SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educação No Corpo

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  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

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    Po rconvencaoo s

    textos

    sa oimpressese m

    caracteres escuros

    so-

    bre fundo claro.Apesar deviremde regioes obscurasda sociedade

    do s

    homens, as palavras fixam-sen o papel

    escuras

    em fundos claros,

    neutros, como se quisessem esquecersua origem complexa, ambigua,

    perigosa,para exibirem-se como limpas, nitidas, claras.Eassim se exige

    tambem

    as

    ideias

    qu e

    elas expoem.

    E

    tambem quando elas

    sa o

    fala-

    das.

    Eassim

    deve

    ser o

    orador,

    o

    cientista,

    o

    escritor academico.Lim-

    po ,claro, nftido. Etambem a

    escola,

    a

    educagao

    d ocorpo, aginastica.

    Certa vez, convencionou-se tambem

    que a

    arteverdadeiradeve-

    ria ser

    suja,escura, obscura, como

    se e la nao

    quisesseexpor

    sua face

    solar,

    clara,

    positiva.

    E

    assimdeveria

    ser o

    artista.

    Sujo,

    obscuro, pro-

    blematico.

    E

    tambem

    a

    rua,

    o

    funambulo,

    o

    t rabalhador

    d as

    minas,

    o

    circo.

    O exagero destas duasaf irmacoes leva-nosaafirmar qu e deveria-

    mos buscar umaopiniao media. Nao. Para que algosignificative seja

    revelado, as

    coisas

    devem se rmisturadas, colocadasem tensao.Bus-

    ca r

    sentidos

    na aproximagao

    problematica

    de

    linguagens diferentes.

    Traducao.

    Traduzir de uma linguagem para outra para que algo de ver-

    dadeiro e inesperado

    surja

    ora do

    texto,

    ora da imagem e ai achar tre-

    chos

    dahistoriaque

    ficaram perdidos

    eobscurecidos pelahistoria ofi-

    cial. Traducao tambem da

    imaginagao,

    do

    d e s e j o

    e da historia do

    pesquisador, dostrechos perdidose obscurecidos pelasua historia oficial.

    Como se uma pesquisa pudesse ser aomesmo

    tempo

    uma historia

    pessoal profundamente social.

    Milton

    Jose de

    Almeida

    EDITOR

    UTORES

    SSOCI DOS

    Z :

    O

    . .-TT:*

    -. i

    .

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    Ocorpo

    movel,

    livre,leve, agil. Muitas

    vezescomico.

    Ocorpo rfgido, retesado.O

    corpolimpo,consertado.Ocorpo contro-

    lado,construido,modelado. O. corpo atle-

    tico.A

    estetica

    do

    corpo.

    O

    corpo contorcido,

    pesado.

    O

    corpo

    destrufdo,destrogado,atrofiado,

    espoliado.

    Ainda

    assim,

    o corpo. Corpo impregnado

    de valores. Corpo marcadopelas

    condigoes

    de

    vida. Vivendo ritmos,desenvolvendo

    agoes,assumindo

    posigoes,

    posturas. Dife-

    rentes, variadas,

    opostas,contraditorias.

    Imagens docorpo. Imogens

    da

    educocdo

    no corpo. Imagensquevaose produzindo

    nofiode um

    discurso

    despretensioso ebelo,

    em

    uma

    composigaosui generis de palavras

    efigurasedesenhose

    pinturas,

    em que o

    texto e o corpo se

    mostram

    emespetaculo.

    No

    flo

    desse

    discurso,qualtrapezista

    em

    buscadeequilibrio,somos

    instigados,

    de-

    safiados a umexerdciodo

    olhar, exercfcio

    do s modos

    de

    conceber

    o

    corpo

    eseus

    modos

    de

    agao

    e

    movimento. Somoscon-

    vidados

    a experimentar muitas leituras do

    corpo e do

    texto.

    E

    sobre

    a

    ginastica

    que a

    autora

    nos fala.

    Sobre

    a ginasticacomoumaformadeati-

    vidade culturalmente valorizada.

    E

    sobre

    praticas

    que vao seinstituindo e se insti-

    tucionalizando

    nos

    modos

    de

    sentir

    e de vi-

    ver o

    co/po.

    Na narrativa que seconstroi,

    ela

    nos

    informa

    e nos

    envolve

    e nos

    encanta,

    enquanto analisa

    e

    apresenta,

    de

    maneira

    inteiramente

    original,

    uma rica trama de

    I M A G E N S D A E D U C A C A O N O C O R P O

    E S T U D O

    A P A R T I R D A G I N A S T I C A F R A N C E S A

    N O

    S E C U L O

    X IX

    C A R M E N L U C I A S C A R E S

    3

    a

    C o L E g A o E o u c A g A o C O N T E M P O R A N E A

    AUTORES

    ASSOCIADOS

    Bibslctec

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    Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP)

    (Camara

    Brasi leira do

    Livro,

    SR Brasi l)

    Scares,

    Carmen Lucia

    Imagens

    da

    educagao

    no corpo : estudo a

    partir

    da ginastica francesano seculo XIX /

    Carmen

    Lucia Scares.

    - 3. ed. -

    Campinas,

    SP :Autores

    A ssociados,

    2005.

    Bibliografia.

    I SB N 85-85701-53-6

    I.Educagaofisica

    - 2.

    Ginastica-Franca

    -

    Seculo 1 9

    I.

    Titulo.

    97-5400

    CDD-613.7

    Indices para catalogo sistematico:

    I.Corpo :

    Educac,ao fisica

    6 I 3 .7

    I Edigao- marcode1998

    Impresso

    no

    Brasil

    -

    dezembro

    de

    2005

    C o p y rig h t 2005 by Edi t or a Aut or es A s s o c i a d o s

    E D I T O R A

    A U T O R E SASSOCIADOS L T D A .

    Uina

    edilora educativa a servifo da

    cultura

    brasileira

    A v . A l b in o J . B . de Ol i ve i r a , 901 - CEP

    13084-008

    - C a m p i n a s - SP

    P a b x / F a x : (19) 3289-5930

    E-mail ' ,

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    Conselho Editorial

    Prof. Casemiro do s Reis Filho

    Bernardete

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    Gat t i

    Car los Rober to Jami l

    C H I J

    Dermeval Sav iani

    Gilberta

    S. de M . Jannuzz i

    M a r i a

    Aparec ida Mot /a

    Walter E . Garc ia

    Diretor

    Execut i ve

    Fldvio Baldy do s

    Re i s

    Diretora Editorial

    Gilber ta S. de M .

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    M ar q u e s

    Diagramacao e Composicao

    Vlad Camargo

    Er ica Bombard i

    R evi sao

    M argare t t e de Souza Fre i t as

    A l ine M arques

    Capa

    Cr i acao a par t i r de P aul Gaugui n

    Eiaha Ohipa ( Na oa o

    Trabalho), 1896,

    e

    ilustracao

    G i nas i o

    Normal M i l i l ar

    e

    Civil de

    Amoros , 1820

    Mil ton

    Jose

    de

    Almeida

    Arte-Final Reg.

    5 44

    Vlad

    Camarga

    Impressao

    e Acabamento

    Grafica

    1

    S U M A R I O

    LlSTA D E F l G U R A S

    P R E F A C I O

    A3

    a

    E o ig A o

    PREFACIO

    A

    2

    a

    EoigAo

    PREFACIO

    CAPITULO

    UM

    A s I M A G E N S

    CAPITULO Dois

    E D U C A Q A O

    N O C ORPO: A

    R U A ,

    A F E STA , o C I R C O , A

    G I N A S T I C A

    C A P I T U L O

    T R E S

    O C ORPO

    MOLDADO:

    A L l M P E Z A E A

    U T I L I D A D E

    17

    33

    C A P I T U L O Q UAT RO

    O C ORPO AOESTRADO: O

    I N D I V I D U O

    D l S C I P L I N A D O R D E

    S i

    M E S M O

    81

    B I B L I O G R A F I A

    13 9

    B i b l i o t e c a S e t - : . . . .

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    LlSTA DE FlGURAS

    F IGURA I Polichinelos esaltimbancos ou O barraco dossaltimbancos

    (Polichinelles

    et saltimbanques ou la Baraque des

    salt imbanques), quadrodeG iandomen icoTiepolo pintadopor

    volta de

    1 7 9 3 .

    Fonte: Guillou, 1 9 9 5 , p.

    135 .

    F IGURA

    2

    O

    drco

    Cirque), quadro

    de

    Georges Seurat, pintado

    em I 89

    I .

    Fonte: Strasser, 19 9I,A presentagao.

    FIGURA 3 Amoros conduzindo um aaula, em

    Paris,

    I820.

    Fonte:Zoro, 1 9 8 6 . Encarteespecial.

    FIGURA 4 A fenfacao de santoAntonio (Latentation de saintAntoine) (de-

    talhe),quadro de jeronimus Bosch,pintado po r volta de 1500-

    1 5 1 0 .

    Fonte: Franga, 1994,pp .

    8 0 - 8 1 .

    FIGURA 5 A

    famflia

    de Carlos IV ,quadrode FranciscodeGoya, pintado entre

    I S O O e

    1 8 0 1 .

    Fonte:

    Wright,

    s.d.,

    p. 35.

    FIGURA

    6

    Ginasio ao ar l ivre,

    po r

    volta

    do ano de

    1840, catalogadas

    po r

    Jean

    Zoro.

    Fonte:

    Zoro,

    1 9 8 6 , p. 23.

    FIGURA

    7 Exercicio noportico, po rvolta do ano de 1 8 3 6 , catalogadas po r

    JeanZoro.

    Fonte:

    Zoro,

    1 9 8 6 ,

    p . 80 .

    FIGURA 8

    No

    Circo

    Fernando:

    a

    amazona,

    quadrode Toulouse-Lautrec,pin-

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    tado

    em I

    Fonte: Mundo

    do s museus, 1 96 7 , p. 62.

    F IGURA 9

    Mademoisel le

    La/ano C i rco Fernando (Mademoise l le La/aau

    Cirque Fernando), quadro pintado

    po r Edgar

    Degas

    em

    1879 .

    Fonte:

    Huttinger,

    1977,

    p . 48 .

    FIGURA 10

    O

    clown

    no

    circo

    (Le

    downau cirque),quadro

    de

    Pierre-Auguste

    Renoir, pintado em 1 8 6 8 .

    Fonte: Dulout,

    1994, p. 4 1 .

    FIGURA

    I I O combate do

    carnaval

    e da

    quaresma

    (Le combat de

    carnaval

    e t

    careme),

    quadro de Pieter Bruegel, pintado em I 559.

    Fonte: Mascheroni,

    1993 ,

    s/p.

    FIGURA

    12

    O

    mane/o

    de

    armas.

    Fonte: Zoro, 1 9 8 6 , p.

    1 4 8 .

    FIGURA 1 3 jogos infantis (Lesjeux d'enfants), quadro de Pieter Bruegel, pin-

    tado

    em I

    560.

    Fonte: Mascheroni, 1993 , s/p.

    FIGURA

    14 O Boneco de

    palha,

    quadro pintado

    p or Franciscode

    Goya, 1791

    -

    1792.

    Fonte:Wright, s.d., p. 2 1 .

    FIGURA

    1 5 Os peq u enos

    gigantes,

    quadro pintado por Francisco de Goya,

    1 7 9 1 - 1 7 9 2 .

    Fonte:Wright,

    s.d.,

    p, 23.

    FIGURA

    16

    Garotos brincandode

    so/dados, quadro pintado

    po r Franciscod e

    Goya por volta de 1777 -1785 .

    Fonte: Wright,

    s.d.,

    p. 22.

    FIGURA 17 A danca

    do s

    camponeses (La

    danse

    d es

    paysans),

    quadro

    de

    Pieter Bruegel, pintado po r volta de 1568.

    Fonte:

    Os Grandes.. . ,

    1 9 8 6 ,

    n.

    1 8 ,

    p. 54.

    FIGURA 18 Danca

    nupcial

    ao ar livre, quadro

    de

    Pieter Bruegel, pintado

    em

    1556.

    Fonte: Os Grandes.. . , 1 9 8 6 , vol. 2, n. 1 8 , p. 56.

    F IGURA

    1 9

    O

    en terro da

    sardinha,

    quadro

    de

    Francisco

    d e

    Goya, pintado

    en -

    t r e o s a no s

    d e I 8 l 2 e 1 8 1 9 .

    Fonte: Wright,

    s.d., p. 45.

    FIGURA 20

    J ogos ,

    s.d.

    Fonte:Zoro,

    1 9 86 , p. 1 1 0 .

    FIGURA 2 1

    O tecelao (Le

    tisserand),

    quadro pintado

    por Van

    Gogh

    e m 1 884 .

    Fonte:Gui l lou, 1995, p. 1 2 1 .

    FIGURA 22 e 23 jogo co m

    bola, 1880(?)-1899.

    Fonte:

    Zoro,

    1986 ,

    pp. 47 e

    203.

    FIGURA 24 A damae o l icorne (La dame a la l icorne),tapegaria (detaihe) de

    fins do

    seculo

    XV Reprodugao em

    cartao. Musee

    de s

    Thermes.

    Fonte: Musee

    des Thermes, 1 9 9 1

    (cartao).

    FIGURA 25 Cape/a Sistina(detaihe), Michelangelo.

    Fonte:

    Os

    Grandes...,

    1986 ,

    vol.

    2, n. 16 , p.

    12.

    FIGURA

    26

    O descanso do s

    mineiros:

    o jogo (La pause des mineurs :

    lejeu),

    quadro pintado po r Henry

    Perlee

    Parker em 1 836 .

    Fonte: Guillou, 1995, p. 120.

    FIGURA27 O

    batalhao

    escolar,

    1 885 .

    Fonte:

    Zoro, 1986 ,p.

    209.

    FIGURA

    28

    A

    cruz

    de

    ferro, aparelhos de

    ortopedia, illustration, 1868.

    Fonte: Corbin, 1 9 9 1 , vol. 4, p. 604.

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    FIGURA 29 e 30

    Exemplos

    de

    aparelhos

    qu e "corrigem" posturas e

    "en-

    direitam"o corpo no seculo XIX.

    Fonte: Labbe,

    1930 ,

    vol. I, pp . 4 1 7 - 4 1 9 .

    FIGUR A 3 I Fachada do Ginasio Normal

    Militar,

    criado edirigido pelo

    Cel.

    Amoros.

    Imagens respectivamente retiradas de

    JeanZoro

    e de

    Eduardo de Los Keys.

    Fonte:

    Zoro,

    1 9 8 6 ,

    p. 23;

    Reys,

    1 9 6 1 .

    Anexo.

    FIGURA 32 Ginastica elementar de Amoros: marchas e corridas. Desenhos

    reproduzidos

    apartir de

    jeanZoro, Marcel Labbe.

    Os

    desenhos

    apresentadospelos autores aqui utilizadosforam reproduzidos di-

    retamente daobradoproprioAmoros - oAtlasqueacompanha

    o

    Manuel d 'Education Phys ique, Cymnast ique et Moral.

    Fonte: Zoro, 1 9 8 6 , pp. 80 e 86; Labbe, 1 9 3 0 , vol. 2, pp. 3 I,

    39e45.

    FIGURA 33 Aparelhos de Amoros: mastros verticals. Imagens reproduzidas

    apartir de JeanZoro e Jose L. H. Vazquez.

    Fonte: Zoro, 1 9 8 6 , p. 74; Vazquez, 1 9 8 8 , p . 36.

    FIGUR A 34 Aparelhos de Amoros: barras, paralelas e cavalo. Imagensrepro-

    duzidas apartir de

    Jose Luis

    Hernandez Vazquez.

    Fonte: Vazquez, 1 9 8 8 , pp. 37, 43, 44 e 45.

    FIGUR A 35 A moros: aparelhos paraaprend er a nadar. Imagens reproduzidas

    a partir

    da

    obra

    de

    jean

    Zoro.

    Fonte:

    Zoro,

    1 9 8 6 , pp .

    1 3 8 - 1 3 9 .

    FIGURA 36 Amoros, Exercidos

    de

    sa lvamento.

    Fonte:

    Reys, 1 9 6 1 .

    Anexo.

    FIGURA 37 Saltos sobre o cavalo. O cavalo em diferentes epocas. Imagens

    reproduzidas a

    partir

    de Eduardo de Los Reys e JeanZoro.

    Fonte: Reys, 1 9 6 1 .Anexo. Zoro, pp. 228 e 229.

    FIGURA 38 jogos, seculo XVI. Imagens reproduzidas a partir de Celestino F

    M. Pereira.

    Fonte: Pereira, s.d.,

    p p. 5 8 3 , 5 8 9 e

    7 3 6 .

    FIGUR A 39 l lustragao de capa dolivroGermina ld e

    Emile

    Zolaem

    edigaofran-

    cesa de

    Garnier-Flammarion.

    Fonte:

    Zola, 1 9 6 8 .

    Capa.

    F I GURA 40

    Dispositive

    experimental para registrar os movimentos do

    torax,

    do abdomen e tambem o debito de ar expirado durante ocan-

    to. Imagens reproduzidas de Georges Demeny.

    Fonte: Demeny, 1 9 3 1 , p . 95 .

    FIGURA

    4 1

    Estagaofisiologica

    do

    Parque

    dos

    Prfncip es. Imagens re produzidas

    a

    partir

    de

    Jean

    Zoro.

    Fonte:Zoro,

    1 9 8 6 , p . 234 .

    FIGURA

    42

    Fonoscopio Demeny. Imagens reproduzidas

    apartir de

    Georges

    Demeny.

    Fonte: Demeny, 1 9 3 1 ,

    p.

    275 .

    F I GURA 43 e 44

    Marey. Cronofo togra f ias. Imagens reproduzidas a

    partir

    de Michel Frizot

    (org.)

    e Jean

    Zoro.

    Fonte:

    Frizot, 1 9 8 7 ,

    pp. 25, 42 e 44; Zoro,

    1 9 8 6 ,

    p.

    2 3 5 .

    FIGURA 45Cronofotografo Demeny. Imagens reprod uzidas a partir de Jean

    Zoro.

    Fonte:Zoro,

    1 9 8 6 ,

    p. 236

    FIGURA 46 Entrada do

    metro,

    Paris (Entree de

    metro), Hector

    Guimard,

    I8 9 9 .Construction

    d u

    metro.Traversee

    de la

    Seine

    du

    Chatelet,

    1907. Archives

    Hachette.

    Fonte: Clay, 1 9 7 5 ,

    p. 1 2 .

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    7/86

    FIGURAS

    47, 48, 49, 50 e

    5 1 Ginasticasueca. Imagens reproduzidas

    a

    partir

    de

    Marcel Labbe.

    Fonte: Labbe,

    1930,

    vol.

    2, pp.

    1 7 3 ,

    175,203, 207, 275, 276, 277, 278, 246,

    247, 248, 249, 2 8 1 , 2 8 3 e 284.

    FIGURA 52

    Cenas

    das

    minas

    de carvao.

    Imagens

    reproduzidasa

    partir

    de

    Georges Demeny.

    Fonte: Demeny, 1 9 2 4 , pp. 308-309.

    FIGURA 53 Imagens reproduzidas apartirde CelestinoF. M. Pereira.

    Fonte: Pereira, s.d., pp. 580 e 246.

    FIGURAS

    54, 55, 56, 57

    Demeny apresenta umaligao

    de

    ginastica

    e

    exer-

    cicios

    destinados

    as

    mulheres

    -

    ginastica francesa.

    Imagens reproduzidas a

    partir

    de Georges

    Demeny eJean

    Zoro.

    Fonte:

    Demeny,

    1920,

    p. 49.

    Figural.Zoro,

    1 986 , pp . 36 , 90,

    102,

    12 6 e

    130.

    FIGURA 58

    Espartilhos.

    Imagens

    reproduzidas

    a

    partir

    de

    Georges Demeny

    e JeanZoro.

    Fonte:

    Demeny, 1 9 3 1 ,

    p.

    229;Zoro, 1 9 8 6 ,

    p. 77.

    FIGURA

    59

    Batalhoes

    escolares.

    Imagens reproduzidas

    a

    partir

    deJean

    Zoro.

    Fonte: Zoro, 1 9 8 6 ,

    p.

    208.

    FIGURA 60 O uso da forga nos trabalhos. Imagensreproduzidas a partir de

    Georges Demeny.

    Fonte: Demeny,

    19 3

    I, p p. 1 80 , 1 8 1 ,

    I 8 2 e

    1 8 3 .

    P R E F A C I O A 3

    a

    B D I C A O

    DA M O D E R N I D A D E , DA

    E D U C A C A O D O

    C O R P O ,

    D O S

    SEUS

    ECOSC O N T E M P O R A N E O S

    Raymond Williams, em Cultura,alerta-nospara uma dimensao eminentemen-

    tehistoricada

    produgao artfstica,

    qualseja,a

    condigao

    deprodugaodasobrasde

    arte.SemremeteraWalterBenjamin-

    outro

    grandeexpoentedacriticaamoder-

    nidade

    -,

    suasconsideragoes

    permitem

    indagar se em

    algummomento

    a obra de

    arte teve, de fato, uma aura que aprojetassecomo legado do esclarecimento, aura

    esta

    que seteria

    perdido

    em urn dos

    movimentos

    da

    modernidade.

    Ao

    recuperar

    essadimensao da

    produgaoartistica

    ou

    cultural, Williams

    permitepensaro

    entrecruzamento

    de

    duas

    dimensoes

    fundamentais

    da

    experiencia moderna:

    I.

    a

    mudanga depadroes culturaisque sedeslocam de umaperspectiva mutualista

    para

    uma

    que

    afirma

    o

    individuo

    como

    elemento central

    na

    novaconfiguragaosocial

    que

    seinstaura;

    2. a emergenciadesse

    novo mundo

    que e, a

    despeito

    do que o

    diferen-

    c i a , devedorde umatradigaoseletivade

    longa duragao.

    Assim,segundoessapers-

    pectiva, amodernidade mantemvestfgiosdeumpassadoquerepresentoua semen-

    teira

    do

    turbilhao

    que

    submeteria

    diferentes

    culturas

    aoimperativoda organizagao,

    docalculo,daprecisao,do

    controle,

    em umapalavra,da administragao.Comoten-

    dencia historica, umpassadodemarcadopela

    tensao

    entre o velho e o novo, ocien-

    tffico

    e osensivel,omiticoe oobjetivo,que

    conhece

    a sua

    plena

    realizagao,nao em

    um perfodo

    precise,

    mas em um

    longo

    processo

    de

    afirmagao

    do novo

    ethos

    que

    representaria a civilizagao, consubstanciado na

    grandecidade.

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    8/86

    Entre

    processes passadosinfirmadospelo o/focento,e possfvelda r

    destaque

    aquiloque inadvertidamente,e naosem problemas, podemos denominar

    "culturas

    populares",

    que partilhavam um a nogao de vida comunitaria, paulatinamente substi-

    tuida

    pela

    experiencia que marcou oflaneur.Aquelas ormas de vida comunitaria que

    representavammaneirasproprias deoperarcom a natureza e com asociedade,nao

    coincidentes

    com os

    novos designios cientificistas

    que se

    afirmavam,

    e que

    marca-

    riam tab

    fortemente

    a

    educagao

    docorpono Ocidente.

    Em contrapartida,a

    efervescencia

    daurbedo

    seculo

    XIX produziriaumapro-

    fusao deexpe riendas transformadorasd asensibilidade artfstica, sejana forma de

    escolas,

    teorias,tendencias ou tecnologias.E

    certo

    qu e esseprocesso demorariaa

    chegarem

    terras brasileiras.

    Mas

    como

    marca

    inalienavel

    da

    modernidade,

    seus

    ecos

    reverberariam

    em

    diferentes lugares

    e

    tempos,

    com

    enfases

    e

    profundidades

    na o

    menos

    plurals.Como

    epitome desseprocesso,

    um a

    Europaarcaicadebatia-se con-

    tra aRevolucao Industrial, contrao Palacio'deCristale asreformasde Haussmann,

    levadas

    a

    cabo

    comoapanagiodo

    sangue

    de 1 8 4 8 .

    Pois

    e na

    confluencia

    desses

    elementos,

    desses

    produtos,

    desses

    processes

    -

    culturas populares,

    cientificismo,

    arte, tecnologia, educagaodocorpo- queCar-

    men LuciaSoaresse embrenha para nos conduzir por umatramana qual o "novo"

    apropria

    o

    "velho" para

    se

    afirmarcomo

    "revolucionario". O

    mundo

    do

    povoconce-

    bido pelo velho Brueguel,

    q ue

    assiste

    nao sem

    resistencia

    ao seu

    eclipse,

    narrado

    porWilliams sobreoutrotempoelugar,enseja,

    junto

    aoutros elementos,o nasci-

    mentode uma tecnologia decuidadoscom ocorposemprecedentes na historia.

    Com o

    acento particular

    na

    educagao

    que

    moldaria

    o

    homemindustrioso, industrial,

    monada substantiva que invadiria

    exposigoes,

    cafes,galerias:arua.

    Pois

    aquelacultu-

    ra,patrimonio identitario

    sem

    nome,

    posto que marcadopela experiencia

    comum,

    alimentaria

    o

    ventre

    de um

    discurso

    que

    prescreveria doutrinas,

    exerdcios,meto-

    dos para que todos fosse m cadavez menos

    cada

    um. Ou seja,o mundo reencantava-

    se,a s

    promessas

    do

    esclarecimento

    nao se

    cumpriam,

    e oturbilhao

    atingia

    em

    cheio

    asformasde pensarna

    (re)conformagao

    da sociedade.

    Longo

    processo este, inconcluso

    por

    certo.

    Aberto, portanto,a

    possibilidade

    historica. ECarmenajuda-nosa vercomo a rua seconfundia com a

    festa,

    que era

    brinquedo e guerra, dor e prazer,

    pulso

    emorte.M as essemovimento lentamente

    e

    solapadopelosdesignios

    da cientificidade qu e

    atingiria

    as telas, os

    cromos,

    os

    tri-

    Ihos,o ago o corpo; sem esquecermos quetornariama aflorar osseus

    rnais

    inos-

    pitos pressupostosna

    experiencia

    que

    liga

    a Parisde Hausmmann aGuernicade

    Picasso.Tempo

    de mutilagaoe

    salvacionismo. Tempos

    de

    corpos

    serem

    educados.

    Tempos dediscursose praticasserem mobilizados paraa sua educagao.

    Funambulos

    e

    outros artistas

    qu e

    tomavam

    as

    ruas, esses trabalhadores

    "apostatas" dascausasda ciencia, dotrabalho, da tecnica"cientffica",seriam usta-

    menteos fornecedores do m aterial que fomentaria asexperienciasque prescreve-

    riam

    a

    corregao,

    a

    perfeigao,

    a

    educagaocorporals.

    Nao sao experiencias

    simples:

    a tecnicavodferava;

    a matematica pontificava; a

    natureza

    eracaptadaem uma

    dimen-

    sao sem precedentes. E assequenciasde fotosque Carmen da a ver e propoeana-

    lisarchocam quando comparadas

    com as

    magens

    qu e

    abrem

    o seu

    estudo,

    essas

    sim,aindaque icgao postosque

    sao

    "arte"- .encarnadas,

    vividas,

    encharcadasde

    humanidade

    ate

    pela

    partilhaque estao a representar.

    Mundopulsante

    das

    ruas, mundo

    frio

    dos

    laboratories Duasvidas,dois modelos

    de

    corpos, imbricados

    na

    lembran-

    gade q ue a sua raiz e a vida daqueles artistasdo povo quetinham comoo seu traba-

    lho

    explorar

    os

    limites

    dos

    seuscorpos. Estranhos apostatas aqueles,

    que unifica-

    vam vidaetrabalhono sseus corpos Ajudaram acriaras

    "ciencias

    do movimento

    humano" com o seu rabalho mambembe,

    execravel,

    maldito.

    Curioso

    liame

    este da historia, que

    liga

    ocontextodo Rabelaisde Bakhtin as

    experiencias

    dos

    campos

    de

    concentragao

    nazistas.

    Ocorpoquemorree

    mata;

    que

    vive e viola; e violado e ri Curioso

    tambem

    estetemadocorpo:intangfvel nas suas

    marcas,n ao reduzfvela nenhumpadrao, pouco

    conhecido

    na sua complexidade

    historica. Duplocorpo Corpos Seencerram dificuldadesinauditas,o que dizer da

    sua educagao?

    Se a

    formagao

    nao e m ensuravel

    pelo

    quantum dos

    modelos

    mate-

    maticos,

    comoproceder historicamente para compreender a educagao do corpo

    como

    premissa

    do

    processo

    de

    formagao? Questoesparamuitos

    projetos, muitos

    investimentos, muitas reflexoes. Questoes tocadas,

    abertas,

    tomadascomoobjeto

    porCarmen,que das entranhasdas representagoes da arte e da tecnicanos estra-

    nha

    com amaximaqueteriasidoo

    corpo

    transformado em maquina um dospon-

    tos

    de inflexao da modernidade. Nao

    basta

    mata-lo; e precise educ a-lo

    Quem

    sabe

    reinventa-lo,

    naocomorepresentagao

    artistica,

    m as

    como

    objetode

    saber.

    Corpo-

    maquina,

    saber-coisa

    Percorrendo Demeny,

    a

    literatura, afotografia,

    a

    iconografia, c ortados

    em

    suas

    perspectivas

    diacronicas,

    Carmen oferece-nosum

    mapa

    - aberto,plurivocal de

    possibilidades

    postas

    pela marcha do esc larecimento, apartirdo projetoque ungia o

    corpo

    na sua

    dimensao

    utilitaria,

    filha

    da

    organizagao

    de um

    tempo

    que viu a

    grande

    fabrica

    levar as

    ultimas consequ endas

    a redugao do

    corpo

    ao

    imperative

    do

    calculo,

    nao sem que uma ou multiplas

    retoricas

    se desenvolvessem para ustificar as atroci-

    dades nasfabricas, nas ruas,nas minas, nos campos. Corpos reduzidos acoisas;

    homens,

    mulherese criangascom assuasdignidades achincalhadas. Triste legadodo

    esclarecimento

    europeuque se

    espraiava

    pelo mundo No B rasil daquele tempo,a

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    9/86

    escravidao,essa

    marca

    tangivelda degradagaohumana, corporalmente

    visfvel,

    mo -

    ralmentereprovavel.Aqueles eram, ainda,tempos daferula,quemarcavano

    corpo

    infanteos limitesda s suaspossibilidades de expressao. Ostempos eramd eregozi-

    jo,

    pelo menos para aqueles

    que

    vislumbravam republica,industrializagao,urbaniza-

    gao,modernizagaon o Brasil,a imagemesemelhangade terraseuropeias.

    Mas

    se o

    trabalho

    de

    Carmen pelo

    que

    propoe

    ja ajuda

    a

    pensar

    um

    processo

    de

    educagao

    do

    corpo

    paraareorganizagaoda cultura nosmoldesda urbe europeia,

    asimagens

    erepresentagoescom asquais

    trabalha permitem ainda

    um

    poucomais.

    Permitem que mapeemos,

    tambem

    em um esforgo

    diacrfinico,

    ainsistenciade de-

    terminadas praticasem permanecer como

    resqufcios

    dainculturade ummundo

    patogenico.E nos

    tempos

    de

    hoje voltamos

    o

    nossoolharpara

    ascriangasdo sisal,

    das

    minas decarvao,daprostituigao;

    voltamos nossossentidos para

    a explosao

    xenofoba, para o aniquilamento do diferente, para abanalizagaoda dor do

    outro.

    Dor que se

    manifesta ainda naquilo

    queseria

    inimaginavel

    na

    modernidade

    dospri-

    meiros

    tempos:

    anegagaodo

    trabalho,

    domais

    rudimentar

    dos trabalhos,aquele

    das

    maos,

    do s

    bragos, corporal.

    Pois

    mesmo

    esse

    trabalho,

    da

    apologia

    de

    perso-

    nagens

    e tradigoes tao distintas, hojese esvaicomo promessa

    nao

    cumprida. Para-

    doxalmente, quandoalgunsvivem justamente

    da

    venda

    dosseus

    corpos: herois

    ou

    "barbaros"

    modernos,

    atletas, estrelas, criangas,

    mulheres, trabalhadores

    informais,

    ternemcomumo investimento que se faz sobre os

    seus

    corpos para consignar

    maispontos no

    projeto

    que nos extrai a humanidade. Alguns, anonimos; outros,

    idolos universais.Tbdos,estilhago

    de um

    tempo

    que

    elevou

    o

    corpo

    e a sua

    educa-

    gaonoadrodos sacriffcios da civilizagao pela

    consolidate

    do

    moderno.

    Pois esse

    "moderno"precisase rquestionado em

    suasbases

    e em

    seus

    pressupostos. Mas

    precisaser lembrado como otempo-projetoque banhou o mundo de esperanga,

    de

    Utopia,

    deresistencia.Saudadedo seculoXIX? Seria

    exagero,porcerto

    Mas

    entendido como auge

    de um

    mundo

    que

    acreditou

    nas

    possibilidadeshumanas,

    voltar

    a

    Bruegel eBoch,passando por

    Rabelais

    e o grotesco, chegando aAmoroseDemeny,

    e

    um

    exercfcio estimulante para aqueles

    que

    querem

    e

    pensam

    a

    historia como

    possibilidade.Dai Williams poder

    nos

    alertar para

    a

    longa revolugao

    que

    represen-

    tou aobliteragaode

    formas alternativas

    de

    organizagao

    da

    sociedade. Formasalter-

    nativas nas quaiso esforgoe a habilidade

    corporals

    eram

    condigao

    de vida erealiza-

    gao

    para

    a

    maiorparte

    dos

    homens

    e

    mulheres

    que

    faziam

    do seu

    dia-a-dia

    razao de

    trabalho

    efesta,

    lugar

    etempode celebragao da

    vida, pelo

    quee lanosreservade

    dor e prazer. Dor queseriade forma

    sub-repticia,

    transformada em norma de con-

    duta, em

    estilo

    devida,em

    sofrimento

    apaziguadopelo

    entretenimento.Hoje

    otra-

    balho

    eoutro,a fruigao e

    pouca, tambem

    eoutroo

    corpo

    e a sua

    educagao.

    Mas do

    exercfciodeCarmen podemos apreenderasmarcasde umtempode ebuligao, no

    qualprojetos eram disputados,tendenciassolapadas,vitorias encetadas. Os venci-

    do sficaramcomo memoria

    a

    martelar

    na

    consciencia

    do

    presente cinico.

    Abeleza

    no

    horror?

    Se

    recuperarmos

    atopicafreudiana, a

    beleza

    e um dos

    motores

    que

    ajudaram

    a perpetuar o

    horror.

    Ou, pelo menos, o modelo de beleza que fez do

    corpo

    o cenaculo

    oracular

    de um

    mundo

    que se

    perdeu

    da sua

    humanidade.

    E que

    ehumano

    justamente peloque nos

    apresenta

    de

    inconcluso

    Esse

    processo, artis-

    ticamente focalizadoporCarmenScaresnessas

    paginas,

    esta

    aberto.

    Algumas cau-

    sasaindapodem

    ser

    ganhas.

    E ao

    historiadorcabefazer lembrar sempre aquilo

    q ue

    nuncafoifarsa,mas os

    obices

    de um

    mundo

    que

    estranhou

    a si

    mesmo

    e o

    qual

    continuamos

    a

    estranhar

    na s

    nossasindagagoessobreessas

    distancias

    espagotem-

    poraisque

    aproximam

    artee

    ciencia,

    ficgaoe

    realidade, narrativa

    eexperienda.

    Curitiba,primavera de 2005

    Marcus

    Aurelio Taborda de Ol iveira

    Professor

    do Departamento de Teoria

    ePratica

    de

    Ens ino

    e do Programa de Pos-Graduagao (area tematica dehistoria e historiografia da

    educagao) da

    Universidade

    Federal do Parana

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    10/86

    P R E F A C I O A

    2

    a

    E D I C A O

    A educagao e o processo

    pelo

    qual

    as sociedades asseguram a transmis-

    sao

    do s

    conhecimentos,

    e dos

    valores

    fundamentals,

    da s

    geragoes mais

    ve -

    Ihas

    para

    as

    geragoes mais

    novas. Ate hoje, em

    cada sociedade

    e

    indepen-

    dentemente do seuestadiode

    desenvolvimento

    ou dos modelos de educagao

    concebidos, este e o meio que

    assegura

    a cultura. Apreparagao para a vida

    sup5e a

    educagao

    isica,

    um conjunto mais

    o u

    menos extenso

    e

    complexo

    d e

    principles, de metodos e de tecnicas apartir dos

    quais

    se estruturam manei-

    ras

    de

    fazer, verdadeiro know-how

    indispensavel a

    vida humana

    e

    social.

    A educagao dos seres humanoselabora-se no sentido de favorecera

    adaptagao

    ao meio natural e fisico.tanto quanto humano e

    social.

    A aprendi-

    zagem das

    actividades

    q ue

    inserem

    os

    seres

    humanos

    no

    mundo

    da

    vida

    e um

    valor da vida humana e

    social.

    Descuidar estaarea, de

    preservagao

    detudo

    quanto

    e

    considerado

    valioso e significative, e

    comprometer

    as hipoteses de

    sobrevivencia

    e de continuidaded as sociedades tal como as conhecemos. As

    tecnicas, de que a

    ginastica

    fazparte, representam umfenomeno de cultura

    qu e

    necessita

    de

    maior atengao

    para que se

    compreenda,

    com

    clareza

    e

    afas-

    tada

    das

    tensoes

    ideologicas

    que,

    sem duvida, as

    utilizaram, qual

    o seu

    valor

    e qual o seu

    sentidosocial

    no

    quadro

    de uma sociedade em

    mudanga

    e que

    aspirava a uma maior justiga

    social.

    No territorio do corpo, esse mediador

    singular, os interesses cruzavam-se ontem, como hoje, entre os valores hu -

    manos

    maisprofundos

    e as

    profanagoes

    mais

    hipocritas.

    Este

    e o

    espago

    e o

    tempodo serhumano, da suavida individual ecolectiva. Umterritorioque e

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    11/86

    indispensavel salvaguardar, nas formas e nas fungoes,

    certamente,

    mas sem

    que se

    esquega,

    emmomentoalgum,que

    este

    e o

    espagoverdadeiramente

    sagradoonde se

    definem

    e defendem os l imitesentrea l iberdade e o abuso.

    Comoacontece no processo de

    constituigao

    de alguns factos da cultura,

    a institucionalizagao

    da

    educagao fisicaocorre num

    periodo

    alargado.

    E

    este

    um

    tempolongo,

    no qual se

    inscrevera

    a sua construgao

    teorica

    e a elabora-

    gao minuciosa

    e

    sistematica

    de

    propostas concretas

    de

    operacionalizagao.

    E

    no seio de uma Europa que se

    pensa

    a si

    propria

    e aos

    seus

    limites, onde os

    problemas do homeme da sociedade seimpoem e suscitam animado deba-

    te, flnos argumentos e oconfronto fecundo

    entre

    perspectivas eruditas e

    esclarecidas

    e as propostas consistentes de mudanga e de

    consolidagao

    de

    valores entendidos como fundamentals,

    que as

    possibi l idades

    de

    educar

    ad -

    quirem um a

    importancia social

    e po lf t ica, de facto, m oderna. Esteperiodo,

    que sepodera compreender en tre o

    tempo

    dos fundadores, como

    John

    Locke, Henride Boisregard e,

    tambem,

    J ean Jacques Rousseau,entre outros,

    e com clareza desde os

    finals

    do seculo XVII , e a sua

    integragaocomo

    um a

    discipliha escolar,

    acessfvel

    amaioria da populagao, facto que severificarase -

    gundo ritmoseorientagoes distintaspor

    toda

    aEuropae portodooOciden-

    te, desdeos infcios do secu lo X IX, e o

    momento

    em que seestruturam os

    poderes proprios

    da

    soc iedade democra t ica

    de que o

    Estado-nagao

    e uma

    instituigao

    fundamental e o cidadao uma nogao revestida de uma responsabi-

    lidade outra.

    E

    nos

    interstfcios

    de uma

    sociedade

    na

    qual

    a tecnica e a

    inteligencia

    se

    sobrepoem, com

    lentidao,

    aos

    va lores

    do

    nascimento

    e de

    prerrogativas

    anacronicas, que a

    educagao

    do s

    mais jovensassenta, tambem, com. particu-

    lar preocupagao, na formagao do

    caracter

    e da vontade, atraves do corpo e

    do

    exercicio

    fisico, isto e, de uma actividade moderada e regular devidamen-

    te

    orientada.

    O

    olhar distanciado,

    que as ciencias

    procuram, sugere

    as

    inhas

    de

    poder que a

    palavra

    de

    Foucau l t reve la ,

    o

    alargamento

    da s

    redes

    de

    interdependencia

    e de as configuragoesesbogadasentreosgrupos

    socials

    qu e

    Eliasexplica,

    os

    confrontosentre

    os

    defeitos incrustados

    no

    corposocial

    e os

    excesses incontidos qu e essa

    mesma

    realidade apresenta,as necessidades e

    as

    expecta t ivas

    que o

    estudo

    de

    Crespo desenterra

    ao

    expo r

    as

    texturas

    multiplas

    e as

    tensoes

    da sociedade portuguesa, os l imitados

    centres

    e a s

    infindaveis periferias onde se ogam os poderes e as politicas de que noselucida

    Hobsbawm, avangam

    e m

    sentido diverso

    d as

    festas

    e das

    formas

    de

    subver-

    sao

    em que a comunidade de Thorndike se revigorava e em que Bakhtin atenta.

    Os termos da racionalizagao entendidacomo necessaria, face aos valores do

    desenvolvirnento e do

    progresso, indicam

    a

    verticalizagao

    do s

    co rpos ,

    a

    higienizagao dos

    habitos publicos

    e privados,a

    normalizagao

    do s

    comporta-

    mentos.

    No caudal de problemas, de propostas e de iniciativas

    rasgadas

    por en-

    tre

    quotidianos

    que se

    procuram distintos,

    as tecnicas, os

    metodos,

    as

    expli-

    cagoes

    inspiradase legitimadas noprocesso

    cient i f ico,

    irrompem

    pelo

    seculo

    XIX

    como

    uma das

    solugoes que,

    no

    quadro educ ative, poderiam contribuir

    para

    um atransformagao desejada.

    Demarcar campos

    de intervengao,

    valori-

    zar

    orientagoes precisas

    e

    marginalizar correntes demasiadoproximas

    de sa-

    tisfagoes imediatas, luxuriantes

    e

    inibriadora s, constituiu

    uma das

    tarefas

    a que

    se langaram alguns. O empree ndimento individual inscrevia-s e nas formas de

    comportamento a que seaspirava. Am oros,

    como Demeny,

    como tantos

    outros, personificavam

    o

    indivfduo

    que

    nao sogobra,

    que

    enfrenta

    os

    obsta-

    culos e

    concretiza, justamente

    pela

    acgaopersistente

    e

    altruista,

    as

    atitudes

    de

    umaoutra

    nobreza

    em

    formagao.

    O

    corpo, vigoroso, altivo,autonomo,

    e o

    primeiro sinal

    de um

    mundo

    em estruturagao. A

    imagem

    de

    elegancia,

    de

    sobriedade,

    de

    comedimento,

    de

    perfeitoauto-domfnio.

    A correcgao das

    indumentarias

    escuras,

    da s

    cami-

    sase doscolar inhos brancos,domovimento

    adequado

    e das

    capacidades

    que

    se

    desenvolvem pela vontade, pela regularidade, pela repetigao e pelo exer-

    cicio,

    pelo ensaio epelo erro,

    a imagem de eficiencia acompanha cada cor-

    rente.

    Nao

    pelo visivel

    ou,

    sequer, pelo visual.

    Mas

    pelo

    que

    transmite den-

    tro do

    sentido

    y isado- um serhumanocomplete,emcondigoesdefazer face

    a

    u ma

    sociedade m ais

    exigente,mais

    complexa

    e

    diffci lm as, tambem, deseja-

    va-se,

    menos desigual.

    Aos

    desdob ramentos desgarrados

    de

    contorcionismos

    inuteis,

    opoe-se

    a ideia mestra da utilidade, da justeza, do servigo. Na verda-

    de ,numasociedade outra,onde ocoloridodacorte,oevenemenfaristocra-

    tico

    e

    circular,

    os

    minuetes

    e as contra-dangas, a

    esgrima

    d e

    efeito

    e as

    exibi-

    goes de alta escola onde o carroussel distinguia cavalos e

    cavaleiros,

    nao s ao

    exclufdos, que a

    arte

    ecomoo ar, indispensavel, mas restringem-se, progres-

    sivamente, a cerimoniais de

    familia,

    memoriado que tende a extinguir-se. E a

    arte,

    ha que a

    buscar.

    Como

    Barthes assinala, o sentido

    passa,

    como um d iscurso,um

    texto,

    po r entre os indivfduos e asimagens que os o lhares percebem. Nesta pers-

    pectiva, outros

    individuos,

    outraspraticas,outrosdiscursos,animam os com-

    portamentos

    tendo

    em

    vista garantir, acima

    detudo,que

    algo,

    de

    importan-

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    12/86

    te, de

    extraordinario,

    de taoessencial,se

    preserve.

    E

    esta

    eu ma

    area

    de

    todos,

    nao

    de

    alguns.

    A

    obra

    deCarmen Lucia

    Scares,

    feita de exigenciae de

    rigor,

    conduz-

    nos

    aum universe de possfveis em

    confronto,

    de alternativas que sejogam

    po r entre situagoes e poderes diversos. No fulcra da s

    tensoes

    que se

    mani-

    festam,

    o

    corpo

    e o

    territorio

    da sforgasde uns e de

    outros,

    os interessese

    as

    necessidades

    de uma

    sociedade

    em

    mudanga,

    as

    fraquezas

    que se

    deseja-

    va transformar em acgao verdadeiramente social e

    util.

    Em particular, a pro-

    posta edificada por Amoros, primeiroautor de uma

    ficha

    de avaliagaodesti-

    nada a que

    proprios jovens procedessem

    a

    analise

    da s suas

    capacidades

    e

    avangosbemcomoas dos seuscolegas,

    elemento decisive

    do trabalho reali-

    zado

    e

    instrumento

    de

    medida fundamental

    na

    afirmagao

    do

    valor

    do

    exerc i -

    ci o ffsico. Ou aorientagao de Demeny, apurada segundo princfpios seguros

    ma s

    nao suficientesentre outros

    interesses

    que se

    esbogam.

    No trabalho de Carmen Lucia Soares, as imagens animam-se de senti-

    do,

    seguidas por um

    texto

    denso, salpicadode notas preciosas

    feitas

    de da-

    do s

    reunidos com extremecu idado. Por estetexto, porem , avangamos sem

    cansago.

    O interesse quedespertaemcada linha prende-nos do principleao

    fim. Como se de uma

    viagem

    se

    tratasse,

    por um

    pais

    repleto de

    aspectos

    interessantes disposto a ser explorado com gosto por

    especialistas,

    iniciados

    ou

    sim ples curiosos.

    Na

    verdade,

    a

    viagem realizada suscita

    avontadede

    prosseguir,

    de

    con-

    tinuar na sendad as propostas e das linhas

    avangadas.

    A par da riqueza de in-

    formagao

    prestada,

    assente

    na consultadas fontes

    originals,

    na integragao dos

    conhecime ntos feita de compreen sao dos problemas, na utilizagao segura da

    literaturada

    epocacomo

    umoutro

    elemento propicio

    ao

    entendimento,

    a

    curiosidade desperta representaumaqualidade poucofrequente entre multi-

    plesesc ri tos produzidos pelos

    especialistas.

    Esta e uma caracteristica da au-

    toraq ue naose subordina aos modelos rigidos da escrita cientifica americana

    e eleva

    a um

    outro

    nivel otrabalhoapresentado. De facto, anaturezado tema

    apela, precisamente, a essa forma: feitad e sensibi l idade e de autenticidade.

    Lisboa,

    23 de

    Janeiro

    de

    2002

    M.

    Hasse

    Professors associada agregadada

    Universidade

    Tecnica

    de Lisboa,

    FaculdadedeMotriddade Humana

    P R E F A C I O

    O que se vequandose olha umtexto, quandose olha uma

    imagem?

    O

    olhar comegaa ler o

    texto,

    o olhar comegaa ver a imagem, o texto diz,a

    imagem mostra.

    O

    texto principia

    a

    conduzir

    o

    olhar

    em seu

    trajeto

    da es-

    querda para a

    direita,

    em seu

    grafismo

    ordenado, em suas linhashorizontals

    que comegam acompletar paginas. Um texto revela-sepouco a pouco, acu-

    mulando sentidos trazidos

    pelas

    palavras,pela sintaxe. A formatexto e tam-

    bem a

    forma

    de

    pensar

    o que o

    texto diz.

    Os

    significados

    das

    palavras

    sao

    tambem

    os

    significados

    de

    como elas

    se

    mostram. Entao tambem

    se ve um

    texto. Umtextoe uma imagem.

    A

    imagem

    -

    umagravura,umapintura, umafotografia

    -

    revela-se

    de uma

    so

    vez.

    Permite

    que o olhar, delimitado somente

    pelas

    bordas, comec e a ve-

    laa partirde qualquer ponto,vagueie por ela em diferentes

    d iregoes,

    perma-

    nega onde quiser, imagine. A forma imagem, com suas l inhas, superf icies,

    perspectivas, m anchas, e tambem a forma de pensar o que a imagem mos-

    tra.

    Os

    significados

    d as

    imagens

    sao

    tambem

    os

    significados

    d e

    como elas

    se

    mostram. E ai as imagens

    tornam-se

    signos. Entao, tambem se

    le

    um a ima-

    gem. Uma imagem e umtexto.

    Porconvengao os textos sao impressos em caracteres escuros sob fun-

    do

    claro.Apesar

    de

    virem

    de regioes

    obscuras

    da

    sociedade

    dos

    homens,

    as

    palavras fixam-se

    no papel, escuras em

    fundos claros,

    neutros,

    como

    se

    qui-

    sessem

    esquecer

    su a

    origem complexa, amblgua, perigosa, para exibirem-se

    como limpas, nitidas,

    claras.

    E assim deve ser o

    orador,

    o cientista, o escritor

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    13/86

    academico.

    Limpo,

    c laro,

    nitido.

    E

    tambem

    a

    escola,

    a educagao do

    corpo,

    a

    ginastica.

    Certa

    vez,

    convencionou-se

    tambem

    que a

    arte verdadeira

    deveria ser

    suj'a, escura, obscura,

    como se ela nao

    quisesse

    expor su a

    face solar,

    c lara,

    positiva. E assimdeveria ser o artista.

    Sujo,

    obscuro,

    problematico.

    E

    tambem

    a rua,

    o funambulo,o trabalhador das

    minas,

    o circo.

    O

    exagero destas duas afirmagoes leva-nos

    aafirmar qu e

    devenamos

    buscar um a

    opiniao

    media. Nao. Para qu e algo significative

    seja

    revelado,as

    coisas

    devem se r misturadas, colocadas em tensao. Buscar sentidos na apro-

    ximagao problematica

    de

    linguagens diferentes.

    Tradugao.

    Traduzir

    de uma

    lin-

    guagem para outra para qu e algo de verdadei ro e inesperado surja ora do

    texto, ora da

    imagem

    e ai achar t rechos da

    historia

    que f icaram

    perdidos

    e

    obscurecidos

    pela

    historia oficial.

    Tradugao

    tambem

    da

    imaginagao,

    do

    dese-

    jo e da

    historia

    do

    pesquisador,

    do s

    trechos perdidos

    e

    obscurecidos pela

    sua

    historia

    oficial.

    Como

    se uma pesquisa pudesse ser ao

    mesmo

    tempo um a

    historia pessoal

    profundamente

    social.

    As

    palavras que voce vai le r e as imagens que voce vai ver

    querem

    se r

    lidas e vistas juntas e separadas. Juntas para que o

    leitor

    ganhe aimaginable

    qu e Ihe falta e a imagem ganhe a estabilidade de que carec e. Separada s para

    que cada uma

    conte

    a sua historia. Juntas-separadas para que o

    leitor

    cons-

    trua outra

    historia e

    imagine

    novamente

    este

    pequeno

    momento

    do

    seculo

    XIX. Isto

    quer

    dizer tambem que as imagens neste livro nao querem ser meras

    ilustragoes do texto,nem o

    texto

    explicara imagem. Que oleitor passeie po r

    elas imaginando

    outros significados e acrescentando explicates verdadeiras

    aquelas

    que o

    autor

    explica. Pode se

    contar

    a mesma historia tantas vezes

    quantos escri tores quiserem

    faze-lo.

    Escrever e

    urn

    exercic io de l iberdade,

    nao de

    submissao.

    Nenhum metodo pode

    ter a pretensao de

    aprisionar

    a

    verdade,

    e

    acreditar

    nos

    autores

    e um

    exercic io

    politico do s

    le i tores.

    MiltonJose de Almeida

    Professor doutor daFaculdade de Educagao

    da UNI C A M P ecoordenador do

    Laboratorio

    de

    Estudos

    Au d iov isua is

    -

    OLHO

    C A P I T U L O

    U M

    A s I M A G E N S

    Fig. I

    Giandomenico

    Tiepolo, Polichinelos e saltimbancos (ou O

    barraco do s saltimbancos),

    por

    volta

    de

    1793

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    14/86

    Fig.

    2 Georges Seurat, O

    c/rco,

    18 9I

    Fig.

    4 Je ron imus Bosch ,A tentagao de santoAntonio (detaihe), po r

    volta

    de 1 5 0 0 - 1 5 1 0

    Fig.

    3

    Amoros conduzindo

    u m a

    aula, 1 820

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    15/86

    Fig.

    5 Francisco de Goya,

    A famflia de Car los/I/ 1 8 0 0 - 1 8 0 1

    Fig.

    6

    Ginasio ao ar livre,

    1 840

    Fig.

    7 Exercidono

    portico,

    I

    83 6

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    16/86

    Fig.

    8 Toulouse-Lautrec,

    N o

    Oreo

    Fernando:

    a

    amazona,

    I 8 8 8

    Fig.

    9

    Edgar

    Degas, Mademoiselle

    Lala no Oreo Fernando, I 879

    Fig.

    10

    Pierre-Auguste Renoir,

    O downno

    c/rco,

    1 8 6 8

    Fig.

    I I

    Pieter Bruegel, O

    combate

    do

    carnaval e da

    quaresma,

    1559

    Fig. 1 2

    O

    mane jo

    de armas

    Fig. 1 3 Pieter Bruegel,

    J o go s

    infantis, 1560

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    17/86

    Fig.

    14 Francisco de Goya, O

    boneco

    de pa/ha, 1 7 9 1 - 1 7 9 2

    Fig.

    1 5 Franciscode Goya, O s pequenos

    gigantes, 1 7 9 1 - 1 7 9 2

    I

    Fig.

    17

    Pieter B ruegel,A

    danca

    dos camponeses , por volta d e I 568

    Fig. 16 Francisco de Goya, Garotos br incando de

    so/dados,

    por

    volta

    de

    1 7 7 7 - 1 7 8 5

    m m

    Fig. 18

    Pieter Bruegel,

    Danga nupcial ao ar

    llvre,

    1556

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    18/86

    HHHHI

    Fig. 20 Jogos , s.d.

    Fig. 1 9

    Francisco de Goya,

    O enterro da

    sardinha, I

    8 1 2 - 1 8 1 9

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    19/86

    Fig. 2 1

    Va nGogh, O

    tece/ao, 1 8 8 4

    fr

    Fig.

    22

    yo^o

    com oo/a,

    1880(?)-1

    899

    Fig.

    23

    yo,?ocom Z>o/a, 1 880 (? ) -1 899

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

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    ,.

    rw* -

    -'~

    - 1

    -

    "s\

    I

    Fig. 24

    /4

    c f e A 7 ? a e o

    //come,

    tapegaria

    (detaihe), fins

    do

    seculo XV

    Fig. 25

    Michelangelo,

    Cape/a

    Sistina,

    Roma (detaihe)

    Fig.

    26 Henry

    Perlee Parker,

    O

    descanso

    dos mineiros: ojogo,

    1 8 3 6

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    21/86

    K

    H A T A I M O N S4

    ,6*,.,

    ;

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    22/86

    1 8 IM A G E N S D A

    E

    D U C A C A O N O C O R P O

    E D U C A C A O

    NoCoR po

    10

    Os corp os que se desviam dos padroes de um a normalidadeutilitarianao inte-

    ressam.Desde

    a

    infancia,

    ou

    melhor, sobretudonela, deve

    incidir

    uma educagao

    que privilegie a

    retidao

    corporal, que mantenha os corpos aprumados, retos ou como

    sublinhaVigarello, que osmantenha

    -em

    verticalidade

    2

    ,

    O

    corporeto

    e o porte

    rigidocomparecem

    nas

    ntrodugoes

    dos

    estudos

    so-

    bre a

    ginastica

    no

    seculo XIX.

    Estes

    estud os, carregados

    de descrigoes

    detalhadas

    deexerciciosfisicos

    que podem

    moldar

    e

    adestrar

    ocorpo, imprimindo-lhe

    este

    porte, reivindicam c om insistenciaseusvinculoscom a ciencia e se ulgam

    capazes

    de instaurarum a

    ordem

    coletiva.Com

    estes

    indicios, a ginastica

    assegura,

    neste mo -

    menta,o seu

    lugar

    na sociedade burguesa.

    Sua

    pratica,emdiferentes

    paises

    da Europa,faz

    nascerum

    grandemovimento,

    qu e

    foi

    chamado, genericamente,

    de

    MovimentoG inastico Europeu

    3

    .Como

    ex-

    pressao da

    cultura, estemovimentoconstroi-se

    a

    partir

    das

    relagoescotidianas,

    dos

    divertimentos

    e

    festaspopulares,

    dos

    espetaculos

    de

    rua,

    do

    circo,

    d os

    exercicios

    militares,bem

    como

    dospassatemposdaaristocracia.Possuiem seuinteriorprin-

    cfpiosde

    ordem

    e

    disciplina coletiva

    qu e

    podem

    ser

    potencializados.

    Para

    sua aceitagao,porem,estes

    principles

    de disciplinaeordemnao sao sufi-

    exigido o

    rompimento

    com seunucleoprimor-ientes.Ao(movimentoaoastj

    dial,

    cuja caracteristica dominante

    se

    localiza

    no

    ca'mpo

    dos

    (6TvertjrnentQs^j>

    E,

    portanto,

    a

    gradatiya aceitagao

    dos

    principles

    de

    ordem

    e

    disciplina formula-

    dos pelo MovimentoGinastico Europeu e o,tambemgradativo,

    afastamento

    de seu

    nucleo primordial que vai, pouco a pouco,

    afirmar

    a ginastica como parte da educa-

    gao

    dos

    individuos.

    U ma

    ginastica

    que

    estara reformulando

    seus

    preceitos

    a

    partir

    da

    ciencia,da

    tecnica

    e dascondigoes^poTiticasde uma Europa que, no seculo XIX,

    consolida-se como

    centrddo

    Ocidente.

    Porem,

    e

    possivel destacarqu e

    o

    reconhecimento

    da

    ginastica

    pelos

    circulosinte-

    lectuaise

    fator

    decisive

    para

    sua

    aceitagao

    por um a

    burguesia

    que a deseja

    transformada

    e, assim,

    devolvida apopulagao com oconjuntodepreceitosenormas de bem viver.E

    a

    partir deste reconhecimento que,

    de

    fato,

    a

    ginastica

    passaa ser

    vista como pratica

    capaz

    de

    potencializaranecessidade

    de

    utilidade

    das

    agoes

    e dos

    gestos.

    Comopratica

    capazde

    permitir

    que o

    individuo ve nha

    a

    ntemalizar

    uma

    nogao

    de

    economia

    de

    tem-

    po, de

    gasto

    de

    energia

    e decultivoa

    saude como

    principles

    organizadores

    do cotidiano.

    E

    estas

    sao as metas de u m

    poderque,

    desde o seculo XVIII,

    vem

    construindo

    uma

    nova mentalidade cientifica, pratica

    e

    pragmatica, baseada

    na

    ciencia

    e natecnica

    comoformas

    especificasde

    saber.

    2. Vigarel lo, 1 9 7 8 . p. 9.

    3. Esta expressao & utilizada po r Langlade & Langlade ( 1 9 8 6 ) .

    Deste

    modo,

    o

    seculo

    X IX

    merece

    aatengao

    daqueles

    qu e

    desejam compreen-

    der o

    homem

    e asociedadedo Ocidente. A Europa, que consolida uma

    dupla

    revolu-

    gao

    4

    ,

    e o lugar da ormagao de um novohomeme de uma nova sociedade regida por

    um

    "espirito

    capitalista" que

    passa

    a

    dominar quase exclusivamente aquele presente .

    Este

    tempo/espago

    regido

    p or

    este"espirito"

    afirma e

    difunde

    um a

    crengades-

    medida

    no

    chamado progresso

    e

    ancora-se

    nas

    conquistas

    da ciencia,

    esta nova

    religiao do

    homem oitocentista,

    que

    cria

    e

    (re)criapraticas sociais

    a

    partir, e xclusiva-

    mente, de

    parametros

    ditados pelo"metodocientifico", positiveem s i

    5

    .

    Um aideologia c ientificista impregna avida de individuos, grupos e

    classes,

    trans-

    formandoa sociedade em um grande organismo vivo qu e tende a evoluir do inferior

    ao superior, do simples ao complexo, e onde

    tudo

    pode (e deve) ser medido, clas-

    sificado,comparado, definido

    e generalizado a

    partir

    da descoberta constante de

    "leis".

    A partir de

    visoes

    de

    mundogeradas

    nointeriord e teorias

    evolucionistas,

    organi-

    cistase m ecanicistas, o seculo XIX realiza a granderevolugaocientifica dos labora-

    tories,da

    industrializagao

    e do crescimento de disciplinas e de

    instituigoessociais

    6

    .

    ConformeobservaVovelle, a

    "ideologia cientificista

    juntocom umafilosofia

    biologica

    apoiam

    este sistema,

    q ue

    associa

    a

    explicagao idealista

    (do

    progresso

    da

    razao) a explicagao materialistaemecanicista (os triunfosd a vida sobre amorte)"

    7

    .

    A

    ciencia

    desteperiododirige um

    certo

    tipode esquadrinhamento da vida em

    todasassuasdimensoes,

    pretendendo

    estabelecer umaordem

    logica

    nasativida-

    des

    e um adequado aproveitamento dotempoou , maisprecisamente, uma eco-

    nomia de energias.

    A ginasticaeconstitutivadestamentalidade.Destaca-se pelo seu caraterordena-

    tivo, disciplinador emetodico.E possivel afirmar qu e, ao longodo seculo XIX , sur-

    gem inumerastentativas de este nder sua pratica aoconjuntoda populagao urbana

    cadavez maisnumerosae potencialmente "perigosa" para os objetivos do capital.

    Haviaainda mais

    uma

    vantagem

    na

    aplicagao

    da

    ginastica:

    a suposta

    aquisigao

    e

    preser-

    vagao

    da

    saude,compreendidaa como conquista/responsabilidade individual, podia

    ocorrer como

    decorrencia

    de sua

    pratica sistematica ,afirmavam higienistas

    e

    peda-

    gogos,como criticos dos

    "excesses

    do corpo" vividos por acrobatas e funambulos.

    4. Cf. Hobsbawm ( 1 9 8 2 , p. I 8) "nao seria exagerado considerarmos

    esta

    dupla revo-

    lu$ao - afrancesa, bemmaispolitica, e aindus trial ( inglesa) - nao

    tanto como

    coisaque

    Pertenca a historia do s dois

    paises

    qu e foram seus principals suportes e s imbolos, mas sim

    como

    a

    cratera

    gemea de um vulcao

    regional

    be m

    maior."

    5.

    Sobre o assunto, consultar, entre outros

    Bernal

    ( 1 9 7 5 ,

    vol .1

    e 3) ;

    Comte

    ( 1 9 8 3 ) ;

    Lu z

    (1988);

    Lowy (1987).

    6. A

    esse

    respeito ver Durkheim

    ( 1 9 8 3 ,

    pp . 78 - 79 ) ; Luz

    ( 1 9 8 8 ,

    pp . 78 - 79 ) .

    7. Vove l le , 1 9 9 1 , p.

    144 .

    EuucAcAo

    NOCORPO 21

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    23/86

    2 I M A G E N S

    D A

    ED U C A C A O N O C O R P O

    Abarcando uma enorme gama de praticas corporais, otermoginastica

    8

    ,perten-

    cente ao genera feminino, de

    designacao

    feminina e q uehistoricamenteseconstroia

    partir de atributos

    culturalmente

    definidoscomomasculinos-forca,agilidade, virilida-

    de, energiaAemperadecarater, entreoutros - passaacompre ender diferentes prati-

    cascorporais.S ao exercicios militaresde preparagao paraaguerra,sao ogos popula-

    res e da

    nobreza, acrobacias, saltos, corridas,equitagao,esgrima,

    dangase

    canto

    9

    .

    Em suasprimeiras sistematizagoesna sociedade ocidental

    europeia,

    otermo

    ginastica

    foi

    assim

    compreendido. Quandoos circulos cientfficos se debrugam so-

    bre o seuconteudo,d esejam entao ap risionartodas as ormas/linguagens das pra-

    ticas corporais sob uma

    unica

    denominagao:ginastica.

    O MovimentoGinastico Europeu foi, portanto, um primeiroesbogo deste

    esforgo

    e o lugarde

    onde

    parti ram as

    teorias

    da

    hoje denominada educagao

    flsicano

    Ocidente.Balizou

    o

    pensamentomoderno

    em

    torno

    das

    praticas corporais

    que se

    construfram

    fora

    do

    mundo

    do

    trabalho, trazendo

    a

    ideia

    de

    saude,

    vigor,

    energia

    e

    moralcoladas

    a sua

    aplicagao.

    Estee o

    movimento

    que

    pode

    ser

    pensadocomo

    o

    conjunto,sistematizado

    pela

    cienciaepela tecnica,do que

    ocorreu

    emdiferentes pafsesao

    longo

    detodoo

    seculoXIX,especialmente naAlemanha, Suecia,

    Inglaterrae

    Franga

    10

    .

    Assumido pelosEstadosNacionais, este movimentoapresentavaparticularida-

    des

    do paisdeorigem,mas, de um modo

    geral, acentuavafinalidades

    muitosemelhan-

    t e s ,

    como,por exemp io, regenerar a ragaepromovera saudeem uma sociedade

    marcada pelo altofndice de

    mortalidade

    e de doengas, sem contudo

    alterar

    as condi-

    goesde vida e de trabalho. Em umoutropiano, as finalidadescompletavam-se pelo

    desejo de desenvolveravontade, a coragem,a forga,aenergia deviver para

    servir

    a

    patria

    nas guerras e naindustria.M as afinalidademaiorfoi,sobretudo,

    moralizar

    os

    indivfduos e a sociedade,

    ntervindo

    radicalmenteem modosde ser e de viver

    1

    '.

    Com

    estas

    finalidades, este

    movimento

    foi consolidando-se

    tambem

    a

    partir

    de

    diferengas,

    sendo

    a

    maisradical aquela

    que

    ocorreu

    na

    Inglaterra.

    La, a pratica

    corporal

    8 . Sua

    origem

    etimologica vem do grego gymnikos , adjetivo que e

    relative

    aos exerci-

    ciosd o corpo,e de g imn(o) ,elemento de composigao culta que traduz a ideia de nu, do grego

    gymnos , "nu,

    despido",

    nao coberto, que selimitaa ser

    alguem

    ou alguma coisa,puro e sim-

    ples, sem acess6 rios ou se m

    modifica$6es...

    que nao traz vestuario exterior, que so traz a

    roupa

    interior,a tunica; sem armadura ou

    armas(MACHADO,

    1977, vol. 3, p. 151) . Consultar

    ainda, Arnaud e Camy (1 98 6, pp. 54 e ss).

    9.

    Sobre

    o

    assunto, consultar: Pereira

    (s.d.);

    Langlade

    &

    Langlade (198 6); Crespo

    (1990).

    10. Sobre o assunto, consultar Pereira (s.d.), pp. 423 e ss., especialmente.

    II. Em

    trabalho pu blicado

    e m 1994 intitulado Educagao fisica: raizes europeias e Bras/7,

    desenvolvo o tema de

    modo

    mais

    detido

    ( S C A R E S ,

    p.

    1994).

    que

    se

    afirmou

    foi o

    jogo

    esportivo, constituindo

    entao

    um

    movimento

    que

    acabou

    por desenvolver, aprimorar e consolidar a compreensao do esp orte

    moderno

    12

    .

    No s

    demais

    pafseseuropeus,afirmou-sea ginastica, cujo conteudobasico

    foradefinidoapartirde parimetrosformuladospelacultura grega, que a compree n-

    dia ligada

    a

    ideia

    de

    saude, beleza

    e

    forca. Ciencia

    e

    arte, entao, explicitavam para

    esta

    cultura

    as

    diferengas

    de aplicagao, as

    possibilidades

    de classificagao,

    bem

    como

    os efeitos dos exercicios sobre os indivfduos. Explicitavam, ainda, a relagao direta

    que se acreditava existirentrea ginastica e o desenvolvimento do carater, damoral

    edav i r t u de

    13

    .

    Ciencia e tecnica parecem ter sempre comparecido para

    afirmar

    a ginasticacomo

    instrumentode aquisigao de saude , de

    formagao

    estetica e de treinamentodo sol-

    dado. Comparec em, sobretudo, para revelar a ginasticacomoprotagonista do que

    e racional,experimentadoe explicado.

    E

    e

    somente

    a

    partir

    da revelagao do

    carater cient'rfico

    da

    ginastica

    que a

    burgue-

    siado seculo XIX inicia urn

    lento

    processo de tentativa de diferenciar sua aplicagao

    entre os militares e a

    populagao

    civil.

    Solicitava-se da ciencia,

    entao,

    o

    estabelecimento

    de diferengas, nao de oposi-

    coes,

    e pensava-se,sobretudo,na preservagaoda disciplinae da ordem, taocarasa

    instituigaomilitar.

    Na Franga,havia uma vontade manifesta de sistematizar saberes que permitis-

    sem acompreensao da ginasticaapartirde

    canones

    cientfficos.D esejava-se fazer

    delaum

    objeto

    de investigagaocientfficae,

    dessemodo,aparta-la

    definitivamentede

    seus vinculos populares. E saoestesaspectos, bastante acentuados,q ue a fazem

    multifacetadae

    contraditoria

    em seudesenvolvimento noseculo XIX,

    tornando-a,

    assim,referenda

    para

    o

    desenvolvimento destetrabalho.

    12. Omovimento

    esportivo expandiu-se,

    tal

    qual expandiu-se

    omodode ser e de

    viver

    da

    burguesia inglesa.

    O

    esporte conscientiza, aliena, (re)cria

    e

    afirma

    o

    homem burgues: audaz,

    agil, educado, obediente e, sobretudo, cumpridor e adorador de regras sociais, morais, fisi-

    cas... Este

    movimento criao gostopeloaparatoburocratico do esporte moderno, este

    imen-

    so universo de signos, simbolos e linguagens que enca ntam

    multidoes

    e que

    ja serviu

    e ainda

    serve

    as mais dispares ideologias.

    Fenomeno

    d e massas, espetaculo de

    plasticidade quase coreografica,

    o

    esporte,

    em suas

    diferentes

    manifestac,6es,

    cada vez mais

    desenvolve-se

    colado, ou como

    expressao

    de formas

    especificasd esaber, como exempio: a

    ciencia

    e a tecnica.Comom arca da passagem de homens

    e rnulheres pelo mundo, situa-se no

    ambito

    da cultura.

    Para

    o sensocomum, o esporte ou os

    esportes

    significam qualquer forma de

    exercitagao

    fisica e

    exercem

    u m

    fascfnio que, monitorado pela

    midia,

    transforma-se quase

    e m

    fetiche.

    A

    esse respeito, consultar Pereira (s.d., pp. 347 e ss.); Grieswelle (1 97 8); Spivak (I98 8 b, p. 178),

    Bracht

    ( 1 9 9 7 ) .

    13 . Para

    maiores informagoes, consultar

    Jaeger ( 1 9 8 9 ) .

    2 2

    I M A G E N S D A

    E

    D U C A C A O N O

    C O R P O

    EDUCACAO

    NO

    CORPO 23

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    24/86

    Cabe registrar

    tambem

    que oshomensde

    ciencia

    que na

    Franga

    dedicaram-se

    ao

    estudo

    da

    ginastica

    declaravam-se

    profundosadmiradores

    da

    cultura grega,ul-

    gando-se, inclusive,

    seuslegitimos

    continuadores

    jjercebiam

    a ginasticacomo im-

    portante

    instrumento

    de

    recuperagaodaquela cultura

    e

    sociedade,

    por

    elesidentificada

    comoportadorada

    mais

    absoluta harmoniaT7

    A

    ginastica

    entao

    deveria

    ser

    pensada

    pelo

    aparato

    cientificodisponivele

    assim

    colocada em

    igualdade

    co m

    outras praticas socials,explicada

    e

    sistematizada. Devia

    tornar-se obrigatoriapara

    a sociedadeem geral,bem

    como

    pratica

    regular

    em

    todos

    os

    currfculos escolares.

    A

    base

    de

    saberes

    que

    serviu para

    estruturar

    umconhecimento mais

    precise

    sobreaginasticalocalizou-se principalmente na anatomia e fisiologia, a

    partir

    das quais,

    meticulosamente,

    foi-se

    estruturando

    umgrandeesboco do que se

    poderia

    chamar

    de

    "teoriageral

    da

    ginastica".Como

    se

    poderaobservar

    nos

    primeiros trabalhos sobre

    ginastica,nao ha omenordescuido com a globalidade do corpo em agoes especifi-

    cas,nasquaisexplicatestambem especificaspara cadaagioforambuscadas,nada

    escapando aos mil

    olhos

    da

    ciencia.

    Autores como

    G .

    Demeny*,

    E.

    Marey",

    F .

    Lagrange***, renomados cientis-

    tasque se

    debrugavam sob re

    o

    estudo

    e o aperfeigoamento do

    gesto

    no

    traba-

    * Georges Demeny nasceu em

    Dowai,

    Franca, em

    12

    dejunhode 1850 . Entre osanosde

    1860 e 1872 , seguiu o curso de matematicas especiais e, em seguida, na Sorbone, em Paris, dedi-

    cou-se

    ao

    estudo

    da

    fisiologia. B iologo, fisiolog ista

    e

    pedagogo fundou

    o

    Circulo

    de

    Ginastica Racio-

    nal, cujaatividade incluia cursos, pa lestras epublicacoes destinadas aos professores que ensinavam

    ginastica.

    Juntamentecom o m edico e fisiologista E. J. Marey, fundou aEstacaoF isiologica do Parque

    dos Pnncipes

    e

    dirigiu

    o

    laboratorio

    de

    fisiologia

    de

    18 80 at 1894 .

    No ano de

    1900, organizou

    o

    Congresso Internacional de Educacao Fisica. Os debates desse congresso

    permitiram

    reformas na

    Armada e suastesese

    conclusoespropagaram-se

    pelo estrangeiro.Em 1902, organizou o curso de

    educacao fisicadaEscola

    Normal

    e

    Militar

    de Joinville le Ponte foi nomeado professor defisiologia.

    Nesta escola,tambemorganizou o

    laboratorio

    de pesquisa fisiologica.No ano de 1903, organizou

    oprimeiro curso superiordeeducacaofisica na

    Franca

    -

    Lycee

    Janson-de-Sailly. Georges Demeny

    morreu

    em Paris, em 26 de

    dezembro

    de

    1 9 1 7 (Cf. REY-GOLLIET, 1930,

    pp . 6 3 - 1 2 1 ) .

    **

    Etiene JulesMarey (1830-1 904) , medico

    e

    fisiologista

    francesque

    generaliza

    o

    emprego

    de aparelhos

    que

    servem

    parao registro grafico de fenomenos fisiologicos. Juntamente com o

    fisiologista Auguste

    Chauveau, estuda ainda

    a atividade

    cardiaca,

    lei de Marey, leida variacao

    periodica da excitabilidade

    cardiaca

    e lei da

    uniformidade

    do

    trabalho

    do

    coracao.Colocou

    igualmente

    em

    destaque

    a

    cronofotografia ( 1 89 2 ) ; O Metodo

    grafico

    nasdenc ias exper imenta /s ,

    1 8 7 8 ;

    estudo da

    locomocao

    animal pela

    cronofotografia,

    1 8 8 7 . Co m seus estudos,afirmou o

    movimento

    humano

    comoobjetode estudo cientffico (Petit Robert,

    1993,

    p. I

    148).

    *** Fernand Lagrange (1845 -190 9) . Medico e fisiologista, dedicou

    parte

    de seus estudos

    para

    esclarecer

    questoes

    relacionadas a higiene e

    terapeutica

    e suarelajao co m

    a

    utilizacao do

    movimento. Criou assim

    urna

    teoria

    do

    movimento e m b asad a

    em

    medicoes

    e

    ser ies

    fotogamet r icas. Procurou dem onst rar as re lacoesentre as ativ idades card iopulmonares e o

    trabalho muscular ( P E R E I R A , s.d. , p. 4 0 1 ) .

    Iho, elegem a ginasticacome instrumento privilegiado pa7atreinar o gesto har-

    monicoeeconomico. \

    Afinadoscom oEstado

    constituido,

    exojjtam a

    moral

    declasse(burguesa)afir-\

    mando,

    em

    seus

    tratados sobre a

    ginastica,

    o "culto"a saude,ao corpo e a

    patria.

    )

    "Oculto",contudo,

    o

    raciocinio

    que

    cria

    os

    meios,

    bemmais

    profundos

    e

    maiores/

    do que a

    ginastica, para

    aobtengaoda

    saude.

    Deuma

    saude

    que naopodeserobtida

    nem

    preservada

    em condigoes

    miseraveis

    e degradantes a que

    estava sujeita

    amaioria da

    populagao que exerciaalgumtipode "trabalho livre" na ndustria, nocomercio,nas mi-

    nas.Lugaresquefazem nascerecrescero tab

    propalado

    progressono

    mundo

    ora do-

    minado pela cienciae pelaecnica,

    estasmusas

    daburguesiaque realizam o seu triunfo.

    \ ginastica,

    entao,passa

    a ser

    apresentada com oprodutoacabado

    e

    compro-

    vadamente cientifico.Radicaliza,

    no

    universe

    das

    praticascorporalsexistentes,

    a

    visaode ciencia como atividade humana

    capaz

    de controlar,experimentar,

    compa-

    rar e generalizarasagoesde indivfduos, grupose classes^

    ~-

    Do menor gesto do

    trabalhador

    em "atividadeprodutiva"na nd ustria efabrica,

    qu es e

    afirmam

    comoexpressaodo dominiodohomemsobre a natureza, ate a

    mais

    ousada acrobacia,

    seria

    a

    ciencia

    aprescrever, ndicare

    ditar, enfim,

    omodode

    realizar

    a tarefa... a

    formajde

    viyer. A ginaslica cientifica apresentava-se como

    contrapontoaos

    usos

    do corpo comoentretenimento, comosimplesespetaculo,

    pois trazia como princfpio

    a

    utilidade

    d e

    gestos

    e a

    economia

    d e

    energia. -

    Desse

    modo,praticas corporals

    realizadas nasfeiras,

    nos circos , onde palha-

    gos,acrobatas, gigantes

    e

    anoes

    despertavam

    sentimentos ambiguos

    de maravilha-

    mento

    e

    medopassam

    a ser

    observadas

    de

    pertopelas autoridades.

    O circo e um a atividade que exerce grande fascinio na sociedade

    europeia

    do

    seculoXIX.

    Ali o

    corpo

    e o

    centra

    do

    espetaculo,

    de

    todas

    as

    "variedades"

    apresen-

    tadaspelamultifacetada

    atuagao

    de seusartistas.

    Conforme

    observa Catherine

    Strasser

    14

    ,na sduas

    ultimas

    decadasd o

    seculo

    XIX,

    o

    circo surgia como

    a encarnagaodo

    espetaculo

    modernoe seu

    sucesso

    era

    inegavel nasdiferentes classessociaisque, inclusive,

    assistiam

    ao me smo espetaculo

    porem

    em

    dias

    e

    horarios

    especiais. Na s

    artesplasticas,tambem,

    o seu

    registro

    e

    singular: S eurat, Degas, R enoir,

    Toulouse-Lautrec

    trabalharam

    em

    seusquadrostoda

    aorgia de movimentos e cores que o circo oferecia.

    Mas

    tudoisso

    nao

    impediu

    o

    crescente receioda famflia burguesa,

    de

    profissionais

    que

    "cuidavam"

    docorpo, como,porexemplo,osmedicos,dehigienistasefilantropos

    frente aesteuniverse que se apresentava demodotao

    encantador

    e,porque nao dizer,

    14 .

    Cf .

    Strasser, 1 9 9 1 ,

    pp. 6 e ss.

    2 4 I M A G E N S D A ED U C A C A O N O

    C O R P O

    E P U C A C A O N O C O R P O 2 5

  • 8/10/2019 SOARES, Carmen Lucia. Imagens Da Educao No Corpo

    25/86

    "perigoso"para a ideia de disciplina eordemburguesas,sobretudo no que se refere

    aosusos

    docorpo.Arazao

    basica

    do crescente receio e ra aconstatacao de que o

    universe

    gestualproprio

    docircoapresentava

    uma totalausenda

    deutilidade.Ocorpo

    ali

    exibidoem

    movimento

    constante desp ertavao

    riso,

    otemore,sobretudo, a

    liberdade. Havia uma inteirezaludica na gestualidadede

    cada

    personagem: o anao,o

    palhago, o

    acrobata,

    a bailarina

    (Figura

    2).Esta

    inteireza nao

    cabiana

    sociedade cindida,

    fundadaeerigidapelopensamento

    burgues.

    Aatividade fisicaforado

    mundo

    dotra-

    balho devia

    ser

    util

    ao

    trabalho.

    A

    atividade livre

    e

    ludica, encantatoria

    do

    acrobata

    devia

    ser

    redesenhada

    noimaginario

    popular.

    Em seu

    lugar

    e apartir

    daquele univer-

    so

    gestual, nasceriam

    as

    "series

    de e xerciciosffsicos",

    pensados, exclusivamente,

    a

    partir de grupos musculares e de

    fungoes

    organicas, a serem aplicados com finalida-

    des especificas, uteis,e naocomo

    mero

    entretenimento.

    instalava-se,tambem, com

    forga

    nunca ante s vista,umdesejode

    controlar

    o

    divertimento do povo, o tempoforado trabalho. ConformeobservaHobsbawm,

    no divertimentodos

    pobres, especialmente

    na

    primeira metade

    d o

    seculoXIX,

    va-

    mos encontrar basicamente "revistas de contos sentime ntaloides, circ os, pequenas

    exibiooes com uma

    atragao

    principal, teatros mambembes e coisas

    semelhantes"

    15

    .

    Nos meios urbanos, sao diferentes manifestagoes ludicasde caraterpopular

    realizadas

    com

    base

    nas

    atividades

    de artistas

    circenses

    que se

    impoem.Elastrazem

    ainda os restos de uma concepgao demundopopular, a ambivalencia

    caracteristica

    da

    cultura

    popular da Idade Media e do Renascimento. De uma cultura nao oficiale

    de umterritorioedatas

    proprias:

    apraga

    publica,

    a rua e osdiasdefesta

    16

    .

    Equilibristas,

    funamb ulos, volantins,

    palhacps,

    bailarinas, contorcionistas,anoes,

    personagens que

    chegam

    e

    partem,

    transitorias,

    nomades (Figura I).

    Qual era o seu

    ugar?

    O seuugarera o

    mundo inteiroconhecido

    e,principal-

    mente,

    imaginado.Erasempreolugarondehouvessegenteque se

    dispusesse

    arir,

    a

    aplaudir, a se embevecer com as

    peripecias

    do corpo, de um

    corpo

    agil,

    alegre,

    cheio

    de

    vida porque

    expressao de

    liberdade

    e,

    sobretudo, resistente

    as

    regras

    e

    normas.

    Estes

    artistas viviam na

    contramao,

    fora da ideia de utilidade de agoes. O

    seu

    mundoera

    d esinteressado.

    Suas

    vidas

    faziam-se

    mais

    de

    trajetos

    do que de

    lu-

    gares a sechegare,

    assim,

    desterritorializavam aordemdo espago

    17

    .Suasapresen-

    taooesaproveitavam

    dias

    de festas,feiras, mantendo um atradicaode representare

    de apresentar-se nos lugares onde houvesse

    c oncentragao

    de pessoasdo povo.

    15 . Hobsbawm, 1 9 8 2 , pp . 2 9 2 - 2 9 3 .

    16 .

    As

    analises

    a que

    procedo

    em relacao ao

    tema

    cultura

    popular

    na

    Idade Media

    e

    Renascimento estao baseadas nas obras de Bakhtin ( 1 9 8 7 , 1 9 9 3 ) .

    17 .

    Ver o

    excelente

    trabalho de Duarte (1993).

    Artistas, estrangeiros,

    errantes. Situados

    no

    limite

    da

    marginalidade fascinavam

    as

    pessoasfincadas

    em

    vidas

    metrificadas e

    fixas.Eram

    ao

    mesmo

    tempo

    elemen-

    tos

    de barbarice de

    civilizacao

    nos lugares

    poronde

    passavam. "Barbaras: noma-

    d e s , sem vinculos

    sociais

    fixos,

    quase

    vagabundos. Civilizados: pessoasqu eviaja-

    ram,

    conheceram variascidades

    e ate

    mesmooutrospaises,elegantes,

    com

    posses

    evestes

    admiradas

    einvejadas..."

    18

    .

    Compunham

    assim

    todos os atos do"teatrodo povo"

    19

    e cada vez mais des-

    pertavam

    o

    medo

    nas

    autoridades, pois

    seu modode ser e

    viverdesafiava

    as

    nsti-

    tuigoes,tao caras a sociedad e que as nventara de

    modo

    taoprofundo.Traziam o

    corpocomoespetaculo.Invertiam

    a

    ordem

    das

    coisas.Andavam

    com as

    maos, lan-

    gavam-seao espago, contorciam-se e encaixavam-seem potes, em

    cestos,imita-

    vam bichos,vozes, produziam

    sons

    com asmais diferentes

    partes

    do corpo,cus-

    piam

    fogo, vertiam

    Kquidos

    inesperados,gargalhavam, viviam em grupos. Opunham-

    seassim aos novoscanonesdo corpoacabado,perfeito, fechado,

    limpo

    e isolado

    que a ciencia

    construira,

    da

    vida

    fixa e

    disciplinada

    que a

    nova

    ordem

    exigia.

    Nos escritos sobre a ginastica

    cientffica

    no seculo XIX encontra-se, demodo

    sistematico, a negagao de

    elementoscenicos,funambulescos, acrobaticos. Encon-

    tra-se,

    sobretudo,

    umaretoricaderecusaaos espetaculospropriosdo

    mundo

    cir-

    censee das

    estas

    populares ondeocorpo ocupao lugar central.

    Faradoxalmente, porem,e a ginastica

    cientffica

    que se oferececomoespetacu-

    lo

    "controlado" dosusosdo

    corpo,

    um

    espetaculoprotegido

    e

    trazido paradentro

    das

    instituigoes.Assim, pod e-se indagar,

    por

    exemplo,

    o que

    eram

    asclassesde

    alunos de

    ginastica

    nos ginasios

    am orosianos

    em

    Paris,

    na

    primeira metade

    do

    secu-

    lo

    XIX,

    senao

    um aconfirmagaodo espetaculo nstitucionalizado? Eafigurado mes-

    tre,

    o

    coronelAmoros*, vestido

    em seu magnifico

    uniforme militar, dirigindopes-

    18 . Duarte,

    1 9 9 3 ,

    p.

    I1 5.

    19 . Esta

    expressao

    e tomada^de

    Crespo

    ( 1 9 9 0 , p .

    443 ) .

    *

    Francisco

    AmorosyOdeano

    nasceu

    em

    Valenca, Espanha,

    em

    19

    de

    feverelro

    de

    1770.

    Sua

    vidamilitar iniciou-se

    aos 9

    anos

    d e

    idade quando ingressou

    no exercito espanhol. Em

    1 7 8 1 ,

    com

    17anos, foi nomeado 2tenentee, em I803, coronel.Foi secretarioparticulardo rei de

    Espanha, Carlos IV a quern tambem

    adestrava

    em alguns exercicios, bem como

    tutor

    de seu filho,

    o infante Don Francisco de Paula,entaocom a idade de 12 anos. A baseda educacao do infante

    espanhol foi aginastica,a esgrim