moderno não se concretizou. E a desigualdade social começou a ser sentida, expondo a

impropriedade deste modelo de organização social.

Os defensores do Laissez-faire alegam que a sociedade de mercado capitalista nunca

teve chance de cumprir suas promessas, por conta da atuação dos partidos políticos. É o mito do

antiliberalismo.

Os líderes liberais jamais cansam de repetir que a tragédia do século XIX resultou na

incapacidade do homem permanecer fiel à inspiração dos primeiros liberais. E a

generosa iniciativa de nossos ancestrais foi frustrada pelas paixões do nacionalismo e

da luta de classes [...] (POLANYI, 2000, p. 176).

As minorias começaram a se organizar para pressionar os agentes políticos a tratá-los

como membros iguais, com tratamento semelhante. “[...] seria incorreto dizer que a mudança para

um protecionismo social e nacional fosse devida a qualquer outra causa além da manifestação das

fraquezas e perigos inerentes a um sistema de mercado antiregulável” (POLANYI, 2000, p. 177).

Na concepção de Castells (2000) pode estar se solidificando uma maneira de exercer

democracia, qual seja, a democracia local, o que coaduna com a forma federativa de Estado. Este

modo de se praticar democracia funciona, segundo Castells (2000), como moeda política, pois a

pressão para o governo nacional acolher, ao menos em parte os anseios dos cidadãos locais,

mitiga o atendimento dos interesses dos grupos que dominam a economia global. Portanto, há

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uma alternativa à política neoliberal. É a sociedade criando seu próprio destino, em detrimento às

terias dos grupos dominantes.

Se os países “desenvolvidos” impõem um modo de vida a outras regiões do mundo

para garantir a manutenção da sua organização social, um modo de enfrentar a opressão destes

países de maior poder bélico do mundo, é através do posicionamento de comunidades locais a

partir do momento em que se posiciona no cenário político e não aceita imposições externas que

acabam por afrontar os direitos fundamentais dos oprimidos.

Por mais livremente que o capital se mova ao redor do mundo, ignorando fronteiras

territoriais, a verdade é que ele ainda depende tanto quanto sempre dependeu (ou mais)

do suporte local, especialmente aquele proporcionado pelos Estados nacionais. Isso

significa que as forças verdadeiramente democráticas, no nível local e nacional, dentro

ou fora do Estado, podem fazer uma real diferença. É por isso que será uma perda para o

mundo e para a luta anticapitalista que se desenrola em todo lugar se o novo governo do

Brasil se dobrar humildemente às exigências imperiais e fracassar no uso de seus

poderes para realizar seu próprio “efeito demonstração”, e provar ao mundo o que a

oposição democrática ao poder imperial pode fazer (Art. 3º da Declaração de Hamburgo

sobre Educação de Adultos) (WOOD, 2006, p. 49).

No tempo da virtualidade real a cultura do eterno20

e efêmero, resultado da

intemporalidade da era informacional, enseja uma interação sem precedentes entre cidadãos

espalhados por todo o mundo. O conhecimento sempre foi fundamental para a ação humana21

. E

a internet é a tecnologia mais eficaz para a difusão do conhecimento, construído discursivamente.

Deste contato vem a (re)construção do conhecimento, e conhecer a realidade de outras culturas,

via de regra, faz refletir sobre a própria cultura. A tradição, quando prejudicial a parte da

sociedade, é confrontada a partir da consciência de que a prática enraizada não deve agravar o

quadro de desigualdade social, mas sim, assegurar igualdade entre os membros iguais e

livremente associados, sob pena de ser afastada das relações sociais.

A cultura do Estado-Nação prega uma igualdade sem respeitar as diferenças. Só que a

sociedade atual é complexa, e sua diversidade é mais bem conhecida e compreendida a partir do

surgimento da rede mundial. Para que se tenha igualdade de tratamento as diferenças devem ser

reconhecidas e respeitadas. O Estado-Nação é excludente, impõe modos de vida que não se

20

O Limiar do eterno ocorre por haver uma negação do tempo na sociedade informacional. Acontecimentos

passados podem ser revisitados a qualquer momento. Assim, desconsidera-se o tempo terreno. “O espaço de fluxos,

[...], dissolve o tempo desordenando a sequência dos eventos e tornando-os simultâneos, dessa forma instalando a

sociedade na efemeridade eterna” (CASTELLS, 2006, p 559).

21

“Que progresso poderia conhecer o gênero humano esparso nas florestas entre os animais? E até que ponto

poderiam aperfeiçoar-se e esclarecerem-se mutuamente homens que, não tendo domicílio fixo nem necessidades uns

com os outros [...]” (ROUSSEAU, 1973, 252).

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aproximam das relações pessoais, muito mais amplas que as pretensões da classe dominante. A

sexualidade é um exemplo de tentativa da cultura hegemônica em afastar do cenário político,

logo suprimir direitos fundamentais, os cidadãos que não tem orientação hétero. Somente se

reconhecia a união entre pessoas de sexo oposto, ou seja, homem e mulher. Consequentemente

direitos que surgem das relações afetivas não contemplavam os seres humanos com orientação

sexual homoafetiva, como se estes não fizessem parte do conceito de povo.

Os grupos de cidadãos oprimidos em sua sexualidade se organizaram e ocuparam a

esfera pública. E a internet aproxima as minorias, como o movimento feminista, e a luta por

reconhecimento se fortalece. São as múltiplas identidades afrontadas, cada uma com o projeto de

redefinir sua posição social. E, à obviedade, que tendo voz na sociedade, as chamadas identidades

de projeto, a partir da recolocação social, reformam a cultura do corpo político, e até mesmo a

cultura em outros países.

Questão que não pode deixar de faltar na análise da deterioração do Estado-Nação é a

relativa à autodeterminação. Após a segunda guerra mundial a idéia de autodeterminação dos

povos é deturpada. O direito interno e internacional que vige entre os Estados nacionais na

contemporaneidade, não reconhece territórios sem Estado nacional. Os povos passam a ter

direitos reconhecidos internacionalmente, mas para exercê-los era imperiosa a organização

política nos moldes do Estado-Nação. Por isto é que se diz que a autodeterminação dos povos é a

autodeterminação dos Estados.

Isto quer dizer, o direito dos povos se limita à possibilidade de se constituir em Estado.

E uma vez constituído, a categoria “direito dos povos” se transforma em direitos

humanos, agora sob os princípios e regras estabelecidos na Carta Constitucional do

Estado por ela organizado (MARÉS, 1998, p. 68).

Segundo MARÉS (1998), apesar do Estado e do direito afirmarem, categoricamente, que

a lei nivela as relações igualando os desiguais, os povos minoritários não tiveram participação na

criação dos direitos, perdendo sua autodeterminação e aprofundando a desigualdade social. Este

autor lança mão do conto ‘Diante da Lei’, de Franz Kafka, para descrever a realidade, dentre

outros, dos camponeses.

Um camponês passa a vida inteira diante da porta da Lei esperando para entrar, sempre

há um impedimento, uma ressalva, uma proibição momentânea, uma ameaça, até que o

homem morre (MARÉS, 1998, p. 68).

A autodeterminação enquanto direito dos povos de constituírem Estados, concedido pela

comunidade internacional não afastou a exclusão social. Marés (1998) indaga se um povo pode

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almejar sua autodeterminação sem constituir seu corpo político como Estado nacional. E conclui

que para o direito internacional, não; mas do ponto de vista dos povos, nada mais natural de

ocorrer, posto que faz parte da autodeterminação definir sua organização social. Mas a

autodeterminação para não enfraquecer ainda mais o Estado-Nação tem de seguir o padrão

imposto após a Segunda Grande Guerra. Contudo, a interação, via novas TIC, coloca os cidadãos

esquecidos na trilha da autodeterminação dos povos, literalmente. A multiplicidade de vozes na

esfera pública mitiga características do Estado-Nação quando obriga o reconhecimento de regras

que traduzam a Soberania do Povo, em detrimento à Soberania dos grupos com representação na

democracia representativa. Destarte, a distorção quanto ao local de onde emana o Poder se

resolve.

A atual relação do ser humano com a Natureza se altera. A Cultura na atualidade visa

reciclar, preservar a natureza. E é postura cultural nova considerando que num primeiro momento

a natureza dominava a cultura, o que dificultava sobrevivência da espécie humana, a mais frágil.

Com a Revolução Industrial esta relação se inverteu. Vem a dominação da cultura sobre a

natureza. (CAPRA, 2006)

Todavia, seria inocência pura, imaginar que é uniforme a nova postura diante da

natureza. Quando há mudança de paradigma, pessoas que tem interesse no paradigma anterior

continuarão pressionando para manutenção das práticas de outrora (KUHN, 1970).

A revolução das tecnologias da informação estabelece uma enorme disparidade na

economia de cidades com e sem acesso à internet, na medida em que os lugares ficam excluídos

da cidade global. “A cidade global não é um lugar, mas um processo” (CASTELLS, 2006, p.

476). Com isto, a desigualdade social se aprofunda pela não democratização da esfera pública e

da economia. A oferta de trabalho é muito maior nos espaços de lugares que estão em interface

com o espaço de fluxo, obrigando o cidadão que não faz parte deste processo, se deslocar e se

submeter a condições de trabalho que só beneficiam o acumulo de capital.

[...] como a cidade industrial não foi uma réplica mundial de Manchester, a cidade

informacional emergente não será uma cópia do Vale do Silício, muito menos de Los

Angeles. Por outro lado, como na era industrial, apesar da diversidade [....] , há algumas

características comuns fundamentais no desenvolvimento transcultural da cidade

informacional (CASTELLS, 2006, p. 488).

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Uma destas características é que a cidade informacional não é uma forma, mas um

processo onde prevalecem as redes, estruturadas para a criação dos espaços de fluxos de

informação e relações. A infra-estrutura de outrora continua necessária, como rodovias, ferrovias,

eletrificação. Então, as desigualdades sociais e regionais podem se agravar se não for planejado e

executado obras de infra-estrutura de maneira semelhante.

Não obstante, novo espaço industrial é reconfigurado, impactando na divisão do trabalho

em âmbito internacional. A força de trabalho altamente qualificada vivendo nas proximidades dos

centros tradicionais para ter mais qualidade de vida, de um lado. E do outro, a massa de

trabalhadores não-qualificados e cada vez mais localizada nas periferias do mundo. Se não há

como controlar o valor dos produtos, controla-se dos custos da produção (WOOD, 2006), então

se busca de mão-de-obra mais barata nas periferias do mundo (CASTELLS, 2006), instalado-se a

produção fora do país. “Por isso, alguns pesquisadores, como Amis e Robins, afirmam que o

novo sistema industrial não é global nem local, mas “uma nova articulação do local com o

global” (CASTELLS, 2006, p. 481).

Mas uma vez que um local esteja integrado na rede, nada garante que permanecerá nesta

condição privilegiada. Embora haja continuidade espacial no domínio metropolitano, os

interesses do capital financeiro podem mudar o espaço preestabelecido.

Não obstante a educação ser argumento para se investir nas novas TIC, os investidores

pretendem mesmo é investir em entretenimento, uma vez que o retorno financeiro é mais certo.

Contudo, menciona também, pesquisa com os norte-americanos que aponta que os cidadãos estão

mais interessados na internet para ter acesso à questões que envolvem o convívio social

harmônico.

[...] Uma das pesquisas mais completas sobre a demanda de multimídias [...], revelou

interesse muito mais profundo pelo uso da multimídia para acesso à informação,

questões comunitárias, envolvimento político e educação que para mais opções de

programações televisivas e filmes (CASTELLS, 2006, p. 455).

As novas TIC são opção para que a produção cultural não seja massificada e abafe

culturas com menor recurso financeiro. Na França, considerou-se que as novas TIC representam a

independência de Hollywood (CASTELLS, 2006). No Capítulo 3 da presente dissertação serão

analisados Projetos de Lei que pretendem regulamentar a utilização da internet no Brasil.

Conforme se verá, a depender do conteúdo do texto final destes Projetos, promulgados e

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publicados no Diário Oficial, o ordenamento jurídico brasileiro limitará ou não a cultura via

internet.

A multimídia é novidade, então difícil avaliar consequências (CASTELLS, 2006).

Todavia, Castells (2006) discorre sobre quatro características similares dos impactos da

Multimídia no padrão social/cultural na Europa, EUA e Ásia. a saber: segmentação dos usuários;

estratificação entre os que interagem na rede, sendo de um lado, os transmissores, e do outro, os

receptores das informações; entrelaçamento das tecnologias de cada era cultural (SANTAELLA

2003).

A interação na esfera pública virtual é uma realidade. O movimento camponês do

México conhecido como Zapatismo, é o primeiro movimento de guerrilha a utilizar as novas TIC

da Revolução Informacional. Fez uso da internet, enquanto comunicação alternativa, para

contestação política. Os Zapatistas realizaram o indesejável pelos organizadores do Mundo Novo,

utilizar a internet como forma de pressionar os governos perante a comunidade internacional ao

denunciar abusos e expor suas idéias (CASTELLS, 2006). “Na verdade, os estudantes franceses

usavam o Minitel para organizar manifestações de rua contra o Governo” (CASTELLS, 2006, p.

468, grifo do autor).

Nos últimos anos tem proliferado o uso da esfera pública virtual para a participação e

contestação política dos cidadãos. Acontecimentos atuais no Irã, Egito e Líbia demonstram o

poder que as novas TIC tem para auxiliar na sensibilização e mobilização do povo, que luta para

extirpar o regime ditatorial que persiste há mais de 30 anos naquele país (citei três países cada um

com um regime específico. Assim como no Irã, tentou-se frear os anseios do povo impedindo o

uso da internet e torpedos.

Percebe-se que as novas TIC são estratégia democratizante da esfera pública para o

combate à violência no campo, inclusive. No Brasil há um notório e reiterado processo de

violência no campo que é agravada pelo isolamento das comunidades22

. Segundo Martins (1996,

p. 149), “Entre 1968 e 1987, diferentes tribos indígenas da Amazônia sofreram pelo menos 92

ataques, organizados principalmente por grandes proprietários de terra, com a participação de

seus pistoleiros, usando armas de fogo”. Além disto, provocaram desmatamentos irresponsáveis.

22

No fim da década de 80 do século passado foi Chico Mendes. Atualmente, pode-se mencionar a missionária

Dorithy Stang (AFONSO, 2005) e o casal de seringueiros João Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo

(CANUTO, 2011), como lamentáveis exemplos de que ainda é usual homicídio de cidadãos que ficaram conhecidos

por denunciar a violência no campo.

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A violência das últimas décadas na Amazônia é similar a violência retratada no filme Avatar, que

comoveu pessoas no mundo inteiro. A diferença é que na ficção os seres eram azuis, e não

“amarelos”. As TIC, acompanhadas de educação que viabilize sua utilização, podem ser suporte

habil para as mudanças desta realidade.

1.4- O que é a exclusão digital?

Quando os oprimidos chegam à porta da lei, encontram um obstáculo, dificuldade,

impedimento ou ameaça mas, o Estado e o Direito continuam afirmando que a porta

está aberta, que a lei faz todos os homens iguais, que as oportunidades, serviços e

possibilidades de intervenção do Estado estão sempre presentes para todos, de forma

isonômica e cega. E a sistemática, usual, crônica injustiça da sociedade é apresentada

como exceção, coincidência ou desventura.

Salienta-se que para o enfrentamento da questão posta na presente dissertação, descabe

aprofundar na distinção entre processo exclusão e processo de inclusão limitada, tendo em vista

que ambos processos tem como particularidade o aumento da desigualdade. Logo, a presente

dissertação será trabalhada a partir da idéia de exclusão no Estado Moderno, consoante

delimitado na introdução.

A conceituação do dicionário corrobora com a proposta de não distinguir exclusão de

inclusão limitada. De acordo com o dicionário Aurélio, excluir significa: “1- Ser incompatível

com: ... 2. Afastar, desviar, eliminar:... 3. Pôr de lado; abandonar, recusar... 4. Não admitir,

omitir... 5. Pôr fora; expulsar...”.

Exclusão é termo que vem da sociologia e está intimamente relacionado à desigualdade

do Estado Moderno. Isto porque a análise da sociedade a partir da exclusão tem como método

desvendar o processo de distribuição de bens necessários ao exercício da cidadania. “O conceito

de exclusão é portanto inseparável do de cidadania, que se refere aos direitos que as pessoas têm

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de participar da sociedade e usufruir certos benefícios considerados essenciais (REIS;

SCHWARTZMAN, 2011).

Destarte, não subsiste qualquer dúvida quanto às consequências da exclusão ou inclusão

limitada serem idênticas para agravar a desigualdade social. O tratamento dispensado aos

cidadãos na distribuição de bens necessários para o exercício da cidadania deve ser na exata

medida para assegurar a semelhança de condições de cada cidadão ou grupo de cidadãos iguais

em participarem da construção permanente da sociedade, garantindo que sejam atendidos os

Direitos Fundamentais todos, ainda que muito diversificada a sociedade, como é o caso do Brasil.

Para ser mais exato, defino exclusão social como um processo pelo qual determinados

grupos e indivíduos são sistematicamente impedidos de acesso a posições que lhes

permitiriam uma existência autônoma dentro de padrões sociais determinados por

instituições e valores inseridos em um dado contexto. (CASTELLS, 2000, p. 98 grifo

do autor).

O surgimento da internet alterou profundamente a comunicação entre os cidadãos do

mundo e, consequentemente, a cultura23

e a maneira de se exercer cidadania. Mas a difusão não

foi homogênea, e o resultado da disparidade de acesso começou a ser sentido e debatido por

especialistas. A exclusão digital, de início, era entendida como falta de acesso à rede. Hoje vai

além, abrange a não utilização por falta de conhecimento (MEDEIROS, 2010). E esta exclusão

ampliaria a desigualdade social? Faz-se a seguinte reflexão: qual grupo terá mais força para

interferir no Processo Legislativo Constituído. O grupo que tem acesso a internet, enquanto

ferramenta que reconfigura a noção de espaço e tempo, e dá maior amplitude para o

funcionamento do espaço público, e reconfigura, inclusive, a definição da economia no espaço de

fluxos. Ou o grupo de cidadãos esquecidos pelas grandes corporações que dominam a

comunicação via internet e estão fora do espaço de fluxo, bem como os que tem acesso à internet

mas não tem acesso à educação e capacitação para utilizar as novas TIC.

Sem embargos, não são só maravilhas que acompanham as criação e difusão (irregular)

de acesso à internet. Esta tecnologia é manipulada pela ação do homem que, antes de privilegiar

qualquer valor que dê suporte ao interesse coletivo é impulsionado pelos valores que tem

predominado no Estado Moderno e alimentado pela ganância econômica e vontade de dominar

outros seres humanos, subjugando-os a realização de tarefas que não condizem com sua cultura.

23

“Culturas consistem em processos de comunicação. E todas as formas de comunicação, [...], são baseadas na

produção e consumo de sinais”. (CASTELLS, 2006, 459).

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A distribuição e destinação da internet não são espontâneas. Pelo contrário, são ditadas

pela relação dos seres humanos à luz destes valores de mercado que sustentam as atividades

capitalistas globais. O primeiro argumento de Castells (2004) para tratar da desigualdade social

se refere à nova economia em rede, que pode acolher ou descartar determinada localidade, a

depender do valor do local. “O que caracteriza a lógica reticular inerente à infra-estrutura baseada

na internet é que tanto os lugares quanto as pessoas podem ser ligados e desligados. A geografia

da rede é uma geografia de inclusão e exclusão” (CASTELLS, 2004, p. 278).

É mister considerar a distribuição e destinação da internet, pensando-se na contribuição

que a utilização da internet tem para atender a multiplicidade de vozes. Se se restringir os

cidadãos com o devido acesso à internet, somente estes terão condições de se impor na relação de

troca e potencializar, dentre outros males, a expropriação do homem do campo, geradora da

questão agrária. Um dos argumentos de Castells (2004) para expor a questão da exclusão digital,

corrobora com esta assertiva.

[...] à medida que as novas tecnologias, os novos sistemas de produção, os novos

mercados globais e a nova estrutura institucional do comércio mundial eliminam a

agricultura tradicional (que continua a empregar neste momento cerca de metade da

força de trabalho mundial), produz-se um êxodo rural de gigantescas proporções [...]

(CASTELLS, 2004, p. 309).

Ademais, não basta ter acesso. A qualidade do acesso é também diferencial. Países

desenvolvidos utilizam rede específica para suportar os fluxos dos diversos bens que transitam na

rede informacional. Mas engana-se quem pensa que há distribuição e qualidade de acesso

uniforme em um país desenvolvido. A lógica de exclusão continua sendo a da sociedade de

mercado capitalista, onde há a mercantilização de todos os bens e ações humanas. Quem tem

dinheiro está no espaço de fluxos. Quem não tem capital fica preterido na esfera pública e da

economia, amplia-se a desigualdade social. É como no velho ditado, “o rio corre para o mar”, ou

seja, quem tem capital ganha mais dinheiro, quem não tem capital, sonha em ter os bens que só

podem ser comprados. O software mais propalado é o que depende do poder econômico do

adquirente. O mesmo ocorre com a qualidade da ligação, pois há tipos que não possuem

tecnologia para suportar, devidamente, o câmbio de fluxos.

A internet gera desigualdade não apenas entre espaços de lugares separados por

distâncias físicas, mas dentro do próprio lugar.

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A disparidade entre os que têm e os que não têm Internet amplia ainda mais o hiato da

desigualdade e da exclusão social, numa complexa interacção que parece aumentar a

distância entre a promessa da Era da Informação e a crua realidade na qual está imersa

uma grande parte da população mundial (CASTELLS, 2004, p. 287).

No entendimento de Castells (2004, p. 313) para acabar com a info-exclusão mundial

“necessitamos de uma economia baseada na internet, impulsionada pela capacidade de

aprendizagem e geração de conhecimentos, capaz de operar dentro das redes globais de valor e

apoiadas por instituição políticas legítimas e eficazes”.

É ponto pacífico, ainda, a necessidade de investir em educação, não apenas para saber

utilizar a internet como meio para o exercício da cidadania, mas para possibilitar uma educação

digital que capacite o usuário a propor melhoras e a contribuir para a evolução da internet,

disponibilizando gratuitamente sua invenção. Em que pese o reconhecimento da educação para a

autonomia do cidadão, a realidade é tormentosa. As novas TIC evoluem a passos largos,

afastando-se cada vez mais da compreensão dos excluídos. Quanto mais morosa é a distribuição

desta ferramenta, mais difícil será entendê-la, desestimulando a inserção no mundo dos espaços

de fluxo e deixando à margem da economia (CASTELLS, 2004).

Castells se debruçou sobre a questão da exclusão digital ou info-exclusão. Em suas

reflexões de esclarece seu entendimento às consequências deste processo:

Além disso, o processo de exclusão social na sociedade em rede afeta tanto pessoas

como territórios. De modo que, sob determinadas condições, países, regiões, cidades e

bairros inteiros são excluídos, relegando a tal exclusão a maioria ou a totalidade de

suas populações” (...) “áreas consideradas sem valor na perspectiva do capitalismo

informacional e que não sejam objeto de interesse público significativo a qualquer tipo

de poder são ignoradas pelos fluxos de riqueza e de informação e, em última análise

privadas da tecnologia básica que nos permite comunicar, inovar, produzir, consumir

e, até mesmo, viver no mundo de hoje (Castells, 2000, p. 99).

Na obra Galáxia internet, Castells (2004, p. 287 grifo nosso) inicia do capítulo 9,

intitulado de ‘A info-exclusão: Uma perspectiva global’, dizendo que “A centralidade da internet

em muitas áreas da actividade social, econômica e política converte-se em marginalidade para

aqueles que não têm ou possuem um acesso limitado à rede, assim como para aqueles que não

são capazes de tirar partido dela”.

Por ser a internet o locus onde se formam os espaços de fluxo que dão sustentação à

propagação da informação e à economia, a desigualdade social em relação aos bens da vida

necessários ao desenvolvimento sadio e harmonioso dos seres humanos é amplificada

exponencialmente pela exclusão digital. É imperioso reforçar o premente investimento educação

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formal e em capacitar os educadores para a educação digital, tendo em vista que esta forma de

exclusão é entendida não somente pela falta de acesso, mas pelo acesso precário e falta de cultura

digital que possibilite a internet servir de esfera pública.

A internet tem como faces da mesma moeda, o condão de aproximar regiões distantes no

espaço físico e, ao mesmo tempo, afastar as próximas. Tudo de acordo com o arranjo que cada

região assumirá no novo modelo de cidade da era informacional, a cidade global. E como a

internet é apenas um meio de comunicação, não é ela que irá gerar igualdade, fraternidade e

solidariedade de modo espontâneo. Seguirá sim, a tendência factual de ser mais uma ferramenta

de propagação de desigualdade social.

Pesquisa recente demonstra que entre metrópoles há uma diferença de acesso à internet

que exclui digitalmente os mesmos cidadãos que sofrem pelas desigualdades sociais tradicionais

(DESIGUALDADE, 2011). Se em São Paulo se desenvolveu o nó da rede no Brasil

(CASTELLS, 2004), é este o grupo dominante que escolherá as regiões que serão incorporadas à

cidade global brasileira. Fragmentando, ainda mais, a sociedade brasileira caso o poder público

não atue na promoção de acesso semelhante no vasto território do Brasil. Repita-se: se a

equiparação de acesso entre o meio rural e urbano for muito morosa, a consequência pode ser o

aprofundamento da desigualdade social a patamares irreversíveis. E a situação já é grave.

Conforme CAPRA (2005, p. 156),

No mundo inteiro, surgiu um novo segmento miserável da humanidade, que às vezes é

chamado de Quarto Mundo. Compreende ele grandes regiões do globo, entre as quais a

maior parte da África Sub-Saariana e as ares rurais pobres da Ásia a da Américo Latina.

A revolução das tecnologias da informação estabelece uma enorme disparidade na

economia de cidades com e sem acesso à internet, na medida em que os lugares ficam excluídos

da cidade global. “A cidade global não é um lugar, mas um processo” (CASTELLS, 2006, p.

476). Com isto, a desigualdade social se aprofunda pela não democratização da economia. A

oferta de trabalho é muito maior no espaço de fluxo, obrigando o cidadão que fornece mão-de-

obra não qualificada a se deslocar e se submeter a condições de trabalho que só beneficiam o

acumulo de capital.

Numa sociedade que faz parte ou pretende fazer parte da sociedade em rede, a relação

de troca é internacional, intemporal e ancorada lógica da Era Informacional. E para que não se

aumente a carência de legitimidade dos Governos por conta dos rumos da economia no cenário

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internacional, cabe ao Estado conduzir o processo de inclusão digital onde o interesse econômico

não o fizer, e com vistas a incrementar o exercício da cidadania. Assim, o local irá se posicionar

diante do global em condições de influenciar na definição das regras da economia, que se forem

criadas ao bel prazer dos grupos dominantes perpetuarão o julgo do capital destes grupos sobre os

demais.

Capítulo 2: O Direito Constitucional Democrático como solução para a facticidade

Concluída a análise geral da contribuição da Revolução Informacional para a

reestruturação da esfera pública, passa-se à abordagem da maneira de se exercer a democracia, tal

qual consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil em vigor. A tarefa que se

segue é ancorada na vertente da Teoria Constitucional Democrática, e contará com a

Hermenêutica Constitucional de Häberle, a teoria discursiva de Habermas, e a análise de

princípios fundamentais para corroborar a referida teoria.

A partir das vertentes anunciadas, buscar-se-á desvendar o núcleo comum do

constitucionalismo que se ajusta a todas as Constituições, enquanto elemento essencial que

permite se dizer de um ponto de unidade entre todas as Constituições. Núcleo este, legitimador

das regras de convívio social nas sociedades pluralistas por resolver o problema da facticidade.

E para que a análise desta vertente tenha pertinência com as pretensões da presente

dissertação, primeiramente será abordado o problema da legitimidade das leis a partir da crise da

representação. Após, a reflexão sobre as vertentes anunciadas será entrelaçada com a reflexão

sobre o impacto da Revolução da Informação, precipuamente, na utilização da internet para a

concretização da democracia pretendida. E qual seja: uma democracia exercida por representação

e por deliberação, simultaneamente.

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2.1 – A crise de legitimidade

Os debates acerca de como dotar de legitimidade as leis promulgadas na sociedade,

através do Processo Legislativo Constituído, é central para o enfrentamento da questão da

desigualdade social. A concordância com as leis é pressuposto da legitimidade, mas para que haja

redução das desigualdades sociais, não basta apenas que o cidadão esteja de acordo com as leis.

Impende verificar se a concordância pode ser fruto de manipulação ou da consciência.

No primeiro caso, via de regra, argumentos ardis enganarão os membros, supostamente

iguais. E seus efeitos serão sentidos com o tempo, culminando na manutenção e até no aumento

da desigualdade. E não é difícil entender esta dinâmica. Quem manipula algo visa um proveito

que, dificilmente, o cidadão manipulado irá usufruir. Aliás, se a intenção é legislar para aferir

ganhos reais a todos os membros, partindo do pressuposto de que todxs são iguais e livremente

associados, desnecessário seria o desgaste de uma manipulação. Até mesmo porque não se

falaria, sequer, em manipulação, mas em prática discursiva que produz consenso (ROCHA,

2011).

Situação diversa sucederá quando a criação das leis for fruto do discurso baseado em

amplo acesso à informação, necessária à formação das convicções, e aberto à interpretação das

múltiplas vozes dos membros iguais e livremente associados. Vozes que ecoam numa sociedade

com a riqueza de uma diversidade cultural singular, como a brasileira. “No Brasil, um Estado

extremamente pluralista, impera a necessidade de aceitação de uma sociedade aberta de

intérpretes da Constituição” (FILHO, 2011). Assim, formam-se convicções que se confrontarão

na esfera pública plural, e servirão de suporte para a tomada de decisões.

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No período histórico que precedeu as Revoluções Liberais as regras sociais se

justificavam, em suma, por serem obra da manifestação Divina. Ocorre que, com a indignação

diante da disparidade das funções estratificadas na sociedade, o homem resolveu conduzir seu

próprio destino. E o mecanismo que melhor serviu foi o instituto da representação política, que

causou toda sorte de abusos e distorções, conforme adiante tratado. Não conseguindo, portanto,

cumprir sua promessa igualar na arena política todo cidadão, independente da desigualdade

socioeconômica.

A partir do século XIX, tem-se discutido sobre a democracia ou, melhor dizendo, sobre a

maneira de se praticar democracia nas sociedades pluralistas. Isto por conta das leis na

democracia representativa estarem acometidas de grave crise de legitimidade entre os cidadãos.

Fenômeno que ocorreu em larga escala pelo fato do constitucionalismo liberal não ter conseguido

resolver, e até mesmo ter aumentado em demasia, a questão das desigualdades sociais específicas

do Estado Moderno. Se a sociedade tivesse se tornado mais igualitária por consequência da

organização do constitucionalismo liberal, provavelmente este modelo de democracia não seria

tão criticado a partir do século XIX, independente de haver outra forma de democracia mais

eficiente.

A questão que mais chama atenção na discussão e que vem pondo em cheque a

representação, enquanto melhor meio de igualar as condições dos cidadãos na esfera pública, é o

abismo entre representantes e representados. E isso, por conta de que, via de regra, o que sai deste

abismo são leis que desconsideram os problemas daqueles que não tem efetiva representação.

Esta insensibilidade dos representantes eleitos para ocupar os cargos dos Poderes Legislativo e

Executivo, seja em âmbito Federal, Estadual ou Municipal, é responsável por ampliar a

desigualdade social.

O distanciamento nefasto entre o cidadão e seus representantes é próprio das

características do paradigma de democracia representativa, que consagram uma democracia de

elite, já que restringe os membros que efetivamente participam das deliberações e tomadas de

decisões. Segundo Pereira (2010, p. 13), a representação conta com sistemas,

que privilegiam a redução do círculo dos que decidem, aliando, em geral, dito crédito

de legitimidade à capacidade dos agentes políticos de justificarem o uso do seu poder

decisório em virtude de critérios de eficiência governamental e de decisões por maioria.

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A introdução de partidos políticos e a criação de sindicatos pouco adiantou para efetivar

a democracia representativa (seria deliberrativa? do Brasil. Estas tentativas teriam o condão de

resolver o hiato entre representados e representantes e reduzir desigualdades sociais, mas

falharam em seu intento.

Os partidos políticos perderam a credibilidade ante a incapacidade ou falta de interesse

aliada a falta de obrigatoriedade de cumprir seus programas quando inseridos nos Poderes

Constituídos, especificamente no Legislativo e no Executivo. No primeiro caso há motivos como

a necessidade legítima de adequarem seus programas, para que os direitos fundamentais de

nenhum cidadão ou grupo de cidadãos seja preterido. O risco de desrespeitar um direito

fundamental muitas vezes será percebido no diálogo entre cidadãos iguais. Ou pela impotência

diante da economia do capitalismo financeiro da Era da informação que é um fator de mitigação

da Soberania, conforme tratado na seção 1.3 do capítulo 1.

No segundo caso, a partir da inserção, o partido pretenderá se manter no poder, em

detrimento, inclusive, do cumprimento do programa que recebeu o voto do eleitor (PEREIRA,

2010, p. 125). Pode-se tentar “justificar” estes motivos alegando os entraves do primeiro caso.

Usados, aqui, como um engodo para não perder espaço nos Poderes Constituídos, nas eleições

seguintes.

Os sindicatos assinalaram que o laissez-faire havia falhado. Ocorre que, somente

instaurou-se outra forma de exclusão da vida pública. A criação da Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT) inaugurou a chamada cidadania regulada. Para se inserir indiretamente na

espera pública, fazia-se necessário trabalhar com atividade que o Estado reconhecesse como

profissão, pois, assim, teria carteira de trabalho assinada e estaria vinculado a algum sindicato

(SANTOS, 1998).

O poder público cuidava de manter íntima relação com os representantes sindicais.

Destarte, a atuação destes ficava impregnada de intenções diversas das intenções dos

representados através dos sindicatos (SANTOS, 1998).

No final do período da ditadura os movimentos sociais intensificaram as ações que

visavam conduzir o Brasil para a redemocratização. Todavia, a história não se repete em círculos,

mas numa espiral, já que o que volta, volta ressignificado pela interpretação das experiências

humanas que ocorreram entre um momento e outro. E quando a sociedade brasileira investiu na

redemocratização, demonstrou por seus atos, que não era o retorno puro e simples da democracia

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representativa, tal qual a de outrora. Posto que a participação ativa no processo de elaboração da

Constituição inseriu valores a serem perseguidos pela sociedade na sua construção permanente.

Um destes valores é, justamente, considerar que a esfera pública deva ter abertura para a

multiplicidade de vozes que existem em uma sociedade pluralista como a do Brasil. A pressão do

povo sobre os constituintes foi insuportável e é indiscutível sua relevância para a cidadania ativa.

Segundo Cattoni (2006, p. 25),

A “comissão dos notáveis”, que já havia elaborado uma proposta de constituição,

trabalhou inutilmente, O procedimento tradicional foi atropelado pela grande força

popular já mobilizada no movimento das Diretas Já, e que diante da frustração

decorrente da não aprovação da Emenda Dante de Oliveira e da morte do presidente

eleito pelo Colégio Eleitoral como símbolo da transição para a democracia, Tancredo

Neves, exigiu a formulação de um novo procedimento iniciado com a coleta de

sugestões populares, ocasionando a abertura e a total democratização do processo

constituinte.

Como se vê, a alteração pretendida na democracia parte em primeiro lugar da ação do

cidadão. É imperiosa a postura ativa do cidadão na esfera pública através do discurso. É esta

postura que lhe dá voz e afasta decisões que, independente dos motivos, lhe são prejudiciais.

Pereira (2010) ao enfrentar o tema da crise da representação, assim elucida a questão:

Quando se fala em alteração do elo de identificação entre eleito e eleitor faz-se

referência expressa a mudanças comportamentais na esfera de ação do segundo e, por

isso, não deve ser analisada sob o manto da antiga polêmica entre mandato imperativo e

o mandato representativo. Trata-se, em verdade, da erosão do alicerce tradicional sobre

o qual se fundava a decisão política do voto. Em tempos atuais, a atenção dos eleitores

se mostra cada vez menos cativada por projetos globais de governação. ... Posicionar-se

e decidir-se politicamente implicava, em grande medida, alinhar-se ideologicamente

(PEREIRA, 2010, p. 122 grifo do autor).

A descrença nos partidos políticos, principalmente quanto capacidade de gerar justiça,

também provocou a crise da democracia representativa, bem com aflorou o anseio por maior

participação dos cidadãos eleitores, na esfera pública.

Cumpre salientar que a crise não se instala somente por problemas internos, como foi o

caso da democracia representativa acima descrita. A crise pode se instalar por questões alheias ao

funcionamento do paradigma em vigor. Para Kuhn (1970, p. 225) “Novos instrumentos como o

microscópio [...] podem ser desenvolvidas numa especificidade, enquanto a sua assimilação

provoca uma crise em outra”. Portanto, considerando-se o inigualável impacto das novas TIC nas

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relações sociais e na esfera pública, ainda que a democracia representativa não houvesse sido tão

inoperante, possivelmente a maneira do cidadão praticar democracia não se resumiria ao

momento do voto na Era informacional.

As seções e subseções seguintes versarão sobre a Teoria Constitucional Democrática e

as possibilidades de interação social que são intrínsecas a este paradigma de organização social.

Tal abordagem será feita com o cuidado de aproximá-la às inovações que acompanham as novas

TIC.

2.2 – A Teoria Constitucional Democrática

A Teoria do Controle é suporte consistente para se dizer da existência de um movimento

Constitucionalista presente desde as Revoluções Liberais, e que perdurou com o surgimento dos

paradigmas dos constitucionalismos Social e Democrático. O controle ocupa o núcleo de toda Lei

Maior dos Estados que adotaram o Constitucionalismo, em detrimento de governos autoritários

(PEREIRA, 2010). Entretanto, antes de se dar continuidade ao estudo da relação entre controle e

Teoria Constitucional Democrática, obrigatória se faz a incursão nas visões de Sieyès e de

Lassale acerca das Constituições e na Hermenêutica Constitucional de Häberle.

Sieyès (2001), conforme abordado na Seção I.1, analisava a composição social a partir

de seu país, a França, e entendia que haviam três estados que compunham a sociedade. O

primeiro e o segundo Estados eram o clero e a nobreza, respectivamente. O Terceiro Estado era o

restante da sociedade, mas era uma nação completa. E seus membros eram como máquinas de

trabalho (SIEYÈS, 2001) para a elevação da sociedade e não dependia que os membros do

primeiro e segundo Estados, embora os membros destes dois últimos Estados que gozavam dos

frutos.

Mas para que os ideais da Revolução Francesa se justificassem, os membros dos dois

primeiros estados não poderiam ser suprimidos da esfera pública. Daí a organização do corpo

político a partir de uma Assembléia com representantes dos três estados, com a pretensão de que

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assim, na esfera pública, todos seriam iguais. Uma vez eleitos, não defenderiam, cada um, os

interesses individuais dos membros de seu Estado, mas da nação como um todo.

Conhecemos o verdadeiro objetivo de uma assembléia nacional: não é feita para se

ocupar dos assuntos particulares dos cidadãos. Ela considera-os como uma massa, e sob

o ponto de vista do interesse comum, Tiramos daí a consequência natural: que o direito

de fazer-se representar só pertence aos cidadãos por causa das qualidades que lhes são

comuns e não devido àquela que os diferencia.

As vantagens pelas quais os cidadãos diferem estão além do caráter do cidadão. As

desigualdades de propriedade e de indústria são como as desigualdades de idade, de

sexo, de tamanho etc. não desnaturam a igualdade cívica [...]. Eu coloco a lei no centro

de um globo imenso; todos os cidadãos, sem exceção, estão à mesma distância sobre a

circunferência, e ocupam nela, lugares diferentes; todos dependem igualmente da lei,

todos lhe oferecem sua liberdade e sua propriedade para que as proteja; e é a isto que eu

chamo direitos comuns dos cidadãos, por onde todos se reúnem (SIEYÈS, 2001, p. 72).

Muito bem, pergunto eu, será que existe nalgum país — e fazendo esta pergunta os

horizontes clareiam — alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as

leis do mesmo, que a obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como

são, sem poderem ser de outro modo?

Lassale (2009, p. 22) se refere a estes atores sociais como “... fatores reais do poder que

regem uma determinada sociedade” e formam a essência da Constituição. E os que eram assim

reconhecidos por Lassale (2009) em meados do século XIX eram a nobreza, a grande burguesia,

os banqueiros, a pequena burguesia e a classe operária. Estas duas últimas, na visão de Lassale

(2009), ainda que não tivesse o reconhecimento na Lei Fundamental de seu devido espaço na

esfera pública, ainda sim, teriam legitimidade para agir na esfera pública caso sua liberdade

pessoal lhe fosse arrancada. Em momentos cruciais, para evitar o retorno de situação similares às

do Antigo Regime haveria legitimidade de ação “[...] nos casos extremos e desesperados também

o povo, nós todos, somos uma parte integrante da Constituição” (LASSALE, 2009, p. 29).

A conferência deste sociólogo, contrário ao Laissez-faire, é tida como a principal fonte

para se pensar Constituição nos dias de hoje. “Venerada como bíblia do sociologismo jurídico,

desde que veio há público em 1862, essa palestra virou texto de leitura obrigatória em todos os

quadrantes do constitucionalismo moderno” (COELHO, 2001, p. 1).

Entende que de nada adianta definir na Constituição que uma classe que irá governar

com poderes para fazer outra classe permanecer submetida às mesmas condições que causaram a

derrocada do Antigo Regime. As outras classes contestariam e se rebelariam, independente do

que estive escrito na Constituição. Embora tenha trazido à baila exemplo de situação que

demonstra passividade da classe operária quando é retirado os direitos políticos de voto sem

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retirar imediatamente o direito de propriedade24

. Nada mais fácil de compreender, pois se vivia

numa época que predominava a sociedade de mercado capitalista.

A participação de todo o povo na esfera pública é explicitada por Lassale (2009, p. 29)

de modo cabal quando diz:

Entretanto, o poder que se apóia na Nação, meus senhores, embora seja, como de fato o é

realmente, infinitamente maior, não está organizado; a vontade do povo, e sobretudo seu

grau de acometimento, não é sempre fácil pulsá-la mesmo por aqueles que dele fazem

parte. [...] até que a população um dia, cansada de ver os assuntos nacionais tão mal

administrados e pior regidos e que tudo é feito contra sua vontade e contra os interesses

gerais da nação, se levanta contra o poder organizado, opondo-lhe sua formidável

supremacia, embora desorganizada.

O próprio movimento de adoção de Constituições escritas seria oriundo do movimento

de insatisfação dos fatores reais do poder que existiam no Antigo Regime, a ordem até então

vigente, e comandaram as mudanças que culminaram nas Revoluções Liberais a na organização

da sociedade em Estados-Nação.

Nas sociedades modernas, admitindo-se que a composição do povo é complexa por ser

pluralista, a democracia representativa é insuficiente para acolher a multiplicidade de vozes que

tem de ser considerada na esfera pública. No capítulo 1 ficou demonstrada a contribuição da

internet para redimencionar a esfera pública e oportunizar que qualquer cidadão possa influir nas

deliberações e nas tomadas de decisões.

E para dar concretude à Constituição, ou seja, fazer com que não seja apenas um pedaço

de papel, elevando-se a Lei Fundamental à categoria de Constituição Real (LASSALE, 2009), as

ações do Estado para aflorar o interesse do povo em ocupar a esfera pública devem se

materializar em educação cujo método de ensino impulsione a participação ativa dos estudantes

na construção da aprendizagem, bem como, paralelamente, em políticas públicas de inclusão

digital rural que disponibilize acesso à rede mundial. E é claro que não se trata de qualquer

acesso. É imprescindível haver simétrica paridade com o acesso no meio urbano.

A educação para a cidadania, conforme acima mencionada, e a utilização simultânea da

internet incute a consciência da prática da cidadania com o auxílio da internet, chamada de

ciberativismo. Não havendo esta abertura democrática para que os cidadãos interpretem as regras

24

Até 1848 havia sufrágio universal na Prússia. Ricos e pobres em igualdade de condições podiam participar da

administração pública. Em 1849 é editada lei das três classes, dividindo os indivíduos de acordo com o poder

econômico (LASSALE, 2009).

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de convívio social (HÄBERLE, 1997) a Constituição pode ter sua estrutura questionada pelos

atores políticos que tencionam a esfera pública.

Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira

Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que

naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não

ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí

os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar (LASSALE, 2009, p. 51).

O poder constituinte originário não se sujeita às leis que vigoravam antes de sua

manifestação. Esta sujeição recai sobre o poder constituído, que deve ter a Constituição, criada

pelo poder constituinte originário, como baliza para suas decisões, sob pena de afrontar a vontade

geral.

Mas é verdade que uma representação extraordinária em nada se parece em nada com

uma legislatura ordinária. São poderes diferentes. Esta só pode se mover nas formas e

condições que lhe são impostas. A outra não está submetida a nenhuma forma em

especial: se reúne e delibera como faria a própria nação se, mesmo composta por um

número pequeno de indivíduos, quisesse dar uma constituição a seu governo (SIEYÈS,

2001, p. 34).

Se a representação tivesse alcançado este propósito, a democracia representativa não

atuaria em detrimento das forças ativas da sociedade, enquanto fatores reais de poder, sem ser

incomodada por uma virada em prol de um modo deliberativo de se exercer democracia. Quando

do exame da crise da representação, Pereira (2010, p. 121) discorre que “O apelo à participação

oferece-nos um bom referencial exemplificativo já que se configura muito mais uma

consequência da crise do que meramente sua causa”.

A Hermenêutica Constitucional de Häberle bebeu da fonte de Lassale (COELHO, 2001),

e deixou mais nítida a necessidade de abertura política para que todo cidadão, sem distinção,

tenha reconhecido o direito participar da criação e contestação da ordem vigente.

A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta.

Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela

envolvidas, sendo ela, um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um

elemento formador ou constituinte dessa sociedade [...]. Os critérios de interpretação

constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade

(HÄBERLE, 1997, p. 13).

Mais adiante, visando esclarecer sua tese sobre a sociedade aberta de interpretes da

Constituição e qual conceito de interpretação está nela compreendida, o autor diz que a própria

conduta do cidadão diante de determinada norma exterioriza sua interpretação, “quem vive a

norma acaba por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la” (HÄBERLE, 1997, p. 13).

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O conceito originário de interpretação remete a sociedades fechadas. Mas como a

sociedade se tornou complexa pelo reconhecimento da sua diversidade, este conceito se

corrompeu. A interpretação não pode ser de estirpe que não a pluralista. É, justamente, esta gama

variada de pontos de vista que são os fatores reais de poder (Lassale, 2009), que governam

efetivamente a sociedade. E com o auxílio das novas TIC, utilizadas para efetivar a democracia

deliberativa, a atuação plural na esfera pública é indispensável e ameniza a desigualdade social,

agravada ainda mais com a globalização. “Portanto, é impensável uma interpretação da

Constituição sem o cidadão ativo e sem as potências públicas mencionadas” (HÄBERLE, 1997,

p. 14).

A falência da democracia representativa quanto ao intento de manter nivelados os

cidadãos a partir da esfera pública, reduzida à ação dos ocupantes dos Poderes Legislativo e

Executivo de todos os Entes que compõe a Federação, tem como uma de suas causas a não

redução das desigualdades sociais. E com o fim da era do império da lei, perfeita e acabada,

instaura-se a ideia de uma democracia vista como um processo inacabado e aberto à contribuição

dos cidadãos na definição de seus sentidos. Portanto, a realidade social não pode moldar a

Constituição escrita sem a ampliação do círculo de interpretes da Lei Maior.

A estrita correspondência entre vinculação (à Constituição) e legitimação para a

interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se considera os novos

conhecimentos de teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto. Não é,

pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma

ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas. [...]. Se se reconhece que

a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os

participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da Law in public

action (personalização, pluralização da interpretação constitucional!) (HÄBERLE,

1997, p. 30-31 grifo do autor).

Häberle (1997) fundamenta seu entendimento sobre para a participação cidadã na

construção permanente da sociedade, também, à luz da Teoria Constitucional. Conforme Häberle

(1997) interpreta esta Teoria, e aqui se percebe proximidade à Lassale (2009), a Constituição se

efetiva na realidade vivida por todo e qualquer membro do corpo político que vive sob seu manto.

Portanto não deve dispor, por conseguinte, apenas sobre a organização do Estado, as liberdades

negativas e liberdades positivas do Poder Público. Em que pese a importância destas searas, o

constitucionalismo democrático valoriza a participação ativa na esfera pública, a ponto de não se

tornar realidade e ser um pedaço de papel (LASSALE, 2009), caso o exercício da cidadania se

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limite a participação no processo eleitoral institucionalizado, pois é na riqueza de interpretações

que o sentido do texto e a realidade se aproximam.

Ocorre que, o problema chave que dificulta esta dinâmica social reside na qualidade do

ensino e práxis condizentes com sociedade aberta de interpretes. Havendo comunidades rurais ou

um grupo da sociedade, cujo isolamento contribui para serem preteridas deste procedimento

discursivo que culmina em interpretações construtoras da realidade, a desigualdade social

persistirá. Percebe-se, com isto, que a concretização das teorias democrática e da sociedade

aberta de intérpretes em sociedades que foram inseridas na sociedade em rede passa,

irremediavelmente, pelo acesso e utilização da internet para fins de incrementar a esfera pública,

com a possibilidade de intensidade semelhante entre os membros iguais de determinado corpo

político influenciarem nas tomadas decisões, bem como para interação supra nacional, e

deliberação acerca de problemas comuns de um mundo globalizado.

A interpretação de Häberle (1997) dá uma carga de maior densidade à participação do

que em Lassale (2009). Não há aquela distinção da classe operária, ativa só em casos extremos.

Para Häberle (1997, p. 33),

Uma Constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a

própria esfera pública (Öffentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria

sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais

e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos.

Häberle (1997) também discorre sobre a aproximação entre sua Hermenêutica

Constitucional e a Teoria Democrática. Ambas dependem que as normas jurídicas tenham sentido

a partir da interpretação de seus efeitos frente às relações intersubjetivas, bem como da reflexão,

em tese, acerca da constitucionalidade das leis infraconstitucionais. Posturas ativas que podem

gerar, respectivamente, o controle difuso e o controle concentrado de constitucionalidade das leis,

adiante abordado.

Para que os cidadãos formulem, devidamente, suas interpretações para a efetivação da

Teoria Democrática, mister que se relacionem discursivamente na esfera pública. Esta postura é a

mesma que é imprescindível para a concretização da organização social aberta à interpretação

constitucional que vá além da interpretação dos Poderes Constituídos, e acolha o pluralismo de

interpretações vindas do cotidiano das pessoas, conforme a Hermenêutica Constitucional de

Häberle (1997).

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Possibilita-se, com isso, a efetivação do valor liberdade, perseguido desde as Revoluções

Liberais e alimentado pela constante reinterpretação do cidadão na esfera pública

tradicionalmente reconhecida, bem como na esfera pública da Era Informacional, que se realiza

no espaço de fluxos. “A sociedade é livre e aberta na medida que se amplia o círculo dos

interpretes da Constituição em sentido lato” (HÄBERLE, 1997, p. 40).

Os entendimentos de Sieyès, Lassale e Häberle acerca da organização social no Estado

Moderno guardam pertinência com a teoria Discursiva de Habermas (1992a, 1992b). Nesta, o

agir argumentativo na esfera pública é a postura necessária para que os membros iguais e

livremente associados venham a contribuir com a democracia. Não a democracia de leis perfeitas

e acabadas, mas vista como um processo aberto e inacabado que deve estar em permanente

construção, através das interpretações destes.

O Estado constitucional democrático, de acordo com a idéia que o sustenta, é uma

ordem desejada pelo próprio povo e legitimada pelo livre estabelecimento da vontade

desse mesmo povo. Segundo Rousseau e Kant, os destinatários do direito também

devem entender-se como seus próprios autores.

Caso o povo, porém, que se autocompreendia autoritativamente, não tivesse se tornado

uma nação de cidadãos autoconscientes, haveria faltado força propulsora a uma

reformulação jurídico-política como essa, e também força vital à república formalmente

instituída (HABERMAS, 2002, p. 135).

Os entendimentos acima esposados convergem quanto a abertura política para a

participação dos membros iguais e livres da sociedade na esfera pública. Diferem na maneira, na

intensidade da participação. O que se pode notar é que a participação veio sendo valorizada. No

bojo da sociedade de mercado capitalista, contentava-se com a ação dos atores políticos que

representavam “todos” os membros da sociedade que experimentava o Estado nacional.

Mas não havia como conter o desejo do ser humano, principalmente diante da eficiência

do modelo de constitucionalismo liberal em fazer a sociedade se desigualar. Com isto, nos

séculos seguintes o debate no sentido de adequar a esfera pública foi incessante, e o

reconhecimento da importância de se ampliar a participação ativa dos cidadãos na esfera pública

se tornou inegável. Não havia como sustentar que os representantes, de per si, teriam como suprir

a sensibilidade dos representados e criar regras que beneficiariam a todos, com paridade.

E é nesta ascensão da cidadania participativa, que a Teoria Constitucional Democrática

encontra campo fértil para refletir se há um ponto de comum entre as Leis fundamentais, que

permita se dizer da existência de um movimento Constitucionalista mundial que, pretensamente,

norteia as ações políticas dos países organizados sob estas vestes.

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Pereira (2010) inicia o estudo da Teoria Constitucional Democrática, atendo-se aos

aspectos do constitucionalismo, definidos pelas palavras idealidade e positividade, que não tem

consenso quanto a seus significados. São polissêmicas como a palavra constitucionalismo.

Conceitos que variam de acordo com o modelo constitucional adotado, isto é, os modelos Liberal,

Social ou Democrático. Logo, o nível de abertura para participação política tem impacto nos

conceitos em epigrafe.

A idealidade marca as ações necessárias para se transformar os fatos que não condizem

com os anseios sociais dispostos na Constituição. É o embate entre o ideal e o real eclodindo a

teoria da normativa, contrafactual, tendo em vista que a proposta é adequar a realidade que

deturpa a vontade comum, como a redução das desigualdades sociais. O que significa que por

este aspecto, o constitucionalismo “funda-se como uma teoria acerca da convivência que impõe a

racionalidade como critério essencial de justificação” (PEREIRA, 2010, p. 8).

No que concerne ao segundo aspecto, chamado de constitucionalismo positividade, há

de se dizer intimamente relacionado com o primeiro. Veja-se: para se transformar a realidade,

nada mais importante que os cidadãos se posicionarem discursivamente na esfera pública para

tornarem públicas as práticas que afrontam direitos fundamentais. E o constitucionalismo-

positividade é cunhado na certeza de que as leis não tem as características de perpetuidade e

perfeição anunciadas nos tempos áureos do império das leis. Pelo contrário,

a conclusão inevitável é a de que inexiste fórmula homogênea universalmente aplicável

independentemente de fatores históricos, geográficos, culturais etc. Neste sentido, não

há nada mais estável no constitucionalismo do que sua capacidade de adaptação

(PEREIRA, 2011, p. 9).

Não sendo perpétuas as leis e nem os anseios sociais, mister que o Poder Público esteja

aberto à possibilidade de críticas, para, assim, se adaptar à complexidade do pluralismo social. A

facticidade é superada, pois se “viabiliza um processo cíclico de legitimação e acomodação”

(PEREIRA, 2011, p. 9) que, sem ele, a manutenção da ordem social, assim como do tipo de

constitucionalismo em vigor estarão, proporcionalmente, comprometidas.

Em que pese a polissemia da palavra constitucionalismo, Pereira (2010) reconhece a

relevância de se detectar e problematizar o ponto comum entre as teorias dos modelos

constitucionais supracitados. E é no motivo que ensejou a derrocada do Antigo Regime,

precisamente a luta contra as arbitrariedades dos governantes, que nasce a função de controle dos

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atos do Poder Público, que Pereira (2010) denomina como núcleo duro. E por ter sido uma das

causas das Revoluções Liberais, perder este instituto de vista, seria um risco de regresso das

arbitrariedades.

Retomando a noção de constitucionalismo como teoria e movimento políticos que

recriam a natureza e a função do princípio da soberania e da organização política em

virtude da proteção do indivíduo, o controle do exercício do poder através do princípio

da legalidade e do arranjo institucional tornou-se, pois, o modus operandi desse

particular modelo de Estado (PEREIRA, 2010, p. 17 grifo do autor).

Claro que o termo controle não fugiu à regra de ser alterado a depender da teoria política

que determinado corpo político exorta. E a análise desta evolução tem em vista situar o modo de

exercício do instituto do controle no constitucionalismo democrático. Analise que servirá para

verificar, conclusivamente, se há algum propósito em atrelar sua prática à difusão e utilização

equânime das novas TIC, precipuamente a internet, na concretização deste modelo de

Constituição.

Recorda-se que as Revoluções Liberais marcam uma mudança na relação do Estado com

o cidadão. Até então era uma relação entre soberano e súditos, onde o primeiro detinha o Poder.

Vem a proclamação dos Direitos Fundamentais e a situação inverte. Estes direitos impõem ao

Estado o dever de se abster de intervir nas relações privadas, que passaram a ser calcadas no

princípio da autonomia das vontades. Eram as liberdades negativas, chamadas de direitos de

primeira geração25

, que tinham o objetivo de limitar a atuação do Estado (MORAES, 2010), pois

o Poder passa a emanar, em tese, do povo que também, em tese, pretendia ter assegurado o direito

à liberdade física, contratual e a propriedade dos seus bens garantida.

O controle era entendido como um instituto que serviria para limitar o governo,

cumprindo sua função de garantia dos direitos consagrados no Parlamento, locus da esfera

pública. Percebe-se que a única função coaduna com uma sociedade de mercado capitalista, onde

a igualdade se realizava diante das leis do mercado. Portanto, não haveria sentido o controle ser

exercido para se contribuir para a legitimidade das Leis criadas estritamente pelos representantes

eleitos. Entendimento que começará a ser repensada com a aproximação do constitucionalismo

com a democracia deliberativa, tendo em vista que,

25

Mendes (2009, p. 268) entende que “Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas

como propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações

acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessões de gerações não significa

dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instantes seguintes”.

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O objetivo central, portanto, será o de reconstruir a noção de controle com base na

otimização da relação entre constituição e democracia, tanto no que tange, como será

visto, à dimensão fundante, quanto no que toca à dimensão garantia da

constitucionalidade (PEREIRA, 2010, p. 28-29).

Característica intrínseca à criação do Estado Moderno e que o acompanha desde sua

origem, portanto, é não ser permitido que haja ato dos ocupantes dos cargos dos Poderes

Constituídos que fuja a fiscalização dos cidadãos, para que as normas emanadas do povo sejam,

obrigatoriamente, observadas. Assim, a vontade geral não seria deturpada. A unidade de sentido

do movimento constitucionalista, seu núcleo duro, reside no “controle do modo pelo qual o poder

deve ser exercido” (PEREIRA, 2010, p. 16). E os princípios da legalidade e publicidade tem a

função de possibilitar que o povo exerça o controle dos atos emanados do Estado.

A crise de legitimidade das leis criadas no Processo Legislativo Constituído da

democracia representativa foi causada por fatores abordados na Seção precedente. Mas a crise em

si acabou sendo fator para a reflexão sobre suas causas, bem como motivou a busca pela

democracia deliberativa.

Em síntese, pode-se afirmar que a crise é um fator de legitimação democrática que

opera em dois níveis inter-relacionados: seja fornecendo à democracia os ingredientes

conflituais necessários para que atue como método de resolução de dissensos no interior

da sociedade, seja criando oportunidades para a reconfiguração de suas características

essenciais, ao corroer os seus componentes que se mostrarem inadequados e pouco

funcionais (PEREIRA, 2010, p. 131).

Controlar passa a abranger outra prática que não apenas limitar, qual seja, a da

autodeterminação se propõe a dirigir a tarefa de criar regras de convívio social. E isto ocorre com

a efetivação do princípio da participação. Todavia, conforme salientado na Seção I.3, a

autodeterminação dos povos foi traduzida como autodeterminação dos Estados, o que reflete

negativamente na democracia, pois a ingerência do próprio destino é causa da “crise do Estado”.

Termo que significa “a perda da capacidade estatal de regulação dos assuntos internos, cada vez

mais dependentes de conjunturas e imperativos impostos a partir de fora...” (PEREIRA, 2010, p.

110).

Para que a autodeterminação seja realmente dos povos, a primeira liberdade dos povos

deve ser a escolha da sua organização social, que até pode ser nos moldes do Estado-Nação, mas

que esta escolha seja dos povos e não uma imposição do poder econômico internacional

(MARÉS, 1998). E Pereira (2010, p. 82) se alinha a este pensamento. Entende “que todo o

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sistema de direitos resulta diretamente do princípio da autodeterminação dos cidadãos, na medida

em que é construído argumentativamente e não definido a priori”. E não poderia ser diferente, já

que em outra passagem de sua obra, vincula a autodeterminação à origem do pluralismo,

característica intrínseca das sociedades atuais. Quanto mais com a dinâmica social proporcionada

pelo uso das novas TIC.

E para se autodeterminar, o povo tem de agir discursivamente. O procedimento

discursivo, que pode se apoiar na internet para potencializar exponencialmente a esfera pública,

legitima as leis criadas na esfera pública do Estado que acolhe o princípio da participação26

.

A teoria do discurso explica a legitimidade do direito com o auxílio de processos e

pressupostos da comunicação – que são institucionalizados juridicamente – os quais

permitem levantar a suposição de que os processos de criação e de aplicação do direito

levam a resultados racionais (HABERMAS, 1992b, p.153).

[...]

Todavia, divergindo do paradigma liberal e do Estado social, este paradigma do direito

não antecipa mais um determinado ideal de sociedade, nem uma determinada visão de

vida boa ou de uma determinada opção política. Pois ele é formal no sentido de que

apenas formula as condições necessárias segundo as quais os sujeitos do direito podem,

enquanto cidadãos, entender-se entre si para descobrir os seus problemas e o modo de

solucioná-los (HABERMAS, 1992b, p. 190).

Não obstante, a total autonomia para se autodeterminar é uma utopia. Exemplo tétrico é

a pressão que o Governo da Grécia, berço da democracia, sofreu de países da Europa, berço da

sociedade do conhecimento, para que não realizasse uma consulta pública para que os cidadãos

gregos avaliassem as condições impostas para que recebessem ajuda financeira.

A partir da ampliação do conceito de controle, amplia-se, proporcionalmente, a função

da Constituição. Assim, a Constituição Liberal, antidemocrática em sua essência (CANOTILHO,

1993), tem de dar lugar a uma ideia de Constituição entrelaçada com o regime democrático

calcado na participação dos cidadãos na esfera pública, para que as leis tenham legitimidade e se

resolva o problema da facticidade das regras de convívio social.

No entanto, a união entre constitucionalismo e democracia não é obra de outra coisa,

senão do desenrolar dos acontecimentos históricos. Conquistas como o sufrágio universal, que

abriu a vida política para uma gama de pessoas até então excluídas da possibilidade de apresentar

seus anseios; os direitos de segunda geração do Estado Social, impondo que o Estado saísse de

sua postura de abstenção para promover a igualdade de condições e reduzisse as desigualdades

26

Ver item II.3

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sociais. E a compatibilização da autonomia privada com a autonomia pública27

, forçando a

reconfiguração da esfera pública, foram tornando a sociedade cada vez mais complexa.

Para Habermas (1992a), a compatibilização da autonomia privada com a autonomia

pública resolve a suposta incongruência entre constituição e democracia, advinda das

características de ambas. Aquela por impor limites à atuação legislativa; esta por se basear na

soberania popular. É o agir argumentativo descrito na teoria do discurso que possibilita uma

Teoria Constitucional Democrática, que tem na resignificação do conceito de controle pelo

investimento na democracia participativa, seu suporte.

O visado nexo interno entre soberania do povo e direitos humanos reside no conteúdo

normativo de um modo de exercício da autonomia pública, que é assegurado através da

formação discursiva da opinião e da vontade, não através da forma das leis gerais

(HABERMAS, 1992a, p. 137).

Pereira (2010) trata desta aproximação entre constituição e democracia, demonstrando,

dentre outras28

, a importância do povo ocupar a esfera pública. Só assim, com sua multiplicidade

de vozes ecoando na esfera pública, não deixarão a construção contínua do seu destino

unicamente sob a responsabilidade os representantes eleitos, que não tem a sensibilidade

necessária para compreender, tampouco atender os anseios de uma sociedade pluralista.

Este autor denomina a nova proposta de esfera pública como sendo a viragem social. É

esta mudança histórica estimulada sobremaneira, pelo aumento das desigualdades sociais,

provocadas pelas mazelas da representação política do Estado Liberal, “[...] aproximou

democracia e constituição na medida em que afastou do aparelho estatal o monopólio da gestão

da dimensão pública, inscrevendo-a também no seio da sociedade civil” (PEREIRA, 2010, p. 59).

Com isto, as deliberações que formam as decisões não se limitariam mais ao âmbito do

27

“A co-originalidade da autonomia privada e pública somente se mostra, quando conseguimos decifrar o modela da

autolegislação através da teoria do discurso, que ensina serem os destinatários simultaneamente os autores de seus

direitos” (HABERMAS, 1992ª, p. 139). 28

“Em linhas gerais, a atual compreensão do relacionamento necessário entre constituição e democracia resulta de

três “viragens” históricas essenciais, as quais podem ser denominadas de a) viragem eleitoral; b) viragem social; c)

viragem pública” (PEREIRA, 2010, p. 58-59 grifo do autor).

A viragem eleitoral é consequência da pressão pela ampliação da esfera pública que resultou na “adoção do sufrágio

universal” (PEREIRA, 2010, p. 59). Já a viragem social é repercussão do Estado Social de Direito. O Estado passa a

ser promotor de ações que visavam minimizar as desigualdades sociais, o que provoca maior igualdade de inserção

na esfera pública.

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Parlamento. Buscaria daí em diante, a legitimidade das normas na participação política dos

cidadãos.

O Capital Social29

também é admitido como modo de resgate da participação, já que

integra os membros iguais e livres da sociedade a partir do momento em que alimenta o

engajamento cívico através das normas de reciprocidade e das redes associativas (PEREIRA,

2010). É competente para enaltecer a terceira geração de direitos, mediante a sofisticação de uma

cultura solidária. A internet é instrumento que dinamiza a formação do capital social. Segundo

Costa (2004), a analise das ações coletivas deve considerar a influência da rede digital, cuja

ferramenta internet é o principal suporte.

Testemunhos como os de Howard Rheingold, por exemplo, vêm comprovando que a

sinergia entre as pessoas via web, dependendo do projeto em que estejam envolvidas,

pode ser multiplicada com enorme sucesso. As diversas formas de comunidades

virtuais, a estratégia P2P, as comunidades móveis, a explosão dos blogs e wikis, a

recente febre do orkut são prova de que o ciberespaço constitui um fator crucial no

incremento do capital social e cultural disponível (COSTA 2004).

Entendimento que coaduna com a sociedade em rede tal qual exposta por Castells (2006).

A institucionalização do princípio da participação perpassa por investimentos em

educação que prepare os cidadãos a se inserirem na esfera pública para agirem deliberativamente,

prontos para tomarem decisões (FREIRE 2007), consoante a sociedade brasileira consagrou na

Lei Fundamental. Segundo Pereira (2010, p. 159) “O déficit em termos de educação é, assim, um

dos motivos centrais para a desestabilização da chamada “competência” para a cidadania [...]”.

A análise da Teoria Constitucional Democrática é bastante para se concluir que a

participação do cidadão na esfera pública é imprescindível para a redução das desigualdades

sociais. Ocorrer que, o Poder Público não tem ousado em políticas públicas de disponibilização

de instrumentos institucionalizados de participação. “[...] urge ressaltar que se tem arriscado

pouco no que se refere à introdução concreta de mecanismos de participação. [...]. O caso mais

em voga é o do orçamento participativo...” (PEREIRA, 2010, p. 169).

29

“[...] o capital social de uma comunidade pode ser entendido como a capacidade de interação dos indivíduos, seu

potencial para interagir com os que estão a sua volta, com seus parentes, amigos, colegas de trabalho, mas também

com os novos vizinhos, com alguém novo no bairro ou no trabalho etc.” (COSTA, 2004).

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Nas seções seguintes serão abordados modos do exercício da participação mediante

controle, tanto por limitação aos atos dos ocupantes dos cargos dos Poderes Constituídos, quanto

por propostas nas deliberações na esfera pública.

2.2.1 – Os institutos jurídicos que se concretizam na participação política ativa dos

cidadãos

A sociedade tem de se posicionar publicamente no intuito de balancear as decisões

tomadas. Tarefa esta que está rodeada de interesses econômicos internacionais, sempre infligindo

enorme pressão sobre os governos para impedir que a ordem econômica seja tratada com

soberania. É a resistência local contra a famigerada procura por aumento dos lucros, em

detrimento da justiça e da dignidade da pessoa humana.

Os locais de resistência à ordem tem em comum o requisito participação como a ação

que possibilita a sociedade civil influenciar nas tomadas de decisões. Alguns meios ocorrem sem

a necessidade de interação, desde o início, com os ocupantes dos cargos dos Poderes

Constituídos, para que produza efeitos. Outros dependem de procedimentos legais desde o início,

para a produção dos efeitos almejados.

O certo é que para se exercer a democracia, reivindicada pela sociedade durante os

trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e disposta na CRFB/88, é imperativa a

aproximação entre a representação e a participação direta. É correto dizer, também, que cabe ao

Estado fomentar esta participação, investindo em educação e institucionalizando espaços

públicos, inclusive com abertura a participação em audiências públicas via internet.

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“A adequação dos arranjos institucionais como condicionante privilegiado do êxito da

participação. A existência de canais e instrumentos concretos que viabilizem o

exercício razoável do direito à participação tanto no âmbito dos poderes estatais, como

em fóruns híbridos e similares têm acrescido em importância, na medida em que

aumentam paralelamente o desejo e as expectativas em torno de mais participação. [...].

Certo é que o desenvolvimento de políticas públicas pró-participação afigura-se um

requisito imprescindível”. (PEREIRA, 2010, p. 160).

Contudo, quando há quebra de um paradigma, para que o novo paradigma se solidifique

deverá superar a ação dos defensores do paradigma anterior. Isto porque a definição da

preferência por um paradigma implica na opção por uma maneira de organização diversa da

prevista no paradigma concorrente (KUNH, 1970). Mal iniciou o resgate da participação do

cidadão nas deliberações e já se ouve defensores da democracia representativa, tentando diminuir

esta prática.

“Não é novidade a existência de “atitudes de resistência” por parte do círculo de

agentes oficiais, impulsionadas por pré-compreensões desfavoráveis à posição dos

instrumentos de participação no quadro global do sistema político. O fenômeno é

observado mesmo em países de democracia avançada e com largas tradições de

democracia direta” (PEREIRA, 2010, p. 161).

Em um Estado Constitucional Democrático, o controle exercido pelos Poderes

Constituídos é indissociável da participação do povo na esfera pública. E não poderia ser

diferente. A Hermenêutica constitucional que coaduna com esta organização de Estado é bem

trabalhada por Häberle (1997), e diz da necessidade de uma sociedade aberta de interpretes da

Constituição, que significa que os cidadãos que vivem as normas, sempre as interpretam,

inclusive quando praticam ações.

Conclui-se que de acordo com a Teoria Constitucional Democrática o controle do modo

pelo qual o poder deve ser exercido parece ser o “Elo de convergência teórica que torne a

inteligibilidade do conceito de constitucionalismo possível e partilhável entre as diversas

tradições, mantendo, enfim, certa unidade mínima e estável de sentido” (PEREIRA, 2010. p.16).

A seguir serão abordados meios à disposição dos cidadãos para os introduzirem na

esfera pública, ativamente.

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2.2.1.1 – O cidadão e o controle político. As modalidades de accountability

O Constitucionalismo do Estado Moderno inaugura a era em que o Poder é retirado do

Estado e transferido para o Povo. E para exercer, diretamente, a titularidade do Poder, o povo

contou com institutos que variaram de acordo com o paradigma de constitucionalismo adotado

nos dois últimos séculos. Esta Seção é dedicada ao controle político adequado à proposta do

Constitucionalismo Democrático.

Estou discutindo aqui apenas a accountability política, que em si tem relevância direta na

ligação entre representantes e representados. Sem dúvida, elementos que vi acima como o

constitucionalismo, ou, de forma mais geral, como o governo da lei (pública) podem ser

apresentados paralelamente à accountability legal dos representantes eleitos que, se

infringirem a lei, devem responder por e assumir a responsabilidade por seus atos. Entretanto,

esta forma de accountability não pertence ao povo, e não aproxima a distância entre

governantes e governados exceto na medida em que constitui um dos instrumentos do

constitucionalismo (ARATO, 2002).

Já se viu da evolução do controle. Sempre coincidindo com o papel do cidadão na esfera

pública. De início só limitação da atuação dos Poderes Constituídos, o que não assegurou a

igualdade socioeconômica no Estado Liberal. O controle político neste período clássico da

democracia representativa, assim como a participação política, tinha momento definido para

acontecer, bem como quem teria direito a exercê-lo, ou seja, somente os seres humanos que

gozavam de cidadania reconhecida através do direito de voto. Era no processo eleitoral que os

cidadãos exerceriam o controle político sobre os atos dos agentes políticos, especificamente no

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momento em que se dirigiam às urnas para escolherem seus representantes que, isolados dos

cidadãos, legislariam durante todo o mandato.

Houvesse insatisfação quanto ao cumprimento da liturgia do cargo por parte de um

representante eleito no pleito anterior, o cidadão poderia penalizá-lo por sua indolência, não

votado nele, retirando-o da esfera pública, logo, retirando sua influência nas decisões que

afetariam o corpo político. Claro que para isto, a informação deve ser a base das deliberações.

“Tais redes exercem uma crescente influência simbólica na responsabilidade política

(accountability). É isso que apontam Smith, Pagnucco & Chatfield. Para esses autores, isto se

daria ‘por meio do fortalecimento da informação e contra-informação política [...]” (MACHADO,

2007, p. 269, grifo do autor).

Percebe-se que o representante político tinha ampla liberdade para cometer toda sorte de

abuso, já que no Constitucionalismo Liberal o controle político, também conhecido como

accountability regressiva, como o próprio nome indica, ocorria ao final do mandato.

accountability é uma avaliação retrospectiva, especialmente quando se trata de

representantes eleitos que não podem ser forçados a cumprir as promessas e programas

enquanto estiverem no cargo, mas que podem ser punidos por seus atos e omissões nas

eleições subseqüentes (ARATO, 2002).

A evolução para o Constitucionalismo Social nada foi acrescentado de relevante na

esfera pública, logo, a noção de controle também não evoluiu. O Poder Executivo forte do Estado

Social também despolitizava porque mantinha o cotidiano do cidadão longe da esfera pública.

Como anteriormente salientado, a ideia de democracia de leis gerais, abstratas e

perfeitas, bem como o liberalismo antidemocrático (CANOTILHO, 1993) acarretou em profunda

desigualdade social. O cidadão brasileiro, durante quase todo o século XX, teve acesso à

cidadania regulada. Dependia-se do Estado reconhecer determinada profissão para que o cidadão

que a desempenhasse, pudesse ter seus interesses levados à esfera pública, mediante a atuação

dos membros do sindicato. Ocorre o Estado aproximou-se dos líderes sindicais disponibilizando

benefícios, não para os representados, coletivamente, mas para os representantes sindicais,

individualmente (SANTOS, 1998).

Com isto, os brasileiros passaram a lutar pelo reconhecimento de suas profissão e por

lei trabalhistas que lhes assegurassem o status de cidadãos, bem como a efetiva aplicação destas

leis. Ter uma carteira de trabalho era o que afastava o homem do conceito de vadiagem

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(SANTOS, 1998). Luta que era vencida quando a profissão era reconhecida, mas findava-se a

participação política, agora relegada ao sindicato e representantes eleitos.

Todavia, não se pode negar que a participação, ainda que interrompida, demonstra o

poder da participação ativa do cidadão na esfera pública. Exemplo cabal é que a Consolidação

das Leis Trabalhistas (CLT), Dec. Lei 5.452 de 1º de maio de 1943 tratou da relação do

trabalhador e empregador urbanos, pois organizados tinham como pressionar os Poderes

Constituídos. Deixando o desarticulado homem do campo legalmente desamparado até a

promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 (Lei 4.214, de 02.03.63) (SANTOS,

1998).

Segundo Marx (2007), a consciência deve ser produto das relações de troca

historicamente construídas, e não de ideais criados artificialmente por intelectuais, ou seja,

indivíduos que dentro da divisão do trabalho ocupam o lugar da classe dominante. Classe esta,

que conta também com membros que coordenam a execução do planejado pelos intelectuais. O

problema reside no fato dos intelectuais serem insensíveis às necessidades dos trabalhadores que,

por ser a classe dominada, eram encarregados da obrigação de exercer o trabalho produtivo, e que

suportavam todos os ônus da sociedade, sem gozar de suas vantagens.

“As estruturas comunicacionais da esfera pública estão muito ligadas aos domínios da

vida privada, fazendo com que a periferia, ou seja, a sociedade civil, possua uma

sensibilidade maior para os novos problemas, conseguindo captá-los e identificá-los

antes dos centros da política. Pode-se comprovar isso através dos grandes temas

surgidos nas últimas décadas” (Habermas, 1992b, p. 115).

Com o surgimento dos Movimentos Sociais30

, a participação dos cidadãos na esfera

pública se viu livre da necessidade da representação por partidos e sindicatos para oferecerem

resistência a ordem vigente, mediante controle efetivado na participação. Embora os cidadãos

tenham superado o obstáculo de se conquistar a autorização do Estado para que a profissão fosse

reconhecida, com a criminalização dos atos dos movimentos sociais, o obstáculo para ter

reconhecidas suas necessidades aumentou. “[...] os movimentos sociais eram interpretados como

eventos disruptivos e desestabilizadores da ordem jurídico-política” (PEREIRA, 2001, p. 182).

Deixaram de ser mudos para serem criminosos. As teorias clássicas dos movimentos sociais que

não os reconheciam como atores políticos legítimos.

30

Os Movimentos Sociais analisados na presente dissertação não são os movimentos de ação que Weber (1991)

descreve com meramente reativa a uma situação de massa ou imitação, mas sim, oriundos da ação social consciente e

que questiona a ordem existente.

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90

Para Machado (2007, p. 251),

“As abordagens consideradas “clássicas” predominavam até os anos 60 do século XX.

Até então a maioria das correntes analíticas associava a ação dos movimentos sociais a

processos mais amplos e a transformações sociais, ligados às rápidas mudanças da

sociologia industrial”.

Importante registrar os termos usados por Gohn (2004, p. 24-25), segundo a qual:

“O sistema político era visto como uma sociedade aberta a todos. Mas os movimentos

sociais não teriam a capacidade de influenciar naquele sistema devido a suas

características espontâneas e explosivas. Somente os partidos políticos, os grupos de

interesse e alguns líderes teriam esta capacidade. [...]. Toda ação coletiva extra-

institucional, motivada por fortes crenças ideológicas, parecia ser antidemocrática e

ameaçadora para o consenso que deveria existir na sociedade civil”.

O estágio atual do Constitucionalismo, conforme se viu, é impulsionado pelo desejo do

cidadão ser ativo na esfera pública e protagonista do seu destino. É o Constitucionalismo

democrático se desenvolvendo com a aceitação de todo membro da sociedade na esfera pública,

indistintamente. Dito de outra maneira, a multiplicidade de vozes da sociedade complexa se

aproximando dos Poderes Constituídos, por intermédio da esfera pública (HABERMAS, 1992b,

p. 171).

Para o cidadão cumprir seu papel de protagonista, mister que o Estado atue visando

efetivar a democracia deliberativa. Para tanto, importante institucionalizar meios do cidadão se

inserir na esfera pública. Algumas experiências tem sido proveitosas, tais como a organização

conjunta entre os Entes da Federação de Fóruns para debate de temas que estão “na ordem do

dia”, Congressos, Audiências Públicas presenciais e virtuais.

A internet livre é ferramenta poderosíssima para dar proporções satisfatórias à esfera

pública, independente do Estado provocar e organizar a participação. No Capítulo 3 será

abordado o debate acerca da internet ser disponibilizada por software livre ou comercial.

Toda esta abertura política para a inserção de novos interpretes do ordenamento

jurídico, por conseguinte, mudou no modo de exercer controle, antes somente regressivo, agora

exercendo também, a accountability concomitante, tendo em vista que os cidadão podem praticar

o controle na esfera pública, no sentido de conduzir, protagonizar deliberações que subsidiam as

tomadas de decisões, simultaneamente ao cumprimento do mandato. O que garante que o

representante eleito possa reavaliar suas ações se alinhar com o interesse dos representados, que

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91

se ficassem alheios ao processo deliberativo, não possibilitariam a mudança de postura. Ressalta-

se a influência das novas TIC nesse processo de aproximação entre representados e

representantes.

Não há como negar que nos defrontamos com tendências muito fortes de

transformação, principalmente no que se refere às formas de organização e atuação dos

movimentos sociais, Tais redes, assim como outras formas de organização conhecidas,

são caracterizadas pelo voluntariado, reciprocidade e modelos horizontais de

comunicação e intercâmbio. Nisso não há novidade, O que chama a atenção é que tais

elementos foram enormemente potencializados com o uso das tecnologias de

informação (MACHADO, 2007, p. 270, grifo do autor).

Este esclarecimento corrobora com a noção de que a internet é uma ferramenta que, de

per si, não resolverá velhos problemas causados pela desigualdade social. A redução das

desigualdades sociais somente ocorrerá se o cidadão preterido se introduzir na esfera pública e

deliberar a melhor solução expondo seu ponto de vista, argumentativamente. E se este cidadão

contar com o devido acesso à Era Informacional, as novas TIC o auxiliarão na suas pretensões.

O encaixe entre a Teoria Constitucional Democrática e a Teoria dos Novos

Movimentos Sociais não poderia ser a melhor. O local ocupado pelos movimentos sociais na

sociedade é diametralmente oposto. “Uma das principais implicações da atualização

contemporânea da teoria democrática promovida pelo impulso participativo encontra-se no

alargamento do foro tradicional da política” (PEREIRA, 2011, p. 171). O que não significa que

não há os velhos defensores do paradigma do Constitucionalismo Liberal e da visão excludente

destes movimentos da esfera pública.

Machado (2007, p. 273-277), discorre acerca das características dos novos movimentos

sociais que atuam com o auxílio das novas TIC. Resumindo, pode-se dizer que Machado (2007),

combinando sua interpretação à de outros autores, apresenta um conjunto de dez características

dos movimentos sociais que atuam com o auxílio das redes telemáticas, quais sejam:

1) Proliferação e ramificação dos coletivos sociais: A rede possibilita novas formas de alianças e

sinergias, globais, com aumento de mobilizações, participação, interação entre coletivos.

2) Horizontabilidade e flexibilidade das redes: As organizações atuam num plano horizontal,

com menos hierarquia e mais flexíveis.

3) Tendência coalizacional: corolário da primeira característica.

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4) Existência dinâmica ou segundo objetivos e fatos: podem formar-se, alcançar objetivos e

expandir, ou se desmanchar rapidamente.

5) Minimalismo organizacional-material: os custos baixos incentivam novos movimentos sociais.

O espaço físico é prescindível.

6) Universalismo e particularismo das causas: um movimento social pode surgir visando causa

específica, mas ainda sim, inserir-se a um quadro universal de luta, com direitos humanos e

desenvolvimento sustentável.

7) Grande poder de articulação e eficiência: organizam-se protestos simultâneos em diversos

locais distintos, com capacidade de ações concretas.

8) Estratégias deslocalizadas de ideologias compartilhadas: Identidade e solidariedade

desempenham papeis fundamentais para formação das redes. São as chamadas identidades de

resistência, presentes em sociedades civis em processo de desintegração, onde a identidade seria

um elemento de “resistência comunal”, conforme entendimento de Castells.

9) Multiplicidade de identidades/circulação de militantes: um militante pode fazer parte de vários

movimentos, disseminar suas reivindicações pela conexão identitária.

10) Identidade difusa dos sujeitos sociais: Os interesses dos indivíduos ligados em rede são cada

vez mais cruzados, diversos freqüentemente tênues. Luta que se dá menos a partir do indivíduo e

mais sobre a construção de sujeitos sociais. Cita entendimento de Melucci, que vê como

conseqüência da complexidade destes movimentos, o aumento da dificuldade em especificá-los

como atores sociais, possuindo “formatos cada vez mais distintos e densidades variáveis”.

Ademais, com as novas TIC o cidadão pode se engajar sem dificuldades de outrora no

debates públicos, ainda que não esteja vinculado a nenhum partido, sindicato ou movimento

social. O controle, aqui significando participação, tem amparo na integração dos membros iguais

e livres da sociedade, criadora de solidariedade, responsabilidade com o outro.

A dimensão da integração social é retomada sem produzir as teses das privações

econômicas ou os modelos elsmeserianos de comportamento coletivo. Categorias que

ficaram por duas décadas congeladas [...], foram retomadas de forma totalmente nova,

em esquemas que privilegiam a heterogeneidade socioeconômica em detrimento da

homogeneidade econômica dada pela classe.

[...]

Mas não foi só a teoria da ação que forneceu substância teórica básica ao novo

paradigma. Ela foi fornecida também pelos Frankfurtianos – particularmente Adorno e

Habermas [...]. O deslocamento da análise para as esferas micro da vida social resgatou

uma das dimensões vitais da história do homem: a prática cotidiana, uma das dimensões

básicas da práxis humana, o fazer, o acontecer. A autonomia dos indivíduos e grupos

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sociais será a principal categoria utilizada. Ela não é vista de forma a que os grupos e

movimentos se isolem mas, ao contrário, como a conquista ou um processo de

interação, formado à base de relações sociais novas, de caráter diferente. Por isso o

processo de construção de alianças, de formar redes sociais e culturais, será tão

enfatizado nos NMS31

(GOHN, 2004, 134-135).

A accountability política, principalmente a concomitante, necessita de um suporte de

instituições criadas pelo Estado Democrático para garantir sua efetividade caso se contrária na

esfera pública, de maneira deliberativa, a Projetos de Lei ou Programas de Governo que

aumentem a desigualdade social “[...] um sistema de accountability legal é em quase todas as

situações uma condição sine qua non para efetivar accountability política” (ARATO, 2002, grifo

do autor).

Diante da relação entrelaçada de ambos os controles, o político e dos poderes

Constituídos, passa-se à análise do papel do cidadão no controle judicial e no controle exercido

pelos Poderes Constituídos.

31

NMS significa Novos Movimentos Sociais

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94

2.2.1.2 – Controle judicial

O controle judicial insere-se na dinâmica da interpretação das leis visando o controle

dos atos do Poderes Constituídos, como um direito-garantia de que o Estado não atentaria contra

os direitos fundamentais (MORAES, 2010).

Conforme THEODORO JÚNIOR (2006), historicamente a justiça visava a solução de

demandas individuais e com fulcro em leis gerais e abstratas que deviam incidir indistintamente

sobre qualquer situação, pois, conforme retro explicado, com a lógica da igualdade natural não

havia que se considerar as especificidades do caso concreto, ou seja, as desigualdades.

Características que por si só esvaziavam a deliberação mediante o contraditório instaurado na

demanda, tendo em vista que o Judiciário se limitava a aplicar a vontade da lei, criada pelos

representantes eleitos que cumpriam seus mandatos sem a interferência do povo.

No Constitucionalismo Democrático as funções de prestação jurisdicional também são

impactadas. Acredita-se que, atualmente, é a era do Poder Judiciário, já que no decorrer dos

séculos pós Revoluções Liberais, assumiu gradativamente a prerrogativa de Guardião da

Constituição. Concordando-se com Pereira (2010), entende-se ser uma superfetação equiparar a

posição do Judiciário no Constitucionalismo Democrático com Constitucionalismo Liberal onde

predomina um Legislativo forte. O exagero é presente também se houver comparação com o

destaque do Executivo no constitucionalismo social.

“A associação entre os binômios constitucionalismo liberal e predominância do Poder

Legislativo, constitucionalismo social e predominância do Poder Executivo e

constitucionalismo democrático e predominância do Poder Judiciário pode basear-se

em uma análise superficial, uma vez que é por demais abstrata para corresponder às

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distintas experiências históricas existentes, mas, de qualquer modo, sinaliza o pano de

fundo teórico atualmente pressuposto (PEREIRA, 2010, p. 236 grifo do autor)”.

A participação ativa do cidadão na esfera pública reconfigura o funcionamento do Poder

Judiciário, assim como reconfigurou a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo. A

multiplicidade de vozes pluralistas obriga o Magistrado a proferir decisões específicas a cada

caso concreto. O sistema de princípios altera o Poder Judiciário, na medida em que as decisões

judiciais não podem ser mais proferidas com base na aplicação da vontade concreta da lei32

,

simplesmente. Há de se considerar o caso concreto para se alcançar a igualdade dentro de um

tratamento desigual. É o sistema de princípios vigorando e dando abertura para soluções que não

estejam empacotadas em leis prévias e, pretensamente, perfeitas para qualquer situação,

indistintamente. É mister, pois, que o Juiz interprete a norma geral de acordo com a Constituição,

construindo a norma jurídica a partir da relação entre o sentido do caso concreto, o texto da lei e

as normas constitucionais (MARINONI, 2010).

O sentido do caso concreto33

é melhor percebido por quem é prejudicado por

determinada regra em vigor, pois quem vive a regra é que sente as consequências, que uma vez

sendo contrárias à Constituição, podem ensejar a alegação de inconstitucionalidade no controle

difuso, e concentrado. Neste caso, a depender do autor da ação que visa o controle, em tese, do

ordenamento jurídico, a participação do cidadão é indispensável, ainda que não seja ele,

isoladamente, o possuidor da legitimidade ativa para propor uma ação de controle de

constitucionalidade34

, necessária ao preenchimento dos requisitos das condições da ação35

.

32

Com o Liberalismo duas correntes debatiam qual seria a função da jurisdição: para Chiovenda, a jurisdição devia

atuar a vontade concreta da lei, ou seja, declarar a lei, mas sem produz regra nova, que integre o ordenamento

jurídico. Para Carneutti e Calamandrei, a função jurisdicional é a justa composição da lide. Ambas as correntes estão

submetidas ao princípio da supremacia da lei e desconsideram o sentido do caso concreto, indispensável numa

sociedade pluralista, o que as afastam dos valores do Estado Constitucional Democrático.

33

Sentido do caso concreto: o juiz não pode se afastar da realidade em que vive. O surgimento de novos fatos sociais

legitima o juiz a decidir reconstruindo o significado em face da lei.

Hoje não prevalece mais o princípio da supremacia da lei, já que não é mais vista como um produto perfeito e

acabado (MARINONI, 2010).

34

Art. 103 da CRFB/88 tem rol exaustivo de legitimados para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a

Ação Direta de Constitucionalidade (BRASIL, 2011). 35

As Condições da ação são requisitos constitutivos necessários para a existência da ação, cuja ausência leva à

“carência da ação” .

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Na atual fase do direito processual, chamada de Processualismo Científico, instaura-se o

marco do “sistema de princípios” (ALVIN, 2007). O processo passa a ser o local onde se

estabelece uma relação jurídica processual de direitos e obrigações entre partes e Juiz, através do

diálogo. É o princípio do contraditório oportunizando que o cidadão de uma sociedade complexa

exponha sua interpretação do ordenamento jurídico, e contribua a tomada de decisões do

judiciário. Ressalta-se que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem incentivado a resolução das

demandas judiciais através do instituto da conciliação, que privilegia a construção da solução

mediante o diálogo entre as partes. Dito de outra maneira: no Constitucionalismo Democrático,

os cidadãos são ativos nas deliberações que precedem as tomadas de decisões dos Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário. Não há mais que se falar em uma ‘multidão de súditos'36

que

“entrega” seu destino a outrem, só em cidadãos que protagonizam seus próprios destinos.

A abertura política repercutiu não apenas na postura do litigante, agora em condições de

apresentar as especificidades do caso concreto para que o Juiz possa interpretar a lei da maneira

que alcance a justiça das decisões. Ao apreciar provas, enquadrar fatos e norma ou interpretar

textos jurídicos, o Juiz deve procurar, dentre as interpretações possíveis, a mais justa ao caso

concreto.

Registra-se que segundo o ordenamento jurídico pátrio a interpretação do Magistrado é

livre, mas desde que fundamentada na lei, criada na democracia deliberativa, em tese, com a

participação cidadã na esfera pública. E deve estar em consonância com as alegações das partes,

carreadas aos autos com a observância do contraditório.

A vinculação judicial à lei e a independência funcional dos juízes não pode escamotear

o fato de que o juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade [...]. Seria

errôneo reconhecer as influências, expectativas, as obrigações sociais a que estão

submetidos os juízes apenas sob o aspecto de uma ameaça a sua independência. Essas

influências contém também uma parte de legitimação e evitam o livre arbítrio da

interpretação judicial. A garantia da independência dos juízes só é tolerável, porque

outras funções estatais e a esfera pública pluralista [...] fornecem material para a lei

[...]” (HÄBERLE, 1997, p. 31-32).

Repercutiu, ainda, na estrutura das leis processuais. As demandas judiciais não se

restringem mais apenas à solução de problemas individuais. Nas últimas décadas o ordenamento

36

Bonavides (2003) usa o termo ‘multidão de súditos’ quando se refere às sucessivas Medidas Provisórias, pelo fato

deste meio para legislar ser contrário ao processo democrático.

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jurídico do Brasil passou a prever a provocação do Judiciário mediante ações coletivas37

para

reconhecimento ou proteção interesses transindividuais e indivisíveis. Referidas demandas

legitimam a interpretação de movimentos sociais, até então à margem de qualquer processo

instituído. Agora, a partir da provocação do Judiciário, podem pleitear a inconstitucionalidade de

lei através do controle difuso e do concentrado. Este último a depender do legitimado que propõe

a Ação de controle em tese das leis.

A participação do povo e de qualquer Magistrado na apreciação da constitucionalidade

das leis pode ocorrer mediante o Controle Difuso ou o Controle Concentrado de

Constitucionalidade das leis.

Aquele método de controle tem o primeiro registro nos EUA em 1803, por isto é

chamado de americano. O controle difuso de constitucionalidade. Segundo Mendes (2009, p.

1058, grifo do autor),

[...] assegura a qualquer órgão jurisdicional incumbido de aplicar a lei a um caso

concreto o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar incompatível com a

ordem constitucional.

[...]. A ruptura que a judicial review americana consagra com a tradição inglesa a

respeito da soberania do Parlamento vai provocar uma mudança de paradigmas.

O controle concentrado, a depender do legitimado, como é o caso das Associações de

âmbito nacional, também abre para os cidadãos um canal para intervir no processo democrático

de construção permanente da organização social.

A análise aqui desenvolvida demonstra que a interpretação constitucional não é um

“evento exclusivamente estatal”, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista

prático. A esse processo tem acesso tem acesso potencialmente todas as forças da

comunidade política. O cidadão que formula um recurso constitucional é interprete da

Constituição tal como o partido político que propõe um conflito entre órgãos

(HÄBERLE, 1997, p. 23).

No Brasil admite-se a presença do Amicus Curae38

nesta modalidade de controle,

ampliando assim, a democratização da discussão acerca da interpretação do ordenamento jurídico

(MENDES, 2009).

37

Ação Popular (Lei 4717/65); Ação Civil Pública (Lei 7347/85); Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069/90); Código de Defesa do Consumido; Lei (7853/89), dentre outras. 38

Lei 9.868/99, art. 6° § 2°: O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes,

poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros

órgãos ou entidades.

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O Mandado de Injunção também consagra o princípio da participação, portanto, a

democracia deliberativa, já que abre a possibilidade de o cidadão interpretar o ordenamento

jurídico. Neste caso, se o cidadão entender que a omissão do legislativo no cumprimento da

função legisferante está atentando contra um direito fundamental, a ele será oportunizado propor

o Mandado de Injunção para sanar esta omissão.

Salienta-se que da promulgação da CRFB/88, em 5 (cinco) de outubro de 1988, até a

presente data, a aplicação deste remédio constitucional39

sofreu alterações positivas no que

concerne à ampliação da atuação do cidadão. No início discutia-se se este instituto era norma

constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata40

. No Supremo Tribunal Federal (STF)

passou-se a admitir a propositura do Mandado de Injunção, cujo objeto fosse limitado a verificar

a omissão inconstitucional pelo Judiciário, que determinaria que o Legislativo cessasse a

omissão. Atualmente, a contribuição da interpretação do cidadão é bem mais efetiva, tendo em

vista que as decisões recentes do STF caminham no sentido de que “[...] o Supremo Tribunal

Federal aceitou a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie

de sentença aditiva [...]” (MENDES, 2009, p. 1264). E como o judiciário deve julgar

considerando a causa de pedir próxima e remota, bem como o pedido do autor, este tem mais

abertura para influir na decisão.

39

Termo utilizados Moraes (2010), dentre outros. 40

Para melhor compreensão do termo norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ver Silva

(2003).

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2.2.1.3 – Controle exercido pelos Poderes Constituídos

A competência dos Poderes Constituídos para interpretar a Constituição é disposta,

expressamente, na CRFB/88. Nos dispositivos do Título III e nos capítulos I, II e III do Título IV

da Lei Maior há a definição da organização do Estado e dos Poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário, respectivamente (BRASIL, 2011). Dentre as disposições, percebe-se que nas funções

típicas e atípicas, os ocupantes dos cargos dos Três Poderes devem interpretar a Constituição

quando da criação da interpretação da própria CRFB/88, da legislação infra-constitucional, e da

aplicação das normas jurídicas no caso concreto. Sempre lembrando que Juízes, Chefes dos

Executivos e Parlamentares são meros representantes do Povo, o titular do Poder41

.

No que concerne à abertura legal para interpretação dos cidadãos, de se dizer que a

CRFB/88 consagrou a maneira de exercer democracia com a interação entre democracia

representativa e deliberativa. O preâmbulo já anuncia a criação de um Estado democrático de

direito, a liberdade, solidariedade, reforçado, por exemplo, a partir da interpretação do PÚ do art.

1°; dos incisos IV, VI, XVI, XVII, XVIII e o caput do artigo 5°; do artigo 206, II; do artigo 220

§1°, todos da CRFB/88 (BRASIL, 2011). São dispositivos que colocam a interpretação dos

cidadãos como subsídio para a atuação dos Poderes estatais. Tratando-se da crise da

representação, Pereira (2010, p. 134, grifo do autor) ensina que:

[...] insiste-se, primeiro, em uma concepção complexa de democracia, subsumindo-se

nesse adjetivo, por um lado, a premência do reequilíbrio entre representação e

participação o que implica, consequentemente, detectar a esfera pública como locus da

política e, por outro, a opção por uma definição ampla dos sujeitos constitucionais

41

CRFB PÚ, art. 1º Todo Poder emana do Povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição (BRASIL, 2011).

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100

habilitados a transitar e a postular nesse espaço democrático revitalizado, o que importa

o reconhecimento de atores coletivos não tradicionais.

Ademais, impende ressaltar que não é somente nas regras dispostas na CRFB que há

amparo para a democracia deliberativa. As Teorias da Democracia, e da Constituição

Democrática caminham no sentido de que é na participação ativa dos cidadãos na esfera pública

que o processo construção permanente da sociedade se concretiza. Tratando da democracia,

Häberle (1997) entende que não é apenas na representação oficial que o processo democrático

deve ocorrer, e diz que

Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também, por meio de formas refinadas de

mediação do processo público e pluralista da sociedade e da práxis cotidiana,

especialmente mediante a realização dos direitos fundamentais

(Grundrechtsverwirklichung), tema muitas vezes referido sob a epígrafe do “aspecto

democrático” dos direitos fundamentais. Democracia desenvolve-se mediante a

controvérsia sobre alternativas, sobre possibilidades e sobre necessidades da realidade e

também o “concerto” científico sobre questões constitucionais, nas quais não pode

haver interrupção e nas quais nem existe nem pode existir dirigente (HÄBERLE, 1997,

p. 36-37).

A partir da abertura da esfera pública, os ocupantes de cargos nos poderes constituídos

tem acesso a pontos de vistas variados. Com isto, podem atuar no controle em consonância com a

sociedade.

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101

2.2.1.4 – Mutação normativa

As mutações normativas inserem-se na análise da hermenêutica jurídica da Constituição

e Leis infraconstitucionais por imprimirem “[...] alterações do sentido dos enunciados,

conservando intacta a sua roupagem verbal, [...]”.

A mutação especifica dos dispositivos Constitucionais vem do entrelaçamento entre a

linguagem polissêmica e indeterminada da Lei Fundamental, os fatos da sociedade complexa que

necessita da esfera pública para mediar a relação dos representados e dos representantes

(HABERMAS, 1992b). Mendes (2009), em consonância com Haberma (1992b), frisa que este

entrelaçamento deve ocorrer da interação dialética que resignifica as interpretações do legislador

constituinte, e traz a baila os casos que levam à mudança de entendimento sobre uma norma:

a) do impacto de valorações novas, ou de mutações imprevistas na hierarquia dos

valores dominantes;

b) da superveniência de fatos que venham modificar para mais ou para menos os dados

da incidência normativa;

c) da intercorrência de outras normas, que não revogam propriamente uma regra em

vigor, mas interferem no seu campo ou linha de interpretação; (REALE, 1982, apud

MENDES, 2009, p. 152).

Da leitura dos motivos que operam a mutação apura-se que sem a abertura para a

interpretação constitucional, a interpretação dos sentidos das normas se manteria rígida e

conflitaria com a complexidade social, advindo a necessidade de alterações no texto das leis. E se

pensar sobre a importância da legitimidade das leis, principalmente da Lei Fundamental,

indispensável é a adequação do sentido.

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102

No Constitucionalismo Democrático, o sincretismo entre controle e constituição é o que

garante que as normas jurídicas contidas na Lei Fundamental se concretizem no mundo dos fatos.

É pelo direito de controle que deve haver a publicidade dos atos dos Poderes Constituídos.

Assim, nenhuma arbitrariedade ou mesmo uma interpretação do ordenamento jurídico fica livre

de embargos dos cidadãos.

No constitucionalismo democrático a atividade de controlar é autônoma e independente.

Trata-se de cuidado necessário para que o controle nas sociedades complexas não sofra

retaliações quando um grupo minoritário, politicamente, se posiciona na esfera pública. Função

que garantiu ao controle ser alçado à categoria de princípio, portanto, espécie de norma jurídica.

O que cria obrigatoriedade na promoção das formas de controle mais eficientes possíveis. E na

Era Informacional, a forma de controle via internet é, incomparavelmente, superior se feita via

internet.

Faz sentido, portanto, o esforço de KARL-ULRICH MEYN em tentar justificar o

controle como princípio constitucional, derivando-o de outros princípios fundamentais,

tais como o da soberania popular, o democrático, o da separação de poderes e o do

Estado de Direito [...]. Ser considerado princípio significa, antes de tudo, ser dotado de

força normativa, ser portador de uma dimensão de validade e obrigação de

aplicabilidade hábil a dirigir a ação política [...] (PEREIRA, 2010, p. 203).

Os princípios, enquanto normas jurídicas, também fundamentam o alargamento da

abertura para a interpretação constitucional aos cidadãos. Diante da importância para a

compreensão do ordenamento jurídico receberão atenção específica na Seção 2.3.

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103

2.3 – Princípios Fundamentais como aporte ao princípio do controle

A sociedade brasileira, durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, que

culminou promulgação, em 05 de outubro de 1988, da Constituição da República Federativa do

Brasil (CRFB), não deixou a definição dos valores a serem perseguidos pelo povo sob a

responsabilidade de uma equipe de especialistas de notório saber. Pelo contrário, lutou para que

ficassem dispostos na CRFB/88 os valores que devem ser a base da organização social brasileira

(CATTONI, 2006). Postura que por si só definia a democracia deliberativa como um valor a ser

alcançado. De se dizer que este modo de se praticar democracia foi positivado, dentre outros, no

artigo 18742

da CRFB/88, dispositivo que é indispensável para a redução das desigualdades

sociais no meio rural, e receberá atenção especial na presente seção e na seção 3.3.1 do capítulo

3.

Promover a aproximação entre os cidadãos do meio rural e os integrantes dos Poderes

Constituídos é indispensável para a legitimidade das Leis e Políticas Públicas, inclusive as de

inclusão digital rural. A participação nas deliberações e tomadas de decisões é central para o

objeto da redução das desigualdades sociais como realização da justiça para o alcance igualdade

artificial, em detrimento da igualdade perante a lei do mercado, alcançando-se a tão almejada

harmonia social.

Antes de se debruçar na análise da legislação e das políticas públicas de inclusão digital

rural para o fortalecimento da democracia, e consequente redução das desigualdades sociais no

42

Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de

produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de

armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

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Brasil, conforme se verá no próximo capítulo, premente se faz um estudo focado na interpretação

das normas jurídicas da categoria princípios, dispositivos na CRFB/88. A finalidade é

demonstrar, cabalmente, a obrigatoriedade de se incluir o trabalhador rural no processo de

construção permanente dos sentidos dispostos na Carta Magna e, com isto, efetivar o objetivo

fundamental de reduzir as desigualdades sociais.

A verificação da efetividade da democracia constitucional disposta na CRFB/88,

promulgada em 05 de outubro de 1998, com o intuito de concretização de direitos, tarefa que é

uma “questão umbilicalmente ligada ao Estado Democrático de Direito” (STREK, 2006, p. 1),

deve ter por base sua interpretação por meio do entrelaçamento dos princípios fundamentais,

gerais e setoriais da Constituição (BARROSO, 2003a, 2003b). E é através destes princípios que

se pretende analisar a maneira de se exercer democracia tal qual disposta na CRFB/88,

precipuamente sob a ótica do princípio do Estado de Direito, do princípio democrático e do

princípio da supremacia da Constituição, considerando suas características comuns e específicas.

Quanto às características comuns dos princípios fundamentais em epígrafe ou

estruturantes, Canotilho (1993, p. 345) ensina “possuem, em geral, duas dimensões”, a saber:

dimensão constitutiva e dimensão declarativa. A primeira atribui a função de exprimirem,

constituírem “uma compreensão global da ordem constitucional” (CANOTILHO, 1993, p. 345),

trazendo a noção de organização harmônica da sociedade, conquistada por intermédio do direito.

Guarda relação com o Princípio da Unidade da Constituição43

. A segunda dimensão é

denominada declarativa uma vez que os princípios estruturantes podem ter natureza de

superconceitos quando na sua aplicação for pressuposta a soma de outros princípios

constitucionais, subordinados àqueles.

Os princípios estruturantes possuem outras características simétricas indispensáveis para

as intenções deste estudo. São princípios concretos, dispostos na Constituição a partir de um

contexto histórico próprio. Mais adiante se verá, por exemplo, que o princípio da participação

ativa do cidadão na construção permanente da sociedade, consagrado no caput no artigo 187 da

CRFB, é integrado ao princípio da democracia na sua dimensão declarativa. E é concreto, haja

vista que a procura pela abertura política consagrada na CRFB se desenvolveu em um contexto

de atuação de cidadãos e movimentos sociais na luta contra o regime militar, que não permitia a

43

O princípio da unidade da Constituição decorre da soberania do Estado, que admite apenas um ordenamento

jurídico vigorando no seu território. “O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e

impõe ao interprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas” (BARROSO, 2003a, p. 196).

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liberdade de expressão, logo não permitia a participação e contestação política. Esta participação

ativa dos movimentos sociais ocorreu inclusive no interstício temporal dos trabalhos da

Assembléia Nacional Constituinte, contribuindo para a definição do texto final da CRFB

(CATONNI, 2006).

Os princípios estruturantes tem em comum, ainda, o fato de que “actuam

imbricadamente, completando-se, limitando-se e condicionando-se de forma recíproca”

(CANOTILHO, 1993, p. 347). Isto quer significar a busca de uma interpretação que harmonize a

ordem constitucional, e não a imposição de sacrifício unilateral de um princípio estruturante

frente aos demais.

Por fim, de se dizer que os princípios estruturantes, assim como os princípios a eles

subordinados, tem força normativa, ou seja, ordenam e vinculam toda ação dos Poderes

Constituídos, bem como as ações dos cidadãos nas relações com a administração pública e com

outros concidadãos. E todos os princípios constitucionais são espécies do gênero ‘norma jurídica’

da mesma maneira que as regras constitucionais (BORGES, 2004). Este sentido é acolhido pela

melhor doutrina. “A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as

normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas:

princípios e regras” (BARROSO, 2003b, p. 291).

Vencidas as considerações gerais, passa-se à discussão específica dos princípios

fundamentais, também denominados de estruturantes (CANOTILHO, 1993). O primeiro a ser

tratado é o Princípio do Estado de Direito e outros correlatos. Na seqüência se discorrerá sobre os

Princípios da democracia e o Princípio da Supremacia da Constituição. Cumpre frisar que não

estão dispostos somente nos art. 1° ao 11 da CRFB, já que se fazem presentes em outros

dispositivos, como no caso do artigo ora em análise.

O Princípio do Estado de Direito orienta a sociedade desde a Grécia Antiga. Surgiu com

o propósito de limitação dos poderes do Estado frente os cidadãos. Segundo Canotilho (1993, p.

350) “na filosofia grega a conjugação das idéias de dike (processo), themis (direito) e nomos (lei)

apontava já para a limitação racional dos poderes do Estado”. Alguns autores entendem que, “no

plano teórico, o Estado de Direito emerge como uma construção própria à segunda metade do

século XIX” (STREK, 2003, p. 86).

Claro que na Grécia Antiga não havia a noção de garantia de direitos individuais contra

abusos do Estado, que começou a se desenhar com o Imperador Constantino, recolhida no

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Código Justiniano (SIDOU, 1998), mas veio a ser adquirida, principalmente, durante a idade

média desde as Cartas de Franquias Medievais do século 800 (NETO, 1979), passando pelo

Fuero de Leon (1188). “Quando os aragoneses elegeram rei, deram-lhe já as leis sob as quais

havia de governar” (LA RIPA, 1772 apud SIDOU, 1998, p. 66). Neste sentido contribuíram

“alguns documentos da história política inglesa, quais sejam, a “Carta Magna” (1215), a “Petition

of Rights” (1627), o “Habeas Corpus Act” (1679), o “Bill of Rights” (1688) e o “Act of

Settlement” (1701)” (NETO, 1979). Todos são documentos de definição de direitos contra abusos

do Poder por parte dos monarcas e que culminaram com as Revoluções Liberais.

Na atualidade, a ratio essendi do princípio do Estado de Direito é constituída por dois

pressupostos, sendo um formado por um elemento formal e um elemento material. Do primeiro

advém o princípio da legalidade, que impõe ao Estado atuar em conformidade com a lei. O

segundo elemento é cunhado, principalmente, dentro de um conceito político, por conta da “idéia

de realização de justiça” (CANOTILHO, 1993, p. 352). O viés filosófico Kantiano introduziu o

conceito de universalidade do direito. Kant (2003) entendia que uma vez que a lei seja universal,

inconcebível a criação de uma lei que privilegiasse um grupo de cidadãos em detrimento de outro

grupo, pois todos os efeitos da lei, independentes de restringirem ou ampliarem direitos,

recairiam sobre todos.

No início da reflexão sobre o método de interpretação da Constituição, mencionou-se

que Canotilho (1993) ensina que para se verificar a efetivação dos princípios fundamentais, aos

quais denomina de princípios estruturantes, deve-se ter o cuidado de apurar a incidência dos

princípios constitucionais gerais ou princípios-garantia, como concretizadores daqueles princípios

na dimensão declarativa.

O princípio da legalidade administrativa está na categoria dos princípios constitucionais

gerais (BARROSO, 2003a), sendo sua análise indispensável para o objetivo deste artigo.

Canotilho (1993) denominando esta categoria como princípios-garantia, ensinou que são

concretizadores do Princípio do Estado de Direito, considerada a dimensão declarativa deste.

Portanto, se o Brasil pretende ser um Estado de Direito Democrático na sua essência, mister que

realize os anseios sociais, nos termos dispostos na CRFB. E no presente caso, os Poderes

Constituídos não podem impedir o trabalhador rural de participar da construção e realização das

políticas públicas direcionadas ao campo. Ademais, tem o compromisso de possibilitar o amplo

acesso a diversas fontes de informação e fomentar a participação ativa do trabalhador rural nas

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deliberações, devendo considerar seu posicionamento nos projetos de lei a serem submetidos ao

processo legislativo institucionalizado.

Outro ponto que merece destaque são as dimensões fundamentais do Princípio do

Estado de Direito. Canotilho (1993) apresenta três pressupostos materiais subtendidos para sua

efetivação, a saber: juridicidade, Constitucionalidade e direitos fundamentais. O primeiro

pressuposto é de viés procedimental, formal.

O direito compreende-se como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma

comunidade organizada, e para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece

medidas ou regras, prescreve formas e procedimentos e cria instituições

(CANOTILHO, 1993, p. 358, grifo do autor).

Nos dizeres de Strek (2003, p. 86), “a atuação estatal é jurídica, produzindo-se através

de regras de direito”. É a submissão dos ocupantes de cargos dos Poderes Constituídos ao

ordenamento jurídico, a fim de se impedir toda e qualquer arbitrariedade do Estado contra os

cidadãos.

Todavia, o Estado de direito democrático vai além do aspecto meramente formal. Nele

há um plus que visa politizar os cidadãos. O aspecto material inserido neste regime de governo

procura superar o aspecto despolitizante do Estado de direito Liberal e do Estado de direito

social.

O Estado de direito Liberal despolitizava o cidadão por induzi-lo a deixar todas as

questões públicas para os representantes decidirem. Assim, poderiam se preocupar somente com

as questões relacionadas à vida privada. O Estado de direito social fez a sociedade permanecer

alienada às questões públicas, quando transferiu ao Chefe do Poder Executivo a responsabilidade

de propiciar uma vida com dignidade aos cidadãos, para que atenuasse o aprofundamento da

desigualdade no Estado de direito Liberal (HABERMAS, 1992a).

O Estado democrático de direito tenta mudar o quadro de apatia política dos cidadãos.

Segundo Strek (2003, p. 93, grifo do autor),

O Estado de direito democrático tem um conteúdo transformador da realidade, não

restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das

condições sociais de existência. Assim, o conteúdo ultrapassa o aspecto material de

concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como

fomentador da participação pública.

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A sociedade se reestruturou; cobra-se do cidadão postura ativa com o que está por vir,

ao invés de se prender aos valores de certeza e segurança jurídica, até então vigentes. E pensar o

futuro passa a ser um compromisso de todos os membros iguais e livremente associados de uma

comunidade jurídica, na construção permanente da sociedade (HABERMAS, 1992a, 1992b). E

no meio rural, não pode ser diferente.

O pressuposto da constitucionalidade vincula os Poderes Públicos aos dispositivos da

CRFB, graças ao princípio da supremacia da Constituição. Impõe-se, na lição de Canotilho

(1993), não apenas uma limitação a atos praticados, mas o dever de afastar o descumprimento da

CRFB por omissão. Este pressuposto será aprofundado quando se tratar, especificamente, do

princípio da supremacia da Constituição. Se este pressuposto for desrespeitado, o cidadão pode

agir argumentativamente através do Mandado de Injunção.

No que concerne ao terceiro pressuposto, direitos fundamentais, Canotilho (1993) o

vincula a razões antropológicas, fundamentando seus dizeres na Constituição portuguesa,

precisamente nos artigos 1° e 2°. E ao analisar a CRFB, depara-se com estrutura equivalente,

tendo em vista que contém disposições que definem a Soberania e a dignidade da pessoa humana

como princípios fundamentais (incisos I e III, art. 1° CRFB), e as garantia dos direitos

fundamentais44

. Apura-se ser impossível possibilitar a Soberania e a Dignidade da pessoa humana

sem assegurar a participação dos diretamente afetados nas deliberações referentes às questões

agrárias. Só o exercício da cidadania possibilita que a tomada de decisões ocorra levando em

consideração a situação fática de todos envolvidos com as atividades agrárias.

No estudo em questão, atuar em conformidade com o Princípio do Estado de Direito

significa que o Estado é compelido a proporcionar condições reais para a participação política do

homem do campo, no planejamento e execução das Políticas públicas destinadas ao campo,

inclusive a inclusão digital rural e da Reforma Agrária, protegendo-se, assim, a forma de

manifestação da sociedade e a liberdade dos cidadãos como finalidade deste princípio

(CANOTILHO, 1993). Bercovici (2005, p. 78/79), compreende que,

[...] na construção do espaço público, o Estado pode não ser a única esfera, o único

representante da esfera pública, mas eu ainda acredito na centralidade do Estado na

esfera pública. É aqui que eu falo da construção do público, para implementar o que está

na Constituição. Podemos jogar o que quisermos na Constituição, se não tivermos um

Estado forte, no sentido republica, para implementar essa Constituição, para poder

garantir os direitos, para implementar as políticas públicas, de nada adianta.

44

Ver artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1998.

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Um Estado de direito que se limita, estritamente, a garantir que o Poder Público não atue

com arbitrariedade contra os cidadãos, é um Estado que preserva a ordem hegemônica dos grupos

dominantes, estabelecido sob elevado custo democrático, como se apurou no século XIX

(CANOTILHO, 1993).

Portanto, na interpretação da ordem vigente, imperioso que se considere a característica

comum, acima mencionada, que impõe a importância dos princípios estruturantes se

complementarem. E na apuração do sentido do artigo 187 da CRFB este exercício tem que ser

realizado. Até mesmo por que, no §2° do caput deste artigo, o comando legal a ser cumprido pelo

Poder Público compeliu-o a abrir o planejamento e a execução da reforma agrária aos autores

sociais elencados no caput, no mínimo. Configurando, assim, a prática de uma democracia

deliberativa, já que se refere ao princípio participativo, um dos princípios concretizadores do

princípio democrático, visto a partir da dimensão declarativa, quando, expressamente, dispõe que:

“Artigo 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a

participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores

rurais...” (grifo nosso).

...

§2° Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.

É a atividade de articular os princípios estruturantes. Segundo Canotilho (1993, p. 460)

[...] o princípio democrático e o princípio de Estado de direito contribuem ambos para a

conformação e racionalização da vida da comunidade e são ambos instrumentos contra

o abuso de poder. O princípio democrático acentuará talvez o momento dinâmico e

conformador; o princípio do Estado de direito colocará a tônica no momento de

permanência e defesa.

Quanto ao Princípio Democrático, de se dizer que os valores que o define, bem como os

princípios subalternos que contribuem para sua efetivação, reforçam o encargo do Legislativo e

do Executivo de incitarem a real participação da população rural nas deliberações e execução

reforma agrária, senão veja-se abaixo.

Em diversos dispositivos da CRFB há a consagração do princípio democrático, tais

como no caput e no PÚ do artigo 1° ou nos incisos IV, IX, XVI e XVII do artigo 5° e no caput do

artigo 187 (BRASIL, 2011), onde é nítida a necessidade de ação humana fulcrada no discurso

para a concretização da democracia numa sociedade pluralista. Para Arendt (2007, p. 11)

“Sempre que a relevância do discurso entre em jogo, a questão torna-se pública por definição,

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pois é o discurso que faz o homem um ser político”. Memoráveis são as palavras de Kant (2003,

p. 77) ao discorrer sobre o princípio universal do direito:

Se, então, minha ação ou minha condição pode geralmente coexistir com a liberdade de

todos de acordo com uma lei universal, todo aquele que obstaculizar minha ação ou

minha condição me produz injustiça, pois este obstáculo (resistência) não pode coexistir

com a liberdade de acordo com uma lei universal.

Da simples leitura do artigo 187, caput e §2° da CRFB (BRASIL, 2011), percebe-se que

a democracia deliberativa deve ser praticada na sua essência. A interpretação, mesmo que seja

meramente literal, corrobora com o entendimento em voga. Ao dispor acerca da necessidade de

se promover a participação política ativa quando da definição da reforma agrária pretendida para

a sociedade brasileira, é incontestável que é preciso estar atento ao princípio democrático no seu

planejamento e execução, e não limitar a participação ao direito de voto da democracia

representativa, criação do Estado Liberal de democracia duvidosa, consoante descrito por

Canotilho (1993, p. 402):

Não obstante a tendencial antidemocraticidade do liberalismo e do parlamentarismo

liberal, a teoria do governo e da democracia representativa acabou por impor-se quando,

nos fins de séc. XIX e começo do séc. XX, o sufrágio passou a ser praticamente

universal.

O Princípio Democrático tal como é concebido neste artigo, ou seja, que privilegia a

participação ativa dos cidadãos enquanto membros iguais e livremente associados para a

construção permanente da sociedade, é fruto do pensamento das modernas teorias democráticas.

Uma teoria moderna de peso é a democrático-pluralista. Canotilho (1993) a define como

uma teoria ao mesmo tempo empírica e normativa. É empírica na medida em que se legitima sua

produção na realidade social, captada através do discurso de grupos que tem relação com o objeto

do debate e, no caso, é captar os anseios do homem do campo quanto à reforma agrária. É

normativa por pressupor uma idéia de construção permanente da sociedade, faceta também

reverenciada no § 2° do artigo 5° da CRFB.

Com essa dimensão normativa, compreende-se que o pluralismo – sobretudo o

pluralismo de expressão e o pluralismo de expressão e organização política – seja não

apenas uma dimensão do princípio democrático mas também um elemento constitutivo

da ordem constitucional (CANOTILHO, 1993, p. 405).

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Outra teoria moderna de democracia, considerada crítica da teoria pluralista, é a teoria

da democracia participativa consagrada na CRFB, cuja meta é a autodeterminação que livra o

homem do julgo do homem, sendo “alternativa para o impasse do sistema representativo”

(CANOTILHO, 1993, p. 409), e caracteriza o princípio democrático como um “princípio de

organização da titularidade e exercício do poder” (CANOTILHO, 1993, p. 418). E a

autodeterminação somente é alcançada com a participação política dos cidadãos de uma maneira

geral, e não apenas com o engajamento político de uma minoria elitizada45

. “A vitalidade da

democracia não assenta na <<circulação das elites>>, mas numa <<activa publicidade>>

(Dahrendorf), traduzida na participação permanente, aberta e variada do povo na resolução dos

problemas nacionais” (CANOTILHO, 1993, p. 406).

Importante salientar que o princípio participativo disposto no artigo em epígrafe limita a

democracia representativa, tendo em vista que mitiga a liberdade absoluta dos representantes

eleitos quanto ao exercício do poder de planejamento e execução da reforma agrária. Ou seja, não

cabe aos poderes Executivo e Legislativo da União, enquanto poderes constituídos, estipularem

quem serão os envolvidos nas atividades elencadas ou mesmo simplesmente se omitirem em

fomentar a participação ativa do trabalhador rural, já que o poder constituinte que promulgou a

CRFB dispôs, expressamente, no artigo em questão, quem são os titulares.

Analisando a dimensão declarativa do princípio da democracia, o princípio da

participação ativa do cidadão na construção da sociedade, concretizador do princípio

democrático, se construiu ainda no regime militar, com a atuação de cidadãos que lutavam contra

a ordem opressora até então vigente, que não permitia a liberdade de expressão, logo não permitia

a participação e contestação política. Construção que não cessou durante os trabalhos da

Assembléia Nacional Constituinte e foi muito importante para que a definição do texto da CRFB

não ficasse ao alvedrio dos ‘notáveis’ (CATTONI, 2006).

Cumpre Ressaltar que a participação política voltada para a Reforma Agrária percorreu

quase todo o século passado, com contribuição significativa do Partido Comunista Brasileiro

(PCB), que usou o jornal impresso conhecido como Imprensa Comunista, a Tecnologia de

Informação e Comunicação da época, para mobilizar o trabalhador rural. E, sem entrar no mérito

da proposta do PCB, e apesar de todas as limitações para editar e circular o jornal impresso, bem

como transmitir as informações, em certa medida a Imprensa Comunista foi instrumento hábil

45

Outra teoria moderna da democracia é a teoria elitista da democracia (CANOTILHO, 1993).

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112

para reunir o homem do campo e tirá-lo do isolamento que impede a ação pelo discurso

(MEDEIROS, 1998). Mais, criou- se uma identidade entre os cidadãos do meio rural e fortaleceu

o capital social do homem do campo.

Antes de dar prosseguimento à análise do princípio democrático e os princípios que lhes

são subalternos, indispensável algumas considerações. No entendimento de Arendt (2007), a

condição humana é formada por três atividades humanas fundamentais, a saber: labor, trabalho e

ação, tendo esta tem vínculo direto com as questões que permeiam o artigo 187 da CRFB, já que

só se realiza no discurso.

De qualquer modo, desacompanhada do discurso, a ação perderia não só o seu caráter

revelador como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer: em lugar dos

homens que agem teríamos robôs mecânicos a realizar as coisas que seriam

humanamente incompreensíveis. Sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, pois não

haveria ator; e o ator, o agente do ato, só é possível se for, ao mesmo tempo, o autor das

palavras. (ARENDT, 2007, p. 191).

A ação “corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o

homem, vivem na Terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2007, p. 15). Arendt (2007) ensina,

ainda, que a pluralidade decorre do fato de que todos os humanos são diferentes; que das

atividades elencadas, a ação é a única exclusivamente humana por ser imprescindível a presença

de outros cidadãos no discurso. Retirar do homem do campo o direito de participar do

planejamento da reforma agrária é alijá-lo da própria condição humana. Destarte, o princípio

participativo é essencial para a realização da condição humana.

A participação política contribui, portanto, para temperar a democracia representativa

brasileira, mantenedora da ordem opressora que inviabiliza, dentre outros, qualquer tentativa de

distribuição de terras, mediante a força política da bancada ruralista, notadamente, representante

dos grandes proprietários de terras. Bonavides (2003, p. 25), discorrendo a respeito da

democracia participativa, ensina esta maneira de se praticar democracia:

É, aliás, o único modelo capaz de por cobro ao ludíbrio do poder popular, sempre

objeto das alienações e descumprimento de sua vontade por outra vontade que,

ocupando e dominando as casas representativas, posto que derivadas daquela,

invariavelmente o tem negado, destroçado ou atraiçoado.

Assim, o déficit da democracia representativa, presente na falta de representatividade

universal da população do campo quando da tomada de decisões é, em tese, superado.

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113

O princípio democrático para ser satisfeito, tal como disposto na CRFB, tem de

enfrentar o problema de democratização da sociedade. Tarefa que terá sucesso se as práticas

sociais pretenderem dar vida ao princípio da participação. Com sabedoria singular Canotilho

(1993, p. 426, grifo do autor) expõe que “democratizar a democracia através da participação

significa, em termos gerais, intensificar a optimização da participação dos homens no processo

de decisão”. Á obviedade esta participação deve ser ativa, e não pro forma.

Finalmente, analisando o tema em voga com amparo princípio da supremacia da

Constituição, ratificadas estão todas as anteriores alegações referentes à obrigação de se investir

em uma esfera pública aberta e acolhedora dos cidadãos do meio rural, com vistas a reduzir as

desigualdades sociais.

Barroso (2003a, p. 161), ao discorrer acerca do Princípio da supremacia da Constituição,

preleciona que,

Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da supremacia jurídica da

Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da

supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode

subsistir validamente se for incompatível com a lei Fundamental.

A supremacia da constituição decorre da teoria do poder constituinte e do poder

constituído, formulada por Sieyès (2001). O poder constituinte é proveniente do povo, logo,

ilimitado. Não deve obediência a ordem jurídica anterior. O poder constituído é regulado pelo

direito positivo. “Assim, o corpo de representantes, a que está confiado o poder legislativo ou o

exercício da vontade comum, só existe na forma que a nação lhe quis dar” (SIEYÈS, 2003, p.

48). E, repita-se, a sociedade brasileira definiu a ação dos ocupantes do Legislativo e Executivo

no planejamento e execução das Políticas Públicas para as áreas rurais e reforma agrária, atrelada

à participação dos diretamente afetados, consoante caput e §2° do art. 187 da CRFB.

No plano dogmático e positivo, a constitucionalidade, ou princípio da supremacia da

Constituição, procede da superlegalidade material e formal. Aquela condiciona a criação do

direito à norma jurídica. Esta “identifica a Constituição como a fonte primária da produção

normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos

inferiores” (BARROSO, 2003a, p. 164). Inclusive, o princípio da supremacia da constituição “do

ponto de vista lógico e cronológico, é o primeiro princípio a ser levado em conta no processo

intelectivo da interpretação constitucional” (BARROSO, 2003a, p. 174). Logo, a superlegalidade

material e formal do artigo 187 é fundamento para compelir o Estado a fomentar a prática

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democrática na definição da reforma agrária, inclusive das políticas públicas de inclusão digital

rural. E a inclusão digital rural é política pública que muda exponencialmente a esfera pública, o

local onde o cidadão se aproxima dos Poderes Constituídos. Portanto, não pode ser negligenciada

ou realizada apenas pró-forma.

Cabe ao Poder Judiciário o dever de interpretar o ordenamento jurídico e proteger os

cidadãos da implementação de determinado dispositivo constitucional, quando incompatível com

a CRFB. E como o Judiciário atua mediante provocação dos cidadãos, a participação dos

cidadãos na concretização dos princípios Constitucionais é indissociável. Esclarece BARROSO

(2003a, p. 167) que,

A supremacia da Constituição e a missão atribuída ao Judiciário na sua defesa têm um

papel de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo

constitucionalismo moderno como forma de conter o poder. É que, através da

conjugação desses dois mecanismos, retira-se do jogo político do dia-a-dia e, pois, das

eventuais maiorias eleitorais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez

constitucional e pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição.

Logo, com base na supremacia da Constituição, a regulação e execução do artigo 187 da

CRFB, sem a participação efetiva dos trabalhadores rurais, pode ser combatida pelos

trabalhadores rurais, que tem direito subjetivo de provocar da prestação jurisdicional do Estado

com o escopo de se exigir a eficácia do dispositivo em voga46

. Para Barroso (2003b, p. 320), o

objetivo da eficácia dos princípios é “reconhecer àquele que seria o beneficiado da norma, ou

simplesmente àquele que deveria ser atingido pela realização de seus efeitos, direito subjetivo a

esses efeitos, de modo que seja possível obter a tutela específica da situação contemplada no

texto legal”.

Os princípios fundamentais, gerais ou setoriais, se analisados do ponto de vista de sua

finalidade, desempenham um papel prático em três momentos distintos (BARROSO, 2003a). O

primeiro é durante a constituinte, que terá poderes ilimitados se pensados em vista da relação

com a ordem anterior, como ocorreu com a derrubada do Antigo Regime pela Revolução

Francesa (SIEYÈS, 2001). E terá poderes limitados, se pensados considerando a relação com os

valores que dão sustentação à ordem jurídica que se pretende promulgar (LASSALE, 2009). Com

isto, inspiram a organização do Estado no decorrer da Constituinte. “Eles fincam os alicerces e

46

Sobre controle de constitucionalidade, ler:

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho,

Paulo Gustavo Gonet Branco. 4ª Ed rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.

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traçam as linhas mestras das instituições, dando-lhes impulso vital inicial” (BARROSO, 2003a,

p. 156).

O segundo é quando há necessidade interpretar harmonicamente a ordem vigente se

houver conflito aparente entre normas jurídicas. Já no terceiro momento, condiciona a atuação

dos poderes constituídos enquanto dimensão operativa (BARROSO, 2003b).

Canotilho (2005, p. 21), exprimindo-se acerca das teorias procedimentalistas e

substancialistas da Constituição, apresenta a possibilidade de um princípio conter as

características peculiares a ambas as teorias. Exemplifica com o princípio da dignidade da pessoa

humana, ao fundamento de que,

[...] como limite ao próprio poder, deve estar na Constituição”...“porque implica

também uma proibição da transformação do sujeito (que é uma pessoa) em objeto” [...]

“porque ela própria é um índice de que vivemos em comunidades inclusivas.

E conclui dizendo que “Este é, pois, um problema procedimental, mas é também um

problema material” (CANOTILHO, 2005, p. 21).

Observando-se pormenorizadamente o objetivo fundamental de reduzir as desigualdades

sociais, bem como os princípios fundamentais consagrados no caput do artigo 187 da CRFB

quanto ao papel prático que desempenham, percebe-se que assim como o princípio da dignidade

da pessoa humana, tem características do procedimentalismo habermasiano, bem como da uma

Constituição substancialista, no sentido Bonavidesiano.

Parafraseando a citação acima, de Canotilho (2005, p. 21), de se dizer que o objetivo

fundamental de reduzir as desigualdades sociais e o princípio da participação funcionam como

limite à função legislativa na democracia representativa. Logo deve estar na Constituição. É uma

proibição da transformação do sujeito em súdito (BONAVIDES, 2003). E, por fim, indica que a

sociedade brasileira almeja uma sociedade inclusiva. O estudo supra, das características comuns

dos princípios, é fundamento para a apuração do caráter procedimentalistas e substancialista do

princípio participativo disposto no artigo 187 caput e §2° da CRFB.

Considerando que no Capítulo 1 foram abordadas as consequências da Revolução

Informacional na reconfiguração da esfera pública.

Considerando, ainda, a interpretação dos dispositivos Constitucionais à luz dos

princípios que consagram a democracia deliberativa, por demonstrarem ser imperiosa a inclusão

da população do campo nas deliberações afetas à reforma agrária e redução das desigualdades

sociais.

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O Capítulo 3 será dedicado à análise das Políticas Públicas de Inclusão Digital Rural do

Governo Federal. Para tal será analisado se as referidas Políticas Públicas tem ou deveriam ter o

condão de proporcionar paridade de acesso entre os cidadãos do meio rural e urbano, bem como

de entendimento acerca da educação para a utilização das novas TIC.

O objetivo é analisar se da maneira que estão sendo disponibilizadas, estas ferramentas

serão suporte democratizante por ampliar a esfera pública e abrir espaço para a multiplicidade de

vozes. Situação que proporciona aos cidadãos preteridos na democracia representativa,

influenciar nas deliberações e tomadas de decisões, para a efetivação da redução das

desigualdades sociais. Ou se serão mais um meio dos mais afortunados se imporem e

manipularem aqueles que dependem das políticas públicas para se desenvolverem.

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CAPÍTULO 3: O Programa Nacional de Banda Larga

O significado da difusão da internet no mundo contemporâneo capitalista ficou

sobejamente demonstrado nos capítulos anteriores. Permanecer fora da Era Informacional é estar

em posição de inferioridade no mundo globalizado e impossibilitado de contribuir para

construção contínua da sociedade.

Diante desta realidade, ao investigar a questão do acesso à rede no Brasil, pesquisas

concluem que as políticas públicas de inclusão digital das duas últimas décadas tem sido

planejadas e executadas, lentamente (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR, 2011). Segundo Medeiros (2010), “[...] os números de acesso à internet no

Brasil ainda são preocupantes, pois praticamente metade da população nunca navegou pela rede.”

A situação é ainda mais grave quando se trata da inclusão digital no meio rural. Realidade que

amplia a desigualdade social. As oportunidades de interação através da rede permanecem restritas

aos cidadãos que residem nos grandes centros, e as conexões mais rápidas concentradas nas

classes mais afortunadas.

Pesquisa domiciliar realizada em 2010 apurou que entre 2009 e 2010 a difusão da

internet na área rural foi menor que entre 2008 e 2009 (CENTRO DE ESTUDOS SOBRE AS

TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO, 2010, p. 15) e que um dos

entraves é o alto custo e a incapacidade para usar as novas TIC.

A política pública de inclusão digital em voga na atualidade, inclusive rural, foi batizada

de Programa Nacional de Banda Larga – PNBL, e instituído pelo Decreto 7.175/2010 ainda no

Governo Lula.

Cumpre ressaltar que as políticas públicas de inclusão digital do Governo Dilma,

inclusive rural, não desconsideraram a estrutura da Administração Pública do Governo Lula.

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Mantiveram-se em vigência os Decretos que instituíram Comitês e Programas desta seara em

âmbito Federal. Todavia, os projetos também foram acolhidos, mas com alterações. A principal

delas ocorreu com a criação do Decreto 7.512, de 30 de junho de 2011 a ser abordado na seção

3.3.1

Ante ao fato do PNBL não ser a primeira medida no sentido difundir o acesso e a

capacidade de utilização das novas TIC, a seção seguinte se dedicará ao uma breve exposição das

políticas públicas que o antecederam.

3.1 Políticas Públicas de inclusão digital antecedentes

Até meados da década de 90 do século passado, a Embratel detinha o monopólio do

provimento de acesso à internet. Fernado Henrique Cardoso - FHC, até então Presidente da

República privatizou o sistema de comunicação nacional, possibilitando que novos provedores

entrassem na competição. Todavia, sem êxito quanto a uma saudável concorrência, tendo em

vista que a infra estrutura do Brasil não suportava uma expansão sem altos investimentos,

limitando a concorrência aos grandes grupos econômicos (MEDEIROS, 2010).

O Governo Fernando Henrique Cardoso – FHC, adotou uma política liberal no que

concerne à Políticas Públicas de difusão de acesso. Suas ações focaram o governo eletrônico,

disponibilizando serviços a quem tivesse condições de ter acesso e educação com recursos

próprios para utilizar as novas TIC. Não havia uma ação voltada para a universalização do acesso

e orientação de uso, via políticas públicas (MEDEIROS, 2010).

A pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da

Comunicação – CETIC apontou que o valor da conexão era dos mais elevados do mundo.

Situação que ainda persiste, já que o alto custo é apontado como uma das barreiras para os

cidadãos do meio rural, além da falta habilidade com o computador e de local para acessar, dentre

outros (CENTRO DE ESTUDOS SOBRE AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA

COMUNICAÇÃO, 2010). A insatisfação com o serviço também foi detectada pelo Instituto

Brasileiro de Defesa do Consumidor (2010) e assim descrita:

O Idec considera a banda larga um serviço essencial ao cidadão, por isso luta por sua

universalização. Porém, uma pesquisa realizada pelo Instituto constata que ela é lenta,

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cara e restrita a uma minoria. Preços altos e um serviço insatisfatório marcam a banda

larga no País (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2011).

Decorrido o Governo FHC47

, inicia-se o Governo Lula, perdurando por dois Mandatos

(2003 a 2010). A grande diferença das política públicas de inclusão digital entre FHC e Lula foi

que o segundo trabalhou com o objetivo de facilitar o acesso aos cidadaos de baixa renda.

Todavia, segundo Medeiros (2010), foram preservados, com alterações, três dos programas da era

FHC, a saber: Governo Eletrônico – Serviço de atendimento ao cidadão (Gesac)48

; Programa

Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo)49

e o Serviço Federal de processamento de Dados

(Serpro Cidadão)50

.

A primeira medida do Governo Lula para organizar a Admistração Pública, visando a

implementação e execução das políticas públicas de inclusão digital, foi a promulgação do

Decreto nº 4.829, de 03 de setembro de 2003, que criou o Comitê Gestor da Internet – CGI.Br,

com atribuições definidas nos incisos do artigo 1°51

.

47

Para maiores detalhes sobre as políticas públicas de inclusão digital do Governo FHC, ver Medeiros (2010). 48

Visa a interação, via Web, entre Poder Executivo e cidadãos através de informações e possibilidade de contato

direto (MEDEIROS, 2010). Informações acerca do Gesac estão disponíveis mediante consulta também em

http://www.gesac.gov.br/ . Acesso em 20 de outubro de 2011.

49 Visava instalar um laboratório de informática em cada escola urbana até fim de 2010. Para as escolas rurais

visava conectar 40% das escolas no mesmo prazo (MEDIROS, 2010). Considerando que os sites do Governo federal

divulgam somente o que foi feito e deu certo, parece as metas não foram alcançadas, já que os sites do Governo nada

dizem. 50

Tem a finalidade de prestar informações e serviços disponibilizados pela internet, e está vinculado ao Ministério da

fazenda (MEDEIROS, 2010). 51

Art. 1o Fica criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGIbr, que terá as seguintes atribuições:

I - estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil; II - estabelecer diretrizes para a organização das relações entre o Governo e a sociedade, na execução do registro de

Nomes de Domínio, na alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e na administração pertinente ao Domínio de

Primeiro Nível (ccTLD - country code Top Level Domain), ".br", no interesse do desenvolvimento da Internet no

País; III - propor programas de pesquisa e desenvolvimento relacionados à Internet, que permitam a manutenção do nível

de qualidade técnica e inovação no uso, bem como estimular a sua disseminação em todo o território nacional,

buscando oportunidades constantes de agregação de valor aos bens e serviços a ela vinculados; IV - promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais, para a segurança das

redes e serviços de Internet, bem assim para a sua crescente e adequada utilização pela sociedade; V - articular as ações relativas à proposição de normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades

inerentes à Internet; VI - ser representado nos fóruns técnicos nacionais e internacionais relativos à Internet; VII - adotar os procedimentos administrativos e operacionais necessários para que a gestão da Internet no Brasil se

dê segundo os padrões internacionais aceitos pelos órgãos de cúpula da Internet, podendo, para tanto, celebrar

acordo, convênio, ajuste ou instrumento congênere; VIII - deliberar sobre quaisquer questões a ele encaminhadas, relativamente aos serviços de Internet no País; e IX - aprovar o seu regimento interno.

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Na composição do CGI.Br consta a sociedade civil de maneira ampla. Todavia, não há

referência específica ao trabalhador rural, o que, por si só, pode comprometer a multiplicidade de

vozes no planejamento e execução das Políticas Públicas de inclusão digital rural. Não consta,

ainda, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária, e

Abastecimento52

, presentes apenas no Comitê do Território da Cidadania, Programa que será à

frente abordado.

Somente em 2005 o CGI-Br, através do Cetic iniciou pesquisa anual para apurar como

estava o acesso à rede no Brasil. A disparidade entre o acesso urbano e rural é um dos resultados

da pesquisa (MEDEIROS, 2010, CETIC 2010).

O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – MCTI foi incumbido do planejamento

e execução de projetos de relevância para a inclusão digital. Uma das preocupações era a

diminuição dos custos de acesso, o que fomentou o investimento na pesquisa e desenvolvimento

de um software livre. Surge assim, o SOFTEX, um programa para a promoção da excelência do

software brasileiro

(ASSOCIAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA EXCELÊNCIA DO

SOFTWARE BRASILEIRO, 2011).

O SOFTEX criou, dentre outros, o Programa para o Desenvolvimento na Indústria

Nacional de Software e Serviços de Tecnologia da Informação – Prosoft, que conta com três

subprojetos, a saber, Prosoft-Empresa, Prosoft-Exportação e Prosoft-Comercialização53

. O

prosoft perdura, simultaneamente ao PNBL, e tem previsão até 31 de julho de 2012.

Ainda na seara do MCTI, há o Comitê da Área da Tecnologia da Informação - CATI54

.

Ressalta-se que não há instituição do Estado de Goiás credenciada junto ao CATI para receber

incentivos previstos em lei para empresas que investem no desenvolvimento das Tecnologias da

Informação – TI.

52

Ver artigo 2° do Decreto 4.829/2003. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4829.htm > . Acesso dia 12 de março de 2011.

53

“a) Prosoft-Empresa - financiamento para investimentos e planos de negócios de empresas nacionais produtoras

de software e serviços correlatos, ao custo da variação da TJLP mais 1%, ou de 1,5% a 2% anuais;

b) Prosoft-Exportação - financiamento à exportação de softwares e serviços correlatos desenvolvidos no país, por

meio de operações de pré-embarque e pós-embarque, com encargos definidos pela TJLP ou LIBOR (taxa de juros do

mercado de Londres);

c) Prosoft-Comercialização - financiamento para aquisição, no mercado interno, de softwares e serviços correlatos

desenvolvidos no Brasil. Também utiliza a TJLP acrescida de 1% a 4% ao ano para correção dos encargos”.

Disponível (http://www.softex.br/linhas/_prosoft/oprograma.asp . Acesso dia 10.01.2012 54

O CATI foi criado pelo decreto 3.800/2001, art. 21. Este Decreto foi revogado pelo Dec. 5.906/2006, que no seu

art. 30 e ss, manteve o CATI em atividade e, dentre outras, a atribuição de definir os critérios, credenciar e

descredenciar as instituições de ensino e pesquisa e as incubadoras, para os fins previstos na Lei nº 8.248, de 1991.

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Em 25 de fevereiro de 2008 publica-se o Decreto 25 (BRASIL, 2008), com previsão de

entrada em vigor para a mesma data da publicação. Por este Decreto foi instituído o Programa

Territórios da Cidadania. Trata-se de um Programa que tem um subprograma denominado

Território Digital, responsável por implantar as ‘Casas Digital’ em áreas destinadas a

assentamentos rurais e comunidades camponesas ser implementado pelo Ministério da

Comunicação em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. “A Casa Digital é um

espaço público de exercício da cidadania” (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E

REFORMA AGRÁRIA, 2009).

Outra medida do Governo Federal visando a inclusão digital foi a promulgação do

Decreto nº 6.948, de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009b), que instituiu o Comitê Gestor do

Programa de Inclusão Digital – CGPID.

Através do CGPID compartilhou-se a responsabilidade de difusão da internet. O artigo

3° do Dec. 6.948/2009 definiu os membros do CGPID, privilegiando a composição

interministerial, ou seja, somente com integrantes do Poder Executivo. No §3° do referido

dispositivo legal há a previsão da possibilidade de se convidar representantes de outros órgãos ou

entidades, públicas ou privadas, para participar das reuniões do colegiado. Todavia, sem direito a

voto.

Deve-se ater ao fato de que a composição do CGPID é mais restrita que a composição

do Comitê Gestor Nacional – CGN, criado pelo Dec. 25/2008 que instituiu o Programa Território

da Cidadania. Quando da definição da composição do CGPID, não foram incluídos o Ministério

do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dentre

outros. Situação que não foi sanada com a promulgação do Dec. 7.175/2010, que instituiu o

PNBL. O artigo 8° deste Decreto regovou o artigo 3° do Dec. 6.948 (que instituiu o CGPID), e

ampliou a composição. Contudo, continuou com a lógica de fechamento do debate entre

Ministérios vinculados ao Poder Executivo Federal, apesar de se dizer que o objetivo do referido

Fórum é a abertura para a sociedade civil. Tanto é que os ciberativistas rogam por maior

participação no planejamento das políticas Públicas de inclusão digital, alegando que a

aproximação entre Governo e empresas é insufuciente (AS METAS, 2011).

O Decreto 6.991/2009 (BRASIL, 2009c) Institui o Programa Nacional de Apoio à

Inclusão Digital nas Comunidades - Telecentros.BR, cujo objetivo é atuar simultaneamente com

outros Programas de implementação e manutenção de telecentros públicos e comunitários em

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todo o território nacional55

. Suas ações ficam restritas ao Ministério das Comunicação, Ministério

da Ciência e Tecnologia e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, consoante artigo 4°.

Em agosto de 2011, o Ministro Paulo Bernardo, e os Secretários de Inclusão Digital,

Lygia Pupatto, e de Serviços de Comunicação Eletrônica, Genildo Lins se reuniram com

representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra – MTS, que reivindicavam a

implantação de quinhentas (500) Casas Digitais. Houve a promessa do Governo em licitar em

2012, “[...] a faixa de 450 MHz, espectro que será utilizado na expansão de serviços de telefonia

e internet na área rural” (COMISSÃO, 2011), bem como a capacitação de cidadãos para atuarem

nas Casas Digitais (COMISSÃO, 2011). Esta última medida já vem trabalhada, ainda que de

maneira incipiente (MiniCom, 2011)56

As políticas públicas supra mencionadas, e demais políticas públicas de inclusão digital

do período do Governo Lula foram insuficientes. Ademais, de se dizer que os debates acerca da

regulamentação do uso da internet devem estar sintonizados com os objetivos da difusão

universal do acesso, sob pena de se restringir a liberdade do cidadão no uso da internet. E sendo

assim, os resultados podem prejudicar a manifestação de vontade dos cidadãos, nesta esfera

pública de indiscutível capacidade para fortalecer a democracia deliberativa.

Antes da análise do PNBL, será abordado na seção seguinte, nas deliberações travadas

no Poderes Constituídos, principalmente no Congresso Nacional, e entre seus integrantes e a

comunidade ciberativista. Conforme se verá, de um lado há os que pretende a regulamentação via

direito penal; e de outro, os que propugnam por uma regulamentação na seara cível.

55 Decreto Art. 1o Fica instituído, no âmbito da política de inclusão digital do Governo Federal, o Programa

Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades - Telecentros.BR, coordenado pelos Ministérios do

Planejamento, Orçamento e Gestão, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia.

Parágrafo único. O Programa Telecentros.BR tem como objetivo desenvolver ações que possibilitem a

implantação e a manutenção de telecentros públicos e comunitários em todo o território nacional, sem prejuízo da

continuidade e implementação de outros programas da mesma natureza. (Redação dada pelo Decreto nº 7.038, de

2009) .

56 “As iniciativas, que serão desenvolvidas por universidades e institutos federais de ensino superior em 22 Estados,

além do Distrito Federal, enfocam três linhas temáticas: Educação no Campo; Gestão e Comercialização da

Produção na Agricultura Familiar; e Comunicação Digital nas Áreas Rurais” (MiniCom, 2011). Disponível em

http://www.mc.gov.br/noticias-do-site/23908-221111-minicom-divulga-resultado-da-chamada-publica-para-

inclusao-da-juventude-rural . Acesso dia 02.01.2012

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123

3.2 A sintonia entre o Constitucionalismo Democrático e o Projeto de Lei do Marco

Civil da Internet e a ameaça advinda dos Projetos de Lei dos cibercrimes

Quando a internet começou a ser disponibilizada no Brasil, dúvidas quanto aos limites

de sua utilização começaram a surgir entre os cidadãos. Com a intensificação do uso da internet

e, principalmente, com a disponibilização das conexões para comercialização, houve um aumento

de demandas interpostas no judiciário. E a ausência de lei específica causou insegurança jurídica,

principalmente diante de decisões contraditórias (BRASIL, 2011).

A busca por universalização do acesso e o desenvolvimento da internet com a definição

de quais tecnologias, padrões e formatos a serem adotados no Brasil são preponderantes para se

concluir se as políticas públicas de inclusão digital rural são capazes de democratizar o acesso à

rede, conforme previsto no inciso IV do artigo 19 do Projeto de Lei do MCIB, portanto,

constitucionais. Ou se são de cunho capitalista, garantindo os interesses das empresas que

prestam o serviço de difusão da internet, bem como da Microsoft, que teria mercado vasto para

venda de seu software.

No que concerne à difusão da internet no Brasil, a maior preocupação da Microsoft era

impedir a propagação de um software livre, denominado OpenDocument format - ODF,

abreviatura de OpenDocument Format for Office Applications - OASIS, sob a alegação de que,

dentre outros, o Brasil fazia parte de um grupo de países que pretendiam descumprir a Lei de

Patentes e adotar o padrão ODF ou outro padrão livre (SOBRE, 2011).

As consequências seriam contrárias às pretensões de lucro da Microsoft, mas com

repercussão positiva para a democratização digital, uma vez que o ODF tem um formato livre e

adapta-se a qualquer programa sem os incômodos do código binário57

e do pagamento de

royalties. O ODF foi aprovado pela ABNT em maio de 2008 e em 19 de novembro do mesmo

57

O código binário impede que software livre, limitando o acesso à informação.

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ano é publicado o Protocolo de Brasília que, expressamente, acena para a intenção de adotar

preferencialmente o software livre (BRASIL, 2008b).

Contudo, no ano corrente, em meio a todo o movimento concretização da política de

adoção do padrão ODF, que desde 2006 já tinha sido reconhecida, veio à tona um documento

confidencial de 2007 contendo o diálogo entre a Embaixada estadunidense no Brasil e o Governo

daquele país. Neste documento a Embaixada estadunidense, dentre outras, faz as seguintes

acusações:

Levy acredita que esta questão se tornou ideológica e é uma manifestação de anti-

americanismo no Itamaraty.

O debate entre os vários padrões internacionais (GPS, telecomunicações, etc) não é

nova no Brasil, e as preocupações de Levy sobre uma ideologia anti-americana na

chancelaria brasileira não são apenas a preocupação da Microsoft (SOBRE, 2011,

tradução nossa).

Em suma, para os envolvidos nos debates sobre qual padrão a ser adotado no Brasil, há

neste documento um “pedido velado de intervenção” (SOBRE, 2011) em afronta à soberania do

Brasil. A visão estadunidense sobre a presidenta Dilma Rousseff a taxa de antiamericana por seu

posicionamento quanto à difusão da internet quando ainda era Chefe da Casa Civil no Governo

Lula. E recebeu tal tratamento por defender naquela época que o Brasil adotasse,

preferencialmente, tecnologias, padrões e formatos abertos e livres.

Atualmente, trava-se no Congresso Nacional, disputa neste sentido. De um lado há os

Projetos de Lei de cibercrimes; do outro, o Projeto de Lei conhecido como Marco Civil da

Internet – MCI.

As primeiras propostas de regulamentação da internet são de cunho penal. Começaram a

tramitar no Congresso Nacional em meados da década de 90 do século passado, justamente no

início de sua difusão. Durante os dez anos de tramitação, vários substitutivos foram incorporados

nas malsinadas propostas originais. E os substitutivos causaram grande polêmica, por prever a

obrigação de identificação prévia de qualquer pessoa em qualquer comunicação pela internet. O

até então Senador Eduardo Azeredo, hoje Deputado Federal, aglutinou e as proposta de

cibercrimes e passou a ser seu maior defensor. Afirma o parlamentar que as propostas e seus

substitutivos não ferem a privacidade do internauta. Não seriam os interesses privados de quem

ganha dinheiro com a Lei de incentivo à cultura que funciona como combustível do empenho por

aprovação da Lei dos cibercrimes, mas como dito por Azeredo, o “interesse público”

(ZMOGINSKI, 2007).

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Para os defensores da internet livre, os Projetos de Lei n° 84/1999, n° 76/2000 e n°

137/2000, defendido pelo parlamentar Eduardo Azeredo “formam a tríade originária do atual

projeto de lei de cibercrimes” (SANTARÉM, 2010, p.38), e são contrários à característica

libertária da internet por não coadunar com o software livre, caminhando em sentido oposto ao do

fortalecimento da democracia participativa e consequente redução das desigualdades sociais e da

violência no meio rural, pois com acesso à internet fica mais fácil denunciar os abusos sofridos

pela população do campo. Atualmente, o projeto de lei n°84/1999 está em tramitação, os demais

saíram de pauta.

No entendimento de Omar Kaminski, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito da

Informática (IBDI), esposado em Seminário na Câmara dos Deputados “os tipos de pena são

"excessivamente abertos", causando insegurança jurídica e desestímulo à inovação” (LEI, 2011).

E na intenção de privilegiar valores capitalistas está presente há vinte anos na Lei de

incentivo à cultura (FREITAS, 2011). No início do Governo Lula, houve uma tentativa de alterar

a lei de Incentivo à Cultura para acabar com a guerra fiscal, entretanto, o Deputado Eduardo

Azeredo, à época Senador, foi o principal articulador para a rejeição da proposta. Em 18.06.2003

Eduardo Azeredo discursou no Senado em prol da manutenção do status quo das Leis de

incentivo à Cultura Federal e dos Estados Membros, embora tenha reconhecido no início do

discurso que a guerra fiscal devia ser combatida. Frisou que a Lei de incentivo à cultura do

Estado de Minas Gerais foi criada enquanto era Chefe do Poder Executivo daquele Ente da

Federação.

A atuação do Deputado Azeredo na defesa do Projeto de Lei dos Cibercrimes privilegia

atividades de fomento à cultura, via Lei de incentivo à Cultura, como as da Fundação Amílcar

Martins, a qual é membro do conselho consultivo. Esta norma jurídica tem compromisso com o

mercado e não com a difusão da cultura independente. Os efeitos da Lei de incentivo à cultura já

eram alvo de manifesto em 2002, tendo em vista a exclusão do pequeno produtor e da produção

independente; a proliferação dos institutos e fundações de incentivo à cultura; concentração dos

investimentos em cultura pelas grandes empresas. O resultado é uma das maiores crises da

produção cultural independente (MANIFESTO, 2002).

Na atualidade, a lei de incentivo à cultura vem sofrendo alterações que visam

desconcentrar as verbas arrecadadas em prol da cultura, o que é essencial para a esfera pública.

Mas se não dá mais para barrar a manifestação livre mantendo intacta a Lei de incentivo à

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cultura, por via oblíqua, com a aprovação da Lei dos cibercrimes, protege-se as pessoas que se

enriquecem com a lei de incentivo à cultura.

Como dito pelo presidente da Comissão que discute o Projeto de Lei - PL 6722/2010,

que altera a Lei de Incentivo à cultura, o Deputado Ângelo Vanhon, em entrevista à Rádio

Câmara, esta Lei concentra os recursos em basicamente três Estados, São Paulo, Rio de Janeiro e

Minas Gerais, reduto eleitoral do Deputado Eduardo Azeredo. Logo, não conseguiu atender à

diversidade cultural do Brasil (RESENDE, 2010).

A Fundação Amílcar Martins, acima referida, tem como um dos diretores, Amílcar

Viana Martins Filho, que foi Vereador pelo PSDB por duas legislaturas; Líder do PSDB na

Câmara Municipal de Belo Horizonte; Líder dos Prefeitos Pimenta da Veiga e Eduardo Azeredo

na Câmara Municipal de Belo Horizonte58

.

A postura politizada dos ciberativistas forçou a abertura de debates, tanto no Congresso

Nacional quanto na própria internet, através de sites onde o povo, titular do Poder59

, posicionou-

se contrário ao texto que previa formas de dificultar o acesso, como a certificação digital, com

intenções econômicas, bem como iniciou o debate acerca do MCI.

Um dos argumentos dos milhares de cidadãos que saíram em defesa de uma internet

livre, sem obrigação de cadastramento prévio para usar internet, sem o desrespeito aos direitos

fundamentais, como privacidade e liberdade de expressão, é de que antes de se pensar em

resolver as demandas sociais pelo direito penal, deve-se buscar uma Lei que regulamente os

direitos e os deveres de fornecedores, usuários e Poder Público, este com a incumbência de

instituir políticas públicas para difusão preferencial de software livre à comunidade,

universalmente.

Em outro sentido ao dos Projetos de Lei dos cibercrimes há o recente Projeto de Lei –

PL 2126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet - MCI, enviado à Presidência da

República em agosto de 2011. O MCI é considerado o mais relevante Projeto de Lei para a

democratização digital. Segundo os organizadores dos debates que originaram o MCI, a

CRFB/88 e a Resolução CGI.Br/RES/2009/003/P60

deram os rumos deste Projeto de Lei, criado

após um debate amplo na sociedade, via internet, que se iniciou em outubro de 2009, findando-se

58 Informações extraídas do site < http://www.icam.org.br/diretoria/index.html > 59

Art. 1°, PÚ. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição. (BRASIL, 2010).

60 Disponível em < http://www.cgi.br/regulamentacao/pdf/resolucao-2009-003-pt-en-es.pdf >

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em março de 2010. Os debates online sobre o MCI são a prova prática de que a internet é

ferramenta hábil para alterar o espaço público, positivamente.

O Marco Civil da Internet visa à regulamentação dos direitos, deveres e princípios para

o uso da internet. Vários dispositivos deste projeto reforçam que a internet é instrumento

indispensável ao exercício da cidadania. Importante mencioná-los abaixo.

No artigo 2° do PL 2126/2011 - MCI, dentre outros fundamentos para uso da internet,

há previsão dos Direito Humanos e o exercício da cidadania em meios digitais, o respeito à

pluralidade e diversidade, bem como ser a internet suporte para a livre iniciativa e a livre

concorrência. Salienta-se que há entre os estudiosos o entendimento de que a democratização

econômica passa pelo acesso à internet de todos os envolvidos numa cadeia de produção, senão

veja-se:

A democratização econômica – que implica na socialização das forças produtivas –

significa que as grandes decisões sobre a produção e a distribuição não são tomadas

pelos “mercados” ou por um politburo, mas pela própria sociedade, após um debate

democrático e pluralista, em que se oponham propostas e opções diferentes (LÖWY,

2005, p. 75).

A referência aos direitos humanos como um dos fundamentos é pertinente. A

Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 196961

cujo Brasil é signatário reconhece no

artigo 13, o direito à liberdade de pensamento e expressão. E no item 3 do referido dispositivo faz

menção expressa ao dever dos Estados em não obstar a comunicação.

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão

...

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o

abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências

radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem

por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e

opiniões.

Sem comunicação não há como denunciar as muitas formas de violência nas regiões

isoladas do Brasil, tampouco promover deliberações que pretendem ter minimizada a

manipulação nas tomadas de decisões da democracia representativa que, por vezes, legitimam as

agressões de poderosos contra a população isolada do campo.

O artigo 3° do PL em voga prevê um inventário exemplificativo de princípios, sendo

que o inciso VII consagra a preservação da natureza participativa da rede. Orientação que condiz

com princípios estruturantes (CANOTILHO, 1993) dispostos na CRFB/88, tais como o Princípio

61

Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm

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da Democracia e o Princípio da Participação. A democracia consagrada na Carta Magna deve ser

a democracia exercida de maneira representativa, mas também a exercida de maneira

participativa. Com isto, os Poderes Constituídos tem condições de apurar as necessidades de todo

o povo, inclusive os que não gozam de efetiva representatividade no Poder Legislativo. E sem

voz política a redução das desigualdades sociais não será satisfatória para os moradores de

regiões distantes dos grandes centros urbanos, pois contemplará a vontade de investidores que

não tem relação nem compromisso com as comunidades agrárias.

A promoção do acesso à internet a todos brasileiros, o acesso à informação,

conhecimento e a participação na condução dos assuntos públicos, dentre outros, são objetivos

com previsão no artigo 4° do PL do MCI. Novamente, há o reconhecimento da internet como

meio imperioso para dotar os cidadãos do meio rural e urbano de simétrica paridade na

construção permanente da democracia no Brasil. Situação que é a única que pode fazer acontecer

a concretização dos objetivos fundamentais de redução das desigualdades regionais, sociais e

demais direitos fundamentais, efetivando esta questão de direito e dando vida aos princípios

constitucionais retro mencionados. Uma das consequências é o acesso digital rural dando suporte

ao cidadão do meio rural para denunciar aos demais cidadãos brasileiros e ao Mundo, as

condições no campo.

Em que pese às críticas quanto ao legislador trazer conceitos na lei, o artigo 5° do PL

2126/2011 ao conceituar internet, expressamente, diz de uma destinação desta ferramenta para

uso público e irrestrito. Portanto, reforçam-se as intenções acima descritas. A internet deve estar

ao alcance do homem do campo, inclusive com investimentos públicos onde for necessário para

se ter o nivelamento entre as regiões mais dispares do país. O artigo 7° volta a frisar que o acesso

é essencial ao exercício da cidadania.

No capítulo IV do PL2126/10, que trata da atuação do poder público, prevista está a

adoção preferencial de tecnologias, padrões e formatos abertos e livres. E não poderia ser

diferente, já que cabe também a promoção da cidadania, e a internet potencializa sobremaneira o

espaço público (CASTELLS, 2006). Ainda, repete a necessidade de acesso universal, e o

fortalecimento da participação social na vida pública. Sendo dever da iniciativa pública, a

promoção da inclusão digital e a redução das desigualdades regionais no acesso.

Enquanto a lógica capitalista prosperar nas atividades culturais, a esfera pública estará

comprometida em termos de informação, de variedade de pontos de vista, de diversidade e de

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redução das desigualdades regionais sociais, dentre outros. À obviedade, o setor privado está

interessado, predominantemente, no retorno financeiro do marketing. Mas o projeto 6722/10

tenta por fim a tais distorções.

Claro que para universalizar o acesso e realizar os princípios estruturantes da CRFB,

precipuamente os princípios do Estado de Direito, Democrático e da democracia participativa e

demais princípios previstos no Marco Civil da Internet, o acesso à conexão do meio rural deve ser

similar ao meio urbano, bem como deve ter uma internet com padrão livre. Ainda que este último

requisito seja preenchido, com a efetivação das orientações dispostas na Resolução

CGI.Br/RES/2009/003/P e no projeto de Lei 2126/2011, o Marco Civil da Internet.

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3.3 O Programa Nacional de Banda Larga

O Governo Federal, consoante acima mencionado, elaborou e publicou do Decreto

7.175/2010 (BRASIL, 2010), que instituiu o PNBL. E previu no caput do artigo 1° que os

objetivos gerais do PNBL são fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de

tecnologias de informação e comunicação62

. Para tal, deverá se ater a objetivos específicos,

previstos nos incisos do artigo supra.

Os objetivos são detalhados pelo Governo Federal no site oficial 63

. E analizando-os,

percebe-se que a intenção anunciada é a de viabilizar às pessoas físicas e jurídicas, acesso e

dissernimento para utilização das novas TIC para assuntos pessoais e relativos ao

desenvolvimento econômico. Serviço que seria gratuito aos cidadãos mais pobres das localidades

onde as empresas privadas não tem interesse em atuar (GROSSMANN e QUEROZ, 2011).

De acordo com o artigo 2° do Decreto em questão, ficou sob a responsabilidade do

Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital – CGPID64

, a implementação do PNBL. Para o

intento, ampliou-se consideravelmente a competência deste Comitê. Consoante artigo 2° do

Decreto 6.984/09, o CGPID teria maior ingerência apenas nas atividades de desenvolvimento de

software ou de prestação de serviços de tecnologia da informação para exportação, e desde que

preencham os requisitos previstos no artigo 2° da Lei 11.196/2005. Ainda, a aprovação do plano

anual de trabalho do Programa de Inclusão Digital. As demais competências, salvo elaboração do

62

Estes objetivos estão previstos no Art. 1° do Dec. 7.175/2010 e visam ao cumprimento das metas previstas nos

seus incisos, incluindo-se nos incisos I IV e VII, respectivamente, a redução das desigualdades social e regional e

promoção da capacitação da população para o uso das tecnologias de informação, essencial para o combate à

exclusão digital e massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga (BRASIL, 2010).

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7175.htm . Acesso dia

20.02.2011 63

Disponível em http://www4.planalto.gov.br/brasilconectado/pnbl . Acesso dia 10.03.11 64

O Decreto 6.948/09 instituiu o CGPID. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2009/Decreto/D6948.htm . Acesso dia 20.02.2011.

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Regimento Interno, visavam a interlocução deste Comitê com outros Comitês e Ministérios no

sentido de uma construção conjunta.

Com entrada em vigor do Decreto 7.175/2010, o CGPID recebeu poder de decisão para

se alcançar os objetivos traçados no artigo 1° deste Decreto. Destaques ficam para os incisos I e

III do artigo 3°, que prevêem, respectivamente, as atribuições de definição das ações e metas,

bem como a técnica de acesso em banda larga. O §4° do inciso IV do artigo 4° traz uma

competência que imprime ao CGPID um poder político enorme. Cabe a este Comitê definir as

localidades onde não há acesso, para que a Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS

cumpra o que lhe foi determinado nos incisos do artigo 4°.

A Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, consoante previsto no artigo 6°

do decreto 7.175/2010, tem a competência para a instalação das redes de telecomunicações que

suportarão a banda larga. No inciso IV, há previsão de se compartilhar a infraestrutura. O que é

assim explicado pelo Governo Federal:

As normas a serem debatidas e aprovadas pretendem determinar a instalação de redes

de telecomunicações no momento da realização de grandes obras de infraestrutura

(rodovias, ferrovias, redes de transmissão de energia elétrica, entre outras)

(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2010).

O artigo 8° ampliou a composição do CGPID, mas sem acolher setores ligados ao

campo. Foi deixado de fora, setores da sociedade que não fazem parte da Administração Pública

do Governo Federal, assim como Ministérios e Secretarias Federais vinculadas ao campo,

conforme acima mencionado. Nesta ampliação, há representação da Administração Pública

Indireta, a partir do Terceiro Setor.

O artigo 9° também incorreu no mesmo erro. Previu a instituição de grupos temáticos,

formados por composição interministerial, mas sem a presença do Ministério do

Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária, e Abastecimento, e nem de

Secretarias vinculadas ao campo. Ainda, alterou o Decreto 6.948/2009, acrescentando os artigos

5°-A e 5°-B, prevendo quorum de maioria simples para suas deliberações, possibilitando a

tomada de decisões com um grupo pequeno de membros do CGPID.

Com a publicação do Decreto 7.512/201165

, o PNBL sofreu uma alteração no Governo

Dilma contrária às pretensões originárias de fortalecer a Telecomunicações Brasileiras – Telebrás

65

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7512.htm . Acesso dia 20 de

dezembro de 2011.

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para que fornecesse internet de Banda Larga gratuita. O serviço da Telebrás seria destinado a

cidadãos que não tem condições financeiras de contratar com as prestadoras de serviço. A partir

deste Decreto, as prestadoras de serviço é que se beneficiarão com a cobrança pelo fornecimento

de internet ao valor de R$ 29,00 (vinte e nove), além da incidência do Imposto sobre Circulação

de Mercadoria – ICMS, que eleve o valor à média de R$ 35,00 (trinta e cinco).

A comunidade virtual se manifestou com repúdio às novas regras, impostas pelo

Governo federal sem a devida prática da democracia deliberativa com a sociedade. Não houve,

sequer, acordo interministerial, tampouco abertura para o debate direto com os cidadãos.

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3.3.1 A inconstitucionalidade dos Comitês criados pelos Decretos n° 4.829/2003;

n°25/2008; n° 6.948/2009, à luz do artigo 187 da CRFB/88

Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte se desenrolaram com a pressão dos

movimentos sociais. A postura ativa dos cidadãos visava, dentre outros, assegurarem a abertura

política para que tivessem maior ingerência sobre seus destinos, conforme descrito no capítulo 2.

E o legislador constituinte dispôs no artigo 187 da CRFB/88 que as políticas públicas destinadas

ao campo fossem planejadas e executadas com a participação do trabalhador rural, dentre outros.

A partir da última década foram criados Comitês em âmbito Federal voltados para se

pensar o planejamento e execução das políticas públicas de inclusão digital, inclusive rural.

Portanto, na análise da composição dos Comitês criados com a promulgação dos Decretos em

voga, imperioso que seja considerado o disposto no artigo 187 da CRFB/88 para se apurar a

constitucionalidade dos referidos Decretos, já abordados nas seções 3.1 e 3.2.

O CGI-Br foi instituído pelo Decreto 4.829, de 03 de setembro de 2003 (BRASIL,

2003). Sua composição é mais ampla se comparada aos demais Comitês, entretanto não há a

presença de Ministérios ou Secretarias vinculadas ao campo. Tampouco há previsão de abertura

para interação direta com os trabalhadores rurais e os ciberativistas de modo geral. Outra questão

é a presença apenas de setores considerados a Longa manus do Governo Federal. Ou seja, não há

multiplicidade de vozes, consoante dispõe o artigo 187 da CRFB/88.

O CGN do Programa Territórios da Cidadania, instituído pelo Decreto de 25 Fevereiro

2008, conta com a participação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da

Agricultura, Pecuária, e Abastecimento. Se considerado à luz dos Comitês abordados nas seções

3.1, 3.3 e na presente seção, este é o que mais se aproxima do campo. Contudo, também não está

em sintonia com o disposto no artigo 187 da CRFB, pois não prevê a possibilidade de interação

direta com os cidadãos.

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No §3° do artigo 6° deste Decreto há a previsão da possibilidade do CGN convidar a

sociedade civil para participar das reuniões com o escopo de prestar informação e emitir parecer,

dentre outros. Não sendo convidada, a sociedade civil tem o poder de exercer pressão nos moldes

tradicionais e via rede.

O Decreto de 23 de Março de 2009 (BRASIL, 2009a) foi promulgado e deu nova

redação ao artigo 6° do Decreto de 25 de Fevereiro de 2008. Ampliou a composição, mas

permaneceu a lógica de manter a composição estritamente com a longa manus do Governo

Federal. Foram incorporados três Ministérios, a saber: Ciência e Tecnologia; Comunicação e da

Fazenda.

Atualmente, o Ministério das Comunicações detém grande influência no planejamento e

execução do PNBL. E uma alteração recente (QUAL) do Ministro da referida pasta está

associada à mudança da política pública. Originariamente, pretendia-se uma Telebrás forte, capaz

de suprir a demanda da população carente, com qualidade e de graça. Atualmente, caminha no

sentido da mercantilização do acesso. Política pública nefasta à da devida inclusão digital num

país de profundas desigualdades sociais.

O CGPID tem sua composição restrita a setores do Governo. A participação de

entidades privadas fica dependendo de convite do CGPID para que deliberem, mas sem atuarem

na tomada de decisões, pois não tem direito a voto. E a possibilidade de abertura para o diálogo

direto com os cidadãos sequer é ventilada. Um retrocesso.

O Decreto 7.512, de 30 de junho de 2011, publicado no Governo Dilma altera o PNBL

ao prever no artigo 3°, inciso III que o serviço não será gratuito. Considerando que não ter como

pagar foi o motivo maior para não se ter internet no meio rural (CETIC, 2010, p. 42), não sem

razão ciberativistas foram contrários a esta alteração.

A CRFB/88 ampliou a maneira de se praticar democracia, conforme demonstrado no

capítulo 2. Porém, por via imprópria, a democracia nas políticas públicas de inclusão digital

voltou a ser apenas por representação. A inconstitucionalidade dos Comitês analisados tem

prejudicado o planejamento e execução das políticas públicas de inclusão digital. Atualmente,

ciberativistas cobram abertura nas deliberações e tomadas de decisões afetas à inclusão digital

por considerarem que os rumos do PNBL no Governo Dilma foram corrompidos sem um debate

precedente e direto com os cidadãos.

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A Era Informacional possibilita que as deliberações e tomadas de decisões ocorram

através do diálogo direto com os cidadãos, não havendo que se limitar a representação e sem

abertura para interlocução direta com os cidadãos, conforme ocorre nos Comitês ora apreciados.

CONCLUSÃO

A Revolução da Informação é uma realidade do mundo globalizado. Principalmente

para os países capitalistas organizados sob as vestes de Estados-Nação, pois potencializa as

relações mercantis e dá suporte à abertura política e econômica. Os países que investiram na

universalização do acesso e capacidade de uso nas novas TIC saíram na frente dos demais no

cenário econômico mundial. E a relação entre os países que detém as novas TIC e os demais

depende dos valores que imperam na sociedade global. Como o valor dinheiro é o mais cultuado,

a relação continuará sendo de mando e julgo, só que com muito mais submissão. É o espaço de

fluxos que dita a relação de troca, e os países que não se inserirem na rede mundial de

computadores, formarão sociedades à margem da sociedade em rede, e com o papel de manter o

estilo de vida daqueles.

No caso do Brasil, internamente, a entrada na Era Informacional deveria ser homogênea

para por fim a tanta desigualdade social, mas não é. Não há que se discutir se as novas TIC serão

recepcionadas no Brasil, pois ao menos para os cidadãos do meio urbano que tem maior poder

econômico, a internet faz parte do cotidiano há anos. No cenário internacional a desigualdade

entre países aumentou. O mesmo efeito está acontecendo na sociedade brasileira. A partir das

pesquisas que medem a devida difusão da internet, vê-se a desigualdade de acesso à rede entre

cidadãos do meio urbano e rural como motor para o aprofundamento das desigualdades sociais.

Considerando-se devida, a inclusão que não se refere apenas ao acesso à rede, mas a capacidade

de utilização.

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A minoria do povo brasileiro (PRECISAR) que tem acesso à internet é, via de regra, a

mesma que tem seus anseios assegurados na democracia representativa. Ao passo o restante do

povo brasileiro, historicamente excluído da democracia representativa, ficou ainda mais distante

dos representantes eleitos se comparados a quem tem acesso e condições de participar das

deliberações e tomadas de decisões. E se há menos interlocução haverá menos atenção às

necessidades dos excluídos digitais.

A difusão homogênea poderia por fim à distinção entre o meio rural e o urbano. Aquele

deixaria de ser sinônimo de atraso, de lugar ruim que não oferece condições de desenvolvimento

em similitude. Logo, deixaria de ser indesejado, o que seria bom para os grandes centros urbanos,

já que as consequências do inchaço das cidades se atenuariam.

Diante da importância da informação para o ser humano formar sua opinião e contribuir

para uma sociedade mais igualitária, o bem informação foi elevado à categoria Direitos

Humanos. A internet é a tecnologia incomparavelmente mais eficaz para que o cidadão se

informe sem ser tão manipulado, como ocorre com as tecnologias de comunicação que a

antecederam. E diante do disposto no artigo 187 da CRFB, e por ser signatário dos tratados

internacionais de Direitos Humanos, o Governo do Brasil não pode ser negligente e não acolher o

cidadão, diretamente, no planejamento e execução das políticas públicas de inclusão digital.

Não podem ser as necessidades do poder econômico a ditar os rumos do PBNL. Ao

contrário, os valores dispostos na CRFB é que devem ser norteadores da inclusão digital rural. Os

valores da dignidade da pessoa humana, da redução das desigualdades sociais, da função social

da propriedade, dentre outros, é que devem conduzir as políticas públicas de inclusão digital

rural. O software livre, independente do que diz o poder econômico internacional, precisa ser

amplamente difundido e incentivado seu uso.

O Governo Federal deve investir em capacitação para utilização da internet utilizando,

exclusivamente, o software livre, ao invés de por os cidadãos em contato com o software

comercial da Microsoft. É fundamental que criem intimidade com aquele software para difundir

seu uso e diminuir os custos do acesso à rede mundial. A internet é apenas uma ferramenta.

Portanto o uso que fará dela é determinado pela cultura da comunidade com acesso a esta

tecnologia.

O Fórum Brasil Conectado é uma ficção, não existe na prática. Por isto a comunidade

ciberativista cobra maior abertura nas deliberações sobre o planejamento e execução da inclusão

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digital. A participação política é crucial para a implementação do controle, enquanto núcleo do

Constitucionalismo Democrático. E o fim do Fórum Brasil Conectado é um atentado aos

princípios constitucionais democráticos.

É na esfera pública virtual que o homem do campo pode deliberar questões de seu

interesse, e inclusive denunciar práticas criminosas às quais é vítima, dentre outras. Mas a

denúncia de atos de violência só irá prosperar se o cidadão do meio rural tiver acesso em seu

domicílio. Se tiver de se dirigir a um centro comunitário de acesso, como as Casas Digitais,

acabará com medo de represálias, e de até mesmo perder a vida, como ocorre com os cidadãos do

campo que usam a televisão para denunciar práticas criminosas.

Como a difusão da internet reconfigura a esfera pública nos moldes pretendidos pelo

Constitucionalismo Democrático, qualquer tentativa de veto à liberdade de expressão, via

internet, como o previsto nos Projetos de Lei dos cibercrimes, poderá ser afastada pelo Poder

Judiciário.

A composição dos Comitês criados pelos Decretos n° 4.829/2003; n°25/2008; n°

6.948/2009, por imposição constitucional disposta no artigo 187 da Carta Magna, devia ser

ampla, e não apenas interministerial. Todavia, foram criados em detrimento dos princípios do

Estado de Direito, democrático, da supremacia da Constituição e da participação, positivados,

dentre outros, no artigo 187 da CRFB. E além da composição ser muito restrita, há a situação do

atual representante do Terceiro Setor já ter sido representante da Casa Civil da Presidência da

República. Logo, não poderiam ser mais inconstitucionais.

A própria omissão dos poderes Executivo e Legislativo no sentido de não promover a

deliberação entre os cidadãos diretamente afetados pelas políticas públicas, enquanto membros

iguais e livremente associados, pode ser motivo cabal para o trabalhador rural procurar a tutela

jurisdicional com o escopo de compelir os ocupantes dos cargos dos poderes a não apenas

abrirem espaço para deliberações, mas fomentarem efetivamente a participação política dos

cidadãos na construção das políticas públicas que os afetam. E, para tanto, repita-se que uma

educação em direitos humanos é imprescindível para a construção de uma sociedade plural.

Cabe, ainda, provocar o judiciário a apreciar se as políticas públicas de inclusão digital

rural são suficientes ou se sua estrutura não será capaz de dar condições de acesso simétrico ao

cidadão do meio rural e urbano. Dito de outra maneira, os cidadãos podem provocar o judiciário a

dizer se a políticas públicas em voga são democráticas e constitucionais.

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Acerca da visão dos otimistas e pessimistas quanto aos impactos da internet na maneira

de se exercer democracia, de se dizer que razão assiste a ambas correntes, em parte. Pretender

mudança somente com o acesso à internet sem investir em educação que vise sua utilização é um

equívoco. Assim como não perceber as potencialidades do uso das novas TICs é abrir mão de um

meio de comunicação que interage com o cidadão e possibilita que se torne público o anseio dos

que não tem a devida representação política nos poderes constituídos.

Se já houvesse boa universalização de acesso à internet, bem como uma educação em

direitos humanos privilegiando a pesquisa de informações em fontes variadas e o interesse na sua

utilização para elevar a esfera pública do homem do campo, a participação política deste teria o

potencial de chegar a um nível que seria impossível os Poderes Constituídos não considerarem

suas deliberações.

Só assim os grupos econômicos com maior influência na democracia representativa, não

poderão desconsiderar os direitos fundamentais dos trabalhadores rurais, o que aumentaria as

chances de fixação do homem do campo no seu ambiente e a solução de problemas urbanos,

como inchaço e miséria.

Cumpre salientar que uma política de inclusão digital para ser efetiva, além de

possibilitar acesso universal, deve tratar o acesso à internet sem o cunho capitalista. Dito de outra

maneira, não adianta difundir esta ferramenta e submeter a população ao julgo da Microsoft, pois,

assim, os limites econômicos imporão a exclusão digital. A tônica da legislação e das políticas

públicas caminha no sentido da adoção de softwares livres, o que já vem sendo disponibilizado

em certa medida.

Não obstante ser corrente o descumprimento das leis pelos Poderes Constituídos, pela

garantia constitucional livre acesso ao judiciário cabem aos lesados provocarem a tutela

jurisdicional, a fim de expurgarem qualquer política pública com resultado inconstitucional, ainda

que a legislação que cria as políticas públicas sejam formalmente constitucionais.

Outro ponto que compromete a constitucionalidade das Políticas Públicas de inclusão

digital rural é a proposta de vincular a disponibilização da internet quando forem realizadas obras

de grande vulto na infraestrutura do país. O custo para execução da inclusão digital se elevará

sobremaneira, podendo não sair do papel.

Pensar quais os empecilhos com deslocamento; disputa na utilização dos aparelhos...;

aparelhos que estragam e custam a ter manutenção. Ou para evitar o mais grave, que é o cidadão

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oprimido ter de passar pelo constrangimento de acessar a internet. Pois quando recorrer a local

público para acessar a internet ficará, potencialmente, sob o olhar das pessoas que praticam as

violências, e que podem monitorar qual cidadão, após ser oprimido por ameaças, está usando uma

ferramenta de comunicação tão poderosa. Quanto mais se tomar por base o que ocorre com quem

usa a televisão para denunciar a violência rural, a vida do homem do campo que buscar um local

público de acesso à internet para denunciar os abusos sofridos estará seriamente ameaçada.

É a multiplicidade de vozes, tal qual disposto no artigo 187 da CRFB e nos princípios

acima abordados, que devem definir os rumos das Políticas Públicas de inclusão digital rural,

visando estudos indissociáveis acerca da universalização do acesso e educação digital. Portanto, é

imperiosa uma agenda de pesquisa acerca das políticas públicas de inclusão digital rural, pensada

a partir da abertura dos debates aos cidadãos, diretamente. E, claro, que as decisões sejam

executadas pelo Poder Público.

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