Sloterdijk, Peter Entrevista

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Criar conta | Entrar | Filtro familiar:seguro Algo no ar - Tradução de Entrevista com Peter Sloterdijk Entrevista ( tradução livre do inglês-não visa fins lucrativos ou acadêmicos) O filósofo alemão Peter Sloterdijk fala a Erik Morse sobre os fenômenos do século XX e XXI da guerra química, o design de ventilação e a alta densidade da vida urbana. O mais celebrado e controvertido filósofo alemão desde Jürgen Habermas, Peter Sloterdijk estabeleceu uma carreira acadêmica confrontando as mais obscuras tradições ideológicas da Europa do século XX. Presidente e professor da Staatliche Hochschule für Gestaltung na Alemanha, seu primeiro livro, Kritik der zynischen Vernunft (Crítica da Razão Cínica, publicado em 1983 e traduzido para o inglês em 1988) continua sendo a obra filosófica mais vendida em língua alemã desde a Segunda Guerra Mundial, mas foi sua controvérsia polêmica com a linguagem da engenharia genética e da biopolítica em uma palestra por ele ministrada em 1999, ‘Regeln für den Menschenpark” (Regras para o parque humano) •, que levou a ele a atenção internacional. Ela também marca uma virada distintiva do filósofo em direção a uma abordagem Heideggeriana da pós-modernidade, identificando a questão do ‘Ser’ ligada às tecnologias da arquitetura e da antropogênese. Entre 1998 e 2004 Sloterdijk compõe sua principal obra, a trilogia de 2400 páginas intitulada Sphären (Esferas) . Em suas três partes – ‘bolhas’, ‘esferas’ e ‘espuma’ – Sphären narra a história ocidental do macro e do micro-espaço da Ágora grega até o apartamento urbano contemporâneo. Com os avanços tecnológicos do século XX – mais representados, de acordo com Sloterdijk, no uso do terrorismo aéreo e a ventilação de interiores – os tradicionais mapas do espaço geométrico foram drasticamente redesenhados, desvelando estratos até agora inexplorados: atmosfera, ambiente e ecologia. Numa demonstração de auto-elogio exagerado, Sloterdijk declarou que o projeto Sphären era o companheiro legítimo de Sein und Zeit (Ser e Tempo, 1927) de Martin Heidegger e o livro que ele teria escrito. Com a publicação pela editora Semiotexte(e) de Terror From the Air – traduzido de Luftbeben: An den Wurzeln des Terrors (Air Trembling: At the Roots of Terror, 2002, ainda não publicado no Brasil), a introdução de Sphären

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Entrevista com Sloterdijk.

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Algo no ar - Tradução de Entrevista com Peter Sloterdijk

Entrevista ( tradução livre do inglês-não visa fins lucrativos ou acadêmicos)

O filósofo alemão Peter Sloterdijk fala a Erik Morse  sobre os fenômenos do século XX e XXI da guerra química, o design de ventilação e a alta densidade da vida urbana.

O mais celebrado e controvertido filósofo alemão desde Jürgen Habermas, Peter Sloterdijk estabeleceu uma carreira acadêmica confrontando as mais obscuras tradições ideológicas da Europa do século XX. Presidente e professor da Staatliche Hochschule für Gestaltung na Alemanha, seu primeiro livro, Kritik der zynischen Vernunft (Crítica da Razão Cínica, publicado em 1983 e traduzido para o inglês em 1988)  continua sendo a obra filosófica mais vendida em língua alemã desde a Segunda Guerra Mundial, mas foi sua controvérsia polêmica com a linguagem da engenharia genética e da biopolítica em uma palestra por ele ministrada em 1999, ‘Regeln für den Menschenpark” (Regras para o parque humano)  •, que levou a ele a atenção internacional. Ela também marca uma virada distintiva do filósofo em direção a uma abordagem Heideggeriana da pós-modernidade, identificando a questão do ‘Ser’ ligada às tecnologias da arquitetura e da antropogênese.

Entre 1998 e 2004 Sloterdijk compõe sua principal obra, a trilogia de 2400 páginas intitulada Sphären (Esferas) . Em suas três partes – ‘bolhas’, ‘esferas’ e ‘espuma’ – Sphären narra a história ocidental do macro e do micro-espaço da Ágora grega até o apartamento urbano contemporâneo. Com os avanços tecnológicos do século XX – mais representados, de acordo com Sloterdijk, no uso do terrorismo aéreo e a ventilação de interiores – os tradicionais mapas do espaço geométrico foram drasticamente redesenhados, desvelando estratos até agora inexplorados: atmosfera, ambiente e ecologia. Numa demonstração de auto-elogio exagerado, Sloterdijk declarou que o projeto Sphären era o companheiro legítimo de Sein und Zeit (Ser e Tempo, 1927)   de Martin Heidegger e o livro que ele teria escrito. Com a publicação pela editora Semiotexte(e) de Terror From the Air – traduzido de Luftbeben: An den Wurzeln des Terrors (Air Trembling: At the Roots of Terror, 2002, ainda não publicado no Brasil), a introdução de  Sphären III- os leitores de língua inglesa tiveram seu primeiro vislumbre da obra de Sloterdijk sobre o espaço pós-moderno. Este ano a editora Polity publicou God’s Zeal: The Battle of Three Monotheisms (ainda não publicado no Brasil), um estudo sobre a origem dos conflitos entre o judaísmo-cristianismo e o Islã, e Derrida, um egípcio .

ERIK MORSE Qual o papel você acredita que a literatura tem na explicação

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do que você chama de ‘esferologia’ – o estudo da necessidade humana de espaço interior? PETER SLOTERDIJK Eu sempre senti que há uma clivagem na tradição européia entre a linguagem filosófica e a linguagem da arte e da literatura que é baseada na supressão do conhecimento atmosférico. De igual modo, até recentes desenvolvimentos da fotografia espacial, os mapas convencionais também omitiam informações sobre a atmosfera. Minha ambição foi a de trazer a dimensão atmosférica novamente para a percepção do real. Meu ensaio Terror from the Air foi extraído de Sphären. Ele é chamado ‘Air Trembling’ em alemão, e é a parte introdutória do terceiro volume da trilogia das Sphären. Tudo nesta obra é sobre a reconstrução da percepção atmosférica.EM Um dos argumentos fundamentais de Terror from the Air é que a guerra clássica mudou de maneira inextirpável com o uso em combate alemão do gás cloro durante a segunda batalha de Ypres em 22 de Abril de 1915.  É sua a afirmação que, com este primeiro uso da guerra química, um novo tipo de “atmo-terrorismo” foi liberado no mundo, em que o ambiente em vez do corpo é atacado. Contudo, o terrorismo como estilo de guerra tem estado presente no ocidente desde os primeiros encontros entre os exércitos europeus e índios ou grupos tribais: por exemplo, ataques noturnos, camuflagem, ofensivas de ataque-e-fuga. Como estes exemplos são distintos do uso do gás nos campos de batalha em 1915?

PS É ‘apenas’ uma diferença técnica. Como Clausewitz [Carl Von Clausewitz, 1780-1831, teórico e estrategista prussiano] demonstrou em seu livro Vom Kriege [Sobre a Guerra] , em toda guerra há um elemento de excesso, um montée aux extreme [ crescente para o extremo] – toda guerra acelera em direção a algo pior. Em todos os tipos de guerra a tentação é muito forte não apenas para lutar um contra um contra o inimigo, mas para destruir seu ambiente – para dar o fatídico passo do duelo para a prática da extinção. No século XX, montée aux extreme desenvolveu um novo significado técnico com a guerra química. É isso o que eu sugiro em meu ensaio sobre a guerra moderna.

EM Quem cunhou o termo montée aux extrême?

PS René Girard. Ele publicou um livro sobre Clausewitz, Achever Clausewitz (Finishing Clausewitz) . Eu penso que Girard é o mais importante teórico sobre o comportamento competitivo entre seres humanos.

EM Em seu livro Le Part Maudit [A Parte maldita] , Georges Bataille trata da vida como originária do calor do sol. Como você pensa que o medo das armas de destruição em massa na era atômica mudou nossa percepção tradicional do sol como doador de vida para o de destruidor último?

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PS Eu me sinto bem próximo de Bataille quando ele diz que a vida na terra como um todo e a vida humana em particular dependem dessa absurda generosidade do sol. Contudo, suas teorias são afetadas por uma certa cegueira – ele ignora os aspectos positivos do efeito estufa ( que eu uso aqui no sentido original do termo), sem o qual o calor do sol não seria adequadamente absorvido e a temperatura na superfície da terra seria entre 15 e 18 graus centígrados negativos, que é inabitável para a maioria das formas biológicas de vida. Então, enfatizar somente os aspectos positivos do sol é um erro se isto não vier combinado com uma discussão sobre a atmosfera. Por um lado, nós nos civilizamos e nos cultivamos através do uso de modificações atmosféricas graças ao moderno condicionamento do ar mas, por outro, empregamos o terrorismo atmosférico. O clássico estudo do sol, ou heliologia, supõe que aí há uma forte analogia entre Deus e o sol; o sol como manifestação física de Deus. Mas nós temos que levar em conta que a ambição mais profunda do século XX é a ‘ vitória sobre o sol’ – o título de um dos mais importantes trabalhos de arte, em minha opinião, que saiu da revolução Russa – uma ópera futurista apresentada em 1913 por um grupo de artistas chamado ‘Soyuz Molodyozhi’ [União da Juventude]. A equipe de produção incluía Aleksei Kruchenykh, Mikhail Matyushin, Velimir Khlebnikov e Kasimir Malevich. A ópera explora a idéia de que a Terra se tornaria um sol e, por conseguinte, independente. Este é o ponto final do movimento atmosférico dos tempos modernos - na medida em que a Terra depende de uma fonte externa, o sonho humano de autonomia nunca será realizado. Mas se tivermos sucesso na criação de um sol artificial sobre a face da Terra, então nós nos tornaremos independentes, uma raça de semi-deuses, os mestres do universo. E, pelo menos simbolicamente, isto é um link entre os sonhos da revolução Russa e dos físicos americanos que conseguiram através do Projeto Manhattan criar um sol artificial. O fogo da bomba atômica lançada pelos americanos sobre Hiroshima e Nagasaki foi a única vez em que esta terrível arma foi utilizada no campo de batalha, que comprova o século XX como a era da guerra atmosférica. Nada pode ser como era antigamente – esta é a conexão entre Hiroshima e Auschwitz e Ypres.

EM Indo de Bataille para outro teórico do século XX que é de importância central para o seu trabalho, eu estou interessado em como você aplica os ‘mitos’ de Gaston Bachelard do ar, água e fogo em sua ‘esferologia’.

PS Na medida em que ele foi um dos autores que privilegiaram a redescoberta do atmosférico, Bachelard certamente tem um papel em meu pensamento. Eu o li em minha juventude, mas quando eu escrevi a trilogia, a parte de algumas citações de seu livro L’air et lês songes , ele não foi central para o meu pensamento. Embora compartilhemos uma certa predisposição em direção à tradição fenomenológica e também à combinação de aspectos psicanalíticos e fenomenológicos, a ênfase em

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meu trabalho é muito diferente da dele.

EM Você pensa que as academias alemã e francesa têm mais respeito pela obra de Bachelard que a academia americana, onde ele não é parte do cânone filosófico?

PS Bachelard merece respeito como um autor clássico. Eu não posso comentar a política da academia americana, mas seus escritos não podem ser deixados de lado do cânone.

EM Muitas gravações e tecnologias sônicas foram desenvolvidas em diálogo com a pesquisa militar. Eu estou curioso se você pensa que tecnologias como a fita magnética, transmissão wireless, radar e sonar contribuíram para um ambiente de ‘atmo-terrorista’ em que a fala humana se perde na vasta matrix das ondas de rádio.

PS Nós criamos um ambiente sonoro artificial que não tem paralelo na história das sociedades humanas. Até o século XIX, as vozes se produziam e eram percebidas in situ – a fonte do som tinha de estar bem perto do receptor. É somente através da tecnologia do rádio que o fenômeno da acústica de longo alcance fez-se possível e que através da coerência sonosférica a realidade pós-moderna foi criada. A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra de impressão- a mobilização dos soldados só pôde ser obtida através da tecnologia da impressão, que é relativamente próxima da do rádio, em que ler significa ouvir ou alucinar vozes de diferentes falantes – por exemplo, você ouve a voz do imperador alemão que o manda para o front. Isso é um movimento constante do mundo de Gutemberg para o mundo do rádio: o mundo das ondas e o mundo da impressão são sistematicamente ligados por um aspecto em comum, qual seja, para colocar em termos clássicos, é actio in distans – ação à distância.

EM Como você caracterizaria o movimento da impressão para a comunicação via ondas de rádio até a condição que Paul Virilio chama de ‘telepresença’ – um conjunto de tecnologias que permite às pessoas sentir como estivessem presentes, para dar a aparência de que estão presentes ou para ter um efeito num lugar outro que não seu local verdadeiro. Isto é outra progressão?

PS Isto é um tipo de cadeia de causalidade. O imperador romano colocará sua assinatura em um documento que será lido na periferia do império, em, digamos, Alexandria. A distância entre Roma e Alexandria é de 2.000 quilômetros,mas a alma do leitor, que recebe esta ordem, está preparada para realizar exatamente o que o autor tenha mandado. Neste sentido, o mundo dos comandos escritos prepara o mundo das ondas de rádio.

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EM Como nós podemos aplicar estas regras da comunicação na era clássica no assim chamado ‘ período hipermoderno’, quando a velocidade da mensagem foi acelerada a um ponto em que parece ser onipresente ou telepresente?

 PS O poder da mensagem pressupõe que a sincronização do remetente e do destinatário tenha sido pré-estabelecido para preparar o receptor para uma posição de obediência em relação à mensagem. Agora, a proliferação da comunicação resultou no enfraquecimento da mensagem.

EM Há aí uma ligação direta entre a falha da ‘mensagem’ e o modo como as pessoas agora se comunicam nas metrópoles, apartamentos e arranha-céus, por exemplo?

PS Certamente. A urbanização é a principal característica da cultura contemporânea. No terceiro volume de Sphären, eu trato quase exclusivamente com a relação entre a comunicação urbana e as funções luxuosas da vida moderna.

EM Você iguala todas as formas de comunicação moderna no espaço urbano como um tipo de publicidade à la Walter Benjamin em Passagen-Werk  [ conhecido em inglês como The Arcades Project, uma coleção incompleta de notas de Benjamin reunidas entre 1927 e 1940 que reflete os variados estilos de vida e habitações da Paris pós-revolucionária]?

PS O projeto Sphären é sobre a criação de um espaço específico humano. Em um nível metafísico, o significado de minha teoria é que os seres humanos nunca vivem fora da natureza mas sempre criam um tipo de espaço existencial em torno deles. Espaços urbanos são ambientes humanizados em que a natureza é completamente substituída por uma realidade feita pelo homem. Isto pode provocar um tipo de alienação; um sentimento de estar desorientado dentro das cidades que você normalmente espera sentir na natureza. No terceiro volume de Sphären, em um longo capítulo intitulado ‘A cidade de espuma’, eu tento descrever estas multiplicidades da vida moderna nos termos de produção de espuma –todos os indivíduos estão vivendo numa bolha específica dentro de uma espuma comunicativa.

EM Para aqueles leitores que não estão familiarizados com suas teorias sobre bolhas e espumas, como o senhor vê o destino da casa tradicional nesta larga progressão ou digressão da habitação no século XX?

PS Minha ‘cidade de espuma” é uma teoria da vivência em apartamentos. Um apartamento é obviamente um lugar que contém o significado de comunicação para ligar você a um mundo exterior, e é também um sistema imunológico

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espacializado. Ele imuniza você contra as influências do mundo exterior mas simultaneamente liga você ao Mitwelt [ ‘mundo social’], que é a forma de ‘isolamento conectado’ – um termo cunhado por Thom Mayne, um arquiteto americano, no início dos anos 1970. ‘Isolamento conectado’ poderia ser um conceito heideggeriano. Ele é provavelmente um dos mais profundos conceitos que já desenvolvido dentro da moderna teoria arquitetônica porque ela contém um julgamento do estilo de vida moderno. Eu não acredito na hipótese de Heidegger dos tempos modernos como o tempo da condição de não-moradia [homelessness]. O que eu vejo é a transformação em todos estas tradicionais reclamações sobre a moderna condição de não se ter habitação [homelessness] ser traduzida para uma linguagem imunológica. Para mim, metafísica prática terá de ser traduzida para linguagem de imunologia geral porque os seres humanos, devido a sua abertura para o mundo, são extremamente vulneráveis – de um nível biológico aos níveis jurídicos e sociais, até os níveis rituais e simbólicos. Nós estamos sempre tentando criar e achar um ambiente protetor. A tarefa de construção de sistemas imunológicos convincentes é tão amplo e tão absorvente que aí não sobra espaço para desejos nostálgicos. Esta é uma tarefa atual que deve ser cumprida e teorizada com toda técnica disponível. Não há caminho de volta.

EM Na nova ‘cidade espuma’ a clássica descrição de Benjamin do flâneur ficou obsoleta?

PS Eu cotei Benjamin num sentido muito positivo. Em algumas das mais interessantes partes de Passagen-Werk, ele desenvolve a idéia de que a burguesia do século XIX criou estes interiores artificiais. E então quando o mundo se tornou globalizado, a burguesia em seus salões precisou absorver tudo o que é exterior em sua interioridade. De acordo com Benjamin, a arte da forma de vida da burguesia foi, no século XIX, o esforço para neutralizar tudo o que é exterior e em criar um interior que contém a totalidade. E é sobre isto que versa The Arcades. Nas Arcades, na passagem, todo o mundo da produção – todo o mundo do comércio e da exploração –é neutralizada e representada na existência da mercadoria. As mercadorias levam estas totalidades externas para dentro dos apartamentos da burguesia. Entre o oceano e o apartamento é a passagem; a arcada era todos aqueles bens que podem ser comprados.

EM O senhor fez a distinção em entrevistas passada entre, por exemplo, entre a Paris do século XIX e a tardia Los Angeles do século XX, em que há uma mudança da arcada para o shopping e o estádio, no espaço destes hiper-interiores ventilados.

PS Sim. Mas entre o shopping moderno e a arcada primitiva do início do século XIX, há um passo que é muito simbólico. Este é o London Crystal Palace, que é para mim o maior símbolo da construção pós-moderna da realidade [Um edifício de ferro

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fundido e vidro desenhado por Joseph Paxton para abrigar A Grande Exibição de 1851. Ela incluiu 14.000 expositores de todo o mundo, exibindo os mais recentes exemplos de desenvolvimentos tecnológicos. Porque o poder de interiorização aqui alcançou um tipo de máximo histórico, eu escolhi isso como título de meu mais recente livro sobre o capitalismo pós-moderno: The Crystal Palace. Em alemão o título é Im Weltinnenraum des Kapitals  [o grande interior do capitalismo]. Weltinnenraum é uma palavra tomada emprestada de Rainer Maria Rilke, que, em um poema de 1914, criou a visão de um espaço fantástico em que tudo se comunica com todas as coisas. Em sua visão de comunicação panteística, tudo é produzido por poderes psíquicos, enquanto no Weltinnenraum do capitalismo, a força comunicativa é o dinheiro.

EM Finalmente, quando senhor fala sobre uma imunologia simbólica, é difícil não tratar de algo literal como a disseminação de uma doença como também, por exemplo, o mais recente fenômeno da crise da gripe suína que foi definida como um potencial exterminador global, particularmente nas cidades. Então você começa a ver os resultados do espaço se tornando mais denso e das pessoas vivendo em quadras mais e mais próximas e há um crescente medo de que uma única pressão de doença ou uma arma aniquile a civilização.

PS Isto é totalmente correto. Porque as pessoas sentem muito fortemente que suas construções privadas de imunidade são ameaçadas pela presença de tantas construções de esferas imunes que são pressionadas umas contra as outras e se destroem umas às outras. É isto porque que nos Estados Unidos há um novo tipo de discurso que encoraja formas obscenas de fala. Por exemplo, o novo termo, ‘pessoa tóxica’ (toxic people), vem dos EUA e está invadindo a Europa hoje. Isto significa que as coisas vão mal e que a situação imunológica dos americanos está em colapso.

Erik Morse é autor de Dreamweapon: Spacemen 3 and the Birth of Spiritualized (Omnibus Press, 2004) e, com Tav Falco, the upcoming Memphis Underground: A Dual Narrative of the Bluff City (Creation Books, 2010). Seus escritos foram publicados pela Arthur, Bomb, Bookforum, Filmmaker, Interview, Semiotext(e)’s Animal Shelter e o San Francisco Bay Guardian.