Silêncio em Poema

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Coletânea de poemas publicados entre 2010 e 2011 no blog "Silêncio em Poema", de Lucas de Melo Bonez.

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Page 1: Silêncio em Poema
Page 2: Silêncio em Poema

Sobre o livro

Sempre fui de escrever.

Desde a época de escola escrevia textos, tanto para jornal do Colégio Sévignéquanto para manter guardado. Sempre gostei disso.

Textos escritos aos vinte-e-poucos, aos quase trinta. Tudo compõe este silêncioque lerás em breve.

Neste último ano, minha vertente poética resolveu dar o ar da graça. Sonetos, queantes buscavam regularidade, agora se fazem tematicamente - o que consigoestruturalmente não é pensado. Outras estruturas extasiadas e fórmicasresolveram se fazer presentes - e neste e-book pocket, há textos compostos de2010 e 2011.

Nesta obra, coletam-se textos de todos os assuntos. Dor, horror, amor, lembrança,infância são focos presentes, que fazem com que muitas identificações sejampossíveis por parte dos leitores.

Que tua leitura seja agradável!

Um abraço,

Lucas

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Page 3: Silêncio em Poema

CopyrightAuthor

Lucas de Melo BonezEditor

Editora IndependenteCopyright © 2013 Lucas de Melo Bonez

First Published using Papyrus,2013

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Page 4: Silêncio em Poema

Bem-vindo à vidaTeu corpo consumido pela terra.

Tua voz extraída sem paz ou guerra.

Sentado ao lado de teu pai, sereno,

Hás de reconquistar teu lugar a pleno.

Levanta-te, alma pura!

Busca o teu espaço pela noite escura!

Sê bem vindo novamente

Ao local em que não há poente.

És filho de fidalgo - expulso já foste!

És filho de donzela - duro como hoste!

Levanta-te, alma pura!

Busca teu espaço pela noite escura!

Como num momento voraz,

Aplaca a gentil matéria que te espera:

Um gesto, uma fala repetirás

E uma mão se colocará: quimera.

Levanta-te, alma pura!

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Page 5: Silêncio em Poema

Busca teu espaço pela noite escura!

Sagaz sejas, bem vindo à vida,

Trépido recorte do bem humano!

A sede de teus sonhos é lida

Em contraponto à âmbito cavalariano.

Levanta-te, alma pura!

Busca teu espaço pela noite escura!

E não sejas impiedoso ou descortês,

Pois nada importa que nua praia

Ou num monte andes: desfaçatez

Seria não observares por atalaia

O espaço, o abstrato, a vida e a morte

Que só nós, caídos, sabemos sem corte.

Levanta-te, portanto:

Sois és - agora, sem pranto.

Levanta-te, levanta-te.

Não és um recorte errante.

Levanta-te, por fim:

Nada mais será afim...

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Page 6: Silêncio em Poema

- Ergue-se o corpo, abandona a tumba.

O mar ao longe o homem vê.

Antes apenas de abandonar a penumbra,

Pensa no que há na tevê.

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Carta de um Chapeleiro Louco

"Faço tanta coisa

Pensando no momento de te ver

A minha casa sem você é triste

A espera arde sem me aquecer..."

Skank, Tão só

Querida Alice,

Já não exploras o tempo como devias.

Não posso desejar-te mais do que alegrias,

pois, neste momento, estou tão saudoso.

Querida Alice,

Saibas que o nosso mundo já não é o mesmo.

Sem ti, qualquer passo dado é a esmo,

Qualquer mau agouro não passa tenebroso.

Ah, Alice, o ambiente em guerra que venceste,

A batalha com um dragão não te enlouqueceste.

Só nossa terra, de tão maravilhosa que é,

Anda tão calma, sem lutar diante de um grande pé.

Alice, sei que me lês, exatamente agora.

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Page 8: Silêncio em Poema

Sei que buscas as causas que me levam a te conhecer.

Só não faças descaso dessa carta e corrobora

Que todo teu ser está louco para me ver.

Perguntarias quem sou, bela Alice,

Mas nada mais sou do que teu imaginário,

Como disseste, em ambiente templário,

Num momento de rubor e meiguice.

Sabes, no entanto, Alice querida,

Que toda uma solene homenagem a ti

Não seria mais justa do que sofrida,

Já que nãos mais está junto a mim.

Vem, doce Alice, vem novamente,

Pois um Chapeleiro anseia em vê-la.

Não há mais momento bom que esquente

Essa vontade vã, com brilho de estrela.

Volta, Alice, e responda, enfim:

O que um corvo tem de relação

Com uma escrivaninha, é não?

Serei grato e repleto, pra mim.

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Page 9: Silêncio em Poema

Despeço-me, Alice, sem te esquecer:

És fada roubada de um local sem razão.

Nunca esqueças de um sábio dizer,

Que aqui tiveste como um lapso clarão:

"Alice é ser quem és, não aquilo

Que pensas ser", disse Absolam.

Se sempre fores como um esquilo,

Serás como algo que nunca notarão!

Adeus, Alice querida, que retornes em breve:

Sou um Chapeleiro desejoso por te ver.

Se há alguma loucura nessa fala, rouca e leve,

Considere, apenas, os sonhos para florescer.

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InfalívelManto sagrado, rubro em prata,

Que me dirás se não houver mais nada?

Que farás, de encontro à faixa,

Se em nenhum momento houver fada,

Se em algum lugar estiver estanque

O caminho sem glórias e de parada?

Num mundo tão distante e sensato,

Em que páginas e páginas de sombra

Hão de notar tudo o que está inacabado:

Serias o único a vencer a tumba,

A viajar por entre terras de um recato,

Invencível e inacabada penumbra?

Em tuas mãos, a espada em punho;

Em teus pés, botinas de couro a limpar;

Em teu corpo, uma armadura de sonhos;

Em teu coração, uma leve fragrância do amar.

Sobra tua cabeça, sã e possuidora de coros

A te dizer: "Não te vão perdoar!"

Segue teu rumo, cavaleiro do futuro,

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Que entre as brumas a avalanche está.

Teus dedos, em cortes e dores,

Há de sentir a fortuna que não acabará.

Tua vida, guerreiro, de falsos primores

Tão logo em retalhos e louvores será.

Quem, afinal, há de combater e deter

Um ser tão ignóbil, frágil e saliente?

Quem deteria a forma, a crista e o saber

De alguém que sequer sabe ser crente,

Do que se deseja de um homem de poder

Para então realizar toda a sua gente?

"Humilhado seria", responderia, incrível,

"Não serei algo tão bom quanto desejei"

Mas de forma e conteúdo, é infalível,

Sabendo que, por trás, "sei que despertei",

No que tange sua vida, é indescritível,

Já no que vê como um todo: "só enganei".

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Reminiscência

Das claras lembranças

Que firme alcanças,

Nada mais pode ser

Como o firme entardecer.

No pífio pensamento,

Irônicas lembranças

De um vagar sem andanças

Consomem o momento.

Ira, amor, amizade:

De que valem as rosas

Se em instâncias saborosas

Não se tem a verdade?

Em relação de muito gelo

Reminiscências de cargueiro

Que muito trouxe, com zelo,

Todas as falas de um pedreiro:

Que a escola é amor, posto passado,

Em um ambiente totalmente alienado,

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Em que se busca louvor, sons de prazer,

Argumentos e falas de muito saber.

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Lúcifer e a súdita

Sorte a tua, humilde senhor,

Que pode me ver nessa situação.

Quem sois? O que desejais?

Há um fundo de verdade em toda a fala?

Sorte a tua, humilde senhor,

Que pode falar comigo neste estado.

Quem és? O que queres comigo?

Afinal, uma voz é esse contato imediato.

"Eu", diz a voz, "sonho contigo

A cada noite e a cada dia,

pois te vejo, a pleno e à força

como num momento de prazer:

és a força e és a dor, passando

como um encanto de Lúcifer!"

Quem és? O que queres comigo?

És alguma voz a mais do que penso?

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"Trevas", resmunga a voz, "não é apenas

o caminho do mal, velha senhora...

As noites são quentes e os dias também,

Os dias são mortos e as rosas são noites

A plenos vapores em redutos sem amém."

Quem és, embriagada voz? Quem és afinal?

Um tiro no escuro é a voz imortal...

"Repense, senhora antiga", novamente diz,

"Se queres afago, aqui não terás!

Se desejas o fogo, aqui encontrarás!

A alma que aqui pena já não é de raiz,

Se um pano fora quente, o outro já não é:

Um desejo indecente e o inferno aqui é."

Ah, voz infernal, não sei quem tu és!

As causas, as laias, as trovas perdi!

De anjo sem causa e caído sem pés,

As trevas e inglórias daí já senti!

"Bem sabes", finaliza a voz, "dos céus

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Eu desci. Já fui, já sou, permaneço aqui.

Ah, com almas terríveis de mausoléus

Sem donos neste ambiente vivi.

Não importa quem morra ou in extremis

Está, posto que é vida num ambiente

Distante, longe do sabor de cassis:

Há, apenas o flagelo duradouro e reluzente."

Oh, voz que te afasta, prenda-se a mim!

Não importa, sem glória, espaços não tive.

Afinal, és o espaço que se refere ao fim

E não há nada que me prenda e ative.

Só quero o sabor do novo, do claro e do belo

Que Fausto fora o único a viver e a tê-lo...

- E a voz não mais retorna, apenas conduz.

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Soneto amoroso

Quando te vi, numa noite cálida e escura,

Soube que não haveria mais luar sem dor.

Afinal, seria assim a distância, impura,

Longe de tua face e de teu amor.

Logo na primeira noite, quente e profana,

Houve um espaço guardado de rica beleza:

"Hás de ter fé e amor, sabor e gana,

Pois jogar comigo é uma mágica gentileza".

Tempo passa, tempo volta, a pleno vapor.

Momento anda, caminha e transpõe

De que adianta um momento ir sem torpor?

Se lança, por fim, a longínqua caminhada

Em que num afã de grandeza se dispõe

A mais rica das cabalas: ser da bela amada.

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Silêncio

Silêncio!

Não escutas essa voz?

Não compreendes o que ela diz?

Silêncio! Silêncio!

O que há por aqui?

O que houve a ti?

Rebenta nas curvas um sentido grotesco,

Uma fibra, um som aleatório.

Que mais há por ti de dantesco?

Uma mensagem de algum pictório?

Silêncio!

Não vejo mais tua face.

Encontro por diversas curvas,

No corte de um enlace

A chave das mais turvas

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Das noites.

Não vejo mais tua face

Em brilho e cristalina.

Apenas sonho com o enlace

De nossa áurea neblina

Às foices.

Silêncio! Uma vez mais!

Não escutas essa voz?

Quem a reconhece?

Silêncio, silêncio!

Enquanto devoro essas reminiscências,

Podes perceber quem és de verdade?

Ou, na incrível pausa da incredulidade,

Não chegas à conclusão de tais essências?

Ao declarar que o corpo jaz,

Que em minha alma tu ficas para trás,

Repouso meus olhos sobre os teus,

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Busco igualar tua face aos sonhos meus.

Silencioso ambiente,

De um último colchete:

Dá-me força para continuar a ver

Tua pura alma sem ritmo de ser

Bela e constante.

Silencioso ambiente,

Em que dorme o corpo presente:

Dá-me lucidez para reviver

Um puro ar para transcender

Essa curva incessante.

Silêncio, agora.

Que mais há?

Nada, responderás.

- No meio do caminho, haverá uma pedra!

"Poeta" - dirás!

Nunca rebaixaria à figura de quebra.

E, na noite plácida e serena,

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Em que os sons já não se tornam sãos.

Veremos a alma em júbilo e plena,

Para quem esticaremos as mãos.

Ao tocá-la, de leve,

Perceberemos a sublime intensidade:

Por um lado, o prazer breve;

por outro, pura sensualidade.

E o silêncio, que reverbera esta situação,

Passará de mero confidente, amargo,

Às difíceis margens da intuição,

Oscilando entre o doce e o letargo.

Enquanto isso, só um som se instala

E se eterniza à fala:

- Silêncio! Silêncio!

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Page 22: Silêncio em Poema

Vendetta

Acordei de um sono profundo.

O dia clareia através da aurora,

Mas preciso saber quem sou novamente.

Você já ouviu falar de mim?

Um anjo caído que não restou em marfim?

Distante, notei as agrúrias da vida.

Próximo, continuo vendo dor - inocência perdida!

Agora retorno, crente de meus poderes.

Se não ouviu falar em mim, agora ouvirá!

Se já sabes o meu fim, meu recomeço saberá!

Empunho minhas armas, eterno sou.

Febre por vingança, alma não mais terei.

Resta-me um corpo, firme e ávido pela justiça.

Se tens ideia do que fiz, podes lamentar.

Se não julgas nem escutas, hei de o futuro forjar!

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Page 23: Silêncio em Poema

Concluo o objetivo de minha missão apenas com o que possuo.

Não saberia proceder diferentemente da forma como suo.

Afinal, há muito a se resolver num espaço de tempo escuro.

Minha vingança completa,

É dessa vida que me leva,

Deste sol que me projeta

Raios solares de trevas!

- O corpo da terra saiu.

Brotou, cresceu e viveu

Para a vida eterna, adiante,

E só lhe resta o ultrajante

Sentido de vingança.

De morte.

Consorte.

Ao norte.

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Page 24: Silêncio em Poema

Ida sem bagagem

Sinto que o corpo queima cada vez mais.

Sei que um minuto passa e já não posso mais

Te ver. Sentir o teu abraço ou o fruto do carinho.

Já não vez, adorada, que o tempo passa?

Não percebes que um cálido vento nos enlaça?

De ti, percebo somente essa inconstância -

Maldita quimera que me fazes passar!

Sou de um lado frio e de outro também - leve calar!

Já não sentes, adorada, que é hora de partir?

Não percebes que nem um único minuto nos faz refletir?

Sob a doce luz da lua, esbanja-se saúde e audácia.

Só não há por quem lutar ou correr como se fosse nada,

Pois cá estou, uniforme e sem valentia, para a vida esfacelada.

Já não falas, adorada, com um ser que em ti nada brota?

Não percebes a frieza e a falta de gesticular nessa rota?

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Page 25: Silêncio em Poema

Por fim, não mais aparecerei - posto em praga o corpo eterno.

Um filme que já passou, outro que nem sonhei:

Assim é nossa vida, desde o velho tempo que te cruzei.

Termino de falar, adorada, mas não sem antes de lembrar:

A consequência da vida sem te ter é a mesma que sem te amar.

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Page 26: Silêncio em Poema

Fogo

Queima no horizonte,

O absoluto desejo de viver.

Em brasas, aos montes,

A inconstância do sobreviver.

Quem disse que na calma

Apesar dos inúmeros soluços

Não avança uma simples alma

Para chegar ao fatigado consenso?

Através do fogo, da brasa,

Avança a alma pura e gentil.

Nem no meio de um milhão de rosas

Teremos uma força tão senil.

Incluiria ao poder da alma

Todo o desejo nela representado.

Igualmente à forma, espalma

A bela e lúcida morte - caso pensado.

Livre de qualquer objeção,

De qualquer fuga ou noção,

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Page 27: Silêncio em Poema

O fogo arderá como a tumba

Aos vivos, visto que retumba

Todo o desejo sofrido e real

Dos corpos que sãos sofrem

Em busca de uma arma letal

Que renasça os que lá traem.

Abrigaremos, em brasa e cinzas,

Todo o lânguido sentido, maculado

Pela dor e pelo horror às stravaganzas

Que a alma faz de pérfido cuidado.

No horizonte, então, não mais acenderão

Os pavores da multidão, grandes e vistosos:

Sobrarão as almas - ao longe renascerão

Os únicos seres que nos faltam: homens talentosos.

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Page 28: Silêncio em Poema

Páginas de ilusão

Num dia, debaixo das cobertas,

O livro era sua única companhia.

Sob um frio petrificante,

Num ambiente nada eletrizante,

Seria tudo igual a uma mania

Ou ler, vontades atadas?

Pensou, debaixo do cobertor,

Chegando à conclusão que só lia

Por gosto, por querer, por prazer;

De nada adiantaria estremecer

Perante um obstáculo que cria

Paredes de rubro torpor.

Começou a ler, acobertado,

Pois o frio ainda imperava, gelado,

E sua vontade era de terminar

Aquela história - longo caminhar.

Virada a primeira página,

Leu aquilo que não era magna:

A história era sua, do ser escondido,

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Page 29: Silêncio em Poema

Do homem que vive pelo céu reluzido,

Mas que em meio às tentações,

Nada faz por si, senão imitações

Das vidas que sempre desejou e quis,

Como se assim pudesse ser feliz.

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Page 30: Silêncio em Poema

Tempo de acreditar

Quando minha voz for escutada,

Sairei de meu breu eterno para a redenção.

Serei o amigo mais sincero, não o amargão,

Pois é hora de notar toda a escalada.

Quando minha voz for refletida,

Em menos tempos sairei para notar

Que toda aventura em um além-mar

Encerra-se no momento da partida.

Quando minha voz for refreada,

Sairei para explanar o que penso,

Já que de nada serve o intenso

e maledicente pavor da armada.

Quando minha voz for apagada,

Todo o mal será reluzente, mas incolor,

Pois de toda a escuridão e amargor

Ficará apenas a alma desenganada.

Sem a voz, sem a força, sem o toque.

Precisa-se de espaço para acreditar

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Page 31: Silêncio em Poema

Que todos nós somos mais para amar

E o tempo só reforça tal retoque.

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Page 32: Silêncio em Poema

Ilha bela

Em local isolado, lá ficava o elemento:

“Ser ou não ser, eis o que pensar!”

Pensara no poeta, mas não falara atento.

Isolado, perdido na ilha,

O ser lá estava, calmo a falar:

“Quero todo o mundo, até tua filha!”

Logo pensou que não deveria pedir

Nada. Seria um devaneio, calar

Seria melhor, mas resolvera atrair

A ira. Nuvens fecham, calado o tempo.

Paira A voz, sobre o luar ao mar:

“Que pedes assim, como tal elemento?”

“Quero tua filha, ó Deus!”, bradou o homem.

“Buscais por vias erradas, bravo ser,

Se quiseres além, falarás do que deve aquém.”

Silenciado o homem, repensou seus atos.

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Page 33: Silêncio em Poema

Surgiu em meio a tudo um único vulto.

A bela, a amada que desejara por retratos.

Ah, ilha bela, possuidora de alentos,

Salvaste uma alma de puros sonhos

Apenas para manter seus lineamentos.

Quem seria a partir de agora?

Que buscaria sem pedir mais nada?

Viveria apenas da grande aurora?

Respostas ninguém traria.

Nem numa passagem meramente isolada.

De resto, apenas o vento ouviria.

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Page 34: Silêncio em Poema

Um haikai

Ventos balançam as flores da estação

Inequivocadamente à beira do rio:

Quem somos, se tudo já se partiu?

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Page 35: Silêncio em Poema

A barca e a passagem

Não há tempo para esperar um novo mundo...

Seus olhos refletem na água.

Meu corpo em chamas deságua.

Tua luz em mim já não reflete

O velho mundo de festa e confete.

Que teremos se embarcamos há pouco?

Que virá senão imundas mazelas e loucos?

Oh, adorada, que em nada mais demonstra

Intenso raio de sol, que não mais me encontra.

Não há mais tempo para esperar um mundo novo...

Por entre barcas, aqui nos perguntamos:

"Ódio e Amor andarão por aqui?"

Sublime feito, imaculado registro

Responderá: "Não, não! Apenas em ti!"

Exploramos os feitos, terceiros momentos.

Esquadrias de madeira muito nobre.

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Page 36: Silêncio em Poema

"Então, seremos os novos pobres?

Teremos de burlar falsos instrumentos?"

"A música, adorada, é espírito que expande

Tudo que nos faz notar, íntegros e amantes

De sons cálidos e sentidos, criados e constantes

Da beleza que aqui nunca será revoltante!"

Não há mais tempo para esperar um mundo novo...

É só o que a voz diz: "Tempo não há!

Não há tempo! Quem sois, maldito guerreiro?

Imperas por lutar contra o precioso mosteiro,

Ígneo amante das malvadezas do que existirá!"

Tão logo a voz soou, por loucura ou descrença

Tudo se apagou. Vela, voz, velocidade intensa

Que agora permite deixar com que o céu e a terra

Terminem de sacralizar os corpos que aqui se enterra.

- Não há mais tempo para esperar um mundo novo...

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Page 37: Silêncio em Poema

Decifra-me ou te devoro

"Que criatura pela manhã tem quatro pés,

ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?

Ela estrangulava qualquer inábil a responder,

daí a origem do nome esfinge, que deriva do

grego sphingo, querendo dizer estrangular."

No mais completo breu,

À luz de fantasias incomparáveis,

Lá está ele, pronto para mais um combate.

Apesar dos avanços inimagináveis,

Com brandura, calor e força,

Enfrenta sua última adversária e suas palavras ágeis.

"Esfinge és", brada o guerreiro,

"Se não me deixais passar, corto-te a cabeça!"

De repente, num lance bastante rápido,

O monstro torna, a cabeça desenlaça:

"Hás de passar, grande herói, mas não antes

De decifrar uma última e breve trapaça."

Atormentado por mais um agouro,

O herói aceita o desafio, mas suplica:

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Page 38: Silêncio em Poema

"Que seja breve, pois aqui não mais tempo

Tenho. Andes nessa provação, atípica

Para mais esta batalha de campos hostis,

Para mais uma vitória de dose única."

"Pois, então", diz a esfinge, "diga-me breve:

Que animal, quando jovem, caminho em quatro

Pés; que em idade adulta vira bípede; que,

Por fim, ao leito de morte, três pés é extrato?"

Deixa-se o herói em grande agonia, maior

Que todas as dificuldades antes houvesse ilustrado.

"Esfinge és", diz o guerreiro,

"E de nada me adianta falar! És monstro, és todo,

Lama de homem, retumbância magistral,

Mas nada há de terminar comigo, nem estrondo

De uma fala tão descomunal! Saia!"

Finaliza o combatente, sem mais qualquer lodo.

"Devoro-te, portanto", ameaça a Esfinge,

"Já que não temes o mal! Arranco-te a cabeça,

Os olhos, as entranhas, com um único toque

Desfigural. Não te disseram que esmoeça

Antes que o mal tome conta de teu ser?

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Page 39: Silêncio em Poema

Não mais serás do que folha que esvoeça!"

Pretende finalizar o guerreiro, dizendo:

"És tão pouco para bradar tanto! Num raio

De quilômetros ouvirei tua súplica ao ver-me

Demolir tua sentença, já que me contraio

Apenas para pensar em algo que já é tão óbvio:

o que queres que eu responda é homem, raio!"

E assim o guerreiro desfaz a Esfinge,

Decifrando-a em nome de um bem superior.

Bem esse que não se encontra em qualquer requinte

Senão em embevecido espaço de furor:

Um rei que nega o filho por grande medo

Terá agora de sofrer as consequências de seu pavor.

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Page 40: Silêncio em Poema

O chamado

O chamado que ouvi não tinha voz ou som.

Era um chamado inconsequente e irado.

Era o grunhir de rato que emitia, queimado,

A sensação de que nada daquilo vivido era bom.

Sentei à pedra e esperei: "Velha senhora",

Alguém me disse, "vá embora antes que

Seja tarde, tão tarde que não implora

A alma para ficar à beira de uma estandarte".

Num clima denso, nebuloso e maledicente,

Caminhei rumo ao lago, pronta a descer

Aos meus infortúnios de idosa descrente

De um mundo rodeado por doentes roer

Almas. Almas. As mais puras almas

De um planeta rico em metáforas e pouca paz.

De um ambiente nu aos espelho das palmas

Que os vencedores debocham ao gosto voraz.

Mergulho. Vou ao fundo e lá me vejo:

"Mundo, mundo, vasto mundo", diria o poeta.

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Page 41: Silêncio em Poema

"Velho mundo, outro mundo", digo e festejo,

"Nada mais tens do que ódio. Clara seleta!"

E vou ao fundo, bem distante de tudo.

Encontro aquilo que me torna finada:

"Ah, outro mundo, bem como no estudo,

Hás de me levar a outra cavalgada."

Adiante, a luz forte e intensa, de brilho único:

Radiante espaço em qualquer gentileza perdida:

Que me olhas, se em nada cri ou fora aludida?

Só me resta silenciar e crer em algo púnico.

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Page 42: Silêncio em Poema

A nova ilha

Rodeada pelos mares distantes,

Separada da terra e do além, sem mais vivas cores:

És a ilha, viço cambaleante,

Incapaz de gerar quaisquer amores.

Perdida no meio do nada,

A ilha parece um semover dúbio:

quanto mais se eleva a fronte acabada,

menos se percebe o sentimento decúbito.

Num par de mãos dilaceradas pelo tempo,

Ninguém pode ousar tocá-la e sair atento,

Pois não mais recebe naus ou marinheiros,

Apenas o mal, o negro, o baderneiro.

A ilha afundará, sim, talvez em breve.

A ilha afundará... Quiçá bem leve.

Lentamente e aos poucos...

Num mar roto de agruras e soltos

Todos os medos de uma alma escura...

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Page 43: Silêncio em Poema

Às vezes

Um caminho de lágrimas é um dia chuvoso:

Quanto mais tu queres que passe, mais água vem dos céus.

Um caminho de paixões é um pedido de carinho:

O universo ao alcance, os desejos possíves.

Às vezes, os caminhos se cruzam.

Há vezes em que se toma outra direção.

Por vezes, nos soltamos e esquecemos a escuridão.

Num passe de mágica, o escuro esclarece -

Mil asas de anjos voam, pêndulas ao céu

Para trazer a alegria de estar aqui.

Às vezes somos instigados ao absurdo:

corre-se riscos, busca-se felicidades.

Mas quando há o temporal seguido de chuva,

Só os que estiveram presentes conheceram a sensação.

E isso só acontece às vezes.

Só às vezes.

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Page 44: Silêncio em Poema

Em frente

It's time to stand up,

Stand up and walk,

Walk all alone,

Down the same road.

(André Matos, A lapse in time)

Quantas vezes nos levantamos pensando nas mesmas coisas?

Em quais momentos realmente vemos o que realmente acontece?

Sabemos tudo que realmente se passa?

Que maldita criatura sabe tudo o que realmente vê?

É tempo de olhar pra frente.

É hora de não mais ficar parado.

É certa a necessidade do novo.

É manifesta a vontade de se manter com o outro.

Agora, basta caminhar, homem.

Siga em frente, que seja sozinho.

É hora de encontrar teu futuro.

Há tempo pra retomar seu caminho.

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Page 45: Silêncio em Poema

Havia um garoto

"I lost my way...

But found my truth..."

(Aquaria, Lost)

Esta é uma história de amor?

Não sabemos bem.

De um quente e encantado momento

A um passo da frieza em questão,

Tudo correu rapidamente.

Havia um garoto.

Um belo e estranho garoto.

Seu encanto pelas coisas da vida era fugaz.

Até o aparecimento dela.

Quando a encontrou, seu mundo floriu.

Quando ela partiu, seu mundo murchou.

Pelas ruas, antes naturalmente vivas,

As pegadas sem som se tornaram constantes.

As folhas de uma primavera real

Tornaram-se as secas de um outono castigante.

Ela não sabe disso.

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Page 46: Silêncio em Poema

Ela não se importa com isso.

O garoto cuida de suas lamúrias num silêncio inaceitável.

Mas o que ele pode fazer?

Gritar? Expor? Rezar? Calar?

Ele apenas sabe amar.

Não sabe como chegar.

Muito menos como acabar.

Havia um garoto.

Um belo e estranho garoto.

Que de suas lágrimas criava rios.

Que de seus rios fazia oceanos.

Justamente porque não viu o principal pensamento de sua vida:

Que a mais bela de todas as coisas é amar

E ser amado em troca.

Quem é esse garoto?

Por que belo e estranho ele seria?

Num espaço vasto, numa natureza fria?

O que deixa de ser quente e assim se avizinha?

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Page 47: Silêncio em Poema

Difícil encontrar respostas.

Sabemos que a expansão do mundo não permite vermos tudo.

Sabemos que os pensamentos não são totalmente expostos...

Mas havia um garoto.

Um belo e estranho garoto.

Que apenas sonhou em um dia ser amado

E receber seu amor em troca.

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Page 48: Silêncio em Poema

Anjo-luz

Num espaço vazio, numa caixa de presente,

Na hora da virada, no momento do desastre,

Nessa vida de alegrias, noutra feita de tristezas,

Uma luz é vista ao fundo.

Num momento passado, na hora do presente,

Na vida de viajante, ou na criada por um mestre,

Quando em desejos, ora fugazes ora afáveis,

A luz é cada passo mais próxima.

Numa tríade de amizade, desejo e conquista,

Numa dor convertida em prazer,

Com aqueles sinais de complacência permanente,

A luz toma forma.

De um claro momento, de uma estúpida fala,

De um passado memorável, de um presente conflitante,

Um futuro perfeito que está por vir:

A luz é um anjo.

Um anjo branco, clarividente, incandescente.

Cega-me vê-lo, me consome a vontade

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Page 49: Silêncio em Poema

De tê-lo para realizá-lo, dia após dia.

O anjo não cairá em desgraça, pois me salvará.

À luz do dia, um anjo de encantos profundos.

Ao cair da noite, uma luz que perdura além do mundo.

Que anjo é esse que me tenta e que me esquenta?

Que luz é essa que me faz perder o chão?

É a luz do mundo, exclusiva pra mim.

É a alma que me carrega e que me move.

É o sonho que desabrocha a cada aproximação.

É minha vida, minha terra; meu anseio, minha perdição.

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Page 50: Silêncio em Poema

Um último grito

E eu que nunca pensei

Que tudo aconteceria assim.

Tu saíste de la como um tufão

e todos os meus sonhos foram em vão.

De um jazigo recém criado,

Uma alma desperta em gritos de desejo:

- Peço-te a vida! - é o que diz.

Mas em momento algum se fez feliz.

Nas horas em que se criaram ritos e

Evocaram os nomes de todos os santos,

o dela não foi chamado, tampouco citado:

Era hora de crer num final tresloucado.

A alma, então, percebe que o seu grito é em vão.

Reclude novamente, descansa eternamente.

Seus desejos, contudo, estão sempre por vir,

Enquanto penso que se irás reprimir.

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Page 51: Silêncio em Poema

Fusão

Saio à noite.

Um raio de luz me surpreende.

Busco saber o que há,

Mas não há palavra que diga.

Saí à noite.

Surpreendi-me contigo.

Busco te ver logo mais,

Mas só há desejo para lá.

Sai à noite.

És raio que me faz surpreender.

Buscas te encontrar junto a mim,

Mas ainda obstáculo há de ter.

Saímos à noite.

Somos fusão de luz e desejo,

Buscamos espaço em meio ao ensejo

De uma busca incomum e de deleite.

Somos a noite.

Somos o dia.

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Page 52: Silêncio em Poema

Somos a fusão da energia,

Que há de nos trazer regalia.

Sou a tua noite.

Tu és o meu dia.

Quem pense que somos em parte,

Não sabe que somos alegria.

És minha noite.

Sou o teu dia.

Que do alento exala e foi-te,

Como num gesto de sabedoria.

Sou a luz,

És a escuridão.

Sois ponto de interrogação

Em todas as falas de tua cruz.

Sou a escuridão,

És minha luz.

Sou a bicada de uma avestruz

No centro de um mundo zangão.

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Page 53: Silêncio em Poema

Fusão é o que somos.

Benditos sejamos em longos sonos.

Hei de te ter em ambiente ardente,

Para que de paixão eu morra incandescente.

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Page 54: Silêncio em Poema

Encontro

Quando teus passos não mais forem seguidos,

Escutarei o grito do alívio.

Quando minha mente não mais for preenchida,

Escutarei o som das ondas.

Quando meu ser não mais souber o que fazer,

Escutarei as lágrimas descerem.

Quando a calma preponderar no teu caminho,

Escutarei o ruído da felicidade.

Quando um dia houver motivos para mentiras,

Escutarei o anjo dizer que não.

Quando relembrar cada espaço do teu corpo,

Escutarei tua voz pedir mais.

Quando ficar cara a cara contigo novamente,

Escutarei que me queres mais.

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Page 55: Silêncio em Poema

Quando eu lembrar que todos meus sonhos foram em vão,

Escutarei tua palavra de perdão.

Quando realizar cada ponto de meus objetivos,

Escutarei tua voz no meu pé de ouvido.

Quando eu quiser um novo sonho ao teu lado,

Escutarei que anseias o mesmo.

Quando tu buscares em mim tua realização,

Encontrar-me-ei, enfim, todo em ti.

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Page 56: Silêncio em Poema

Quando éramos tolos...

Quando éramos tolos, presos a um pensamento mágico,

Eu sonhava contigo, em carne plena e noite serena.

Ao acordar, via-te próxima, cálida e distinta,

Mas não ouvia uma só voz de amor ou ternura.

Dizia-te: "Vem! Aproveita esse momento junto a mim!"

E o que eu via era indiferença e rancor,

Pesadelo, tormenta, distanciamento e horror,

Pois as palavras soavam como se ditas a um fim.

Quando éramos tolos, meu amor, eu te sentia aqui:

Estufando um peito cardíaco, sem qualquer sinal de dor.

Sabia que em teu coração tripudiava paixão incolor,

Que nos teus - e nos meus - sonhos fomos um croqui.

Agora que o passado se foi e meus sonhos ficaram,

Sei que num momento de ternura relembrarei de ti:

Um passo mal dado, um coração desalmado ali,

Um espaço de amor e um calor enquadrado restaram.

Quando éramos tolos, eu sabia que podia ir além.

Hoje, que deixei essa característica de lado, não mais.

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Page 57: Silêncio em Poema

Simples poema que expressou o que senti ontem,

Bendito poema que mostra que sou além de "ais"!

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Page 58: Silêncio em Poema

Por uma camisa

Vestir o manto rubro

Era o sonho do menino.

Deliciar-se com o mínimo:

"É com isso que me cubro!"

Sentir o efeito do prazer

Propiciado pelo momento púnico:

Desejo inabalável de ser,

Vontade criada, permanece único.

Ao ser derrotado, se acalma.

Ao ver-se vencedor, vibra.

E quando não há mais alma

Vê-se só, mas de todo se equilibra.

Vestir o manto rubro

Era o sonho do menino.

Deliciar-se com o mínimo:

"É com isso que me cubro!"

Nas horas em que se via feliz,

Não ousou perder, nem por triz,

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Page 59: Silêncio em Poema

Queria a vitória, sempre criada

Aos traços de uma embalada virada.

Quantos não tem o mesmo sonho?

Quantos não querem vibrar com o punho?

Sabe-se que no rubro coração

Palpita algo maior que qualquer ação.

Vestir o manto rubro

Era o sonho do menino.

Deliciar-se com o mínimo:

"É com isso que me cubro!"

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Page 60: Silêncio em Poema

Árvore da vida

Uma vida em meio aos escombros

És árvore, sensível,

Raio de luz que invade aos poucos,

Abrindo fronteiras para o invisível.

Uma cena singular.

Num feixe, luzes e troncos se envolvem;

Num canto, uma pequena garota explora sons e sinais

De um tempo que recém se iniciara, junto à aurora.

Pasmem aqueles que pensam

Que de nada vale a imagem para a menina:

A luz que cruza a árvore elabora um céu particular,

Uma imagem nítida da cena infantil:

Sois terra, calor e força;

És árvore, mas a minha imagem da vida.

Imagem que se distrai

Entre os assombros da noite,

Amor, que fica e vai

Ascendendo, atracando ao porto.

Aquela arte de antes,

Aurora da vida,

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Page 61: Silêncio em Poema

Ficará sempre em meu peito

Palpitando, rente às feridas.

(co-criado com Natália Galvão)

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Page 62: Silêncio em Poema

Novo haikai

Tempo vívido, árvores balançadas pelo vento,

Um som de leveza e uma brisa refrescante:

É assim meu coração, alvo, calmo e sereno.

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Page 63: Silêncio em Poema

Intervalo

Certo demais, caminhava pela praia,

Sentindo o vento resfriar-lhe a face.

Um caminho de areia em silêncio.

Um espaço de luz em solidão.

Parado à beira, observando o mar,

Pensando no que seria sua vida agora:

Conclusões nulas em um momento único,

Pensamentos em forma de bolhas.

De que serve meu canto se tu não ouves?

Pra que falo ao vento se não chegam a ti

As melhores palavras que alguém exporia?

Não me serve de alguma forma esse momento.

Parar não é o fim, mas o intervalo, cruel e agoniante

De uma espera que não parece acabar.

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Page 64: Silêncio em Poema

Um espelho para Narciso

Vês, Narciso, que imagem pura e clara

Resplandece da cristalina água?

Sentes o furor da paixão que ficara

Preso à fluidez que o tempo enxágua?

Há tempos não enxergas mais que a própria imagem.

Não sabes o quão belo é o que há por dentro do corpo.

Insanas ideias paradisíacas consigo, culto e vertigem

Num mundo cruel de espaço, de curvas, mal torpo.

O que há dentro de nós, Narciso, senão os sentidos?

Que mais há que aquilo não visível aos teus olhos?

Talvez num curto espaço descubras, benditos

Que a natureza humana é corpo e se resume a pó.

Que um dia terás no corpo o objeto falível, fraco,

E que te restará apenas aquilo que lhe é opaco.

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Page 65: Silêncio em Poema

Trilogia do três

I

Um ano agora feito.

Um beijo agora estreito.

Um passo com certeza eleito.

Um ramo de flores,

Mil palavras ao vento.

Conheci-a num gesto passado.

Qual lívido refresco trazido pela brisa,

Foste una e várias, cabeça e tronco,

Para salvaguardar em teu coração um meu pedaço bronco.

II

Jazias pensamentos, efetuavas mistérios:

"Quem seria a alma portadora da chave

Que abriria as portas do inédito?"

Pulsou meu coração em batidas celérias.

Sempre foste uma amazona aguerrida:

Alma, braços, palavras e carinho.

Tiveste de mim aquilo que eu mais portei:

Pensamento, falas e um tanto de ninho.

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Page 66: Silêncio em Poema

III

Estive perdido em pouco tempo:

Chegaste e encontraste o espaço perdido.

Se eu fosse a passagem ao rito intento,

Serias um corpo em que eu estaria adormecido.

Como a alma o tempo quis

E, enfim, ao léu nos fez deixar,

Aquele passo dado num dia feliz

Virou a carga irônica de uma risada a explorar.

***

Viste a alma e o céu em que me transformei?

Sentiste o silêncio apalpando tua mente?

Reviste em passos e pesadelos um passado ardente?

Recriaste o corpo que um dia configurei?

De nada se faz uma trilogia

Além de alma, espelho e som.

Em todos eles há o espaço da alquimia

Para assim chegar ao teu coração.

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Page 67: Silêncio em Poema

Perguntas

Eu te pergunto:

"Tu vens?"

"Não hesito",

é tua resposta.

Em meio a um milhão de flores,

Vejo teus olhos brilharem em gozo profundo:

Estás a um passo de encontrar teu caminho,

Um passo dado em meio ao nada e ao mundo.

Eu te pergunto:

"Tu queres?"

"Anseio",

é tua resposta.

Como num conto de fadas,

Caminhas como uma Alice sem asas

Em busca de tua contemplação,

Ou de um mágico alicerce para casas.

Eu te pergunto:

"O que queres?"

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Page 68: Silêncio em Poema

"Não sei",

é tua resposta.

Num altar finito de ideias,

Mas múltiplo em capacidades,

Regozijas receios, atacas contrariedades -

Só vejo a ti em meio às parcas possibilidades.

Eu te pergunto:

"Quem sois que me buscas?"

"Uma alma cálida e serena",

é o que pensas.

As palavras não saem,

revoltam-se contra o proferimento

E lá elas ficam, apagadas ou engasgadas,

Não ditas pelas sombras de todos os receios.

Eu te pergunto:

"Agora, o que faço?"

Silêncio - eis a resposta:

O que pensas e o que falas.

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Page 69: Silêncio em Poema

Quem eu seria em meio ao não dito?

Qual abraço seria a contemplação do sentido?

Que busca, que alicerce, que palavra

Há de esgotar a agonia de um bendito?

Não mais pergunto.

Respostas não há.

Há um carinho sincero,

Que clama por um "ah"...

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Page 70: Silêncio em Poema

Unidunitê

Uni - Foi o tempo em que eu era.

Duni - Que momento chegou?

Um corpo era Uni.

Com o outro, virou Duni.

Entrelaço Uni.

Resposta Duni.

Dedos em mim - Uni.

Envoltos nos teus - Duni.

Uniduni.

Momento propício,

Festa nos dedos!

Uniduni.

Ente feliz,

Resposta dos céus!

Eu te vejo uni.

Tu a mim, duni.

Eu me esquento duni.

Eu me acordo uni.

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Page 71: Silêncio em Poema

Quisera Uniduni.

Um espaço aberto num feixe duni.

Uma vontade tal qual anseio uni.

No entanto, duni.

Quisera Uniduni.

Logo te envolves uni,

Para que lembres sempre duni.

Enfim, uni.

Uniduni.

Momento propício,

Festa nos dedos!

Uniduni.

Ente feliz,

Resposta dos céus!

Corpos distantes - Uni!

Anseio de ti - Duni!

Corpo em essência - Duni!

Que por ti anseia - Uni!

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Page 72: Silêncio em Poema

Uniduni.

Seria sempre um fim uni?

Terá dia um pensar duni?

Que seja.

Logo se descobrirá

Que de uniduni,

Sempre haverá um tê.

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Page 73: Silêncio em Poema

Entreato

Eu, seguidor de ti.

Tu, seguidor de mim.

Um passo em falso

E o holofote nos ilumina.

Num resquício de espaço,

Um céu de brilho intenso e raro.

No nosso mesmo e caro

Pudor, em paixão eu te laço.

Segue-me à linha, aproxima-se.

Toco-te, puxo-te e te beijo.

Num entreato ardente não cesse

Nenhuma vontade nem algum lampejo.

Eu, seguidor de mim,

Encontro-me em ti.

Tu, seguidor de ti,

Completa-te em mim.

Num entreato de espaço aberto,

Tu, seguidor de mim, alçou-me.

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Page 74: Silêncio em Poema

Num jogo de mergulhos, num aprume,

Vejo-me em teu calor, sempre, ao certo.

Sou seguidor de ti.

És seguidor de mim.

Não há entreato em que não se observe,

Que somos ato de um teatro eterno.

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Page 75: Silêncio em Poema

Um carro

O sonho de todo menino é ter um carro.

"Quero dirigir!", diz ao pai.

"És pequeno!", ele responde, não raro,

"Quando maior, pedirás um 'não apelai!'".

Carro de duas ou quatro portas.

Um ar condicionado, amplificadores.

Não há no mundo um desejo de mortas

E más jornadas que substitua os motores.

Num sonho breu, o menino viu uma imagem:

O carro, arrojado tal qual sua vontade, iluminado:

Havia algo mais do que um mero vestígio corado.

Era um ser de alva face, de corpo em vertigem.

O carro, então, passou a ser apenas um carro:

Desde que o menino conheceu a imagem do carinho,

Nenhum objeto se tornou tão claro quanto o amarro

De dois corações: o meu e o teu, unidos num ninho.

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Page 76: Silêncio em Poema

Caminhando nas nuvens

Céu de brumas límpidas e serenas,

Um espaço amplo de celestialidade e candura:

Assim é tua casa, teu espaço entre açucenas,

Assim é meu coração, num céu cheio de ternura.

Sai de casa e caminha entre nuvens de felicidade.

Vejo-te longe, ao céu, mas com vontade indescritível:

És um anjo de amor em meio a um espaço de verdade.

Sou um ente que lida com a paixão de forma legível.

Desces à terra e vês o quanto teu caminho é carinhoso:

Encantas um caminho rico de beleza e engenhoso.

Há, no entanto, um eco por ti a ser ressoado e calado:

Que, num caminho de nuvens, opera um peito alado,

Que por te ver, clama pelo teu abraço quente;

Que por te ter, não vê mais o mundo cão, sequer doente.

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Page 77: Silêncio em Poema

Desconstrução bonita

Encontrei um caminho de rosas debaixo do meu travesseiro.

Era um caminho límpido, aconchegante e bastante quente.

No meio do caminho, ouvia-se a quebra das ondas.

Na quase chegada, um som me fazia vibrar:

Encontrei-te no meio do caminho.

E agora só quero amar.

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Page 78: Silêncio em Poema

O animal

O impulso do animal era severo.

Criava situações, pendia espaços,

Bajulava a presa, atormentava quem visse,

Perpetrava medos.

Animalizar os espaços era sua vontade.

Despejar sua raiva e seus medos o faziam melhor.

Transgredir, burlar, descamar e arrancar:

Tudo o que o deixava imponente frente ao espelho.

O animal, em si, é o homem:

Quando amedrontado pelo seu eu,

Busca na dor alheia o que lhe faz bem,

Para que busque uma melhoria frente ao nada.

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Page 79: Silêncio em Poema

No meu dia

No meu dia de chuva,

Um raio de luz ultrapassará o caminho até o fim,

Levará meu amor ao seu chão salvo,

Guiará meus olhos ao ponto alvo,

Manterá minha dor distante do jardim

De um espaço de uma mão sem luva.

No meu dia de sol,

Serei tua alma em breve momento de prazer,

Um escândalo dolorido de vontades inconscientes.

Terá minha mão erguido a clava do amanhecer,

Os espaços do meu coração em puras névoas decentes,

Um sonho que não se acha em anzol.

Quando, no entanto, se cruzarem o céu e o mar,

A luz do sol com a beleza do teu olhar,

Eu estarei contigo, independentemente do sol ou da chuva

Para curtirmos juntos cada momento, em cada curva,

Sentindo os espasmos de um coração solto, delirante,

Assim sendo ao menos mais um casal doido e amante.

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Page 80: Silêncio em Poema

Sobre o autor

Lucas de Melo Bonez é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre emTeoria da Literatura (PUCRS/2008). Especialista em Assessoria Linguística(FAPA/2011), Literatura Brasileira (PUCRS/2005) e Infanto-Juvenil (PUCRS/2006).Graduado em Letras (Unilasalle/2004). Blogueiro, leitor, gamer, aspirante a diretorde ópera, adorador de Heavy Metal, do Internacional. Tem dois blogs ativos(Inverno Púrpuro e Silêncio em Poema) e dois e-books compilando seus textos(Inverno Púrpuro e Sonetinhos galantes e outras aberrações sonoras).

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