Serviço Social e Trabalho - porque o serviço social não é trabalho
SERVIÇO SOCIAL E A POLÍTICA DE SAÚDE DO TRABALHADOR · exploração entre capital-trabalho, e o...
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SERVIÇO SOCIAL E A POLÍTICA DE SAÚDE DO TRABALHADOR: a atuação do
assistente social para garantia dos direitos dos trabalhadores
Jaciara Pereira Campos 1 Joselma dos Santos Silva2
Resumo Neste artigo propõe-se refletir sobre a trajetória da Política de Saúde do Trabalhador no Brasil e da atuação do Assistente Social na garantia dos direitos sociais na área da saúde. Deste estudo apreende-se que a Política de Saúde do Trabalhador surge como um reflexo da contradição da relação de exploração entre capital-trabalho, e o Serviço Social se legitima na área da saúde, a partir das contradições fundamentais da Política de Saúde, sendo que é nas lacunas geradas pela não implantação efetiva dos direitos sociais, que o Assistente Social vem sendo demandado a intervir na sociabilidade capitalista. Palavras-chaves: Política de Saúde do Trabalhador; Serviço Social; Direitos Sociais. Abstract Este artículo propone una reflexión sobre la trayectoria de la Política de Salud del Trabajador en Brasil y la actualización de la asistencia social en la garantía de los derechos sociales en el área de la salud. Deste estudo apreende-se que una Política de Salud del Trabajador surge como un reflejo de la contradicción de la relación de explotación entre capital-trabajo, y el Servicio Social se legitima en el área de salud, a partir de las contradicciones fundamentales de la Política de Salud, nas lacunas geradas por no implementación efectiva de los derechos sociales, que o Asistentes Sociales en la exigencia de una intervención en la sociabilidad capitalista. Keywords: Política de Salud del Trabajador; Servicio Social; Derechos Sociais.
1 Mestra em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL.
2 Bacharel em Serviço Social pela Faculdade Santo Augustinho – Teresina/ PI
I. INTRODUÇÃO
A inquietação para estudar esse tema surgiu por causa do reduzido
conhecimento que os trabalhadores possuem sobre seus direitos, especialmente na área da
saúde, portanto, a pesquisa tem como objetivo geral analisar a atuação do Assistente Social
para a garantia dos direitos dos trabalhadores na perspectiva da saúde do trabalhador
brasileiro, possuindo como objetivos específicos: analisar o surgimento da Política de Saúde
do Trabalhador no Brasil e a atuação do profissional de Serviço Social no âmbito da saúde.
O primeiro item trata da Política de Saúde do Trabalhador, a percepção e
conceituação acerca da saúde são determinadas historicamente e vinculada à sociedade e
a inserção em classes sociais contraditórias em seus interesses. O item trata da
contribuição do Assistente Social para a garantia dos direitos dos trabalhadores na saúde, a
partir da análise da inserção do profissional na área da saúde, sendo subdividido pelo fazer
profissional do Assistente Social no âmbito da saúde e apontando os desafios no campo da
saúde do trabalhador para o Serviço Social.
Por fim, nas considerações finais sugere-se a ampliação do debate sobre a
temática, que é de suma importância para a sociedade contemporânea, ressaltando a
importância da atuação do profissional de Serviço Social no âmbito da saúde do trabalhador,
para que os direitos dos mesmos, conquistados no curso da história através de muitas lutas,
sejam respeitados e viabilizados.
II. DESENVOLVIMENTO
2.1 A POLÍTICA DE SAÚDE DO TRABALHADOR
Inicia-se esse estudo conceituando saúde do trabalhador como o conjunto de
conhecimentos oriundos de diversas disciplinas, como Medicina Social, Saúde Pública,
Saúde Coletiva, Clínica Médica, Medicina do Trabalho, Sociologia, Epidemiologia Social,
Engenharia, Psicologia, entre tantas outras, que – aliado ao saber do trabalhador sobre seu
ambiente de trabalho e suas vivências, das situações de desgaste e reprodução –
estabelece uma nova forma de compreensão das relações entre saúde e trabalho e propõe
uma nova prática de atenção à saúde dos trabalhadores e intervenção no âmbito do
trabalho. Tal conceito situa-se no quadro geral das relações entre saúde e trabalho e
apresenta-se como um modelo teórico de orientação às ações na área de atenção à saúde
dos trabalhadores, no seu sentido mais amplo, desde a promoção, prevenção, cura e
reabilitação, incluídas, as ações de vigilância sanitária e epidemiológica (NARDI, 1997).
Conforme Olivar (2010), a expressão saúde do trabalhador retrata as
contradições das relações sociais de produção do sistema capitalista, tal qual é concebida
hoje no campo do conhecimento, não tem apenas uma direção técnica; mas também
apreende o seu componente ético-político, presente nos princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS), que norteiam as ações e ao mesmo tempo instrumentalizam os trabalhadores
na efetivação por melhores condições de trabalho. Nesta ótica, o campo da saúde do
trabalhador é compreendido e concebido como produto de luta, complexo, diferenciado,
contraditório, uma arena privilegiada onde os distintos sujeitos sociais (trabalhadores,
técnicos, gestores, empresários, sindicatos) se organizam, articulam as suas alianças,
confrontam os seus projetos ético-políticos e disputam o predomínio hegemônico.
As ações de saúde do trabalhador têm as suas raízes no processo histórico das
lutas sociais deflagradas no Brasil, a partir da década de 1970, especialmente após o início
dos debates da Reforma Sanitária Brasileira, influenciada pelo Movimento da Reforma
Sanitária Italiana, de forte inspiração operária, e moldada nos pilares da medicina social
latino-americana. Na década de 1980, percebe-se uma relação entre redemocratização do
Estado brasileiro e a mudança de postura política no enfrentamento dos eventos agressivos
à saúde no ambiente de trabalho, com ações voltadas à área da assistência, promoção e
prevenção, mediante atuação de equipes multiprofissionais no âmbito do SUS por meio dos
Programas de Saúde do Trabalhador em vários municípios (LOURENÇO; BERTANI, 2007).
A década de 1980, segundo Lacaz (2010), representa um marco histórico para a
saúde do trabalhador, pois este passa a ser reconhecido como sujeito possuidor de saber e
não mero consumidor de serviços de saúde. O campo saúde do trabalhador, para o autor,
tem como pressuposto a participação dos trabalhadores no processo de avaliação e controle
dos acidentes de trabalho e não se restringe à concepção de riscos profissionais e agentes
causadores (físicos, biológicos, químicos, mecânicos e ergonômicos), mas reconhece outras
determinações para os sofrimentos físico e mental do trabalhador relacionado com o
processo produtivo do sistema capitalista.
Nesse processo, Lacaz (2010) sinaliza o papel da Constituição Federal de 1988,
precedida pela VII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e na continuidade pela 1°
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST) 3 , na assistência universal ao
trabalhador acompanhada da prevenção e da intervenção nos ambientes de trabalho. A
Constituição Federal de 1988 determinou a incorporação do campo de saúde do trabalhador
3 A 1° Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (CNST) ocorreu no de 1° a 5 de dezembro de 1986, no Centro de Convenções de Brasília (LACAZ, 1996).
no âmbito do direito universal à saúde e competência do SUS, nos seus artigos 196 e 200,
sendo que a saúde do trabalhador, também, é citada em dez dispositivos da Lei de
concepção do SUS, a Lei n° 8.080 de 1990 e definida no seu artigo 6, assim deixando para
a Previdência Social as atividades reguladoras do seguro social (OLIVAR, 2010).
A Carta Constituinte estabelece parâmetros legais para a constituição do campo
saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme Dias, neles afirma-se
que:
As ações de saúde do trabalhador estão colimadas na busca de mudança nos processos de trabalho – das condições e dos ambientes de trabalho – através de uma abordagem transdisciplinar e intersetorial na perspectiva da totalidade, com a participação dos trabalhadores, enquanto sujeitos e parceiros, capazes de contribuir com o seu saber para o avanço da compreensão do impacto do trabalho sobre o processo saúde-doença e de intervir efetivamente para a transformação de realidade (DIAS, 1994, p. 71).
Nesse sentido, a participação de uma equipe que fomente a participação dos
trabalhadores, fazendo com que esse trabalhador compreenda seus direitos, principalmente,
o direito à saúde e os impactos que trazem um ambiente insalubre de trabalho, modificando
ou transformando, sua realidade de trabalho. Portanto, o Movimento de Reforma Sanitária
Brasileira, as Conferências de Saúde e a Constituição Federal do Brasil foram de suma
importância para a implantação do campo saúde do trabalhador, dando-se uma visão mais
ampliada sobre a necessidade de reflexão em relação ao tema.
Segundo Lourenço & Bertani (2007) a participação política de trabalhadores e
demais atores sociais é responsável pelas definições dos elementos de incentivo, tanto
econômicos como ideológicos do Ministério da Saúde (MS) para implantação concreta
dessa área de conhecimento e de intervenção, a qual passa a ter condições concretas de
ser efetivada a partir da publicação da Portaria 1.679 de 2002, que normatiza a “habilitação”
e o convênio entre os Municípios, os Estados e o Ministério da Saúde para a implantação
dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)4 em âmbito regional. A
habilitação do CEREST exige a formação de um Conselho Gestor e, neste, as entidades
representativas da classe trabalhadora e patronal, dentre outras, que são convidados a
pensar e agir sobre as questões locais referentes à saúde do trabalhador.
A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST),
consignada na Portaria n° 1.679, de 19 de setembro de 2002, e ampliada com a Portaria
GM/MS n° 1.068, de 04 de julho de 2005, durante a gestão do Lula, ambas emitidas pelo
Ministério da Saúde, é composta pelos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
(CEREST), serviços sentinelas de saúde do trabalhador nos municípios organizada como
4 Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) são resultados de uma política sanitária governamental, decorrente de um processo reivindicatório entre diferentes atores: trabalhadores, sindicalistas, profissionais interessados na preservação da saúde (OLIVEIRA, 2001).
rede nacional de informação e práticas de saúde por meio de ações assistenciais, de
vigilância e promoção da saúde, nas linhas de cuidado da atenção básica, da média e alta
complexidade ambulatorial, pré-hospitalar e hospitalar, sob o controle social, nos três níveis
de gestão do SUS (OLIVAR, 2010).
De acordo com Lacaz (2010), os avanços na área saúde do trabalhador na
última década vivência uma situação paradoxal, pelo atraso na implantação de política
efetiva, pois, embora em números crescentes muitos serviços funcionem com graves
problemas estruturais quanto a recursos materiais, profissionais, salariais, dentre outros
fatores. Além disso, observa-se a falta de iniciativas de caráter intersetorial, que fomentem a
ligação dos setores da saúde com o trabalhador, para o desenvolvimento de ações de
saúde, que possam ser implantadas tendo como referência as várias experiências
inovadoras e exitosas que legitimam a importância da ação pública no campo. Nesse
sentido, a ação do Estado brasileiro não tem sido efetiva devido à ausência de Política
Nacional de Saúde do Trabalhador. Ou seja, ocorre:
a inexistência de um quadro referencial de princípios norteadores, de diretrizes, de estratégias, de metas precisas e de um corpo profissional técnico-político preparado, integrado e estável, capaz de garantir a efetividade de ações para promover a saúde dos trabalhadores, prevenir os agravos e atender aos problemas existentes (MINAYO-GOMEZ; LACAZ 2005, p.798).
Cabe ressaltar, que mesmo em um contexto que o Estado regula os conflitos
entre capital-trabalho de forma pouco efetiva, foi aprovado recentemente decreto
presidencial de nº 7.602 de 2011, que trata da Política Nacional de Saúde e Segurança no
Trabalho (PNSST), Lei promulgada pela presidenta Dilma Rouseff, uma iniciativa fruto das
pressões dos profissionais e representantes da sociedade civil desde a década de 1990,
deveria ser uma resposta do Estado à fragmentação e à inconsistência das ações públicas
na área saúde do trabalhador. No entanto, uma avaliação do decreto mostra sua limitação e
timidez, pois, ao invés de propor a integração e a articulação das ações interministeriais,
praticamente reafirma as atribuições vigentes dos diferentes ministérios e instituições
(COSTA et al, 2013).
Segundo Costa et al (2013), dentre as várias inconsistências do decreto, chama
atenção sua omissão no tocante ao fornecimento e à disponibilização dos dados e das
informações epidemiológicas dos bancos de benefícios da Previdência Social, até hoje
tratados como segredo fiscal daquela instituição. No corpo do texto ainda encontra-se
materializada a manutenção da “queda de braço” entre Ministério do Trabalho e Emprego e
Ministério da Saúde no tocante às ações de vigilância dos processos de trabalho, com claro
favorecimento do setor trabalho neste aspecto, enquanto ao setor saúde restou a tímida
posição de fortalecer as ações de vigilância.
Portanto, as ações do campo saúde do trabalhador têm se constituído, ao longo
dos últimos anos, em uma política contra-hegemônica, ou seja, uma política de segundo
nível e a reboque das políticas econômicas dirigida para cidadãos de “segunda classe”,
expressa em ações de resistência ao predomínio da lógica desenvolvimentista e financeira,
sendo que tal lógica volta-se, somente, para o desenvolvimento e o acumulo de mais-valia.
(COSTA et al, 2013).
A importância e necessidade da Política Nacional de Saúde do Trabalhador
estar contextualizada ao momento atual da conjuntura econômica e social, em que o modelo
neoliberal e a globalização interferem diretamente nas formas de organização do processo
de trabalho, a precarização do trabalho se faz presente e o aumento da produtividade é a
mola mestra, em detrimento das condições de trabalho e da saúde do trabalhador
(CAVALCANTE et al, 2008).
Segundo Lourenço & Bertani (2007) apesar do campo da saúde do trabalhador
ter sido construído com a participação de vários atores sociais e políticos e de ter sido
reconhecido no plano legal, não foram efetivadas novas práticas para além da assistência
médica, salvo algumas ações inusitadas, mas ainda focais. Nesse sentido, refletir sobre a
saúde do trabalhador no SUS significa sublinhar uma área de conhecimento em construção
e que se propõe a compreender as manifestações das condições da relação entre capital-
trabalho para a saúde não apenas na esfera dos acidentes de trabalho no âmbito industrial,
mas também a sua repercussão do ponto de vista da saúde, no campo da agricultura e dos
serviços.
A seguir iremos refletir sobre a contribuição do Serviço Social para a garantia
dos direitos dos trabalhadores no âmbito da saúde, analisando, a inserção da profissão na
área da saúde e os desafios no campo da saúde do trabalhador.
2.2 SERVIÇO SOCIAL E OS DESAFIOS NO CAMPO DA SAÚDE DO TRABALHADOR
O Serviço Social surgiu no Brasil, na década de 1930, sob forte influência da
Igreja Católica, num cenário de intensificação do processo de industrialização no país,
marcado pelo processo de urbanização e ampliação da massa de trabalhadores vivendo em
condições precárias de saúde e habitação, o que despertou na classe operária a
necessidade de se organizar para reivindicar melhores condições de vida e de trabalho
(BRAVO, 2009). No entanto, o processo de institucionalização do Serviço Social como
profissão está vinculado à criação das grandes instituições assistenciais, especialmente na
década de 1940, quando o Estado Novo vai buscar na classe trabalhadora sua legitimidade
e, por isso, incorpora desta parte das reivindicações. Nesta década, a ação profissional na
saúde também se amplia, transformando-se no setor da sociedade que mais vem
absorvendo os Assistentes Sociais (BRAVO; MATOS, 2009).
O Serviço Social, enquanto profissão histórica e socialmente determinada sofreu
profundas modificações no pós-64, que tiveram rebatimento na prática do Assistente Social
na saúde, com novas exigências advindas da Política de Saúde e da reorganização
institucional da saúde, dos movimentos sociais e da conjuntura da ditadura à transição
política. A profissão recebeu as influências da perspectiva modernizadora que se operou no
âmbito das políticas sociais, que sedimentou a ação do profissional na prática curativa,
voltada a assistência médica (BRAVO, 2011).
Com a Constituição de 1988 e a regulamentação do SUS, em 1990, pelas Leis
Orgânicas 8.080 de 1990 e 8.142 de 1990 trouxe ainda mais inovações para a área da
saúde, como a ampliação do conceito de saúde, que passou a considerar fatores como “a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”, como
condicionantes e determinantes da saúde (BRASIL, 1990). E ainda provocou mudanças na
atuação do Serviço Social junto a esta área, o momento de emergência da Reforma
Sanitária coincide com a construção do Projeto Ético-Político da profissão, tendo por base a
teoria social de Marx e os movimentos sociais.
O trabalho dos Assistentes Sociais, não se desenvolve independentemente de
circunstâncias históricas e sociais que o determinam de fato. A inserção da profissão nos
diversos processos de trabalho encontra-se particularmente enraizado na forma de trabalho
como a sociedade brasileira e os estabelecimentos empregadores do Serviço Social, que
recortam e fragmentam as próprias necessidades do ser social e a partir desse processo
como organizam seus objetivos institucionais que se voltam à intervenção sobre essas
necessidades (ABEPSS, 1996). O Serviço Social se legitima na área da saúde, a partir das
contradições fundamentais da Política de Saúde, sendo que é nas lacunas geradas pela não
implantação efetiva dos direitos sociais, que o profissional de Serviço Social vem sendo
demandado a intervir na sociedade.
Nesse sentido, segundo Lacaz (2010) apreender a participação do Assistente
Social para a garantia dos direitos dos trabalhadores no âmbito da saúde, faz-se necessária
uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar presente no campo da saúde do
trabalhador. A análise e o enfrentamento cotidianos da complexidade dos processos de
trabalho para a saúde passam a contar com novas categorias profissionais, o que
representa um avanço, à medida que se distancia do diagnóstico/ação restrito à engenharia
e à medicina.
De acordo com Olivar, o campo saúde do trabalhador e o Serviço Social
possuem alguns traços em comuns. Entre esses traços frisa-se que eles desenvolvem, ao
mesmo tempo, uma notável renovação a partir dos anos de 1960, consolidada e indiscutível
nos anos de 1980, na América Latina. Nesse período, essas áreas iniciaram uma
interlocução coma as ciências sociais, adotando uma perspectiva crítica, sob influência do
materialismo histórico, inserindo a análise de seus objetos na totalidade econômica, política
e social. Ao mesmo tempo, sobretudo nos anos de 1990, ambos também sofreram, no
Brasil, os impactos negativos do processo de reestrutura produtivo e do neoliberalismo
(OLIVAR, 2010).
O campo da saúde do trabalhador, por sua natureza multidimensional e seu
caráter interdisciplinar, vem demarcando diferentes espaços sócio-ocupacionais para o
Serviço Social. O profissional é requisitado em diferentes serviços e programas, como: na
atenção básica á saúde; nos centros de referência em saúde do trabalhador, hospitais
gerais e de emergência e nos serviços referenciados; na área de reabilitação profissional
previdenciária e/ou organizações privadas ou públicas; em serviços de saúde e segurança
do trabalhador vinculado a empresas e instituições, bem como na gestão de recursos
humanos para o desenvolvimento de programas voltados para a saúde do trabalhador; em
sindicatos que desenvolvem programas de promoção à saúde; nos serviços de vigilância e
educação em saúde; nas comissões de saúde do trabalhador; em trabalhos de assessoria e
consultoria; em organizações de ensino e pesquisa em saúde (MENDES; WUNSCH, 2008).
Os Assistentes Sociais que se inserem na área temática da saúde do
trabalhador no SUS são chamados a atuar, no tempo presente, na esfera de gestão e
planejamento, ampliando seu espaço ocupacional para atividades relacionadas ao controle
social, à implantação e orientação de conselhos gestores, à capacitação de conselheiros e à
assessoria às equipes de saúde das chamadas “redes sentinelas” na sensibilização para a
atenção aos acidentes de trabalho nas emergências públicas de saúde, somando-se às
atividades tradicionais demandadas historicamente, como a assistência e a tão decantada
em debate da saúde coletiva, que é a questão do acolhimento individual ao trabalhador
(OLIVAR, 2010).
As propostas do Projeto de Reforma Sanitária construído nos anos de 1980 e a
mobilização e luta dos movimentos sociais, a saúde do trabalhador se inscreve no âmbito da
participação e cogestão das políticas públicas. Cabe frisar que é importante coletivizar a
questão trabalho e saúde para superar as atividades técnico-burocráticas e estruturar ações
técnico-políticas. É preciso resgatar o campo político da saúde do trabalhador, tendo a
clareza de que a saúde do trabalhador é a expressão concreta das relações sociais, e que o
recrudescimento das condições de trabalho, o qual atinge o trabalhador, é uma das
expressões da questão social que constitui a matéria-prima ou objeto do trabalho do
Assistente Social (OLIVAR, 2010).
Compreende-se, a partir da explanação da autora Olivar (2010), que a
exploração dos trabalhadores pelos capitalistas gera várias expressões da questão social
como, por exemplo: miséria, desigualdades, pobreza, fome, violência, a precarização do
trabalho, da educação, da saúde dentre outras expressões. É nesse terreno contraditório
que o Assistente Social passa a atuar, fazendo com que os direitos dos cidadãos,
principalmente do trabalhador, se efetive de fato.
Mas, deve-se observar que a área da saúde do trabalhador, historicamente, vem
representando uma dispersa demanda para a profissão, em que vários fatores contribuíram
para o mascaramento dessa demanda. Entre eles podem-se apontar questões endógenas à
profissão norteada pela perspectiva conservadora e outros condicionantes que limitaram a
compreensão sobre o tema saúde e trabalho, bem como o pensamento hegemônico da
concepção da saúde do trabalhador presente na área. Esses aspectos foram confrontados
com o contexto social e político ao longo da década de 1990, e nos anos 2000 passa a se
construir em um emergente campo de atuação profissional. Tal fato significa que o
Assistente Social é convocado, e ao mesmo tempo se convoca, a responder às refrações do
trabalho sobre a saúde do trabalhador (MENDES; WUNSCH, 2008).
Segundo Mendes & Wunsch, a denominação saúde do trabalhador carrega em
si as contradições engendradas na relação capital-trabalho e no reconhecimento do
trabalhador como sujeito político, e que representa o esgotamento de um modelo
hegemônico que atravessou séculos, circunscrito num arcabouço legal e conservador que
reconhecia um risco socialmente aceitável e indenizável à lógica do capital dos acidentes de
trabalho. Portanto, a construção do conhecimento e a compreensão das múltiplas
determinações que constituem o processo saúde-doença incorporam a relação dialética
entre o capital e o trabalho na explicitação do conjunto de manifestações no corpo e na
mente dos indivíduos (MENDES; WUNSCH, 2008).
O Serviço Social e a saúde do trabalhador referenciada na perspectiva da matriz
marxista constituem o fundamento para análise teórica da produção das condições materiais
da vida social. Indissociavelmente, para entender a estrutura e a dinâmica da sociedade e
determinações sobre o objeto saúde do trabalhador, há uma necessidade de um
conhecimento dotado de força social e política para, assim, incidir sobre a realidade
concreta circunscrita na saúde e no trabalho, sendo essa é uma das possibilidades que
contribuiriam para a efetivação dos direitos dos trabalhadores no âmbito da saúde, pelo
profissional de Serviço Social (MENDES; WUNSCH, 2008).
A intervenção na área da saúde do trabalhador e os diferentes
condicionamentos sobre o processo de trabalho em que se insere o Assistente Social
requer, portanto, um conjunto de competências e exigências. O caráter interdisciplinar do
trabalho demarca um lugar que conjuga os diferentes conhecimentos e as especificidades
das profissões ali inseridas, conferindo uma dimensão processual ao trabalho para superar
a fragmentação do saber e das limitações encontradas durante o processo de intervenção e
de conhecimento. Nessa direção para o Assistente Social garantir e efetivar os direitos dos
trabalhadores faz-se necessário um arcabouço teórico denso, associado às dimensões
ético-política e técnico-operativo, e um conhecimento alargado da política de saúde do
trabalhador, pois o profissional irá orientar, encaminhar, informar os trabalhadores dos seus
direitos no âmbito da política de saúde (MENDES; WUNSCH, 2008).
O campo saúde do trabalhador vem se apresentando como uma importante área
de atuação do Assistente Social nas últimas décadas. A dimensão social e histórica do
trabalho ganha relevância nos determinantes das condições de saúde do trabalhador, com a
complexidade da realidade atual do desenvolvimento capitalista, marcada pela precarização
das condições de trabalho, aumento do mercado informal, flexibilização das relações de
trabalho e restrição de direitos sociais (CFESS, 2010).
A saúde do trabalhador, segundo o Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS) (2010), envolve o coletivo de trabalhadores, inserido no processo saúde/ doença
no trabalho, não abrangendo apenas àqueles que têm o adoecimento neste processo. Exige
o desenvolvimento de ações de atendimento, prevenção e promoção da saúde, de
fiscalização do ambiente e condições de trabalho, defesa das condições ambientais, de
acesso aos direitos previdenciários e trabalhistas envolvendo diferentes atores. O Assistente
Social atua no atendimento aos trabalhadores, seja individual ou em grupo, na pesquisa, no
assessoramento e na mobilização dos trabalhadores, compondo muitas vezes, equipe
multiprofissional, os desafios são muitos.
Apesar dos avanços, a exemplo da realização da III Conferência Nacional de
Saúde do Trabalhador (CNST) em 2005, muito tem de se construir na implementação da
Política Nacional de Saúde do Trabalhador e no combate a atuação segmentada dos
diferentes órgãos e instituições, como órgãos públicos da saúde, Previdência Social,
trabalho e emprego, poder judiciário, empregadores, pesquisadores, movimentos dos
trabalhadores, com destaque para a organização sindical da classe trabalhadora, entre
outros (CFESS, 2010).
Portanto, entende-se a área da saúde como um campo privilegiado de atuação
para o Assistente Social, que com a direção social adotada pela profissão nas últimas
décadas e com a atuação conjunta com outros profissionais e movimentos sociais que
compartilhem dos princípios e diretrizes defendidos pelo projeto ético-político, o qual
contribuirá para o fortalecimento dos trabalhadores enquanto sujeitos históricos neste
processo (CFESS, 2010).
Por fim, ressalta-se que é de suma importância a contribuição dos Assistentes
Sociais para a efetivação das políticas sociais voltadas para os trabalhadores, em especial
na área da saúde, sendo que esses profissionais não podem esquecer-se do Movimento de
Reforma Sanitária aliado ao Código de Ética da profissão.
III. CONCLUSÃO
Nesse estudo, observou-se, o desenvolvimento da Política de Saúde do
Trabalhador, voltada a atender as necessidades dessa classe explorada, alienada e que
vende sua força de trabalho para sobreviver. A importância da atuação do Assistente Social
na mediação, orientação, viabilização dos direitos dos trabalhadores no âmbito da saúde, o
mesmo deve estar inserido em uma equipe multidisciplinar, e embasar seu fazer profissional
no Código de Ética do Assistente Social, nas Leis que regulam a profissão, ligando ao
objetivo da Reforma Sanitária.
Conclui-se, que ainda existem muitos desafios e limites a serem vencidos pelos
Assistentes Sociais na área da saúde, principalmente, no que tange à saúde do trabalhador,
“segunda classe”, que vive submissa aos detentores dos meios de produção, tendo seus
direitos violados, direitos esses defendidos pela Constituição Federal, por uma Política de
Saúde, dentre outras políticas, oriundas de lutas e movimentos sociais. Portanto,
compreender a importância do trabalhador, dos direitos e das políticas sociais direcionadas
a essa classe, mesmo que a sociedade vigente não contribua para o crescimento
profissional, pessoal e econômico dos trabalhadores. Todos os cidadãos devem ter seus
direitos respeitados e, de fato, efetivados.
Por fim, pensar o Serviço Social e a Política de Saúde do Trabalhador, na condição
de acesso aos direitos sociais, nos levou a refletir sobre nosso entendimento acerca de
direitos sociais na sociedade capitalista e seus reflexos na vida dos sujeitos. Percebemos
que, embora exista uma política direcionada a proteção dos trabalhadores no ambiente de
trabalho, a simples existência de tal política não é garantia de acesso aos serviços, pois
muito ainda precisa ser feito. E, neste sentido, é fundamental o papel do Assistente Social
que garante aos usuários o acesso às informações, para que estes tenham condições de
reivindicar direitos e lutar pela sua efetivação. Além disso, compete ao Assistente Social
incentivar a participação dos usuários nos conselhos, plenárias e fóruns, espaços onde se
materializa o controle social fundamental para a construção de uma nova ordem societária.
REFERÊNCIAS
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