Sobre Verdade Nietzsche

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Sobre a verdade: excertos de Nietzsche “O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não como moedas.” (Sobre verdade e mentira, 2008, p. 36). “Este modo de julgar constitui o típico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafísicos de todos os tempos; tal espécie de valoração está por trás de todos os seus procedimentos lógicos; é a partir desta sua crença que eles procuram alcançar seu saber, alcançar algo que no fim é batizado solenemente de verdade. (BM, §2)” “Verdade: em minha maneira de pensar, a verdade não significa necessariamente o contrário de um erro, mas somente, e em todos os casos mais decisivos, a posição ocupada por diferentes erros uns em relação aos outros: um é, por exemplo, mais antigo, mais profundo que outro; talvez mesmo inextirpável, se um ser orgânico de nossa espécie não puder dele prescindir para viver” (FP 11: 38[4], Outono 1884 outono 1885) “quando no fundo é uma tese adotada de antemão, uma idéia inesperada, uma intuição, em geral um desejo íntimo tornado abstrato e submetido a um crivo, que eles defendem com razões que buscam posteriormente – eles são todos advogados que não querem ser chamados assim, e na maioria defensores manhosos de seus preconceitos, que batizam de verdades”. (BM, § 5) “Que as coisas tenham uma constituição nelas mesmas, abstração feita de toda interpretação e da subjetividade, eis uma hipótese perfeitamente desnecessária: o que suporia que o fato de interpretar e ser subjetivo não seria

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Sobre Verdade Nietzsche

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Sobre a verdade: excertos de Nietzsche

O que , pois, a verdade? Um exrcito mvel de metforas, metonmias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relaes humanas que foram realadas potica e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, aps uma longa utilizao, parecem a um povo consolidadas, cannicas e obrigatrias: as verdades so iluses das quais se esqueceu que elas assim o so, metforas que se tornaram desgastadas e sem fora sensvel, moedas que perderam seu troquel e agora so levadas em conta apenas como metal, e no como moedas. (Sobre verdade e mentira, 2008, p. 36).

Este modo de julgar constitui o tpico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafsicos de todos os tempos; tal espcie de valorao est por trs de todos os seus procedimentos lgicos; a partir desta sua crena que eles procuram alcanar seu saber, alcanar algo que no fim batizado solenemente de verdade. (BM, 2)Verdade: em minha maneira de pensar, a verdade no significa necessariamente o contrrio de um erro, mas somente, e em todos os casos mais decisivos, a posio ocupada por diferentes erros uns em relao aos outros: um , por exemplo, mais antigo, mais profundo que outro; talvez mesmo inextirpvel, se um ser orgnico de nossa espcie no puder dele prescindir para viver (FP 11: 38[4], Outono 1884 outono 1885)quando no fundo uma tese adotada de antemo, uma idia inesperada, uma intuio, em geral um desejo ntimo tornado abstrato e submetido a um crivo, que eles defendem com razes que buscam posteriormente eles so todos advogados que no querem ser chamados assim, e na maioria defensores manhosos de seus preconceitos, que batizam de verdades. (BM, 5)

Que as coisas tenham uma constituio nelas mesmas, abstrao feita de toda interpretao e da subjetividade, eis uma hiptese perfeitamente desnecessria: o que suporia que o fato de interpretar e ser subjetivo no seria essencial, que uma coisa, separada de todas relaes, seria ainda coisa. (FP 13: 9[40], Outono 1887 Maro 1888)

Contra o positivismo, que atesta ao fenmeno, s existem fatos eu objetaria: no, justamente no h fatos, somente interpretaes. No podemos constatar nenhum factum em si: talvez seja um nonsense querer este tipo de coisa. (NIETZSCHE, F. FP 12: 7[60], Outono 1885 outono 1887)que cada crena, cada ter-por-verdadeiro necessariamente falso: porque um MUNDO VERDADEIRO no existe absolutamente. Onde temos: uma iluso de perspectiva cuja origem reside em ns mesmos (na medida em que tivemos necessidade continuamente de um mundo estreito, resumido, simplificado). (FP 13: 9[41]

A nossa f na cincia repousa ainda numa crena metafsica que tambm ns, que hoje buscamos o conhecimento, ns, ateus e antimetafsicos, ainda tiramos nossa flama daquele fogo que uma f milenar acendeu, aquela crena crist, que era tambm de Plato, de que Deus a verdade, de que a verdade divina [...]. (GC 344).durante enormes intervalos de tempo, o intelecto no produziu seno erros, alguns deles se revelaram teis e ajudaram a conservar a espcie... a fora do conhecimento no est em seu grau de verdade, mas na sua antiguidade, no seu grau de incorporao, em seu carter de condio para a vida (GC/AF. 110)

mas at que ponto a verdade suporta ser incorporada? Eis a questo, eis o experimento (GC/AF. 110).

no existem vivncias que no sejam morais, mesmo no mbito da percepo sensvel (GC/AF. 114).

a conscincia no faz parte realmente da existncia individual do ser humano, mas antes daquilo que nele natureza comunitria e gregria, que, em conseqncia, apenas em ligao com a utilidade comunitria e gregria ela se desenvolveu sutilmente (GC/AF. 354).Desse modo, nenhuma perspectiva de sentido, vigente na natureza ou na histria, independe de sua instituio pela vontade humana. Transposto esse limiar, desaparece o texto, resta apenas o poder infinito da interpretao instituidora de sentido e de valor. (GIACIA, Nietzsche & Para alm de bem e mal, pp. 33 e 34)

Abreviaes da obras de Nietzsche:

BM Alm do bem e do mal

FP Fragmentos Pstumos

GC Gaia Cincia