Série CF 2012 - Saúde e Recursos Financeiros

1
3 JORNAL SANTUÁRIO DE APARECIDA • 11 DE MARÇO DE 2012 OPINIÃO/DEBATE Saúde e recursos financeiros Pe. Christian de Paul de Barchifontaine [email protected] SÉRIE CF 2012 | PROMOVER A SAÚDE SIGNIFICA INTERVIR SOCIALMENTE NA GARANTIA DOS DIREITOS A saúde é um direito humano funda- mental de cada brasileiro garantido pela Carta Magna de nosso país (1988). A saúde não pode ser definida apenas como a ausência de doenças. É antes de tudo a resultante das condi- ções de alimentação, habitação, educa- ção, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade e acesso a serviços de saúde. Promover a saúde significa intervir socialmente na garantia dos direitos e nas estruturas econômicas que perpe- tuam as desigualdades na distribuição de bens e serviços. As políticas de saúde vêm no sentido de implementar estraté- gias governamentais que visem corrigir os desequilíbrios sociais e propiciar a redução das desigualdades sociais. Ao se examinar a situação de saúde brasileira, encontramos uma série de problemas que são consequência das condições de vida da população e que refletem desigualdade de várias ordens, provenientes de uma distribuição desi- gual de riquezas, recursos e oportuni- dades. Poucos têm muitos direitos e muitos têm quase nenhum. Garantido na lei, negado na prática. O mesmo ocorre com a distribuição de renda e os recursos públicos. 1. Sistema Único de Saúde – SUS A Constituição Brasileira é o documen- to legal que define e determina as funções e deveres do governo e dos cidadãos. Em 1988, na Constituição promulgada para o nosso país, o Brasil se definiu como um Estado democrático de Direito. Isso quer dizer, entre outras coisas, que, na administração de tudo que é público, só pode ser feito o que está definido e previsto na lei. Ou seja, o presidente, o governador, o prefeito, o ministro ou os secretários devem administrar todas as áreas, inclusive a saúde, fazendo o que está de acordo com a lei. Está definido na lei, tem de ser cumprido! Pela lei, saúde é direito de cada cidadão e é dever do Estado prover esta saúde. E já é bem sabido que para gozar de uma boa saúde é necessário ter uma boa qualidade de vida, com moradia, alimentação, água tratada, esgoto, transporte, educação, trabalho e lazer garantidos, além dos serviços de saúde, como hospitais, postos e prontos-socorros. Ter boa saúde não quer dizer, apenas, não estar doente, mas, sim, que se tem as condições para se viver uma vida digna. Assim, lutar pela saúde é mais do que lutar por mais postos e centros de saúde, hospitais, profissionais de saúde, laboratórios, vacinas e medicamentos, mas é lutar pela própria vida, e vida em plenitude e abundância. 2. Financiamento da saúde Os mecanismos de repasse estabele- cidos para a implantação do SUS são uma primeira e decisiva determinação do modo como se organizam os serviços de saúde. Um primeiro e grave problema do modelo de financiamento do SUS é que ele ainda não conseguiu reorientar o siste- ma de saúde brasileiro. Ainda predominam os investimentos em hospitais em detri- mento da rede básica ou de programas de saúde pública. Os gastos ainda se dirigem predomi- nantemente para as regiões urbanas, onde vivem pessoas com maior poder aquisitivo, enquanto as periferias dos grandes centros urbanos e cidades menores ficam para segundo plano. Gasta-se proporcionalmente mais com a rede privada do que com os serviços públicos. Predominam, ainda, critérios de compra de serviços mesmo entre as instituições públicas, valorizando-se a produção de serviços, favorecendo com isso a superprodução de procedimentos e o superfaturamento. São, portanto, evidentes as limitações da atual sistemática de repasse e distri- buição de recursos entre as instituições que compõem o SUS. Vejamos como o financiamento foi regulamentado pela Constituição e pela legislação infracons- titucional. Levantamento anual da Organização Mundial da Saúde com dados de todos os países mostra que, em 2008, o Brasil destinou apenas 6% de seu orçamento para a área, índice inferior à média do continente africano (9,6%). O gasto per capita com a saúde, em dólares, chegou a US$ 875, enquanto o Chile gastou US$ 1.088 e a Argentina US$ 1.062, por exemplo. Em contraponto, o montante do gasto pago pela população é alto (56%) comparado a outros países: Grã-Bretanha (17,4%); Japão (18%); Estados Unidos (52,2%). Com a criação do SUS, a Constituição de 88 determinou que as ações de saúde, tanto a assistência médica quanto as ações coletivas, deveriam ser financia- das com recursos provenientes do Orça- mento da Seguridade Social (Assistência Social, Previdência social, Saúde), do Orçamento da União, do Distrito Fede- ral, dos Estados, dos municípios e das contribuições sociais (dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; dos trabalhadores; sobre a receita de concursos e prognósti- cos – Loterias, Sena, SuperSena), além de outras fontes. 3. Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000 A emenda 29, aprovada em 2000, foi regulamentada pelo Senado em 7 de dezembro de 2011, estabelecendo percentuais mínimos exigidos para gastos públicos com saúde: - Municípios: 15% de seus recursos - Estados: 12% de seus recursos - União: correção dos gastos do ano anterior pela variação do PIB A regulamentação da lei define o que pode e o que não pode ser contabilizado como gasto em saúde. Assim, não poderá mais entrar no cálculo: - Aposentadorias e pensões, inclusive dos servidores da saúde. - Pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à área. - Programas de alimentação, ainda que executados em unidades do SUS. - Saneamento básico. - Limpeza urbana e remoção de resí- duos. - Assistência Social. - Obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indire- tamente a rede de saúde. Quais os aspectos positivos e negativos da regulamentação? Aspectos positivos: - Define o que são ações e servi- ços de saúde e fecha as brechas para desvios de recursos da saúde. “Dinhei- ro da saúde é para parto, vacina, progra- ma de Saúde da Família, medicamento, cirurgia cardíaca e UTI”, segundo o Deputado Federal Darcísio Perondi (Presidente da Frente Parlamentar da Saúde). - Acaba com a possibilidade de que verbas do Fundeb (Fundo de Valorização dos profissionais de Educação) sejam retiradas da base de cálculo dos esta- dos. Com isso, R$ 7 bilhões não serão retirados anualmente do gasto do SUS. - Aperfeiçoa os sistemas de fiscalização da aplicação dos recursos na saúde. Aspectos negativos: - A correção orçamentária pela variação nominal do PIB não permite a recuperação de perdas do setor. - A responsabilidade pela saúde está excessivamente nas mãos das prefeituras, que já estão gastando mais do que podem, 19,5% em média. - O gasto privado em saúde é maior do que o público: 52,1% contra 47,9%. - Gasto público em saúde chega a 3,6% do PIB. Segundo a OMS, são necessários pelo menos 6% para se manter um sistema universal. - Gasto público por habitantes/dia é de apenas R$ 1,82. O orçamento da Saúde para 2012 é de apenas R$ 92,1 bilhões. Os deputados e senadores conse- guirão emendas que deverão ser inves- tidas na Saúde (construções, ambulân- cias...) no valor de R$ 2 milhões cada um, valor total: R$ 1,19 bilhão. Mas não resolve o custeio. - ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA 2012: Saúde: 3,98% Educação: 3,18% Juros, amortização da dívida: 47,19% - Remuneração do SUS é insuficiente. De cada R$ 100 gastos pelos hospitais e entidades filantrópicas em serviços, apenas R$ 60 são efetivamente pagos. Concluindo É preciso que a ação de cidadania exer- ça-se via controle social com participação ativa e crítica nas instâncias oficiais onde se decide sobre as políticas e recursos de saúde. Isso tem que ocorrer nos níveis federal, estadual e municipal. É a socie- dade organizada vigilante e controlando o Estado. Pe. Christian é superintendente da União Social Camiliana e Reitor do Centro Universitário São Camilo (SP) Divulgação / Comunicação São Camilo Desde o dia 12 de fevereiro, o JS publi- ca uma série de artigos exclusivos de autoria de padres camilianos, que têm como carisma o cuidado dos doentes. Você pode conferir todos os textos na internet. Acesse http://bit.ly/artigosjs_CF2012 CNBB

Transcript of Série CF 2012 - Saúde e Recursos Financeiros

Page 1: Série CF 2012 - Saúde e Recursos Financeiros

3JORNAL SANTUÁRIO DE APARECIDA • 11 DE MARÇO DE 2012OPINIÃO/DEBATE

Saúde e recursos financeirosPe. Christian de Paul de Barchifontaine

[email protected]

SÉRIE CF 2012 | PROMOVER A SAÚDE SIGNIFICA INTERVIR SOCIALMENTE NA GARANTIA DOS DIREITOS

A saúde é um direito humano funda-mental de cada brasileiro garantido pela Carta Magna de nosso país (1988).

A saúde não pode ser definida apenas como a ausência de doenças. É antes de tudo a resultante das condi-ções de alimentação, habitação, educa-ção, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade e acesso a serviços de saúde.

Promover a saúde significa intervir socialmente na garantia dos direitos e nas estruturas econômicas que perpe-tuam as desigualdades na distribuição de bens e serviços. As políticas de saúde vêm no sentido de implementar estraté-gias governamentais que visem corrigir os desequilíbrios sociais e propiciar a redução das desigualdades sociais.

Ao se examinar a situação de saúde brasileira, encontramos uma série de problemas que são consequência das condições de vida da população e que refletem desigualdade de várias ordens, provenientes de uma distribuição desi-gual de riquezas, recursos e oportuni-dades. Poucos têm muitos direitos e muitos têm quase nenhum. Garantido na lei, negado na prática. O mesmo ocorre com a distribuição de renda e os recursos públicos.

1. Sistema Único de Saúde – SUSA Constituição Brasileira é o documen-

to legal que define e determina as funções e deveres do governo e dos cidadãos.

Em 1988, na Constituição promulgada para o nosso país, o Brasil se definiu como um Estado democrático de Direito. Isso quer dizer, entre outras coisas, que, na administração de tudo que é público, só pode ser feito o que está definido e previsto na lei. Ou seja, o presidente, o governador, o prefeito, o ministro ou os secretários devem administrar todas as áreas, inclusive a saúde, fazendo o que está de acordo com a lei. Está definido na lei, tem de ser cumprido!

Pela lei, saúde é direito de cada cidadão e é dever do Estado prover esta saúde. E já é bem sabido que para gozar de uma boa saúde é necessário ter uma boa qualidade de vida, com moradia, alimentação, água tratada, esgoto, transporte, educação, trabalho e lazer garantidos, além dos serviços de saúde, como hospitais, postos e prontos-socorros. Ter boa saúde não quer dizer, apenas, não estar doente, mas, sim, que se tem as condições para se viver uma vida digna. Assim, lutar pela saúde é mais do que lutar por mais postos e centros de saúde, hospitais, profissionais de saúde, laboratórios, vacinas e medicamentos, mas é lutar pela própria vida, e vida em plenitude e abundância.

2. Financiamento da saúdeOs mecanismos de repasse estabele-

cidos para a implantação do SUS são uma primeira e decisiva determinação do modo como se organizam os serviços de saúde.

Um primeiro e grave problema do modelo de financiamento do SUS é que ele ainda não conseguiu reorientar o siste-ma de saúde brasileiro. Ainda predominam os investimentos em hospitais em detri-mento da rede básica ou de programas de saúde pública.

Os gastos ainda se dirigem predomi-nantemente para as regiões urbanas, onde vivem pessoas com maior poder aquisitivo, enquanto as periferias dos grandes centros urbanos e cidades menores ficam para segundo plano.

Gasta-se proporcionalmente mais com a rede privada do que com os serviços públicos. Predominam, ainda, critérios de compra de serviços mesmo entre as instituições públicas, valorizando-se a produção de serviços, favorecendo com isso a superprodução de procedimentos e o superfaturamento.

São, portanto, evidentes as limitações da atual sistemática de repasse e distri-buição de recursos entre as instituições que compõem o SUS. Vejamos como o financiamento foi regulamentado pela Constituição e pela legislação infracons-titucional.

Levantamento anual da Organização Mundial da Saúde com dados de todos os países mostra que, em 2008, o Brasil destinou apenas 6% de seu orçamento para a área, índice inferior à média do continente africano (9,6%). O gasto per capita com a saúde, em dólares, chegou a US$ 875, enquanto o Chile gastou US$ 1.088 e a Argentina US$ 1.062, por exemplo. Em contraponto, o montante do gasto pago pela população é alto (56%) comparado a outros países: Grã-Bretanha (17,4%); Japão (18%); Estados Unidos (52,2%).

Com a criação do SUS, a Constituição de 88 determinou que as ações de saúde, tanto a assistência médica quanto as ações coletivas, deveriam ser financia-das com recursos provenientes do Orça-mento da Seguridade Social (Assistência Social, Previdência social, Saúde), do Orçamento da União, do Distrito Fede-ral, dos Estados, dos municípios e das contribuições sociais (dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; dos trabalhadores; sobre a receita de concursos e prognósti-cos – Loterias, Sena, SuperSena), além de outras fontes.

3. Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000

A emenda 29, aprovada em 2000, foi regulamentada pelo Senado em 7 de dezembro de 2011, estabelecendo percentuais mínimos exigidos para gastos públicos com saúde:

- Municípios: 15% de seus recursos- Estados: 12% de seus recursos

- União: correção dos gastos do ano anterior pela variação do PIB

A regulamentação da lei define o que pode e o que não pode ser contabilizado como gasto em saúde. Assim, não poderá mais entrar no cálculo:

- Aposentadorias e pensões, inclusive dos servidores da saúde.

- Pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à área.

- Programas de alimentação, ainda que executados em unidades do SUS.

- Saneamento básico.- Limpeza urbana e remoção de resí-

duos.- Assistência Social.- Obras de infraestrutura, ainda que

realizadas para beneficiar direta ou indire-tamente a rede de saúde.

Quais os aspectos positivos e negativos da regulamentação?

Aspectos positivos: - Define o que são ações e servi-

ços de saúde e fecha as brechas para desvios de recursos da saúde. “Dinhei-ro da saúde é para parto, vacina, progra-ma de Saúde da Família, medicamento, cirurgia cardíaca e UTI”, segundo o Deputado Federal Darcísio Perondi (Presidente da Frente Parlamentar da Saúde).

- Acaba com a possibilidade de que verbas do Fundeb (Fundo de Valorização dos profissionais de Educação) sejam retiradas da base de cálculo dos esta-dos. Com isso, R$ 7 bilhões não serão retirados anualmente do gasto do SUS.

- Aperfeiçoa os sistemas de fiscalização da aplicação dos recursos na saúde.

Aspectos negativos:- A correção orçamentária pela variação

nominal do PIB não permite a recuperação de perdas do setor.

- A responsabilidade pela saúde está excessivamente nas mãos das prefeituras, que já estão gastando mais do que podem, 19,5% em média.

- O gasto privado em saúde é maior do que o público: 52,1% contra 47,9%.

- Gasto público em saúde chega a 3,6% do PIB. Segundo a OMS, são necessários pelo menos 6% para se manter um sistema universal.

- Gasto público por habitantes/dia é de apenas R$ 1,82. O orçamento da Saúde para 2012 é de apenas R$ 92,1 bilhões. Os deputados e senadores conse-guirão emendas que deverão ser inves-tidas na Saúde (construções, ambulân-cias...) no valor de R$ 2 milhões cada um, valor total: R$ 1,19 bilhão.

Mas não resolve o custeio.- ORÇAMENTO DA UNIÃO PARA

2012:Saúde: 3,98%Educação: 3,18%Juros, amortização da dívida: 47,19%- Remuneração do SUS é insuficiente.

De cada R$ 100 gastos pelos hospitais e entidades filantrópicas em serviços, apenas R$ 60 são efetivamente pagos.

ConcluindoÉ preciso que a ação de cidadania exer-

ça-se via controle social com participação ativa e crítica nas instâncias oficiais onde se decide sobre as políticas e recursos de saúde. Isso tem que ocorrer nos níveis federal, estadual e municipal. É a socie-dade organizada vigilante e controlando o Estado.

Pe. Christian é superintendente da União Social Camiliana e Reitor do Centro Universitário São Camilo (SP)

Div

ulg

ação

/ C

om

un

icaç

ão S

ão C

amilo

Desde o dia 12 de fevereiro, o JS publi-ca uma série de artigos exclusivos de autoria de padres camilianos, que têm como carisma o cuidado dos doentes. Você pode conferir todos os textos na internet.

Acessehttp://bit.ly/artigosjs_CF2012

CN

BB