Simone Enomoto

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SIMONE ENOMOTO TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DINÂMICA VERSUS PARADIGMA FUNCIONALISTA: PONTOS DE APROXIMAÇÃO E DISTANCIAMENTO Monografia apresentada à disciplina de Orientação Monográfica II como requisito parcial à conclusão do Curso de Letras Português-Inglês na modalidade de Bacharelado com Ênfase nos Estudos da Tradução, da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Mauricio Mendonça Cardozo CURITIBA 2005

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Translation theory

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  • SIMONE ENOMOTO

    TEORIA DA EQUIVALNCIA DINMICA VERSUS PARADIGMA FUNCIONALISTA:

    PONTOS DE APROXIMAO E DISTANCIAMENTO

    Monografia apresentada disciplina de Orientao Monogrfica II como requisito parcial concluso do Curso de Letras Portugus-Ingls na modalidade de Bacharelado com nfase nos Estudos da Traduo, da Universidade Federal do Paran. Orientador: Prof. Mauricio Mendona Cardozo

    CURITIBA

    2005

  • ii

    SUMRIO

    RESUMO ..................................................................................................................... iii

    ABSTRACT ................................................................................................................. iv

    1 INTRODUO .......................................................................................................... 1

    2 REVISO TERICA ................................................................................................. 6

    2.1 TEORIA DA EQUIVALNCIA DINMICA..... ......................................................... 6

    2.2 TEORIA DO ESCOPO ..........................................................................................15

    3 UM CONFRONTO TERICO ................................................................................. 22

    3.1 PONTOS DE APROXIMAO E DISTANCIAMENTO ........................................ 22

    3.2 ANLISE DE TEXTOS ......................................................................................... 29

    4 CONCLUSO ......................................................................................................... 39

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 40

  • iii

    RESUMO

    Este trabalho apresenta uma breve leitura de duas teorias de traduo: a Teoria da

    Equivalncia Dinmica, proposta por Eugene A. Nida, e a Teoria do Escopo, proposta

    por Hans J. Vermeer. So duas teorias distintas, mas que, quando aproximadas,

    podem gerar algumas confuses se no forem feitas as devidas consideraes.

    Primeiramente, explicaremos os princpios que regem ambas as teorias, para, ento,

    fazermos um levantamento dos pontos de aproximao e distanciamento entre elas.

    Em seguida, faremos uma anlise de como certos autores trabalham com essas

    teorias, a fim de verificar at que ponto eles levam em considerao as suas

    diferenas, ou se as tratam como se pertencessem a um mesmo paradigma. O

    objetivo deste trabalho demonstrar a importncia de o tradutor, ou pesquisador,

    aprofundar o conhecimento acerca do seu objeto de trabalho, para no ser

    prejudicado por uma viso simplista da fundamentao terica que lhe serve de base

    para as suas decises.

    Palavras-chave: equivalncia, equivalncia dinmica, teoria do escopo.

  • iv

    ABSTRACT

    This dissertation presents a short review of two theories of translation: the Theory of

    Dynamic Equivalence, by Eugene A. Nida, and the Skopostheorie, by Hans J.

    Vermeer. They are different theories, but without some proper considerations, they

    can bring about some confusion when they are brought together. After explaining the

    governing principles of both theories and pointing out where they come near and

    where they get distant, we will analyze how some authors deal with them, in order to

    check in what extent they take their differences into account or if they treat them as if

    they belonged to the same approach. Our purpose is to show the importance for a

    translator or researchers to bring a deeper knowledge of the object of his work, in

    order not to be harmed by a simplistic view of the theoretical foundation that serves as

    a basis for his decisions.

    Key-words: equivalence, dynamic equivalence, Skopostheorie.

  • 1

    1 INTRODUO

    A traduo tem ocupado um espao cada vez maior em nossa sociedade.

    Seja a traduo de obras literrias, ou de manuais de instruo, inegvel o

    crescimento dessa atividade. Porm, para ser um bom tradutor, no basta somente

    conhecer o lxico de duas ou mais lnguas, ou estar munido de vrios dicionrios

    para realizar meramente uma substituio de palavras. O tradutor deve conhecer a

    fundo as lnguas e as culturas em questo.

    Ao traduzir um texto, o tradutor enfrenta uma srie de dificuldades. Por

    exemplo, o que mais importante: manter os aspectos formais do texto ou o

    contedo da mensagem? Uma vez que a traduo uma espcie de transformao,

    o texto traduzido ser sempre um novo texto, e, como tal, no se pode esperar que

    ele reproduza todos os aspectos do texto original. O tradutor precisa, ento, fazer

    escolhas e decidir a que aspectos ele dar preferncia.

    possvel que teorias de traduo possam auxiliar o tradutor em suas

    decises. A teoria, apesar de no garantir, por si s, uma boa atuao profissional

    do tradutor, pode assegurar maior consistncia sua prtica de traduo. Porm,

    existem tradutores experientes, que produzem excelentes tradues, mas que

    raramente pararam para pensar sobre o seu objeto de trabalho, ou sobre a sua

    prtica profissional. Eles simplesmente traduzem. Do mesmo modo, existem

    estudiosos da traduo que conhecem muito bem vrias teorias, mas que pouco

    traduziram. Assim, teoria e prtica tambm podem ser vistas como atividades

    autnomas, de natureza diferente.

    Por outro lado, o tradutor pode ser beneficiado se ele conseguir estabelecer

    uma relao entre prtica e teoria. Paulo Henriques Britto, tradutor, poeta e

    professor de traduo, em entrevista a Mauri Furlan e Walter Carlos Costa,

    publicada originalmente no segundo volume dos Cadernos de Traduo, publicao

    do Ncleo de Traduo da UFSC, diz que:

  • 2

    perfeitamente possvel ser excelente tradutor sem ter qualquer formao terica na rea de traduo. Por outro lado, toda a prtica tradutria est associada a uma postura terica, ainda que implcita e inconsciente, de modo que a reflexo terica tem o efeito de tornar o tradutor mais cnscio do que antes, o que s pode fazer bem para a qualidade do seu trabalho. (BRITTO, 1996, p.468)

    Assim, de acordo com a viso de Paulo Henriques Britto, todo tradutor tem

    algo que se poderia chamar de teoria, no sentido de um conjunto de princpios,

    noes e pressupostos que fundamentam a sua prtica. O que acontece que, s

    vezes, o tradutor no tem conscincia desses princpios, i.e, aplica o seu

    conhecimento sem refletir rigorosamente sobre ele. Embora o tradutor no atente

    para ela, a teoria est ali, influenciando as suas escolhas. Poderamos dizer que

    toda prtica regida por esse conjunto de princpios, mais ou menos consistente,

    mais ou menos consciente. Teoria, nesse caso, seria, ento, a reflexo e o discurso

    sobre esses princpios. Uma das vantagens de se pensar criticamente sobre a

    traduo, que o tradutor pode tornar-se mais consciente das razes de suas

    escolhas. Assim, ao ser questionado sobre o porqu de determinada deciso, pode

    valer-se, em sua argumentao, dos princpios tericos que norteiam a sua

    traduo.

    Christiane Nord, pesquisadora e terica da traduo, em entrevista

    publicada nos Cadernos de Traduo, tambm se manifesta em relao a esse

    assunto:

    Cadernos de Traduo: Qual , ento, a funo geral da teoria da traduo? s vezes, tem-se a impresso de que os tradutores saem-se muito bem sem ela ou at a evitam conscientemente, e, por outro lado, os tericos da traduo tambm vivem muito bem sem contato com a prtica da traduo. Ser que ela mais um programa de criao de emprego para os acadmicos? Christiane Nord: Com certeza, isto poderia ser afirmado para a maior parte das teorias. De forma geral, a reflexo terica sobre um objeto no implica automaticamente o objetivo de melhorar ou mudar este objeto isso apenas um segundo passo (possvel). Alm disso, sequer acredito que os prticos no tenham nenhuma teoria ou teorias talvez eles apenas no tenham conscincia deste fato! E, nesse caso, uma teoria poderia ter, ao menos, o sentido de que os tradutores comeassem a analisar a sua prpria prtica de uma maneira

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    mais conseqente. A, talvez percebessem que a sua teoria subjetiva nem sempre consistente, e, assim, poderiam melhorar sua prpria prtica. Alis, no se pode afirmar de maneira geral que a teoria no se preocupa com a prtica. Pelo menos os funcionalistas observam de maneira muito minuciosa as exigncias da prtica profissional. (NORD, 2000, p.191)

    Podemos perceber como as vises de Paulo Henriques Britto e Christiane

    Nord se aproximam quando, assim como o primeiro, esta diz que no acredita que

    os prticos no tenham nenhuma teoria ou teorias talvez eles apenas no tenham

    conscincia deste fato! (NORD, 2000, p.191)

    Assim, ambos concordam que, embora a teoria no tenha o objetivo primeiro

    de melhorar a prtica da traduo, ela pode contribuir para que o tradutor tenha mais

    conscincia de seu trabalho.

    Nesse sentido, alguns tradutores buscam o apoio de teorias que possam dar

    suporte ao seu trabalho prtico ou reflexo sobre a sua prtica. difcil, porm,

    saber em que medida determinada teoria mais ou menos adequada aos propsitos

    especficos do tradutor. s vezes, no possvel encontrar uma nica teoria que

    possa guiar e dar sustentao s decises do tradutor. Nesses casos, princpios

    diferentes de teorias aparentemente semelhantes so colocados em relao, a

    servio dos propsitos especficos em questo. O perigo de tal procedimento,

    porm, reside na aproximao de coisas muito distintas.

    A ttulo de ilustrao, vamos pensar na seguinte metfora1, como sntese da

    questo: um pai constri uma casinha de bonecas para sua filha e precisa escolher

    uma tinta para pint-la. Ele tem em sua casa duas cores de tinta vermelha e

    branca. Olhando para as tintas, ocorre-lhe mistur-las e pintar a casinha de cor-de-

    rosa. O problema, porm, que ele no leva em considerao a composio das

    tintas, ignorando, assim, o fato de que uma delas base de leo e a outra, base

    1 Esta uma metfora utilizada em sala de aula pelo professor Mauricio Mendona Cardozo para ilustrar a relao entre teorias alocadas em paradigmas diferentes.

  • 4

    de gua. Dessa forma, no momento em que tenta mistur-las, no consegue o

    resultado almejado, pois as tintas no se misturam.

    Ao olhar para as duas substncias, levou em considerao somente as suas

    cores. Aparentemente, tratava-se da mesma substncia. Logo, no haveria

    problema algum em mistur-las. Porm, ao contrrio do que pensava, no eram a

    mesma substncia, pois tinham composies diferentes, i.e., utilizavam elementos

    diferentes como base.

    O mesmo problema pode acontecer ao lidarmos com teorias diferentes; aqui,

    em particular, com as teorias de traduo. Um tradutor pode chegar concluso de

    que a teoria que escolheu para nortear o seu trabalho no d conta de todos os

    problemas e as dificuldades que precisa resolver. Ele decide, ento, procurar

    elementos de outras teorias, que complementem aquela que lhe serve de

    fundamentao. Nesse momento, como mostraremos neste trabalho, no

    incomum proceder como aquele pai, que misturou tintas de bases diferentes.

    Aparentemente, algumas teorias apresentam abordagens semelhantes de traduo

    (e, em certa medida, parecem mesmo ser convergentes). Porm, ao analis-las mais

    atentamente, podemos descobrir que, em alguns casos, so teorias com

    pressupostos diferentes, princpios diversos, e que tm origem em diferentes

    paradigmas a composio, como no caso da metfora das tintas, diferente.

    Assim, no podemos, sem fazer algumas consideraes prvias, jog-las dentro de

    um mesmo recipiente, misturando-as para formar a teoria ideal que procurvamos,

    sem antes discutir em que medida aproximam-se ou distanciam-se.

    No captulo seguinte, apresentaremos duas teorias que, quando postas em

    dilogo, podem dar margem a esse tipo de confuso: a Teoria da Equivalncia

    Dinmica, de Eugene A. Nida, e a Teoria do Escopo, de Hans J. Vermeer. Duas

    teorias diferentes, mas utilizadas por alguns, como veremos mais adiante, como se

    pertencessem a um mesmo paradigma. Descreveremos, ento, os princpios que

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    regem cada uma delas para, no captulo seguinte, verificar at que ponto elas so

    semelhantes e em que elas se diferenciam.

  • 6

    2 REVISO TERICA

    Neste captulo apresentaremos os princpios que regem os modelos de

    traduo propostos por Nida e por Vermeer.

    2.1 TEORIA DA EQUIVALNCIA DINMICA

    Eugene A. Nida desenvolveu um modelo de traduo baseado no princpio

    da equivalncia dinmica. Em sua obra Toward a science of translating (NIDA,

    1964), Nida faz uma distino entre equivalncia dinmica e equivalncia formal.

    Antes de analisarmos esses dois tipos de traduo, porm, importante atentar para

    alguns conceitos e princpios que ele expe em seu livro.

    Primeiramente, Nida (1964, p.1-3) levanta algumas dificuldades que o

    tradutor encontra em seu trabalho. O simples fato de que as lnguas so diferentes j

    representa um obstculo ao tradutor. Soma-se a isso o conflito entre forma e

    contedo; geralmente um dos dois tem que ser sacrificado em favor do outro.

    Igualmente, existe o dilema letra versus esprito, em que o tradutor precisa

    escolher entre o que realmente dito (a letra), ou em manter o tom da mensagem (o

    esprito). Alm disso, o tradutor precisa lidar com um meio de comunicao que est

    em constante processo de mudana, sendo ele mesmo responsvel por algumas

    dessas mudanas. Por fim, o tradutor tem que entender o seu prprio papel. O que

    a traduo? Uma cincia ou uma arte?

    Ao discorrer acerca do processo de comunicao, Nida (1964, p.43-45)

    aponta para a importncia da inteno ou propsito da comunicao. Os elementos

    que constituem um evento comunicativo so: a fonte, a mensagem e o receptor.

    Dessa maneira, a inteno pode ser descrita com base na medida em que o foco da

    ateno est voltado para um desses elementos ou para uma combinao deles.

    Assim, se o foco est voltado para a fonte, temos um desejo de auto-expresso, de

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    modo que podemos falar em um discurso expressivo; se a ateno est voltada para

    a mensagem, a inteno pode ser designativa (uma lista dos referentes em questo)

    ou metalingstica; se, por outro lado, a ateno est voltada para o receptor, a

    inteno pode ser descrita como sugestiva, em que se visa produzir uma reao no

    receptor, mas sem muita preocupao com o contedo da mensagem; se o foco

    uma combinao da fonte e da mensagem, temos uma inteno avaliativa, em que a

    fonte designa alguns referentes e faz uma avaliao deles; se o foco est voltado

    para a mensagem e o receptor, pode-se falar em inteno imperativa, na qual dito

    ao receptor como ele deve agir em termos da mensagem; se a relao entre a fonte

    e o receptor mnima, tem-se uma comunicao mstica; e, por fim, se temos uma

    combinao dos trs elementos, pode-se falar em uma comunicao de

    identificao, em que a fonte, alm de ter uma relao muito forte com a mensagem,

    tambm se identifica com o receptor, cujo comportamento tenta influenciar.

    Geralmente, porm, a fonte tem mais de uma inteno ao produzir uma mensagem.

    Antes de entrar na discusso sobre os tipos de equivalncia, Nida analisa

    mais alguns aspectos do processo de comunicao, que devem ser levados em

    conta no ato da traduo, uma vez que ela tambm uma forma de comunicao.

    Nida (1964, p.120) identifica cinco fases do processo de comunicao: o

    assunto, os participantes do evento comunicativo, o discurso ou o processo de

    escrita, o cdigo (lngua) utilizado e a mensagem. Embora essas cinco fases estejam

    presentes em qualquer processo de comunicao, este pode ser visto como o modo

    em que a fonte e o receptor se relacionam atravs da mensagem. Assim, dois

    aspectos devem ser considerados nessa relao: o feedback e o rudo. O feedback

    pode ser de dois tipos: imediato, que aquele que todos experimentam quando

    escutam a si mesmos, e o feedback do receptor, que pode ser visual ou verbal.

    Existe ainda um terceiro tipo de feedback, chamado feedforward, ou feedback

    antecipado, em que a fonte prev algumas objees por parte do receptor e, com

    base nisso, faz alguns ajustes na mensagem. O rudo, por sua vez, tende a

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    distorcer a mensagem. Assim como em um discurso falado existe o rudo fsico, na

    escrita tambm podemos encontrar alguns tipos de rudos, como ortografia

    inadequada, erros no momento de copiar um texto, deteriorao do papel. Alm

    disso, existe o rudo psicolgico, como a distoro da mensagem pelo cansao ou

    dor, ou a substituio de uma palavra comum por outra mais difcil.

    Nida (1964, p.125-127) aplica alguns princpios da Teoria da Informao,

    como parte da cincia da ciberntica, ao processo de comunicao. O primeiro

    princpio diz que a informao comunicada pela mensagem uma medida da

    imprevisibilidade dos signos dados. Assim, mais fcil entender uma mensagem

    considerada um lugar-comum do que outra no usual. A informao, na

    ciberntica, porm, no diz respeito ao significado ou valor da mensagem para o

    receptor; ela apenas determina o grau de dificuldade em comunicar uma mensagem.

    J o segundo princpio diz que, a fim de combinar a eficcia da comunicao com a

    garantia contra a distoro pelo rudo ou outros fatores, as lnguas tendem a ser

    cinqenta porcento redundantes. Redundncia, neste caso, no significa repetio.

    Por exemplo, na frase estes homens esto... podemos prever, atravs da forma

    plural de estes, que homens e esto tambm sero empregados no plural.

    Podemos ento dizer que os indicadores do plural em homens e esto so

    redundantes. J na expresso em verdade, em verdade, te digo... a repetio de

    em verdade no redundante, pois ela aumenta a intensidade da frase.

    Embora as lnguas sejam, em geral, cinqenta porcento redundantes,

    possvel produzir mensagens que ultrapassem o limite de imprevisibilidade, usando

    formas lexicais raras, combinaes estranhas de palavras, sintaxe incomum, ou

    temas desconhecidos. Textos traduzidos freqentemente apresentam este problema

    quando o tradutor segue as normas gramaticais da lngua fonte. Desse modo, uma

    mensagem relativamente simples em uma lngua pode se transformar em outra de

    grande dificuldade de compreenso. Deve-se levar em conta, tambm, a capacidade

    de decodificao do receptor. Esta diferente para cada indivduo. Um especialista,

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    por exemplo, tem uma capacidade de decodificao diferente de uma pessoa recm-

    alfabetizada. Assim, dois tipos de redundncia devem ser considerados: a

    lingstica, j mencionada acima, seja ela de natureza formal ou semntica, e a

    cultural, que est implcita no evento comunicativo. Dessa forma, os leitores do texto

    traduzido no dispem de todo o conhecimento cultural que os receptores do texto

    fonte compartilham com o autor original.

    Nida (1964, p.130-132) explica o processo de comunicao na traduo da

    seguinte forma: para um receptor mediano, uma traduo literal sobrecarrega a

    mensagem, de modo que ele no consegue decodific-la com facilidade ou eficcia.

    A mensagem transmitida de maneira razoavelmente satisfatria na lngua fonte deve

    alargar-se na lngua alvo, se o que se espera a equivalncia em termos da teoria

    da informao. Uma mensagem original, especificamente preparada para um grupo

    de receptores, apresenta uma medida considervel de ajuste. Ou seja, a forma da

    mensagem construda de modo que se ajuste ao canal do decodificador (ver

    Fig.1).

    FIGURA 1 ORIGINAL COMMUNICATION

    Decoders Channel

    FONTE: NIDA, Eugene A. Toward a Science of Translating. Leiden: E. J. Brill. 1964. pg.130

    No caso de uma traduo literal, que procura reproduzir a mesma

    quantidade de informao numa mensagem substancialmente de mesma extenso,

    inevitvel que a dificuldade lingstica da forma aumente a carga comunicativa ou

    a informao de tal mensagem. Ao mesmo tempo, o canal do decodificador mais

    estreito, uma vez que ele no dispe de muitos dados culturais do decodificador da

    mensagem original, pois ele no faz parte do evento comunicativo original. Assim,

    M

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    num diagrama dessa situao, a mensagem ser mais larga e o canal mais estreito

    (ver Fig.2).

    FIGURA 2 LITERAL TRANSLATION INTO RECEPTOR LANGUAGE

    Decoders Channel

    FONTE: NIDA, Eugene A. Toward a Science of Translating. Leiden: E. J. Brill. 1964. pg.130

    Para produzir uma mensagem dinamicamente equivalente e que se adapte

    ao canal do decodificador, preciso ajustar a mensagem, criando nela a

    redundncia necessria para que seja igualmente significativa (ver Fig.3).

    FIGURA 3 ADJUSTED TRANSLATION INTO RECEPTOR LANGUAGE Decoders Channel

    FONTE: NIDA, Eugene A. Toward a Science of Translating. Leiden: E. J. Brill. 1964. pg.130

    Tendo em vista essas consideraes aqui apresentadas, possvel agora

    analisar a distino que Nida faz entre equivalncia formal e equivalncia dinmica.

    Segundo Nida (1964, p.159-166), a equivalncia formal tem o foco de sua

    ateno voltado para a mensagem original, tanto em termos de forma quanto de

    contedo. O texto traduzido constantemente comparado com o original para

    determinar o seu grau de exatido. Esse tipo de traduo permite que o leitor se

    identifique o mximo possvel com o leitor do texto original, e compreenda seus

    costumes, formas de pensar e maneiras de se expressar. Muitas vezes, o texto

    traduzido precisa de algumas notas de rodap para ser entendido. Uma traduo de

    equivalncia formal (EF) tenta reproduzir alguns elementos formais, como, por

    M

    M

  • 11

    exemplo, as unidades gramaticais. Nesse caso, um verbo dever ser traduzido

    sempre por outro verbo, um substantivo por outro substantivo, e assim por diante; as

    frases devem permanecer intactas, sem reajustes nas suas unidades; e os

    indicadores formais, como pontuao, mudana de pargrafo, etc., devem ser

    preservados. Alm das unidades gramaticais, deve haver consistncia no uso das

    palavras, de modo que um termo especfico na lngua fonte seja sempre traduzido

    pelo seu correspondente na lngua alvo. Alm disso, o significado deve ser

    reproduzido em termos da lngua fonte. Portanto, no devem ser feitos ajustes em

    expresses idiomticas; estas devem ser traduzidas da forma mais literal possvel,

    de modo que o leitor seja capaz de perceber a maneira como elementos culturais

    foram empregados para produzir o significado.

    A equivalncia dinmica, por sua vez, baseada no princpio do efeito

    equivalente. O objetivo desse tipo de traduo no igualar a mensagem traduzida

    original, mas certificar-se de que a relao entre o receptor e a mensagem a

    mesma relao que existia entre a mensagem original e seu leitor. A traduo

    fundada na equivalncia dinmica (ED) busca a naturalidade de expresso, e tenta

    apresentar ao receptor formas de comportamento relevantes dentro do contexto de

    sua prpria cultura. Dessa maneira, o receptor no precisa conhecer os padres

    culturais da cultura fonte para entender a mensagem.

    Na traduo ED o foco da ateno no est voltado para a mensagem

    original, como na traduo EF, mas para a resposta do receptor. Uma traduo ED

    pode ser descrita como o equivalente natural mais prximo da mensagem da lngua

    fonte. Segundo Nida (1964, p.166-171), uma verso natural deve se ajustar a trs

    aspectos: a lngua e a cultura do receptor como um todo, o contexto da mensagem

    especfica e o pblico da lngua alvo.

    O primeiro desses ajustes ( lngua e cultura do receptor como um todo)

    essencial para a qualidade estilstica da traduo. A fim de se chegar a uma verso

    natural, duas reas de adaptao devem ser consideradas: a gramtica e o lxico.

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    As adaptaes gramaticais so realizadas mais facilmente, uma vez que elas so

    determinadas por estruturas obrigatrias da lngua. Dessa forma, o tradutor se v

    obrigado, por exemplo, a fazer alguns ajustes na ordem das palavras, a substituir um

    substantivo por um pronome ou um verbo. J as adaptaes lexicais no so

    realizadas to facilmente, pois, ao invs de regras bvias a serem seguidas, h uma

    variedade de alternativas possveis. No caso de as culturas em questo serem muito

    diferentes, existe a possibilidade de alguns temas e narraes no poderem ser

    naturalizados no processo da traduo. Um exemplo disso o comportamento dos

    discpulos de Jesus, que jogavam folhas e galhos no caminho que Jesus percorria

    enquanto entrava em Jerusalm. Em algumas reas do oeste da frica, esse

    comportamento seria repreendido, pois, de acordo com os seus costumes, o

    caminho a ser percorrido por um lder deve estar livre de qualquer objeto, e aquele

    que jogar um galho nesse caminho acusado de insulto.

    Alm de se adequar lngua e cultura do receptor, uma traduo natural

    tambm deve ser apropriada para o contexto da mensagem especfica. Assim, deve-

    se evitar algumas anomalias, como o uso de grias ou coloquialismo em discursos

    muito formais, anacronismo, etc. Semelhantemente, deve-se tomar o cuidado de

    reproduzir alguns elementos, como sarcasmo, ironia, humor, para que o tom da

    mensagem possa refletir o ponto de vista do autor original.

    Por fim, o terceiro elemento levantado por Nida para uma traduo ser

    considerada natural a medida em que ela apropriada ao pblico da lngua alvo,

    que deve ser calculada com base em seu nvel de experincia e capacidade de

    decodificao.

    Resumindo, ao contrrio da traduo EF, que procura se manter o mais

    prximo possvel do texto original, a traduo ED se preocupa mais com a resposta

    do receptor da lngua alvo. Este deve ser capaz de entender a mensagem no

    contexto de sua prpria cultura. Uma vez que as culturas diferem umas das outras,

    alguns ajustes devem ser feitos para se produzir uma traduo eficiente.

  • 13

    Para Nida, o mais importante no o smbolo lingstico e seu significado,

    mas a funo de tal smbolo em uma dada sociedade, a forma como o receptor

    responde a ele. Edwin Gentzler (1993, p.54) afirma: Nidas theory emphasizes not

    formal correspondence, but functional equivalence; not literal meaning but dynamic

    equivalence; not what language communicates, but how it communicates.2 Assim,

    o texto traduzido deve produzir em seus leitores uma resposta que seja

    essencialmente a mesma produzida nos leitores do texto original. Caso isso no

    acontea, alguns ajustes devem ser feitos para que o texto alvo funcione da mesma

    forma que o texto fonte e produza o mesmo efeito.

    Nida (1964, p.151) considera tambm importante que o tradutor se

    identifique com o autor original, sendo capaz de assumir o seu discurso,

    comportamento e ponto de vista. O tradutor deveria admirar o autor e apresentar o

    mesmo histrico cultural e talento. O tradutor no deve ser nem mais, nem menos

    talentoso que o autor, mas tanto quanto. Assim, o trabalho do tradutor deve ser

    guiado pela inteno do autor.

    Ao considerar a qualidade de uma traduo, Nida (1964, p.182-184) levanta

    trs aspectos: a eficcia geral do processo de comunicao, a compreenso da

    inteno original e a equivalncia da resposta. O primeiro aspecto medido pelo

    mximo de compreenso com o mnimo de esforo. Assim, uma traduo eficiente

    seria aquela que no exige muito esforo de seu receptor para que ele compreenda

    a mensagem. O segundo aspecto diz respeito exatido com que o significado da

    mensagem original representado na traduo. A inteno seria, ento, analisada

    em termos da cultura fonte, no caso de uma traduo EF, ou em termos da cultura

    alvo, numa traduo ED. A medida que essa inteno pode ser interpretada em

    diferentes contextos culturais vai depender do grau de universalidade da mensagem.

    Por fim, o terceiro aspecto, a equivalncia da resposta, tambm pode ser analisado

    2 A teoria de Nida enfatiza no a correspondncia formal, mas a equivalncia funcional; no o significado literal, mas a equivalncia dinmica; no o qu a lngua comunica, mas como ela comunica.

  • 14

    em termos da cultura fonte ou da cultura alvo. No primeiro caso, o receptor deve

    compreender a base da resposta original, e no segundo, ele deve responder de

    maneira similar dentro de um contexto diferente.

    Analisando os dois tipos de traduo (EF e ED), Nida conclui que:

    In practice F-E [formal-equivalence] translations tend to distort the message more than D-E [dynamic-equivalence] translations, since those persons who produce D-E translations are in general more adept in translating, and in order to produce D-E renderings they must perceive more fully and satisfactorily the meaning of the original text. For the most part a translator who produces D-E renderings is quite aware of the degree of distortion, and because of greater conscious control of his work is able to judge more satisfactorily whether or not the results seem to be legitimate. On the other hand, a translator who produces strictly F-E renderings is usually not conscious of the extent to which his seemingly faithful translations actually involve serious distortions. This lack of awareness in F-E translating as to what is happening results in far more serious skewing than is generally the case with D-E translating.3 (NIDA, 1964, p.192)

    Seguindo o princpio da equivalncia dinmica, Nida defende que uma

    traduo deve se adaptar cultura alvo, para que o seu receptor possa entend-la

    dentro de seu prprio contexto cultural, sem a necessidade de conhecer os aspectos

    da cultura fonte. Alm disso, ele acredita que o tradutor que opta pela traduo ED

    mais cnscio de seu trabalho, pois controla as alteraes realizadas, para que o

    texto alvo seja significativo para o seu receptor, enquanto o tradutor que produz uma

    traduo EF pode ser iludido pela fidelidade de sua traduo, quando, na

    realidade, ela est distorcendo o significado da mensagem.

    3 Na prtica, tradues EF [de equivalncia formal] tendem a distorcer a mensagem mais do que tradues ED [de equivalncia dinmica], uma vez que aqueles que produzem tradues ED so, em geral, mais hbeis na traduo e, para produzir verses ED, eles precisam compreender o significado do texto original de maneira mais completa e satisfatria. Em geral, um tradutor que produz verses ED est bem consciente do seu grau de distoro, e devido ao controle mais consciente de seu trabalho, capaz de julgar de maneira mais satisfatria se os resultados parecem legtimos ou no. Por outro lado, um tradutor que produz verses estritamente EF geralmente no est consciente da medida em que suas tradues aparentemente fiis apresentam, na realidade, graves distores. Essa falta de conscincia na traduo EF a respeito do que est acontecendo resulta em desvios mais srios do que geralmente o caso da traduo ED.

  • 15

    2.2 TEORIA DO ESCOPO

    A Teoria do Escopo (Skopostheorie), proposta por Hans J. Vermeer, faz

    parte de uma teoria de ao translatria. Toda ao tem um objetivo, um propsito.

    Vermeer define ao da seguinte forma:

    For an act of behaviour to be called an action the person performing it must (potentially) be able to explain why he acts as he does although he could have acted otherwise.4 (VERMEER, 1989b, p.223)

    Desse modo, sendo a traduo um tipo de ao humana, ela tambm tem

    um propsito. Assim, escopo (do grego skopos, que significa propsito) um termo

    utilizado para designar o propsito da traduo. O tradutor age, ento,

    intencionalmente.

    Christiane Nord (1997, p.19) observa que Vermeer enfatiza repetidamente o

    fato de a intencionalidade no se referir a uma ao como sendo, de fato,

    intencional, mas interpretada como intencional. Ou seja, no contexto da Teoria do

    Escopo, a inteno do autor uma construo do leitor-tradutor. A intencionalidade

    pode estar associada ao tradutor, ou pessoa que inicia o processo de traduo, e

    pode ou no ser semelhante inteno que guiou o produtor do texto ou o emissor

    original na produo do texto de partida.

    De acordo com a definio de ao apresentada acima, existe uma razo

    para determinada ao. No caso da ao translatria, o que determina as escolhas

    do tradutor o escopo. O tradutor decide qual a maneira mais apropriada de

    traduzir um texto especfico, visando alcanar um objetivo especfico (o escopo).

    O trabalho do tradutor no consiste apenas em passar um texto de uma

    lngua para outra. H muito mais a fazer para que o resultado final de seu trabalho

    4 Para um ato comportamental ser chamado de ao, a pessoa que o executa deve (potencialmente) ser capaz de explicar porqu age dessa forma, embora pudesse ter agido de outra maneira.

  • 16

    seja um texto adequado e eficiente. Christiane Nord (1997, p.17) estabelece a

    diferena entre ao translatria e traduo. A primeira a variedade de coisas

    que o tradutor faz durante todo o seu trabalho, como analisar os aspectos culturais

    de ambas as lnguas, aconselhar o cliente sobre a melhor forma de traduzir o seu

    texto, ou at mesmo aconselh-lo a no traduzi-lo caso considere mais adequado.

    J a traduo o que o tradutor faz enquanto est vertendo o texto para a lngua

    de chegada. Assim, baseada nas idias de Vermeer, Nord elenca as tarefas do

    tradutor:

    x analyze the acceptability and viability of the translation brief in legal, economic or

    ideological terms; x check whether the translation is really needed; x specify the activities required for carrying out the brief; x perform a translational action, which may result in a target text, perhaps a short summary

    of the source text or, in special cases, in advising the client not to have the source text translated because a translation would not serve the intended purpose.5 (NORD, 1997, p.21)

    Temos aqui outro conceito extremamente importante na Teoria do escopo: o

    encargo de traduo (translation brief ou commission). Segundo Vermeer (1989b,

    p.229), o encargo definido como the instruction, given by oneself or by someone

    else, to carry out a given action here: to translate6. E Vermeer continua:

    A commission comprises (or should comprise) as much detailed information as possible on the following: (1) the goal, i.e. a specification of the aim of the commission; (2) the conditions under which the intended goal should be attained (naturally including practical matters such as deadline and fee). The statement of goal and the conditions should be explicitly negotiated between the client (commissioner) and the translator, for the client may occasionally have an imprecise or even false picture of the way a text might be received in

    5 Analisar a aceitabilidade e viabilidade do encargo de traduo em termos legais, econmicos ou ideolgicos; verificar se a traduo realmente necessria; especificar as atividades exigidas para executar o encargo; desempenhar uma ao translatria, que pode resultar em um texto de chegada, talvez um breve resumo do texto de partida, ou, em casos especiais, em aconselhar o cliente a no traduzir o texto de partida, pois uma traduo no alcanaria o propsito desejado. 6 a instruo, dada pela prpria pessoa ou por outrem, para executar uma dada ao aqui: traduzir.

  • 17

    the target culture. Here the translator should be able to make argumentative suggestions.7 (VERMEER, 1989b, p. 229)

    O tradutor, ento, com base nas informaes do encargo de traduo,

    decide, juntamente com o cliente, qual o escopo da traduo. Como dito

    anteriormente, o tradutor pode at mesmo aconselhar o cliente a no traduzir o

    texto, caso assim considere mais adequado.

    Uma vez que a traduo direcionada cultura de chegada, no so os

    aspectos culturais da cultura de partida que a influenciam. Pelo contrrio, a traduo

    influenciada pela cultura de chegada, pois nessa cultura que o texto traduzido

    deve funcionar como um instrumento de comunicao, se for este o seu propsito.

    Assim, quanto mais informaes o tradutor dispuser a respeito da cultura de

    chegada, do pblico alvo, de seu conhecimento de mundo e de suas expectativas,

    maior a possibilidade de realizar uma boa traduo. Com base nisso, o tradutor

    decide se aceita ou no o encargo, sob quais circunstncias, e se ser ou no

    necessrio modific-lo. Uma vez aceito o encargo, o escopo , ento, definido.

    Vermeer explica o princpio do escopo da seguinte forma:

    Each text is produced for a given purpose and should serve this purpose. The Skopos rule thus reads as follows: translate/interpret/speak/write in a way that enables your text/translation to function in the situation in which it is used and with the people who want to use it and precisely in the way they want it to function.8 (Vermeer 1989a, p.20, traduo para o ingls por NORD 1997, p.29)

    7 Um encargo inclui (ou deveria incluir) o mximo possvel de informaes detalhadas sobre: (1) o objetivo, i.e., uma especificao do propsito do encargo; (2) as condies sob as quais o objetivo pretendido deve ser alcanado (incluindo, naturalmente, questes prticas como prazo final e pagamento). O objetivo e as condies devem ser explicitamente negociados entre o cliente (comissionrio) e o tradutor, pois o cliente pode, ocasionalmente, ter uma imagem imprecisa, ou mesmo falsa, da maneira como um texto pode ser recebido na cultura de chegada. Aqui, o tradutor deve ser capaz de fazer sugestes argumentativas. 8 Cada texto produzido para um dado propsito, e deve servir a esse propsito. L-se, ento, o princpio do escopo da seguinte maneira: traduza/interprete/fale/escreva de modo a permitir que seu texto/traduo funcione na situao em ser usado, pelas pessoas que querem us-lo, exatamente da maneira que elas querem que ele funcione.

  • 18

    A maioria das aes translatrias permite uma variedade de escopos, sendo

    que o tradutor deve ser capaz de justificar a sua escolha por determinado escopo

    para um tipo especfico de traduo. Assim, no existe o propsito determinante de

    todas as tradues, mas vrios propsitos, dependendo da situao. A funo da

    traduo no reside, portanto, no texto de partida. Um mesmo texto pode originar

    diferentes tipos de tradues, dependendo da situao em que a traduo ser

    utilizada. O texto de partida considerado apenas como uma oferta de

    informaes. Nord sintetiza a questo da seguinte forma:

    The role of the source text in functionalist approaches is radically different from earlier linguistic or equivalence-based theories. It is adequately captured by Vermeers idea of a dethronement (Entthronung) of the source text. The source text is no longer the first and foremost criterion for the translators decisions; it is just one of the various sources of information used by the translator. Like any text, a text used as a source in a translational action may be regarded as an offer of information. Faced with this offer, any receiver (among them, the translator) chooses the items they regard as interesting, useful or adequate to the desired purposes. In translation, the chosen informational items are then transferred to the target culture using the presentation the translator believes appropriate for the given purpose. In Vermeers terminology, a translation is thus a new offer of information in the target culture about some information offered in the source culture and language.9 (NORD, 1997, p.25-26)

    Assim, o tradutor, com base na formulao do encargo e na definio do

    escopo, quem decide a funo do texto de partida em sua ao translatria. A

    traduo, portanto, no consiste em uma simples transcodificao lingstica (a

    menos que esse tipo de traduo seja explicitamente pretendido), uma vez que o

    texto de partida voltado para a cultura de partida, enquanto o texto de chegada, 9 O papel do texto de partida nas abordagens funcionalistas radicalmente diferente de teorias anteriores, lingsticas ou baseadas na equivalncia. Ele apropriadamente retratado pela idia de Vermeer de uma destronizao (Entthronung) do texto de partida. O texto de partida no mais o principal critrio para as decises do tradutor; ele apenas uma das vrias fontes de informao utilizadas pelo tradutor. Como qualquer texto, um texto utilizado como partida para uma ao translatria pode ser considerado como uma oferta de informaes. Diante dessa oferta, qualquer receptor (entre eles o tradutor) escolhe os itens que considera interessantes, teis e adequados aos propsitos desejados. Na traduo, os elementos informativos escolhidos so, ento, transferidos cultura de chegada, usando a apresentao que o tradutor acredita ser apropriada ao propsito dado. Na terminologia de Vermeer, a traduo , portanto, uma nova oferta de informaes na cultura de chegada sobre alguma informao oferecida na cultura e na lngua de partida.

  • 19

    para uma situao comunicativa na cultura de chegada. possvel, ento, que o

    texto de chegada seja consideravelmente diferente do texto de partida, em relao

    tanto formulao e distribuio de seu contedo quanto funo para a qual cada

    um foi designado. De acordo com Vermeer (1989b, p.232), portanto, o texto de

    partida no determina a priori o tipo do texto de chegada, nem tampouco um tipo de

    texto determina o escopo10. o escopo, ao contrrio, que determina o tipo de texto

    mais apropriado.

    O tradutor deve produzir um texto que seja significativo para os receptores

    da cultura de chegada. Utilizando os termos de Vermeer (REISS; VERMEER, 1984),

    um texto deve se adequar aos padres de coerncia intratextual, ou seja, os seus

    receptores devem ser capazes de entend-lo, ele deve fazer sentido na situao

    comunicativa e cultura em que se encontra. Assim, o princpio da coerncia

    estabelece que a traduo deve ser coerente com a situao dos receptores, i.e.

    fazer parte dessa situao.

    A traduo baseada num texto de partida. Assim, ainda que o texto de

    partida seja considerado apenas uma oferta de informaes, existe pelo menos

    algum tipo de relao entre ele e a traduo. Essa relao chamada coerncia

    intertextual, ou princpio da fidelidade. Entretanto, segundo Nord (1997, p.32-33),

    a coerncia intertextual est subordinada coerncia intratextual, e ambas esto

    subordinadas ao escopo. Se o escopo exigir uma mudana na funo do texto, o

    padro no ser mais a coerncia intertextual com o texto de partida, mas a

    adequao em relao ao escopo. Do mesmo modo, se o escopo exigir incoerncia

    intratextual, como no caso do teatro do absurdo, por exemplo, o princpio da

    coerncia intratextual j no ser vlido. O conceito de escopo no se aplica

    10 Note-se que, nesse sentido, Vermeer caminha na direo contrria de Reiss. Para Vermeer, os pressupostos de Reiss no sentido em que o tipo textual do texto de partida determina as estratgias de traduo, bem como o tipo textual do texto de chegada constituem apenas um caso particular de sua teoria geral da traduo. Isso fica claro em Grundlegung einer allgemeinen Translationstheorie (VERMEER; REISS, 1984), na medida em que a reflexo de Reiss ocupa o segundo captulo da obra, denominado Teorias especiais.

  • 20

    somente a textos inteiros, mas tambm a fragmentos de texto, exemplos, notas de

    rodap, citaes, etc.

    Como mencionamos acima, a traduo direcionada cultura de chegada,

    porm, no condicionada por ela. O que determina o texto de chegada o escopo.

    Assim, uma traduo que se adapte aos costumes dos receptores da lngua de

    chegada apenas uma entre todas as possibilidades de traduo. Nord afirma que:

    This rule [the Skopos rule] is intended to solve the eternal dilemmas of free vs faithful translation, dynamic vs formal equivalence, good interpreters vs slavish translators, and so on. It means that the Skopos of a particular translation task may require a free or a faithful translation, or anything between these two extremes, depending on the purpose for which the translation is needed. What it does not mean is that a good translation should ipso facto conform or adapt to target-culture behavior or expectations, although the concept is often misunderstood in this way.11 (NORD, 1997, p.29)

    Assim, a equivalncia no um princpio que se busque a priori em todas as

    tradues. Uma traduo pode ou no ser equivalente, dependendo do escopo que

    a governa. Se o escopo exigir uma traduo que mantenha invarivel a funo do

    texto de partida, ento pode-se dizer que a equivalncia, nesse caso, adequada ao

    escopo da traduo. Segundo Nord:

    In Skopostheorie, equivalence means adequacy to a Skopos that requires that the target text serve the same communicative function or functions as the source text, thus preserving invariance of function between source and target text.12 (NORD, 1997, p.36)

    Em sntese, a ao translatria, para Vermeer (REISS;VERMEER, 1984,

    p.101ff), pode ser definida atravs da funo matemtica abaixo, onde Trl. 11 Esse princpio [o princpio do escopo] pretende resolver os eternos dilemas entre traduo livre versus fiel, equivalncia dinmica versus formal, bons intrpretes versus tradutores sem originalidade, e assim por diante. Significa que o escopo de uma atividade especfica de traduo pode exigir uma traduo livre ou fiel, ou qualquer coisa entre esses dois extremos, dependendo do propsito para o qual a traduo necessria. O que no significa que uma boa traduo deve conformar-se ou adaptar-se ipso facto ao comportamento ou expectativas da cultura de chegada, embora o conceito seja geralmente confundido nesse sentido. 12 Na teoria do escopo, equivalncia significa adequao a um determinado escopo que exige que o texto de chegada apresente a mesma funo ou funes comunicativas do texto de partida, preservando, assim, invariabilidade da funo dos textos de partida e de chegada.

  • 21

    representa o Translat o texto traduzido, o produto da Translation, enquanto

    conceito genrico de ao translatria e Sk representa o Skopos, o escopo

    especfico dessa ao:

    Desse modo, a ao translatria uma funo do escopo, i.e., um

    determinado escopo requer uma determinada ao translatria; mudando-se o

    escopo, a ao translatria tambm muda.

    Resumindo, a teoria geral, proposta por Vermeer, afirma que uma ao

    translatria realizada de acordo com o escopo da traduo, que definido entre o

    tradutor e a pessoa que solicita a traduo (geralmente, o cliente) com base no

    encargo de traduo, que deve conter o mximo de informaes possveis a respeito

    da cultura de chegada, do pblico alvo, de suas expectativas, dos conhecimentos

    prvios, e assim por diante. De posse dessas informaes, o tradutor decide se

    aceita o encargo e, juntamente com o cliente, define o escopo que ir orient-lo em

    suas decises. Assim, cada caso especfico demanda um escopo especfico, na

    medida em que a funo do texto de chegada no uma caracterstica pr-definida

    pelo texto de partida. Nas palavras de Vermeer:

    What the Skopos states is that one must translate, consciously and consistently, in accordance with some principle respecting the target text. The theory does not state what the principle is: this must be decided separately in each specific case.13 (VERMEER, 2002, p.228)

    Concluindo, Vermeer afirma que a ao translatria determinada pelo

    escopo, i.e., pelo propsito da traduo. Assim, cada situao especfica apresenta

    um escopo especfico, que, por sua vez, requer um tipo especfico de traduo.

    13 O que o escopo sugere que deve-se traduzir consciente e consistentemente, de acordo com algum princpio, considerando o texto de chegada. A teoria no afirma qual o princpio: este deve ser decidido separadamente em cada caso especfico.

    Trl. = f(Sk)

  • 22

    3 UM CONFRONTO TERICO

    No captulo anterior levantamos os principais aspectos das teorias da

    equivalncia dinmica e do escopo. Neste captulo observaremos os pontos em que

    essas duas teorias se aproximam, e os pontos em que elas se afastam (3.1). Em

    seguida, veremos como se estabelece a relao entre essas duas teorias em cinco

    textos sobre traduo (3.2).

    3.1 PONTOS DE APROXIMAO E DISTANCIAMENTO

    As duas teorias descritas no captulo anterior vem a traduo como um

    processo de comunicao em que h interao entre duas ou mais pessoas. Assim,

    a traduo realizada de acordo com um determinado propsito, de modo que

    traduzir no consiste simplesmente em uma transcodificao lingstica. Alm dos

    aspectos lingsticos, h vrios outros fatores que devem ser levados em

    considerao no momento da traduo. Segundo Nida:

    Language consists of more than the meanings of the symbols and the combinations of symbols; it is essentially a code in operation, or, in other words, a code functioning for a specific purpose or purposes. Thus we must analyze the transmission of a message in terms of a dynamic dimension. This analysis is especially important for translating, since the production of equivalent messages is a process, not merely of matching the parts of utterances, but also of reproducing the total dynamic character of the communication.14 (NIDA, 1964. p.120)

    Vermeer, semelhantemente, afirma que:

    14 A lngua consiste em mais do que os significados dos smbolos e combinaes de smbolos; ela , essencialmente, um cdigo em operao, ou, em outras palavras, um cdigo funcionando para um propsito ou propsitos especficos. Devemos, assim, analisar a transmisso de uma mensagem em termos de uma dimenso dinmica. Essa anlise especialmente importante para a traduo, uma vez que a produo de mensagens equivalentes no simplesmente um processo de combinao de partes de enunciados, mas tambm de reproduo do carter dinmico total da comunicao.

  • 23

    Any form of translational action, including therefore translation itself, may be conceived as an action, as the name implies. Any action has an aim, a purpose. (...) Further: an action leads to a result, a new situation or event, and possibly to a new object. Translational action leads to a target text (not necessarily to a verbal one); translation leads to a translatum (i.e. the resulting translated text), as a particular variety of target text.15 (VERMEER, 2002, p.221)

    Outro ponto que aproxima as duas teorias o fato de que, para elas, o mais

    importante na traduo no o texto de partida, ou o texto fonte. O texto de

    chegada nunca ser idntico ao texto de partida, uma vez que toda traduo implica

    em transformao. Quando Nida (1964, p.159) faz distino entre equivalncia

    formal e dinmica, uma das diferenas apontadas o foco da ateno. Na

    equivalncia formal o foco a mensagem original, enquanto na equivalncia

    dinmica, o efeito produzido no receptor. Dessa forma, sob o ponto de vista da

    equivalncia dinmica, alguns aspectos do texto fonte podem ser modificados para

    se alcanar o efeito desejado. Tambm na teoria do escopo, o texto de partida no

    representa uma diretriz para a traduo, sendo considerado apenas uma oferta de

    informaes, como visto no captulo anterior.

    Porm, nesse ponto, importante salientar que, embora o texto de partida

    no seja o fator determinante em ambas as teorias, o seu valor diferente para cada

    uma delas. Assim, apesar de no ser necessrio reproduzir todos os aspectos do

    texto fonte na teoria da equivalncia dinmica, o efeito a ser atingido com a traduo

    deve ser o mesmo do original sobre os seus leitores. Assim, existe uma equivalncia

    a ser alcanada: nesse caso, uma equivalncia de efeito. Ento, embora o texto alvo

    no seja uma reproduo fiel do texto fonte, nos termos da equivalncia formal,

    este ainda serve como base para determinar o efeito a ser atingido, a resposta que

    se espera do receptor. J na teoria do escopo, sendo apenas uma oferta de

    informaes, o texto de partida pode ter at mesmo a sua funo modificada, 15 Qualquer forma de ao translatria, incluindo, portanto, a traduo propriamente dita, pode ser vista como uma ao, como j diz o prprio nome. Toda ao tem um objetivo, um propsito. (...) Alm disso, uma ao conduz a um resultado, uma nova situao ou evento, e possivelmente a um novo objeto. A ao translatria conduz a um texto de chegada (no necessariamente verbal); a traduo conduz a um translatum (i.e. o texto traduzido resultante), como uma variedade especfica do texto de chegada.

  • 24

    dependendo do escopo da traduo. Desse modo, se para atender ao propsito da

    traduo for necessrio produzir um efeito diferente do texto de partida, assim ser

    feito. Nord explica da seguinte forma o valor do texto de partida (source text) para a

    teoria do escopo:

    (...) Every translation is directed at an intended audience, since to translate means to produce a text in a target setting for a target purpose and target addressees in target circumstances (Vermeer 1987, p.29) Note that the phrase we have just cited from Vermeer makes no mention of the source text. The status of the source is clearly much lower in Skopostheorie than in equivalence-based theories. While Reiss declares that the source text is the measure of all things in translation, Vermeer regards it as an offer of information that is partly or wholly turned into an offer of information for the target audience.16 (NORD, 1997, p.12)

    A questo da diferena cultural tambm levantada pelas duas teorias.

    Ambas reconhecem que a comunicao, no caso da traduo, se d entre culturas

    diferentes, e que o tradutor deve estar atento a essas diferenas culturais. Tambm

    aqui, porm, importante ressaltar que, embora as duas teorias atentem para as

    diferenas culturais, o papel que a cultura de chegada, ou cultura alvo, representa

    em cada uma delas no o mesmo.

    Na equivalncia dinmica, a cultura alvo crucial para a traduo. As

    alteraes realizadas num texto se devem ao fato de que ele precisa se adaptar

    cultura do receptor. Nida afirma que:

    A translation of dynamic equivalence aims at complete naturalness of expression, and tries to relate the receptor to modes of behavior relevant within the context of his own culture; it

    16 (...) Toda traduo direcionada a um pblico alvo, uma vez que traduzir significa produzir um texto num cenrio de chegada, para um propsito de chegada e para destinatrios de chegada, nas circunstncias de chegada. (Vermeer, 1987, p.29) Perceba que a frase de Vermeer que acabamos de citar no faz meno alguma ao texto de partida. O status da fonte claramente muito menor na Teoria do escopo do que nas teorias baseadas na equivalncia. Enquanto Reiss declara que o texto de partida a medida de todas as coisas na traduo, Vermeer o considera como uma oferta de informaes, que parcialmente ou totalmente transformado em uma oferta de informaes para o pblico alvo. (vide nota de rodap nmero 10)

  • 25

    does not insist that he understand the cultural patterns of the source-language context in order to comprehend the message.17 (NIDA, 1964, p.159)

    Na teoria do escopo, por sua vez, embora a cultura do receptor seja

    importante, o texto de chegada nem sempre dever se adaptar ela. o escopo da

    traduo que determina quando, e se realmente isto ser necessrio:

    (...) It means that the Skopos of a particular translation task may require a free or a faithful translation, or anything between these two extremes, depending on the purpose for which the translation is needed. What it does not mean it that a good translation should ipso facto conform or adapt to target-culture behavior or expectations, although the concept is often misunderstood in this way. This misunderstanding may be due to a subsequent rule that, in a more sociological way, states that the Skopos can be described as a variable of the receiver (REISS; VERMEER, 1984, p.101). This means that the receiver, or rather the addressee, is the main factor determining the target-text Skopos. What it does not mean, however, is that this strictly excludes philological or literal or even word-for-word translations. There are many cases where relative literalism is precisely what the receiver (or the client or the user) needs, for example in the translation of a marriage certificate or drivers license, foreign legal texts for comparative purposes or direct quotations in newspaper reports.18 (NORD 1997, p.29)

    O papel que o tradutor desempenha em cada uma das teorias tambm

    diferente. Enquanto na teoria da equivalncia dinmica o que se espera do tradutor

    que ele produza um texto que seja o equivalente natural mais prximo do texto

    fonte, na teoria do escopo o trabalho do tradutor no se resume em verter um texto

    17 Uma traduo de equivalncia dinmica tem como objetivo a completa naturalidade de expresso, e tenta relacionar o receptor a formas de comportamento relevantes dentro do contexto de sua prpria cultura; ela no insiste em que ele entenda os padres culturais do contexto da lngua fonte para compreender a mensagem. 18 (...) Significa que o escopo de uma atividade especfica de traduo pode exigir uma traduo livre ou fiel, ou qualquer coisa entre esses dois extremos, dependendo do propsito para o qual a traduo necessria. O que no significa que uma boa traduo deve conformar-se ou adaptar-se ipso facto ao comportamento ou expectativas da cultura de chegada, embora o conceito seja geralmente confundido nesse sentido. Essa confuso pode acontecer devido a um princpio subsequente que, de uma maneira mais sociolgica, declara que o escopo pode ser descrito como uma varivel do receptor (REISS; VERMEER, 1984, p.101). Isso significa que o receptor, ou ainda o destinatrio, o principal fator que determina o escopo do texto de chegada. O que no significa, porm, que isso exclui rigorosamente tradues filolgicas, ou literais, ou mesmo tradues palavra por palavra. H muitos casos em que uma traduo relativamente literal exatamente o que o receptor (ou o cliente, ou o usurio) precisa; por exemplo, na traduo de uma certido de casamento ou licena de motorista, textos legais estrangeiros para propsitos comparativos, ou citaes diretas em reportagens de jornal.

  • 26

    de uma lngua para outra, mesmo que isso signifique atentar para todos os aspectos

    culturais envolvidos. Antes de verter o texto, o tradutor deve analisar a viabilidade do

    encargo de traduo e verificar se a traduo realmente necessria. Caso

    considere mais adequado, o tradutor pode at aconselhar o cliente a no traduzir o

    texto. Se, ao contrrio, ele concordar com as condies do encargo, ento,

    juntamente com o cliente, estabelecer o escopo da traduo, que o guiar em suas

    decises durante o seu trabalho.

    Outra diferena entre as duas teorias so os participantes envolvidos no

    processo de traduo. A primeira leva em considerao o autor do texto fonte e seus

    receptores, o tradutor e os receptores do texto alvo. A segunda, alm dos

    participantes j mencionados, ainda considera o iniciador ou comissionrio19. Holz-

    Mnttri (apud NORD, 1997, p.20) faz distino entre os dois, sendo o iniciador

    aquele que realmente precisa do texto de chegada, e o comissionrio aquele que o

    solicita ao tradutor. Assim, no exemplo utilizado por Nord (1997, p.20, adaptado de

    VERMEER 1986, p.174), em que um estudante portugus quer estudar numa

    universidade alem, e a legislao exige que o histrico escolar seja apresentado

    em alemo, o poder legislativo alemo o iniciador do processo de traduo,

    enquanto o estudante o comissionrio. Em alguns casos, o iniciador e o

    comissionrio podem ser a mesma pessoa, bem como o prprio tradutor pode

    desempenhar o papel de iniciador, se ele iniciar o processo de traduo por conta

    prpria. O iniciador de extrema importncia na teoria do escopo, pois ele quem

    estabelece o propsito para o qual o texto de chegada ser produzido. Assim, o

    escopo da traduo baseado nas necessidades do iniciador. Dessa forma,

    enquanto na teoria da equivalncia dinmica o tradutor tem sempre como objetivo

    criar um texto alvo que tenha com seus receptores a mesma relao do texto fonte e

    seus leitores, na teoria do escopo o objetivo do tradutor atender s necessidades

    19 Comissionrio do ingls commissioner; ou do alemo Auftraggeber , no sentido de algum que atribui a uma pessoa uma responsabilidade, uma incumbncia.

  • 27

    do iniciador, sendo que a funo do texto de chegada ser varivel, dependendo do

    escopo estabelecido.

    Isso nos leva principal diferena entre as duas teorias, que reside no fator

    determinante do objetivo da traduo. Na equivalncia dinmica, o objetivo

    produzir o equivalente natural mais prximo, que faa sentido dentro do contexto da

    cultura do receptor. J na teoria do escopo, o objetivo ser varivel, de acordo com o

    encargo de traduo. Assim, o objetivo pode ser ora produzir uma traduo o mais

    literal possvel, mantendo algumas estranhezas no texto, ora produzir um texto

    adequado cultura de chegada, de modo que o receptor nem perceba que est

    lendo uma traduo, ou ainda, algo entre esses dois extremos. Nesse sentido, a

    teoria de Nida pertence ainda ao paradigma da equivalncia, enquanto a teoria geral

    de Vermeer representa uma mudana de paradigma.

    Embora a teoria da equivalncia dinmica no ignore a inteno do tradutor

    do mesmo modo como a teoria do escopo, em casos especiais, tambm pode

    prever a busca pela equivalncia na traduo, a depender do escopo esses dois

    conceitos so abordados de diferentes maneiras por cada uma das teorias.

    A inteno20 do tradutor, na equivalncia dinmica, apenas um entre os

    diversos aspectos que devem ser levados em conta no processo de traduo.

    Assim, se em determinado momento o tradutor tem a inteno de traduzir de uma

    forma mais literal, para demonstrar a estrutura da lngua fonte, por exemplo, isso

    considerado uma exceo, pois na maioria das vezes a inteno do tradutor deve

    ser a mesma do autor original. Na teoria do escopo, ao contrrio, a inteno do

    tradutor, determinada pelo encargo de traduo, que determinar qual o tipo de

    traduo esperado. No existe uma expectativa a priori de qual seria essa inteno,

    como acontece na equivalncia dinmica, em que a expectativa que ela seja a

    20 importante lembrar que a noo de inteno vista de maneiras diferentes por Nida e Vermeer. Nida considera que a inteno algo que est no texto, podendo ser resgatada e reproduzida no texto alvo. J para Vermeer, a inteno depende da interpretao do leitor, sendo construda a partir do texto, e no dele retirada.

  • 28

    mesma do autor original. Na teoria do escopo, o tradutor deve analisar a situao em

    que o texto de chegada ser recebido, qual o pblico alvo, o que se espera da

    traduo, entre outras coisas. Com base nessas informaes, ele pode, ento,

    chegar a uma concluso sobre o tipo de traduo mais adequado para aquela

    situao. Assim, o mesmo tradutor pode traduzir o mesmo texto, em situaes

    diferentes, com intenes diferentes. Ou seja, determinada situao pode exigir que

    o tradutor produza um texto que se adapte cultura de chegada, sendo necessrio

    realizar diversas alteraes no texto de partida para que ele se torne compreensvel,

    enquanto outra situao exija uma traduo mais prxima do texto de partida para

    demonstrar aspectos especficos da cultura de partida. Pode acontecer, ainda, que o

    tradutor precise traduzir praticamente palavra por palavra, para um estudo das

    estruturas sintticas da lngua de partida. Assim, a inteno do tradutor de

    importncia fundamental na teoria do escopo.

    Tambm a noo de equivalncia na traduo vista de maneiras diferentes

    pelas duas teorias. Na teoria de Nida, a equivalncia (de efeito, nesse caso) o

    objetivo final da traduo. Ele afirma que uma maneira de definir uma traduo de

    equivalncia dinmica descrev-la como o equivalente natural mais prximo da

    mensagem da lngua fonte (Nida, 1964, p.166, traduo minha). Assim, o tradutor

    se esfora para conseguir produzir no receptor a mesma resposta do leitor do texto

    fonte. E este princpio produzir uma resposta similar que serve como base para

    que o tradutor tome suas decises quanto forma e contedo do texto alvo. Na

    teoria de Vermeer, por outro lado, a equivalncia no uma diretriz, representando

    apenas um entre os possveis objetivos que o tradutor pode querer alcanar. O

    termo utilizado adequao, e no equivalncia. Nord explica a diferena entre

    adequao e equivalncia da seguinte forma:

    Like Adquatheit in German, adequacy describes a quality with regard to a particular standard, as in I hope you will prove adequate to the job. This is the sense that Reiss makes use of. Within the framework of Skopostheorie, adequacy refers to the qualities of a target text with regard to the translation brief: the translation should be adequate to the

  • 29

    requirements of the brief. It is a dynamic concept related to the process of translational action and referring to the goal-oriented selection of signs that are considered appropriate for the communicative purpose defined in the translation assignment (Reiss, 1989, p.163). Equivalence, on the other hand, is a static, result-oriented concept describing a relationship of equal communicative value between two texts or, on lower ranks, between words, phrases, sentences, syntactic structures and so on. (...) In Skopostheorie, equivalence means adequacy to a Skopos that requires that the target text serve the same communicative function or functions as the source text, thus preserving invariance of function between source and target text.21 (NORD, 1997, p.35-36)

    Assim, se o escopo determinar uma mudana na funo do texto, a noo

    de equivalncia j no vlida.

    Analisando esses aspectos das duas teorias estudadas podemos perceber

    que elas pertencem a paradigmas diferentes. Embora, em determinados momentos,

    elas paream levantar questes parecidas, como a importncia de se atentar para as

    diferenas culturais, por exemplo, elas partem de diferentes pressupostos.

    3.2 ANLISE DE TEXTOS

    Depois de realizar a leitura das duas teorias em questo e analisar os

    aspectos que as aproximam e os que as distanciam, podemos agora observar como

    determinados textos lidam com elas. Nosso objetivo aqui verificar at que ponto os

    autores esto conscientes das suas diferenas, pois embora pertenam claramente

    a dois paradigmas distintos, as duas teorias ainda podem causar certa confuso. Os

    21 Assim como Adquatheit, em alemo, adequao descreve uma qualidade em relao a um critrio especfico, como em Espero que voc prove ser adequado ao trabalho. Esse o sentido utilizado por Reiss. Na estrutura da Teoria do escopo, adequao refere-se s qualidades do texto de chegada em relao ao encargo de traduo: a traduo dever ser adequada s exigncias do encargo. um conceito dinmico relacionado ao processo de ao translatria, e refere-se seleo de signos orientados para o objetivo, considerados apropriados ao propsito comunicativo definido na designao da traduo (Reiss, 1989, p.163). Equivalncia, por outro lado, um conceito esttico, orientado para o resultado, que descreve uma relao de igualdade de valor comunicativo entre dois textos, ou, em categorias mais baixas, entre palavras, expresses, frases, estruturas sintticas, e assim por diante. (...) Na teoria do escopo, equivalncia significa adequao a um determinado escopo que exige que o texto de chegada apresente a mesma funo ou funes comunicativas que o texto de partida, preservando, assim, invariabilidade da funo dos textos de partida e de chegada.

  • 30

    textos analisados sero: Traduo e conscientizao: por uma abordagem

    psicolingstica com enfoque processual na formao de tradutores, de Fbio Alves

    (ALVES, 1997), Translation Quality Assessment: Linguistic Description versus

    Social Evaluation, de Juliane House (HOUSE, 2001), Translation Principles in the

    Context of Cultural Psychology, de Fangzhen Peng (PENG, 2005), Dynamic

    Equivalence in Cross-cultural Transfer (DYNAMIC, 1994) e Function revisited:

    expanding the role of translation in the receptor context, de Maria Lcia

    Vasconcellos (VASCONCELLOS, 1996). Esses textos abordam questes

    relacionadas traduo. As teorias analisadas neste trabalho esto presentes

    nesses textos como parte de sua fundamentao terica.

    No texto Traduo e conscientizao: por uma abordagem psicolingstica

    com enfoque processual na formao de tradutores (ALVES, 1997), a distino

    entre as duas teorias est bem definida. Nesse artigo, o autor descreve em linhas

    gerais os fundamentos tericos de uma orientao psicolingstica baseada numa

    estrutura emprica, para a formao e treinamento de tradutores. Na seo de

    Fundamentao Terica o autor descreve o caminho percorrido por vrios

    estudiosos da traduo:

    (...) Inicialmente trabalhou-se com o conceito de equivalncia. Esse conceito foi tido por Catford (1965) como tertium comparationis; foi dividido entre equivalncia formal e dinmica por Nida (1975); classificado como equivalncia comunicativa por Neubert (1985) e pela escola de Leipzig e como equivalncia cognitiva por Newmark (1988). Como conceito, a equivalncia tem efeito sobretudo no nvel do sintagma e da sentena e, ao longo do desenvolvimento do texto, procurando sempre a correspondncia mais prxima entre o texto de partida e de chegada. O conceito de equivalncia, embora abrangente, restringe-se, porm, ao nvel do produto, no levando em considerao as etapas intermedirias do processo tradutrio. (ALVES, 1997)

    Em seguida, o autor descreve como House (1977), criticando o conceito de

    equivalncia, diferenciou entre covert e overt translation. Dentro do primeiro tipo

    estariam as tradues que no so reconhecidas como tais na lngua de chegada,

    apresentando um carter funcional. J as overt translations trabalham com a

  • 31

    literalidade, procurando manter-se prximas ao texto de partida. Continuando com a

    sua exposio dos tericos da traduo, Alves apresenta a proposta de Reiss e

    Vermeer:

    Declarando-se insatisfeitos com a proposta acima e dando sequncia discusso terica, um novo conceito foi proposto por Rei & Vermeer (1984), dentro da Skopostheorie, contradizendo a noo de equivalncia como conceito geral nos estudos de traduo. Prope-se, em seu lugar, que uma ao determinada por seu objetivo e , dentro dessa perspectiva, uma funo desse objetivo. Trata-se de uma tentativa de formulao de uma Teoria de Primeira Ordem na qual nenhum aspecto do texto original tem, impreterivelmente, que fazer parte do texto de chegada. Dentro da Skopostheorie existem uma srie de objetivos que podem ser classificados hierarquicamente. (...) (ALVES, 1997)

    O autor demonstra, assim, como a Teoria do escopo, ou Skopostheorie,

    pertence a outro paradigma, contradizendo a noo de equivalncia como conceito

    geral nos estudos de traduo (ALVES, 1997). O autor apresenta, em seu trabalho,

    dois aspectos distintos da traduo a equivalncia e a funcionalidade. Assim, fica

    clara a diferena de paradigma das duas teorias.

    Outro texto que apresenta uma clara distino entre as duas teorias

    Translation Quality Assessment: Linguistic Description versus Social Evaluation,

    (HOUSE, 2001). Esse texto apresenta trs abordagens diferentes para se avaliar

    uma traduo, baseadas no conceito de significado e seu papel na traduo. Em

    seguida, a autora apresenta um modelo funcional-pragmtico de avaliao de

    traduo e, por fim, faz uma distino entre descrio lingstica e avaliao social

    na crtica de traduo. A autora divide abordagens que tm como base a resposta

    do receptor em duas perspectivas: a behaviorista e a funcionalista. Assim, Nida

    pertence primeira e Vermeer segunda:

    1.2.1. Behavioristic Views (...) This tradition, influenced by American structuralism and behaviorism, is most famously associated with Nidas (1964) pioneering work. Nida took readers reactions to a translation as the main yardstick for assessing a translations quality, positing global behavioral criteria, such as e.g. intelligibility and informativeness and stating that a good translation is one

  • 32

    leading to equivalence of response a concept clearly linked to his principle of dynamic equivalence of translation, i.e., that the manner in which receptors of a translation respond to the translation should be equivalent to the manner in which the source texts receptors respond to the original. (...) 1.2.2. Functionalistic, Skopos-Related Approach Adherents of this approach (cf. Reiss and Vermeer 1984) claim that it is the skopos or purpose of a translation that is of overriding importance in judging a translations quality. The way target culture norms are heeded or flouted by a translation is the crucial yardstick in evaluating a translation. It is the translator or more frequently the translation brief he is given by the person(s) commissioning the translation that decides on the function the translation is to fulfil in its new environment. (...)22 (HOUSE, 2001, p.244-245)

    Assim como no primeiro texto analisado, fica claro que a autora tem

    conscincia das diferenas entre as duas teorias, de modo que ela as classifica em

    diferentes abordagens.

    J no texto Translation Principles in the Context of Cultural Psychology,

    (PENG, 2005), a distino entre as duas teorias no totalmente clara como nos

    textos anteriores. O autor salienta a importncia dos aspectos culturais na traduo.

    Vista como uma forma de comunicao que atravessa culturas, a traduo deve

    respeitar ambas as culturas, de partida e de chegada, e tentar construir uma ponte

    entre elas. O tradutor deve levar em conta o modo como o receptor v o mundo,

    suas crenas, valores, padres estticos, entre outros fatores. Peng apresenta dois

    princpios da traduo: fidelidade e validade. Ele afirma que ambos so

    importantes, mas quando entram em conflito, a preferncia deve ser pelo segundo, 22 1.2.1. Viso Behaviorista (...) Essa tradio, influenciada pelo behaviorismo e estruturalismo americano, mais comumente associada ao trabalho pioneiro de Nida (1964). Nida tomou as reaes do receptor a uma traduo como o principal critrio para avaliar a qualidade de uma traduo, adotando padres de comportamento global, como, por exemplo, inteligibilidade e informatividade, e declarando que uma boa traduo aquela que conduz equivalncia de reao um conceito claramente relacionado ao seu princpio de equivalncia dinmica da traduo, i.e., a maneira como os receptores de uma traduo reagem traduo deve ser equivalente maneira como os receptores do texto fonte reagem ao original. (...) 1.2.2 Abordagem funcionalista, relacionada ao escopo Adeptos dessa abordagem (cf. Reiss and Vermeer 1984) afirmam que o escopo ou propsito de uma traduo o fator de importncia primordial no julgamento da qualidade de uma traduo. A maneira como as normas da cultura de chegada so respeitadas ou negligenciadas por uma traduo o critrio decisivo na avaliao de uma traduo. o tradutor, ou mais freqentemente o encargo de traduo, quem decide a funo que a traduo desempenhar em seu novo ambiente. (...)

  • 33

    pois if ones translation is not readable and understandable, there is no use of it23.

    O autor utiliza aspectos das duas teorias (de Nida e de Vermeer) para comprovar a

    sua tese de que a validade mais importante que a fidelidade numa traduo. O

    autor no estabelece uma relao explcita entre as duas teorias, embora tambm

    no tenha a preocupao de apontar para as suas diferenas. Dessa forma, um

    leitor que ainda no conhea as teorias e que esteja estabelecendo seu primeiro

    contato com elas atravs desse texto, pode correr o risco de classific-las como

    pertencentes mesma abordagem. Peng cita os dois autores (Nida e Vermeer)

    numa seo do seu texto chamada Validity and Factors of Psychology. Ele explica

    a importncia dada por Nida para a resposta do receptor do texto traduzido, que

    deve ser a mesma reao do leitor do texto original:

    (...) what one must determine is the response of the receptor to the translated message and this response must be compared with the way in which the original receptors presumably reacted to the message when it was given in its original setting. Based on such an idea, Nida put forth the term of dynamic equivalence. Dynamic equivalence depends on the comparison of two relations. That is, the relation of target language receptors to the target language text should be roughly equivalent to the relation of the original receptors to the original text. As Nida said, The readers of a translated text should be able to understand and appreciate it in essentially the same manner as the original readers did. (NIDA, 1999, p.118)24 (PENG, 2005)

    Logo em seguida, o autor apresenta os conceitos de coerncia intratextual

    e coerncia intertextual propostos por Vermeer. Peng classifica Vermeer como a

    skoposist, porm, no explica o termo, de modo que algum que ainda no

    conhea a teoria no ter uma idia muito clara do que se trata. Alm disso, depois

    de explicar os conceitos de coerncia intra e intertextual, Peng conclui que

    23 Se uma traduo no legvel e compreensvel, ela no tem utilidade. 24 preciso determinar a resposta do receptor mensagem traduzida, e essa resposta deve ser comparada maneira como os receptores originais provavelmente reagiram mensagem quando ela foi transmitida em seu cenrio original. Baseado nessa idia, Nida apresenta o termo de equivalncia dinmica. Equivalncia dinmica depende da comparao entre duas relaes. Isto , a relao dos receptores da lngua alvo com o texto da lngua alvo deve ser aproximadamente equivalente relao dos receptores originais com o texto original. Como Nida afirmou: Os leitores de um texto traduzido devem ser capazes de entend-lo e apreci-lo essencialmente da mesma maneira que os leitores originais o fizeram. (NIDA, 1999, p.118)

  • 34

    Skopostheorie considers intertextual coherence subordinate to intratextual

    coherence. (NORD, 1997, p.33) Validity in translation is ranged first in

    Skopostheorie25 (PENG, 2005). A informao no est errada, mas incompleta.

    Segundo Nord:

    Intertextual coherence is considered subordinate to intratextual coherence, and both are subordinate to the Skopos rule. If the Skopos requires a change of function, the standard will no longer be intertextual coherence with the source text but adequacy or appropriateness with regard to the Skopos (REISS; VERMEER, 1984, p.139). And if the Skopos demands intratextual incoherence (as the theater of the absurd), the standard of intratextual coherence is no longer valid.26 (NORD, 1997, p.32-33)

    Assim, no errado dizer que a coerncia intratextual est subordinada

    coerncia intertextual, mas importante considerar que, de acordo com a Teoria do

    Escopo, os dois princpios esto subordinados ao escopo. A forma como Peng os

    apresenta, pode criar a impresso de que Vermeer considera que o mais importante

    numa traduo obedecer ao princpio da coerncia intratextual. Porm, como

    vimos, um escopo especfico pode exigir que esse princpio no seja seguido.

    Em outro texto, DYNAMIC Equivalence in Cross-Cultural Transfer,

    percebemos claramente uma confuso entre as duas teorias. Neste texto, o autor

    discute a questo da traduzibilidade e no-traduzibilidade dos chamados

    equivalentes nulos, i.e., aqueles que no possuem um termo correspondente na

    lngua de chegada. O corpus da sua pesquisa formado por textos de informao

    turstica. O autor chega concluso de que possvel traduzir os equivalentes

    nulos, em termos da equivalncia dinmica, utilizando um equivalente funcional,

    descritivo, ou uma combinao dos dois. O autor trabalha com as duas teorias,

    fazendo citaes e referncias a ambos os autores, Nida e Vermeer, sem qualquer 25 A Teoria do escopo considera a coerncia intertextual subordinada coerncia intratextual. (NORD, 1997, p.33) Validade na traduo vem em primeiro lugar na Teoria do escopo. 26 Coerncia intertextual considerada subordinada coerncia intratextual, e ambas so subordinadas ao princpio do escopo. Se o escopo exige uma mudana da funo, o padro no ser mais a coerncia intertextual com o texto de partida, mas adequao ou adaptao em relao ao escopo (REISS; VERMEER, 1984, p.139). E se o escopo exige incoerncia intratextual (como no teatro do absurdo), o padro de coerncia intratextual j no ser vlido.

  • 35

    preocupao em estabelecer alguma distino entre eles. Em determinado momento

    o autor afirma que:

    In short, what the translator has to achieve is a version which is the closest natural equivalent. As mentioned previously, Vermeers Skopostheorie set the framework for this research. The act of translation goes far beyond a merely linguistic transcoding, it is in fact an act of interlingual communication, and as such the principle of dynamic equivalence has to be applied.27 (DYNAMIC, 1994)

    Nesse trecho as duas teorias so tratadas como se fossem guiadas pelos

    mesmos princpios. O autor diz que a Teoria do Escopo estabeleceu a estrutura de

    sua pesquisa, ao mesmo tempo em que afirma que o tradutor deve alcanar uma

    verso que seja o equivalente natural mais prximo. muito clara a confuso entre

    as duas teorias. Como dito anteriormente, a teoria proposta por Vermeer se distancia

    do conceito de equivalncia, uma vez que o que deve guiar o tradutor a funo da

    traduo. A equivalncia apenas uma entre as muitas funes que uma traduo

    pode ter. Assim, dizer que o tradutor precisa alcanar o equivalente natural mais

    prximo ir contra a teoria de Vermeer, que, supostamente, guiou a realizao do

    trabalho.

    No texto Function revisited: expanding the role of translation in the receptor

    context (VASCONCELLOS, 1996), a autora discute o conceito de funo

    apresentado por diferentes autores, tomando como base um artigo intitulado The

    concept of function of translation and its application to literary texts (ROBERTS,

    1992). Ao apresentar o paradigma de Reiss e Vermeer, a autora afirma:

    Reiss work culminates with co-work together with Hans J. Vermeer in 1984. Their argument is that the translation should be governed primarily by the one functional aspect which predominates, or, in the new terminology, by the originals Skopos (Greek for the intent, the goal, the function) (Gentzler, 1993:71). According to this theory, the coherence of the

    27 Resumindo, o que o tradutor precisa alcanar uma verso que seja o equivalente natural mais prximo. Como mencionado anteriormente, a Teoria do escopo de Vermeer estabeleceu a estrutura para esta pesquisa. O ato de traduzir vai muito alm de uma simples transcodificao lingstica; ele , de fato, um ato de comunicao interlingual, e como tal, o princpio da equivalncia dinmica precisa ser aplicado.

  • 36

    translated text is dependent upon the translators concept of the Skopos of the original text, and that of the skopos of the target text. Again, the equation of language function with text function is made on reasonable grounds. The limited success of the model cannot, it seems to me, be accounted for by its equation of language function with text function. Maybe an explanation would lie exactly in the insistence of the model in fidelity to the Skopos of the original, an issue not discussed by Roberts.28 (VASCONCELLOS, 1996, p.170)

    Embora esse texto no apresente uma confuso entre as duas teorias (de

    Nida e de Vermeer), ele apresenta uma viso equivocada da teoria de Vermeer. O

    engano ocorre quando Vasconcellos afirma que a traduo deve ser dirigida pelo

    escopo do original. Essa afirmao encontrada em dois momentos: o primeiro

    quando, citando Gentzler, a autora explica que the translation should be governed

    primarily by the one functional aspect which predominates, or, in the new

    terminology, by the originals Skopos29 (VASCONCELLOS, 1996, p.170), e o

    segundo, quando ela conclui que maybe an explanation would lie exactly in the

    insistence of the model in fidelity to the Skopos of the original30 (idem). Porm,

    segundo a teoria proposta por Vermeer, o escopo do texto de chegada, no de

    partida, o fator que determina uma traduo.

    possvel que essa idia equivocada, presente na reflexo de Vasconcellos,

    tenha origem no texto de Gentzler, citado por ela, visto que o momento em que ela

    explicita a idia de que a traduo deve ser dirigida pelo escopo do texto original

    coincide justamente com a citao de Gentzler. Assim, possvel supor que essa

    idia j esteja presente em sua obra. Para confirmar tal hiptese, vamos, ento,

    28 O trabalho de Reiss culmina em uma co-autoria com Hans J. Vermeer, em 1984. Seu argumento que a traduo deve ser dirigida, em primeiro lugar, pelo aspecto funcional predominante, ou, na nova terminologia, pelo escopo (palavra grega para intento, objetivo, funo) do original (Gentzler, 1993, p.71). De acordo com essa teoria, a coerncia do texto traduzido depende do conceito do tradutor em relao ao escopo do texto original e ao escopo do texto de chegada. Novamente, a relao entre a funo da lngua e a funo do texto se d sobre bases razoveis. O sucesso limitado do modelo no pode, a meu ver, ser explicado pelo modo de equacionar funo da lngua e funo do texto. Talvez uma explicao possa ser encontrada exatamente na insistncia do modelo na fidelidade ao escopo do original, um assunto no discutido por Roberts. 29 "a traduo deve ser dirigida, em primeiro lugar, pelo aspecto funcional predominante, ou