Séries -Texto 01 Introdução

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1 Universidade Salvador – UNIFACS Cursos de Engenharia - Equações Diferenciais e Séries / Cálculo III Profa: Ilka Rebouças Freire (Texto elaborado pelos professores Adelmo Ribeiro de Jesus e Ilka Rebouças Freire) Texto 01 As Séries Numéricas Introdução Estritamente falando, a operação de adição só faz sentido quando aplicada a um par de números reais. Porém, devido à propriedade associativa em IR , podemos efetuar uma soma de 3, 4 , 5 , ...,100 ou mais números, sem incorrer em erros. Por exemplo, podemos obter a soma 2 + 3 + 7 como 2 + 3 + 7 = (2 +3) + 7 , ou então como 2 + 3 + 7 = 2 +(3 + 7), o resultado é o mesmo. Mas, como somar infinitos números, como obter a soma de infinitas parcelas ? No que se segue, vamos estender o conceito de adição para uma infinidade de números e definir o que significa tal soma. Chamaremos estas “somas infinitas” de séries . Breve Histórico Exemplos de somas infinitas surgiram há séculos. A fim de obter a área de um segmento parabólico, Arquimedes (2245 250 a.C.) necessitou calcular a soma da progressão 1 + ¼ + (¼) 2 + (¼) 3 + ... = 4/3 . Embora seu cálculo não tenha sido feito por processos infinitos, que eram mal vistos em seu tempo, este foi um dos primeiros cálculos de somas infinitas. Por volta de 1350, utilizando “processos infinitos”, R. Suiseth (mais conhecido como Calculator) resolveu um problema sobre latitude de formas, equivalente matematicamente ao cálculo da soma 2 ... 2 n ... 8 3 4 2 2 1 n = + + + + + (Calculator deu uma longa prova verbal, pois não conhecia representação gráfica) Nesta mesma época, N. Oresme (C. Boyer, pg. 182) deu a primeira prova que a chamada “série harmônica” é divergente, ou seja, + = + + + + + ... n 1 ... 4 1 3 1 2 1 , agrupando seus termos de modo conveniente, a saber: ... ) 16 1 ... 10 1 9 1 ( ) 8 1 7 1 6 1 5 1 ( ) 4 1 3 1 ( 2 1 ... n 1 ... 4 1 3 1 2 1 + + + + + + + + + + + = + + + + + Como cada parcela entre parênteses é ½ , temos que a soma de todas as parcelas pode ser majorada por uma infinidade de parcelas iguais a ½ , que tem soma infinita. + = + + + + + + + + + + + + + + ... 2 1 2 1 2 1 ... ) 16 1 ... 10 1 9 1 ( ) 8 1 7 1 6 1 5 1 ( ) 4 1 3 1 ( 2 1 Outros avanços relacionados com séries foram obtidos (em 1668) por J. Gregory e N. Mercator , que trabalharam as chamadas “séries de potências de x” . Estas séries foram usadas para exprimirem funções conhecidas, como sen x, cos x, tg x, etc.

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    Universidade Salvador UNIFACS

    Cursos de Engenharia - Equaes Diferenciais e Sries / Clculo III

    Profa: Ilka Rebouas Freire (Texto elaborado pelos professores Adelmo Ribeiro de Jesus e Ilka Rebouas Freire)

    Texto 01 As Sries Numricas

    Introduo

    Estritamente falando, a operao de adio s faz sentido quando aplicada a um par de nmeros reais. Porm, devido propriedade associativa em IR , podemos efetuar uma soma de 3, 4 , 5 , ...,100 ou mais nmeros, sem incorrer em erros. Por exemplo, podemos obter a soma 2 + 3 + 7 como 2 + 3 + 7 = (2 +3) + 7 , ou ento como 2 + 3 + 7 = 2 +(3 + 7), o resultado o mesmo. Mas, como somar infinitos nmeros, como obter a soma de infinitas parcelas ? No que se segue, vamos estender o conceito de adio para uma infinidade de nmeros e definir o que significa tal soma. Chamaremos estas somas infinitas de sries.

    Breve Histrico

    Exemplos de somas infinitas surgiram h sculos. A fim de obter a rea de um segmento parablico, Arquimedes ( 250 a.C.) necessitou calcular a soma da progresso 1 + + ()2 + ()3 + ... = 4/3 . Embora seu clculo no tenha sido feito por processos infinitos, que eram mal vistos em seu tempo, este foi um dos primeiros clculos de somas infinitas. Por volta de 1350, utilizando processos infinitos, R. Suiseth (mais conhecido como Calculator) resolveu um problema sobre latitude de formas, equivalente matematicamente ao clculo da soma

    2 ... 2n

    ...

    83

    42

    21

    n=+++++ (Calculator deu uma longa prova verbal, pois no conhecia representao

    grfica)

    Nesta mesma poca, N. Oresme (C. Boyer, pg. 182) deu a primeira prova que a chamada srie harmnica divergente, ou seja,

    +=+++++ ... n

    1 ...

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    31

    21

    , agrupando seus termos de modo conveniente, a saber:

    ... )161

    ...

    101

    91( )

    81

    71

    61

    51

    ( )41

    31(

    21

    ...

    n

    1 ...

    41

    31

    21

    +++++++++++=+++++

    Como cada parcela entre parnteses , temos que a soma de todas as parcelas pode ser majorada por uma infinidade de parcelas iguais a , que tem soma infinita.

    +=++++++++++++++ ...21

    21

    21

    ... )161

    ...

    101

    91( )

    81

    71

    61

    51

    ( )41

    31(

    21

    Outros avanos relacionados com sries foram obtidos (em 1668) por J. Gregory e N. Mercator , que trabalharam as chamadas sries de potncias de x . Estas sries foram usadas para exprimirem funes conhecidas, como sen x, cos x, tg x, etc.

  • 2

    Gregory utilizou que a rea sob a curva 2

    x11y

    += obtida atravs da funo arctg x .

    Desse fato, concluiu que ...7

    x

    5x

    3x

    xx arctg753

    ++= . Este resultado conhecido como srie de

    Gregory

    Por sua vez, Mercator usou que a rea sob a hiprbole x1

    1y+

    = entre 0 e x ln(1+x), para chegar expresso (C. Boyer, pgs. 265, 266)

    ln(1+x) = . . . 4

    x -

    3x

    2x

    - x432

    ++ , chamada hoje de srie de Mercator .

    Em 1748, L. Euler publicou o texto Introductio in analysin infinitorum, em dois volumes. O primeiro deles versava sobre processos infinitos, entre os quais sries infinitas. Euler era pouco cuidadoso no uso de tais sries, e as manipulava arriscadamente. Usando a srie da funo sen z = z z3/3 + z

    5/5! - ... e de artifcios engenhosos, Euler conseguiu resolver uma difcil questo que J. Bernoulli no tivera sucesso, a de obter a soma dos recprocos dos quadrados perfeitos. Aps alguns clculos, Euler obteve que (C.Boyer pg 307).

    61

    . . .

    )4(1

    )3(1

    )2(11

    2222 =+pi+

    pi+

    pi+

    pi , e da concluiu que

    6

    41

    31

    21

    11 2

    2222pi

    =+++

    Outros nomes ilustres no Sec. XIX compem o cenrio que trata da convergncia das sries numricas e das sries de funes, como Lagrange, Laplace, Dirichlet, Fourier, Cauchy, Bolzano e Weierstrass. A seguir trataremos desta questo.

    Sries Numricas: O Conceito de Convergncia

    Exemplos de somas infinitas surgem muito cedo, ainda no Ensino Fundamental, com o estudo das dzimas peridicas. Por exemplo, a soma

    0,1 + 0,01 + 0,001 + .... = 0,111... pode ser interpretada como a soma de uma progresso geomtrica (com infinitos termos) ...

    101

    101

    101

    32 +++ de razo 101

    , cuja soma ...10

    110

    1101

    32 +++ = 91

    (veremos mais tarde as

    sries geomtricas com mais detalhes)

    De forma anloga, chamando por exemplo 0,333... = x temos 3, 333... = 10x . Subtraindo-se essas equaes ficamos com 9x = 3, ou seja , x = 3/9 = 1/3 . Conclumos da que

    31

    . . .

    10003

    1003

    103

    =+++

    Como pode ser visto no desenrolar da histria das sries infinitas, encarar somas infinitas nos mesmos moldes das somas finitas, usando as propriedades das operaes, pode nos levar a dificuldades e concluses equivocadas. Vejamos os seguintes exemplos:

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    1. A srie de Grandi

    Considere a soma S = 1 1 + 1 1 + 1 1 + .....

    Utilizando a propriedade associativa de forma conveniente, podemos obter os seguintes resultados a) S = (1 1) + ( 1 1) + ( 1 1) +.... = 0 b) S = 1 + ( 1 + 1) + ( 1 + 1) + ( 1 +1 ) + .... = 1 c) S = 1 (1 1 + 1 1 + 1 1+ ...) S = 1 S 2S = 1 S = .

    Como decidir ento? S = 0, 1 ou ?

    O que acontece neste exemplo que as operaes que so vlidas para somas finitas, como a associatividade, por exemplo, no so vlidas em geral para somas infinitas.

    2. O paradoxo de Zeno

    No sculo V A.C. Zeno ( ou Zeno de Elia) apresentou o seguinte problema: Para se caminhar um quilmetro devemos caminhar primeiro meio quilmetro. Para caminhar este meio quilmetro devemos caminhar um quarto de quilmetro. Para caminhar este um quarto de quilmetro devemos antes caminhar um oitavo de quilmetro e assim indefinidamente. Zeno colocou que este movimento era impossvel, pois sequer se iniciaria! A origem do paradoxo que no podemos realizar um nmero infinito de tarefas num tempo finito. Mas o quilmetro permanece inalterado pela nossa decomposio em meio quilmetro, mais um quarto de quilmetro, mais um oitavo de quilmetro, etc...Assim,

    ....

    81

    41

    211 +++= . Este resultado pode ser pensado como a soma de uma PG infinita de razo

    21

    .

    ( q1

    aS 1

    = ) . Logo 1211

    21

    S =

    = ( Deduziremos esse resultado )

    3. A srie harmnica

    A srie harmnica a srie ....n

    1....

    41

    31

    211 ++++++

    Os termos da srie harmnica esto decrescendo e tendendo para zero. primeira vista parece que a soma tende a um nmero finito. Hoje em dia, com o uso do computador, podemos fazer clculos experimentais interessantes: Vamos supor que levamos 1 segundo para somar cada termo.

    Uma vez que o ano tem aproximadamente 31.557.600 segundos, neste perodo de tempo seramos capazes de somar a srie at n = 31.557.600, obtendo para a soma um valor pouco superior a 17.

    Em 10 anos a soma chegaria perto de 20. Em 100 anos, esta soma estaria a pouco mais de 22.

    Tudo leva a pensar que esta soma tende a um valor finito. No entanto, isto falso! Esta srie tem soma infinita. Vimos acima, na apresentao histrica, o argumento de Oresme.

    Para melhor compreender e trabalhar as questes aqui colocadas precisamos de um conceito consistente para a soma de um nmero infinito de nmeros reais. Vamos introduzir a seguinte terminologia

  • 4

    Voltemos nossa dzima 0,111... = 0,1 + 0,01 + 0,001 +.... = ...10

    110

    1101

    32 +++

    Vamos considerar o valor da soma tomando um termo, dois termos, trs termos, etc. Cada soma dessa chamada de soma parcial e termo de uma seqncia

    1010,1s1 ==

    22 101

    101

    1001

    10101,01,0s +=+=+=

    323 101

    101

    101

    10001

    1001

    101001,001,01,0s ++=++=++=

    4324 101

    101

    101

    101

    100001

    10001

    1001

    1010001,0001,001,01,0s +++=+++=+++=

    ..........................................

    A seqncia dos nmeros s1, s2, s3, s4,....pode ser interpretada como uma seqncia de aproximaes do valor de 1/9. medida que tomamos mais termos da srie infinita a aproximao fica melhor o que nos sugere que a soma desejada deve ser o limite dessa seqncia de aproximaes. Para comprovar este fato vamos calcular o limite dessa seqncia, quando o nmero n de termos tomados tende a um nmero cada vez maior, isto , n .

    Temos que n32n 10

    1...

    101

    101

    101

    s ++++= (I ) Vamos dar uma outra expresso para sn de modo a facilitar o clculo do limite

    Multiplicando sn por 101

    obtemos 1nn432n 101

    101

    ...

    101

    101

    101

    s101

    ++++++= (II )

    Subtraindo agora ( I ) ( II )

    ==

    + n1nnn 1011

    101

    101

    101

    s101

    s

    =

    =

    nnnn 1011

    91

    s10

    11101

    s109

    Calculando agora 91

    1011

    91

    limslimnn

    nn

    =

    =

    ++ que o valor j esperado para a soma.

    No processo que fizemos no exemplo anterior, construmos uma seqncia de somas finitas e o limite

    dessa seqncia correspondeu ao valor da soma, uma vez que 91

    ...11111,0 =

    Uma srie infinita uma expresso que pode ser escrita na forma

    .....aaaa 3211n

    n +++=

    =

    onde os nmeros a1, a2, a3, .... so chamados de termos da srie e an de termo geral da srie

  • 5

    O exemplo acima motiva a definio mais geral do conceito de soma de uma srie infinita.

    Consideremos a srie .....aaaa 3211n

    n +++=

    =

    e vamos formar uma seqncia { }ns de somas da seguinte maneira: s1 = a1 s2 = a1 + a2 s3 = a1 + a2 + a3 ...........................

    sn = a1 + a2 + a3 +...+an = sn-1 + an = =

    n

    1kka

    A seqncia { }ns chamada de seqncia das somas parciais da srie e sn chamado de n-sima soma parcial . Quando n cresce, as somas parciais incluem mais e mais termos da srie. Logo, se quando n + a soma sn tender a um valor finito, podemos tomar este limite como sendo a soma de TODOS os termos da srie . Mais formalmente, temos:

    Observaes:

    1) Os smbolos a1 + a2 + a3 +...+ an + .= ==+

    =

    n1

    n1n

    n aaa tanto so usados para indicar uma

    srie como a sua soma que um nmero. Rigorosamente o smbolo 1

    na s deveria indicar a

    srie no caso dela convergir. 2) O ndice da soma de uma srie infinita pode comear com n = 0, no lugar de n = 1. Neste caso

    consideramos a0 como o primeiro termo da srie e so = ao a primeira soma parcial.

    Exemplos:

    1) A srie 1 n

    1 tem termo geral

    n

    1a n = e seqncia das somas parciais

    Seja 1

    na uma srie dada e { }ns a sua seqncia de somas parciais.Se

  • 6

    n

    1...

    31

    211s

    .....

    31

    211s

    211s

    1s

    n

    3

    2

    1

    +++=

    ++=

    +=

    =

    ( Existem tcnicas para mostrar que +=+

    nn

    slim e portanto a srie 1 n

    1 diverge)

    2) +++=

    1n ....11111a

    Consideremos as somas parciais s1 = 1 s2 = 1 1 = 0 s3 = 1 1 + 1 = 1 s4 = 1 1 + 1 1 = 0

    A seqncia das somas parciais 1, 0, 1, 0, 1, 0, ... e portanto o limite no existe e a srie diverge.

    3) Dada a srie +1 1)n(n

    1, determine:

    a) Os quatro primeiros termos da srie b) A seqncia das somas parciais c) Se a srie convergente.

    Soluo:

    a)

    +

    +

    +=+

    4

    1 541

    431

    321

    21

    )1n(n1

    b) 21

    s1 =

    32

    61

    21

    s2 =+=

    43

    121

    32

    121

    61

    21

    s3 =+=++=

    54

    201

    43

    201

    121

    61

    21

    s4 =+=+++=

    Tudo leva a crer que 1n

    nsn +

    =

    De fato: 1n

    1n

    11)n(n

    1a n +

    =

    +=

  • 7

    211a1 =

    31

    21

    a 2 =

    41

    31

    a3 =

    .................

    1n1

    n

    1a n +

    =

    1nn

    1n11a....aas n21n +

    =

    +=+++=

    c) Para analisarmos a convergncia calculamos 11n

    nlimslimn

    nn

    =

    +=

    ++

    Logo, a soma da srie 11)n(n

    11

    =+

    4) O nmero e como soma de uma srie

    J vimos que o nmero e pode ser definido como en

    11limn

    n

    =

    +

    += 2,718281828...

    Podemos tambm mostrar que a srie =+++++++=

    0...

    !1

    ...

    !41

    !31

    2111

    !1

    enn

    Vamos avaliar algumas somas parciais

    s0= 1

    s1 = 1 + 1 = 2

    2,50,522!111s2 =+=++=

    666666667,2166666666,05,2612,5

    !31

    2!111s3 =+=+=+++=

    ...708333334,2241

    ...666666667,2!4

    1!3

    12!111s4 =+=++++=

    ...716666667,2120

    1...708333334,2

    !51

    !41

    !31

    2!111s5 =+=+++++=

    ...718055556,27201

    ...716666667,2!6

    1!5

    1!4

    1!3

    12!111s6 =+=++++++=

    ...718255969,25040

    1...718055556,2

    !71

    !61

    !51

    !41

    !31

    2!111s7 =+=+++++++=

  • 8

    ...718278771,240320

    1...718255969,2

    !81

    !71

    !61

    !51

    !41

    !31

    2!111s8 =+=++++++++=

    ...718281527,2362880

    1...718278771,2

    !91

    !81

    !71

    !61

    !51

    !41

    !31

    2!111s9 =+=+++++++++=

    ...718281803,23628800

    1...718281527,2

    !101

    !91

    !81

    !71

    !61

    !51

    !41

    !31

    2!111s10 =+=++++++++++=

    Observemos que desde a soma parcial s7 j temos preciso at a 4a casa decimal !!

    Referncias Bibliogrficas: 1. O Clculo com Geometria Analtica, vol II Louis Leithold 2. Clculo Um Novo Horizonte, vol II Howard Anton 3. Clculo vol II James Stewart 4. Histria da Matemtica Carl Boyer

    Salvador, novembro de 20001 Adelmo Ribeiro de Jesus / Ilka Reboucas Freire