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SERVIÇO SOCIAL _________________________________________________________ MIRELE HASHIMOTO SIQUEIRA O INTELECTUAL ORGÂNICO NA TEORIA GRAMSCIANA: A ELABORAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE NO PARTIDO POLÍTICO ________________________________________________________ TOLEDO - PR 2017

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SERVIÇO SOCIAL _________________________________________________________

MIRELE HASHIMOTO SIQUEIRA

O INTELECTUAL ORGÂNICO NA TEORIA GRAMSCIANA: A ELABORAÇÃO

DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE NO PARTIDO POLÍTICO

________________________________________________________

TOLEDO - PR

2017

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MIRELE HASHIMOTO SIQUEIRA

O INTELECTUAL ORGÂNICO NA TEORIA GRAMSCIANA: A ELABORAÇÃO

DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE NO PARTIDO POLÍTICO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao

Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná, como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Alfredo Aparecido Batista.

TOLEDO - PR

2017

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MIRELE HASHIMOTO SIQUEIRA

O INTELECTUAL ORGÂNICO NA TEORIA GRAMSCIANA: A ELABORAÇÃO

DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE NO PARTIDO POLÍTICO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Alfredo Aparecido Batista

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

___________________________________________ Profa. Ms. Ane Bárbara Voidelo

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

___________________________________________ Prof. Dr. Geraldo Magella Neres

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 14 de fevereiro de 2017.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Edson e Sueli. Exteriorizar a gratidão pelo apoio e pelo incentivo que

recebi no delongar do processo de formação e que, por ora, se materializa no presente trabalho

é demasiado pequeno para expressar minhas sinceras saudações. Obrigada, amo vocês.

Ao meu orientador, Alfredo Batista. Pelo profissional que não pude deixar de tomar

como exemplo: mostrou-me que seguir os trilhos da pesquisa é processo árduo e, ao mesmo

tempo, prazeroso. Obrigada.

À minha supervisora de estágio, Viviane Freitas. Acompanhou-me durante dois anos e

se revelou dura combatente dos princípios ético-políticos da profissão. Obrigada.

À Alícia. Amiga de todos os dias: compartilhamos os desafios e as conquistas diárias;

as dificuldades e as realizações; o marasmo e o êxito. Todo gesto de carinho e de amizade a

você. Obrigada.

À Leila. Mostrou-se verdadeira guerreira e exemplo de coragem. Certamente inspirou-

me a permanecer na luta, te admiro. Obrigada.

À Vanessa. Por estar sempre presente todos os dias e se transformar na pessoa que é

hoje. Você, sem dúvida, faz parte das minhas conquistas. Obrigada.

À Simone e à Taina. Iniciamos pelo caminho, mas tomamos direções distintas:

afastaram-se do curso, mas deixaram muito de vocês. Obrigada, saudades.

À banca examinadora, Ane e Geraldo. Por aceitar o convite e se dispor a se aventurar

nas páginas da pesquisa. Obrigada.

À UNIOESTE. Por ter me possibilitado cursar uma universidade pública gratuita.

Aos professores do curso de Serviço Social da UNIOESTE, campus de Toledo. Certo

dia ensinaram-me: a construção é coletiva! Obrigada.

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“[...] não existe neutralidade possível: o

intelectual deve optar entre o compromisso

com os exploradores ou com os explorados”.

(Florestan Fernandes)

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SIQUEIRA, Mirele Hashimoto. O intelectual orgânico na teoria gramsciana: a elaboração

da consciência de classe no partido político (Bacharelado em Serviço Social). Centro de

Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo-

PR, 2017.

RESUMO

A pesquisa ora apresentada é resultado de indagações advindas a partir da participação na

disciplina Política Social e Serviço Social I do curso de Serviço Social da Universidade

Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE –, campus de Toledo, e no Programa de Iniciação

Científica Voluntário – PICV – (2016). Tais atividades acadêmicas possibilitaram despertar a

aproximação e o interesse pelo tema “Intelectual Orgânico”, a partir do qual se delimitou o

seguinte objeto de pesquisa: “O Intelectual Orgânico no Partido Político”. Ao se debruçar e se

envolver com o referido objeto se estruturou a seguinte problemática de pesquisa a ser

investigada: constatar pela teoria gramsciana que o Intelectual Orgânico é peça central na

constituição do Partido Político, dá a autorização para afirmar que sua função é determinante

para criar uma consciência com conteúdos de classe? Nesse sentido, o objetivo geral em que

se fixou a presente pesquisa se centrou em apreender, compreender e analisar, sob a referência

teórica de Antonio Gramsci, em particular, nas obras Escritos Políticos Volume 1 e 2 e

Cadernos do Cárcere Volume 2 e 3, em que medida o Intelectual Orgânico é peça

determinante na elaboração da consciência de classe no Partido Político. Para garantir a

objetivação desta premissa e para responder ao problema proposto, os seguintes objetivos

específicos foram elencados: 1) identificar, na obra gramsciana Cadernos do Cárcere Volume

2, a categoria Intelectual Orgânico; 2) identificar os elementos determinantes do Partido

Político nas obras gramscianas Escritos Políticos Volume 1 e 2 e Cadernos do Cárcere

Volume 3; 3) verificar o processo de elaboração da consciência de classe a partir da função

desempenhada pelo Intelectual Orgânico no Partido Político. A partir de pesquisa de tipo

exploratória, bibliográfica e qualitativa, buscou-se fundamentação teórico-metodológica em

autores com produções significativas para tratar do tema proposto. Com esta proposta e

considerando a importância em discorrer acerca do tema com vista a trazer novas

contribuições e inspirar a produção de conhecimentos – em particular – no Serviço Social,

pretendeu-se demonstrar por meio da aproximação e da relação imbricada entre o Intelectual

Orgânico e o Partido Político, a centralidade do primeiro no processo de elaboração da

consciência de classe no cerne do segundo. A consciência de classe, apresentando-se como

pressuposto da própria função desempenhada pelo Partido, é elemento que pode ser

propagado pelos Intelectuais Orgânicos em seus próprios interstícios. Sua disseminação está,

no entanto, condicionada pela própria consciência de classe do Intelectual, isto é: por sua

própria capacidade de transcender-se da condição de classe em si à classe para si.

Palavras-chaves: Intelectual Orgânico; Partido Político; Consciência de classe.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7

1 O BLOCO HISTÓRICO NA CONSTRUÇÃO GRAMSCIANA ................................... 11

1.1 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA EM MARX ........................................................ 11

1.2 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA EM GRAMSCI .................................................. 15

2 INTELECTUAIS ORGÂNICOS: À PROPÓSITO DE UMA INTERPRETAÇÃO .... 20

2.1 O INTELECTUAL ............................................................................................................. 20

2.2 O INTELECTUAL TRADICIONAL ................................................................................. 24

2.3 O INTELECTUAL ORGÂNICO ....................................................................................... 26

2.3.1 O Caso da Burguesia e do Proletariado....................................................................... 27

2.4 O LÓCUS DO INTELECTUAL ORGÂNICO NO BLOCO HISTÓRICO ....................... 31

3 O PARTIDO POLÍTICO NA TEORIA GRAMSCIANA ............................................... 38

3.1 A MASSA OPERÁRIA E A FUNDAÇÃO DO NOVO ESTADO ................................... 38

3.2 O MODERNO PRÍNCIPE ................................................................................................. 42

4 A CONSCIÊNCIA DE CLASSE NA CONFLUÊNCIA ENTRE INTELECTUAL

ORGÂNICO E PARTIDO POLÍTICO: APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS ...................... 52

4.1 O INTELECTUAL ORGÂNICO E O PARTIDO POLÍTICO .......................................... 52

4.1.1 Consciência de Classe: Elementos para o Debate ....................................................... 57 4.2 O INTELECTUAL ORGÂNICO NO PARTIDO POLÍTICO: A CONSCIÊNCIA DE

CLASSE EM QUESTÃO ......................................................................................................... 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 70

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 73

APÊNDICES ........................................................................................................................... 77

[

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INTRODUÇÃO

A aproximação e o interesse pelo esboço da pesquisa ora apresentada são resultados de

indagações advindas a partir da disciplina “Política Social e Serviço Social I” do curso de

Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE –, campus de

Toledo, mediante discussões acerca do processo de formação do Estado Moderno. Outrossim,

a participação no Programa de Iniciação Científica Voluntário1 – PICV – (2016) também se

constituiu em importante elemento de motivação: a inserção nas referidas atividades foi o que

permitiu realizar aproximações sucessivas acerca do pensamento de Antonio Gramsci2, donde

extraindo a temática “Intelectual Orgânico”, se construiu o seguinte problema a ser

investigado: constatar pela teoria gramsciana que o Intelectual Orgânico é peça central na

constituição do Partido Político, dá a autorização para afirmar que sua função é determinante

para criar uma consciência com conteúdos de classe?

Para responder ao problema proposto, o objetivo geral que se estabeleceu – para a

presente pesquisa – se centrou em apreender, compreender e analisar, sob a referência teórica

de Antonio Gramsci, em particular, nas obras Escritos Políticos Volume 1 e 2 e Cadernos do

Cárcere Volume 2 e 3, em que medida o Intelectual Orgânico é peça determinante na

elaboração da consciência de classe no Partido Político. O processamento desta problemática

foi viabilizado pela investigação dos seguintes objetivos específicos: 1) identificar, na obra

gramsciana Cadernos do Cárcere Volume 2, a categoria Intelectual Orgânico; 2) identificar os

elementos determinantes do Partido Político nas obras gramscianas, Escritos Políticos Volume

1 e 2 e Cadernos do Cárcere Volume 3; 3) verificar o processo de elaboração da consciência

de classe a partir da função desempenhada pelo Intelectual Orgânico no Partido Político.

No que se refere aos aspectos metodológicos da presente pesquisa, sua classificação –

quanto aos objetivos – é de tipo exploratória, dado que, conforme Gil (1991), é a que

possibilita estabelecer, por meio do conhecimento aproximativo, uma maior familiaridade em

relação ao tema de estudo; é também caracterizada – quanto a abordagem – como qualitativa,

pois, de acordo com Minayo (2010), busca apreender o universo de significados compilados

no fenômeno que não se deixam transparecer na imediaticidade de sua aparência empírica; e –

quanto aos procedimentos técnicos – é de tipo bibliográfica. Para Lima e Mioto (2007), este

tipo de pesquisa não é sinônimo de mera revisão literária e reprodução de conhecimentos já

1 A proposta do referido PICV (2016) tinha como título “A relação da produção material e da elaboração

intelectual na contribuição de Antonio Gramsci”. 2 Para breves considerações acerca da trajetória política de Gramsci ver Apêndice A.

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existentes; é antes a busca pela reinterpretação do objeto de pesquisa com vista a trazer à tona

novas contribuições, inspirar a produção de conhecimentos ou reavivar conteúdos em debate.

Nesse sentido, a pesquisa que aqui se apresenta iniciou-se pelo levantamento geral de

literaturas já produzidas em torno do tema de estudo e publicadas, sobretudo, em livros e

artigos científicos. Com este processo, procurou-se realizar aproximações sucessivas acerca

da temática e apreender, a partir de um primeiro contato, suas principais discussões. Após o

referido levantamento, a delimitação dos materiais e/ou das fontes primárias e a identificação

dos materiais e/ou das fontes secundárias que tratavam de atender a tema de estudo foi

movimento de que se ocupou com vista a garantir centralidade aos objetivos específicos

sinalizados pela pesquisa. Com esta separação didática, pretendeu-se melhor explorar os

dados e as informações contidas na literatura já existente com a finalidade de se aprofundar

nos conteúdos essenciais e a reinterpretar a temática que se propôs a investigar. Outrossim,

outro movimento exercido no processo metodológico para a viabilização da presente pesquisa

foi a extração das principais categorias das leituras realizadas. Depois de extraídas, tais

categorias foram sistematizadas por ordem de prioridade – conforme as aproximações

sucessivas teóricas – e analisadas com vista a proporcionar maior apropriação dos conteúdos e

maior apreensão dos nexos e das relações que tratavam de estabelecer entre si. As

informações e os conhecimentos adquiridos, a partir deste movimento, foram analisados à luz

do processo de reprodução ideal do movimento real do objeto de pesquisa. Como analisa

Netto (2009), é somente pelo método dialético que tal movimento pode ser engendrado:

partindo da aparência fenomênica do real, o pesquisador o transporta ao plano ideal que – pela

abstração – isola determinado objeto e extrai dele suas múltiplas determinações. Assim é que

ao permitir apreender o objeto de pesquisa a partir de sua totalidade e de sua dinamicidade,

adotou-se o método científico que – partindo da aparência – busca captar sua essência: a

essência é, pois, um todo que se articula dialeticamente com as partes constitutivas do objeto.

Iniciar a investigação em torno da categoria intelectual orgânico na teoria gramsciana

é proposta que viabiliza a compreensão acerca dos mecanismos que tratam de espraiar o

consenso entre o conjunto de homens da sociedade. Operando por meio dos aparelhos

circunscritos na sociedade civil e na sociedade política, os intelectuais orgânicos no partido

político estruturam uma relação simbiótica que possibilita instaurar o conjunto do proletariado

nos trilhos da luta revolucionária.

Na busca de dar respostas à problemática e ao objetivo construído, a presente pesquisa

– demarcada pela iniciação científica da acadêmica pesquisadora – foi organizada e

distribuída em quatro capítulos. No primeiro capítulo, buscando instaurar a discussão do

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bloco histórico, se recorreu à necessária – e clássica – “ampliação” do conceito de Estado em

Gramsci. Demonstrando – cada qual, em sua época histórica – a formação do Estado, Marx e

Gramsci apresentam pontos convergentes e divergentes entre suas formulações. Analisar esta

inferência é imprescindível para compreender a estruturação e a edificação posterior das

próprias categorias Intelectual Orgânico e Partido Político na teoria gramsciana: ora, não é

senão a partir da “ampliação” do conceito de Estado que Gramsci constrói seus próprios

fundamentos; a análise de tais categorias supõe, por si só, o resgate da discussão do Estado.

Para tanto, o rigor teórico-metodológico exigido para a elaboração desta discussão foi

buscado em Gramsci (1977; 1978; 2001; 2011), Marx (2008), Marx e Engels (s/d), Coutinho

(1994; 2000), Simionatto (1998), Bobbio (1982; 1987), Portelli (1977), Montaño e Duriguetto

(2011), Hegel (1986), Netto (1998), Netto e Braz (2012) e Fausto (1987).

A identificação e a conceituação da categoria Intelectual Orgânico nas formulações de

Gramsci foram premissas a ser investigadas no segundo capítulo. Iniciando, a priori, pela

busca da própria conceituação da categoria intelectual, buscou-se – metodologicamente –

mapeá-la e explicitá-la nas construções do autor sardo para, posteriormente, avançar para a

análise do intelectual tradicional e – em especial – do intelectual orgânico e suas funções

desempenhadas no cerne do bloco histórico. A literatura corrente de que se lançou mão para a

materialização da referida investigação foi: Gramsci (1978; 1999; 2001), Marx (2008; 2013),

Marx e Engels (1998a; 1998b), Coutinho (1994), Simionatto (1998; 2004), Gruppi (1978),

Portelli (1977), Huberman (1983), Heller (1985), Outhwaite e Bottomore (1996) e Lukács

(2012).

No terceiro capítulo, a busca pela reconstrução dos elementos que compõe a teoria do

Partido Político nas esquematizações de Gramsci foi movimento exercido para demarcar o

objetivo e/ ou finalidade central do próprio partido, qual seja: a fundação de um novo Estado.

Sintetizando sua teoria na figura do moderno príncipe, o autor sardo lança mão de estratégias

e táticas para derrocar o Estado burguês e instaurar o Estado operário e camponês, isto é: para

fazer ascender a sociedade sem classes. Percorrer este caminho implicou na necessidade de se

utilizar de argumentações buscadas em Gramsci (1978; 1999; 2001; 2004a; 2004b; 2011),

Marx e Engels (1998b), Coutinho (1992; 1994; 2011a), Simionatto (1998), Neres (2012),

Bianchi (2008) e Reis (2012).

Com a finalidade de responder – de fato – ao problema proposto, o quarto capítulo se

centrou em estabelecer uma aproximação entre Intelectual Orgânico e Partido Político. A

partir de sua relação imbricada, a consciência de classe se exprime como elemento suposto

para a própria tarefa a ser viabilizada pelo partido: a construção de um novo Estado pela via

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da revolução; nesse sentido é que se pretendeu demonstrar a centralidade dos intelectuais

orgânicos no processo de elaboração da consciência de classe nos interstícios do partido

político. A busca de respostas para esta problemática foi colhida de Gramsci (1977; 1999;

2001; 2004a; 2004b; 2011), Marx (1985; 1986; 2008; 2011), Marx e Engels (1998a; 1998b;

2011), Coutinho (1992; 2011b), Simionatto (1998; 2004), Portelli (1977), Montaño e

Duriguetto (2011), Gruppi (1978), Lukács (2012), Bottomore (1988), Cox (1978), Hirano

(1974), Jesus (1989), Netto (2007) e Pontes (1997).

Por se tratar de uma primeira aproximação em relação à temática de estudo e por estar

parametrada por um limite de páginas e de tempo, conforme exigência do Colegiado de Curso

de Serviço Social por meio da Resolução nº 144/2006 aprovada pelo Conselho de Ensino,

Pesquisa e Extensão – CEPE –, a pesquisa ora apresentada, mais do que responder à

problemática em questão, traz a manifestação de múltiplas determinações passíveis de

investigações futuras. Sua materialização presente é, no entanto, resultado de aproximações

sucessivas em torno das construções teórico-metodológicas de Gramsci, o que – certamente –

poderá contribuir e/ou ser de grande monta para o deciframento de algumas temáticas

presentes na teoria gramsciana e, por conseguinte, inspirar a continuidade da produção de

conhecimentos no Serviço Social e em áreas afins do conhecimento.

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1 O BLOCO HISTÓRICO NA CONSTRUÇÃO GRAMSCIANA

Tratar da categoria bloco histórico na construção de Gramsci implica, de início,

remontar o processo de constituição do Estado Moderno: o bloco histórico não é uma

categoria embotada em si mesma; ao contrário, exige, a partir do resgate da formulação

marxiana – e precedente a ela, a hegeliana –, desvendar as particularidades que põe e repõe o

Estado em sua forma “ampliada”. Reportar-se a este prisma é, ao mesmo tempo e

necessariamente, pressupor duas categorias centrais: estrutura e superestrutura.

1.1 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA EM MARX

O continente europeu, em particular no século XIX, experimentou um período

marcado por profundas transformações societárias. A ascensão progressiva do modo de

produção capitalista em nível mundial, impulsionada pela primeira Revolução Industrial

iniciada na última quadra do século XVIII – de que a substituição da manufatura pela

maquinofatura é seu signo mais emblemático – configurou o cenário histórico sob o qual se

debruçou a produção teórica de Marx3. Preocupado em centrar sua análise no exame da

dinâmica do modo de produção capitalista, Marx não se propôs a realizar uma investigação

sistemática acerca da constituição do Estado Moderno: seu objeto de pesquisa científica era,

eminentemente, a sociedade burguesa e a análise de suas leis gerais4. Conforme Fausto

(1987), esta inferência já assinalava, de imediato, que as produções teóricas marxianas não se

preocupavam em pôr o Estado, mas na medida em que capturava o movimento real da lei

geral de acumulação capitalista, acabava por – necessariamente – pressupor o próprio Estado5.

Investigar tal inferência implica, pois, estabelecer como ponto de partida duas categorias

centrais, quais sejam: estrutura e superestrutura.

3 Embora ao longo do capítulo se faça referência apenas a Marx, entende-se que Engels também ocupa, de forma

determinante, espaço indispensável e significativo nas produções teóricas marxianas, pois é Engels que motiva

Marx a estudar a Economia Política. 4 “As leis que regem a atividade econômica (e, com efeito, a vida social) são distintas das leis que se referem à

natureza. Em comum com estas, têm o fato de serem igualmente objetivas, isto é, operam independentemente da

consciência dos homens e dos juízos de valor que destas se façam [...] Mas há duas diferenças que particularizam

as leis econômicas: de um lado, elas possuem um caráter tendencial: dada a extrema complexidade do ser social

[...], elas operam como tendências que podem ser travadas por contra tendências (ou seja, por outras leis ou por

intervenções conscientes dos homens); de outro lado, elas têm validade limitada: não existem leis econômico-

sociais supra-históricas. Por isso mesmo, cada modo de produção apresenta leis que lhe são peculiares, donde a

decisiva descoberta de Marx conforme a qual cada época histórica, marcada pelo modo de produção nela

dominante, tem suas próprias leis de desenvolvimento” (NETTO; BRAZ, 2012, p. 73, grifos do autor). 5 Conforme Netto e Braz (2012), mesmo um Estado liberal “[...] com mínimas atribuições econômicas, [...] [não

é] um Estado alheio à atividade econômica – pelo contrário: ao assegurar as condições externas para a

acumulação capitalista, o Estado intervinha no exclusivo interesse do capital [...]” (NETTO; BRAZ, 2012, p.

187, grifo nosso).

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Como bem demarca Marx (2008), as ações recíprocas dos homens entre si e com a

natureza – determinantes da produção e reprodução da vida social – são condicionadas por

certo nível de desenvolvimento das forças produtivas e pelas relações de produção: são elas

que indicam o maior ou menor grau de promoção das forças comerciais e de consumo numa

determinada sociedade. A produção das relações sociais, necessariamente, está condicionada

pelas condições históricas e objetivas do desenvolvimento econômico. Ora, a “[...] história

social dos homens nada mais é que a história de seu desenvolvimento individual, tenham ou

não consciência disso. Suas relações materiais constituem a base de todas as demais relações”

(MARX; ENGELS, s/d, p. 245). É a partir de tais elementos que Marx desenvolve sua

compreensão acerca do plano estrutural: constituindo-se enquanto base material em que se

assentam as relações sociais é o espaço donde, numa determinada organização social, se situa

a sociedade civil.

Tal categoria, embora central nos escritos de Marx, adquiriu notoriedade a partir dos

estudos de Hegel. Como bem denota Bobbio (1987), a sociedade civil hegeliana é

caracterizada pelo momento intermediário6 entre família e Estado. A família é a forma

incompleta do Estado, instituição que prepara o indivíduo para a vida partilhada e que perde

sua unicidade na medida em que seus membros transformam-se em indivíduos independentes;

a sociedade civil é a associação de homens que se constitui mediante a dissolução da família e

o momento de predomínio de interesses particulares e de desejos arbitrários; e o Estado –

propriamente dito – o espaço de transformação da particularidade em universalidade. De

acordo com Hegel (1986), a sociedade civil contém três momentos:

A - A mediação da carência e a satisfação dos indivíduos pelo seu trabalho e

pelo trabalho e satisfação de todos os outros: é o sistema das carências; B - A

realidade do elemento universal de liberdade implícito neste sistema é a

defesa da propriedade pela justiça; C - A precaução contra o resíduo de

contingência destes sistemas e a defesa dos interesses particulares como algo

de administração e pela corporação (HEGEL, 1986, p. 164).

É somente na medida em que os homens percebem que seus interesses particulares só

poderão se realizar na sua relação com o outro que passam a admitir a necessidade da

coletividade7. Seu bem próprio ou – se assim se quer dizer – seu sistema de carências,

6 Segundo Bobbio (1987), este momento intermediário hegeliano possibilita a construção de um esquema

triádico – família, sociedade civil e Estado –, contrapondo-se a duas esquematizações diádicas precedentes: a

aristotélica – família x Estado – e a jusnaturalista – estado de natureza x estado civil. 7 O reconhecimento da existência da divisão do trabalho em Hegel se coloca, nesta passagem, de maneira

evidente: “[...] o que há de universal e de objetivo no trabalho, liga-se à abstração que é produzida pela

especificidade dos meios e das carências e de que resulta também a especificação da produção e a divisão dos

trabalhos. Pela divisão, o trabalho do indivíduo torna-se mais simples, aumentando a sua aptidão para o trabalho

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conforme Hegel (1986), só pode atingir o momento de plena satisfação através da ascensão da

particularidade ao mundo da universalidade. Tal ascensão, por sua vez, só pode ser operada

por meio do Estado. O Estado é a consciência particular universalizada que permite a

objetivação real da liberdade coletiva. “Quando se confunde o Estado com a sociedade civil,

destinando-o à segurança e proteção da propriedade e da liberdade pessoais, o interesse dos

indivíduos enquanto tais é o fim supremo para que se reúnem [...]” (HEGEL, 1986, p. 201).

De acordo com Bobbio (1982), Marx, ao contrário de Hegel, desenvolve suas

esquematizações acerca da sociedade civil8 compreendendo-a como o conjunto de toda a vida

econômica e social pré-estatal sob a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política,

responsável por estabelecer a dimensão do Estado.

Se [...] o Estado pode aparecer como o reino do universal, em contraste com

a esfera econômica da pura particularidade, isso resulta do fato de que o

homem da sociedade moderna está dividido em sua própria vida real. Por um

lado, ele é o bourgeois, o indivíduo concreto que luta pelos seus interesses

meramente particulares; por outro, aparece como o citoyen, o homem

abstrato da esfera pública, que pautaria sua ação por interesses gerais ou

universais (COUTINHO, 1994, p.18).

Conforme Coutinho (1994), esta contradição de Hegel – evidenciada por Marx –

indica que, na sociedade civil hegeliana pelo fato dos homens dominarem e conhecerem

apenas os interesses particulares próprios, a vontade geral – exprimida pela figura do Estado –

não poderia se objetivar plenamente, dado que ele representaria antes uma aparente entidade

“[...] a ocultar a dominação de uma casta burocrática que defende apenas [...] os seus próprios

interesses particulares [...]” (COUTINHO, 1994, p. 18). É nesse sentido que Marx, partindo

da análise de Hegel, compreende o Estado – enquanto dimensão própria colocada, a partir da

estrutura9, e pela superestrutura – como esfera que tem sua gênese na materialidade concreta

das relações materiais de produção e, por conseguinte, dos interesses de classe. Ao identificar

a sociedade civil enquanto esfera composta por classes sociais antagônicas – cujo

abstrato bem como a quantidade da sua produção. Esta abstração das aptidões e dos meios completa, ao mesmo

tempo, a dependência mútua dos homens para a satisfação das outras carências, assim se estabelecendo uma

necessidade total” (HEGEL, 1986, p. 168). 8 O elemento determinante da construção marxiana acerca da sociedade civil pode ser facilmente observado na

célebre passagem do Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política: “[...] as relações jurídicas, bem

como as formas de Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do

espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em suas

totalidades, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século 18, compreendia sob o

nome de ‘sociedade civil’. Cheguei, também à conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser

procurada na Economia Política [...]” (MARX, 2008, p. 47, grifo nosso). 9 Conforme Montaño e Duriguetto (2011), a sociedade civil – pertencendo e se identificando com a estrutura

econômica – é o momento fundante do Estado: são precisamente as bases materiais de produção que “[...]

constituem o poder que cria o Estado” (MONTANÕ; DURIGUETTO, 2011, p. 36).

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14

antagonismo tem origem na posição que as próprias classes sociais ocupam no modo de

produção econômico: se proprietário dos meios fundamentais de produção, se na venda da

mercadoria força de trabalho –, Marx constata que o conflito de classe entre burguesia e

proletariado transcende para a dimensão do Estado: a divisão da sociedade em classes sociais

distintas e a extensão do domínio de classe da burguesia sob o proletariado é conservada nas

entranhas da esfera estatal10

. “O Estado, assim, é um Estado de classe: não é a encarnação da

Razão universal, mas sim uma entidade particular que, em nome de um suposto interesse

geral, defende os interesses comuns de uma classe particular” (COUTINHO, 1994, p. 19,

grifos do autor). Assegurar os interesses de uma classe particular implica em,

necessariamente, dispor de mecanismos que consagrem e legitimem a natureza desta

dominação. Para Marx, é exatamente a opressão de uma classe sobre a outra que possibilita

garantir esse processo: a constituição do Estado enquanto aparelho coercitivo está na base de

suas formulações iniciais.

Como bem reforça Coutinho (1994), as esquematizações de Marx acerca do processo

de constituição do Estado, elucidadas no período de 1848-185011

, podem ser traduzidas em

torno de duas ideias centrais: 1) o Estado enquanto “comitê executivo” organizador dos

interesses da burguesia e; 2) como “poder de opressão” que se utiliza da coerção física para

garantir a manutenção de seus interesses particulares. Certamente, ao imprimir materialidade

objetiva a discussão da sociedade civil – afirmando-a enquanto dimensão calcada no terreno

da Economia Política12

–, Marx propiciou contribuições significativas para discussão do

processo de constituição do Estado Moderno. Na proporção, no entanto, em que conferiu

10

“O Estado é a instância que diz representar o interesse universal, mas representa o de uma classe. Ele cumpre a

universalidade reproduzindo o interesse da classe dominante. Assim, o Estado tem a aparência da universalidade,

mas a sua realidade efetiva é particular, na medida em que ele garante a organização das condições gerais de um

sistema social (ou organização da produção) no qual e pelo qual a burguesia existe como classe dominante”

(MONTANÕ; DURIGUETTO, 2011, p. 36-37). 11

De acordo com Netto (1998), as produções teóricas de Marx e Engels neste período – de que a redação do

Manifesto do Partido Comunista, a pedido da Liga dos Comunistas enquanto documento que disporia sobre seu

próprio programa de organização, é seu eixo mais significativo – esteve fortemente influenciada pela Revolução

de 1848 – ainda que o Manifesto do Partido Comunista tenha sido produzido às vésperas da Revolução.

Iniciando-se em Paris e, posteriormente, expandindo-se para grande parte da Europa Continental, o movimento

se caracterizou pelas aspirações e lutas democrático-populares das classes trabalhadoras. No entanto, tendo sido

derrotadas pelas forças do protagonismo burguês, “[...] a experiência de 1848 demonstrou os limites reais do

projeto sócio-político conduzido pela burguesia – a liberdade deve restringir-se à liberdade de concorrer no

mercado, a igualdade esgota-se na formalidade jurídica e a fraternidade se resolve na retórica e no moralismo

[...] [Assim] o proletariado [em 1848] se investe, em nível histórico-universal, como o herdeiro das tradições

libertárias e humanistas da cultura ocidental, constituindo-se como o sujeito de um novo processo emancipador,

cuja condição prévia [...] é a ruptura mais completa com a ordem do capital. (NETTO, 1998, p. 19-20, grifos do

autor). 12

“A Economia Política aborda questões ligadas diretamente a interesses materiais (econômicos e sociais) e, em

face deles, não há nem pode haver ‘neutralidade’: suas teses e conclusões estão sempre conectadas a interesses

de grupos e classes sociais” (NETTO; BRAZ, 2012, p. 28).

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15

centralidade apenas ao caráter de classe e repressivo do Estado, ainda estava diante de uma

concepção que – nas próprias palavras de Coutinho (1994) – poder-se-ia designar de restrita13

.

Suas produções teóricas posteriores e, principalmente, àquelas desenvolvidas por Engels

confirmam tal hipótese na medida em que demarcam, ao menos gradativa e parcialmente, a

superação com a abordagem de caráter restritivo14

: reconhece-se que o Estado não é apenas a

esfera de objetivação do “comitê executivo” e do “poder de opressão”; seu caráter de classe

não é negado, até porque essa “[...] descoberta está certamente entre as maiores contribuições

do marxismo à teoria política [e] continua a ter um papel decisivo [...]” (COUTINHO, 1994,

p. 27), mas compreende-se que seus mecanismos de legitimação ultrapassam a mera repressão

coercitiva estatal, expressando-se também através de instituições que permitem a obtenção do

consenso de classe na sociedade. Sinalizar tais considerações implica em estabelecer

aproximações acerca da construção geral do Estado em Marx e em Gramsci: tal aproximação

não significa ausência de aspectos distintos entre suas formulações, mas antes demarcam

pontos de convergência que permitem evidenciar que não se tratam, por inteiro, de

esquematizações opostas e/ou antagônicas em seu sentido geral.

1.2 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA EM GRAMSCI

Transmutando-se do cenário do capitalismo concorrencial para o capitalismo

monopolista, em particular na virada do século XIX para o século XX, o campo que demarcou

as produções teóricas de Gramsci transitou pelo “[...] modelo de sociedade desigual que

emerge após a unificação italiana, marcada pela política de modernização conservadora

assumida pelo Estado” (SIMIONATTO, 1998, p. 39). Neste universo, a questão meridional15

apresentou-se como conjuntura histórica extremamente fértil para o início das atividades de

Gramsci (1977): a disparidade entre as regiões Norte e Sul da Itália16

configurou um quadro

13

“Numa época de escassa participação política, quando a ação do proletariado se exercia sobretudo através de

vanguardas combativas, mas pouco numerosas, atuando quase sempre na clandestinidade, era natural que esse

aspecto coercitivo do Estado se colocasse em primeiro plano na própria realidade [...]” (COUTINHO, 2000, p.

52), até porque o poder do Estado permanecia concentrado e restrito ao parlamento burocrático-militar. 14

Como bem demarca Coutinho (1994), exemplo emblemático desta superação encontra-se na Introdução escrita

por Engels em 1895 à reedição de As Lutas de classe na França, “[...] texto publicado originalmente por Marx

em 1850” (COUTINHO, 1994, p. 26). 15

A questão meridional é tema de discussão central em artigo publicado por Gramsci em resposta a revista

Quarto Stato pela “fórmula mágica” apresentada à resolutividade do “problema” meridional: a divisão do

latifúndio em detrimento “[...] da aliança política entre os operários do Norte e os camponeses do Sul para

derrubar a burguesia do poder do Estado [...]” (GRAMSCI, 1977, p. 21). 16

Para Gramsci (1977), enquanto a região Norte da Itália caracterizava-se pelo intenso processo de

industrialização desencadeado pelo regime de acumulação do capital, a região Sul era constituída, em sua

maioria, por operantes massas camponesas de que a expressão Mezzogiorno (meio dia) é sua denominação

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16

de conflitos internos sob a égide de unificação e em nome do desenvolvimento econômico.

Conforme Simionatto (1998), a militância política de Gramsci junto às massas camponesas do

Mezzogiorno e, posteriormente, aos operários de Turim demarcaram os contornos sob os

quais se assentaram suas produções teóricas. Seus conteúdos eram, eminentemente, concretos:

se construíam a partir dos problemas reais sinalizados pela conjuntura histórica italiana. “É no

contexto dessas preocupações que [Gramsci] aprofunda suas reflexões a respeito das relações

Estado/sociedade e classes sociais” (SIMIONATTO, 1998, p. 41).

Certamente embebido dos conteúdos da tradição marxiana, Gramsci não nega seus

determinantes fundamentais, mas contribui – decisivamente – para a ampliação de muitas de

suas esquematizações. Interessa-nos aqui, pois, uma em particular: exatamente a que se refere

à análise do Estado17

. Remontar seu processo de constituição implica lançar mão dos

momentos estrutural-superestrutural na construção gramsciana ou – se assim se quer dizer –

do processo de estruturação do bloco histórico. Como bem reforça Portelli (1977), sua

concepção exige o necessário e imbricado estudo da relação entre estrutura e superestrutura:

exatamente por se constituírem numa relação orgânica, devem ser considerados a partir da

unicidade de seu vínculo dialético. Esta questão, no entanto, é tarefa de que nos ocuparemos

no capítulo seguinte.

Considerar, por ora, o plano estrutural na construção de Gramsci implica identificar

dimensões convergentes e divergentes em relação à esquematização marxiana: novas

inferências apresentam-se em razão direta da época histórica vivenciada por Gramsci,

[...] na qual já se efetivou uma maior concretização (ou “ampliação”) do

fenômeno estatal. [...] A esfera política “restrita” que era própria dos Estados

oligárquicos, tanto autoritários como liberais, cede progressivamente lugar a

uma nova esfera pública “ampliada”, caracterizada pelo crescente

protagonismo de amplas organizações de massa [decorrentes da socialização

da política] (COUTINHO, 1994, p. 52-53).

É, pois, no cenário de ampliação do fenômeno estatal que Gramsci – partindo da

concepção marxiana de Estado – incorpora novas determinações a seu processo de

constituição. Os aspectos convergentes de suas formulações, segundo Portelli (1977), residem

exatamente no fato de compreenderem o plano estrutural enquanto base em que se assentam

as relações materiais de produção. É a maneira como os homens se organizam para produzir

que determina a produção e reprodução das relações sociais: suas bases são, nesta proporção,

concreta. As diferenciações entre massas operárias do Norte e massas camponesas do Sul eram, portanto, o

cenário sob o qual se materializou a unificação italiana. 17

“[...] Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. E é preciso sublinhar os dois adjetivos: nova, mas

também marxista [...]” (COUTINHO, 2000, p. 171, grifos do autor).

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eminentemente materiais e concretas. As novas determinações desenvolvidas por Gramsci

acerca do processo de constituição do Estado são expressas, no entanto, exatamente em seus

aspectos divergentes em relação à esquematização marxiana: ao partirem do mesmo ponto em

comum – estrutura – que justificam os pilares para a elaboração da superestrutura, Gramsci

compreende que a sociedade civil – enquanto esfera pertencente ao plano estrutural da

construção marxiana – está situada no momento superestrutural. Ao contrário das formulações

de Marx, Gramsci identifica duas esferas distintas em seu interior, quais sejam: sociedade

civil e sociedade política.

De acordo com Coutinho (1994), a sociedade política exprime o conjunto de aparelhos

coercitivos de Estado imbuídos de garantir o domínio de classe via repressão e violência

física. Traduzem-se “[...] nos grupos burocrático-executivos ligados às forças armadas e

policiais e à imposição das leis [...]” (COUTINHO, 1994, p. 53). Recorde-se que em Marx, a

presença do Estado enquanto aparelho coercitivo e repressivo de classe também estava no

centro de suas formulações iniciais. A inovação – e “ampliação” – de Gramsci refere-se

exatamente ao lócus ocupado pela sociedade civil18

no plano superestrutural. Ao considerá-la

como o conjunto de instituições encarregadas de exercer a difusão de valores e ideologias19

,

tende a exercer o domínio de classe via consenso: compreende assim “[...] o sistema escolar,

as Igrejas, os partidos políticos, as organizações profissionais, os meios de comunicação, as

instituições de caráter científico e artístico etc. [...]” (COUTINHO, 1994, p. 54). Numa

palavra: os aparelhos privados de hegemonia.

A associação entre sociedade civil e sociedade política nos marcos da superestrutura

expressa que o Estado – afirmando a originalidade da concepção marxiana – é um Estado de

classe, pois sua finalidade é assegurar os interesses específicos do grupo social dominante.

Para garanti-los, no entanto, Portelli (1977) evidencia que Gramsci entende que a classe social

18

“A ‘sociedade civil’ gramsciana nada tem a ver com essa coisa amorfa que hoje chamam de ‘terceiro setor’,

pretensamente situado para além do Estado e do mercado” (COUTINHO, 2000, p. 171). 19

Conforme Gramsci (1978), a ideologia supõe uma premissa teórica implícita: expressa “[...] uma concepção de

mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações

de vida individuais e coletivas [...]” (GRAMSCI, 1978, p. 16). É, portanto, construída a partir de uma base

material concreta, cabendo distinguir ideologias “[...] historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma

determinada estrutura, [...] [de] ideologias arbitrárias, racionalistas, “desejadas”. Na medida em que são

historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é ‘psicológica’: elas ‘organizam’ as massas

humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição,

lutam, etc. Na medida em que são ‘arbitrárias’, elas não criam senão movimentos individuais, polêmicas, etc. [...]

As forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma – sendo que esta distinção entre forma e conteúdo

é puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias

seriam fantasias individuais sem as forças materiais” (GRAMSCI, 1978, p. 62-63, grifo do autor).

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18

que tem a pretensão de conquistar e assegurar a hegemonia20

deve exercer o controle e o

domínio da coletividade dos homens da sociedade por meio da repressão e também do

consenso, isto é, por meio dos aparelhos coercitivos de Estado e dos aparelhos privados de

hegemonia: “Na política, o erro acontece por uma inexata compreensão do que é o Estado (no

significado integral: ditadura + hegemonia)” (GRAMSCI, 2011, p. 257). Com esta

formulação “ampliada”, Coutinho (1994) evidencia que Gramsci contribui para denunciar que

a expansão e a difusão das concepções de mundo dos grupos sociais se dão, em grande

medida, via aparelhos privados de hegemonia. Esta concepção esteve presente somente nas

produções mais tardias de Marx e Engels – ainda que preservem a sociedade civil no marco

estrutural. Suas esquematizações iniciais insistiam em demarcar o caráter coercitivo do Estado

de classe: Gramsci não nega esta concepção; ao contrário, dela se apropria para evidenciar a

função desempenhada pela sociedade política. Na medida, contudo, que transcende a

sociedade civil da base estrutural para a superestrutura, amplia sua concepção de Estado por

compreendê-lo como agente que também – e, sobretudo – se opera pelo consenso.

Trocando em miúdos: consenso e repressão estão na essência dos aparelhos operados

pela sociedade civil e pela sociedade política. Ao considerá-los enquanto esferas materiais

localizadas no interior do plano superestrutural, o autor sardo evidencia a razão direta entre

hegemonia e dominação: “[...] se deve notar que na noção geral de Estado entram elementos

que devem ser remetidos à noção de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, de que

Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção) ”

(GRAMSCI, 2011, p. 244).

Conforme Coutinho (1994), o controle de classe via coerção é necessário e operante:

garante, através de seus aparelhos coercitivos, a manutenção da ordem. Tão importante quanto

controle por repressão, é – no entanto – domínio por consenso. Na formulação de Gramsci,

prevalece o fato de que o “[...] Estado seja menos coercitivo e mais consensual (ou que se

imponha menos pela dominação e mais pela hegemonia) [...]” (COUTINHO, 1994, p. 57). Tal

20

De acordo com Portelli (1977), o conceito de hegemonia gramsciano, embora resgate alguns preceitos da

teoria leninista, diferencia-se dela num ponto essencial: Lênin centra-se no aspecto puramente político da

hegemonia. Isto é: para ele a derrubada do aparelho de Estado deve se dar por meio da violência física e frontal;

este fato implica – necessariamente – na conquista da sociedade política. Sua construção limita-se apenas ao

apoderamento da hegemonia política na medida em que o objetivo central é a conquista da direção política da

sociedade. Gramsci, por sua vez, embora considere a tomada da direção política – e, por conseguinte, da

sociedade política – importante para o exercício da hegemonia, não reduz sua análise a este aspecto: para ele, a

conquista da sociedade civil é determinante e tem primazia em relação à sociedade política, dado que o grupo

social dirigente que controla a sociedade civil domina também hegemonicamente. Com esta construção, Gramsci

pretende evidenciar que a necessidade de conquista da direção ideológico-cultural associada à direção política é

decisiva para o exercício da hegemonia. Nota-se, no entanto, “[...] que essa diferença não se limita à conquista

do poder, mas à concepção do Estado [...]” (PORTELLI, 1977, p. 65) de que ambos partem.

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afirmação justifica-se pelo feito de que, em Gramsci (2001), a classe social que domina via

consenso, isto é, aquela que expande sua concepção de mundo pelas entranhas dos aparelhos

privados de hegemonia, domina – na mesma proporção – as condições materiais em que se

processa o terreno político-econômico.

Os momentos estrutural-superestrutural em Gramsci constituem, por fim, o que se

designa por bloco histórico, “[...] isto é, unidade entre a natureza e o espírito (estrutura e

superestrutura), unidade dos contrários e dos distintos” (GRAMSCI, 2011, p. 26).

Compreendê-lo enquanto espaço de disputa pela hegemonia entre grupos sociais possibilita

circunscrever, material e concretamente, o lócus de atuação dos intelectuais orgânicos. “Um

sistema social só é integrado quando se edifica um sistema hegemônico, dirigido por uma

classe fundamental que confia a gestão aos intelectuais: realiza-se aí um bloco histórico [...]”

(PORTELLI, 1977, p. 16). Sua sólida compreensão é pressuposto para o exame da função

desempenhada pelos intelectuais orgânicos em seu próprio cerne. Desvendar esta tarefa é,

pois, proposição acadêmica que se destina o próximo capítulo.

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20

2 INTELECTUAIS ORGÂNICOS: À PROPÓSITO DE UMA INTERPRETAÇÃO

Resgatar a discussão do bloco histórico é suposto para tratar da questão dos

intelectuais orgânicos na teoria gramsciana. A categoria intelectual orgânico – nas

construções do autor sardo – exige a clareza dos elementos que compõe o momento estrutural

e superestrutural, dado que o lócus em que se inscreve sua atuação no bloco histórico é

condição que delineia suas funções. Para tanto, avançar na direção de compreensão das

funções desempenhadas pelos intelectuais orgânicos pressupõe, de início, a investigação em

torno da própria categoria intelectual. Transitar na busca por estas fundamentações – em

Gramsci – é movimento exercitado no capítulo que se segue.

2.1 O INTELECTUAL

Desnudar as acepções fetichizadas e ilusórias que se convencionou estabelecer em

torno da expressão intelectual21

configura-se no primeiro passo metodológico para apreender

as esquematizações construídas por Gramsci acerca da questão dos intelectuais. Para o autor

sardo (2001), definir o conceito da categoria intelectual exige apreendê-la a partir de

processos históricos concretos, visto que a elaboração das camadas intelectuais não se dá em

um terreno abstrato ou ideal; ao contrário, sua formação está condicionada a elementos muito

reais e objetivos sobre os quais se produzem, social e historicamente, diversas categorias de

intelectuais, haja vista que é no terreno material e histórico que se encontram os desígnios

para a fecunda organização da vida social.

Num esforço de conceituar a categoria intelectual, Gramsci (2001) toma como ponto

de partida algumas considerações acerca do trabalho manual e intelectual. Para Marx e Engels

(1998a), a oposição entre cidade e campo concretizou a segregação entre trabalho manual e

intelectual. Tal oposição repercutiu na própria divisão do trabalho, visto que esta – ao passar a

crivar-se diretamente na divisão dos homens em classes sociais distintas – impôs aos

indivíduos uma atividade social específica, isto é, assentada na apropriação dos elementos do

processo de trabalho22

. Neste prisma, para assegurar a extensão do domínio ideológico de uma

21

De acordo com Outhwaite e Bottomore (1996), tende-se, corriqueiramente, “[...] a reunir sob o rótulo de

‘intelectual’ todas as pessoas envolvidas na esfera da cultura, isto é, no mundo dos símbolos [...] que possuem

atributos não encontráveis no grupo numericamente bem mais amplo de pessoas [...]” (OUTHWAITE;

BOTTOMORE, 1996, p. 386). 22

“Os momentos simples do processo de trabalho são, em primeiro lugar, a atividade orientada a um fim, ou o

trabalho propriamente dito; em segundo lugar, seu objeto e, em terceiro, seus meios” (MARX, 2013, p. 256).

Àqueles desprovidos dos objetos e meios necessários para a operacionalização do processo de trabalho, estão à

mercê da venda de sua força de trabalho para cultivar sua própria subsistência. Eis o porquê o trabalhador não

está inteiramente exaurido dos elementos que compõe o processo de trabalho: detém a capacidade de mediar,

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21

classe sobre a outra, a separação entre trabalho manual e intelectual foi o que permitiu fazer

da doutrina do pensamento dominante “lei eterna”,

[...] de modo que teremos duas categorias de indivíduos dentro de uma

mesma classe. Uns serão os pensadores dessa classe (os ideólogos ativos,

que teorizam e fazem da elaboração da ilusão que essa classe tem de si

mesma sua substância principal), ao passo que os outros terão uma atitude

mais passiva e mais receptiva em face desses pensadores e dessas ilusões,

porque eles são na realidade os membros ativos dessa classe e têm menos

tempo para alimentar ilusões e ideias sobre suas próprias pessoas. Dentro

dessa classe, essa cisão pode mesmo chegar a uma certa oposição e a uma

certa hostilidade das duas partes em questão. Mas, surgindo algum conflito

prático em que a classe toda fique ameaçada, essa oposição cai por si mesma

[...] (MARX; ENGELS, 1998a, p. 49).

Apesar de permanecerem assentadas na concretude da materialidade histórica e social,

as reflexões de Gramsci (2001) acerca do trabalho manual e intelectual encontram caminhos e

contornos divergentes dos fundamentos construídos, num primeiro momento, por Marx e

Engels. Em Gramsci (2001), a cisão de classe entre pensadores ideólogos e executores de

atividades é inexistente23

, dado que se pese que no interior de determinada classe social não

há uma parcela de classe responsável por desempenhar atividades de caráter puramente

manuais e/ou intelectuais. “Em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e

degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade

intelectual criadora (GRAMSCI, 2001, p. 18) ”. Nenhuma atividade pode existir apenas como

dispêndio de força puramente física; o trabalho manual ou instrumental, ainda que em

condições degradantes, não exime a atividade intelectiva. Qualquer trabalho – desde o mais

manual e mecânico – exige colocar em movimento potencialidades físicas e psíquicas: toda

atividade laborativa engendra faculdades instrumentais e intelectuais em seu processo de

objetivação. Por esse motivo, é possível que se afirme que todos os homens são intelectuais,

visto que todos despendem certo conhecimento técnico e, por conseguinte, intelectual no

desenvolvimento de seu trabalho. A oposição entre trabalho manual e intelectual em Gramsci

é, pois, inexistente. A aparente e imediatista classificação das atividades desempenhadas pelos

regular e controlar a natureza, isto é, “a utilização da força de trabalho é o próprio trabalho” (MARX, 2013, p.

255), elemento indispensável para colocar em movimento a produção de valores. Assim é que se pode afirmar

que todos os homens detêm, ao menos, um dos elementos necessários à execução do processo de trabalho; o que

os segregam em duas classes sociais distintas e determina sua posição na divisão social do trabalho são os

elementos específicos necessários a composição do processo de trabalho de que se apropriam. 23

Embora essa cisão de classe não se encontre presente nos escritos de Gramsci (2001), isso não significa

afirmar que, dentro de uma classe social específica, não se encontram àqueles responsáveis por arquitetar e

disseminar a ideologia do grupo social que representam, tampouco que tais ideólogos não sejam intelectuais. O

que o autor pretende elucidar é o fato de que a separação entre trabalho manual e intelectual não é suficiente para

expressar e determinar o conceito da categoria intelectual.

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22

homens em funções de caráter manual ou intelectual se dá, na realidade, por se considerar

apenas “[...] a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade profissional específica, se

na elaboração intelectual ou se no esforço muscular-nervoso” (GRAMSCI, 2001, p. 52). De

acordo com Gramsci (2001), esta retórica não descarta o feito de que entre a elaboração

intelectual e o esforço muscular-nervoso estão presentes diferentes graus de dispêndio de

atividade puramente intelectual; o maior ou menor dispêndio de atividade intelectiva não é, no

entanto, premissa determinante para classificar uma atividade específica como tão somente

intelectual ou manual. “Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção

intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens” (GRAMSCI, 2001, p. 53).

Partindo desta premissa e julgando-a como verdadeira, algumas considerações devem

ser sinalizadas para evitar equívocos teórico-metodológicos subsequentes. É bem verdade que

se possa afirmar que todos os homens, ao despenderem certo quantum de atividade

intelectual, sejam intelectuais. No entanto, o simples dispêndio de atividade intelectiva – e,

por conseguinte, técnica –, não é suficiente para caracterizá-los como portadores da função

intelectual. Enquanto no primeiro caso, a presença de conhecimento técnico especializado é

bastante para designar o conjunto de homens da sociedade como intelectuais, no segundo, é o

predomínio da capacidade dirigente e organizativa – associada ao conhecimento técnico-

produtivo – que determina a função intelectual desempenhada por eles. Superar a falácia de

indistinta separação entre ser e exercer a função intelectual é, pois, condição para apreender

os parâmetros determinantes que tratam de lhes incumbir distinção, até porque “[...] o fato de

que alguém possa, em determinado momento, fritar dois ovos ou costurar um rasgão no paletó

não significa que todos sejam cozinheiros ou alfaiates” (GRAMSCI, 2001, p. 18).

Nesse sentido, identificar a função desempenhada pelos homens como intelectuais na

sociedade requer superar um erro metodológico comum já apontado inicialmente por

Gramsci: a tendência em caracterizar o intelectual apenas pela via do que é “[...] intrínseco às

atividades intelectuais, em vez de buscá-lo no conjunto do sistema de relações no qual estas

atividades (e, portanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto geral das

relações sociais” (GRAMSCI, 2001, p. 18). Para Gramsci (2001), a mera descrição das

atividades desempenhadas pelos homens não se constitui em elemento determinante para

caracterizá-los como portadores da função intelectual, tampouco para – com base na

identificação e na descrição destas atividades – distingui-los e classificá-los num agrupamento

social dissociado dos demais grupos sociais: os intelectuais não compõe uma camada

autônoma e independente por conta das atividades que desempenham; ao contrário, estão

inseridos na própria dinâmica das relações sociais e, como tal, pertencem e defendem os

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interesses da classe social que representam: são, portanto, membros específicos dos grupos

sociais que engendram a dinâmica do bloco histórico hegemônico. A concepção idealista de

intelectual enquanto indivíduo dissociado do conjunto de homens da sociedade é incapaz de

expressar a essência da própria categoria intelectual nos escritos gramscianos. Por esse

motivo, a caracterização do exercício da função intelectual deve ser, necessariamente,

buscada no próprio conjunto da vida social e em sua dinâmica.

Na verdade, o operário ou proletário, por exemplo, não se caracteriza

especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por este trabalho

em determinadas condições e em determinadas relações sociais [...] E já se

observou que o empresário, pela sua própria função, deve possuir em certa

medida algumas qualificações de caráter intelectual, embora sua figura

social seja determinada não por elas, mas pelas relações sociais gerais que

caracterizam efetivamente a posição do empresário na indústria (GRAMSCI,

2001, p. 18).

Segundo Gramsci (2001), se se quer identificar a função intelectual desempenhada

pelo homem na sociedade há de se levar menos em conta sua capacidade técnica produtiva – e

suas atividades – do que sua capacidade dirigente. Se é certo que as atividades

desempenhadas pelo homem não podem – por si só – caracterizá-lo como portador da função

intelectual, também não é tão mais exato afirmar que tais atividades não possam servir como

meio para o próprio exercício da função intelectual. Com esta proposição, o que se pretende

elucidar é que a função intelectiva é – única e somente – determinada pelo exercício da

função política do homem. Na medida em que tal dimensão política estiver presente em suas

atividades, isto é, na medida em que – em suas tarefas cotidianas – for capaz de conduzir e

organizar a coletividade de homens da sociedade, então – certamente – sua função exercida

não é senão também intelectual. A determinação desta função está relacionada, portanto, a

direção política e cultural24

exercida pelo homem: o simples dispêndio de atividades derivadas

de sua função técnica-produtiva, ainda que possam fornecer subsídios para o exercício da

própria função intelectual, não são suficientes para caracterizá-lo enquanto portador da função

intelectual. Assim é que um operário, por mais que desenvolva atividades de caráter

majoritariamente manual – da qual não se pode excluir, por inteiro, a intervenção intelectual –

24

Direção política necessariamente supõe direção cultural: “[...] cultura não significa a simples aquisição de

conhecimentos, mas sim tomar partido, posicionar-se ante a história, buscar a liberdade. A cultura está

relacionada, pois, com a transformação da realidade, uma vez que por meio da ‘conquista de uma consciência

superior...cada qual consegue compreender seu valor histórico, sua própria função na vida, seus próprios direitos

e deveres’ [...] [Em Gramsci] [...] transparece uma ideia de cultura forjadora da liberdade, capaz de propiciar a

ultrapassagem da heterogeneidade e da imediaticidade da vida cotidiana, das lutas econômico-corporativas que

atravessam o ser social para lutas mais duradouras e universais, voltadas à construção de uma nova hegemonia”

(SIMIONATTO, 1998, p. 43, grifos nossos).

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24

exerce a função de intelectual na proporção em que é capaz de conduzir – política e

culturalmente – o conjunto de homens da sociedade.

O intelectual [...] é o quadro da sociedade; [...] Mesmo um sargento semi-

analfabeto é um quadro e, por conseguinte, um intelectual. O trabalhador

rural dirigente de uma liga, se é um dirigente capaz, mesmo que seja

analfabeto ou semi-analfabeto, é um intelectual, na medida em que é um

dirigente, um educador de massa, um organizador. [...] A noção tradicional

de intelectual é, desse modo, radicalmente alterada. O que decide para

Gramsci não é mais, como em Marx, a separação entre trabalho manual e

trabalho intelectual (GRUPPI, 1978, p. 82).

Isso significa dizer que o exercício da função intelectual está relacionado à capacidade

dirigente do homem em organizar e dirigir a sociedade – e é precisamente neste aspecto que

reside a principal diferença entre ser e exercer a função intelectual. Um intelectual pode não

exercer a função intelectual na medida em que não é um dirigente organizativo do conjunto de

homens e da sociedade, embora – nem por esse motivo – deixe de ser um intelectual25

.

Àqueles responsáveis por conduzir política e culturalmente o conjunto de homens da

sociedade, isto é, àqueles portadores da função intelectual, não o fazem – por sua vez – sem

imprimir determinada direção organizativo-ideológica e sem contribuir para o fortalecimento

de determinadas relações sociais. Como bem analisa Gramsci (1999), mesmo a atividade mais

simplória está imbuída de determinada concepção de mundo. “Pela própria concepção de

mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos

sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir” (GRAMSCI, 1999, p. 94).

Disso decorrem duas considerações: 1) concepção de mundo e interesse de classe operam em

razão direta. Por estar impregnada de interesses de classe, as concepções de mundo auxiliam

na condução política e cultural exercida pelos intelectuais na sociedade e; 2) ao materializar

os interesses de classe na realidade social por meio da difusão de concepções de mundo, os

intelectuais organizam-se em torno duas camadas intelectivas conforme os interesses que

propagam, quais sejam: tradicional ou orgânica.

2.2 O INTELECTUAL TRADICIONAL

Incorporando os elementos constitutivos da categoria intelectual, Gramsci (2001) –

analisando a questão mais profundamente – identifica os intelectuais tradicionais como

25

Aqui vale lembrar: os homens não deixam de ser intelectuais pelo feito de não exercerem a função intelectual,

haja vista que, para Gramsci (2001), todos os homens são – por si só – intelectuais. O dilema recai, novamente,

na assertiva distinção entre ser e exercer a função intelectual. Todos os homens portadores da função intelectual

são intelectuais, mas nem todos os intelectuais são portadores da função intelectual.

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25

representantes dos interesses político-ideológicos dos grupos sociais que não nascem das

exigências do terreno produtivo dominante: constituem-se, pois, nos miúdos atados as

concepções de mundo de um bloco histórico já esgotado e há tempos ceifado no cerne de seus

elementos determinantes.

Por sinalizarem o conjunto de interesses de classe e de concepções de mundo de

agrupamentos sociais distantes de seu próprio tempo e espaço evidenciam a existência de um

movimento reacionário dentro de uma “organização social mais avançada”26

: sua

particularidade reside exatamente no fato de se constituírem numa “[...] continuidade histórica

que não foi interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das

formas sociais e políticas [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 16).

Ordenados pela égide dos princípios, das concepções de mundo e dos interesses

político-ideológicos do bloco histórico anterior, os intelectuais tradicionais se autoposicionam

como grupo social autônomo e independente frente à ordem social dominante. Esta crença na

constituição de um grupo social autônomo não é senão designada por Gramsci (2001) de

utopia social de independência: claramente numa alusão aos próprios tradicionais, pretende-se

demarcar que – esta camada intelectual – apesar de não pactuar do mesmo projeto político,

econômico e ideológico dos grupos sociais que conferem motricidade a dinâmica do bloco

histórico hegemônico, não está à mercê do conjunto de suas relações – visto que fazem parte

do complexo da vida social e de sua dinâmica. Negar política e ideologicamente os preceitos

da estrutura econômica não significa a possibilidade de escolher viver fora dela27

: afinal, “[...]

na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas,

necessárias, independentes de sua vontade [...]” (MARX, 2008, p. 47).

É como desdobramento deste cenário que os intelectuais tradicionais, ainda que não

estejam diretamente vinculados aos interesses de classe da estrutura dominante, desempenham

função considerável nos limites do bloco histórico. Considerá-los é, portanto, condição para

compreender sua relação com a própria camada intelectual orgânica.

26

Optou-se pelo uso de aspas por entender que a inauguração de uma nova organização social significa, em

termos cronológicos, avanço temporal; mas não representa, necessariamente, a ascensão de uma estrutura social

que possibilite a plena satisfação das necessidades humanas e o pleno desenvolvimento das potencialidades do

ser social. 27

A impossibilidade de desertar-se das condições previamente dadas da história – e, por conseguinte, da

organização social – não pode ser confundido, no entanto, com a própria possibilidade de modificá-la. “[...] os

homens aspiram a certos fins, mas estes estão determinados pelas circunstâncias [...] essas ‘circunstâncias’

determinadas, nas quais os homens formulam finalidades, são as relações e situações sócio-humanas, as próprias

relações e situações humanas mediatizadas pelas coisas. Não se deve jamais entender a ‘circunstância’ [apenas]

como totalidade de objetos mortos, nem mesmo de meios de produção; a ‘circunstância’ é a unidade de forças

produtivas, estrutura social e formas de pensamento, ou seja, um complexo que contém inúmeras posições

teleológicas [...]” (HELLER, 1985, p. 1-2).

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26

2.3 O INTELECTUAL ORGÂNICO

Por estarem diretamente vinculados às exigências estruturais do bloco histórico

hegemônico, os intelectuais orgânicos – grupo intelectivo também identificado por Gramsci

(2001) –, é expressão cristalizada das determinações produtivas dominantes. Ao contrário da

camada tradicional, de que as concepções de mundo e os interesses de classe movem-se na

direção ao apelo do bloco histórico já ultrapassado, os intelectuais orgânicos solidificam os

interesses das classes sociais que movimentam, em dado período histórico, a estrutura

econômica da organização social dominante.

Como bem observa Gramsci (2001), os intelectuais orgânicos mantêm relação mediata

com o mundo da produção: elaboram suas concepções de mundo e seus interesses de classe a

partir das premissas dos grupos sociais nascidos diretamente das exigências do terreno

produtivo dominante. Tendo em vista esta relação, também “[...] a cada modo de produção

corresponde uma classe fundamental e, assim, um tipo de intelectual” (PORTELLI, 1977, p.

89): se na organização capitalista, a luta de classes – que, conforme Marx Engels (1998b),

atravessa a história de todas as formas de sociedades – expressa o antagonismo direto entre

classe burguesa e proletária, então – certamente – os intelectuais orgânicos só poderiam

personificar as concepções de mundo e os interesses de classe da própria burguesia e do

proletariado. Vê-se que além da clássica disputa pela hegemonia travada entre as camadas

intelectuais orgânicas e tradicionais – por seus interesses distintos –, intelectuais orgânicos da

burguesia e intelectuais orgânicos do proletariado também circunscrevem, no cerne do bloco

histórico, a disputa interna pela conquista da direção política e cultural da organização social.

É precisamente na constatação desta disputa interna entre os próprios intelectuais orgânicos

que se verifica a constante e/ou permanente tensão pela conservação ou destruição do bloco

histórico hegemônico. Expliquemo-nos: na medida em que, no modo de produção capitalista,

a função histórica da burguesia é conservar o reino das relações contraditórias inscritas sob a

hegemonia do capital, seu esforço não é fazer senão conservar o bloco histórico hegemônico.

O proletariado – ao contrário –, na condição de classe expropriada e subjugada aos ditames da

exploração do trabalho pelo capital, para garantir sua subsistência tem como função histórica

– ao lembrar que “[...] sua luta contra a burguesia começa com a sua própria existência”

(MARX; ENGELS, 1998b, p. 14) – construir e instaurar um novo bloco histórico. Assim é

que os intelectuais orgânicos podem contribuir, por um lado, para a legitimação/solidificação

do bloco histórico hegemônico e, por outro, para a possibilidade de findar uma nova

organização da vida social ou – se assim se quer dizer – para a edificação de um novo bloco

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27

histórico. A possibilidade de efetivação real destas alternativas encontra-se precisamente na

capacidade de se distinguir a camada intelectual orgânica que se pretende fazer referência: se

aos conservadores da ordem hegemônica, se aos construtores do novo bloco histórico.

2.3.1 O Caso da Burguesia e do Proletariado

Na dinâmica capitalista, intelectuais orgânicos da burguesia e intelectuais orgânicos do

proletariado, ao conjugar interesses de classe e concepções de mundo distintas, personificam

os atores centrais do bloco histórico hegemônico. Esta inferência é tanto mais correta, quanto

verdadeira se se considerar que a burguesia e o proletariado, constituindo-se em classes

sociais antagônicas, colocam em movimento a dinâmica do modo de produção capitalista:

exatamente por conferirem motricidade a uma organização econômica específica

(capitalismo), não se constituem em classes sociais essenciais ao nível estrutural de todas as

formas de organização econômico-produtivas precedentes.

A burguesia e o proletariado, no curso de sua história, não protagonizaram – de

maneira sempre contínua e permanente – os intérpretes a partir dos quais se organizaram e se

desenvolveram os elementos determinantes de produção e reprodução da esfera material do

conjunto de todas as formas de sociedades existentes; ao contrário: a “[...] burguesia moderna

é produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de profundas

transformações no modo de produção e de intercâmbio [...]” (MARX; ENGELS, 1998b, p. 6).

Sua ascensão está relacionada à degradação do período medieval e ao surgimento dos

primeiros burgos. Conforme Huberman (1983), no modo de produção feudal28

, a Igreja

Católica exerceu papel fundamental na medida em que congregava, ao seu lado, ampla legião

de senhores feudais – aristocracia fundiária – e constituía-se na maior proprietária de terras do

período medievo29

. Por meio do crescente desenvolvimento do comércio no interior dos

burgos e do intercâmbio de mercadorias via monetária30

, a Igreja – e, portanto, os senhores

28

Conforme Huberman (1983), o feudalismo era composto por três grupos sociais: 1) sacerdotes ou

eclesiásticos; 2) guerreiros ou militares e; 3) trabalhadores. A base do trabalho era essencialmente agrícola e suas

relações assentavam-se na subordinação dos servos – trabalhadores – aos senhores feudais – proprietários de

terras. Sua organização se dava ainda em torno dos feudos: estes consistiam numa espécie de aldeia rodeada por

extensos acres de terras. Cada propriedade possuía um senhor feudal, donde vivia com sua família e

trabalhadores. Os servos trabalhadores recebiam de seu senhor um pedaço de terra para cultivar sua árdua e

mísera subsistência e, em troca, comprometiam-se em prestar-lhe fidelidade e subordinação. 29

Segundo Huberman (1983), três meios fizeram a Igreja adquirir vastos acres de terras: 1) com o desejo de

subir aos céus e fazer o bem, muitos homens preocupados cediam-nas a fim de garantir um lugar privilegiado ao

lado de Deus; 2) por meio de doações de fiéis que pretendiam ajudar na ação caritativa e benevolente prestada

aos pobres, a Igreja conseguiu expandir suas propriedades e; 3) através da incorporação de territórios sempre que

venciam uma guerra contra seus inimigos fizeram da Igreja a maior proprietária de terras no período medieval. 30

De acordo com Huberman (1983), até aquele momento histórico medievo, o intercâmbio de mercadorias se

realizava apenas pela necessidade de se obter objetos e/ou mercadorias que não pudessem ser produzidos no

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eclesiásticos – passaram a repudiar o crescente espírito de acumulação que emergia da classe

média (burguesia) em ascensão, dado que sua doutrina baseava-se em princípios que

caminhavam na contramão do projeto societário em curso. O elevado custo dos impostos a

serem pagos e o desejo da conquista do poder político31

fizeram com que a burguesia, unindo-

se aos trabalhadores, empunhasse a luta por maior “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”:

deflagrou-se, em 1789, a Revolução Francesa que deu “[...] o golpe mortal no feudalismo

[...]” (HUBERMAN, 1983, p. 164). Como bem argumentam Marx e Engels (1998b), a

burguesia desempenhou na história um papel revolucionário; abalou as estruturas das antigas

relações feudais e introduziu uma nova forma de organizar a produção, ainda que à custa da

traição contra aqueles que a fizeram chegar ao poder: os trabalhadores. Ao passar a exercer o

domínio político e econômico, a burguesia converteu-se em classe conservadora, excluindo

seus companheiros de luta dos privilégios adquiridos com a Revolução. A Igreja que, no

período feudal, desempenhava basicamente as funções do Estado, viu-se enfraquecer

mediante o processo de laicização32

: como consequência, o Estado burguês – na transição do

feudalismo para o capitalismo – consolidou-se e legitimou-se, nas próprias palavras de Marx e

Engels (1998b), enquanto comitê organizador dos interesses da burguesia.

Indicar tais considerações e apontar a historicidade dos processos de transformação

social significa munir-se de argumentos concretos e materiais para sustentar o mote de que os

intelectuais orgânicos – enquanto dirigentes e organizadores dos interesses das classes sociais

em constante disputa no cerne de determinada forma de organização social hegemônica – não

são entes eternos33

. Estão sujeitos ao próprio movimento da história e da maneira como os

homens conduzem e constroem novas formas de sociabilidade: na medida em que o processo

de produção e reprodução da vida material é tensionado pelos distintos interesses políticos,

econômicos e sociais e, por consequência, a possibilidade de uma nova estrutura econômica

interior do feudo. Nestas ocasiões, a obtenção da mercadoria era realizada via troca de produtos. A inauguração

de troca de mercadorias por dinheiro se dá pela expansão do comércio e pelo incentivo à produção de

excedentes. 31

Para Huberman (1983), a burguesia já havia conquistado o poder econômico no interior das amarras do modo

de produção feudal. Sua existência já era reconhecida economicamente: possuía, sobretudo, capital. Desejava

agora legitimidade para conquistar o poder político. “Era dona de propriedades – queria agora os privilégios.

Queria ter certeza de que sua propriedade estaria livre das restrições aborrecidas a que estivera sujeita na

decadente sociedade feudal” (HUBERMAN, 1983, p. 160). 32

Embora a Revolução Francesa tenha expulsado o domínio legítimo da Igreja Católica do interior do aparelho

estatal – considerando que ela “[...] em si mesma [representou] uma parte poderosa da estrutura do feudalismo”

(HUBERMAN, 1983, p. 92) – não se pretende desconsiderar a importância dos movimentos precedentes à

Revolução Francesa no que concerne a perda de influência da Igreja. Conforme Huberman (1983), a própria

Reforma Protestante sinalizou tal constatação: em “[...] essência, consistiu na batalha decisiva da nova classe

média contra o feudalismo” (HUBERMAN, 1983, p. 92). 33

Recorde-se que, conforme Portelli (1977), em cada forma de organização social, um tipo de um intelectual lhe

é específico.

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29

vir a aflorar à superfície da sociedade seja real e objetiva, os intelectuais orgânicos – por se

constituírem em agentes transitórios – também se metamorfoseiam na incumbência deste

processo. Ora, a ascensão e consolidação de todo novo grupo social não é senão acompanhada

de um processo de revolução das bases materiais do modo de produção; os membros do novo

agrupamento social, desempenhando função organizativa e diretiva das premissas que tratam

de sustentar a nova estrutura dominante em ascensão, não personifica senão a própria camada

intelectual orgânica: são eles os atores sociais incumbidos de organizar as condições para a

ascensão e sustentação do novo bloco histórico hegemônico. Assim é que os intelectuais

orgânicos mantêm relação estreita com a base material da sociedade: uma vez revolucionada,

novos intelectuais – certamente – entram em cena na constante tensão de disputa pelo poderio

ideológico. A revolução das condições materiais, por sua vez, não pode ser operada sem a

revolução das condições ideológicas34

: esta premissa justifica a importância de intelectuais de

tipo orgânico. Tais intelectuais darão o tom de harmonia da configuração econômico-

ideológica no interior da sociedade dominante, conformando a representação das ideias com

os princípios da organização social. Como bem fundamentam Marx e Engels (1998a), o

vínculo entre materialidade e produção de ideias é indissociável.

Eis, portanto, os factos: indivíduos determinados com atividades produtivas

segundo um modo determinado entram em relações sociais e políticas

determinadas. [...] A produção das ideias, das representações e da

consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material

e ao comércio material dos homens; [...] São os homens que produzem suas

representações, suas ideias [...] tais como são condicionados por um

determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que a

elas correspondem (MARX; ENGELS, 1998a, p. 18-19).

Nesse sentido é que, a burguesia e o proletariado, “[...] emergindo na história a partir

da estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento desta estrutura,

encontrou – pelo menos na história que se desenrolou até nossos dias – categorias intelectuais

preexistentes [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 16). A constituição de toda nova classe social se dá

no interior de uma forma de organização precedente à ordem social que dá a luz e é a razão de

ser dessa nova classe: a ascensão da nova estrutura econômica também representa seu próprio

desenvolvimento a partir do esgotamento das condições econômico-ideológicas do momento

anterior; o novo – nascendo dentro do velho – passa a conviver com os resquícios das arramas

parasitárias do período anterior: este fato não esclarece senão a presença de intelectuais de

tipo tradicional. Assim é que, “[...] a sociedade burguesa moderna, que surgiu do declínio da

34

Para Gramsci é, inclusive, pressuposto que “[...] uma classe ainda não dominante no plano do poder político já

seja dirigente no plano ideológico [...]” (COUTINHO, 1994, p. 59).

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30

sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes [...]” (MARX; ENGELS, 1998b, p.

5): intensificou-os na medida em que lançou a figura dos eclesiásticos nas vanguardas das

camadas intelectuais tradicionais e instaurou, no cerne das camadas intelectuais orgânicas, a

burguesia e o proletariado.

Trocando em miúdos: ainda no interior do modo produção feudal, os eclesiásticos – ao

congregarem interesses da Igreja Católica e da aristocracia fundiária na condução política e

cultural da sociedade medieval – se constituíam nos representantes centrais das camadas

intelectuais orgânicas. Na medida, contudo, em que esta forma de sociabilidade passou a não

conseguir responder a nova dinâmica das relações sociais estabelecidas e a se enfraquecer em

face do desenvolvimento da lógica do capital produtivo – e do comércio mais intenso de

mercadorias –, os personagens principais da velha trama passaram a ceder lugar para novos

intelectuais orgânicos: burguesia e proletariado. Os eclesiásticos, ao serem despojados do

centro das relações do capitalismo emergente, transportaram-se ao reino das camadas

intelectuais tradicionais. Por esse motivo, é possível que se afirme que todos os intelectuais

tradicionais foram – em determinado período histórico – intelectuais orgânicos, dado que

personificaram as concepções de mundo e os interesses dos grupos sociais em dada forma de

organização social dominante. É somente na medida em que esta velha forma organizativa da

vida socioeconômica passa a esgotar-se, que se verifica a ascensão de novos grupos sociais –

e com eles, intelectuais –, responsáveis por dirigir o processo de transformação das relações

de produção, estabelecendo novos critérios para organização da vida econômica, social e

ideológica35

.

Se os “novos” intelectuais se colocam como continuação direta da

intelliggentzia precedente, eles não são verdadeiramente “novos”, isto é, não

são ligados ao novo grupo social que representa organicamente a nova

situação histórica, mas são um resíduo conservador e fossilizado do grupo

social historicamente superado (o que, ademais, é o mesmo que dizer que a

nova situação histórica ainda não atingiu o grau de desenvolvimento

necessário para ter a capacidade de criar novas supra-estruturas, mas vive

ainda no invólucro carcomido da velha história) (GRAMSCI, 1978, p. 177-

178).

Disso decorrem algumas considerações: 1) se se tem a pretensão de se discutir a

camada intelectual orgânica é necessário situar, temporal e espacialmente, o modo de

produção que se pretende fazer referência, dado que os intelectuais orgânicos – por não serem

35

“Quando, em 1789 um novo agrupamento social aflora politicamente à história, ele está completamente

aparelhado para todas as suas funções sociais e, por isso, luta pelo domínio total da nação, sem estabelecer

compromissos essenciais com as velhas classes, mas, ao contrário, subordinando-as às próprias finalidades. As

primeiras células intelectuais do novo tipo nascem com as primeiras células econômicas [...]” (GRAMSCI, 2001,

p. 26).

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31

entes eternos – metamorfoseiam-se na incessante dinâmica da história, elaborando – em cada

época – seus próprios intelectuais a partir dos grupos sociais que estão circunscritos no

interior da respectiva forma de organização da produção. Assim é que, as camadas intelectuais

orgânicas adquirem “representantes” distintos na medida em que se considera um ou outro

modo de produção: certamente, as classes sociais das quais os intelectuais orgânicos

personificam as concepções de mundo e os interesses de classe se diferem ao se considerar o

modo de produção capitalista e o modo de produção feudal; 2) têm-se tratado até agora das

distintas “representações” assumidas pelas camadas intelectuais orgânicas ao se considerar,

temporal e espacialmente, os modos de produção as quais estão inscritas. Na transição de um

modo de organização econômico para uma nova estrutura social, a personificação dos

interesses das classes sociais pelos intelectuais orgânicos é determinada pelas próprias

condicionalidades da história36

: considerando que ela não é linear, mas antes constituída de

avanços e retrocessos, na medida em que a possibilidade de restauração de um modo de

produção anterior ou já ultrapassado – em alternativa a ordem social hegemônica – seja real e

objetiva, os intelectuais orgânicos também podem – na mesma proporção – tornar a

personificar antigos interesses de velhos grupos sociais, isto é, podem fazer da camada

intelectual tradicional, camada intelectual orgânica novamente; considerar este fato não é

senão imprimir uma abordagem dialética a própria história.

Levar em conta estas questões de ordem primária – e indispensável – é fundamental

para poder se avançar da análise da categoria intelectual orgânico para a explicitação das

funções desempenhadas pelos próprios intelectuais no bloco histórico: ao ocupar um lócus

específico em seu interior, a compreensão de sua atuação carece de uma análise que

pressupõe, a priori, a retomada da discussão do processo de constituição do bloco histórico.

2.4 O LÓCUS DO INTELECTUAL ORGÂNICO NO BLOCO HISTÓRICO

Ao sinalizar a relação entre mundo da produção e elaboração intelectual, Gramsci

(2001) pretende demarcar que os momentos estrutural-superestrutural – e/ou o processo de

constituição do bloco histórico – constitui em elemento necessário e imbricado para se pensar

o lócus de atuação dos intelectuais orgânicos. Com efeito, resgatar a discussão do vínculo

36

Seguindo os passos de Heller (1985), a história não é um processo finalístico, “[...] pois os homens são os

portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a construção e transmissão de cada estrutura

social” (HELLER, 1985, p. 2); o que seria o mesmo que afirmar que são os homens que aplicam suas finalidades

sob a própria história, isto é, as “[...] alternativas históricas são sempre reais: sempre é possível decidir, em face

delas, de um modo diverso daquele em que realmente se decide. Não era obrigatório que o desenvolvimento

social tomasse a forma que tomou; simplesmente foi possível que surgisse essa configuração (ou outra) ”

(HELLER, 1985, p. 15, grifos do autor).

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32

dialético existente entre estrutura e superestrutura – de que nos referimos no capítulo anterior

e que aqui cabem melhores considerações – é condição para processar a análise das próprias

funções desempenhadas pelos intelectuais orgânicos a partir da posição ocupada nos marcos

do bloco histórico.

Em conformidade com as argumentações já delineadas, compreender a sociedade civil

e a sociedade política enquanto esferas localizadas no plano superestrutural – elaborado a

partir da estrutura – fornecem subsídios para a apreensão do conceito “ampliado” de Estado

em Gramsci. Recorde-se que para o autor sardo

[...] podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser

chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos designados

vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, planos

que correspondem, respectivamente, a função de “hegemonia” que o grupo

dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de

comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções

são precisamente organizativas e conectivas (GRAMSCI, 2001, p. 21).

A fixação dos planos estrutural-superestrutural, de acordo com Portelli (1977), na

teoria gramsciana – apesar de se constituírem em momentos distintos – não se caracterizam

por um paralelismo opositor; ao contrário, a existência de um vínculo orgânico que estabelece

reciprocidade entre base material e sociedade civil e política é o que permite o “[...]

movimento superestrutural do bloco histórico evoluir nos limites de desenvolvimento da

estrutura” (PORTELLI, 1977, p. 47). Duas condições são necessárias para o estabelecimento

do plano estrutural, quais sejam: 1) conjuntura e forças sociais suficientemente desenvolvidas

para aparição de uma nova situação histórica e; 2) o esgotamento de todas as relações sociais,

econômicas e políticas da velha forma de organização da vida social. A fixação do plano

estrutural justifica a elaboração da superestrutura: se é fato que o momento superestrutural se

eleva a partir da estrutura – base material (econômica) da organização da vida social –, é

também constatável, sobretudo em Gramsci, que é somente por meio dos mecanismos

coercitivos e consensuais, geridos pela superestrutura, que o próprio plano estrutural pode

garantir seu processo de manutenção. Sociedade civil e sociedade política, ao se configurarem

em esferas constitutivas da superestrutura, não se caracterizam por um antagonismo imanente;

ao contrário, por operarem aos pares, garantem a manutenção do bloco histórico hegemônico.

Vê-se, portanto, que estrutura e superestrutura constituem-se em vínculo intrínseca e

extrinsecamente dialético: a conformação desta unicidade é precisamente cimentada pelos

intelectuais orgânicos.

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33

A compreensão dos momentos estrutural-superestrutural que compõe o bloco histórico

– além de demarcar a “ampliação” do conceito de Estado e seu vínculo dialético – permite

identificar exatamente o lócus de atuação dos intelectuais, isto é: a superestrutura. Em seu

cerne, os intelectuais orgânicos ou – se assim se quer dizer – uma classe social essencial ao

nível estrutural “[...] dirige a sociedade pelo consenso, que ela obtém graças ao controle da

sociedade civil; esse controle caracteriza-se, particularmente, pela difusão de sua concepção

de mundo junto aos grupos sociais [...]” (PORTELLI, 1977, p. 67-68). Esta difusão, segundo

Gramsci (2001), é exercida e está associada a duas funções essenciais desempenhadas pelos

intelectuais na esfera da superestrutura: 1) garantir, de maneira espontânea, o consentimento

do conjunto de homens da sociedade àquela determinada forma de organização da vida social

e; 2) buscar a disciplina dos sujeitos via coerção do aparelho estatal quando se desaparece o

consentimento espontâneo esperado. O consenso obtido via conquista da sociedade civil é

elemento determinante e indispensável nas formulações de Gramsci; disciplina da massa por

meio de mecanismos coercitivos é, no entanto, função que também deve ser considerada em

suas formulações.

Nesse sentido é preciso demarcar que, nas construções do autor sardo,

Os intelectuais são as células vivas da sociedade civil e [também] da

sociedade política: são eles que elaboram a ideologia da classe dominante,

dando-lhe assim consciência de seu papel, e a transformam em “concepção

de mundo” que impregna todo o corpo social [...] Funcionários da sociedade

civil, os intelectuais são igualmente os agentes da sociedade política,

encarregados da gestão do aparelho de Estado e da força armada

(PORTELLI, 1977, p. 87, grifos nossos).

O domínio da sociedade civil, por sua vez, por uma classe social determinada justifica

o enfraquecimento do papel da sociedade política, dado que na medida em que se obtém o

consenso e a adesão do conjunto de homens à determinada forma de organização social, o

doutrinamento dos indivíduos através do aparelho coercitivo de Estado tende se tornar mais

extenuo. Num sistema social hegemônico, Portelli (1977) observa – inclusive – que a

sociedade política acaba por desempenhar função de caráter complementar e auxiliar em

relação à sociedade civil, visto que tende a nela integrar-se parcialmente37

. Quando, ao

contrário, o uso da força repressiva estende-se para além dos limites alcançados pelo

consentimento dos homens à determinada forma de organizar a vida social, isto é, quando a

sociedade política tem primazia em relação à sociedade civil, então a conjuntura histórica não

37

“A classe dirigente, mesmo em um sistema hegemônico, não dirige toda a sociedade, mas somente classes

auxiliares e aliadas que lhe servem de base social e usa a força para com as classes opositoras: a hegemonia

jamais é total e um mesmo grupo pode ser ao mesmo tempo dirigente e dominante” (PORTELLI, 1977, p. 69).

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34

é mais hegemônica: torna-se ditatorial. A ditadura é o momento em que um grupo social não

hegemônico toma o aparelho de Estado e o dirige puramente através da coerção.

Destas afirmações decorrem duas conclusões principais: 1) de acordo com Gramsci

(2001), se é verdade que o domínio da sociedade civil determina a obtenção do consenso do

conjunto de homens à determinada forma de organização social, então também é igualmente

correto afirmar que a atuação dos intelectuais como difusores organizativos de determinada

concepção de mundo – e, por conseguinte, de interesses de classe – e disciplinadores da

coletividade de homens por meio dos aparelhos coercitivos, não se dá ao nível da estrutura

econômica, muito embora suas determinações político-culturais de classe sejam dela extraída;

a posição ocupada pelos intelectuais não pode se dar senão no plano superestrutural – fato que

permite apropriar-se do status de “funcionários da superestrutura” presente na literatura

gramsciana numa clara alusão aos próprios intelectuais, demarcando precisamente seu lócus

de atuação no bloco histórico; 2) ao exercer o domínio político-cultural sobre a sociedade

civil – e, portanto, atuar diretamente na esfera da superestrutura – o grupo social dirigente

imprime sua concepção de mundo sob o conjunto de homens da sociedade. Conforme Portelli

(1977), a veiculação de tal concepção de mundo – também extraída das exigências estruturais

e dos interesses das classes sociais subjacentes – é tarefa destinada aos intelectuais: devem

difundi-la enquanto concepção que norteia e impregna as relações e a vida social. A

designação de “construtores de ideologias”, também observada nas esquematizações de

Gramsci em referência direta a função difusora de concepções de mundo exercida pelos

intelectuais, somar-se-á ao status de “funcionários da superestrutura” na definição de seu

papel no interior do bloco histórico. “Construtores de ideologias” e “funcionários da

superestrutura” são, portanto, elementos constitutivos e constituintes da própria função

exercida pelos intelectuais orgânicos.

Considerando os conteúdos desenvolvidos, os intelectuais orgânicos da burguesia e do

proletariado, ao incorporar a designação de “funcionários da superestrutura” e “construtores

de ideologias”, encontram a possibilidade de expandir seus domínios de classe na difusão de

sua concepção de mundo sob os grupos sociais. Esta difusão, de acordo com Gramsci (2001),

só pode ter materialização real e objetiva na medida em que cada grupo social, “[...] nascendo

do terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si,

[...] uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência de sua

própria função [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 15). Isso significa dizer que quanto mais as classes

sociais estruturais forem capazes de elaborar especializações de suas atividades, tanto mais os

intelectuais orgânicos têm a possibilidade de expandir sua própria classe – burguesia ou

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35

proletariado – e imprimir sob elas suas concepções de mundo. O alargamento das bases de

solidificação da camada intelectual orgânica da burguesia e do proletariado está condicionado

pela personificação das ramificações das atividades dos grupos sociais essenciais ao nível

estrutural38

pelos próprios intelectuais orgânicos. Se assim se pudesse dizer, a elaboração de

camadas intelectuais microscópicas no interior da camada intelectual orgânica macroscópica é

condição para cimentar sua hegemonia no cerne da sociedade civil e política. Assim é que

[...] o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da

economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito.

[...] Pode-se observar que os intelectuais “orgânicos” que cada nova classe

cria consigo e elabora em seu desenvolvimento progressivo são, na maioria

dos casos, “especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do

tipo social novo que a nova classe deu à luz (GRAMSCI, 2001, p. 15-16).

Além da expansão do domínio de classe via personificação de especializações da

atividade primitiva do grupo social estrutural, Gramsci (2001) identifica a possibilidade da

assimilação de intelectuais tradicionais como mecanismo alternativo para ampliação da

concepção de mundo do grupo social que se tem a pretensão de difundir: quanto mais os

intelectuais orgânicos forem capazes de assimilar a camada tradicional, tanto maior será seu

monopólio intelectual. A conquista de intelectuais tradicionais pelos grupos intelectuais

orgânicos é condição evidenciada por Gramsci para a extensão de seu próprio domínio de

classe. Tal argumento sinaliza a assertiva gramsciana da necessidade de assimilação orgânico-

tradicional para a expansão da atuação dos intelectuais no bloco superestrutural.

Embora tais considerações se constituam enquanto elementos estratégicos para a

difusão da concepção de mundo de determinada classe social e, por conseguinte, contribuam

para a expansão do respectivo grupo social orgânico, a assimilação orgânico-tradicional não

se reduz apenas a única alternativa de conquista na relação entre intelectuais.

As classes sociais, dominadas ou subalternas [...] participam de uma

concepção de mundo que lhes é imposta pelas classes dominantes. E a

ideologia das classes dominantes corresponde à função histórica delas, e não

aos interesses e à função histórica – ainda inconsciente – das classes

subalternas (GRUPPI, 1978, p. 67-68).

Conforme Gramsci (2001), a concepção de mundo que a classe social dominante

imprime sob o conjunto do proletariado – que não é senão a sua própria – tem como

finalidade a conquista de aliados ao seu próprio projeto de classe. Ao conquistá-los por meio

do consentimento a determinada forma de organização da vida social e, por conseguinte,

38

“[...] o intelectual orgânico não é aquele que se justapõe a uma classe, a um grupo ou uma empresa; a empresa,

o grupo, a classe é que criam os seus intelectuais [...]” (SIMIONATTO, 2004, p. 59).

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36

através da adesão a determinada concepção de mundo, os intelectuais que compõe a camada

intelectual orgânica burguesa são – além de intelectuais oriundos do próprio grupo burguês –

intelectuais orgânicos que, em essência, não emergem do terreno dos interesses estruturais

burgueses: é composta, em sua maioria, por intelectuais orgânicos do proletariado. Embora as

origens estruturais de classe do grupo intelectual proletário reclamem por interesses distintos

daqueles típicos do espírito burguês, a assimilação de intelectuais do proletariado pela classe

burguesa torna-se possível na medida em que, segundo Portelli (1977), as origens estruturais

de classe ocupam posição secundária39

: o que prevalece no processo de importação de

intelectuais e inclusive o que o determina é o maior ou menor grau de consciência de classe40

do próprio intelectual. Por esse motivo, conforme Gramsci (2001), a adesão à determinada

concepção de mundo e, por conseguinte, a consciência de classe deriva diretamente do

controle exercido pela classe social hegemônica sob a sociedade civil. Ao conquistá-la através

do consenso, os intelectuais orgânicos operam os aparelhos privados de hegemonia e/ou

instituições superestruturais encarregadas de exercer, em diversos graus, a conformação dos

indivíduos àquela forma de organização social. É, pois, em seu interior que se processará –

além da assimilação orgânico-tradicional que Gramsci bem assinala – a assimilação orgânico-

orgânica de intelectuais enquanto mecanismo propulsor do grupo intelectual que se pretende

expandir.

Verifica-se, portanto, três mecanismos centrais que permitem levar a cabo o processo

de expansão e solidificação das camadas intelectuais orgânicas no interior do bloco histórico:

1) a organização interna dos grupos intelectuais através da predisposição das classes sociais

estruturais para se criar camadas especializadas de atividades no cerne do bloco intelectual. A

expansão dos intelectuais orgânicos via elaboração de camadas de atividades especializadas

produz imponentes massas, “[...] nem todas justificadas pelas necessidades sociais da

produção, ainda que justificadas pelas necessidades políticas do grupo fundamental

dominante” (GRAMSCI, 2001, p. 22); 2) a capacidade dos intelectuais orgânicos de assimilar

39

As origens estruturais de classe é o que, a priori, define a ‘natureza’ do intelectual: precisamente na dinâmica

capitalista, se pertencente à camada intelectual orgânica da burguesia ou do proletariado. Isso não significa dizer,

no entanto, que as origens estruturais de classe é a premissa determinante para agrupá-los – necessária e

precisamente – em torno destas duas camadas intelectuais: este “[...] vínculo orgânico depende [mais] da

estreiteza da relação entre o intelectual e a classe que ele representa [...]” (PORTELLI, 1977, p. 86), de tal modo

que é possível dizer que “[...] sua função predomina sobre sua origem social” (PORTELLI, 1977, p. 85, grifo do

autor). 40

Embora neste capítulo já se verifique um indicativo da relação entre intelectual e consciência de classe,

pretende-se abordar a questão de maneira mais profunda no último capítulo. Por ora, cabe destacar que se

entende por consciência de classe ter uma “[...] relação com a sociedade como totalidade” (LUKÁCS, 2012, p.

140, grifo do autor). Isto é: a função histórica conferida a uma classe social a partir de sua posição ocupada no

processo de produção, “Pois é somente nesta relação que se revela a consciência que os homens têm de sua

[verdadeira] existência, em todas as suas determinações essenciais” (LUKÁCS, 2012, p. 140).

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37

o grupo tradicional e; 3) a capacidade dos intelectuais orgânicos de assimilar o grupo

intelectual orgânico oposto. Trocando em miúdos: ao impulsionar a ampliação das camadas

intelectuais orgânicas – da burguesia e do proletariado –, tais mecanismos nada mais

representam que a disputa pela hegemonia no cerne do bloco histórico; a expansão do grupo

intelectual orgânico contribui, decisivamente, para a ocupação dos aparelhos privados de

hegemonia: este fato evidencia que a obtenção do consenso – e, por conseguinte, da

hegemonia – é operada em razão direta com as instituições superestruturais, dado que é

através de seus canais que “[...] a classe dominante constrói a própria influência ideal [e] a

própria capacidade de plasmar as consciências de toda a coletividade [...]” (GRUPPI, 1978, p.

68). Nesse sentido é que Gramsci (2001) identifica o partido político como uma das

instituições e/ou canais superestruturais que possibilitam, sob a atuação mediata dos

intelectuais, a elaboração da consciência de classe. Investigar seus elementos constitutivos

consiste, pois, em objetivo que se propõe o capítulo seguinte.

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38

3 O PARTIDO POLÍTICO NA TEORIA GRAMSCIANA

Abordar a questão do partido político na teoria gramsciana41

exige partir de um ponto

nevrálgico em suas formulações: Gramsci sinaliza – de início – a preocupação em discorrer

acerca do partido revolucionário; seu ponto de partida não é o “[...] fenômeno partidário em

geral [...]” (NERES, 2012, p. 34), mas antes as formas de organização concretas do partido do

proletariado. Evidenciar esta premissa é imprescindível para capturar o movimento exercido

em suas formulações: sob a égide da construção de um novo Estado, o moderno príncipe se

apresenta como síntese – atravessada por múltiplas determinações – da teoria do partido.

Capturá-la é, pois, movimento necessário para estabelecer uma conexão – ainda que mediante

breves considerações – com os inúmeros contributos presentes no universo da literatura

gramsciana.

3.1 A MASSA OPERÁRIA E A FUNDAÇÃO DO NOVO ESTADO

A partir de sua experiência real no Partido Socialista Italiano e, posteriormente, no

Partido Comunista Italiano, Gramsci (2004b) fornece elementos férteis para pensar a

discussão do partido político: para atingir seu objetivo, o partido deve opor-se a passividade

política e a mera contemplação das ações. Duas questões já se colocam nesta passagem: 1) a

necessidade de explicitar o objetivo do partido, isto é, o suposto para sua existência e; 2) as

condições que se devem processar para atingir esta finalidade.

Em relação à primeira questão, Gramsci (2004b) não é dúbio quando pretende

demarcar o objetivo do partido: precisamente o de fundar um novo Estado. Se no contexto

italiano – sobretudo sob a ordem do regime fascista –, o embate de classe entre burguesia e

proletariado se exprimia de maneira mais aberta e conflituosa, Gramsci certamente atribuía a

41

Seguindo os passos de Neres (2012), a discussão do partido político em Gramsci é perpassada pela suposta

existência de um crivo divisor entre os momentos pré-carcerário e carcerário. A presente pesquisa parte do

pressuposto de que esta suposta cisão é incapaz de expressar as determinações contidas nas próprias formulações

do autor sardo a respeito da teoria do partido político. Nesse sentido é que antes de se pretender iniciar uma

investigação sistemática acerca do conteúdo sinalizado é preciso ter em mente que a cisão entre o período pré-

carcerário e o carcerário, isto é, entre “[...] o Gramsci líder comunista e o Gramsci teórico da maturidade [...]”

(NERES, 2012, p. 62) nada mais representa do que a tentativa de instaurar – erroneamente – uma ruptura radical

de ideias, [...] reconhecendo a originalidade e a atualidade política do último [do Gramsci da maturidade], mas à

custa da desqualificação ou da suspeita lançada sobre o momento prático-político, sem se dar conta de que é

exatamente esse momento prático-político que fundamenta toda a reflexão posterior de Gramsci (NERES, 2012,

p. 62). Dessa maneira, apesar de se reconhecer a unidade entre escritos pré-carcerários e carcerários, a presente

pesquisa não se debruçará sob uma análise minuciosa acerca dos elementos que compõe, em particular, cada um

dos referidos momentos e seus pontos de confluência: buscando sintetizar a conformação final da teoria do

partido em Gramsci, expressa – sobretudo – pela figura do moderno príncipe, procura-se fornecer elementos para

subsidiar um lócus específico de atuação dos intelectuais orgânicos. A análise da evolução da teoria do partido

político na construção de Gramsci, embora importante e necessária, foge aos limites que se propõe o presente

trabalho.

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39

massa operária42

a missão histórica de assumir a vanguarda da revolução43

: o partido político,

neste sentido – por pressupor ação revolucionária –, só poderia ser o partido do proletariado44

;

sua finalidade não é senão contribuir para realizar a função histórica dos trabalhadores:

necessariamente a de combater a hegemonia da burguesia e a de construir um novo Estado.

Esta premissa continuará presente em todo horizonte de Gramsci, cuja conformação final

desembocará na síntese do moderno príncipe.

Como bem assinala Gramsci (2004a), a civilização gestada pela dinâmica do

capitalismo esconde, noutro polo, a existência de uma barbárie destrutiva: o trabalhador é

reduzido ao status de mercadoria, evidenciando condições de assalariamento “[...] piores do

que aquelas do escravo e do servo da gleba. Sua fome, seu desemprego, o perigo que corre de

morrer de inanição torna-se outras tantas cifras no jogo da concorrência capitalista [...]”

(GRAMSCI, 2004a, p. 237). Marx e Engels (1998b) já sinalizam estas constatações quando

identificam a condição do proletário como servo subjugado ao ritmo da máquina.

Reproduzindo às duras penas suas condições de existência, o proletariado – nada tendo a

perder – só pode atingir sua razão de ser na medida em que as garantias da propriedade

privada forem abolidas. A doutrina constitucional do partido político, conforme Gramsci

(2004b), consiste exatamente em realizar esta missão histórica: destruir a burguesia45

– e a

propriedade privada – e construir um novo Estado.

Em relação à segunda questão – depois de esclarecido o objetivo do partido –,

Gramsci (2004b) preocupa-se em explicitar acerca dos meios para a construção do novo

Estado: trata-se da necessidade de evidenciar as condições que possibilitam engendrar a

missão histórica da massa operária. Para o autor sardo, inferir por meio da ação prática e ativa

na realidade social é suposto para a atuação dos membros do partido político. Nesse sentido,

colocar em movimento meios que possam contribuir para a formação do novo Estado exige

42

A referência a massa operária é comumente utilizada ao longo dos Escritos Políticos Volume 2. Com isto,

Gramsci não pretende reduzir a luta do proletariado apenas aos estratos operários; ao contrário, por vivenciar

exatamente o período de unificação italiana, o autor sardo atribuía ao conjunto do proletariado – especificamente

na Itália, aos operários do Norte e aos camponeses do Sul – a tarefa de instaurar um “Estado operário e

camponês”. A designação “massa operária” se deu, neste momento, por sua aproximação com as grandes massas

operárias de Turim. Nesse sentido, embora ao longo do capítulo também se utilize do recurso à massa operária –

para ser fiel às palavras de Gramsci – pretende-se fazer referência ao conjunto da classe trabalhadora. 43

Ao tratar da revolução, Gramsci (2004a) referia-se precisamente a revolução proletária. Sua particularidade

reside no fato de consistir na maior das revoluções, “[...] já que pretende abolir a propriedade privada [...], bem

como as classes, ela envolve todos os homens e não só uma parte deles” (GRAMSCI, 2004a, p. 239). 44

O partido não é um “[...] ‘órgão’ da classe operária, que se constitui pela síntese de elementos heterogêneos. O

Partido, ao contrário, deve ser definido pondo-se em destaque, antes de mais nada, o fato de que ele é uma

‘parcela’ da classe operária” (GRAMSCI, 2004b, p. 345). 45

A burguesia “[...] é incapaz de garantir condições de existência e de desenvolvimento das classes subalternas

[...] o problema do pão, do teto, da luz, do vestuário, só pode ser resolvido quando todo o poder econômico e

político tiverem sido transferidos para a classe operária [...]” (GRAMSCI, 2004b, p. 39-40).

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40

do partido mecanismos que permitam ir da propaganda a ação, isto é, da contemplação teórica

para a ação prática e efetiva. Numa palavra: deve organizar as condições políticas46

nacionais

e internacionais para atingir seu objetivo. Tais condições políticas se processam e são medidas

pela capacidade do partido em difundir um amplo movimento de orientação e de educação

política da massa operária. Este movimento, ao permitir o esclarecimento da função histórica

do proletariado, deve contribuir para elaborar sua consciência de classe. É ela que,

[...] desde que começou a se formar nas grandes massas trabalhadoras, teve

sempre originalmente, como seu conteúdo, o desejo de uma libertação

completa das cadeias de escravidão econômica e civil que, na sociedade

capitalista, mantêm presos os que vivem do seu trabalho [...] (GRAMSCI,

2004b, p. 59).

Vê-se, pois, que consciência de classe e missão histórica do proletariado mantém

relação direta: tanto mais se torna estreita quanto mais o partido político for capaz de conjugar

homogeneidade ideológica47

. Segundo Gramsci (2004b), tal homogeneidade se expressa na

clareza dos pressupostos que norteiam a orientação de seus membros e sua ação prática: tendo

em vista que – no partido – apenas uma classe social é representada, é preciso formar massas

operárias dirigentes para permanecerem e se converterem no próprio partido. Ora, se o partido

opõe-se precisamente a passividade política, seus membros só poderiam ser representados por

ativos segmentos da massa operária. Conforme Gramsci (2011), três grupos elementares

compõe o partido: 1) o grupo dirigente ou direção, que corresponde ao “[...] elemento de

coesão principal [...]” (GRAMSCI, 2011, 317) e que representa o agrupamento legitimado

pelos demais membros do partido para personificar a concepção de mundo – e/ou concepção

política geral – orientadora de suas ações; 2) a massa de militantes, formada por “[...] homens

comuns, médios, cuja participação é dada pela disciplina e fidelidade [...]; consistem uma

força na medida em que existe quem os centraliza, organiza e disciplina; mas, na ausência

dessa forma de coesão, eles se dispersariam e se anulariam numa poeira [...]” (GRAMSCI,

2011, p. 316). Consiste, em geral, na maior parte dos membros do partido e; 3) o grupo

intermediário ou elemento médio, responsável por articular “[...] o primeiro com o segundo

elemento, que os ponha em contato não só ‘físico’, mas moral e intelectual” (GRAMSCI,

46

“[...] criar um aparelho de amplíssimo consenso popular para o advento de um governo revolucionário [...] dar-

lhe direção, [...] orientar a vanguarda da revolução popular de modo a infundir-lhe uma precisa consciência de

suas tarefas particulares, de suas específicas responsabilidades” (GRAMSCI, 2004b, p. 27). 47

Para Gramsci (2004b), a maior debilidade do partido consiste exatamente em não ter, bem difundida, uma

ideologia entre a massa operária e os membros do partido: para evitar se incorrer neste risco é preciso se iniciar

pelo “[...] estudo da doutrina da própria classe operária, que é a filosofia da classe operária, que é a sociologia da

classe operária, ou seja, do estudo do materialismo histórico, do estudo do marxismo” (GRAMSCI, 2004b, p.

234-235).

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41

2011, p. 317). É o grupo elementar que propicia a articulação orgânica entre direção e massa

de militantes.

Nesse sentido, o partido – através de seus membros – deve formar e dirigir48

os demais

membros da classe trabalhadora49

: por desempenharem atividade política ativa, devem – tanto

quanto forem capazes – atrair a massa operária e preparar condições para a insurreição da

revolução. Esta inferência permite sinalizar dois elementos intrínsecos nas formulações de

Gramsci (2004b): 1) O partido político, apesar de propiciar condições para a fundação do

novo Estado e possibilitar a realização da missão histórica do proletariado não supõe, por si

só, a revolução. A mera existência de um “[...] aparato de funcionários que fossem ortodoxos

em relação à concepção oficial [...]” (GRAMSCI, 2004b, p. 181) não garante e não estende as

bases para a eclosão da revolução. 2) A operacionalização e processamento para as condições

da revolução – propiciadas via partido – depende, em grande parte, da capacidade de contato

direto e de orientação política dos membros do partido junto a massa operária50

. A ideia de

revolução necessariamente colocada pela mera existência imediata do partido, não o concebeu

[...] como resultado de um processo dialético no qual convergem o

movimento espontâneo das massas revolucionárias e a vontade organizativa

e dirigente do centro [partidário], mas somente como algo solto no ar, que se

desenvolve em si e para si e que as massas atingirão quando a situação for

propícia e a crista da onda revolucionária chegar à sua máxima altura, ou

quando o centro do Partido considerar que deve iniciar uma ofensiva e

descer até a massa para estimulá-la e leva-la à ação (GRAMSCI, 2004b, p.

182).

No partido, também para Gramsci (2004b), sua condução não deve ser orientada pela

reivindicação de interesses particulares51

. Na medida em que a organização da massa operária

48

“O princípio de que o Partido dirige a classe operária não dever ser interpretado de modo mecânico. Não se

deve crer que o Partido possa dirigir a classe operária através de uma imposição autoritária vinda de fora; [...] a

capacidade de dirigir a classe decorre não do fato de que o Partido se ‘proclame’ o órgão revolucionário desta

classe, mas do fato de que ele ‘efetivamente’ se revele capaz – enquanto parte da classe operária – de se ligar a

todos os segmentos de tal classe e de imprimir à massa um movimento na direção desejada [...]” (GRAMSCI,

2004b, p. 356). 49

Com esta constatação, Gramsci (2004b) não pretende demarcar que entre membros do partido político e massa

operária exista uma cisão; ao contrário, os próprios membros do partido revolucionário – que tratará de

circunscrever o Estado operário e camponês – pertencem à classe trabalhadora, de tal modo que é possível

afirmar que o partido é sua parte orgânica. O que se pretende elucidar é que aos membros do partido se incube a

tarefa de atrair os demais membros da classe trabalhadora, influindo para que passem da condição política

inativa para ativa, isto é, que passem da neutralidade à ação prática posicionada. 50

Gramsci “[...] reconhece a importância ainda maior da intervenção subjetiva organizada – isto é, do partido

revolucionário – como um elemento fundamental no desencadeamento do processo revolucionário [...]”

(NERES, 2012, p. 95), dado que as condições para a revolução não seriam colocadas apenas pelo “[...] processos

objetivo de desenvolvimento do capitalismo [...]; [o partido não se volta] para sua própria organização [apenas] à

espera do momento da crise terminal do capitalismo [...]” (NERES, 2012, p. 94, grifo nosso). 51

“Um comerciante não ingressa num partido político para comerciar, nem um industrial para produzir mais e

com custos reduzidos, nem um camponês para aprender novos métodos de cultivar a terra, ainda que alguns

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pelos membros do partido se processe somente para atingir estas finalidades, o partido passa a

ser um “[...] clube de amigos cordiais que vivem se abraçando [...] e fazendo continuamente

declarações recíprocas de amor [...]” (GRAMSCI, 2004b, p. 223). Os interesses norteadores

da ação do partido devem ser, necessariamente, os de caráter históricos e/ou coletivos. É certo

que interesses imediatos52

podem ser empunhados e tidos como bandeiras de luta do próprio

partido: o que o imprime direção é, no entanto, a integração e a organização das vanguardas

proletárias53

com a finalidade de colocá-las nos trilhos da luta revolucionária.

Disso decorre a possibilidade de afirmar a dupla função exercida pelo partido: deve

trabalhar para que o “[...] proletariado adquira uma identidade política autônoma (consciência

socialista) e deve se apresentar diante do conjunto das classes trabalhadoras como o

depositário legítimo de suas aspirações emancipatórias, guiando-as no processo de insurreição

revolucionária” (NERES, 2012, p. 103). Numa palavra: a massa operária – guiada pelo

partido – deve se tornar a classe dirigente que aglutinará em tonar da luta anticapitalista os

demais segmentos explorados a fim de edificar o novo Estado.

3.2 O MODERNO PRÍNCIPE

Se a dupla função desempenhada pelo partido – 1) contribuir para a elaboração da

consciência socialista e 2) liderar o processo de revolução proletária na perspectiva de

construção do novo Estado – está no centro das formulações de Gramsci, suas sistematizações

atingem momento auge na conformação da teoria do partido enquanto síntese personificada

na figura do moderno príncipe. Numa clara alusão ao O Príncipe de Maquiavel, Gramsci

(2011) tece considerações que permitem extrair da obra Maquiavel subsídios para a

interpretação do partido político: o príncipe de Maquiavel representava o condottiero

(condutor) ideal e o símbolo da vontade coletiva; sua personificação era resignada a um

aspectos destas exigências do comerciante, do industrial, do camponês possam ser satisfeitos no partido político.

[...]. Para estas finalidades, dentro de certos limites, existe o sindicato profissional, no qual a atividade

econômico-corporativa do comerciante, do industrial, do camponês encontra seu quadro mais adequado. No

partido político, os elementos de um grupo social econômico superam este momento de seu desenvolvimento

histórico e se tornam agente de atividades gerais, de caráter nacional e internacional” (GRAMSCI, 2001, p. 25). 52

Exemplo emblemático é a luta pela redução da carga horária de trabalho e o aumento de salário. Os interesses

imediatos, apesar de não constituírem-se em finalidades centrais do partido, não deixam de se configurarem em

instrumentos de luta passíveis de aproximar seus membros dos próprios interesses históricos e/ou coletivos. 53

“A fábrica [...] organiza naturalmente os operários, agrupando-os, pondo-os em contato uns com os outros [...]

Portanto, o operário é naturalmente forte na fábrica; a fábrica o concentra e o organiza. Ao contrário, fora da

fábrica ele permanece isolado, disperso, frágil” (GRAMSCI, 2004b, p. 228). O partido político deve

proporcionar exatamente as condições para a organização da massa operária fora das fábricas; precisa fortalecê-

la, potencializá-la e esclarecê-la de sua missão histórica.

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indivíduo específico54

, donde se considerava não “[...] investigações e classificações [...] de

princípios e critérios de um método de ação, mas [...] qualidades, traços característicos,

deveres, necessidades de uma pessoa concreta [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 13) para a condução

ideal do Estado. Por esse motivo, o príncipe maquiaveliano personificava uma figura heroica

que conduziria e trabalharia junto ao “[...] povo disperso e pulverizado [...]” (GRAMSCI,

2011, p. 14) a fim de exprimir e estruturar a vontade coletiva: o príncipe não existia na

realidade concreta e histórica. Era uma figura sinalizada por Maquiavel, enquanto expressão

do condutor ideal e da vontade coletiva, para fundar o novo Estado: o caráter utópico do

príncipe reside precisamente nesta constatação. Em suas conclusões, no entanto, Gramsci

(2011) adverte que o próprio príncipe de Maquiavel acaba por se fazer povo55

, invocando aí

um príncipe – de fato – existente. É nesse sentido que, para Gramsci (2011), da obra

maquiaveliana se pode extrair elementos férteis para conformar a teoria do partido: na medida

em que não é puro raciocínio doutrinário e abstrato, o príncipe se faz concreto e objetivo.

O moderno príncipe, o mito-príncipe não pode ser uma pessoa real, um

indivíduo concreto [como em Maquiavel], [em Gramsci, ele] só pode ser um

organismo; um elemento complexo da sociedade no qual já tenha tido início

a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e afirmada

parcialmente na ação. Este organismo já está dado pelo desenvolvimento

histórico e é o partido político, a primeira célula na qual se sintetizam

germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais

(GRAMSCI, 2011, p. 16).

O moderno príncipe – partido político revolucionário –, segundo Gramsci (2011), está

parametrado pela congruência de dois pontos fundamentais para a construção do novo Estado:

1) a vontade coletiva nacional-popular e; 2) a reforma intelectual e moral. É através da

conjugação de tais elementos que a dupla função exercida pelo partido pode ser sintetizada56

:

analisá-las é imprescindível para evidenciar sua relação intrínseca e dialética.

Ao moderno príncipe, organizar a vontade coletiva nacional-popular nada mais

representa do que fazer exprimir “[...] a vontade como consciência operosa da necessidade

histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo” (GRAMSCI, 2011, p. 17,

grifo nosso). Sua elaboração, conforme Coutinho (2011a), presume de uma fase ativa e

54

Em sua época, “[...] Maquiavel só pode se dirigir a um ator individual, a um condottiere de virtù que deve

conquistar o poder a título individual [...]” (NERES, 2012, p. 154, grifos do autor). 55

“Por meio da paixão, Maquiavel expõe os principais anseios do ‘povo’ – que buscava um príncipe para

encarná-los. E é justamente por seu caráter apaixonado e voltado a ação que o Príncipe pode ser entendido como

um ‘manifesto político’ [...] Ele representa os anseios de um homem de ação, de quem quer induzir os indivíduos

ao movimento real da vida” (REIS, 2012, p. 90, grifo do autor). 56

A dupla função do partido outrora sinalizada – trabalhar para que o proletariado elabore a consciência

socialista e guiá-lo no processo de luta revolucionária – é sintetizada pelo moderno príncipe na forma da vontade

coletiva nacional-popular e da reforma intelectual e moral.

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construtiva, exigindo do partido o momento da direção consciente para a organização política

do movimento espontâneo57

das massas. Esta direção – propiciada pelo partido – deve

contribuir para a edificação de uma vontade “[...] que se realiza na medida em que

corresponde às necessidades objetivas históricas [...]” (GRAMSCI, 1999, p. 202). Como bem

assinala Neres (2012), esta constatação evidencia que a formação da vontade coletiva

nacional-popular não se dá num vazio histórico, mas antes é constituída a partir de uma dupla

determinação.

[...] ela é o resultado da articulação dialética entre condições objetivas [...] e

subjetivas: as primeiras são ditadas pelo estágio de desenvolvimento das

forças produtivas da sociedade, que faz o antagonismo latente presente na

estrutura aflorar à consciência das classes sociais na forma de ideologias, ao

passo que as segundas são dadas pelo grau de coesão e homogeneidade

alcançado pelas forças políticas organizadas que disputam a direção política

e cultural na sociedade, fazendo que algumas ideologias, mesmo que

vinculadas originalmente a grupos sociais específicos, sejam difundidas

como representativas dos interesses “universais” da sociedade (NERES,

2012, p. 157, grifos nossos).

De acordo com Neres (2012), a construção e a organização da vontade coletiva

nacional-popular, ao se estruturar a partir de condições objetivas e subjetivas58

, tem a

possibilidade de afirmar determinada classe social na sociedade na perspectiva de que

construa um novo bloco histórico. Ora, se a vontade coletiva deve organizar exatamente a

consciência operosa da necessidade histórica, a instauração de um novo bloco histórico –

livre das amarras da dinâmica capitalista – não é senão a expressão da realização daquela

necessidade histórica do proletariado e sua possibilidade de colocar-se enquanto sujeito

histórico. Numa palavra: enquanto consciência operosa da necessidade histórica, a vontade

coletiva nacional-popular só pode se estruturar a partir do “[...] desenvolvimento de um

57

De acordo com Gramsci (2011), o elemento de espontaneidade das massas não pode ser, em seu todo,

desprezado. Apesar de ser “[...] característico da ‘história das classes subalternas’, aliás, dos elementos mais

marginais e periféricos destas classes [...] que, por isto, sequer suspeitam que sua história possa ter alguma

importância e que tenha algum valor [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 194), o movimento espontâneo das massas deve

antes ser “[...] educado, orientado, purificado de tudo de estranho que poderia afetá-lo, para torná-lo homogêneo

em relação à teoria moderna, mas de modo vivo, historicamente eficiente [...] Esta unidade de ‘espontaneidade’ e

‘direção consciente’, ou seja, de ‘disciplina’, é exatamente a ação política real das classes subalternas como

política de massas e não simples aventura de grupos que invocam as massas” (GRAMSCI, 2011, p. 196, grifo do

autor). Ora, direção consciente não presume senão aquela orientação e educação política das massas tanto

demarcada por Gramsci na ação do partido. 58

Utilizando-se do exemplo emblemático de Gramsci acerca do jacobinismo (grupo político atuante durante a

Revolução Francesa, caracterizado por posicionamentos revolucionários), Neres (2012) evidencia que sem a

conjugação de condições objetivas e subjetivas a Revolução Francesa de 1789 não teria eclodido: “De tal modo

foi a confluência entre fatores objetivos (acirramento das contradições sociais) e fatores subjetivos (a ‘reforma

intelectual e moral’ representada pela difusão das ideias iluministas) que permitiu que os antagonismos latentes

na infraestrutura pudessem se expressar no âmbito da luta política e ideológica, criando uma forte ‘vontade

coletiva’ em torno do projeto jacobino, assegurando as condições para a construção das bases do Estado

moderno” (NERES, 2012, p. 157-158).

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consenso tácito compartilhado, se não pela totalidade da população [...], pelo menos pela sua

maioria, da necessidade de transformação da ordem social e política estabelecida” (NERES,

2012, p. 157, grifo nosso). Esta constatação permite evidenciar que, segundo Simionatto

(1998), a própria vontade coletiva nacional-popular é atravessada pela direção política – e,

portanto, pelo momento catártico59

–, dado que se ocupa em organizar os interesses coletivos

e universais – isto é, os de necessidades históricas – do proletariado em detrimento dos de

caráter particularistas60

.

Ao manter relação direta com a vontade coletiva nacional-popular, a reforma

intelectual e moral também adquire centralidade explícita nas formulações do moderno

príncipe. Conforme Simionatto (1998), se a vontade coletiva nacional-popular se relaciona de

maneira imbricada à direção política na perspectiva de organizar a consciência operosa da

necessidade histórica a partir de interesses coletivos e universais, a reforma intelectual e

moral se articula – na mesma proporção – à esfera da cultura. Com efeito, esta constatação

indica que “[...] o ‘moderno Príncipe’ deve conciliar direção política e direção cultural”

(NERES, 2012, p. 161).

Ou seja, entre a “reforma intelectual e moral” e a formação da “vontade

coletiva” não existe propriamente uma relação de causa e efeito, no sentido

de que uma precede cronologicamente a outra, mas sim uma conexão de

congruência [...], na qual a primeira fornece os elementos ideológicos e

culturais que permitem a conformação objetiva da segunda (NERES, 2012,

p. 160).

É nesse sentido que, conforme Gramsci (2011), a reforma intelectual e moral

propiciada pelo moderno príncipe deve preparar o terreno para a formação da vontade coletiva

nacional-popular: o partido é ao mesmo tempo seu “[...] organizador e a [sua] expressão ativa

e atuante [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 18). De acordo com Simionatto (1998), a reforma

intelectual e moral contém implícita a premissa de que a conquista pela direção da sociedade

também se opera pelo campo das ideias e da cultura61

. Ora, a conquista pela direção sociedade

nada mais representa do que a luta pela conquista da hegemonia. O moderno príncipe, ao se

inscrever nesta disputa – procurando criar condições para guiar a classe trabalhadora rumo à 59

A catarse expressa “[...] o momento em que a esfera egoístico-passional, a esfera dos interesses corporativos e

particulares, eleva-se ao ético-político, ao nível da consciência universal [...] Para se chegar a esse momento, é

preciso vencer o corporativismo, a visão particularista e restrita [...] Somente elevando-se ao plano ético-político

as classes sociais conseguirão imprimir à própria ação caracteres socialmente universais e qualitativamente

integrais” (SIMIONATTO, 1998, p. 44). 60

A vontade coletiva nacional-popular deve contribuir para a formação “[...] de um grau de consciência capaz de

permitir uma iniciativa política que englobe a totalidade dos estratos sociais de uma nação [...] O partido, assim,

aparece como uma objetivação fundamental do que Gramsci chama de ‘momento catártico’ [...]” (COUTINHO,

1992, p. 104). 61

Ver nota 24.

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fundação de um novo Estado – não deve travá-la apenas no plano objetivo, isto é, “[...] das

instâncias econômica e política (relações materiais de produção e poder estatal), mas também

na esfera da cultura” (SIMIONATTO, 1998, p. 50) e/ou, se assim se quer dizer, no plano

subjetivo62

. Nele, segundo Coutinho (1992), o desenvolvimento de uma nova cultura63

que

possibilite despir-se da influência das classes dominantes – isto é, da hegemonia burguesa –

instaura a possibilidade das classes dominadas se elevar a condição de classes dirigentes. A

elevação cultural das massas se coloca, pois, como mecanismo indispensável para possibilitar

a construção de uma consciência de classe livre das amarras da ideologia das classes

dominantes: é exatamente nesta elevação cultural das massas que a reforma intelectual e

moral encontra os pressupostos para sua materialização. Ao atuar na elevação da consciência

de classe do proletariado com a finalidade de apresentar-lhe a revolução proletária enquanto

necessidade histórica, a reforma intelectual e moral não se coloca de maneira abstrata e

idealista: para Gramsci (2011) – inclusive – ela deve preceder de uma reforma econômica;

“[...] mais precisamente, o programa de reforma econômica é exatamente o modo concreto

através do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral” (GRAMSCI, 2011, p. 19). Isso

significa dizer que a reforma intelectual e moral se concatena diretamente à reforma

econômica: a radicalização e a transformação da estrutura material se apresentam como

suposto da própria elevação cultural das massas.

Ao simbolizar a dupla tarefa exercida pelo partido, vontade coletiva nacional-popular

e reforma intelectual e moral evidenciam a preocupação do moderno príncipe em tratar de

questões relativas à grande política em detrimento da pequena política. Expliquemo-nos: na

medida em que para Gramsci (2011), a grande política compreende “[...] questões ligadas à

fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de

determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais” (GRASMCI, 2011, p. 21) e a pequena

política “[...] questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já

estabelecida [...]”, o partido só poderia se ocupar da grande política, dado que seu horizonte é

dirigir a classe trabalhadora para a supressão da sociedade de classes. Certamente a pequena

política não oferece subsídios necessários para promover a transformação e a ruptura radical 62

“Vencer as forças sociais que se colocam no cenário da história implica, portanto, uma compreensão de que,

nesse processo, não se pode levar em conta somente a situação objetiva, mas ainda os elementos subjetivos

norteadores de uma consciência de classe crítica e uma independência em relação às outras classes. Cultura e

política aparecem aqui como questões inseparáveis, pois cultura é, para Gramsci, um dos instrumentos da práxis

política, sendo esta, justamente, a via que pode propiciar às massas uma consciência criadora de história, de

instituições, fundadora de novos Estados” (SIMIONATTO, 1998, p. 47). 63

“Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‘originais’; significa também,

e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ‘socializá-las’ por assim dizer; transformá-las,

portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral” (GRAMSCI,

1978, p. 13, grifos nossos).

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com ordem social burguesa; quando pode, reformas nas relações sociais capitalistas a fim de

garantir sua própria manutenção é seu resultado mais imediato. Não é por acaso que “[...] é

grande política tentar excluir [a todo custo] a grande política do âmbito interno da vida estatal

e reduzir tudo a pequena política” (GRAMSCI, 2011, p. 21, grifos nossos).

Nesse sentido, se a fundação do novo Estado sintetiza o objetivo norteador das ações

do moderno príncipe – donde a vontade coletiva nacional-popular e a reforma intelectual e

moral se apresentam, ao mesmo tempo, enquanto sua dupla determinação –, a necessidade de

lançar mão de estratégias e táticas64

para edificá-lo remetem, precisamente, aos conceitos de

“guerra de movimento” e de “guerra de posição”. Gramsci (2011) se utiliza destes termos a

fim transmutar os conteúdos do campo estritamente militar para o da arte política: afirmar esta

constatação implica, no entanto, tomar precauções para não se incorrer na equivocada tese de

indiferenciação entre luta militar e arte política65

. Para o próprio autor sardo, esta equiparação

deve servir “[...] apenas como estímulos ao pensamento [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 122).

Decorridas questões de ordem explicativas, indicar a significação dos conceitos

“guerra de movimento” e “guerra de posição” implica levar em conta a teoria do Estado

“ampliado”. Para Gramsci (2011), a “guerra de movimento” ou “ataque frontal” corresponde

à luta pela conquista da hegemonia a partir do combate violento e explosivo: o ataque físico

se colocava como estratégia imediata para conquista da sociedade política naquelas formas de

sociedades em que o Estado coerção se apresentava de forma predominante. Conforme analisa

Coutinho (1994), para Gramsci a “guerra de movimento” deveria ser adotada naquelas

formações sociais cuja sociedade política aglutinava, em torno de si, a esfera ideológica e cuja

sociedade civil se mantinha endereçada a primeira e/ou pouco desenvolvida. Estas formações

sociais são típicas das sociedades orientais66

: “No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil

64

“[...] a estratégia indica o planejamento e a preparação político-militar de longo alcance, visando alcançar o

objetivo político final, ao passo que a tática, que comporta objetivos mais limitados no tempo e no espaço, indica

o movimento localizado, realizado em função de se alcançarem metas políticas intermediárias. A estratégia

forneceria o plano geral de ação e a tática conformaria os momentos parciais da ação. Em resumo, a estratégia

comporta o uso de diferentes táticas, subordinando-as à realização do objetivo final [(estratégia)] [...]” (NERES,

2012, p. 190, grifos nossos). 65

“Na guerra militar, [...] para que a guerra termine, basta que o objetivo estratégico seja alcançado apenas

potencialmente: ou seja, basta que não haja dúvida de que um exército não pode mais lutar e de que o exército

vitorioso ‘pode’ ocupar o território inimigo. A luta política é muitíssimo mais complexa: [...] quando o exército

vitorioso ocupa ou se propõe ocupar permanentemente todo ou uma parte do território conquistado [...] o

exército vencido é desarmado e dispersado, mas a luta continua no terreno político e da ‘preparação’ militar”

(GRAMSCI, 2011, p. 124). 66

“[...] foi esse [em particular] o caso específico da Rússia czarista” (COUTINHO, 1994, p. 57). A “[...] vigência

do ‘Estado Ampliado’ no Ocidente, com a instauração do domínio da burguesia, [no entanto] impõe também a

renovação da estratégia revolucionária [...] Ao contrário do que sucedeu na Rússia, onde o ‘ataque frontal’

desferido pelos bolcheviques levou rapidamente à conquista do aparelho de Estado [...], as diversas tentativas de

aplicar esse modelo de insurreição na Europa ocidental e central redundaram em fracasso” (NERES, 2012, p.

182). Esse motivo levou Gramsci, em especial, nos Cadernos do Cárcere, a reformular a estratégia de conquista

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era primitiva e gelatinosa [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 262). Por outro lado, naquelas

sociedades – especificamente ocidentais67

– em que se verifica uma relação de equilíbrio entre

sociedade política e sociedade civil – colocadas pelo próprio desenvolvimento das formações

sociais capitalistas –, a luta pela conquista da hegemonia deveria ser travada antes na esfera

da sociedade civil, isto é, no campo minado dos aparelhos privados de hegemonia. Este feito

justificava-se pelo Ocidente circunscrever “[...] entre o Estado e a sociedade civil uma justa

relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da

sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma

robusta cadeia de fortalezas e casamatas [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 262). É neste contexto

que Gramsci (2011), demarca a necessidade do moderno príncipe de substituir a “guerra de

movimento” por “guerra de posição”, dado que a sociedade ocidental exigia a refundação da

estratégia revolucionária para a conquista da hegemonia, devido ao próprio tipo de

desenvolvimento da formação social capitalista, donde a sociedade civil se edificava de

maneira mais efetiva e fortificada68

. Ora, se as sociedades ocidentais demarcaram o

desenvolvimento concreto da sociedade civil, a substituição da “guerra de movimento” por

“guerra de posição” implicava na necessidade do partido revolucionário adquirir – antes da

conquista da sociedade política ou Estado (coerção) – o consenso das classes subalternas,

tendo bem difundido entre as instituições da sociedade civil, a necessidade de realização da

função histórica do proletariado69

. Numa palavra: o moderno príncipe deveria exercer o

domínio prévio sob os aparelhos privados de hegemonia antes do domínio efetivo do Estado

(coerção)70

. A conquista da hegemonia civil não é senão condição para a própria conquista da

sociedade política: a primeira estende o terreno fértil para o assalto da segunda.

do Estado a partir da especificidade do ocidente, levando em conta a “ampliação” do fenômeno estatal: é

precisamente esta estratégia de que se valerá o moderno príncipe para a fundação do novo Estado. 67

“Antes de mais nada, cabe dissipar um possível mal-entendido: a ‘ocidentalidade’ de uma formação social não

é, para Gramsci, um fato puramente geográfico, mas sobretudo um fato histórico. Ou seja: Gramsci não se limita

a registrar a presença sincrônica de formações de tipo ‘oriental’ e ‘ocidental’, mas indica também os processos

histórico-sociais, diacrônicos, que levam uma formação social a se ‘ocidentalizar’” (COUTINHO, 1992, p. 89,

grifo do autor). 68

“Uma sociedade civil mais densa e complexa pode ser coetânea de um processo de expansão da ‘socialização

da participação política’, mas uma sociedade burguesa mais densa e complexa pode, também, significar (e

frequentemente significa) uma expansão dos aparelhos privados de controle e participação das classes

subalternas. [...] A noção de Ocidente utilizada nos Quaderni não indicava, desse modo, um modelo, um

programa ou um ideal. Ela apenas tinha a finalidade de expressar uma situação histórico-política: a existência de

uma sociedade civil mais densa e, contraditoriamente, de maiores obstáculos à revolução socialista” (BIANCHI,

2008, p. 215-216, grifos nossos): ora, a existência de uma robusta sociedade civil burguesa também significava a

existência de robustos aparelhos privados de hegemonia aptos a difundir as concepções de mundo burguesas. 69

“[...] a ideia [é] de que a conquista do poder de Estado, nas sociedades complexas do capitalismo recente, deve

ser precedida por uma longa batalha pela hegemonia e pelo consenso no interior e através da sociedade civil, ou

seja, no interior do próprio Estado em seu sentido amplo” (COUTINHO, 1992, p. 81, grifos do autor). 70

Por esse motivo Gramsci propõe a necessidade da passagem da fórmula da “revolução permanente” –

elaborada, a priori, por Marx e Engels e, posteriormente, desenvolvida por Trotsky – para a fórmula da

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Seguindo os passos de Bianchi (2008), a necessidade de substituição da “guerra de

movimento” por “guerra de posição” não significa, no entanto, a eliminação da primeira em

detrimento da segunda. Ambas se configuram em momentos complementares, cuja “guerra de

movimento” consiste antes na tática a ser incorporada pela “guerra de posição” (estratégia).

Esta configuração – disposta em estratégia e tática adotada – não se configura numa escolha

do moderno príncipe baseada na vontade do partido71

. Como bem alerta Neres (2012), são as

próprias condições objetivas delineadas pelo desenvolvimento das formações sociais

capitalistas que impõe a estratégia adotada: se a dinâmica da sociedade burguesa se

complexificou ao longo de seu desenvolvimento – resultando na estruturação robusta da

sociedade civil –, é certo que a “guerra de posição” e a “guerra de movimento” deverão tender

a se findar no âmbito – respectivamente – estratégico e tático do moderno príncipe. Nesse

sentido, por meio da “guerra de posição” se conquistaria “[...] a construção dos novos

institutos da democracia proletária no campo da produção, da cultura, etc., até a conformação

definitiva de uma autêntica ‘sociedade civil’ proletária nos interstícios do ‘Estado ampliado’

burguês” (NERES, 2012, p. 195). Edificada a hegemonia civil proletária nos marcos do

Estado burguês, a “guerra de posição” só poderia ser transmutada para a “guerra de

movimento”: por meio do ataque frontal restava apenas a tomada da sociedade política ou do

Estado (coerção)72

. Conforme Bianchi (2008), a transição para a sociedade regulada –

comunista – deveria se processar na medida em que, vencida a “guerra de posição” – isto é,

conquistada a hegemonia civil –, haveria de se utilizar da coerção apenas contra os segmentos

contrarrevolucionários ainda resistentes. A luta contra a sociedade política e/ou contra os

aparelhos coercitivos de Estado das classes dominantes deveria permanecer até se atingir o

momento de sua completa desintegração73

: Gramsci (2011) assinala – inclusive – que após

“hegemonia civil”. A revolução permanente de Trotsky ainda permanecia aguerrida a necessidade da “guerra de

movimento” como estratégia privilegiada para a instauração da sociedade socialista. Para Gramsci, no entanto, a

conquista da hegemonia no âmbito da sociedade civil é condição precedente à conquista da sociedade política:

para o autor sardo, a revolução permanente só poderia ser “[...] própria de um período histórico em que não

existiam ainda os grandes partidos políticos de massa e os grandes sindicatos econômicos, e a sociedade ainda

estava sob muitos aspectos, por assim dizer, no estado de fluidez [...]” (GRAMSCI, 2011, p. 24). Conforme

Bianchi (2008), o processo de estruturação efetiva da sociedade civil foi o que permitiu Gramsci, em sua época,

identificar a fórmula da “hegemonia civil” como fórmula atual da “revolução permanente”: a unidade entre

“guerra de movimento” e “guerra de posição” era condição para a conquista da hegemonia e instauração de um

novo Estado em detrimento do puro momento de ataque frontal (“guerra de movimento”). 71

“A verdade é que não se pode escolher a forma de guerra que se quer, a menos que se tenha imediatamente

uma superioridade esmagadora sobre o inimigo; sabe-se quantas perdas custou a obstinação dos Estados-Maiores

em não querer reconhecer que a guerra de posição era ‘imposta’ pela relação geral das forças em choque”

(GRAMSCI, 2011, p. 72). 72

“[...] é possível afirmar que a guerra de movimento predomina na luta contra a sociedade política e a guerra de

posição afirma sua supremacia na luta na sociedade civil” (BIANCHI, 2008, p. 209, grifos do autor). 73

Gramsci (2011) reconhece que, em alguns países, a existência de um Estado (coerção) e/ou sociedade política

para a transição ao comunismo se faz necessária: “Para alguns grupos sociais que, antes da elevação à vida

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este período, a sociedade política tenderia a ser absorvida pela sociedade civil; donde “[...] o

Estado-coerção [entraria] em processo de esgotamento à medida que se afirmam elementos

cada vez mais conspícuos de sociedade regulada” (GRAMSCI, 2011, p. 244). A sociedade

regulada deveria, porquanto, continuar afirmando, por meio dos aparelhos privados de

hegemonia, a manutenção do consenso na sociedade civil ao mesmo tempo em que trataria de

absorver gradativamente a sociedade política. Numa palavra: Em Gramsci, reside a ideia de

que “[...] aquilo que se extingue são os mecanismos do Estado-coerção, da sociedade política,

conservando-se, entretanto, os organismos da sociedade civil, que se convertem nos

portadores materiais do ‘autogoverno dos produtores associados’” (COUTINHO, 1992, p.

85), isto é, da sociedade regulada.

Vontade coletiva nacional-popular, reforma intelectual e moral, “guerra de posição” e

“guerra de movimento” prescrevem, pois, importantes mecanismos para a apropriação – ainda

que sucinta – da conformação do moderno príncipe em Gramsci. Para o autor sardo (2011), o

partido político é uma nomenclatura de classe, cujo fundamento se encontra na capacidade de

interagir e desenvolver as classes subalternas por meio da ação prática – guiando-as para a

insurreição da revolução. Exatamente por não se constituir na totalidade da classe

trabalhadora, o partido representa apenas uma parcela do proletariado: ora, se seu objetivo é a

fundação do novo Estado na perspectiva da supressão da sociedade de classes – realizando a

missão histórica do proletariado –, “[...] sua perfeição e seu acabamento consistem em não

existir mais, porque já não existem classes e, portanto, suas expressões” (GRAMSCI, 2011, p.

316). Por esse motivo, em Gramsci (2004b), somente quando o partido tomar a forma de toda

a população é que terá desaparecido: tal desaparecimento decorre precisamente do alcance do

comunismo.

Analisar o partido em sua fase de desaparecimento, isto é, no processo de instauração

concreto da sociedade regulada – comunista – implica lançar luz sob uma condição

fundamental para este processamento, qual seja: a elaboração da consciência de classe do

proletariado enquanto mecanismo viabilizado pelo partido sob a atuação mediata dos

intelectuais orgânicos. Ora, na condução do processo de supressão da sociedade de classes via

estatal autônoma, não tiveram um longo período de desenvolvimento cultural e moral próprio e independente

(como na sociedade medieval e nos governos absolutistas [...]) um período de estatolatria [Estado-coerção] é

necessário e até oportuno: esta ‘estatolatria’ é apenas a forma normal de ‘vida estatal’, de iniciação, pelo menos,

à vida estatal autônoma e à criação de uma ‘sociedade civil’ que não foi possível historicamente criar antes da

elevação à vida estatal independente. Todavia, tal ‘estatolatria’ não deve ser abandonada a si mesma, não deve,

especialmente, tornar-se fanatismo teórico e ser concebida como ‘perpétua’ [...]” (GRAMSCI, 2011, 279-280):

deve permitir o fortalecimento da sociedade civil até se atingir o momento de este poder absorver a própria

sociedade política. Numa palavra: “[...] se a sociedade civil é fraca antes da tomada do poder, a tarefa do Estado

socialista é fortalecê-la depois, como condição para sua própria extinção enquanto Estado, para sua reabsorção

pelos organismos autogeridos da sociedade civil” (COUTINHO, 1992, p. 85, grifos do autor).

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partido político – da qual a apropriação da consciência de classe pelo proletariado é seu

suposto patente – os “funcionários da superestrutura” e os “construtores de ideologias”

adquirem centralidade imanente. Analisar esta inferência é proposta que adquire

materialização no capítulo seguinte.

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52

4 A CONSCIÊNCIA DE CLASSE NA CONFLUÊNCIA ENTRE INTELECTUAL

ORGÂNICO E PARTIDO POLÍTICO: APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS

Antes de se pretender iniciar uma análise acerca da consciência de classe a partir da

simbiose intelectual orgânico e partido político, é preciso estabelecer aproximações

confluentes entre tais categorias: situá-las em sua íntima relação é condição para fazer

exprimir o objetivo que se pretende alcançar no presente capítulo.

4.1 O INTELECTUAL ORGÂNICO E O PARTIDO POLÍTICO

Ao deslindar acerca da função desempenhada pelos intelectuais orgânicos e pelo

partido político, Gramsci (2001) assemelha em muitos aspectos as referidas funções: pela

capacidade dirigente e organizativa dos intelectuais, sua função consiste essencialmente em

dirigir política e culturalmente o conjunto de homens da sociedade; o partido, aproximando-se

precisamente desta capacidade dirigente, deve propiciar condições para guiar e/ou dirigir a

classe trabalhadora em direção à fundação do novo Estado – mais exatamente, materializado

na instauração da sociedade regulada. Ora, ambas as funções – tanto desempenhada pelos

intelectuais orgânicos, quanto pelo partido – evidenciam a capacidade de aglutinar, em torno

de concepções de mundo e de interesses de classes, os grupos sociais que permeiam a

dinâmica do bloco histórico: “[...] constituir-se como classe hegemônica [não] significa

[senão] construir e organizar interesses comuns [...]” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.

48). É certo que no caso dos intelectuais a disseminação das concepções de mundo e de

interesses de classe está associado, direta e verticalmente, a classe social que organicamente

estão vinculados: se o intelectual exerce a função dirigente e organizativa com vista a colocar

em movimento interesses de classe do proletariado, sua atividade prática se voltará para a

necessidade de realizar a missão histórica do proletariado. Esta afirmação permite, de

imediato, identificar uma relação confluente entre a função exercida pelos intelectuais

orgânicos do proletariado e pelo partido político. Se a função do partido revolucionário em

Gramsci (2011) é exatamente dirigir a classe trabalhadora para a insurreição da revolução

proletária, a capacidade dirigente e organizativa é suposto para que os membros do partido

atinjam esta finalidade: recorde-se que esta mesma capacidade dirigente e organizativa é

também condição para o exercício da função intelectual. “A convergência entre atividade

intelectual e atividade organizativa remete à identificação da função do intelectual com a de

função de membro do partido político. Isso porque, no pensamento gramsciano, essas funções

são análogas [e imbricadas]” (SIMIONATTO, 2004, p. 62).

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Os intelectuais orgânicos e o partido político, ao difundirem concepções de mundo e

interesses de classe sob os grupos sociais que compõe a dinâmica da sociedade de classes,

conduzem política e culturalmente seu conjunto de homens. Isto decorre do feito de, segundo

Gramsci (2001), a confluência destas atividades e/ou funções exigem atribuições que se

inscrevam no campo educativo e organizativo. É a capacidade de dirigir e educar

permanentemente as massas que determina o suposto para o exercício da função intelectual e

dos membros do partido. Por esse motivo, poder-se-ia dizer que Gramsci praticamente funde

e/ou cimenta a relação que se estabelece entre ambas às funções:

Que todos os membros de um partido político devam ser considerados como

intelectuais é uma afirmação que pode se prestar à ironia e à caricatura;

contudo, se refletirmos bem, nada é mais exato. Será preciso fazer uma

distinção de graus; um partido poderá ter uma maior ou menor composição

do grau mais alto ou do mais baixo, mas não é isto que importa: importa a

função, que é diretiva e organizativa, isto é, educativa, isto é, intelectual

(GRAMSCI, 2001, p. 25, grifos nossos).

Vê-se, pois, que para Gramsci (2001), todos os membros do partido são intelectuais74

:

suas funções assemelham-se na medida em que desempenham a mesma atividade dirigente.

Por esse motivo, a primeira premissa que se pode estabelecer no cerne da atividade confluente

entre intelectual orgânico e partido político é a aproximação de suas funções dirigentes e

organizativas, capazes de educar e governar as massas: “Partido e intelectual estão de tal

modo interligados que não se pode pensar em um sem atingir dialeticamente o outro” (JESUS,

1989, p. 76, grifos do autor).

Gramsci (2001) demarca, inclusive, que o exercício da função intelectual tem como

suposto a “[...] inserção ativa na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor

permanente’ [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 53): da mesma maneira, o partido exige atividade

prática contraposta a passividade contemplativa. O concatenamento de suas funções evidencia

que as atividades desempenhadas pelos intelectuais e pelo partido não são determinadas pela

capacidade técnica e “especialista” de seus membros, decorrentes do “[...] espírito matemático

abstrato; da técnica-trabalho [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 53); mas antes é a capacidade

dirigente e organizativa que se encontra na determinação da inserção do homem na vida ativa,

“[...] sem a qual permanece ‘especialista’ e não se torna ‘dirigente’ (especialista + político)”

(GRAMSCI, 2001, p. 53). É nesse sentido que, Togliatti apud Coutinho (1992), designa o

74

Se em Gramsci (2001), afirmar a assertiva de que todos os membros do partido são intelectuais – pela

equivalência de suas atividades dirigentes –, circunscrever que todos os intelectuais são membros do partido é

premissa que certamente não se pode findar sem se incorrer – nas próprias palavras de Gramsci – na ironia e na

caricatura. Trocando em miúdos: todos os membros do partido são intelectuais, mas nem todos os intelectuais

são membros do partido.

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54

partido revolucionário em Gramsci de “intelectual coletivo”, dado que reúne funções

semelhantes às desempenhadas pelos intelectuais orgânicos: mais exatamente, aquelas da

fórmula “especialista + político”. Tanto mais correta é esta afirmação, quanto mais se verifica

a capacidade do partido de elaborar seus próprios quadros, isto é,

[...] de elaborar os próprios componentes, elementos de um grupo social

nascido e desenvolvido como “econômico”, até transformá-los em

intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as

atividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma

sociedade integral, civil e política [...] o partido político é nada mais do que

o modo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos [...]

diretamente no campo político e filosófico, e não no campo da técnica

produtiva (GRAMSCI, 2001, p. 24).

Se é certo que a relação imbricada entre intelectual orgânico e partido político se

exprime pelo ponto de congruência estabelecido por suas funções dirigentes e educativas de

massa, é também correto afirmar que, o primeiro – ao se vincular organicamente a

determinada classe social – e, o segundo – ao ter como finalidade a fundação de um novo

Estado – comportam um projeto de sociedade75

. Ora, se “[...] o intelectual orgânico da classe

subalterna, está empenhado no trabalho de acentuar as crises, provocar as contradições e

organizar sua classe em função de uma nova hegemonia” (JESUS, 1989, p. 67), trabalhando

para obter o consenso em torno da construção de um novo bloco histórico, sua função está

necessariamente ancorada num projeto de sociedade que se pretende instaurar. Do mesmo

modo, Gramsci (2011), ao indicar a necessidade do partido em fazer exprimir a vontade

coletiva nacional-popular e realizar a reforma intelectual e moral, não está indicando senão

caminhos para a construção da sociedade regulada. É por esse motivo que a segunda premissa

que se pode estabelecer na relação intelectual-partido é a existência de um projeto de

sociedade que orientam suas ações e, pari passu, – por meio delas – encontram canais de

objetivação: afirmar que a atividade dos intelectuais orgânicos e do partido político supõe um

projeto de sociedade não é senão circunscrever a disputa pela hegemonia na sociedade de

classes. Se a função desempenhada pelos intelectuais orgânicos do proletariado mantém

relação imbricada com a atividade exercida pelo partido político revolucionário, também é

certo afirmar que seus respectivos horizontes – enquanto projetos de sociedades –

75

“Os projetos societários são projetos coletivos; mas seu traço peculiar reside no fato de se constituírem como

projetos macroscópicos, como propostas para o conjunto da sociedade [...] são, necessária e simultaneamente,

projetos de classe [...]” (NETTO, 2007, p. 142-143).

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correspondem em findar uma nova hegemonia76

: necessariamente aquela que consente a “[...]

capacidade de direção, de conquistar alianças, [...] de fornecer uma base social ao Estado

proletário” (GRUPPI, 1978, p. 5, grifo nosso).

Não se analisa a função dos intelectuais e do partido – com os projetos societários que

comportam – sem se fazer referência ao espaço que a cultura77

adquire nas elucubrações de

Gramsci. Como bem denota Coutinho (2011b), a batalha de ideias e a organização subjetiva

do proletariado se colocam como um dos pilares da teoria gramsciana.

Para o autor sardo (2004a), a cultura não deve ser confundida com mero saber

enciclopédico, “[...] no qual o homem é visto apenas sob a forma de um recipiente a encher e

entupir de dados empíricos, de fatos brutos e desconexos, que ele depois deverá classificar em

seu cérebro como nas colunas de um dicionário [...]” (GRAMSCI, 2004a, p. 57); tampouco

representa acúmulo de datas e fatos dispostos a instaurarem uma barreira entre “humanidade

evoluída” e pessoas comuns. A cultura é antes organização e elaboração de uma consciência

superior: através dela é que o homem reconhece seu valor histórico, incorpora valores e

ideias. A elaboração desta consciência superior, no entanto, não se dá por evolução

espontânea do espírito humano ou “[...] por ações e reações independentes da própria vontade

[...]” (GRAMSCI, 2004a, p. 58); depende de reflexão “[...] sobre a razão de certos fatos e

sobre os meios de convertê-los [...]” (GRAMSCI, 2004a, p. 58).

Por meio destas constatações, uma relação direta entre sociedade civil – esfera em que

se inscreve a atividade prática dos intelectuais orgânicos e do partido político – e cultura pode

ser estabelecida. Na medida em que a sociedade civil, em Gramsci, tem como suposto a

obtenção do consenso para a direção da sociedade, a penetração cultural é condição para

exercê-lo: isso demanda “[...] saber convencer, persuadir, ganhar a adesão pelo envolvimento

ativo [...]” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 48). A cultura, ao ser difundida pelos

aparelhos privados de hegemonia – instituições superestruturais inscritas no cerne da

sociedade civil –, é campo organizado pela atividade dos intelectuais. Ora, se seu lócus de

atuação é o plano superestrutural (sociedade política + sociedade civil), a direção ideológica e

cultural do bloco histórico é também seu campo minado de intervenção. Da mesma maneira, o

partido político – compondo um dos aparelhos privados de hegemonia circunscritos na

sociedade civil – é instituição que espraia e propaga o elemento cultural: sua disseminação

76

“Pode-se mesmo dizer que há grandes semelhanças entre a função social que Gramsci atribui, por um lado, aos

intelectuais e, por outro, ao partido político: em ambos os casos, estamos diante de atores empenhados na luta

pela hegemonia” (COUTINHO, 2011b, p. 31, grifos nossos). 77

“Vale ressaltar que Gramsci não é um culturalista, mas se preocupa com o desenvolvimento daquilo que

chamamos de cultura política, necessária à crítica da ordem das coisas” (SIMIONATTO, 1998, p. 43).

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pode estar associada a valores e ideias pactuados pelas classes dominantes ou instaurar-se no

campo das premissas das classes subalternas. Segundo Simionatto (1998), na medida em que

se destina a organizar os interesses do proletariado, a construção de uma cultura – na

perspectiva de objetivar suas necessidades históricas de classe – implica “[...] na capacidade

dos intelectuais e do partido político [em] participarem da formação de uma nova concepção

de mundo, de elaborarem uma proposta transformadora de sociedade a partir ‘de baixo’,

fazendo que toda uma classe participe de um projeto radical [...]” (SIMIONATTO, 1998, p.

50). Por esse motivo, poder-se-ia dizer que intelectuais e partido, exercendo suas atividades

na esfera da sociedade civil, têm suas funções circunscritas na esteira da dimensão cultural,

isto é, no âmbito da batalha de ideias. A construção de uma nova cultura com vista a

operacionalizar interesses do proletariado significa também a preparação das condições

subjetivas das classes trabalhadoras para a insurreição da luta revolucionária78

: é desta relação

que se pode extrair a terceira premissa na relação entre intelectual e partido. Ora, o “[...]

proletariado, como classe, é pobre de elementos organizativos [...]” (GRAMSCI, 1977, p. 45);

precisa ser disciplinado para trilhar o caminho da revolução proletária79

. Intelectuais

orgânicos e partido político, por suas funções dirigentes, tem a possibilidade via organização

de uma nova cultura de estender as bases para a hegemonia civil proletária – e/ou, se assim se

quer dizer, para a vitória da “guerra de posição”. Com estas argumentações o que se pretende

evidenciar é a possibilidade da revolução cultural – propiciada pelos intelectuais e pelo

partido – se fazer acompanhar da organização subjetiva do proletariado com vista à fundação

do novo Estado, dado que se parte do suposto de que a própria revolução cultural é “[...] parte

integrante do processo global das transformações revolucionárias” (COUTINHO, 2011b, p.

15).

Em síntese: 1) se as funções dirigentes e organizativas exercidas pelos intelectuais

orgânicos e pelo partido político permitem cimentá-los, de tal modo que todos os membros do

partido são intelectuais e o próprio partido é um “intelectual coletivo”; 2) se as atividades

dirigentes e organizativas desempenhadas pela função do intelectual e do partido supõe um

projeto de sociedade, inserindo-os na disputa pela hegemonia; 3) se a construção de uma nova

cultura pelos intelectuais e pelo partido, no marco da sociedade civil, representa a

possibilidade de organizar as condições subjetivas das classes subalternas com a finalidade de

78

“A análise gramsciana evidencia [...] que [embora importante] não é suficiente lutar apenas pela extinção da

apropriação privada dos meios de produção, mas que se deve lutar também pela extinção da apropriação elitista

da cultura e do saber” (SIMIONATTO, 2004, p. 50). 79

“Se não fosse assim, seria impossível explicar por que, tendo sempre existido explorados e exploradores,

criadores de riqueza e consumidores egoístas da mesma, o socialismo ainda não se realizou” (GRAMSCI, 2004a,

p. 58).

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fundar um novo Estado e, por conseguinte, alcançar o projeto societário pretendido, então –

certamente – um elemento necessário que se apresenta como fundamento para a

operacionalização destas constatações é a consciência de classe: que os intelectuais orgânicos

são agentes centrais no interior do partido político – dado que supõe atividade prática

organizativa e diretiva confluente à função do próprio partido – é afirmação que já se prestou

a constatação; o que, de resto, ainda se incube de se analisar é a função desempenhada pelos

intelectuais orgânicos no processo de elaboração da consciência de classe no cerne do partido

político. Para tanto, iniciar esta investigação implica lançar considerações sob os pressupostos

teórico-metodológicos de que se parte para a apreensão da própria categoria consciência de

classe: tal sistematização adquire fundamentação nas linhas arroladas abaixo.

4.1.1. Consciência de Classe: Elementos para o Debate

Tratar da consciência de classe é proposição que exige, de início, situá-la na relação

imbricada que mantém com a materialidade objetiva da realidade social: como bem assinalam

Marx e Engels (1998a), a consciência – por si mesma – não é autônoma; é determinada pelas

relações materiais que circunscrevem os homens em atividades produtivas específicas. A

simples existência de seres humanos vivos – condicionando o estopim da história humana – é

feito que já instaura as bases para a interação da relação homem-natureza: é precisamente por

meio desta relação que os homens produzem sua própria subsistência, garantindo a

manutenção das necessidades de seu estômago e de sua fantasia; ao produzir sua própria

existência, os homens também acabam por produzir sua própria vida material. Para Marx e

Engels (1998a), é esta condição que diferencia os homens dos demais animais, dado que

Pode-se [...] distingui-los pela consciência, pela religião e por tudo que o

queria. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que

começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a

própria consequência de sua organização corporal (MARX; ENGELS,

1998a, p. 10, grifo dos autores).

Disso decorre que, conforme Marx e Engels (1998a), a transformação da natureza pela

atividade humana manifesta uma dupla constatação: 1) além de possibilitar à produção dos

meios necessários a existência humana – viabilizando condições para a subsistência física do

homem através do trabalho –; 2) denuncia a manifestação de determinado modo de vida. Ora,

isso não significa dizer senão que ao mesmo tempo em que os homens “[...] fazem os tecidos

de lã, algodão e seda em relações determinadas de produção [...], estas relações sociais

determinadas são também produzidas pelos homens, como os [próprios] tecidos de algodão,

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de linho, etc” (MARX, 1985, p. 106). Numa palavra: as relações materiais de produção, além

de permitir a extração dos elementos necessários à manutenção da vida humana, também

condicionam as relações sociais estabelecidas entre os homens, de tal modo que tão logo se

altere e se complexifique a maneira como os homens se organizam para produzir, novas

relações sociais são postas e repostas. A elaboração da consciência está – portanto –, direta e

verticalmente, associada às determinações da vida material e da organização da produção: são

elas que determinam a produção das ideias e das representações. “O modo de produção da

vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência

dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua

consciência” (MARX, 2008, p. 47).

Lukács80

(2012) – afirmando a elaboração da consciência a partir da materialidade da

vida objetiva – assinala que a consciência de classe não é “[...] nem a soma, nem a média do

que cada um dos indivíduos que formam a classe pensa, sentem, etc” (LUKÁCS, 2012, p.

142), tampouco pode ser confundida com pensamentos psicológicos que tratam de analisar a

situação vital em que próprio homem se encontra. Para Lukács (2012), a consciência de classe

está associada à ação histórica que determinada classe social está compelida a realizar. Assim

é que

Não se trata do que este ou aquele proletário, ou até mesmo do que o

proletariado inteiro pode imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-

se do que o proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente

de acordo com o seu ser. Sua meta e sua ação histórica se acham clara e

irrevogavelmente predeterminadas por sua própria situação de vida e por

toda a organização da sociedade burguesa atual (MARX; ENGELS, 2011, p.

49, grifos dos autores).

De acordo com Lukács (2012), a burguesia e o proletariado são as duas únicas classes

puras81

“[...] cuja existência e evolução baseiam-se exclusivamente no desenvolvimento do

processo moderno de produção” (LUKÁCS, 2012, p. 156). Nas sociedades pré-capitalistas –

em particular, naquelas que assentavam seu fundamento no sistema de estamentos82

–, a

80

Para fundamentar teórica e metodologicamente a categoria consciência de classe, não se partiu de Gramsci por

entender que a referida categoria não é tema de investigação central nas discussões do autor sardo. Nesse sentido

é que se recorreu – principalmente – a Lukács, já que, no cerne da tradição marxista, foi o autor que tratou com

maior profundidade acerca da temática. 81

Com esta afirmação, Lukács (2012) não pretende negar a existência de outras classes no interior da dinâmica

capitalista, a exemplo emblemático da pequena burguesia. No entanto compreende que, embora existente, ela

justifica-se pelo fato de “[...] não ser fundada exclusivamente sobre sua situação no processo de produção

capitalista, mas estar indissoluvelmente ligada a vestígios da sociedade dividida em estamentos. Elas não

procuram, portanto, promover a evolução capitalista ou superar a si mesmas, mas, em geral, reverter essa

situação ou, pelo menos, impedi-la de chegar ao seu pleno florescimento” (LUKÁCS, 2012, p. 156-157, grifo do

autor). Por esse motivo, não se constitui numa das classes puras da sociedade burguesa. 82

“Uma ordem econômica baseada principalmente na produção agrícola prevê o fundamento ideal de um

sistema estamental. Onde a terra constitui o recurso econômico básico, e onde ela pode ser retida por indivíduos

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consciência de classe ainda não podia se manifestar plenamente: na medida em que os

elementos econômicos destas formas de organizações sociais tendiam a se manifestar de

maneira unida “[...] inextricavelmente aos elementos políticos, religiosos, [jurídicos,] etc”

(LUKÁCS, 2012, p. 149, grifo do autor), o que determinava a posição dos indivíduos na

sociedade não era a apropriação dos meios fundamentais de produção e, por conseguinte, o

papel que ocupavam no processo produtivo; o nascimento num determinado estamento era o

que condicionava sua posição na sociedade. Outrossim, o que prevalecia nestes tipos de

sociedade só poderia ser a consciência estamentária, isto é, a compreensão da existência de

privilégios com base nos estamentos83

. Somente a partir da instauração da dinâmica capitalista

é que se pode falar em consciência de classe, dado que é na sociedade burguesa que o

fundamento econômico se apresenta declaradamente e finda “[...] uma ordem social em que a

estratificação da sociedade tende à pura estratificação em classes” (LUKÁCS, 2012, p. 149).

Ao substituir os estamentos por classes sociais84

, a consciência de classe na sociedade

burguesa exige o necessário reconhecimento do fundamento econômico o que, ademais, supõe

sua vinculação direta com a posição que os indivíduos ocupam no processo produtivo. Por

esse motivo,

A consciência de estamento é fundamentalmente diferente da consciência de

classe. Pertencer a um estamento é uma norma hereditária, claramente

evidente a partir dos direitos e privilégios que encerra, ou da exclusão de tais

direitos ou privilégios. Pertencer a uma classe, porém, depende de conhecer

sua própria posição dentro do processo de produção (BOTTOMORE, 1988,

p. 76).

A burguesia, segundo Lukács (2012) – constituindo-se numa das classes puras da

sociedade capitalista –, não pode desenvolver uma consciência de classe, dado que seu ápice é

antes a formação de uma falsa consciência85

. Expliquemo-nos: pela posição que ocupa no

como propriedade transmissível, o status social está ordinariamente em correlação direta com a propriedade da

terra. O indivíduo ordinariamente tem poder e prestígio segundo o seu relacionamento hereditário com a terra, e

seu relacionamento com a terra determina o seu estado social” (COX, 1978, p. 240). 83

Assim é que, por exemplo, um “[...] aristocrata era sempre aristocrata e, como tal, possuidor de privilégios

bem definidos e delimitados com precisão” (BOTTOMORE, 1988, p. 76). 84

“Da destruição dos estamentos com seus privilégios emerge o Estado Moderno, a burguesia e as classes sociais

[...] a organização estamental correspondia à formação social imediatamente anterior à organização da sociedade

em classes sociais” (HIRANO, 1974, p. 63-64, grifo do autor). 85

A falsa consciência é categoria utilizada nas construções de Marx e de Lukács. Para Marx, a falsa consciência

está associada diretamente a categoria ideologia: “[...] a classe que é o poder material dominante numa

determinada sociedade é também o poder espiritual dominante” (MARX; ENGELS, 1998a, p. 48, grifos dos

autores), de modo que deve, tanto quanto for capaz, transformar suas ideias em representações universais. É

nesse sentido que para Marx a ideologia dominante é também falsa consciência, pois está imbuída dos interesses

das classes dominantes a fim de garantir a manutenção do status quo. Lukács, por sua vez, se utiliza da categoria

falsa consciência para afirmar a posição da burguesia em face do processo produtivo. Por vislumbrar a sociedade

como parcialidade – obscurecendo suas contradições – não pode desenvolver uma “verdadeira consciência”.

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processo produtivo86

, a burguesia tende a considerar os fenômenos a partir de seu ponto de

vista: mesmo que se permita refletir sobre a organização da produção, “[...] deve

necessariamente se obscurecer no momento em que surgem problemas, cuja solução remete

para além do capitalismo [...]” (LUKÁCS, 2012, p. 147). Por defender e por personificar os

interesses de uma minoria, a burguesia não pode ver a sociedade como totalidade; se a visse,

estaria condenada a suprimir a si própria. Não pode se tornar consciente do processo

econômico objetivo que ela própria instaura, pois teria de reconhecer que a “[...] verdadeira

barreira da produção capitalista é o próprio capital” (MARX, 1986, p.189, grifos do autor).

Se admitisse tornar consciente esta contradição, a burguesia estaria fadada a sua própria

dissipação: vê-se, pois, que “[...] os limites objetivos da produção capitalista tornam-se os

limites da consciência de classe da burguesia” (LUKÁCS, 2012, p. 164). Por limitar-se a ver a

sociedade a partir de uma falsa consciência (sociedade como parcialidade), a burguesia deve

assegurar que as demais classes sociais tenham “[...] sua permanência numa consciência de

classe confusa como pressuposto indispensável para a manutenção do regime burguês”

(LUKÁCS, 2012, p. 167). Para tanto, a mistificação dos fundamentos da dinâmica capitalista

é elemento difundido pela burguesia para 1) garantir a permanência das demais classes sociais

– exatamente – naquela consciência de classe confusa e 2) assegurar a si mesma que não

venha a desvelar a essência da sociedade capitalista para não tomar “[...] consciência real da

sua [própria] situação de classe” (LUKÁCS, 2012, p. 168, grifo do autor). Sua condição é,

pois, um eterno mistificar da verdade e das engrenagens que conferem sustentação ao modo

de produção capitalista, qual seja: o empenho no obscurecimento do processo de exploração

do trabalho pelo capital.

O proletariado – ao contrário – pela posição que ocupa no processo produtivo87

é, por

si mesmo, “[...] a crítica, a negação dessas formas de existência [do capitalismo]” (LUKÁCS,

2012, p. 184). Como bem assinalam Marx e Engels (1998b), o desenvolvimento da burguesia

não se fez acompanhar sem o similar desenvolvimento do proletariado: na medida em que a

instauração da dinâmica capitalista – e o consequente dilaceramento da sociedade feudal –

estendeu as bases para ascensão da grande indústria e do desenvolvimento das forças

produtivas, àqueles incumbidos de sustentar a produção capitalista também permaneceram em

86

A burguesia, detentora dos meios fundamentais de produção, tem a sustentação da produção capitalista

mantida pela expropriação da força de trabalho do proletariado: “A condição essencial para [...] [sua] existência

e [...] [seu] domínio [...] é a acumulação de riquezas nas mãos de particulares, a formação e multiplicação do

capital; a condição do capital é o trabalho assalariado” (MARX; ENGELS, 1998b, p. 19-20). 87

O proletariado, detentor da força de trabalho, “[...] só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto

o seu trabalho aumenta o capital. Estes operários, que têm de vender-se no varejo, são uma mercadoria como

qualquer outro artigo de comércio e estão, por isto mesmo, igualmente expostos a todas as vicissitudes da

concorrência, a todas as flutuações do mercado” (MARX; ENGELS, 1998b, p. 12).

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constante estado de multiplicação; na proporção em que a burguesia revolucionou os meios de

produção e instaurou uma ordem social – de natureza limitada e desigual – apta a atender os

interesses da minoria privilegiada, também tratou – inevitavelmente – de cultivar os coveiros

que a levarão a própria morte. A condição de servo da máquina e de mercadoria disponível ao

jogo da concorrência capitalista faz do proletariado a única classe social revolucionária capaz

de levar a burguesia a sua própria dissipação. Para Lukács (2012), sua libertação como classe

expropriada só pode se dar com a própria abolição da sociedade de classes em geral88

. Pela

posição que ocupa no processo produtivo – embora tenha de se submeter à exploração

capitalista para ter garantidas as condições de reprodução de sua própria existência humana –,

a condição do proletariado em relação à burguesia é de superioridade: é a única classe social

“[...] capaz de considerar a sociedade a partir do seu centro, como um todo coerente e, por

isso, agir de maneira centralizada, modificando a realidade” (LUKÁCS, 2012, p. 172). Por

poder vislumbrar a sociedade como totalidade, o proletariado é o único capaz de desenvolver

uma consciência de classe; a burguesia, por limitar-se a ver a sociedade como parcialidade,

permanece atada a uma falsa consciência. Por esse motivo, apesar da realidade objetiva se

fazer apresentar a mesma para as duas classes sociais em questão, o que a torna

fundamentalmente diversificada para a burguesia e para o proletariado é a lente pela qual se

filtra sua interpretação. Isto é: pela “[...] diversidade de situação [e de posição] das duas

classes no ‘mesmo’ processo econômico” (LUKÁCS, 2012, p. 310), a mesma realidade social

se faz vista de modo diferente a partir do ponto de vista em que se inicia: se do ponto de vista

da burguesia, se do ponto de vista do proletariado. Assim é que

O mesmo processo que, do ponto de vista da burguesia, aparece como um

processo de dissolução, como uma crise permanente, para o proletariado

significa uma acumulação de forças, o trampolim para a vitória, embora

também assuma, sem dúvida, a forma de uma crise (LUKÁCS, 2012, p. 170-

171, grifos nossos).

No que tange ao proletariado, segundo Lukács (2012), sua consciência de classe deve

operar no sentido de desvelar a essência da sociedade capitalista e unificar – numa relação

dialética – sua teoria e sua práxis, isto é, sua teoria proletária e sua ação proletária. O principal

desafio que obscurece esta dupla condição é a contradição existente na própria consciência de

classe do proletariado, qual seja: a contradição entre “[...] o interesse imediato e o fim último,

entre o fator individual e a totalidade” (LUKÁCS, 2012, p. 176). Se a consciência de classe só

pode se referir à função histórica que o proletariado tem a consolidar, então certamente o

88

“Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes. A libertação

da classe oprimida implica, pois, necessariamente, a criação de uma sociedade nova” (MARX, 1985, p. 159).

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interesse imediato e o fator individual não tratam de operar transformações revolucionárias

capazes de libertar seus grilhões da exploração capitalista: para o proletariado, tomar

consciência de classe implica em ultrapassar a mera luta por conquistas particulares e

substituir a bandeira de medidas reformistas pelo horizonte de medidas revolucionárias. Para

tanto, tomar consciência de classe supõe elevar à consciência a posição que o proletariado

ocupa no processo produtivo e, por conseguinte, a tarefa histórica que está encarregado de

realizar a partir de sua própria posição de classe. Somente superando a primazia dos interesses

imediatos sobre as necessidades históricas é que a consciência de classe do proletariado pode

operar na direção de sua realização enquanto classe, qual seja: a abolição da própria sociedade

de classes em geral. “Somente quando inseridos na visão geral do processo relacionados à

meta [ou ao objetivo] final [é que] esses fatores apontam de maneira concreta e consciente

para além da sociedade capitalista e se tornam revolucionários” (LUKÁCS, 2012, p. 176).

Consubstancializar esta tarefa histórica concernente ao proletariado – depois de tornada

consciente – a fim de aguerri-lo à marcha da revolução implica na constante luta por seu

próprio aniquilamento. Ora,

A luta [...] [pela instauração da sociedade sem classes] não é uma luta

somente contra o inimigo exterior, a burguesia; é também, ao mesmo tempo,

a luta do proletariado consigo mesmo: contra os efeitos devastadores e

avaliantes do sistema capitalista [...] O proletariado somente alcançará a

vitória quando superar em si mesmo esses efeitos [...] [e se realizará]

somente ao negar a si mesmo, ao criar a sociedade sem classes levando até

o fim a luta de classes (LUKÁCS, 2012, p. 191, grifos do autor).

Por esse motivo, o desvelamento da essência da sociedade capitalista e a unificação da

teoria e ação proletária também só se tornam possíveis na medida em que a necessidade de

realizar os objetivos históricos do proletariado esteja clara para seu conjunto. Este feito não

demanda senão o próprio conhecimento de sua posição no processo produtivo, o que ademais,

supõe a própria consciência de classe. Negar a si mesmo – para o proletariado –significa, pois,

comprometer-se com as necessidades históricas de sua classe e, em última análise, significa

negar a própria sociedade de classes em geral. Para tanto, a operacionalização de sua função

histórica – materializada na instauração de uma nova sociedade – exige do proletariado sua

afirmação como classe em si e, sobretudo, para si. Como bem demarca Marx (1985), o

desenvolvimento da dinâmica capitalista findou a constituição de classes sociais que tende a

se organizar, cada qual, em torno de seus interesses comuns. Tal organização, possibilitando a

aglomeração do conjunto de homens na defesa de interesses comuns em oposição ao de

outros, é o que pode ser designado de classe em si: “Milhões de famílias existindo sob as

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mesmas condições econômicas que separam o seu modo de vida, os seus interesses e a sua

cultura do modo de vida, dos interesses e da cultura das demais classes, contrapondo-se a elas

como inimigas, formam uma classe [em si]” (MARX, 2011, p. 142-143). Conforme Montaño

e Duriguetto (2011), a simples existência de uma classe que comporta interesses distintos de

outra é condição para reportá-la como classe em si: “[...] sua consciência e/ou organização

para a luta na defesa de seus interesses [...]” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 97) é

elemento facultado à classe em si. A classe para si, ao contrário, exige o reconhecimento da

existência de interesses distintos entre as classes sociais circunscritas na dinâmica capitalista e

a necessária organização para a luta na defesa de seus próprios interesses: “[...] na luta [...]

esta massa se reúne [e] se constitui em classe para si” (MARX, 1985, p. 159), desvelando as

raízes de seus interesses históricos por meio da apreensão do antagonismo de classe presente

na sociedade burguesa e assumindo o papel histórico que lhe foi atribuído pela posição que

ocupa no processo de produção. A classe para si é, pois, o suposto que permite ao proletariado

identificar a contradição inerente ao modo de produção capitalista, elevando-se da condição

de classe social – fixada na compreensão da existência de interesses distintos entre as classes

sociais – para classe social revolucionária consciente de tais interesses e – sobretudo – de sua

função histórica. Por esse motivo, a consciência de classe só pode operar na direção da classe

para si: sua determinação está contida no desvelamento da dinâmica capitalista e no

esclarecimento das necessidades históricas concernentes ao proletariado pelo lugar que

assume no processo de produção da vida material.

4.2 O INTELECTUAL ORGÂNICO NO PARTIDO POLÍTICO: A CONSCIÊNCIA DE

CLASSE EM QUESTÃO

A elaboração da consciência de classe – possível de ser desenvolvida apenas pelo

conjunto do proletariado – no partido político como atividade dirigida pelos intelectuais

orgânicos é problemática que só se torna possível de se lançar considerações depois de

esclarecida um ponto nodal, qual seja: a própria consciência de classe do intelectual orgânico.

Se as argumentações teórico-metodológicas até aqui desenvolvidas estão corretas, então

certamente considerar a consciência de classe do intelectual orgânico é tarefa que deve, de

início, ser elucidada para poder se prosseguir na direção pretendida.

Linhas atrás fora afirmado que os intelectuais orgânicos são responsáveis por

personificar os interesses e as concepções de mundo das classes sociais nascidas diretamente

do terreno produtivo e estrutural dominante. Na sociedade capitalista verifica-se que a camada

intelectual orgânica da burguesia é, no entanto, sustentada – em grande parte – pelos próprios

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intelectuais orgânicos do proletariado. Esta contradição repousa sob o feito de que as origens

estruturais do intelectual não é elemento que determina a fixação de seu agente em torno da

organização e da propagação dos interesses – imediatos e históricos – de sua própria classe: o

simples pertencimento aos interstícios da classe proletária não assegura que todos os

intelectuais orgânicos do proletariado venham a personificar os interesses de classe do próprio

proletariado. O que é determinante neste processo de disseminação organizativa e diretiva dos

interesses e das concepções de mundo é precisamente o maior ou menor grau de consciência

de classe do próprio intelectual, de tal modo que é correlato afirmar que é o maior ou menor

grau de consciência de classe que predomina sobre as origens estruturais dos próprios grupos

intelectuais: assim é que o intelectual do proletariado que não desenvolveu sua consciência de

classe está sujeito à possibilidade de personificar interesses e concepções de mundo distintas

daquelas propagadas por sua própria classe estrutural; é somente pelo desenvolvimento da

consciência de classe do intelectual que se pode alinhar sua função organizativa de interesses

de classe em relação à sua própria classe estrutural.

Deste feito decorrem algumas constatações, quais sejam: 1) ainda que o intelectual não

desenvolva sua consciência de classe, personificando interesses e concepções de mundo

distintas daquelas propagadas por sua classe estrutural, não deixa de exercer a própria função

intelectual. Ora, a função intelectual está mais para o exercício da capacidade diretiva,

organizativa e educativa de massa; mesmo que venha a personificar interesses e concepções

de mundo de classes sociais distintas de sua própria classe estrutural, a capacidade de educar,

organizar e dirigir permanentemente as massas ainda está na essência de sua atividade

intelectual; 2) o exercício da função intelectual independe, pois, da consciência de classe do

intelectual: desde que desempenhe atividade organizativa e diretiva – base fundante da

atividade intelectual – a consciência de classe é elemento facultado ao intelectual, de tal modo

que se pode afirmar que nem todos os intelectuais tem consciência de classe; 3) o

desenvolvimento da consciência de classe pelo intelectual é, no entanto, o que permite seu

agente propagar interesses e concepções de mundo próprias das exigências estruturais de sua

própria classe; é somente transcendendo da condição de classe em si à classe para si que se

torna possível ao intelectual orgânico do proletariado vincular-se a disseminação e a

organização dos objetivos históricos de sua própria classe. A consciência de classe é o

elemento que permite ao próprio intelectual tornar consciente o sentido histórico da classe

social que organicamente está vinculado: somente “[...] analisando a função que exerce no

seio da superestrutura, será possível determinar o caráter orgânico ou não da atividade do

intelectual” (PORTELLI, 1977, p. 86). Tal organicidade depende, fundamentalmente, da

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consciência de classe do intelectual: é ela que permite que, dos interstícios da classe

proletária, se desenvolvam intelectuais orgânicos comprometidos com a organização dos

interesses de classe do próprio proletariado. A consciência de classe – para o intelectual – não

estende senão a possibilidade de afinar a sua função social com o seu ser histórico:

exatamente a função determinante dinamizada pelo partido político.

Se no partido político revolucionário – de que trata Gramsci (2011) –, o horizonte de

luta é tratar de questões relacionadas à grande política, findando a disputa pela construção de

um novo bloco histórico – necessariamente, àquele que suprime a sociedade dividida em

classes sociais e se materializa na instauração da sociedade regulada –, os intelectuais

orgânicos devem operar na direção do desenvolvimento da consciência de classe de seus

membros. Ora, a própria função do partido supõe a consciência de classe: na medida em que a

condução e a organização das condições para a insurreição da revolução proletária é atividade

fundante do partido, seus intelectuais orgânicos devem trabalhar para o próprio

esclarecimento das necessidades históricas do proletariado, o que – ademais – significa

mostrar-lhe a necessidade imperiosa da própria revolução proletária. Este feito, no entanto,

depende do próprio desenvolvimento da consciência de classe do intelectual: somente

operando por meio da clareza dos objetivos históricos de classe é que pode esclarecê-los para

o conjunto do proletariado; a consciência de classe se apresenta, pois, como suposto para o

próprio intelectual orgânico no partido político. Assim é que o partido,

[...] possui a tarefa permanente de organizar politicamente a classe e ajudá-la

na luta pela construção da hegemonia. Para viabilizar esse processo, [...] o

intelectual precisa provocar, no seio da classe a que está vinculado

organicamente, uma tomada de consciência dos seus interesses, bem como

participar na formação de uma concepção de mundo mais homogênea e

autônoma (SIMIONATTO, 2004, p. 62).

Se o princípio determinante do partido político reside na capacidade de organizar o

proletariado para travar a luta revolucionária e se os intelectuais orgânicos pactuam da

atividade diretiva, organizativa e educativa em torno dos interesses de classe, então –

certamente – os intelectuais assumem papel central no interior do partido político: unificam a

organização do proletariado, sinalizando e obtendo seu consenso no que tange à sua função

histórica. Ora, nenhuma “[...] ação de massa é possível se a massa mesma não está convencida

dos fins que deseja atingir [...]” (GRAMSCI, 1977, p. 28, grifo nosso). É na direção da

ultrapassagem de interesses imediatos e no esclarecimento das necessidades históricas de

classe do proletariado que os intelectuais orgânicos, no centro do partido, devem operar: “O

metalúrgico, o carpinteiro, o operário da construção, etc. têm que pensar não apenas como

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proletários (e não como metalúrgico, carpinteiro, operário da construção), mas têm ainda que

dar um passo adiante: têm que pensar como membros de uma classe [...]” (GRAMSCI, 1977,

p. 28-29).

É nesse sentido que, no partido, os intelectuais orgânicos contribuem para a elaboração

da consciência de classe na medida em que operam a elevação – de seus membros – da

condição de classe em si à classe para si89

: este processo é conduzido pelos intelectuais, haja

vista que a própria natureza de sua função – organizativa, diretiva e educativa – é condição

para exercê-lo. “É com a ação do intelectual e do ‘partido’ que pode difundir-se a consciência

de classe’, transformar-se a ‘classe em si’ em ‘classe para si’, construir-se uma ‘ideologia’ do

proletariado, definirem-se os objetivos e meios para as lutas de classes” (MONTAÑO;

DURIGUETTO, 2011, p. 112). Gramsci (1999) já sinaliza esta inferência quando assinala que

a principal contribuição do partido, sob a atuação mediata dos intelectuais, é transcender a

consciência do nível econômico-corporativo ao nível ético-político: a ultrapassagem dos

interesses imediatos e particulares em detrimento dos interesses de caráter universal de classe

é princípio dinamizado por seu agente. Esta constatação é importante para demarcar que

[...] também em Gramsci a fixação no momento econômico-corporativo

mantém a consciência no nível da passividade, da impotência objetiva em

face da necessidade social. A explicitação e o conflito entre interesses

corporativos leva, em última instância, à reprodução da formação

econômico-social existente. Somente a passagem para o momento “ético-

político” [...] [e] tão-somente essa passagem permite ao proletariado superar

suas divisões corporativas e tornar-se classe nacional, dirigente, hegemônica

(COUTINHO, 1992, p. 104-105, grifos nossos).

Como demonstra Coutinho (1992), a reprodução da ordem econômico-social existente

está condicionada pela consciência mantida no nível econômico-corporativo, isto é, no nível

dos interesses particulares e imediatos: sua fixação neste plano não opera senão reformas na

estrutura social passíveis de garantir sua própria manutenção. Por esse motivo, poder-se-ia

dizer que a fixação da consciência no nível econômico-corporativo é funcional a própria

lógica do bloco histórico hegemônico: é reformando alguma coisa que nada se transforma. O

partido, no entanto, por ter como horizonte a construção de um novo Estado não pode fixar a

consciência no nível econômico-corporativo; sua função está direta e verticalmente associada

à elevação da consciência ao nível ético-político, dado que a transformação da sociedade e,

por conseguinte, a luta pelos interesses históricos de classe é a expressão através da qual

opera sua direção. Isso significa dizer que o horizonte do partido não é o nível reformista das

89

“[...] na passagem da classe e da ‘consciência-em-si’ para a classe e a ‘consciência-para-si’, é que se incorpora,

no debate, o papel do intelectual” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 111, grifo dos autores).

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relações sociais, mas antes a transformação radical das relações que tratam de (re) produzir a

exploração do trabalho pelo capital.

Nesse sentido, o intelectual orgânico, pela própria função atinente ao exercício da

função intelectual, está no centro do processo de passagem da classe em si à classe para si ou

– se assim se quer dizer – da elevação da consciência do nível econômico-corporativo ao nível

ético-político. Seguindo os trilhos de Gramsci (1999), a elaboração da consciência crítica – no

cerne do partido – demanda uma elite de intelectuais: são eles que organizam a coletividade

do conjunto de homens, de tal modo que é possível dizer que “[...] não existe organização sem

intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes [...]” (GRAMSCI, 1999, p. 104). Somada à

capacidade organizativa e diretiva dos intelectuais, seus agentes também desempenham

função essencial na medida em que se lançam a atividade educativa do conjunto de homens da

sociedade. De acordo com Simionatto (2004), essa também “[...] é a tarefa central do partido:

possibilitar que a espontaneidade se eduque, seja politizada, transforme-se durante a luta”

(SIMIONATTO, 2004, p. 49). O processo de politização do proletariado, síntese da tarefa

central do partido, é – precisamente – dirigido pelos intelectuais orgânicos. Ora, isso não

significa dizer senão que o processo de educação política dos homens nada mais representa

que a possibilidade de instaurar a elevação – dos membros do partido – da condição de classe

em si à classe para si: é “[...] assim que vai se formando a consciência de classe, o constituir-

se, o ir-sendo dos grupos sociais subalternos, cuja ação aponta para construção de um novo

bloco histórico e para a superação da ordem capitalista” (SIMIONATTO, 2004, p. 50, grifos

nossos). A elevação da consciência do nível econômico-corporativo ao nível ético-político

demanda atividade prática contraposta à passividade contemplativa; isto é: exige, exatamente,

àquela função dirigente exercida pelos intelectuais e demandada pelo próprio partido.

Compartilhar destas afirmações é, ao mesmo tempo e simultaneamente, tornar a fazer

referência às próprias argumentações de Coutinho (1992): a elaboração da consciência de

classe, no partido político, como atividade dirigida pelos intelectuais orgânicos deve operar na

direção de tornar consciente os fins últimos e históricos que o proletariado – como classe

social – tem a consolidar. Não se trata de incutir na massa operária o fim último e histórico

desejado; ao contrário, pela própria posição que o proletariado ocupa no processo de produção

da vida material, sua função histórica já está previamente determinada. Nesta direção, o

intelectual, no partido, só poderia atuar na mediação90

do esclarecimento da função histórica91

90

Conforme Pontes (1997), por mediação entende-se não apenas o mero processo de conexão que permite

estabelecer relações a partir de um fator intermediário. A mediação é antes uma categoria ontológica e reflexiva:

ontológica porque é elemento constitutivo do ser social; e reflexiva porque é um “[...] construto que a razão

elabora logicamente para possibilitar a apreensão do movimento do objeto” (PONTES, 1997, p. 81). Como

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do próprio proletariado, o que – novamente – significaria afirmar que opera na dinamização

da própria passagem da classe em si à classe para si: “O início da elaboração crítica é a

consciência daquilo que é realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do

processo histórico até hoje desenvolvido [...]” (GRAMSCI, 1999, p. 94).

Com efeito, se para Gramsci (2011) o partido político opera no empenho de edificar a

hegemonia civil proletária, visando conquistar – na esfera da sociedade civil – o consenso em

torno da necessidade de realizar a função histórica do proletariado como estratégia para o

assalto ao Estado (sociedade política), então certamente sua ação está comprometida com a

necessidade de “[...] dar personalidade ao amorfo elemento de massa [...]” (SIMIONATTO,

2004, p. 48): os intelectuais orgânicos, como portadores da função diretiva e organizativa, são

– precisamente – os agentes que tem a possibilidade de imprimir uma direção consciente – no

sentido de explicitar a missão histórica de classe – sob os elementos de massa. Partido e

intelectual estão de tal modo inseridos numa relação imbricada no processo de elaboração da

consciência de classe que é possível afirmar que é de suas respectivas naturezas “[...] fazer

com que brotem da grande massa os elementos capazes, conscientes, cheios de ardor

revolucionário porque conscientes de seu próprio valor e de sua incomprimível importância

no mundo da produção” (GRAMSCI, 2004b, p. 230).

Considerar estas explicitações é suposto para sinalizar a consciência de classe como

elemento que perpassa as três principais premissas extraídas – linhas acima – da relação

intelectual e partido: 1) se a função dirigente e organizativa está na base da relação confluente

entre intelectual orgânico e partido político, a consciência de classe é o pressuposto que

permite alinhar a organização dos interesses de classe e das concepções de mundo – pelos

intelectuais – com suas exigências estruturais de classe e com a própria natureza do partido

revolucionário em Gramsci; 2) somente pelo desenvolvimento da consciência de classe é que

o intelectual e o partido se inserem de maneira organizativa e consciente de seus próprios

categoria ontológica, a mediação é o componente que permite edificar a relação entre homem e natureza com

vista a satisfazer as necessidades humanas por meio do trabalho: a mediação cria as condições para a

subsistência do homem através do intercâmbio natural e eterno com a natureza. A mediação é, assim, ontológica

porque é parte constitutiva do ser social; uma “forma de ser”. Como categoria reflexiva, a mediação é o elemento

que visa buscar – por meio da razão, do pensamento e/ou da abstração – a reconstrução crítica do movimento do

fenômeno por meio do estabelecimento de aproximações sucessivas; seu movimento opera na direção de, a partir

da aparência, captar a essência do fenômeno. 91

“Gramsci dirá que a grande massa dos homens pensa segundo uma concepção de mundo imposta

mecanicamente a partir do ambiente externo e obedece a essa concepção de modo passivo. Assim, é necessário

que os homens sejam educados no sentido de elaborar a própria concepção de mundo, pois, quando vem

assimilada passivamente do exterior, ela é ocasional, desagregada e acrítica, produzindo inevitavelmente

contradições. Pensa-se de uma maneira e age-se de outra, ou seja, o comportamento aparece em contraste com as

ideias, provocando uma contradição entre o pensar e o agir. Consegue-se sair dessa subalternidade quando se

assume a consciência do significado do próprio operar, da efetiva posição de classe [...] Mas esse processo não

ocorre espontaneamente – exige um encontro entre intelectuais e massa” (SIMIONATTO, 2004, p. 49).

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interesses históricos de classe na disputa pela hegemonia. Ora, a construção da hegemonia

civil proletária não depende senão da própria capacidade de se difundir a consciência de

classe; 3) a difusão de uma cultura do proletariado e, a partir dela, a organização das

condições subjetivas para insurreição da revolução proletária pelo intelectual e pelo partido

também perpassam pela elaboração da consciência de classe: é ela que permite que se tenha

clareza da posição que o proletariado ocupa no processo de produção da vida material e a

missão histórica que está compelido a realizar a partir de seu lócus na esfera produtiva.

Na medida em que para o autor sardo (2011), o partido político não é um órgão

revolucionário que tratará de levar ao proletariado a revolução, mas antes é parte orgânica da

própria classe trabalhadora, sua dimensão não abarca a totalidade do proletariado. No entanto,

por operar na direção da conquista das classes subalternas com a finalidade de construir um

novo Estado, o partido – por meio de seus intelectuais – além de contribuir para a elevação da

condição de classe em si à classe para si de seus próprios membros, também deve trabalhar

para conquistar o conjunto do proletariado: somente por meio da obtenção do consenso da

classe trabalhadora em geral em torno da realização de seus interesses imediatos e – sobretudo

– históricos é se que instaura a possibilidade de organizar as condições para a insurreição da

revolução, ou seja, para permitir que a guerra de movimento se concretize. Isso significa dizer

que a vontade coletiva nacional-popular e a reforma intelectual e moral devem ser articuladas

pelos membros do partido em aliança com o conjunto da classe trabalhadora: tanto mais o

proletariado se organizará quanto mais o partido – por meio de seus intelectuais orgânicos –

for capaz de atrair e abarcar a totalidade da classe trabalhadora. Em poucas palavras, este feito

demanda: “[...] trabalhar e suscitar elites intelectuais de um tipo novo, que surjam diretamente

das massas e permaneçam em contato com elas” (SIMIONATTO, 2004, p. 48), viabilizando o

processo de elaboração da consciência de classe na interface com o partido. Eis o caminho

para o verdadeiro encontro na perspectiva gramsciana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estabelecer aproximações entre o intelectual orgânico e o partido político na teoria

gramsciana é tarefa de que se lançou considerações a fim de responder ao questionamento que

se saltava de início, qual seja: constatar pela teoria gramsciana que o Intelectual Orgânico é

peça central na constituição do Partido Político, dá a autorização para afirmar que sua função

é determinante para criar uma consciência com conteúdos de classe? Ao findar do processo de

investigação científica, se pôde constatar que o objetivo geral preconizado pela presente

pesquisa foi atingido, dado que pela função confluente do intelectual orgânico e do partido

político (atividade organizativa e diretiva), afirma-se o intelectual como peça central em seu

processo de constituição. A função dirigente do intelectual orgânico somada a atividade

organizativa do partido político acerca da construção do novo Estado possibilita circunscrever

a consciência de classe como elemento fundamental da relação simbiótica “intelectual e

partido”: a própria consciência de classe é o suposto para operar a fundação do novo Estado;

somente pela clareza das necessidades históricas e universais de classe é que se torna possível

ao proletariado se aguerrir a marcha da revolução. Como elemento possível de ser difundido

pelo intelectual orgânico – devido a sua própria função educativa e organizativa –, seu agente

adquire papel central no processo de elaboração da consciência de classe na medida em que

possibilita a transcendência da condição de classe em si à classe para si, isto é, da consciência

mantida no nível econômico-corporativo ao nível ético-político. Trocando em miúdos: ao

possibilitar – por meio de sua própria função – a elaboração da consciência com conteúdos de

classe, o intelectual orgânico é o dinamizador deste processo no centro do partido. Ora, a

própria tarefa a ser viabilizada pelo partido (fundação do novo Estado) demanda a consciência

de classe: o conhecimento do proletariado acerca do lócus que ocupa na esfera da produção

material e – por conseguinte – a função que, historicamente, está incumbido a partir deste

conhecimento não é senão elemento determinante para operar àquela tarefa central do partido

sinalizada por Gramsci.

Tornar a reafirmar estas constatações é imprescindível para tratar de elencar algumas

questões passíveis de investigações futuras que não puderam ser analisadas – com a devida

profundidade e rigor teórico-metodológico que exigem – na presente pesquisa, haja vista seus

próprios limites e objetivos. Assim é que se afirma a importância em aprofundar a categoria

hegemonia nas construções do autor sardo a fim de enlaçar seus conteúdos com a função

desempenhada pelos intelectuais orgânicos. Analisar esta inferência possibilitaria estender a

compreensão acerca da relação entre Estado, aparelhos coercitivos e consensuais e o papel

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exercido pelos intelectuais na manutenção do poder. Questão que também mereceria a devida

atenção é a aproximação das esquematizações de Gramsci e de Lênin a respeito da teoria do

partido: sabe-se que Gramsci saudou com reverência o líder revolucionário russo; apontar os

elementos que tratam de estabelecer distinções e aproximações entre a teoria do partido em

Gramsci e em Lênin também se configuraria como questão imprescindível para se apropriar –

com maior profundidade – acerca da construção do próprio partido político em Gramsci.

Aprofundar os conteúdos acerca da relação entre o intelectual e o partido na elaboração da

consciência de classe também exigiria tornar a fazer referência à categoria alienação. Ora,

consciência de classe e alienação se constituem na antítese própria da dinâmica capitalista: a

alienação, no modo de produção sob o domínio do capital, é elemento que lança obstáculos à

própria elaboração da consciência de classe; analisá-la é, pois, atividade que também poderia

contribuir para o enriquecimento da pesquisa iniciada: a investigação em torno destes

apontamentos – certamente – redundaria em exercícios teórico-metodológicos capazes de se

aprofundar na temática proposta.

A materialização da presente investigação científica permite, no entanto, que se

estabeleça – de imediato – uma relação aproximativa entre os conteúdos extraídos da teoria

gramsciana e o Serviço Social. Como denota Yazbek (2009), é no bojo do movimento de

Reconceituação Latino Americano na década de 1960 que o Serviço Social passa a questionar

suas práticas conservadoras92

e inicia, a partir de um contato tímido e embrionário, sua

aproximação com a vertente marxista. Os germes para construção do projeto ético-político da

profissão estão enraizados no marco deste movimento: ora, a necessidade de construção de

um projeto comprometido com os interesses da classe trabalhadora e, por conseguinte, o

redirecionamento da profissão e de suas ações são questões que tratam de iniciar seu fomento

em seus próprios interstícios. Somente no marco do Congresso da Virada de 1979 é, no

entanto, que o processo de intenção de ruptura com o Serviço Social conservador se finda de

maneira significativa: a década seguinte permitiu avançar na interlocução da categoria com a

92

O Serviço Social, profissão que tem sua gênese na década de 1930, foi inspirado por abordagens de cunho

conservador confessional e laico: de início, por meio do conservadorismo confessional, tinha como referenciais

orientadores da ação a Doutrina da Igreja Católica, fundada num tratamento “[...] da ‘questão social’ como

problema moral e religioso e numa intervenção que prioriza a formação da família e do indivíduo para solução

dos problemas [...] O contributo do Serviço Social, neste momento, incidirá sobre valores e comportamentos de

seus ‘clientes’ na perspectiva de sua integração à sociedade, ou melhor, nas relações sociais vigentes [...] [Este]

conservadorismo católico, que caracterizou os anos iniciais do Serviço Social brasileiro, começa, especialmente

a partir dos anos 1940, a ser tecnificado ao entrar em contato com o Serviço Social norte-americanos e suas

propostas de trabalho permeados pelo caráter conservador da teoria social positivista” (YAZBEK, 2009, p. 145-

146). Assim é que, orientada por um conservadorismo laico, “[...] esta perspectiva é absorvida pelo Serviço

Social, configurando para a profissão propostas de trabalho ajustadoras e um perfil manipulatório, voltado para o

aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas de intervenção [...]” (YAZBEK, 2009, p. 148).

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teoria social crítica de Marx, expandindo a produção intelectual e/ou bibliográfica do Serviço

Social na esteira da tradição marxista. É neste cenário da década de 1980 que a profissão se

aproxima do pensamento de Gramsci e circunscreve a vertente marxista como referencial

teórico-metodológico hegemônico no cerne da categoria profissional. Edificada a partir dos

conteúdos da teoria social crítica, a profissão consolida seu projeto ético-político na década de

1990, sinalizando seu compromisso com as classes subalternas e sua luta pela construção de

uma nova ordem social. É nesse sentido que se afirma a importância em desvelar os

conteúdos presentes no universo da literatura gramsciana, haja vista que seu processamento

poderá contribuir para fortalecer os princípios do projeto ético-político do Serviço Social:

situado na dimensão da teoria social crítica, as construções de Gramsci se tornam de grande

monta para reafirmar o processo de intenção de ruptura com o Serviço Social conservador e

“[...] delinear novos caminhos para transpor a prática imediata, manipuladora e fetichizada

que cerceia a compreensão da dimensão política da profissão e de sua inserção na história da

sociedade [...]” (SIMIONATTO, 2004, p. 258), contribuindo – na condição de um trabalho de

iniciação científica – como um exercício para ampliar os conteúdos que tratam de estruturar

os fundamentos teóricos, metodológicos e ético-políticos do processo formativo e interventivo

dos Assistentes Sociais e dos profissionais vinculados em áreas afins. Aprofundar estas

sinalizações é, pois, atividade que demanda maiores investigações em tempos futuros.

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APÊNDICE A

A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE GRAMSCI: BREVES CONSIDERAÇÕES

Antonio Gramsci nasceu em Alles, uma pequena cidade agrícola da Sardenha

localizada no Sul da Itália, em 22 de janeiro de 1891. Segundo Simionatto (2004), vivenciou

um período marcado pela ascensão e consolidação do modo de produção capitalista na Itália a

partir da inserção do país no circuito da economia europeia. Este momento, caracterizado pelo

processo de unificação italiana, acarretou numa cresceste disparidade entre as regiões Norte e

Sul: “Ao Norte, desfraldava-se a bandeira do progresso econômico e do desenvolvimento.

Notáveis eram os progressos que apareciam no setor industrial, concentrados na região

setentrional. O Sul, porém, continuava marcado pela forte evolução dos problemas sociais”

(SIMIONATTO, 2004, p. 24) e pela existência de grandes massas camponesas lançadas a

pauperização. É nesse contexto que a questão meridional no cenário italiano – colocada pelo

“atraso” do Sul em relação ao Norte – se apresenta como alvo das investigações iniciais de

Gramsci: a Sardenha, enquanto região localizada no Sul da Itália, era precisamente excluída

do progresso industrial do Norte. “Permanecia atrás, não participava desse impulso,

continuava ligada às velhas estruturas e às velhas condições sociais, à eterna miséria e atraso

de todas as camadas da população insular” (SIMIONATTO, 2004, p. 26). É a partir destas

indagações que Gramsci ocupa-se da investigação de questões regionalistas, em particular, da

Sardenha e das massas camponesas do Sul (Mezzogiorno). Conforme Coutinho (2011b),

apenas em 1911, quando passa a cursar a Universidade de Letras de Turim, é que o autor

sardo inicia sua militância política ao lado das massas operárias turinenses e, em 1913,

ingressa no Partido Socialista Italiano (PSI). A atividade jornalística, desenvolvida em

paralelo a militância política, também se configurou em importante exercício que Gramsci se

dedicou: publicando diversos artigos no Avanti! – órgão oficial do PSI –, se preocupou em

escrever acerca de conteúdos próprios da teoria política, abandonando os estudos

universitários para se empenhar integralmente ao jornalismo e a política. Gramsci, no entanto,

sempre se opunha ao determinismo economicista – erroneamente confundido com o

marxismo – que inspirava a ideologia do PSI: este determinismo embasava as ações dos

reformistas e dos maximalistas, grupos de correntes distintas que dividiam o PSI, instaurando

– em seu interior – uma cisão notória. Os primeiros atribuíam grande valor as conquistas

econômicas imediatas (reformas) da classe trabalhadora em detrimento da organização

macropolítica do proletariado na perspectiva de transformação da sociedade; os segundos, por

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acreditarem na instauração do socialismo como fim inevitável, permaneciam atados à

expectativa da grande crise do capital para a objetivação do comunismo.

Em 1919, de acordo com Simionatto (2004), a fundação do jornal L’Ordine Novo

coincide com a experiência de Gramsci nos conselhos de fábrica. O intuito do jornal era “[...]

fornecer elementos para subsidiar a gestão das fábricas pelos trabalhadores e fortalecer o

autogoverno das massas” (SIMIONATTO, 2004, p. 29-30). Em 1920, se desencadeia – em

Turim – o movimento de ocupação das fábricas: os conselhos de fábrica93

passam a ocupar e

dirigir grande parte das indústrias turinenses, em particular a Fiat. Neste momento, como bem

aponta Coutinho (1992), Gramsci ainda permanecia apostando na possibilidade de edificação

do Estado Comunista a partir destas ocupações, incidindo

[...] de certo modo num erro corporativista: não [...] [via] que a dominação e

a direção políticas da classe operária [...] não se limitam ao controle imediato

da produção material, mas implicam também uma ação hegemônica sobre o

conjunto das relações sociais. Isso significa que o “território” da classe

operária vai além da fábrica: abarca a totalidade das instituições sociais,

políticas e culturais que asseguram a reprodução da vida social como um

todo [...] (COUTINHO, 1992, p. 17, grifos do autor).

Assim é que fracassado o movimento de ocupação das fábricas pelos conselhos devido

à impossibilidade de seu espraiamento pela Itália e pela recusa de seu apoio pelo PSI, o autor

sardo passa a conceber a necessidade de construção de um partido revolucionário que permita

obter, para além do espaço da fábrica, a hegemonia proletária. É neste contexto que Gramsci,

conforme Coutinho (1992), reconhecendo o território da classe operária como todo o território

nacional – e não apenas como o lócus da fábrica –, vê no partido político a possibilidade de

construção do Estado Comunista: neste momento, o autor sardo ainda se empenha em

reformar o PSI a partir de dentro; logo, porém, se desvincula para ingressar na fundação do

Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921. Conforme Neres (2012), em seus primeiros anos,

o PCI foi conduzido pelo grupo dirigente liderado por Amadeo Bordiga94

. Bordiga e Gramsci

apresentavam pontos divergentes em torno da concepção de partido que deveria estruturar a

edificação do PCI: Gramsci priorizava “[...] a construção de um partido alicerçado no

movimento de massa, Bordiga [...] insistia na construção do partido como um órgão da classe,

relativamente isolado do movimento operário e construído pela vanguarda formada pelos seus

representantes mais íntegros [...]” (NERES, 2012, p. 81). O ponto nodal que tratou de

93

Os conselhos “[...] seriam o instrumento para pôr fim à própria relação salarial, [...] o trabalhador elevar-se-ia

da condição de assalariado submetido ao capital àquela de ‘produtor’ [...]” (COUTINHO, 2011b, p. 16-17). 94

Amadeo Bordiga liderou – junto à Gramsci – a cisão do PSI.

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instaurar o aprofundamento da tensão entre Amadeo e Gramsci foi, no entanto, a recusa de

Bordiga à adoção da frente única95

proposta por Lênin: a frente única “[...] indicava a

necessidade de constituição na Itália de uma aliança política entre comunistas e socialistas [...]

como fundamental para deter o avanço do fascismo e permitir a reorganização das forças

proletárias diante do ataque reacionário” (NERES, 2012, p. 83). Em 1922, durante a

permanência de Gramsci em Moscou (Rússia) representando o PCI, o autor sardo pôde se

aproximar direta e verticalmente da tradição leninista, demarcando – ao contrário de Bordiga

– a necessidade de se aderir à frente única e, sobretudo, de reformá-la96

para adequá-la às

próprias exigências assumidas pelo desenvolvimento das sociedades modernas. Assim é que

Gramsci, rompendo com Bordiga – por entender que ele “[...] nada mais era do que uma

manifestação do velho maximalismo no interior do PCI” (COUTINHO, 2011b, p. 18) – e ao

aproximar-se da tradição leninista, evidenciando a necessidade de se adotar a frente única a

partir de sua reformulação e de sua adequação ao cenário italiano, se empenha em propor a

constituição de um novo grupo dirigente para o PCI. É neste período que o fascismo, por meio

do governo de Mussolini, passa a ganhar força na Itália e donde Gramsci passa a se esforçar

para denunciar o movimento reacionário burguês. “Guiado por um pragmatismo radical e

apresentando uma proposta modernizadora, o fascismo defendia uma política favorável à

crescente concentração de capital, mostrando-se [...] anti-operário, antidemocrática e

corporativista” (SIMIONATTO, 2004, p. 30-31).

Em 1924, conforme Simionatto (2004), Gramsci é transferido de Moscou para Viena

por estar impedido de retornar a Itália devido à emissão – pelo governo fascista – de um

mandado de prisão. A perseguição de deputados comunistas se tornou muito comum neste

período: o assassinato de Mateotti, deputado socialista e antifascista, evidenciou este feito e

tratou de acentuar a tensão no cenário político da Itália. Após ter sido eleito deputado pelo

distrito de Vênetro, donde exerceu o cargo até 1926, Gramsci regressou a Itália por conquistar

imunidade parlamentar e com a finalidade de intensificar as atividades do PCI. Conforme

Coutinho (1992), em 1926, é realizado, em Lyon (França), o III Congresso Nacional do PCI,

no qual fora aprovado o novo grupo dirigente do PCI liderado por Gramsci. É neste mesmo 95

É importante destacar que, de início, Gramsci aderiu às proposições de Bordiga em relação à recusa da adoção

da frente única. “Mesmo discordando do fatalismo presente na concepção partidária de Bordiga, é preciso

reconhecer que, nesse momento, Gramsci convergia com ele na necessidade de salvaguardar a identidade do PCI

contra as tentativas [...] de fundi-lo com o PSI, seja na forma de uma aliança política entre os dois partidos [...],

seja na forma da fusão entre maximalistas e comunistas [...]” (NERES, 2012, p. 83). Esta percepção de Gramsci

em relação à adoção da frente única, no entanto, irá se modificar a partir de sua estada em Moscou, donde tomou

contato mais profundo com a herança leninista. 96

“Ao fazê-lo [...] [Gramsci] apresenta pela primeira vez o que será depois [...] um dos temas predominantes dos

Cadernos, ou seja, a formulação de uma nova estratégia socialista para o que se chamará mais tarde de

‘Ocidente’” (COUTINHO, 2011b, p. 18).

Page 81: SERVIÇO SOCIALcac-php.unioeste.br/cursos/toledo/servico_social/arquivos/2016/... · teórica de Antonio Gramsci, ... no Serviço Social, pretendeu-se demonstrar por meio da aproximação

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ano que, em 8 de novembro, depois de um atentado cometido contra Mussolini em Bolonha, o

governo fascista prende Gramsci e outros deputados comunistas: ora, se naquele momento

“[...] a batalha estava perdida fora do cárcere, Gramsci lenta e obstinadamente a continuará

dentro dele. O fascismo vencia por um lado, mas a resistência antifascista do sardo opunha-se,

por outro, como um escudo forte e indestrutível” (SIMIONATTO, 2004, p. 32). Durante o

período em que permaneceu encarcerado, Gramsci se concentrou em garantir a continuidade

de suas atividades; elaborou um plano de estudos e de trabalho para que pudesse combater a

passividade imposta pelas condições carcerárias: as Cartas e os Cadernos do Cárcere são os

resultados, com base na experiência política anterior, de suas reflexões desenvolvidas e

aprofundadas durante o período de confinamento. De início, o autor sardo fora condenado a

pena de cinco anos de encarceramento; mas, posteriormente, acabou por ser sentenciado a um

período de vintes anos, adquirindo liberdade apenas em 1937: sua débil condição de saúde

não permitiu, no entanto, que pudesse viver por mais do que dois dias depois de sua própria

libertação corpórea.