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TAC, Curitiba, v. 1, n. 2, pp. 68-85, Jul./Dez. 2011

Casos de Ensino / Gestão:

Webfilmes: Aluguel de Filmes em Tempos de Pipoca Virtual

Webfilmes: Movie Rental with Virtual Popcorn

Simone Alves * E-mail: [email protected]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Pedro Ivo Rogedo Costa Dias

E-mail: [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPEAD/UFRJ

Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Antonio Roberto Ramos Nogueira E-mail: [email protected]

Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPEAD/UFRJ Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Kléber Fossati Figueiredo

E-mail: [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPEAD/UFRJ

Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

* Endereço: Simone Alves IFRJ, Rua Senador Furtado, 121-125, Maracanã, Rio de Janeiro/RJ, 20270-021

Copyright © 2011 TAC. Todos os direitos, até mesmo de tradução, são reservados. É permitido citar parte de artigos sem autorização prévia, desde que seja identificada a fonte.

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Apresentação

Já eram quase nove horas da noite e Beatriz Vicenzi, presidente da Webfilmes, estava ainda no escritório da empresa em São Paulo. Para piorar era sexta-feira e o trânsito, que já era ruim em dezembro, ainda não havia sequer dado sinais de melhora. Embora sempre se policiasse para fazer com que seus finais de semana fossem sempre que possível reservados para o descanso e dedicação aos amigos e à família, Beatriz sabia que neste seria difícil conseguir isso. Via que seria bem pouco provável controlar a ansiedade e preocupação com a reunião marcada para a segunda-feira feira, já logo às 08 horas da manhã, no escritório da holding NewVentures: afinal, não tinha dúvidas de que as decisões a serem tomadas eram vitais para o futuro da Webfilmes.

Bem, de qualquer forma, há algumas vantagens em se trabalhar em uma promissora empresa dessa área; entretenimento, pensou, era o que não faltaria ali e talvez fosse exatamente o de que precisava, para relaxar e se preparar para a apresentação que faria.

A principal decisão que deveria ser tomada na reunião era crucial para o negócio da Webfilmes, concentrando-se no seguinte problema: como proceder em um mercado no qual o cliente, ávido consumidor de entretenimento, cada vez mais o procura via Internet? Qual seria o possível papel da Webfilmes neste cenário? A relevância da resposta a essas perguntas era patente para uma empresa que, apesar de ter a Internet como canal de atendimento, mantém o foco do negócio na locação de filmes de mídia física, notadamente em DVD (Digital Video Disk).

Foi até à copa do escritório, pegou uma caneca e preparou um chá. No caminho de volta, deparou-se com uns quatro ou cinco filmes que estavam num canto, quase escondidos. O primeiro impulso foi chamar alguém e perguntar o que eles estavam fazendo ali – já que deveriam estar no estoque, disponíveis para a locação por algum cliente. Contudo Beatriz não conseguiu segurar o riso, quando olhou para o título: "O retorno dos tomates assassinos", com um George Clooney pouco famoso e bem mais novo, em um enredo que poderia ser, na mais honrosa das hipóteses, classificado como trash. Para ela – uma cinéfila de carteirinha –entretanto esse filme era um clássico, que a lembrava de bons momentos. "Ora... assistir a uns quinze minutos não tem como fazer mal...", pensou Beatriz, entrando em sua sala e colocando o filme no DVD player. A Formação do Modelo de Negócios da Indústria

A Webfilmes havia-se lançado em um mercado altamente dinâmico: a indústria de entretenimento eletrônico doméstico representava um dos segmentos mais impactados pelo advento da Internet e da evolução da Tecnologia da Informação (TI) no formato digital. Embora a Webfilmes atuasse mais diretamente em parte dessa indústria, isto é, a veiculação de entretenimento doméstico através de mídia física, a concorrência não se restringia às empresas deste mercado. Dentro da própria casa do consumidor, havia verdadeira guerra pela sua atenção, recurso cada vez mais escasso e difícil de conseguir, que deveria ser conseguida, ainda que com a presença de diversas outras tecnologias, tanto complementares quanto substitutas: televisão (aberta, via satélite, a cabo ou IPTV(1)), videogames, aparelhos de som, microcomputadores e notebooks, videocassetes, formatos diversos de mídia (CD, DVD, mp3), dentre várias outras.

De forma geral, é possível dividir os players que atuam neste segmento da indústria do entretenimento em três grandes categorias, em função do seu papel em relação ao conteúdo: geradores, distribuidores e receptores/apresentadores de conteúdo. Os geradores são aqueles que produzem o conteúdo, envolvendo tanto os grandes estúdios cinematográficos quanto, em alguns casos, produtores independentes(2). Os distribuidores cuidam do caminho entre o conteúdo produzido e seus receptores. Esses últimos compreendem os processos envolvidos na apresentação do conteúdo recebido, fazendo

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parte dessa fase os equipamentos eletrônicos, frequentemente utilizados para exibição, como TVs, DVD players, salas de cinema, etc.

Embora o termo ‘entretenimento’ esteja em geral associado a uma indústria que envolve um contexto bastante amplo, pode-se considerar o principal negócio da Webfilmes como fazendo parte do segmento de aluguel de gravações (de filmes, shows etc.) para usuários domésticos por meio de mídia física – no caso, o DVD. Essa indústria tem suas origens há mais de cem anos.

Se alguém desejasse ouvir uma música, assistir a uma peça de teatro ou algo do gênero na virada do século XIX para o XX, deveria invariavelmente presenciar algum espetáculo musical ou assentar-se em uma cadeira no teatro, respectivamente. Os mais ricos tinham também a possibilidade de contratar esses serviços para execução privada, durante festas e cerimônias reservadas.

Com a invenção e posterior desenvolvimento de técnicas destinadas à gravação e reprodução de sons e imagens em movimento, esse conteúdo passou a ter a possibilidade de produção em série, ganhando escala e aumentando a sua disponibilidade para o público em geral.

Embora nas primeiras etapas esse desenvolvimento apresentasse caráter ainda bastante artístico, experimental ou político, aos poucos começou-se a organizar uma cadeia de empresas em torno da exploração dessas novas mídias disponíveis.

A criação da chamada ‘indústria cultural’, termo originalmente de conotação crítica(3), ocorre a partir do momento em que a própria geração do conteúdo era então orientada para a produção em escala, visando à geração de lucro. Nesse ambiente, surgem as grandes gravadoras (como a EMI, criada em 1931) e estúdios cinematográficos (Warner Bros., fundada em 1918; MGM, em 1924; Columbia, em 1926), bem como se inicia a profissionalização de seus artistas e técnicos.

O modelo de difusão de conteúdo cinematográfico envolvia as etapas de produção, distribuição e exibição. Até o final da década de 1940, nos EUA, os grandes estúdios também detinham o controle das principais redes de exibição, perfazendo uma integração vertical na cadeia. De todo o modo, o modelo básico de negócios consistia no alto investimento efetuado pelos estúdios para a produção dos filmes (infraestrutura, pagamento de atores e técnicos, material etc.) e distribuição dos filmes finalizados para salas de cinema, as quais pagavam em troca aos produtores e distribuidores uma taxa (percentual sobre o valor do ingresso cobrado ao consumidor) pelas exibições, ficando com o valor restante arrecadado. Finalmente, todo o conteúdo era fortemente protegido por uma legislação que garantia aos estúdios os direitos autorais, bem como por diversas patentes sobre os formatos e equipamentos de exibição.

O modelo alterou-se de modo significativo com a emergência da televisão como meio de entretenimento doméstico, o que aconteceu em meados das décadas de 1950 e 1960. Os estúdios a princípio rejeitaram veementemente o novo meio, incluindo ameaças de ‘geladeira’ a qualquer ator que participasse de algum programa na TV; ou seja, de não mais indicar o ator para qualquer tipo de trabalho durante a vigência do seu contrato com o estúdio. Contudo, com o passar dos anos, as produtoras perceberam que a televisão poderia ser um meio útil para gerar receita sobre filmes mais antigos, para os quais existia demanda que não tinha como ser suprida pelo modelo tradicional de exibição cinematográfica. Assim, surgia o delay de exibição das produções cinematográficas: primeiro nos cinemas e depois de alguns meses na televisão, com o pagamento, por esta última, de direitos sobre exibição aos produtores.

A introdução e popularização do formato VHS para fitas de vídeo, após a ‘guerra de padrões’ com o Betamax, geraram nova turbulência nessa indústria, porém de dinâmica diferente, se comparada com a experimentada por ocasião do surgimento da televisão.

Ao contrário da televisão, em que o indivíduo assiste a uma grade de programação sobre a qual tem poder praticamente zero de escolha, o formato de vídeo permitia assistir ao conteúdo em qualquer horário e local. Além disso, surgiu um problema: embora caros, já existiam equipamentos que copiavam o conteúdo de uma fita VHS para outras. Este processo, ainda que gerasse certa perda de

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qualidade, cópia após cópia, representava um desafio ao controle exercido pelos estúdios sobre seu conteúdo (e, obviamente, uma ameaça aos retornos projetados sobre o investimento), pois não só se poderia assistir ao filme pirata em qualquer lugar, como também sem pagamento de royalties aos produtores.

A reação dos grandes produtores de conteúdo foi semelhante à ocorrida, décadas antes, com a televisão. Inicialmente houve uma rejeição do novo dispositivo, com as grandes corporações negando-se a licenciar seu conteúdo em arquivo para este formato – os primeiros adotantes foram produtores menores, independentes, além da indústria pornográfica.

A mudança de postura da indústria cinematográfica ocorreu de modo similar ao experienciado com a televisão. Assim, as produtoras começaram a licenciar seu conteúdo para o formato VHS, destinando-o à venda ao consumidor final, perfazendo um acréscimo à ordem de divulgação dos filmes: primeiro o cinema, depois a televisão e, por último, o VHS. Somou-se a isso uma intensificação da repressão à cópia não autorizada de mídias, embora sem muito sucesso.

O advento da Internet, por si só, não é o grande responsável pela mais recente alteração no modelo de negócios da indústria cinematográfica, quer seja a difusão de filmes pela rede. Primeiro, somente após a disseminação da Web houve uma explosão no número de usuários conectados à rede, sendo que, em muitos países, quantidades expressivas somente foram alcançadas na primeira década deste século. Além disso, as conexões, sendo muitas discadas, apresentavam velocidades muito baixas, o que transformava o eventual download de um filme em tarefa que podia durar dias.

Contudo, assim como o Napster, com seu serviço de livre troca de arquivos digitais entre os usuários ao redor do mundo, abalou sobremaneira a indústria fonográfica, o impacto da Internet sobre a difusão de produções cinematográficas foi mais sentido, a partir do aumento de banda nas conexões e da difusão de aparelhos que gravavam em CD e DVD. A cópia digital, ao contrário de sua antecessora em VHS, não perde qualidade com o número de reproduções e cópias, o que faz com que baste a obtenção de uma única matriz digital de um filme, para que este possa ser disponibilizado via Internet, atingindo potencialmente qualquer pessoa que tenha acesso à rede.

Foi exatamente esse ponto que deixou a indústria cinematográfica bastante receosa em adotar a difusão de filmes via Internet. Mesmo com o avanço das tecnologias de proteção ao conteúdo, conhecidas genericamente como DRM, não costumava demorar muito para que algum cracker(4) conseguisse derrubar a proteção e disponibilizar o conteúdo livremente online, como, por exemplo, via torrents(5)- ou quaisquer outras formas disponíveis de fazer isso. Os sistemas de DRM (do Inglês Digital Rights Management, ou gestão de direitos digitais, são utilizados de modo a garantir a inviolabilidade do conteúdo por partes não autorizadas, atuando quase como criptografia dos dados) também se mostravam de difícil implementação, visto que não era raro ocorrer casos de falha, deixando um cliente que pagou pelo conteúdo sem acesso a ele. Além disso, havia ainda a pirataria realizada com meios físicos, nos quais as cópias eram vendidas em formato físico, como o DVD.

O desenvolvimento da indústria no Brasil havia seguido os mesmos passos.

Com poucas e relevantes exceções, o mercado brasileiro produzia uma quantidade pequena de filmes, muitos deles sem apelo comercial, em especial quando comparados às superproduções de Hollywood, que começaram, já na década de 1930 e 1940, a dominar hegemonicamente as salas de exibição brasileiras. Assim, o mercado brasileiro era fundamentalmente um importador de produções estrangeiras.

A difusão da televisão tem contornos parecidos, embora tenha demorado mais que em países mais industrializados. As grandes redes de televisão acabaram por comprar filmes das produtoras e exibi-los de modo semelhante àquele dos EUA.

A Internet, que no Brasil só realmente havia se firmado na virada do século XXI, obteve grande aceitação e penetração nos mais diversos estratos sociais, concentrando-se principalmente em regiões

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mais industrializadas do país. Contudo, no que se refere à violação de direitos autorais, o tratamento é, na prática, diverso do existente nos EUA e outros mercados.

Mesmo sendo signatário de tratados internacionais de proteção da propriedade intelectual, o Brasil não era eficiente na repressão à pirataria de conteúdo imaterial, como música, filmes, softwares, entre outros. Esse fator, somado a uma espécie de aceitação cultural da pirataria, criavam um cenário relativamente diverso do americano. A Criação das Redes de Aluguel de Filmes nos EUA

Com a popularização do VHS, surgiram nos EUA várias lojas que ofereciam aos seus clientes a possibilidade de alugar os vídeos por um determinado prazo, permitindo que diversas produções fossem assistidas pelos consumidores sem a necessidade de compra de todas as mídias.

A mais conhecida de todas era a Blockbuster, fundada em 1985 por David Cook, na época com 29 anos de idade, em Dallas, Texas, local da primeira loja. Aplicando o conceito de big stores, a Blockbuster procurava criar um ambiente familiar, oferecendo ao consumidor conforto, variedade de títulos e conveniência por meio de uma cadeia de lojas padronizadas, espaçosas e de fácil acesso, localizadas em pontos comerciais estratégicos e com estacionamento gratuito, além de funcionários uniformizados e treinados para um atendimento cordial. Os filmes alugados ainda poderiam ser devolvidos em horário fora do expediente por meio de uma caixa parecida com a do correio, existente na parte externa da loja (drop box). Além disso, a rede ainda dispunha de uma variedade de lançamentos e um número alto de cópias dos filmes disponibilizados.

A NetFlix.com, por sua vez, fundada em 1997, já operava apenas com filmes no formato DVD e adotava um modelo de acervo digital com acesso direto aos clientes, via Web. Mediante a Internet, os assinantes podiam selecionar o filme desejado para locação por até sete dias e solicitar a entrega pelo correio no prazo de até cinco dias, que seria então devolvido através do envelope pré-pago e endereçado a NetFlix que acompanhava o produto.

O site da NetFlix entrou no ar em abril de 1998. No entanto a empresa encontrou resistência à aceitação desta proposta inicial pelo público. E após os seis primeiros meses de operação, decidiu então reformular seu modelo de negócios, passando, a partir de outubro de 1999, a oferecer por uma assinatura mensal no valor de US$ 15,95, locações de DVDs por tempo indeterminado.

Esta mudança, associada a um modelo inovador e online de seleção e recomendações personalizadas de filmes aos associados – o Personal Movie Finder Service – mediante o seu site, permitiu que a empresa alcançasse rápido crescimento, tornando-se a líder no segmento de locação online de DVDs nos EUA e atuando praticamente sem nenhum concorrente direto até 2004.

Nesta mesma época, a Blockbuster – que até então mantinha seu foco majoritariamente direcionado ao aluguel de filmes em fitas VHS e de filmes e games em DVD disponibilizados apenas em suas lojas – decidiu concentrar sua atuação no segmento de DVDs e lançar a marca na Internet exclusivamente direcionada ao comércio eletrônico de filmes neste formato.

Esta decisão da Blockbuster parecia ser inevitável, pois já em 2003 havia visto as receitas obtidas com o aluguel de DVDs crescerem 49,3%, enquanto as correspondentes de filmes em VHS sofriam queda de 34% no mesmo período, sendo este o primeiro ano em que o resultado do negócio de aluguel de DVDs ultrapassou o de fitas VHS. Tais dados sinalizavam clara mudança nos mercados das locadoras, afetando o modelo de negócios e indicando uma transição de tecnologias relacionadas ao conteúdo.

Assim, a partir de 2004, o mercado dos EUA passou a ser palco de uma constante e acirrada guerra de preços entre a NetFlix e a Blockbuster, que disputavam o crescente mercado de aluguel de

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filmes digitais em DVD, envolvendo ainda a venda de DVDs por meio da própria Blockbuster e de grandes redes norte-americanas de varejo como Wal-Mart, Best Buy e Amazon.com.

Embora na primeira metade da década de 2000 a disputa estivesse restrita ao serviço online de aluguéis, a partir de 2007 as discussões se voltavam para o lançamento dos serviços de streaming e de download direto, via Internet, de arquivos digitais de filmes licenciados pelos estúdios cinematográficos.

Este movimento levou a Blockbuster a anunciar, em agosto de 2007, a aquisição da Movielink – uma das líderes mundiais deste novo segmento como estratégia de combate e de reposicionamento, em resposta aos avanços tecnológicos da área já oferecidos no mercado norte-americano, não apenas pela rival NetFlix, mas por empresas como TiVo e grandes players da indústria de microcomputadores (como a Apple TV e o iTunes Store).

A consolidação deste mercado parecia ser uma tendência global. Além destes movimentos competitivos observados no mercado norte-americano, também o de locação de filmes pela Internet no Reino Unido se consolidou, levando a empresa Lovefilm à liderança, após englobar as rivais Screen Select e Amazon.co.uk DVD Rental.

A Webfilmes

Quando Beatriz Vicenzi retornou ao Brasil em 2002, após uma temporada de cinco anos trabalhando em diversas consultorias de tecnologia, no Vale do Silício nos EUA, percebeu que se havia esquecido de alguns detalhes típicos de uma grande cidade brasileira como o trânsito paulistano.

Apreciadora contumaz de cinema, sobretudo de filmes de arte, ela foi aos poucos se lembrando de outra coisa ainda comum no Brasil: para ver filmes sem ser na telona das salas de cinema disponíveis na cidade ou então de forma pirata, a única opção restante era o aluguel em uma locadora.

“Eu já tinha me esquecido do transtorno que era enfrentar o trânsito de São Paulo para buscar e levar filmes na locadora”, lembra. “Mas durante um período nos Estados Unidos, conheci uma locadora virtual em São Francisco que oferecia um serviço diferente. Foi ali que entendi que o mercado de locadoras online teria grandes chances de se tornar realidade e superar o modelo clássico de operações”, comenta Vicenzi.

Beatriz então teve uma idéia: por que não tentar replicar um conceito que já estava dando certo nos EUA aqui no Brasil? “Não me conformava com a inexistência de uma locadora que entregasse os filmes em casa, como a que eu usava nos Estados Unidos”, dizia.

Seus pensamentos voltavam-se para a NetFlix, empresa que ela teve a oportunidade de conhecer de perto, enquanto esteve fora do país, pois a assinatura garantiu-lhe que mantivesse um de seus passatempos preferidos também em sua temporada norte-americana.

Embora nos EUA o modelo estivesse dando certo, Beatriz achou por bem efetuar algumas adaptações à realidade brasileira, quando escreveu, no final de 2004, um esboço do plano de negócios que daria origem à Webfilmes.

Assim, em fevereiro de 2006, Vicenzi fundou a Webfilmes e lançou o primeiro portal de filmes no Brasil com um modelo similar ao da NetFlix, mas devidamente adaptado às especificidades brasileiras ou, pelo menos, às de São Paulo.

A primeira destas adaptações foi desenvolver seu próprio modelo logístico: substituíra o serviço prestado pelos Correios (que, no caso da NetFlix, podia tardar de dois a quatro dias para entregar um

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único filme ao cliente) pelos serviços especializados de empresas de delivery por motoboys, bastante comuns na cena paulistana.

Outra adaptação introduzida por Beatriz, para viabilizar este novo modelo de logística do negócio, foi desenvolver uma embalagem exclusiva para a Webfilmes, substituindo as caixas de papelão que eram utilizadas no mercado norte-americano pela NetFlix, por envelopes plásticos, permitindo aos motoboys carregá-los em volume bem maior no baú das motos, otimizando assim o processo de entrega e retirada dos filmes nos endereços cadastrados dos associados.

O negócio cresceu tanto que, logo depois de sua criação, Beatriz Vicenzi foi procurada pelo fundo de investimentos NewVentures, através do seu braço de venture capital, que acabou comprando 10% da Webfilmes, através de duas opções de aumento de participação para até 30% do capital, em 12 e em 24 meses.

O aporte inicial foi essencial para garantir um dos aspectos-chave da estratégia da empresa: “operar com preços baixos para atrair o maior número possível de assinantes e, assim, ganhar escala”. Com o restante do investimento, a Webfilmes pode também colocar em prática uma agressiva estratégia de expansão geográfica, comprando os ativos da concorrente FlexFilmes e ficando com uma base de aproximadamente dois mil usuários para quase nove mil títulos em acervo.

Em 2007, a Webfilmes atingiu o recorde de 600 mil locações; em 2008 atendia a cerca de 50 cidades brasileiras concentradas nas regiões sudeste e sul do país.

Concorrentes Brasileiras

O modelo criado em 1999 pela americana NetFlix foi trazido ao Brasil somente quando a Webfilmes entrou no mercado em 2006. Com o foco prioritariamente na cidade de São Paulo em um primeiro momento, três empresas já operavam com modelos de negócios semelhantes: FlexFilmes, Video Flix e Pipoca Online. Somava-se ainda ao grupo a Blockbuster que, embora não operasse diretamente no mesmo modelo de negócios da Webfilmes, era a vídeolocadora mais importante do país.

A Blockbuster é a única concorrente de origem multinacional. A rede só iniciou suas operações no Brasil em 1995, dez anos após a inauguração da primeira loja em Dallas. Através de um contrato de master franchising, a empresa BWU passou então a ser titular da exploração da marca Blockbuster no país, tornando-se então a maior cadeia brasileira de videolocadoras.

No entanto a empresa não aderiu ao serviço de aluguel pela Internet como as demais concorrentes, embora em setembro de 2006 tenha lançado, no início, apenas para as lojas de São Paulo, o serviço MoviePass de assinaturas mensais, mantendo o modelo já praticado para aluguéis avulsos (inclusive a necessidade do cliente ir pessoalmente à loja tanto para escolher quanto para devolver o filme, com preços relativamente parecidos aos já praticados) e a cobrança da taxa de atraso apenas no caso de devoluções efetuadas após o período de 30 dias.

Desafios

No cenário brasileiro as locadoras online enfrentavam vários desafios. Os primeiros eram relacionados ao hábito de alugar os filmes presencialmente. Os outros, mais complexos, eram relacionados à tendência observada de distribuição dos filmes em plataformas digitais online, sem a utilização de mídias físicas.

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Da visita à locadora ao pedido online

Diferentemente dos EUA, que apresentavam infraestrutura logística bem desenvolvida, o Brasil possuía condições bastante adversas neste quesito. Fora das principais cidades, as estradas muitas vezes eram ruins. As grandes cidades, por sua vez, apresentavam um quadro de níveis críticos de congestionamento em determinados horários.

Além disso, como ocorreu nos EUA na década de 1990, o consumidor brasileiro ainda estava acostumado a alugar seus filmes, indo pessoalmente à loja das locadoras, ou seja, poderia levar ainda um tempo para que houvesse essa mudança de hábito no País. Havia até mesmo quem afirmasse que o modelo de assinaturas não parecia tão adequado às necessidades do consumidor brasileiro, como “a jornalista Juliana Alencar, 23 [anos], [que] acabou desistindo das locadoras virtuais, quando viu que acabava pagando a mensalidade à toa, pois não tinha tempo de assistir aos filmes. 'Não estava valendo a pena', conta a ex-cliente”(6).

Assim, “quebrar o paradigma das locadoras de rua e mudar o hábito do brasileiro parecia um dos maiores desafios para o negócio no Brasil”. Como ressaltado por Eduardo Silvestri, ex-diretor da Videoflix: “É um processo parecido com o que aconteceu no passado com a pizza; no início, as pessoas tinham receio de pedir em casa, agora todo o mundo faz isso”(7).

Os empresários brasileiros do segmento viviam, portanto, uma situação aparentemente paradoxal, que enfrentavam desde o início de suas operações: ao mesmo tempo que competiam entre si, tinham um interesse comum em superar a barreira em relação à cultura brasileira do aluguel de filmes.

Eduardo Casarini, diretor da Pipoca Online – que ainda contava com a experiência de sucesso do ‘Flores Online’ (maior site de venda e entrega de flores do Brasil, do qual sua família era proprietária) – comentava o assunto por ocasião de uma entrevista em outubro de 2006, quando sua empresa completava um ano de operação: “Prefiro que meus concorrentes vendam bem do que deixem o público insatisfeito e queimem nosso negócio”(8).

Tendências de distribuição digital

Outro fator importante para o sucesso do negócio de locação de filmes era a questão da mídia selecionada como suporte para o conteúdo. Alterar o formato da mídia poderia significar a necessidade de o empresário que atua no segmento ter também que comprar o mesmo conteúdo em outro formato, aumentando os seus custos fixos.

Um tópico relevante para qualquer empresário brasileiro era também a questão da regulação. Embora não existissem ainda problemas relatados nessa área, um potencial revés para o serviço de locação online de filmes era o atraso da legislação brasileira na área digital. Em áreas correlatas, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não oferecia uma interpretação clara a respeito das responsabilidades do fornecedor de conteúdo, tampouco do cliente.

Os sistemas de DRM geralmente utilizados nesta área poderiam representar um fator extra de ‘complicação’ para as empresas do segmento. Muitos desses sistemas necessitavam da instalação de softwares proprietários específicos nos computadores dos usuários, de modo a permitir a visualização correta do conteúdo protegido.

Para estabelecer um paralelo, os empresários do setor olhavam para uma indústria que teve histórico de utilização de sistemas DRM: a de conteúdo musical digital. Após o desenvolvimento do mp3 e do surgimento de sites de compartilhamento online de arquivos de música em sistemas do tipo peer-to-peer(9)(como o Napster e o Kazaa, por exemplo), a indústria da música foi seriamente abalada pela proliferação de conteúdo não-autorizado. No entanto, todas as tentativas do setor de utilizar formatos protegidos e proprietários não surtiram os efeitos desejados; pelo contrário, levaram muitos consumidores a abandonarem as plataformas que faziam uso deles.

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Os produtores de conteúdo musical ficaram anos em uma encruzilhada estratégica: como monetizar o meio digital, de modo a competir com a pirataria? No início deste processo, algumas gravadoras optaram pelos processos judiciais contra usuários de sites de compartilhamento (e contra os próprios sites também), que por sua vez, acabaram por piorar a fama das gravadoras musicais.

O primeiro modelo lucrativo de venda de conteúdo musical digital só surgiu com o lançamento do iTunes, da Apple, que oferecia acesso aos arquivos digitais das músicas de modo individualizado a baixos preços fixos, no mercado dos EUA.

As grandes produtoras de conteúdo cinematográfico, contudo, certamente viram o que aconteceu na indústria da música e provavelmente não desejariam repetir o erro estratégico. Contudo caía-se na mesma questão: como oferecer um modelo de negócios sustentável pela venda de conteúdo digital?

A maior parte de todo o conteúdo encontrava-se ainda protegida por direitos autorais, dado que somente os filmes bem mais antigos já eram de domínio público. Além disso, muitos destes contratos eram feitos com base em regiões geográficas, o que fazia com que um conteúdo pudesse estar disponível somente para compradores de um determinado país.

Os sistemas DRM serviam como fator extra de segurança para impedir que crackers e hackers violassem a propriedade intelectual do conteúdo digital. Entretanto não era impossível para um exímio conhecedor de sistemas violar a proteção e disponibilizar o conteúdo para download gratuito em sites peer-to-peer.

A indefinição das produtoras de conteúdo e, consequentemente, detentoras dos direitos autorais dos filmes, refletia-se diretamente na estratégia de mercado das empresas do setor, incluindo a Webfilmes. Ao contrário do modelo de negócios da locação física, que já é estabelecido, ainda era necessário por à prova, no Brasil, o modelo de locação com distribuição em plataformas digitais.

Incertezas

Além de representar um modelo ainda não muito utilizado no Brasil (o da locação de DVDs através de plataformas digitais), a Webfilmes deveria começar a planejar qual seria seu posicionamento perante a tendência que se afigurava no horizonte, que era a distribuição digital do conteúdo.

Ao contrário do modelo tradicional, em que uma locadora padrão estaria no final da cadeia, mais próxima ao consumidor, o modelo de distribuição digital trazia dificuldades para a Webfilmes exatamente por conter diversos fatores que não eram diretamente manipuláveis pela empresa. Como a propriedade intelectual do conteúdo era de propriedade das produtoras, as quais os vinculavam através de contratos de licenciamento rígidos e gozavam de proteção internacional sobre direitos autorais, parecia haver pouca margem de manobra para a Webfilmes nesse quesito.

Contudo, no médio e longo prazo, essa tendência parecia ser central para a própria sobrevivência do negócio da empresa. E se dali a cinco anos, a maior parte dos filmes fosse disponibilizada, via digital, diretamente pelas empresas detentoras de seu conteúdo? Nesse cenário, a Webfilmes perderia praticamente qualquer chance de continuar operando no mercado.

O problema ainda parecia maior, quando se percebia que essa mudança, por mais rápida que fosse, não se daria de modo abrupto. Isso parecia ser bom e ruim ao mesmo tempo. Por um lado, significava que a empresa ainda teria algum tempo para se adaptar, continuando a oferecer seus DVDs para os clientes. Por outro, deveria desenvolver algum tipo de estratégia que conseguisse reter sua carteira de clientes nesse processo de migração. A simples analogia com o que acontecera com as lojas de CDs ao longo das décadas de 1990 e 2000 parecia por demais nefasta para Beatriz.

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Dessa forma, era fundamental que a empresa começasse agora, no final de 2008, a já se preparar para esse futuro que se descortinava no horizonte. Não se sabia ao certo quando, mas se sabia que a ação deveria ser rápida e bem planejada. Esse era o ponto principal da reunião com os investidores da NewVentures marcada para a próxima segunda-feira em Curitiba.

Beatriz, segurando a sua caneca de chá e olhando para o “Retorno dos Tomates Assassinos”, dava-se o direito de descansar um pouco antes daquela reunião crítica para o futuro da empresa. No meio do filme não conseguiu deixar de divagar: “George Clooney...George Clooney...como a moda da década de 1980 era diferente...”

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Notas de Ensino Resumo O presente caso de ensino aborda um ponto crítico de decisão estratégica da empresa Webfilmes, importante player no mercado brasileiro de locação de filmes. Motivados por clara e gradual mudança nos hábitos de consumo de filmes pelos consumidores, os executivos devem analisar os possíveis caminhos com que se deparam. As novas tecnologias têm a possibilidade de afetar seriamente o modelo de negócios, com o qual a Webfilmes vem trabalhando nos últimos tempos, com relativo sucesso. O caso propõe ao aluno uma visão mais histórica, para embasar suas decisões, analisando as mudanças de tecnologia no mercado de entretenimento, desde o início do século XX, a partir da compreensão da dinâmica de forças desse mercado que, além da dependência e perfil baseados nas tecnologias, possui forte componente regulatório. Acredita-se que o tipo de discussão possibilitada pelo caso seja proveitoso para alunos de disciplinas relacionadas à gestão estratégica de tecnologia, pois tem o foco em aspectos não técnicos do negócio; além disso, recomenda-se sua aplicação para alunos de pós-graduação, por apresentar nível de dificuldade médio. Palavras-chave: entretenimento doméstico; locação online; Caso de Ensino; streaming de vídeos; indústria cinematográfica. Abstract The present teaching case deals with a critical strategic decision point in the life of Webfilmes, an important player in the Brazilian movie rental market. Motivated by a clear and gradual change in how consumers watch movies, its executives have to analyze the possible roads that lie ahead of them. New technologies can seriously affect the business model that Webfilmes has been working with recently, with relative success. The case affords students a more historical view on which to base their decisions, analyzing technological changes on the entertainment market since the early twentieth century from a dynamic understanding of this market’s forces; furthermore, the dependence and profile based on these technologies has a strong regulatory component. The type of discussion that is made possible by this case is believed to be of great benefit to students of disciplines related to strategic technology management since it focuses on non-technical business aspects. Moreover, it is recommended for post-graduate students as it has a medium level of difficulty. Key words: domestic entertainment; online rental; teaching case; streaming of videos; movie industry. Introdução

Em dezembro de 2008 – data que marca a decisão discutida no presente Caso de Ensino – embora nos EUA o consumidor de filmes já parecesse estar habituado ao modelo de locação de DVD intermediado por um site, esse modelo ainda era relativamente recente no Brasil. A Webfilmes mostrava-se como a empresa pioneira, trazendo para o consumidor nacional uma adaptação do modelo da americana NetFlix e oferecendo o serviço de aluguel de DVDs através de mecanismos diferentes do padrão brasileiro. Ainda que tenha havido certa concorrência regional para esse novo formato de aluguel de DVD, a Webfilmes despontava como o principal player nesse modelo. Contudo, a despeito de sua posição aparentemente confortável, a perspectiva da distribuição online do conteúdo, evitando-se assim a necessidade de meios físicos (como o DVD ou mais recentemente o Blu-Ray) para o aluguel dos filmes, poderia representar uma alteração crítica no comportamento do consumidor, a ponto de minar o modelo de negócios da Webfilmes. Como deveria a empresa reposicionar-se, de modo a ter a melhor preparação possível para esse provável futuro? Seria recomendável alguma alteração fundamental no modelo de negócios da organização? Quais as perspectivas para a Webfilmes relacionadas a essa mudança da mídia física para o aluguel online?

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Objetivos didáticos

O caso tem como objetivo principal levar o aluno a analisar o posicionamento estratégico de uma empresa em um ambiente de mudança tecnológica, a qual tem o potencial de inviabilizar o próprio modelo de negócios da organização. Dessa forma, espera-se que o aluno seja capaz de desenvolver uma análise que o habilite a: (a) identificar mudanças no comportamento do consumidor no que tange à evolução tecnológica e suas implicações em modelos de negócios; (b) sugerir ações para a empresa que a posicionem de modo a minorar os efeitos negativos e se beneficiar dos eventuais efeitos positivos decorrentes de um cenário de disrupção; (c) analisar o mercado competitivo com foco em macrocategorias de análise, e não apenas em produtos ou serviços específicos.

Dado o caráter da visão esperada do aluno, o caso pode ser classificado segundo o grau de dificuldade para o estudante, como proposto por Erskine, Leenders e Maufette-Leenders (1998), como nos seguintes pontos: (a) Dimensão analítica – Nível 2, deve-se conseguir identificar o problema, bem como suas causas ou efeitos, oferecendo soluções que melhor se enquadrem na análise realizada. (b) Dimensão conceitual – Nível 2, deve-se conseguir identificar as teorias e conceitos mais apropriados para a resolução do caso. (c) Dimensão de apresentação – Nível 2, deve-se conseguir analisar corretamente um caso de tamanho médio, com uma quantidade mediana de informações pouco relevantes, em que algumas das informações úteis para a análise não estão disponíveis.

O enquadramento supracitado indica que o caso é destinado, de modos diversos, aos seguintes públicos. (a) Fortemente recomendado: estudantes de cursos stricto sensu em áreas de gestão e comunicação, sobretudo que tenham conhecimentos gerais de Estratégia e Economia da Informação. (b) Recomendado: estudantes de cursos de pós-graduação lato sensu, principalmente especializações, como MBAs e congêneres, na área de gestão e comunicação.

Os dados que subsidiaram a composição do presente caso foram obtidos diretamente das informações divulgadas nos sites institucionais de empresas citadas no texto ou por meio de reportagens sobre elas – publicadas em jornais e revistas de circulação nacional e blogs especializados em TI.

Para a adaptação ao formato de Caso de Ensino, os verdadeiros nomes da empresa, de seu principal executivo e proprietária (o Fundo de Investimentos) foram disfarçados, assim como também houve a criação da narrativa inicial, envolvendo o dilema da personagem Beatriz Vicenzi, bem como do momento de decisão do caso. Todos os demais dados e informações sobre o mercado são verídicos, baseados nas fontes secundárias citadas.

Sugestão de plano de ensino e breve revisão da literatura

Os autores procuraram levar para a discussão em classe uma situação que incentivasse os alunos a pensarem de modo estratégico, em momentos de indefinição crítica quanto ao comportamento do consumidor de entretenimento doméstico, motivada por inovações tecnológicas. Discussão detalhada sobre a reconfiguração deste mercado é apresentada por Fontes, Deccax e Nogueira (2004).

O caso abre com a cena de Beatriz Vicenzi, executiva-chefe da Webfilmes, em momento de reflexão acerca dos rumos do mercado de entretenimento doméstico no Brasil e de tomada de decisão crucial para o futuro da empresa sob seu comando. Seu interesse imediato, entretanto, não é exatamente no mercado como um todo, mas no impacto que uma possível alteração do hábito de consumo de DVDs cinematográficos poderia gerar no modelo de negócio adotado pela empresa até então.

O aluno é propositadamente levado a crer que a Webfilmes seria uma locadora convencional, dado que logo após a apresentação se tem um retrospecto da formação da indústria cinematográfica global. Tal artifício tem como objetivo realçar a diferença do modelo de negócios da NetFlix (empresa que inspirou a criação da Webfilmes) e as locadoras de vídeo tradicionais. Ao fazer isso, espera-se que o modelo de negócios distinto de ambas as empresas fique patente para o aluno.

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No item ‘a formação do modelo de negócios da indústria’ é destacado também por ser fundamental para qualquer linha de análise do caso. Pelo olhar retrospectivo na formação dos modelos de negócio na área de entretenimento doméstico,notadamente, a relacionada à exibição de filmes ou conteúdo audiovisual gravado (como games, shows, programas educativos, entrevistas ou debates etc.), o aluno deve ser capaz de perceber alguns momentos decisivos, que são delineados a seguir.

Uma discussão detalhada destes momentos é apresentada no capítulo 4, do livro de Shapiro e Varian (2003) sobre a chamada Economia da Informação; ela trata justamente da questão da gestão de direitos, leitura que também pode ser recomendado aos alunos como recurso adicional associado ao Caso de Ensino. Outro livro que aborda a mesma temática, sob o ponto de vista da mídia, é o de Briggs e Burke (2006).

O primeiro momento é o próprio nascimento dos grandes estúdios cinematográficos e o movimento de consolidação subsequente, ocorrido no período entre 1900 e meados de 1950. É necessário notar a forma de produção dos filmes (altos investimentos iniciais, bem como de infraestrutura), como o modelo padrão de licenciamento do conteúdo cinematográfico, mediante o pagamento de royalties pela sua exibição.

O segundo compreende a emergência da televisão. Deve-se notar a reação dos estúdios; eles demoraram a licenciar seu conteúdo para essa nova mídia. O imbróglio somente foi resolvido com um aperfeiçoamento do modelo de licenciamento, incluindo um intervalo entre a exibição nos cinemas e a difusão televisiva do conteúdo cinematográfico. Tal postura representava, para os estúdios, importante fonte de renda adicional, com filmes que já estivessem em catálogo; ou seja, não constituíssem como estreias. Esses royalties adicionais geravam aumento no fluxo de caixa projetado inicialmente para o filme, ao estender a sua vida útil, tornando esse tipo de licenciamento bastante atraente para os estúdios.

O terceiro momento é o surgimento do VHS. Responsável pela criação do setor de locação de vídeos – acontecimento que também gerou nas produtoras cinematográficas uma inquietação semelhante à televisão. Uma possibilidade assustadora que se abria naquele momento era a cópia de conteúdo das fitas VHS. Com isso as produtoras ficaram reticentes em licenciar o seu conteúdo para esse novo meio, pois não mais se teria o controle de modo semelhante ao que existia na exibição por redes de televisão. Uma vez que a fita fosse vendida no mercado, a produtora teria pouco (ou nenhum) controle sobre seu paradeiro, bem como o do conteúdo ali existente.

Esse impasse acabou sendo resolvido e as produtoras adotaram o licenciamento dos filmes para o VHS, após um determinado período de sua exibição na televisão. Conforme pode ser percebido, o fato acabou por gerar outra receita adicional para os vídeos em catálogo, aumentando a vida útil dos filmes e possibilitando mais retornos decorrentes desse tipo de mídia.

O quarto momento vem com a proliferação dos sistemas de compartilhamento de arquivos peer-to-peer, corporificados na figura do Napster (mencionado no item ‘desafios’). O aumento da penetração da Internet ao redor do mundo, na virada do século XXI, possibilitou a troca de arquivos de mídia entre usuários, via sites e plataformas que não necessariamente respeitavam os direitos autorais e na maioria das vezes, de forma gratuita.

A indústria mais afetada com o compartilhamento não autorizado e gratuito de arquivos foi a fonográfica, responsável por longa batalha judicial, que acabou por fechar o Napster. Contudo essa vitória não desincentivou a criação de inúmeros outros locais de compartilhamento, muitos deles em países cujo controle sobre conteúdo ilegal era reduzido ou inexistente. Observou-se uma mudança no comportamento do consumidor, que em várias situações passou a achar razoável efetuar o download de uma música, ao invés de comprar um CD do artista, ainda que isso fosse tecnicamente ilegal em muitos casos. Castells (2003) pode ajudar na compreensão dessa dinâmica de produção na era da Internet.

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Durante muitos anos a indústria fonográfica ficou sem saber ao certo como monetizar seu conteúdo na Internet. Um dos modelos de negócio mais promissores na área é o da plataforma iTunes, da Apple, que cobrava por música, e não por álbum, um valor que oscilava próximo a um dólar americano. O iTunes, contudo, acabou ganhando força e se tornando o principal hub da rede de busca por arquivos de músicas na Internet, ganhando uma posição estratégica de destaque que lhe permitia negociar condições mais favoráveis com as gravadoras, algo que outros portais não conseguiam. Assim, passou a ter oferta significativa e variada de músicas, além de filmes e outros conteúdos, atraindo mais usuários para sua plataforma e gerando externalidade de rede positiva (ver Shapiro & Varian, 2003, para uma explicação desse processo).

O assunto tem sido discutido no âmbito acadêmico, até mesmo no contexto nacional. Referências para aprofundamento nesta linha são apresentadas por Herschman (2010), Lannes (2009), Kretzer e Toyama (2008), Darbilly, Knopp e Vieira (2009) e Darbilly (2007).

É importante que o aluno consiga traçar um paralelo entre a situação da indústria fonográfica, no início da década de 2000, e a situação da indústria cinematográfica na data do caso. São situações semelhantes, que diferem no horizonte temporal, principalmente devido ao tamanho dos arquivos que contém filmes (substancialmente maiores que um mp3), demandando tempo maior de download e consequentemente, melhores condições e velocidades de conexão com a Internet.

Tem-se sequencialmente o item ‘a criação das redes de aluguel de filmes nos EUA’, que expõe para o aluno a criação das principais redes de locação de vídeo nos EUA, com destaque para as duas mais significativas: Blockbuster e NetFlix. A importância deste item reside na descrição do processo competitivo e de aperfeiçoamento dos modelos de negócio de duas empresas diferentes em sua raiz. A Blockbuster era a referência na locação tradicional, enquanto a NetFlix passou a usar a Internet como importante meio de comunicação com o cliente, além de propor um modelo de negócios diferente do padrão: a locação por assinaturas mensais.

A leitura atenta desse item deve chamar a atenção do aluno para os movimentos competitivos já ocorridos nos EUA – sobretudo neste mesmo mercado – algo que pode pelo menos inspirar suas análises estratégicas. Outro fator importante a ser notado aqui é o prenúncio já existente nos mercados americano e europeu da importância do download de vídeos em substituição ao aluguel das mídias físicas (como DVD ou Blu-Ray).

No item ‘a Webfilmes’ narra a implementação da ideia inicial de Beatriz Vicenzi, concretizada na criação da Webfilmes no Brasil e inspirada diretamente pelo modelo de negócios da NetFlix americana. Devem ser percebidas também as adaptações que Beatriz Vicenzi empreendeu no modelo de negócios, de forma a adequar-se à realidade de uma metrópole brasileira, incluindo aí questões como trânsito, espaço de moto, local de entrega e retirada etc.

Conforme já mencionado no item ‘objetivos didáticos’, este caso se caracteriza por apresentar nível de dificuldade 2 na dimensão de interpretação do modelo do ‘Cubo de dificuldade’ de Erskine et al. (1998), o que significa que algumas das informações citadas ao longo do texto não são cruciais ou mesmo intrinsecamente relevantes para a análise do caso em si, deixando para o aluno a tarefa de selecionar que dados são necessários para resolvê-lo. Nesse espírito, o item ‘concorrentes brasileiras’, que trata das concorrentes da Webfilmes, é importante apenas para que o aluno tenha uma ideia geral da formação de preços nesse mercado; contudo a análise propriamente dita da concorrência afigura-se como irrelevante para que se resolva o problema relativo ao comportamento do consumidor de entretenimento, notadamente quando se tem em questão a mudança de mídias físicas para a transmissão por meios digitais.

Após a análise empreendida dos itens ‘a formação do modelo de negócios da indústria’ a ‘concorrentes brasileiras’, o item ‘desafios’ retoma o foco do caso na resolução da pergunta principal, que é relativa ao posicionamento da Webfilmes em relação à perspectiva provável de aumento no consumo de filmes via Internet, por meios de difusão digitais, em oposição às mídias

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físicas como o DVD. Chama-se a atenção do aluno para o fato de que o comportamento do consumidor é fator crítico para o sucesso nesse mercado.

A introdução da problemática da proteção ao conteúdo distribuído digitalmente, em especial com utilização de sistemas DRM, é crucial para o caso; deve o aluno prestar bastante atenção nesse ponto. Herscovici (2004) é uma referência indicada para abordagem do assunto.

No item ‘incertezas’ fecha o caso, retomando novamente as questões críticas de decisão, com base na problemática exposta anteriormente. O segundo parágrafo, que localiza a Webfilmes bem como todas as concorrentes citadas, como distribuidora de conteúdo é crucial. O aluno deve perceber que a empresa não é proprietária do conteúdo que distribui, questão determinante para a elaboração de uma estratégia de ação futura.

Análise do caso

O caso estrutura-se de forma relativamente complexa, demandando um tipo de leitura não linear do aluno, para que se consiga chegar a alguma proposta viável para a empresa.

A primeira análise que deve ser realizada é a da formação do modelo de negócios da indústria cinematográfica. Com essa informação o aluno deve ser capaz de perceber o poder das produtoras de conteúdo na distribuição dos filmes. De fato, todo o modelo de negócios da Webfilmes está estruturado em um sistema de distribuição de conteúdo que não é de sua propriedade. Essa constatação coloca a Webfilmes em situação de desvantagem, restringindo muitas possibilidades de posicionamento futuro.

Uma vez que se constatou a fragilidade da Webfilmes (e de todo o setor) relativamente aos detentores dos direitos autorais (as produtoras), o aluno deve ser capaz de se perguntar nesse contexto: Que significa a distribuição digital do conteúdo?

Uma possibilidade estratégica para as grandes produtoras cinematográficas é o licenciamento de conteúdo digital diretamente ao consumidor final, por meio de alguma plataforma própria. Esse movimento representaria a quebra do modelo de negócios da Webfilmes. Há algumas tentativas nesse sentido nos EUA, como o MovieLink.

Outra possibilidade para as produtoras seria aproveitar os clientes já existentes das locadoras online. Esse cenário apresenta algumas peculiaridades para a Webfilmes. O desenvolvimento de um sistema de CRM (do Inglês, Customer Relationship Management, ou sistema de gerenciamento do relacionamento com o cliente) robusto (como o da NetFlix) poderia dar à Webfilmes um conhecimento aprofundado de seus clientes, envolvendo seus hábitos de consumo cinematográfico e até mesmo de entretenimento doméstico em geral, aliados a dados demográficos, perfazendo um banco de dados valioso para a oferta de filmes e produtos similares no Brasil. Por outro lado, aparentemente não há impedimento para que as grandes produtoras criem seus próprios mecanismos brasileiros de locação online.

Seja como for, é importante que o aluno perceba que o poder decisório crítico no caso está nas mãos das grandes produtoras, não nas locadoras. Assim, a atitude de esperar pelo ‘desenrolar da história’, sem nada fazer, deixaria a Webfilmes dependente das decisões estratégicas tomadas por outrem, potencialmente colocando em risco a sobrevivência da empresa e de seu modelo de negócio. É crucial que o aluno consiga chegar a esse ponto, percebendo que se trata de um caso no qual deve propor ações para uma empresa. Esta, ainda que seja líder de um segmento específico, o de aluguel de DVDs via Internet, se encontra em posição estratégica notadamente desfavorável em seu mercado como um todo, com pouca margem de manobra para se posicionar em relação ao futuro. Convencionando-se que uma atitude puramente passiva seria possível, porém deveras arriscada, impõe-se ao aluno a busca por possibilidades de ação.

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Dessa forma, a pergunta inicial continua a se impor: Como proceder em mercado no qual o cliente, ávido consumidor de entretenimento, cada vez mais o procura via Internet?

A formulação da pergunta já oferece ao aluno algumas pistas. Primeiro, o caso parte do pressuposto de que o consumidor brasileiro é ávido consumidor de entretenimento. Segundo, que esse consumo estaria se dando cada vez mais via Internet. Essas duas pistas podem auxiliar o aluno no desenvolvimento de suas propostas de ação.

O professor deve incentivar o aluno a procurar modelos alternativos de produção e distribuição de conteúdo. Ao procurar alternativas na produção, o aluno poderá encontrar uma saída para o problema do pouco poder de barganha da Webfilmes perante as grandes produtoras internacionais. Ao procurar alternativas para a distribuição digital, ele poderá encontrar formas diferentes de fazer o conteúdo chegar ao consumidor final, embora essas opções fiquem bastante restringidas pelas regras de licenciamento adotadas pelas grandes produtoras até então.

Alguns fechamentos possíveis

As alternativas propostas aqui são apenas alguns dos caminhos possíveis para a discussão em sala.

O caminho aparentemente mais natural para a Webfilmes seria o desenvolvimento de seu sistema de CRM, a partir do aprimoramento do seu sistema de informações, que tem até mesmo a vantagem de ser proprietário, refinando-o a ponto de ter dados detalhados sobre todos os hábitos de consumo de entretenimento cinematográfico; se possível, do entretenimento doméstico de seus clientes. A utilização de redes sociais online como mecanismo de branding, fidelização e obtenção de dados acerca dos clientes constituem uma possibilidade viável e interessante, dada a penetração de redes deste tipo na população brasileira.

Outra possibilidade, cujo foco estratégico seria o acompanhamento no longo prazo da mudança do comportamento do consumidor, seria a criação e disponibilização de alguma plataforma online de visualização dos filmes. O conteúdo inicial poderia consistir em obras já de domínio público – evitando a necessidade de licenciamento – e filmes brasileiros, cujo acesso às respectivas produtoras seria teoricamente mais fácil do que no caso das estrangeiras, assim como ser ampliado no que tange à oferta de shows e filmagens de documentários, programas educativos, de entrevistas e debates.

A Webfilmes poderia tentar liderar o processo de distribuição online de filmes no Brasil, aproveitando-se da sua posição no segmento. Dessa forma, pelo oferecimento de alguma plataforma de visualização dos filmes online, teria como negociar com as grandes produtoras, oferecendo o seu conhecimento do mercado brasileiro.

Todas as estratégias que envolvam a distribuição online de material protegido por direitos autorais certamente irão envolver a discussão sobre a proteção desse conteúdo, algo feito principalmente por sistemas chamados DRM.

A discussão acerca de sistemas DRM é complexa, dado que algo semelhante já foi tentado pela indústria fonográfica e os resultados foram muito aquém do imaginado. Além disso, a realidade brasileira, que envolve uma percepção da pirataria como algo não muito danoso, bem como a falta de enforcement, pode deixar mais complicada esta opção susceptível de ser percebida pelo consumidor como entrave ao uso, muitas vezes lícito, do material por ele comprado ou alugado.

A complexidade pode ser ainda mais acentuada, inserindo-se no contexto a polarização da posição defendida pelos idealistas da livre informação. Esta perspectiva é discutida por Fonseca (2006); a leitura de seu artigo sobre o chamado recurso copyleft, em oposição ao copyright, é indicada para aqueles que quiserem aprofundar-se nesta linha.

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Conforme pode ser notado por meio desta nota de ensino, o tipo de perquirição estratégica que o caso demanda do aluno, é mais complexo do que o inicialmente aparenta; envolve uma discussão que permeia as tradicionais ideias de indústria e posicionamento estratégico. O caso tem o potencial de levar o aluno, por meio da análise da Webfilmes, a questionar o papel de dominância em um mercado, em especial quando as principais forças de mudança são alheias à empresa. Esta situação só se complica com a questão dos direitos sobre a distribuição do conteúdo que, em última análise, pertencem aos produtores.

Contudo espera-se que o aluno também veja esse cenário como desafiador. A Webfilmes é uma empresa sólida, com um posicionamento muito promissor no seu mercado; ao que tudo indica a perspectiva dessas mudanças em solo brasileiro não devem ser imediatas em relação à data do caso, uma vez que a maioria delas continua em discussão em 2010. Assim, no papel de gestor da Webfilmes, o aluno deve exercitar a sua visão estratégica de futuro, tentando potenciar os atuais ativos da empresa e desenvolver no presente novas ferramentas e táticas que, nesse cenário vindouro, possam garantir à Webfilmes uma posição confortável no mercado brasileiro.

Para aqueles que desejarem oferecer aos alunos algumas perguntas para se guiarem na preparação do caso, os autores sugerem as seguintes: (a) Qual o impacto da distribuição online de conteúdo cinematográfico no modelo de negócios da Webfilmes? (b) Quais são as principais forças de mudança envolvidas no caso? (c) Que tipos de competência a Webfilmes deveria desenvolver, para se preparar melhor para o futuro? (d) Que alterações no modelo de negócio você implementaria na Webfilmes?

Notas 1 IPTV, do inglês, Internet Protocol Television (também chamada Interactive Personal Television ou Intelligent Personal

Television) é um sistema onde um serviço de TV digital é disponibilizado através do protocolo IP sobre uma dada infraestrutura de rede (Ciriaco, D. (2009). O que é IPTV? Recuperado em 12 maio, 2011, de http://www.tecmundo.com.br/1529-o-que-e-iptv-.htm).

2 Ainda há a possibilidade, não menos importante, de geração de conteúdo pelo próprio usuário, algo popularizado pela explosão das tecnologias de informação de base Web.

3 Sobre este tema, recomenda-se ao aluno que veja o capítulo ‘A indústria cultural’, de Adorno, T., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

4 Cracker é o termo em Inglês que denota o expert em Informática e Sistemas que se dedica a atividades marginais e ilegais. Embora tenha relação com o hacker, este significa, por sua vez, apenas um expert, não necessariamente implicando a prática de atividades ilegais.

5 Torrent é a extensão de arquivos utilizados por um protocolo para compartilhamento do tipo ‘peer to peer’. Representa o meio mais popular para downloads de arquivos maiores, como os de filmes e games.

6 Neste sentido, ver a análise contida feita por Meneghini, C. (2006). Locadoras online prometem comodidade e economia. Recuperado em 1 abril, 2010, de http://g1.globo.com/Noticias/Cinema

7 Vidotto, H. (2008, novembro). Empresas – competição. Revista Exame PME, 16, pp. 50-55. 8 Topel, D. (2009). Traduzindo modelos. Recuperado em 12 dezembro, 2009, de http://resultson.com.br/pocke 9 Expressão de língua Inglesa que traduz entre pares. Em Tecnologia significa o tipo de plataforma que permite a troca de

arquivos entre diversos usuários conectados a ela.

Referências Briggs, A., & Burke, P. (2006). Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar.

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