Sociedade Anônima - Osmar Brina Corrêa-Lima

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Livro sobre S.A.

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O sm a r B r in a Co r r ê a -L im a

Especialista, Mestre e Doutor em Direito Comercial. Advogado militante. Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito

da UFMG e da Faculdade Milton Campos. Subprocurador-Geral da República, aposentado.

SOCIEDADE ANÔNIMA

3a EDIÇÃO - REVISTA E ATUALIZADA

Belo Horizonte - 2 0 0 5

S u m á r io

TÁBUA DE CASOS.... .................. ..................................... ................................. xiii

COMUNICAÇÃO AO LEITOR............................................................................ xv

Capítulo 1 - AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA........................ 1

1. ‘Topografia” da sociedade anônima no código civil brasileiro instituídopela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.......................................... 1

2. Quadro estatístico................................................................................... 13. Observações sobre o quadro estatístico................................................... 24. Características da sociedade anônima ou companhia............................ 45. Objeto social, atos ultra vires, holding pura e holding mista................. 76. Caso Crepaldi-Malavazi (RT 624125-128 - out. 1987)........... .............. 97. Denominação social e sua proteção......................................................... 108. Companhia aberta e companhia fechada............................................... 129. Sistema de vasos comunicantes do mercado de valores mobiliários..... 14

10. Nota importante sobre o papel da Comissão de Valores Mobiliários-CVM. 1511. Objeto e fim sociais................................................................................................ ............. ............... 1612. CasoEBSA...... ......................................................................................... 1713. Caso Mofarrej .......................................................................................... 1714. Caso Dourado.......................................................................................... 1815. Sociedade anônima sem finalidade lucrativa......................................... 1916. Sociedade de garantia solidária (Lei n. 9.841, de 5.10.1999).................. 1917. Questões.................................................................................................. 22

Capítulo 2 - INTRODUÇÃO À NOÇÃO DE CAPITAL SOCIAL....................... 24

1. Capital social: moeda e localização no balanço social............................. 242. Formação do capital e avaliação de bens................................................. 253. Caso SEE vs. Heppenheimer..................... ............................................. 26

v

4. Avaliação da companhia......................................................................... 275. Questões................................................................................................. 29

Capítulo 3 - AÇÕES............... .......................................................................... 30

1. Valor nominal........................................................................................ 302. Preço de emissão e ágio.......................................................................... 313. Espécies, classes e formas de ações.... ................................................... 314. Espécie ordinária.................................................................................... 325. Espécie preferencia]............................................................................... 336. Classes de ações...................................................................................... 337. Ações de fruição e amortização.............................................................. 338. Forma de circulação das ações............................................................... 349. Limitações à circulação de ações............................................................ 34

10. Questões................................................... ............................................. 3611. Testes..................................... ................................................................ 36

Capítulo 4 - AÇÕES PREFERENCIAIS............. ............................................. 39

1. A atual redação do art. 1 7 ....................................................................... 392. Vantagens legais das ações preferenciais................................................ 41

2.1. Prioridade na distribuição de dividendos - dividendo prioritário fixoou minimo e dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo.... 41

2.2. Ação preferencial com prioridade no reembolso do capital............. 483. Vantagens políticas das ações preferenciais........................................... 514. Vantagens estatutárias das ações preferenciais...................................... 515. Restrições às ações preferenciais............................................................ 526. Ações preferenciais e direito de voto...................................................... 527. O § i° do art. 1 7 ...................................................................................... 538. O § 5o do art. 17 ...................................................................................... 699. O § 6o do art. 17 ...................................................................................... 75

10. O § 7o do art. 1 7 ......... ........... ................................................................. 7511. O Caso Cemig e o § 70 do art. 1 7 ............................................................. 76

Capítulo 5 - CERTIFICADOS E PROVA DE PROPRIEDADE DAS AÇÕES .... 78

1. Certificados de propriedade de ações ...................................................... 782. Prova de propriedade das ações............................................................. 783. Certificados e cautelas............................................................................ 784. Agente emissor de certificados...... ......................................................... 795. Custódia de ações fungíveis.............................. ..................................... 79

vi

Capítulo 6 - AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE,ONERAÇÃO................................................................................. 83

1. Indivisibilidade das ações........................................................................ 832. Negociação de ações não integralizadas................................................. 833. Transferência de ações............................................................................ 834. Negociação da companhia com as suas próprias ações...... ................... 835. Resgate de ações........... ........................................................................... 846. Caso Adhemar de Barros......................................................................... 86

6.1 Resgate de ações - Lei atual e lei anterior...................................... 866.2 Dados do caso Adhemar de Barros................................................ 87

6.2.1 Posição de Adhemar de Barros.............................................. 876.2.2 Posição da companhia............................................................ 876.2.3 Decisões das instâncias ordinárias........................................ 886.2.4 Decisões do Supremo Tribunal Federal................................ 88

7. Direitos reais e outros ônus sobre as ações.... ........................................ 978. Direito de voto das ações gravadas com ônus......................................... 999. Extensão dos ônus sobre ações desdobradas e bonificadas.................... 99

10. Incursão no Direito Penal........................................................................ 9911. Questões................................................................................................... 100

CAPÍTULO 7 - PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DESUBSCRIÇÃO........................................................................... 101

1. Partes beneficiárias................................................................................. 1012. Debêntures........... ................................................................................... 1023. Caso Master............................................................................................. 1044. Bônus de subscrição................................................................................ 1085. Questões.................................................................................................. 1106. CasoEmbraer.......................................................................................... 1107. Caso Resa Pirapora................................................................................. 1128. Incursão no Direito Penal.......................................... ............................. 1139. Testes ....................................................................................................... 113

CAPÍTULO 8 - CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA............................................ 116

1. Concepção da companhia........................................................................ 1162. Gestação da companhia........................................................................... 1173. Constituição da companhia...... .............................................................. 1184. Formalidades complementares à constituição....................................... 121

5. Incorporação de imóveis para formação do capital social: formalidadese tributação........................................................................................... 121

6. Incursão no Direito Penal....................................................................... 1227. Questões................................................................................................. 1228. Testes..................................................................................................... 123

Capítulo 9 - ASSEMBLÉIA-GERAL................................................................. 125

1. Convocação da assembléia-geral............................................................ 1262. Local de realização da assembléia-geral................................................. 1303. Quorum de instalação da assembléia-geral............................................ 1304. Legitimação e representação na assembléia-geral................................. 1315. Quorum deliberativo da assembléia-geral (maioria) e empate nas

deliberações............................................................................................ 1326. Necessidade de prévia aprovação ou de ratificação para eficácia de

deliberação da assembléia-geral............................................................. 1337. Parecer CVM/SJU, 161, de 19 de dezembro de 1979 (DOUll, de 11.1.1980).... 1348. Ata da assembléia-geral.......................................................................... 1419. Na prática................................................................................................ 142

10. Caso Caravellas ...................................................................................... 14211. CasoTelepar.......................... ................................................................ 14412. Caso São Bernardo do Campo................................................................ 14513. Caso Tecomil.......................................................................................... 14714. Caso Leite Barreiros............................................................................... 14915. Conversão de ações preferenciais em ações ordinárias......................... 15016. Caso Braspérola...................................................................................... 15117. Questões............... ........ ........................................................................ 15118. Testes.................. .............. .................................................................... 152

CAPÍTULO 10 - ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA.............. 154

1. Conselho de administração e voto múltiplo........................................... 1542. O voto múltiplo...................................................................................... 155

2.1. Introdução ao voto múltiplo.......................................................... 1552.2. Observação sobre as alterações introduzidas no art. 141 pela Lei

n. 10.303, de 31 de outubro de 2001.............................................. 1562.3. Os parágrafos do art. 141................................................................ 156

2.3.1.0 § 1° do art. 141................................................................... 1562.3.2.0 § 2o do art. 141.................................................................. 1612-3-3- O § 3o do art. 141.................................................................. 162

2.3-4- O § 4o dó art. 141................................................................... 1622.3.5.0 § 5o do art. 14 1................................................................... 1642.3.6.0 § 6o do art. 141................................................................... 1652.3.7.0 § 70 do art. 14 1............................ ...................................... 165

3. Caso Hotéis Ribas.................................................................................... 1714. CasoArapiara.......................................................................................... 1755. Diretoria................................................................................................... 1766. Caso Camponesa..................................................................................... 1767. Caso Pais e Filhos.................................................................................... 1778. Normas comuns a Conselheiros e Diretores........................................... 1809. Deveres e responsabilidades dos administradores.............. ................... 180

10. Diretores e Direito do Trabalho................................................. ............. 18511. Remuneração do administrador: parte fixa e parte variável.................... 18812. Caso Caetano Branco............................................................................... 18913. Caso Galant............................................................................................. 19114. Ação de responsabilidade civil contra administradores......................... 19515. Diretor de fato e teoria da aparência.......... ............................................ 19616. Casolcaraí............................................................................................... 19617. Caso Bracisa............................................................................................ 19718. Caso Agro Pecuária Cravari..................................................................... 19719. Caso Trussardi......................................................................................... 19820. O § 6o do art. 159..................................................................................... 20021. Administradores e desconsideração da personalidade jurídica.............. 21022. Caso Araraquara...................................... ................................................ 21123 CasoHowa.... ......................................................................................... 213

24. Problema Barth....................................................................................... 21625. Questões.................................................................................................. 21926. Testes.................................................................................................... . 223

Capítulo 11 - OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DOACIONISTA................................................................................. 225

1. Obrigações do acionista........................................................................... 2252. CasoLeblon............................................................................................. 2273. Direitos do acionista........................................... .................................... 2354. Caso M. Roscoe....................................................................................... 2645. Caso Ughini............................................................................................. 2666. Caso Jaú.................................................................................................. 2707. Exclusão de acionista.............................................................................. 2728. Acionista controlador............................................................................. 274

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9- Crítica ao § i° do art. 250....................................................................... 27510. Acordo de acionistas............................................................................... 28211. CasoCemig............................................................................................. 28612. Caso Triunfo.......................................................................... ................ 29613. Questões................................................................................................. 29614. Responsabilização do acionista por aplicação da teoria da desconsideração

da personalidade jurídica....................................................................... 29815. Caso Guaricanga..................................................................................... 29916. Caso Companhia Sertaneja.................................................................... 30017. Caso Bateau Mouche.............................................................................. 30318. Testes..................................................................................................... 303

Capítulo 12 - FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA............................................ 305

1. Conselho fiscal....................................................................................... 3052. O artigo 172 do revogado Decreto-lei n. 2.627/40 e o § 50 do artigo 163

da lei n. 6.404/76........................................ ........................................... 3073. Conselho fiscal de funcionamento intermitente - o artigo 123 e o artigo 161. 3084. Efeito da introdução da alínea d, na redação original do artigo 123, pela

Lei n. 9-457/97....................................................................................... 3095. Ações preferenciais sem direito a voto e acionistas minoritários na

constituição do conselho fiscal................................... ........................... 3166. Remuneração dos conselheiros fiscais................................................... 3177. Deveres e responsabilidade dos membros do conselho fiscal................ 3188. Auditoria externa................................................................................... 3199. Exibição dos livros.................................................................................. 319

10. CasoRohr....... ....................... ................................................................ 31911. Caso Fujiminas.............................. ......................................................... 32112. CasoFiorante............................................................ ............................ 32213. Questão.................... .............................................................. ............... 323

Capítulo 13 - MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL..................................... 324

1. Redução do capital............................... .................................................. 3242. Aumentos de capital................................................................................... 3243. Aumento de capital por subscrição de novas ações................................ 3244. Caso Veta................................................................................................ 3265. Casolindóia........................................................................................... 3316. Aumento de capital por correção monetária.......................................... 3337. Aumento de capital mediante capitalização de lucros e reservas........... 333

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8. Caso Clark.............. ................................................................................. 3359- O §5° do art. 17 ....................................................................................... 335

10. Aumento de capital por conversão de partes beneficiárias e de debênturesem ações.................................................................................................. 336

11. Aumento de capital pelo exercício de direitos conferidos por bônus desubscrição ou de opção de compra de ações........................................... 336

12. Aumento de capital por conversão de passivo em ações......................... 33713. Questões................................................................................................... 338

CAPÍTULO 14 - TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO...... 339

1. Transformação............................................................ ........................... 3392. CasoOrwec.............................................................................................. 34°3. Incorporação, fusão e cisão..................................................................... 3414. Incorporação de companhia controlada................................................. 3425. Análise do artigo 264................................................... ........................... 3436. Normas específicas sobre a cisão............................................................. 3497. Caso Ipiranga.......................................................................................... 3608. CasoSintaryc........................................................................................... 3689. Incorporação, fusão e cisão como modalidades de concentração de

empresas................................................................................................. 37210. Abuso do poder econômico..................................................................... 37211. Questões..... ......................... .................................................................... 373

Capítulo 15 - A SOCIEDADE ANÔNIMA E O PODER JUDICIÁRIO.... ......... 375

1. Voto de confiança no poder judiciário......................................... ........... 3752. Conceitos vagos empregados na legislação: interesse. Diluição injusti­

ficada. Boa-fé........................................................................................... 3763. Outras expressões vagas.......................................................................... 378

Capítulo 16 - OUTROS ASSUNTOS.... ....:........................................................ 382

1. Nacionalidade da companhia.................................................................. 3822. Sociedade nacional e sociedade estrangeira no Código Civil de 2002 .... 3833. Companhia unipessoal............................................................................ 3864. Subsidiária integra]................................................................................. 3895. Empresa pública................................................ ..................................... 3896. Sociedade de economia mista.................................................................. 390

6.1. Nota sobre a falência da Sociedade de economia m ista.................. 390

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7. Grupos e consórcios............................................................................... 3918. Governança corporativa......................................................................... 3969. A falência e a extinção da companhia..................................................... 401

Capítulo 17 - AÇÕES E PRAZOS DE PRESCRIÇÃO.......................................... 403

1. A nulidade no direito comum e no direito societário..... ........................ 4032. Função de Amicus Curiae da comissão de valores mobiliários............. 4083. Ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos inves­

tidores no mercado de valores mobiliários............................................. 410

CAPÍTULO 18 - APLICABILIDADE DA LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS ... 411

CAPÍTULO 19 - DIREITO PENAL SOCIETÁRIO................................................ 415

1. O artigo 177 do Código Penal Brasileiro................................................. 4162. Crimes falimentares - Decreto-lei n. 11.101/05..................... ................ 4183. Código de propriedade industrial - Lei n. 7.279/96......... ..................... 4204. Crimes contra a economia popular-Lei n. 1.521/51.............................. 4205. Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964................................................ 4206. Crimes contra o sistema financeiro nacional - Lei n. 7.492/86............ 4217. Lein. 4.728, de 14 de julho 1965............................................................ 4218. Crimes de sonegação fiscal-Lein. 4.729/65......................... ............... 4219. Crimes contra a ordem tributária........................................................... 421

10. Crimes contra a ordem econômica......................................................... 42211. Crimes contra as relações de consumo................................................... 42312. Crimes contra o meio ambiente.............................................................. 424

CAPÍTULO 20 - COMPANHIAS FAMILIARES................................................... 425

1. Considerações........................................................................................ 4252. Caso Tigre...................... ......... ....................................................... ....... 4273. Questões................................................................................................. 4294. Caso Schloesser...................................................................................... 4295. CasoKirshner......................................................................................... 433

BIBLIOGRAFIA...................... ' .................................................... .................... 437

ÍNDICE REMISSIVO......................................................................................... 447

xii

T á b u a d e c a s o s

Caso . Capítulo

Adhemar de Barros 6Agro Pecuária Cravari 10Arapiara 10Bahia Sul 7Bateau Mouche 11Bracisa 10Braspérola 9Caetano Branco IOCamponesa 10Caravelias 9Cemig 4 e nClark 13Companhia Sertaneja nCrepaldi-Malavazi 1Dourado 1Ebsa íEmbraer 7Fiorante 12Fujiminas 12Galant IOGuaricanga 11Hotéis Ribas 10Howa 10Icaraí 10Ipiranga 14

Jaú 11Kirchner 20Leblon 11Leite Barreiros 9Lindóia 13M. Roseoe nMaster 7Mofarrej 1Orwec 14Pais e Filhos 10Resa Pirapora 7Rohr 12São Bernardo do Campo 9Schloesser 20Sintaryc 14Tecomil 9Telepar 9Tigre 20Triunfo 11Trussardi 10Ughini 11Veta 13

xiv

C o m u n ic a ç ã o a o l e it o r

Escrevi este livro pensando nos meus alunos, a quem o dedico.Já existem muitas obras jurídicas sobre a sociedade anônima, escritas

por juristas de escol. Apresento-lhes um livro diferente. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente. Não pretende substituir e, muito menos, suplantar nenhum outro. Pretende alinhar-se ao lado dos demais, somar, colaborar e contribuir com alguns insights enriquecedores, submetendo-se ao julgamento de seus destinatários - os meus alunos. Ficarei agradecido, portanto, com o

feedbackào leitor.O caráter imperativo da norma jurídica limita sobremaneira a

criatividade dos doutrinadores, mesmo daqueles dotados do mais aguçado espírito crítico.

A originalidade deste livro talvez se limite à forma de abordagem metodológica de que se reveste.

O estudo do Direito Societário dificilmente se adapta a uma metodologia linear, partindo-se do “mais fácil” para o “mais difícil”, do “mais simples” para o “mais complexo”.

O = > = > = > =£> =?> = > =S> = > = > = > = > 0 0(zero => Infinito)(Alfa => Ômega)

Os conceitos consagrados na legislação acham-se de tal forma inter e correlacionados que se toma praticamente impossível a observância de uma

xv

sistemática mais ou menos hierarquizada na sua apresentação. O estudo jurídico da sociedade anônima requer e impõe uma metodologia de tipo espiral. Conceitos aparecem em momentos e em contextos distintos. E só aos poucos o estudioso vai se desfazendo do desconforto inicial gerado pela fluidez metodológica.

O estudo do Direito Societário desenvolve-se de maneira mais eficiente com o emprego de uma metodologia do tipo espiral:

METODOLOGIA EM ESPIRAL1

Na metodologia em espiral, o mesmo conceito aparece empregado em contextos diferentes, e é, como que, “dilapidado” aos poucos:

1 Essa idéia transparece claramente no Capítulo 4, que trata das ações preferenciais. É impossível compreender bem 0 conceito de ação preferencial com prioridade no reembolso do capital sem que tenham sido apreendidos os conceitos de dissolução, liquidação e extinção de sociedade.

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METODOLOGIA EM ESPIRAL2

Na metodologia em espiral, o mesmo conceito aparece empregado em contextos diferentes, e é, como que, “dilapidado” aos poucos:

Resta-nos um consolo, entretanto. Estudos sérios, recentes e avança­dos, publicados pelos Professores Gheorghiu e Kruse, das Universidades de Giessen e de Bremen, na Alemanha, lograram comprovar que o apare­lho psíquico humano possui um mecanismo automático de desambigüi- zação e formação de ordem autônoma. De acordo com essas recentes descobertas, testadas em laboratórios com o emprego da hipnose, a siste- matização interna do conhecimento independe e prescinde da rigorosa sistematização na sua apresentação à percepção daquele a quem se visa transmiti-lo.

2 Essa idéia transparece claramente no Capítulo 4, que trata das ações preferenciais. É impossível compreender bem o conceito de ação preferencial com prioridade no reembolso do capital sem que tenham sido apreendidos os conceitos de dissolução, liquidação e extinção de sociedade.

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“O mundo no qual vivemos é basicamente ambíguo e o processo de experiência individual e ação é um contínuo processo de desambigüização consciente ou inconsciente.

Em anos recentes, uma mudança de paradigma ocorreu nas ciências naturais cujo potencial inovativo pode ser designado como revolucionário. Com enfoque em efeitos não-lineares, desenvolveu-se uma teoria que explica a formação de ordem na natureza como um processo autônomo de auto- organização. Transferindo as acepções básicas da teoria da auto-organização para a modelagem de sistemas cognitivos, a percepção e a ação tiveram de ser compreendidas como um processo que é dominado por regras internas de organização [...]. Nesse [...] modelo de sistema cognitivo, a ordem da expe­riência e do comportamento é o resultado de um processo autônomo de formação de ordem. O cérebro é compreendido como um sistema que produz estados globais de ordem independentemente da livre dinâmica interna das suas próprias unidades interativas elementares [...]. Quando a concepção da teoria da auto-organização é transferida para a modelagem dos processos cognitivos, o aspecto da formação autônoma de ordem ganha importância central. Quando o sistema cognitivo não é compreendido como um canal de processamento de informação, e quando o nosso mundo de experiência não é visto como uma representação mais ou menos direta do mundo externo, os processos cognitivos têm que ser vistos como uma construção ativa. A ordem e a estabilidade que nós percebemos não é o resultado trivial da ordem e da estabeleçade da realidade. Como estabelecido no início, o sistema cognitivo é compreendido como um sistema informacionalmente fechado. Conseqüente­mente, o modelo auto-organizacional dos processos cognitivos conduz a uma posição epistemológica que pode ser denominada construtivismo radical” (Kruse &Gheorghiu, 1992).

Tais estudos, certamente, provocarão verdadeira revolução na Teoria do Conhecimento, com reflexos imediatos na Didática e na metodologia de ensino.

A metodologia cartesiana, tão mal compreendida - como já advertira o próprio René Descartes em vida -, contribuiu inegavelmente para o desenvol­vimento das ciências. Mas culminou numa total fragmentação destas. Cada ciência, por sua vez, subfragmentou-se por meio de um processo de crescente especialização. E os curricula das unidades universitárias passaram a tratar as disciplinas como estanques umas das outras, com várias zonas cinzentas carecedoras de uma pesquisa interdisciplinar.

No limiar de um novo século, o homem parece querer retomar a uma abordagem holística e integrativa das ciências.

As considerações acima e uma prática de três décadas lecionando Direito Comercial encorajaram e justificam a abordagem metodológica utilizada neste livro. Ela procura conceder um voto de confiança na inteligência do leitor, deixando espaço para que ele preencha inevitáveis lacunas.

Para os objetivos didáticos a que se propõe, este livro também visa a reduzir o número de horas que o estudante perde repetindo como papagaio e esquecendo, bem como as horas que o professor perde falando a surdos.

Observações:

Ia) Ao ler este livro, tenha sempre por perto o texto atualizado da Lei n. 6.404, de 15.x2.1976. Nele, procurei, tanto quanto possível, evitar a mera repetição de trechos claros da lei, preferindo dar mais atenção aos seus pontos mais controvertidos.

2a) Todos os artigos transcritos ou citados neste livro que não mencio­narem a que lei se referem são da Lein. 6.404, de 15.12.1976.

3 a) Alguns conceitos foram tratados mais aprofundadamente por meio do estudo de casos. Todos os casos apresentados são reais, receberam um tratamento didático e, na sua apresentação, o au­tor procurou, tanto quanto possível, preservar a redação original constante dos acórdãos nos quais se baseiam. Considerando que, regra geral, os acórdãos das Cortes brasileiras são publicados sem o Relatório, na análise de alguns dos casos o autor teve que efetuar as suposições cabíveis.

4a) Um estudo mais aprofundado da sociedade anônima requereria o exame de toda uma normação proveniente do Conselho Monetário Nacional, da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, bem como o exame da jurisprudência e incursões no Direito Comparado. Imagine 0 leitor dois círculos concêntricos, com diâmetros dife­rentes. O círculo menor corresponderia à Lei das Sociedades por Ações. O maior, à legislação das Sociedades por Ações. Neste livro, nossa atenção encontrar-se-á dirigida, principalmente, para aquele primeiro círculo, o menor. Eventualmente, far-se-ão refe­rências aos outros. Os casos inseridos no texto não se apresentam como modelos de decisões acertadas. Visam apenas a ilustrar a matéria teórica exposta. Não se adota aqui o método do direito

comparado, embora se encontrem incursões perfunctórias e incidentais no Direito estrangeiro.

5a) O leitor encontrará, no corpo do trabalho, várias questões irrespondidas, elaboradas com o objetivo de estimular pesquisas complementares e reflexões mais aprofundadas.

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C a p ít u lo i

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA

1. “TOPOGRAFIA” DA SOCIEDADE ANÔNIMA NO CÓDIGO CI­VIL BRASILEIRO INSTITUÍDO PELA LEI N. 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

Eis a “topografia” e a referência à sociedade anônima no Código Civil brasileiro instituído pela Lei n. 10.406, de 10.1.2002:

Parte Especial0 Livro II (Do Direito de Empresa)

■ Título II (Da Sociedade)• Subtítulo II (Da Sociedade Personificada)

0 Capítulo V (Da Sociedade Anônima)■ Seção Única:

Da Caracterização

Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.

Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplican- do-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código [Código Civil de 2002].

2. QUADRO ESTATÍSTICO

O Quadro Estatístico abaixo arrola o número de empresas, por tipos, constituídas no Brasil de 1985 a 2003 e revela a importância da companhia e da limitada no Brasil.1

1 Disponível em: <http://www.dnragov.br/Caepoioi.htm>. Acessado em: 10.2.2000.

2 SOCIEDADE ANÔNIMA

Constituição de empresas por tipo jurídico- Brasil -1985-2003

Anos Firma Sociedade Sociedade Coope­ Outros TotalIndividual Limitada Anônima rativas ' Tipos

1985 168.045 148.994 1.140 363 66 318.6081986 277-350 238.604 1-034 297 204 517.4891987 222.847 195-451 8 57 319 161 419-6351988 208.017 184.902 1.214 404 128 394-6651989 240.807 209.206 1.251 437 151 451-8521990 279.108 246.322 748 438 141 526.7571991 248.590 248.689 611 447 156 498.4931992 221.604 207.820 594 515 132 430.665

1993 254.608 240.981 697 757 161 497.2041994 264.202 245-975 731 657 207 511.7721995 263.011 254-581 829 879 187 519.4871996 252.765 226.721 [ 1.025 1.821 360 482.692

1997 275-106 254.029 1.290 2.386 410 533-2211998 239.203 223.689 1.643 2.258 335 467.128

1999 244.185 229.162 1.422 2.330 246 477-3452000 225.093 231-654 1.466 2.020 369 460.6022001 241.487 245-398 1-243 2-344 439 490.9112002 214.663 227-549 1.012 1-556 371 445-1512003 ” 228.597 240.530 1.273 1-503 310 472.213Total 4.569.288 4.300.257 20.080 21.731 4-534 8.915.890

Fon te: <http://www.dnrc.gov.br/estatisticas/caepoioi.htm>, «teconsultado no dia: 11.1.2005.

3. OBSERVAÇÕES SOBRE O QUADRO ESTATÍSTICO

1. 0 alto percentual de registro de firmas individuais parece apontar, a um tempo: Io) para 0 desconhecimento do Direito Empresaria] ou a despreocupação com o risco que a atividade empresarial acarreta para o patrimônio do empresário individual (todo 0 patrimônio do empre­sário individual responde, ilimitadamente, pelas dívidas da atividade empresarial); 20) para as dificuldades da nossa Economia e, princi­palmente, para a falta de emprego ou 0 desemprego, que levam ás pessoas a tentarem constituir um negócio próprio; constata-se que após cada um dos Planos Econômicos do Governo aumenta o número de firmas individuais registradas.

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 3

2. A cooperativa, embora não empresária e não sujeita à falência, arqui­va os seus documentos na Junta Comercial (Lei n. 8.934, de 18.11.1994, art. 32, II, a.2 O Código Civil instituído pela Lei n. 10.406/02 disciplina a sociedade cooperativa (arts. 1.093/1.096). Enquadra-a como sociedade simples (art. 982). Dispõe 0 seguinte: “Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se [à sociedade cooperativa] as disposições referentes à sociedade simples [...].” Quanto à sociedade simples, eis o que estabelece 0 art. 998: “Art. 998. Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede”.

3. A constituição de outras sociedades empresárias de tipos diferentes da sociedade limnitada e da sociedade anônima parece também refletir desconhecimento do Direito Empresarial.

4. Prefere-se a sociedade limitada, à sociedade anônima, porque aquela constitui estrutura jurídica menos burocratizada e, conseqüente­mente, menos onerosa.

5. O número de sociedades anônimas constituídas no período apre­senta-se maior em Estados mais industrializados, como os da Região Sul, e menor em outros, como os da Região Nordeste.

6. O quadro estatístico acima em nada deverá comprometer o interesse pelo estudo da legislação das sociedades anônimas. A Lei das Socie­dades por Ações apresenta-se como verdadeiro “Código do Direito Societário Brasileiro”, aplicável, subsidiariamente, a todos os demais tipos societários.

7. O texto da Lei n. 6.404/76, sofreu algumas alterações pontuais no decorrer do tempo. As principais delas foram introduzidas pelas Leis

2 Lei n. 8.934, de 18.11.1994 (“Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências”). Título I - Do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (artigos 1 a 51). Capítulo III - Dos Atos Pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (artigos 32 a 51). Seção I - Da Compreensão dos Atos (artigos 32 a 34): “Art. 32. O Registro compreende: [...] II - o Arquivamento: [...] o,? dos documentos relativos à constitui­ção, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas, [...].O Código Civil instituído pela Lei n. 10.406, de 10.1.2002, dispõe o seguinte sobre as cooperativas, nos arts. 982 e 1.096: “Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empre­sária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094.”

4 SOCIEDADE ANÔNIMA

n. 8.021/90, n. 9.457/97 e n. 10.303, de 31.10.2001. Essas modificações pontuais aprimoram, mas, não raro, quebram a harmonia sistemática do texto original, acarretando transtornos para o exegeta.

8. É claro que as leis precisam ser modificadas, de tempos em tempos, para acompanhar as evoluções sociais; mas, às vezes, infelizmente, essas modificações se fazem de maneira um tanto quanto açodada; às vezes, quando surge alguma dissintonia na sua aplicação, em vez de se procurar, no próprio texto, o espírito da lei, para modificar a sua interpretação a partir deste, busca-se o caminho mais fácil de modificar 0 texto; a recente Lei n. 10.303, de 31.10.2001, ilustra bem esse comportamento do legislador; leiam-se, a propósito, excertos de reportagem publicada na Gazeta M ercantil de segunda-feira, 8.10.2001, p. A-9:• “a nova Lei das S.A. ainda não tem data para ser sancionada”;• “a matéria foi aprovada no mês passado pelo Senado, e o Execu­

tivo tem até o próximo dia 19 para colocá-la em vigor. Caso contrário, será automaticamente promulgada pelo Poder Legislativo, que, inclusive, inicia esta semana estudos visando o seu aperfeiçoamento”;

• “pelo acordo entre parlamentares e o governo 0 projeto terá pontos vetados, mas passará por um processo de aperfeiçoamento no Senado”;

• “três senadores estão elaborando um projeto de lei que complementará a Lei das S.A.”; e

• o trabalho dos três senadores consistirá na “análise das 48 emendas rejeitadas, que servirão de base para a elaboração de um novo texto”.

Ao final da reportagem, aparece a seguinte afirmação, atribuída ao senador Antônio Carlos Magalhães Júnior: “Nosso objetivo é aprimorar o projeto, disse. Avançar no que já foi conseguido até o momento”.

Ora, se 0 texto do projeto, que se transformou em Lei n. 10.303, de 31.10.2001, ainda precisava ser aprimorado, por que a pressa em decretá-lo? Por que não esperar mais um pouco?

4. CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE ANÔNIMA OU COM­PANHIA

Companhia é sinônimo de sociedade anônima.A sociedade anônima ou companhia é instituto importantíssimo do

Direito contemporâneo. No Brasil, é regulada, atualmente, pela Lei n. 6.404,

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 5

de 15.12.1976, que já sofreu algumas modificações no decorrer do tempo. Na França, pela Lei n. 66.537, de 24.7.1966, e pelo Decreto n. 67.236, de 23.3.1967, destacando-se também a Ordonnancen. 67.821, de 23.9.1967, que disciplina os grupamentos de interesse econômico (groupements d ’intérêt économique). Na Itália, no Livro V, Título V, Capítulo V, do Código Civil de 1942. Na Suíça, na Terceira Parte, Título 26, do Código das Obrigações de 1911. Na Inglaterra, pela Lei de 1985, com alterações introduzidas em 1989. Na Alemanha,o AktienGezetz (AktG) de 1965 reproduz, basicamente, a Lei de 1937, expurgando-a do longo Preâmbulo nacional-socialista e acrescentando disposições relativas aos konzern (grupos de sociedade). Nos Estados Unidos, existem centenas de leis estaduais sobre sociedades anônimas; cada Esta- do-federado possui uma lei básica e outras, destinadas a regular tipos espe­ciais de sociedades anônimas. Merece especial destaque a legislação do Estado de Delaware pela sua maior sofisticação e importância.

A lei brasileira de 1976 inspirou-se, principalmente, na legislação norte-americana e, na parte relativa aos grupos de sociedades, na disciplina do konzern pelo AktG alemão, de 1965.

A Lei n. 6.404/76, de autoria intelectual dos juristas Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, foi promulgada sob a égide do II PND da chamada “Nova República” (Lei n. 6.151/74 - Governo Geisel), que preco­nizava o seguinte: “Com o objetivo de proteger as minorias acionárias e desenvolver 0 espírito associativo entre os grupos empresariais privados, reformar-se-á a lei das sociedades por ações, tendo em vista os seguintes objetivos: a) assegurar às minorias acionárias 0 direito a dividendos mínimos em dinheiro; b) evitar que cada ação do majoritário possua valor superior a cada ação do minoritário; c) disciplinar a distribuição de gratificações a diretores e empregados; d) aperfeiçoar os mecanismos de auditorias, hoje precariamente realizados pelos conselhos fiscais; e) facilitar o funcionamento das sociedades de capital autorizado”.

Curiosamente, a sociedade anônima nem sempre é sociedade, no sentido convencional de reunião de pessoas com objetivo comum. O direito positivo brasileiro, até hoje, sempre repudiou a idéia de sociedade unipessoal. Não obstante, a subsidiária integral (art. 251) e a empresa pública (Decreto-lei n. 200, de 25.2.1967, art. 50, II; posteriormente alterado pelo art. 50 do Decreto-lei n. 900, de 29.9.1969)3 podem revestir-se da forma de sociedade anônima

3 Decreto-lei n. 200, de 25.2.1967 (“Dispõe sobre a Organização da Administração Federal, Estabelece Diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências).” Art. 5o Para os fins desta lei, considera-se: [...] II - empresa pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade

6 SOCIEDADE ANÔNIMA

unipessoal. Além disso, é possível que a companhia continue a existir, transitoria­mente, com um único acionista, nos termos do art. 206,1, d {Art. 206. Dissolve- se a companhia: [...] I - de pleno direito: [...] d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no art. 251L..]).

A Lei n. 6.404/76 sofreu algumas modificações no decorrer do tempo. As mais significativas foram introduzidas pelas Leis n. 9.457, de 5.5.1997, e n. 10.303, de 31.10.2001.

A companhia jamais é anônima. Toda sociedade anônima deve possuir uma denominação. E esta é uma das espécies de nome empresarial, ao lado da firma ou razão.

A companhia não pode ter firma ou razão social. Esta, devido ao princípio da veracidade, sempre deve mencionar o nome de um, algum ou todos os sócios atuais. Daí ser a companhia chamada sociedade anônima.

A expressão “anônima” liga-se também ao fato de que a companhia, potencialmente, congrega uma coletividade indefinida de sócios, cujo número pode atingir a cifra dos milhares ou milhões. Nesse quadro social de intensa e incontrolável rotatividade, será praticamente impossível constatar, em deter­minado momento, e com precisão, os nomes de todos os acionistas. Quem é acionista agora poderá já não sê-lo no instante seguinte. Para isso, basta que aliene suas ações a outra pessoa, em bolsa ou fora dela, em operação que refoge inteiramente ao controle ou interveniência da companhia.

O art. i° define como características da companhia a divisão do capital em ações e a limitação da responsabilidade dos sócios ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. O preço, que fixa o limite de responsabilidade do acionista, é aquele pelo qual a ação é subscrita na constituição da socie­dade, ou quando esta promove um aumento de capital por subscrição de novas ações. Não se confunde com 0 preço de revenda das ações no mercado secundário (na Bolsa de Valores ou fora dela).

A palavra “mercado”, neste contexto, possui a conotação de substantivo abstrato. Mercado não pressupõe, necessariamente, uma estrutura física ou organizacional. É apenas a denominação global de um conjunto ou fluxo de operações negociais. Assim, qualquer transação envolvendo papéis de emissão de sociedade anônima, aberta ou fechada,4 fará parte de um mercado específico.

econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito [...]”. (Grifos nossos).

4 Os conceitos de “companhia aberta” e “companhia fechada”, referidos no art. 40, serão estudados mais adiante.

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 7

O mercado de papéis de emitidos por companhias pode ser visualizado sob dois prismas, levando-se em consideração a seqüência cronológica de sua negociação. Num primeiro momento, quando os papéis são emitidos e adquiridos por seu primeiro titular, têm-se a operação de mercado primário. “Mercado primário é aquele para novas ações emitidas por companhias que tenham um projeto a implantar ou expandir, e que dependam de colocação de suas ações para conseguir levá-lo adiante” (Bulhões Pedreira, 1975). As operações subseqüentes, envolvendo os mesmos títulos, incluem-se todas na noção de mercado secundário.

O preço no mercado primário, que estabelece o limite de responsabilidade do acionista, pode ser igual ou superior ao valor nominal eventualmente osten­tado no certificado de propriedade da ação ou referido no estatuto da sociedade. Não pode ser inferior (art. 13). A eventual diferença entre o preço e o valor nominal denomina-se “ágio”. E constitui reserva de capital (art. 13, § 2o).

Valor nominal (expresso ou não no certificado de propriedade de ação) é o resultado da divisão do capital pelo número total de ações da companhia.

Valor de patrimônio líquido é 0 resultado da divisão da parcela cons­tante sob a rubrica “Patrimônio Líquido” (art. 178, § 2°, d) no último balanço aprovado pelo número total de ações da companhia.

Valor de cotação é 0 preço pelo qual as ações de uma companhia são negociadas em bolsa num determinado pregão (mercado secundário).

Preço de emissão é o valor fixado para a subscrição de ações na consti­tuição da companhia ou em aumento de capital desta (no mercado primário).

5. OBJETO SOCIAL, ATOS ULTRA VIRES, HOLDING PURA EHOLDING MISTA

A sociedade anônima pode ter objeto civil ou mercantil. Em qualquer das hipóteses, é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio (art. 20, § i°). Nada impede - e é até mesmo conveniente - que as sociedades civis, sem se revestirem da forma de sociedade anônima, adotem a estrutura organizacional desta, com assembléias-gerais, conselho de administração, diretoria, conselho fiscal etc.

A definição do objeto social de modo preciso e completo pelo estatuto social - como determina a lei, no § 2° do art. 2° - delimita a atuação da sociedade e de seus representantes, mas não afasta a existência de poderes implícitos dos administradores? Exemplo de poder implícito não definido

5 Sobre poderes implícitos dos administradores, ver o comentário ao § 6o do art. 159 {businessjudgment ru/é), no Capítulo 10.

8 SOCIEDADE ANÔNIMA

como objeto da sociedade é a contratação de empregados. Os atos ou atividades que extrapolem a precisa e completa definição do objeto social são chamados de ultra vires. Segundo a doutrina e a jurisprudência mais modernas, os atos ultra vires obrigam a sociedade. Mas esta poderá responsabilizar pessoalmente o administrador desobediente pela prática do ato ultra vires (arts. 158, II, e 159).

A expressão ultra vires pode ser traduzida, literalmente, por além das forças. Ato ultra vires é aquele praticado pelo administrador, além das forças a ele atribuídas pelo estatuto social, ou seja, com extrapolação dos limites de seus poderes estatutários.

A teoria ultra vires surgiu na Inglaterra no século passado. Segundo essa teoria, não é imputável à companhia o ato ultra vires, isto é: a sociedade não poderia ser responsabilizada por atos de administradores praticados além dos limites estatutários de sua atuação.

Modernamente, essa teoria acha-se em franca decadência. Conside­rando o dinamismo da vida empresarial, doutrina e jurisprudência constata­ram ser impossível exigir de quem contrata com a sociedade o exame e a avaliação dos poderes estatutários dos administradores a cada transação. Procura-se, assim, proteger a boa-fé de terceiros que contratam com a socie­dade acreditando na palavra de seu representante.

Compare os dois textos abaixo:

“Nos Estados Unidos, essa teoria (ultra vires) acha-se em pleno declínio. Como observa Brandeis, historicamente existiam limitações estritas para as atividades das sociedades anônimas, mas hoje as companhias, pra­ticamente, têm poderes ilimitados. Existem, todavia, alguns setores em que a teoria ultra vires ainda é aplicada nos Estados Unidos. São consi­derados ultra vires, a) a participação de sociedades anônimas em partnerships, b) os atos de liberalidade, neles compreendidos avais e fianças que não sejam em benefício da própria sociedade.”(Osmar Brina Corrêa-lima. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989, p. 61.)

“Não se confunda, todavia, a doutrina ultra vires com o abuso da razão social, quando o administrador, nas sociedades de pessoas ou mesmo nas sociedades de capitais, viola 0 estatuto praticando atos que este lhe vedava, como conceder fianças ou avais.”(Rubens Requião. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1988, v. 2, p. 186.)

O § 3o do art. 2° deixa claro que a companhia tanto pode ser uma holdingpura como uma holding mista.

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 9

A holding pura tem por objeto, exclusivamente, participar, como sócia, de outras sociedades. A holding mista tem por objeto, simultaneamente, uma empresa de fim lucrativo e a participação, como sócia, de outras sociedades.

6. CASO CREPALDI—MALAVAZI (R T 624125-128 - OUT. 1987)

Walter Crepaldi e outros constituíram sociedade civil, “por cotas de responsabilidade limitada”, cujo objeto consistia na “exploração de serviços profissionais de economia”. Posteriormente, transformaram-na em sociedade anônima.

Hélio Malavazi e outros ajuizaram contra a companhia, contra 0 diretor- presidente, contra o diretor vice-presidente e contra um acionista, ação ordi­nária originariamente denominada declaratória de existência de relação jurí­dica de depósito, mandato e crédito, cumulada com declaração de nulidade de partilha de bens em separação judicial amigável e com preceito condenatório.

Ficou provado que a companhia recebera dinheiro dos autores da ação, para aplicar no mercado mobiliário, com obrigação de restituí-lo após o prazo estipulado, com eventuais rendimentos. Os recibos, anexados à petição inicial pelos autores, referiam-se a “reservas de ações de reembolso”.

Essas “reservas de ações de reembolso” não visavam à aquisição de ações da companhia-ré, mas destinavam-se apenas e simplesmente à futura aplicação no mercado financeiro com futuro reembolso.

O i° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu que: a) os réus, na condição de administradores da companhia co-ré, atuavam na clara condição de depositários do numerário entregue pelos autores e, como mandatários, aplicavam o dinheiro no mercado mobiliário, com a obrigação de restituí-lo, após o prazo estipulado, com eventuais rendimentos; b) a sociedade-ré não fora constituída para fins outros senão o de encobrir ou dar aparência de legalidade às reais atividades de seus fundadores e responsáveis diretos, os co-réus, sob o manto diáfano da fantasia; c) os réus, indevida e ilegitimamente, sem condições legais para fazê-lo, e sob 0 disfarce da sociedade que constituí­ram, atraíam dinheiro dos autores para aplicá-lo no mercado mobiliário, para oportuna devolução com rendimento; d) 0 réu-acionista (nem controlador e nem administrador), desde a constituição da sociedade, sempre atuou de forma direta e com inequívoco conhecimento das atividades de seus sócios (“na condição de cotista ou na de acionista, era manifesta a sua participação, ativa e consciente, nas atividades de mentor de todo 0 negócio”).

Aparentemente, a decisão do Tribunal limitou-se a uma declaração, mas existe, no acórdão que julgou o caso, referência expressa à “eventual respon­sabilidade futura”.

10 SOCIEDADE ANÔNIMA

Comentário do caso Crepaldi-Malavazi

1. A Corte bandeirante limitou-se a julgar o caso nos limites da pretensão deduzida em juízo. E o fez corretamente.

2. 0 objeto da companhia deve ficar definido no estatuto social de modo preciso e completo (art. 2o, § 2o). Essa definição delimita o campo de atuação da sociedade. Atividades que extrapolem esse campo consti­tuem atos ultra vires, imputáveis à sociedade, mas acarretando a responsabilidade pessoal dos administradores (art. 158, II).

3. Definido o objeto social como “exploração de serviços profissionais de economia”, a aplicação de recursos financeiros alheios e a custódia de valores mobiliários de propriedade de terceiros constituem atos ultra vires.

4. No caso em tela, mais que ultra vires, tal atividade era ilícita, uma vez que privativa das instituições financeiras, sujeitas à prévia auto­rização governamental para funcionarem.

7. DENOMINAÇÃO SOCIAL E SUA PROTEÇÃO

A companhia - repete-se - jamais é anônima. Será sempre designada por uma denominação. Não pode adotar firma. A denominação deve vir, sempre, acompanhada das expressões “companhia” ou “sociedade anônima”, por extenso ou abreviadamente. A expressão “sociedade anônima” pode vir no início ou ao final da denominação. A expressão “companhia” deve vir sempre no início.

Eis alguns exemplos de denominação da companhia:

S.A Baco;• Baco SA.;• Sociedade Anônima Baco;

Baco Sociedade Anônima;• Cia. Baco;• Companhia Baco;• Benedito Antunes Correia de Oliveira, SA.;• Distribuidora de Vinhos Baco S.A.;• Distribuidora de Vinhos Benedito Antunes, S.A.

A denominação é elemento fundamental na vida da sociedade anônima. Por intermédio dela, a companhia adquire identidade junto ao público. Como tal, possui ela valor patrimonial. Integra o fundo de comércio.

Por outro lado, a denominação é nome de fantasia. Não se justifica, pois, a existência de homonímia, nem mesmo de eventual semelhança,

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 11

capaz de induzir a confusão ou erro. A proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de sociedades, ou de suas alterações. Não podem ser arquiva­dos iio Registro do Comércio os atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já existente (Lei n. 8.934, de 18.11.1994, arts. 33 e 35, V). Se a denominação for idêntica ou semelhante à de companhia já existente, assistirá à prejudicada 0 direito de requerer a modificação, por via administrativa ou em juízo, e demandar as perdas e danos resultantes (LSA, arts. 3°, § 2°, e 97).

A semelhança entre nomes é elemento de apreciação subjetiva. Trata-se de matéria de fato, apreciável em face de circunstâncias variáveis (STF, RE n. 81.313-6-PR, ZÍ/Z/6.4.1979). O STF julgou semelhantes os nomes Veplan- Residência, Empreendimentos e Construções S.A. e Viplan - Vitória Pla­nejamento Industriais e Construções Limitada (RE n. 89.424-MA, DJU 25.8.1978). Achou igualmente semelhantes os nomes Casa de Carnes Miami de Pinheiros Ltda. e Casa de Carnes Miami Ltda. (RE n. 85.778-8-SP, DJU 1°.6.1979). E julgou dessemelhantes os nomes Indústria Têxtil Cia. Hering e Cia. Heringer Indústria e Comércio de Malhas (RE n. 81.313-6-PR, D JU 6.4.1979)-

A denominação é, na verdade, 0 cerne do nome da sociedade. As expressões “companhia” ou “sociedade anônima”, por extenso ou abreviadamente, simplesmente acompanham a denominação.

O Quadro abaixo ilustra bem o que acaba de ser afirmado:

. ‘ Norné da SociedadeDenominação + Acompanhamento

Tome-se como exemplo o nome “Cia. Vale do Rio Doce”.O nome dessa empresa é, a rigor, “Vale do Rio Doce”. A abreviatura a ele

aposta por imposição legal qualifica a sociedade e visa a alertar os credores precisamente para o fato de que nela todos os sócios respondem apenas limitadamente pelas dívidas sociais. Não se pode conceber duas sociedades diferentes com 0 mesmo nome, apenas seguido de abreviaturas diferentes, porém significando a mesma coisa.

Não se pode conceber, por exemplo, duas “Vale do Rio Doce” dife­rentes, uma denominada “Cia. Vale do Rio Doce” e outra, “Vale do Rio Doce S.A.”. Nesse exemplo, tanto a abreviatura “Cia.” quanto a abreviatura “S.A.” qualificam a mesma pessoa jurídica “Vale do Rio Doce” como sociedade anônima.

12 SOCIEDADE ANÔNIMA

Proteção ao nome

0 nome empresarial acha-se protegido internacionalmente, por força da Convenção de Paris. Por isso mesmo, em diversos países do mundo não é possível o registro de duas sociedades com nomes idênticos ou sequer seme­lhantes. Muitas vezes, são levadas à Justiça disputas envolvendo o uso de nomes semelhantes, que poderiam induzir terceiros a alguma confusão. Os Tribunais costumam julgar tais conflitos com certa margem de subjetividade e discricionariedade.

A proteção estabelecida só se refere, é claro, ao cerne do nome empre­sarial, ou seja, à denominação propriamente dita. Obviamente, não poderia referir-se àquela complementação ou àquele acompanhamento da deno­minação, representados por expressões que identificam o tipo societário.

Desta forma, embora não possam existir, no Brasil, duas “Vale do Rio Doce”, nada impede que centenas ou milhares de sociedades utilizem, aqui, as expressões “Cia.” ou “S.A.”.

À luz do Direito nacional, podem existir milhares de construtoras cons­tituídas sob a forma de sociedade anônima, que adotem o mesmo complemento à sua denominação, seja ele “Cia.”, “S.A.”, “Sociedade Anônima” ou “Compa­nhia”. Mas só pode existir uma única “Construtora Babilônia”.

8. COMPANHIA ABERTA E COMPANHIA FECHADA

A companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam, ou não, admitidos à negociação no mercado (art. 4o). Já vimos o conceito de “mercado” no tópico 2, supra.

A caracterização da companhia como aberta ou fechada é extremamente importante. E possui inúmeros efeitos práticos.

A distinção entre companhia aberta e fechada é factual. Diz-se aberta a companhia que tiver os valores mobiliários admitidos à negociação no mercado. Caso contrário, diz-se fechada.

A Lei n. 6.385, de 1976, não apenas define os valores mobiliários, como também explicita títulos que não são considerados valores mobiliários:

Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobra­mento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;III - os certificados de depósito de valores mobiliários;IV - as cédulas de debêntures;

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 13

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;VI - as notas comerciais;VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; eIX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.§ i° Excluem-se do regime desta Lei:I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures.6

Para que a sociedade anônima possa ter os seus valores mobiliários admitidos à negociação no mercado são necessárias algumas formalidades burocráticas: registro da companhia e registros das emissões de valores mobi­liários na CVM (arts. 40, § i°, 170, § 6o, e 82). O registro da companhia somente poderá ser cancelado se preenchidas as condições do § 40 do art. 40; e dependerá de prévia avaliação da companhia.

O mercado de valores mobiliários é um segmento do mercado de capitais que, por sua vez, integra 0 chamado mercado financeiro. Examine 0 desenho abaixo:

• Mercado financeiro (círculo maior)• Mercado de capitais (círculo intermediário)

• Mercado de valores mobiliários (círculo menor)

6 Redação dada pela Lei n. 10.303, de 31.10.2001. A redação original do art. 2o, da Lei n. 6.385/76, incluía, no rol dos valores mobiliários, “outros títulos criados ou emiti­dos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional”. Essa expressão não consta da redação atual.

14 SOCIEDADE ANÔNIMA

Para a companhia aberta, o mercado de valores mobiliários funciona como um sistema de vasos comunicantes. As poupanças populares são capta­das e canalizadas para o financiamento dà atividade empresarial, por meio da aquisição de papéis emitidos pelas companhias para o autofinanciamento de seu capital de giro.

9. SISTEMA DE VASOS COMUNICANTES DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Observe o desenho a seguir:

1. Pequenas somas, de pequenos investidores, aglutinadas, podem for­mar um grande volume de recursos financeiros.

2. Esses recursos financeiros podem ser investidos em valores mobiliá­rios de companhias abertas.

3. Os valores mobiliários das companhias abertas podem ser negociados na Bolsa de Valores, por intermédio de suas Corretoras associadas.

4. Os investidores compram e vendem os valores mobiliários, direta­mente entre si ou com a intermediação das corretoras associadas às Bolsas de Valores.

5. No mercado primário de valores mobiliários, vislumbra-se 0 primeiro elo entre os investidores e a companhia; as operações de renego­ciação de valores mobiliários adquiridos por investidores operam-se no mercado secundário, no qual assumem especial relevo as Bolsas de Valores.

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 15

O mercado de valores mobiliários acha-se juridicamente estruturado. Nele, assumem especial importância os bancos de investimento, as corretoras, as distribuidoras de valores mobiliários, as bolsas de valores e, também, a Comissão de Valores Mobiliários.

As operações no mercado de valores mobiliários ocorrem, principalmen­te, nas Bolsas de Valores ou no mercado de balcão.

Bolsa (de Valores) é associação civil ou sociedade anônima; seu capital compõe-se de títulos patrimoniais ou de ações.7

São atividades de mercado de balcão as realizadas com a participação das sociedades corretoras e das distribuidoras de valores mobiliários, das sociedades e dos agentes autônomos, que exerçam atividades de mediação na negociação de valores mobiliários, bem como as entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários, excluídas as efetuadas em bolsa (Lei n. 6.385, de 1976, arts. 21, § 40, e 15,1, II e III).

10. NOTA IMPORTANTE SOBRE O PAPEL DA COMISSÃO DEVALORES MOBILIÁRIOS - CVM

A lei deixou a cargo da Comissão de Valores Mobiliários - CVM entidade autárquica vinculada ao Ministério da Fazenda, a regulamentação

7 A Resolução Bacen n. 2.690, de 28.1.2000, “altera e consolida as normas que discipli­nam a constituição, a organização e o funcionamento das bolsas de valores”. E o art. Io do seu Anexo dispõe 0 seguinte: “Art. 1 °As bolsas de valores poderão ser constituídas como associações civis ou como sociedades anônimas, tendo por objeto: I - manter local ou sistema adequado à realização de operações de compra e venda de títulos e/ou valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e fiscalizado pela própria bolsa, sociedades membros e pelas autoridades competentes; II - dotar, permanentemente, o referido local ou sistema de todos os meios necessários a pronta e eficiente realização e visibilidade das operações; III - estabelecer sistemas de negocia­ção que propiciem continuidade de preços e liquidez ao mercado de títulos e/ou valores mobiliários; IV - criar mecanismos regulamentares e operacionais que possibilitem o atendimento, pelas sociedades membros, de quaisquer ordens de compra e venda dos investidores, sem prejuízo de igual competência da Comissão de Valores Mobiliários, que poderá, inclusive, estabelecer limites mínimos considerados razoáveis em relação ao valor monetário das referidas ordens; V - efetuar registro das operações; VI - preservar elevados padrões éticos de negociação, estabelecendo, para esse fim, normas de comportamento para as sociedades membros e para as companhias abertas e demais emissores de títulos e/ou valores mobiliários, fiscalizando sua observância e aplicando penalidades, no limite de sua competência, aos infratores; VII - divulgar as operações realizadas, com rapidez, amplitude e detalhes; VIII - conceder, a sociedade membro, credito para assistência de liquidez, com vistas a resolver situação transitória, até o limite do valor de seus títulos patrimoniais ou de outros ativos especificados no estatuto social mediante apresentações de subsidiárias adequadas, observado o que a respeito dispuser a legislação aplicável; IX - exercer outras atividades expressamente autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários.” (Grifos nossos)

16 SOCIEDADE ANÔNIMA

de muitos de seus dispositivos aplicáveis à companhia aberta. Compete àquela autarquia regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas na Lei de Socie­dades por Ações (art. 4°A, § 40, e Lei n. 6.385, de 07.12.1976, arts. 50 e 8o). A disciplina jurídica da companhia aberta complementa-se, pois, por uma plêiade de normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pela Comissão de Valores Mobiliários.

Várias dezenas de artigos da Lei das Sociedades por Ações são “abertos” e prevêem expressamente a sua regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários. É muito importante, pois, que, na sua aplicação prática, o operador8 fique atento e: (i°) observe se a norma prevê a sua regulamentação pela CVM; e (20) se a CVM a regulamentou.

A Comissão de Valores Mobiliários, como todos os órgãos do serviço público (lato sensü), encontra dificuldades financeiras e burocráticas que dificultam a sua atuação, e isso se reflete no trabalho dos operadores do Direito. As normas regulamentares da CVM variam com freqüência e a sua pesquisa costuma ser difícil.

O site da CVM na internet é: <http://www.cvm.gov.br>.

Observação

Neste capítulo, o leitor está estabelecendo um primeiro contato com a sociedade anônima. Não deve preocupar-se, por enquanto, com a definição precisa de cada um dos termos empregados. Eles serão devidamente analisa­dos no decorrer do curso. 0 estudo da sociedade anônima não se concilia facilmente com uma metodologia linear, do tipo cartesiano. Como já mencio­nado, sua metodologia de estudo desenvolve-se em espiral. Cada um dos conceitos apresentados neste capítulo será reapresentado várias outras vezes, em contextos diferentes, e aplicado com 0 estudo de casos.

11. OBJETO E FIM SOCIAIS

Objeto da sociedade é a sua atividade-meio. Seu fim é o lucro.9 O fim é o primeiro na intenção, mas 0 último na execução. Nota-se, a respeito, uma

8 A expressão “operadores do Direito” parece antipática e imprópria, à primeira vista. Mas é correta. 0 ordenamento jurídico aplica-se a todas as pessoas, naturais e jurídicas. As leis devem ser observadas por todos. Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece. Freqüentemente, pessoas leigas em Direito e profissio­nais de outras áreas do conhecimento precisam aplicar e operacionalizar normas jurídicas e, nem sempre, podem contar com a ajuda de um profissional do Direito!

9 Neste ponto, impõe-se a cogitação: - até que ponto esse fim justifica os procedimen­tos empregados para atingi-lo?

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 17

certa imprecisão terminológica, tanto na própria lei, quanto na doutrina e na jurisprudência. Para Trajano de Miranda Valverde, por exemplo, “entende-se por objeto da sociedade o fim para que é constituída” (Valverde, 1941:44). Modesto Carvalhosa, comentando 0 art. 206, II, b, da LSA,10 que prevê a dissolução da companhia por não estar ela atingindo o seu fim, explica que 0 termo “fim” aí aparece com duplo alcance. No plano contratual, significa a atividade empresarial estabelecida no estatuto. No sentido teleológico, a meta de toda a empresa sob a forma de sociedade anônima, qual seja, a produção de lucros (Carvalhosa, 1977:4).

Examine e compare os Casos EBSA e Mofarrej:

12. CASO EBSA

(ATJ-STF 65/589)

A EBSA - Indústria de Papel e Papelão - constituiu-se para a exploração industrial e comercial do papel e do papelão. No entanto, desde o início, afastou-se do objeto social sem modificar o estatuto, transformando-se em mera administradora de um imóvel, por ela construído, e onde foi integral­mente aplicado 0 seu capital. Com esta nova atividade, gerava lucros e distri­buía dividendos. Acionistas que toleravam essa situação há vários anos, re­quereram a dissolução da sociedade, alegando que ela não estava preenchendo0 seu fim, porque não fabricava e nem vendia papel e papelão. Em parecer constante dos autos, o Prof. Oscar Barreto Filho concluiu que “a conseqüência da alegada mudança do objeto social da sociedade, com a qual não concordam os acionistas dissidentes, será eventualmente a sua retirada, com o reembolso das ações; nunca a decretação da liquidação da sociedade”. O Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, apreciando o caso, se colocou a seguinte questão: - só o fato de a sociedade dar lucros implica a conclusão de que está atingindo a seus fins? E respondeu negativamente à questão, dissolvendo a sociedade.

13. CASO MOFARREJ

(^433/304)

A Mofarrej S.A. era companhia fechada, familiar, composta, principal­mente, por três irmãos. Durante cerca de quinze anos, sonegou dividendos aos acionistas, revertendo os lucros à empresa, com 0placetda assembléia-geral.

10 “Art. 206. Dissolve-se a companhia: [...] II - por decisão judicial: [...] b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social [...].”

i8 SOCIEDADE ANÔNIMA

Ocorrendo dissidência entre os irmãos-sócios, José Mofarrej requereu a dis­solução da sociedade, por não estar ela atingindo o seu fim. A ação, com lances interessantíssimos, foi ajuizada e julgada na vigência do Decreto-lei n. 2.627/40, que não continha norma sobre dividendo obrigatório. O Poder Judiciário dissolveu a sociedade, argumentando o seguinte: “Subtraindo ao demandanteo seu direito inconteste à participação nos sucessos econômicos do empreen­dimento, tem-se que a sociedade não está atendendo ao seu fim, sendo de acolher-se o pedido formulado com a petição inicial”.

14. CASO DOURADO

(Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,Apelação n. 64.937 ~ Comarca de Rio Bonito - Apelante: Indústria deTecidos de Dourado S A Apelado: Elias Maluf. Relator: Des. J. M. Gonzaga).

Elias Maluf ajuizou ação de dissolução da Indústria de Tecidos DouradosS.A. Eis alguns excertos do acórdão, que confirmou a dissolução: “O fim lucrativo é condição inerente das sociedades anônimas. Mister se faz, para a sua existência, que produza lucros. O lucro ‘a ser distribuído pelos acionistas é da essência das sociedades anônimas’, segundo preleciona o eminente Trajano Valverde, na sua extraordinária obra [...]. Não fica aqui o argumento do ilustre mestre. Pondera incisivamente que ‘somente a empresa de fim lucrativo pode ser objeto da sociedade anônima ou companhia’ [...]. No caso em tela, emerge à tona das provas coligidas no bojo do processo que a [Dourado], de há muito, não preenche a finalidade de sua constituição. Há anos não distribui dividendos, e isso, conforme se ressaltou com apoio do inconfundí­vel mestre, é da essência das sociedades anônimas.[.„] ficou plenamente provado que a [Dourado], de há muito, não preenche a finalidade da sua constituição, não tendo conseguido, até agora, distribuir dividendos aos acionistas [...]. Provou-se que a [Dourado] só tem dado prejuízos aos acionistas; ressaltou-se a impossibilidade de distribuição de dividendos, a divergência entre [Elias Maluf] e diretoria da [Dourado] [...], e finalmente, a incapacidade [dos diretores]: um agricultor e outro ferroviário, numa indústria de tecela­gem. [...] não houve, durante 0 tempo de sua existência, o pagamento sequer de dividendo, o que vem provar não ter [a Dourado] preenchido o seu fim, que seria dar lucro com a venda dos tecidos produzidos.[...] Como poderia sobre­viver uma sociedade que só dá prejuízos, e não distribui dividendos? Como poderia lograr preencher sua finalidade tendo à testa um fazendeiro-agri- cultor e um ferroviário? Como se levantaria da hecatombe nas mãos de leigos? Além desses motivos ponderáveis, há o político, que veio trazer a discórdia e

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 19

divergência entre a atual diretoria e [Elias Maluf], que exerce, em Dourado, o cargo de Prefeito Municipal. Desejando derrubá-lo, o partido contrário conse­guiu, através da referida diretoria, comprar o maior número de ações e eleger- se. Daí o lamentável ‘jogo político’ que é uma verdadeira obra maquiavélica (coisa pública e notória em Dourado), para desprestigiar o autor”.

Comentário do Caso Dourado

A decisão, correta, aponta uma circunstância fática curiosa, mas não muito bem esclarecida no texto do acórdão: a aquisição de ações de uma companhia como peça de um jogo maquiavélico da política interiorana para desprestigiar e tentar derrubar o Prefeito Municipal...

15. SOCIEDADE ANÔNIMA SEM FINALIDADE LUCRATIVA

O art. 2o dispõe que “pode ser objeto da companhia qualquer empresa de ' fim lucrativo”. E acrescenta: “qualquer que seja o seu objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio”.

Observe-se que o verbo empregado no dispositivo legal é “poder”, e não “dever”. O verbo “poder” significa uma faculdade. O verbo “dever”, uma obrigação.

Assim, em princípio, e embora estranha, não se deve repudiar a idéia de uma sociedade anônima ou companhia sem fim lucrativo.

Na verdade, parecem coexistir, atualmente, duas tendências acentuadas: Ia) a concepção da Lei das Sociedades por Ações como verdadeiro Código do Direito Societário brasileiro; 2a) a adoção da estrutura societária instituída pela Lei das Sociedades por Ações como a forma ou “fôrma” comum a ser adotada por qualquer sociedade ou associação. A Lei n. 9.841, de 5.10.1999, confirma essa dupla tendência. Veja no tópico seguinte.

16. SOCIEDADE DE GARANTIA SOLIDÁRIA (LEI N. 9.841, DE5.10.1999)

Já vimos, que existe certa imprecisão terminológica quanto aos concei­tos de objeto e fim sociais, tanto na própria lei, quanto na doutrina e na jurisprudência.

A Lei n. 9.841, de 5.10.1999, permite a constituição de “sociedade de garantia solidária” sob a forma de sociedade anônima. E, ao fazê-lo, a um tempo, 1) confirma aquela dupla tendência, apontada no tópico anterior; 2) confirma a imprecisão terminológica apontada; e 3) traz novos elementos

20 SOCIEDADE ANÔNIMA

para a exegese do art. 2o da Lei das Sociedades por Ações. Eis o seu texto, na parte que interessa aqui:

Lei n. 9.841, de 5.10.1999 - “Institui o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, dispondo sobre o tratamento jurídico dife­renciado, simplificado e favorecido previsto nos arts. 170 e 179 da Consti­tuição Federal” - (arts. 25 a 31):

Art. 25. É autorizada a constituição de Sociedade de Garantia Solidária, constituída sob a forma de sociedade anônima, para a concessão de garantia a seus sócios participantes, mediante a celebração de contra­tos. [Grifo nosso].Parágrafo único. A sociedade de garantia solidária será constituída de sócios participantes e sócios investidores:I - os sócios participantes serão, exclusivamente, microempresas e empresas de pequeno porte com, no mínimo, dez participantes e partici­pação máxima individual de dez por cento do capital social;II - os sócios investidores serão pessoas físicas ou jurídicas, que efetuarão aporte de capital na sociedade, com 0 objetivo exclusivo de auferir rendi­mentos, não podendo sua participação, em conjunto, exceder a 49% (quarenta e nove por cento) do capital social.

Art. 26. O estatuto social da sociedade de garantia solidária deve estabelecer. (Grifo nosso.)I -finalidade social, condições e critérios para admissão de novos sócios participantes e para sua saída e exclusão;II - privilégio sobre as ações detidas pelo sócio excluído por ina­dimplência;III - proibição de que as ações dos sócios participantes sejam oferecidas como garantia de qualquer espécie; eIV - estrutura, compreendendo a Assembléia-Geral, órgão máximo da sociedade, que elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração, que, por sua vez, indicará a Diretoria Executiva.

Art. 27. A sociedade de garantia solidária é sujeita ainda às seguintes condições:I - proibição de concessão a um mesmo sócio participante de garantia superior a dez por cento do capital social ou do total garantido pela sociedade, o que for maior;II - proibição de concessão de crédito a seus sócios ou a terceiros; eIII - dos resultados líquidos, alocação de cinco por cento, para reserva legal, até 0 limite de vinte por cento do capital social; e de cinqüenta por cento da parte correspondente aos sócios participantes para o fundo de risco, que será constituído também por aporte dos sócios investidores e de outras receitas aprovadas pela Assembléia-Geral da sociedade.

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 21

Art. 28. O contrato de garantia solidária tem por finalidade regular a concessão da garantia pela sociedade ao sócio participante, mediante o. recebimento da taxa de remuneração pelo serviço prestado, devendo fixar as cláusulas necessárias ao cumprimento das obrigações do sócio beneficiário perante a sociedade.Parágrafo único. Para a concessão da garantia, a sociedade de garantia solidária poderá exigir a contra garantia por parte do sócio participante beneficiário.

■ Art. 29. As microempresas e as empresas de pequeno porte podem oferecer as suas contas e valores a receber como lastro para a emissão de valores mobiliários a serem colocados junto aos investidores no mercado de capitais.

Art. 30. A sociedade de garantia solidária pode conceder garantia sobre 0 montante de recebíveis de seus sócios participantes, objeto de securitização, podendo também prestar o serviço de colocação de recebiveis junto a empresa de securitização especializada na emissão dos títulos e valores mobiliários transacionáveis no mercado de capitais. Parágrafo único. O agente fiduciário de que trata o caput não tem direito de regresso contra as empresas titulares dos valores e contas a receber, objeto de securitização.

Art. 31. A função de registro, acompanhamento e fiscalização das socie­dades de garantia solidária, sem prejuízo das autoridades governamentais competentes, poderá ser exercida pelas entidades vinculadas às microempresas e às empresas de pequeno porte, em especial o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae, mediante convênio a ser firmado com o Executivo.

A “sociedade de garantia solidária” constituída sob a forma de compa­nhia tem por objeto “a concessão de garantia a seus sócios participantes, mediante a celebração de contratos” (Lei n. 9.841, art. 25). Dentre os “contra­tos”, referidos no art. 25, da Lei n. 9.841, insere-se, naturalmente, 0 contrato de fiança.

O art. 26 da Lei n. 9.841/99 não se refere à finalidade lucrativa. Refere-se a “finalidade social”.

É certo que o contrato de fiança tanto pode ser gratuito como oneroso. Contudo, à luz do esquema tradicional do Direito Empresarial, não é fácil conceber que uma empresa possa, simultaneamente: a) ter por objeto “a concessão de garantia a seus sócios participantes, mediante a celebração de contratos” e b) ter finalidade lucrativa e, principalmente, produzir lucros...

22 SOCIEDADE ANÔNIMA

17. QUESTÕES

1. Correlacione a teoria dos atos ultra vires com a noção de poderes implícitos dos administradores de companhia.

2. Reflita sobre o seguinte trecho: “É sabido que as sociedades anônimas se caracterizam pelo fato de terem o capital dividido em partes iguais, de ser limitada a responsabilidade do sócio ao valor das ações subscritas ou adqui­ridas e de haver livre cessibilidade das ações. Esses princípios constam, expressa ou implicitamente, de todas as leis das sociedades anônimas e a lei brasileira os consagra nos arts. Io, 11, § 2°, 29 e 36. Entretanto, tais princípios não são exclusivos das sociedades anônimas, podendo ser encontrados também em outras sociedades. Talvez se possa dizer com mais precisão que tais princípios não caracterizam as sociedades anônimas, porque existem em outras sociedades, sendo da maior importância para a conceituação desses outros tipos sociais” (Martins, 1988:6).

3. Se a sociedade anônima não é anônima, por que tem esse nome? Para responder a esta pergunta, reflita sobre o seguinte texto: “Um conceito não é certamente uma coisa; mas também não é apenas a consciência de um conceito. Um conceito é uma ferramenta e uma história, isto é, um feixe de possibilidades e de obstáculos, comprometidos num mundo vivido” (Granger, 1960:23).

4. Pense nas diferenças práticas entre as vidas das sociedades “Clínica de Cirurgia Plástica Vênus Ltda." e “Clínica de Rejuvenescimento Miracle S A ”.

5. Compare as duas decisões abaixo:

“Produzem confusão as denominações INDÚSTRIAS C. FABRINI e FABRINA - INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.”(decisão unânime)(TJSP, Ap.Cív. n. 1.296-i-Campinas, RDM, 41:118-119 (jan./mar. 1981)

“Não produzem confusão as denominações METALÚRGICA ABRAMO EBERLE S.A. e EBERLE MULTIMATRIZES LTDA. Apenas a inclusão do patronímico de sócio fundador na denominação de sociedade não é suficiente para configurar a semelhança proibida.”(decisão majoritária)(TJRGS, Ap.Cív. n. 500407796-Caxias do Sul, Revista Jurídica, 105:164-181 (maio/jun. 1984).

6. Reflita sobre o conteúdo dos arts. i°, IV, 30, e 170 da Constituição Federal de 1988 e sobre a importância do papel da sociedade anônima, enquanto relacionada com aqueles dispositivos constitucionais (“Art. x° A República

AS VÁRIAS FACES DA SOCIEDADE ANÔNIMA 23

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”; “Art. 30 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir 0 desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente;VII - redução das desigualdades regionais e sociais. VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos 0 livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”).

Capítulo 2

In t r o d u ç ã o à n o ç ã o DE CAPITAL SOCIAL

1. CAPITAL SOCIAL: MOEDA E LOCALIZAÇÃO NO BALANÇOSOCIAL

Segundo a redação original da lei, o valor do capital social, expresso em moeda nacional, deveria ser corrigido periodicamente. A expressão da corre­ção monetária, obtida por ocasião do balanço do exercício social, caracteriza­va reserva de capital, competindo à assembléia-geral ordinária (AGO) aprová- la e deliberar a sua capitalização (arts. 132, IV, e 167), aumentando o capital.

Contudo, uma lei posterior extinguiu a correção monetária das demonstra­ções financeiras para fins societários e fiscais, a partir de Io de janeiro de 1996:

Lei n. 9.249, de 26.12.1995

(Altera a Legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, bem como da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, e dá outras providências):

Art. 4o. Fica revogada a correção monetária das demonstrações finan­ceiras de que tratam a Lei n. 7.799, de 10 de julho de 1989, e o art. Xo da Lei n. 8.200, de 28 de junho de 1991.Parágrafo único. Fica vedada a utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários.

O capital revela-se estático, embora não imutável. Pode ser modificado (aumentado ou reduzido). Não se confunde com a noção de patrimônio, que é extremamente dinâmico. O patrimônio é 0 complexo das relações jurídicas de uma pessoa, tendo estas valor econômico (Beviláqua, 1959:231), abrangendo créditos e débitos.

Contabilmente, o patrimônio da companhia é “fotografado” pelo balanço patrimonial. O capital integra o patrimônio líquido, que é a diferença entre o ativo e o passivo real ou exigível (arts. 178, § 2°, d).

INTRODUÇÃO À NOÇÃO DE CAPITAL SOCIAL 25

ATIVO PASSIVO

• (passivo real ou exigível)............80,00

!• (passivo fictício ou não exigível):

Patrimônio liquidcr.Capital........................................ 20,00

100,00 100,00

No passivo, encontram-se dois grupos heterogêneos de contas. Uma terminologia hoje aparentemente abandonada ilustra bem essa realidade: i°) o passivo real ou exigível z 2°) o passivo fictício ou não exigível\ hoje coloca­do sob a rubrica “patrimônio líquido”.

2. FORMAÇÃO DO CAPITAL E AVALIAÇÃO DE BENS

O capital social poderá ser formado mediante contribuições em dinheiro ou qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. No balanço patrimonial, a cifra do valor da avaliação dos bens que entrarem para a formação do capital integrará a do capital social. E os bens propriamente ditos integrarão o ativo permanente imobilizado (art. 178, § Io, c, e 179, IV).

Regra geral, a lei não exige um capital mínimo para a constituição de companhias. Exceções são encontradas em leis especiais. Entre as exceções se acham as companhias seguradoras, as financeiras, as de arrendamento mer­cantil {leasing) e as empresas comerciais exportadoras (trading companies).

O capital social das instituições financeiras públicas e privadas será sempre realizado em moeda corrente (Lei n. 4.595, de 31.12.1964, art. 26).

A lei cuida para que, na avaliação dos bens destinados à formação do capital social, haja honestidade e lisura por parte dos subscritores, dos avalia­dores e da assembléia-geral. O legislador procura prevenir e evitar, neste particular, o conflito de interesses, 0 abuso de direito de voto na assembléia- geral que aprovar 0 laudo de avaliação (art. 115) e, sobretudo, o denominado “capital aguado”, capaz de induzir eventuais credores a erro. Diz-se que ocorre o fenômeno do “capital aguado” quando 0 pagamento das ações subscritas for efetuado em bens superavaliados. A superavaliação dos bens acarreta a responsabilidade civil dos avaliadores e dos subscritores perante a companhia e terceiros, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido (art. 8o, § 6o).

A expressão “capital aguado” refere-se a uma cifra de capital sem lastro equivalente no patrimônio social, em decorrência da superavaliação dos bens

26 SOCIEDADE ANÔNIMA

incorporados ao ativo permanente imobilizado. Essa situação lembra prática comum na venda de gado: os animais são forçados a consumir dose excessiva de sal, o que os leva a beber grandes quantidades de água, aumentando artificialmente o seu peso.

As ações representativas do capital social, em tal circunstância, também podem ser chamadas de “ações aguadas”.

Casos de capital aguado costumam ocorrer com maior freqüência nas hipóteses de avaliação de estabelecimentos comerciais ou fundos de comércio.

Em nenhuma hipótese os bens poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor acima do que lhes tiver atribuído o subscritor. O pressuposto básico, aqui, é o de que ninguém melhor que o proprietário para avaliar o seu bem.

Na falta de declaração expressa em contrário, os bens transferem-se à companhia a título de propriedade (art. 90).

A transferência de bens do subscritor - pessoa física ou jurídica - para a sociedade é um ato de alienação e, como tal, exige, para sua validade, o cumprimento das formalidades próprias desse ato (STF, RE n. 85.100-3-SP, XW719.5.1978).

Com o objetivo de estimular a constituição e 0 fortalecimento das empresas, a Carta Magna de 1988 estabelece a não-incidência do imposto sobre a trans­missão de bens e de direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização do capital, salvo se a atividade preponderante da sociedade for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil (Constituição Federal de 1988, art. 156, § 20, 1).

A incorporação de imóveis para a formação do capital social não exige escritura pública (art. 89). Mas exige registro no Cartório de Registro de Imóveis (“Quem não registra não é dono”). Nesta hipótese, será registrada a escritura pública de constituição da companhia ou a ata da assembléia-geral de constituição ou, ainda, a ata da assembléia-geral que deliberar sobre o aumento de capital. Exige-se, ainda, a outorga uxória, quando se tratar de subscritor casado (Código Civil de 1916, art. 235; Código Civil de 2002, art. 1.647, H).

As modificações do capital social serão estudadas em outro capítulo.

3. CASO SEE VS. HEPPENHEIMER

(Court of CH. of New Jersey, 1905. 69 N.J. 36,61 A. 843)

A Columbia Straw Paper Co. comprou 39 fábricas de papel, emitindo, por elas, debêntures e ações de seu capital, no valor de 5 milhões de dólares. A Columbia tomou-se insolvente. Ficou demonstrado que os antigos “donos”

INTRODUÇÃO À NOÇÃO DE CAPITAL SOCIAL 27

das 39 fábricas de papel haviam pago menos que 2,5 milhões de dólares por elas. Na ação ajuizada contra os subscritores, estes alegaram que a avaliação em 5 milhões de dólares considerara a expectativa de lucros proveniente da supressão da competição. A Corte de New Jersey entendeu que embora a avaliação de uma empresa possa considerar o seu estabelecimento (goodwill), o mero aviamento consistente na expectativa de lucros, decorrente da supres­são da concorrência, não constitui um valor real para o efeito de quitar ações emitidas e subscritas. Segundo aquele Tribunal, qualquer diferença substancia] entre 0 justo valor de mercado dos bens e o preço das ações emitidas por eles caracteriza o aguamento do capital, acarretando a responsabilidade do acionista independentemente da boa-fé da companhia.

Essa decisão passou a ser criticada nos Estados Unidos. Como resultado dessas críticas, houve uma mudança na jurisprudência. E os Tribunais passaram a responsabilizar os acionistas apenas naquelas hipóteses em que tenha ficado demonstrada a existência de uma superavaliação ou uma deturpação enganosas.

Aviamento é o grau de eficiência, a qualidade que tem o estabelecimento de dar lucros, que Rocco define como sendo a capacidade do estabelecimento, pela sua composição e pelo impulso, dado à sua organização, de produzir economicamente e de dar lucròs ao empresário (João Eunápio Borges).

4. AVALIAÇÃO DA COMPANHIA

Já vimos, no Capítulo anterior, que 0 registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se preen­chidas as condições do § 40 do art. 40. E dependerá de prévia avaliação da companhia.

O mesmo § 40 do art. 40 enumera exemplificativamente alguns critérios para a avaliação da companhia, esclarecendo que eles poderão ser adotados de forma isolada ou combinada.

No art. 4oA, a lei prevê a possibilidade de realização de nova avaliação, pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 40 do art. 4°

A propósito de avaliação de empresas, vale a pena ler o seguinte artigo:

QUANTO VALE UMA EMPRESA(Por Elpídio Marinho de Mattos, G azeta Mercantil de 8 .1 .1994)

A crise brasileira dos anos 90, agravada Em outras, a crise serviu para aguçar os pro-pela abertura dos mercados à concorrência blemas de sucessão e, tanto num como noestrangeira, trouxe à tona os problemas estru- outro caso, a saída, o mais das vezes, temturais de muitas empresas, familiares ou não. sido passar 0 negócio à frente, vender a em -

28 SOCIEDADE ANÔNIMA

presa, ou então provocar uma cisão, entre­gando, o sócio que fica, ao sócio que vai, a parte que a este cabe no capital da empresa. Uma cisão, às vezes, enfraquece a empresa e abre caminho para uma alienação futura.

Avaliar o crescimento desse mercado, de compra e venda de empresas, não é tarefa fácil, nem os especialistas se aventuram a isso. Grandes transações não chegam às ve­zes a ser divulgadas. Neste momento, no Bra­sil afora, há dezenas e dezenas de pequenas e médias empresas sendo oferecidas sem que a transação venha a público. Só quando a empresa é de capital aberto, ou mesmo que fechada, pertencente a um grande grupo, è que a mudança de controle é divulgada.

Divulgadas ou não, a verdade é que essas operações de compra e venda de empresas ampliaram também o mercado de avaliações e têm contribuído para aumentar o faturamento de firmas de auditoria e consultoria.

Margem de erro

Mas avaliar uma empresa como objeto de venda é uma tarefa bem complicada e mesmo as mais experientes firmas especializadas con­fessam existir uma margem de risco. Quando um avaliador entrega seu parecer afirmando que tal empresa vale tanto, ele está jogando com variáveis que poderão ser válidas no mo­mento mas que não se confirmarão no futuro.

O que o comprador quer saber é se o preço que o atual controlador está pedindo pela sua empresa lhe dará um retorno ao longo de de­terminado número de anos compatível com o investimento e o risco que está assumindo.

O método de avaliação mais utilizado pelas firmas especializadas é o chamado “Valor pre­sente do caixa projetado", ou o que os norte- am ericanos cham am de “Discounted cash flow". Como explica Antônio Cláudio Carmona Corrêa, especialista em avaliação da Deloitte Touche Tomatsu, pode-se encontrar o valor de um a em p re s a p ro je tan d o o seu faturamento e lucro por cinco, oito, dez ou mais anos, dependendo do ciclo operacional e do ramo de negócios e sempre tendo em vistao potencial de vendas e lucros.

Sérgio Murashima, gerente da área de finan­ças da Trevisan & Associados, menciona dois critérios para chegar ao valor dos negócios à venda. Um deles é expor todos os ativos e passi­vos da empresa à luz do mercado, para saber quanto esses ativos poderão gerar de caixa ao longo de determinado período. Para as empre­sas industriais e comerciais, a projeção costuma ser feita por dez anos, ano a ano. Quando se trata de empresa com faturamento sazonal, a projeção do fluxo de caixa se faz mês a mês, para que a margem de erro seja menor.

Em alguns casos, quando a em presa é “perpétua", o período de projeção pode ser bem maior, pois os ativos têm m aior duração. Um a usina de energia elétrica, por exem plo, pode ter o seu valor de mercado avaliado através do fluxo de caixa projetado ao longo de duas ou mais dezenas de anos, pois são ativos duradouros que só uma catástrofe po­derá destruir.

Um outro critério de avaliação, este mais sim­ples, mas nem por isso fácil, é o do patrimônio liquido ajustado. Se uma empresa tem 100 de ativos é dívidas de 20, o patrimônio líquido, evi­dentemente, é de 80. Mas isso é apenas um ponto de partida. Em geral, as cifras do balanço são históricas e para se encontrar o patrimônio líq u ido real é preciso p roceder a um a reavaliação, por firma especializada, trazendo a valor presente todas as contas a pagar e a rece­ber, e atualização do valor de mercado dos ati­vos fixos da empresa.

Para Murashima, a avaliação pelo critério de fluxo de caixa projetado é mais justa por­que identifica oportunidades, mostra quanto valem esses ativos quando expostos ao m er­cado. Tam bém são levadas em consideração as tendências do m ercado em que a empresa opera, assim como tam bém a questão das matérias primas, o acesso fácil ou difícil a elas, o que está acontecendo e o que poderá acontecer com os custos fixos.

Negociações anteriores

Geralmente, quando uma empresa pede a uma firma especialista uma avaliação de seus

INTRODUÇÃO À NOÇÃO DE CAPITAL SOCIAL 29

negócios, as partes, 0 vendedor e o compra­dor, já percorreram um longo caminho de ne­gociações. E dificilmente o mesmo avaliador trabalha para as duas partes.

Mário Orlandi, diretor do Fundamento As- sessoria de Comunicação, identifica outros fa­tores importantes na avaliação de uma em pre­sa. D iz ele que os intangíveis devem ser clara­m ente identificados: treinamento interno, a marca, os limites de crédito junto aos bancos e fornecedores, 0 histórico de relacionamento com clientes importantes, os canais de distri­

buição, as cotas de exportação, os contratos de royalties e assistência técnica, e tantos ou­tros ativos, não avaliados em balanço, mas fundam entais para a obtenção do lucro.

A identificação do comprador tam bém é essencial - diz Orlandi Se a “m arca” é forte e a situação financeira difícil, o melhor com­prador é 0 que tem estrutura para aproveitar as oportunidades do mercado e que tem sobra de caixa. Um comprador que esteja “afogado" em dívidas não potencializará 0 valor da m ar­ca e não acreditará nas projeções financeiras.

“A avaliação costuma oscilar entre dois extremos. Num extremo, a consi­deração da empresa enquanto organismo vivo e atuante, produtor de lucros razoáveis por um período indefinido no futuro (going concerri). Noutro extremo, a empresa com perspectiva de um período curto de atividade, após o qual ela se ‘sucatearia’. Nos Estados Unidos, tanto a Securities and Exchange Commission quanto as Cortes têm rejeitado valores contábeis e custos originais como critérios não confiáveis, fixando como parâmetro o primeiro dos extremos acima apontado {going concem pattem ), determinado pela prospecção de lucros capitalizados a uma taxa comensurável com os riscos inerentes da empresa. O afastamento desse padrão só tem sido admitido quando se trata de incorporação ou fusão de empresas insolventes” (Corrêa-Lima, 1993:58).

5. QUESTÕES

1. Obtenha (em jornais ou em outras fontes) o balanço patrimonial de uma sociedade empresária. Observe, atentamente, como ele se estrutura. Procure compreender por que o ativo sempre se apresenta igual ao passivo. Identi­fique, nele, o capital e o patrimônio líquido. Observe como eles se relacionam.

2. Recapitule os conceitos de imunidade, não-incidência e isenção, do Direito Tributário. Um deles é referido no texto.

3. Incide 0 ICMS sobre a transferência de bens móveis para formação do capital da companhia?

4. Reflita sobre o conteúdo dos §§ 30 e 40 do art. 8o, procurando com­preendê-los bem.

5. A antiga Lei das Sociedades por Ações (Decreto-lei n. 2.627/40) rezava o seguinte: “A avaliação não é necessária quando os bens pertencerem em comum ou em condomínio a todos os subscritores. Nesta hipótese, o valor dos bens será o que os subscritores lhe derem”. Você entende que tal dispositivo eximia os subscritores de responsabilidade pelo eventual “capital aguado”?

Capítulo 3A ç õ e s

l. VALOR NOMINAL

O capital da companhia é dividido em ações. Esta tem sido considerada uma das características deste tipo societário.

As ações terão, ou não, valor nominal.É possível que, numa mesma companhia, coexistam ações com valor

nominal e ações sem valor nominal. Com relação a estas últimas, entretanto, será sempre possível obter-se o que seria o seu valor nominal. Para tanto, basta que se divida a cifra do capital social pelo número de ações da compa­nhia. Numa mesma sociedade, o valor nominal eventualmente indicado no estatuto e ostentado nos certificados de propriedade de ações será o mesmo para todas elas.

A rigor, não se pode afirmar que uma ação não possui valor nominal. Quando a lei se refere a ações sem valor nominal, isso significa, apenas, que tais ações não possuem o seu valor nominal referido no estatuto social ou ostentado nos respectivos certificados.

Por ser ilusório, sobretudo numa economia inflacionária, e também por considerações de ordem prática, é recomendável que as ações não possuam valor nominal.

O valor nominal das ações, inconveniente sob vários aspectos, não se confunde com o preço de emissão, nem com o valor de patrimônio líquido, e, muito menos, com o valor de cotação na Bolsa de Valores.

■ÁÇÍIOJ * ■■■ -e-

Valor nominal * Preço de | * Valor de Pi Valor deemissão j patrimônio líquido cotação

AÇÕES 31

2. PREÇO DE EMISSÃO E ÁGIO

O preço de emissão de ações não pode ser inferior áo valor nominal, sob pena de responsabilidade civil e criminal dos infratores. Se o preço de emissão for superior ao valor nominal, a diferença, denominada “ágio”, constituirá reserva de capital (art. 13, § 20).

Ação:Preço de emissão » Valor nominal

A fixação do preço de emissão, na constituição da companhia, levará em consideração as condições de mercado e a lei da oferta e da procura. Nas emissões para aumento de capital mediante subscrição de novas ações, a fixação do preço deverá observar os parâmetros do art. 170, § i°: “O preço de emissão deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham direito de preferência para subs­crevê-las, tendo em vista, alternativa ou conjuntamente: I - a perspectiva de rentabilidade da companhia; II - O valor de patrimônio líquido da ação;III - a cotação das ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das condições de mercado”.

3. ESPÉCIES, CLASSES E FORMAS DE AÇÕES

Existem vários critérios classificatórios das ações, alguns deles adotados pela própria lei.

Quanto ao valor nominal: ações com valor nominal e ações sem valor nominal.

Quanto à corporificação: ações corporificadas em certificados e ações não corporificadas em certificados. As ações são bens móveis incorpóreos. Não são coisas. Os certificados de propriedade de ações, bens móveis corpóreos ou coisas móveis.

“Da maneira como se acha disciplinado pela Lei n. 6.404, o regime jurídico das ações escriturais suscita certas perplexidades conceituais” (Teixeira & Guerreiro, 1979). Uma dessas perplexidades, apontada por Teixeira e Guerreiro, decorre da dificuldade de se conciliar a natureza de bens incorpóreos, atribuída às ações escriturais, com o contrato de depósito. É queo art. 34 fala em “instituição depositária” das ações escriturais e 0 contrato de depósito somente pode versar sobre objetos móveis, de acordo com 0 art.1.265 do Código Civil de 1916, reproduzido no art. 627 do Código Civil de 2002. “Em verdade”, dizem Teixeira e Guerreiro, “a instituição financeira impropriamente chamada depositária nada recebe para guardar, nem da

32 SOCIEDADE ANÔNIMA

companhia, nem do acionista, muito menos uma coisa móvel corpórea. Assim sendo, parece-nos haver, na disciplina jurídica no novo instituto, flagrante incompatibilidade entre a idéia de depósito e a natureza das ações escriturais” (Teixeira & Guerreiro, 1979). Depois dessas ponderações, os dois juristas concluem, corretamente: “Entendemos que, entre a companhia e a instituição financeira, existe na verdade um contrato de prestação de serviços” (Teixeira & Guerreiro, 1979).

Quanto aos direitos ou vantagens que confiram aos seus titulares, as ações dividem-se em três espécies: ordinárias, preferenciais e de fruição (art. 15).

Quanto àforma prescrita em leipara a circulação, as ações podem ser nominativas (art. 20) e ou escriturais (art. 34).

Classes de ações: as ações ordinárias de companhia fechada e as ações preferenciais de companhia aberta ou fechada podem ser de uma ou mais classes (art. 15, § i°). As classes de ações, geralmente identificadas por letras (A, B, C, etc.), têm as suas características definidas pelo estatuto de cada companhia que as adotar.

Essas classificações didáticas misturam-se na prática. Daí falar-se, por exemplo, em ações:

ON (ordinárias nominativas)PNA (preferenciais nominativas da classe A)PNB (preferenciais nominativas da classe B), etc.

Das classificações acima mencionadas, mereceram especial tratamento do legislador as relativas a espécies e. formas.

As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais e de fruição.

4. ESPÉCIE ORDINÁRIA

As ações ordinárias são as comuns, sem qualquer privilégio ou preferên­cia com relação às demais espécies. Jamais podem faltar numa companhia. Normalmente, são as possuídas pelos chamados “acionistas-empresários”, controladores da companhia. Não se concebe uma companhia sem a existência de ação ordinária. Em princípio, a cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da assembléia-geral, sendo vedado 0 voto plural (art. 110, caput, e § 2o). Esse princípio, entretanto, admite exceção: se for adotado o voto múltiplo nas eleições para 0 conselho de administração, cada ação votante dará direito a tantos votos quantos sejam os membros do conselho

AÇÕES 33

(art. 141); além disso, o estatuto pode estabelecer limitação ao número de votos de cada acionista (art. lio, § Io).

Nas companhias fechadas, as ações ordinárias poderão ser de classes diversas (classe A, B, C, etc.), devendo o estatuto estabelecer as diferenças entre elas. O mesmo não ocorre nas companhias abertas.

5. ESPÉCIE PREFERENCIAL

Ações preferenciais são aquelas que conferem aos seus titulares determi­nadas prioridades, com relação às ordinárias. Essas prioridades, regra geral, na prática, costumam ser meramente ilusórias, como veremos mais adiante.

6. CLASSES DE AÇÕES

Tanto na companhia aberta quanto na fechada, as ações preferenciais poderão ser de uma ou mais classes. Regra geral, cada classe corresponderá a uma das prioridades a elas conferidas pelo art. 17:

a) prioridade na distribuição de dividendos;b) prioridade no reembolso do capital, sem prêmio;c) prioridade no reembolso do capital, com prêmio;d) combinação das prioridades a e b ou a e c, acima.

Nos termos do art. 15, § 2o, “o número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrições no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do capital da companhia”.

Trataremos das ações preferenciais, com maior detalhamento, no Capítulo 4.

7. AÇÕES DE FRUIÇÃO E AMORTIZAÇÃO

Ações de fruição simplesmente inexistem na prática. Não são propria­mente uma terceira espécie de ação, ao lado das ordinárias e das preferenciais. Elas podem substituir ações ordinárias ou preferenciais integralmente amortizadas (art. 44, § 50). Ações de fruição decorrem, pois, de uma amorti­zação integral. A amortização - operação rarissimamente praticada pelas companhias brasileiras - consiste na distribuição, aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia (art. 44, § 2°). Sobre a liquidação da companhia, ver o Capítulo 4. Na liquidação da companhia, as importâncias por ela pagas a título de amortização serão abatidas nos valores a serem eventualmente creditados aos acionistas.

34 SOCIEDADE ANÔNIMA

8. FORMA DE CIRCULAÇÃO DAS AÇÕES

Por questões de segurança e de ordem prática, o legislador procurou disciplinar, adequadamente, a forma de circulação das ações. Com base nesse referencial (forma prescrita em lei para a circulação das ações), podemos classificá-las, hoje, em ações nominativas e ações escriturais.

A Lei n. 8.021, de 12.4.1990, aboliu do nosso ordenamento jurídico as ações ao portador e as endossáveis. A transferência de ações nominativas opera-se por termo lavrado no Livro de “Transferência de Ações Nominativas”, datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos representantes (art. 31, § Io).

As ações escriturais foram introduzidas no nosso ordenamento jurídico para facilitar a sua posse e transferência sem certificado. Ficam assim facili­tadas a introdução e a operação de sistemas computadorizados de registro de propriedade e de transferência de ações. Adotadas as ações escriturais, os sistemas de registro de propriedade e de transferência de ações passam a ser operados por instituição financeira autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários (art. 34, § 2°). A transferência de ações escriturais opera-se pelo lançamento efetuado pela instituição depositária em seus livros, a débito da conta de ações do alienante e a crédito da conta de ações do adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização ou ordem judicial, em documento hábil que ficará em poder da instituição (art. 35, § i°).

9. LIMITAÇÕES À CIRCULAÇÃO DE AÇÕES

As ações, valores mobiliários por excelência (Lei n. 6.385/76, art. 2°, I), regra geral, podem circular livremente. Excepcionalmente, o estatuto da companhia fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas (art. 36).

Esse clausuramento, só possível para as ações nominativas das compa­nhias fechadas, geralmente visa a evitar alterações no controle da companhia. “Nada obsta a que acionistas de companhia aberta convencionem, mediante acordo de acionistas, certas limitações à circulação de suas ações” (Teixeira & Guerreiro, 1979).

Acionistas minoritários de uma companhia fechada com sede no Rio de Janeiro submeteram ao jurista Fernando Boiteaux consulta sobre a seguinte cláusula do estatuto social: “Os acionistas possuidores de ações nominativas que desejarem alienar no todo ou em parte suas ações deverão oferecê-las aos demais, que, na proporção das possuídas, terão preferência para adquiri-las. § 1° Ocorrendo a hipótese prevista neste artigo, o acionista deverá comunicar

AÇÕES 35

à diretoria a intenção de alienar as ações, fixando desde logo o preço pretendido. A diretoria comunicará o fato por escrito aos demais acionistas, que terão o prazo de trinta dias para se manifestarem se desejam ou não adquiri-las. § 2oO prazo contar-se-á da data da recepção do aviso, lavrado em protocolo ou de registro do correio. § 30 Findo o prazo, se nenhum acionista manifestar a vontade de adquirir as ações, ou se somente para um certo número deles houver adquirentes, ficam os acionistas livres para as transferirem a quem entenderem. § 40 Para os efeitos de que trata o presente artigo, o preço de cada ação terá como base o quociente da divisão do patrimônio líquido cons­tante do último balanço aprovado pela A.G.O. [assembléia-geral ordinária], pelo número de ações em circulação”.

Uma das questões formuladas na consulta era a seguinte: “[...] tendo-se em vista que 0 valor de patrimônio social é muitas vezes superior ao seu valor contábil, em virtude da insuficiência de atualização de valor dos ativos pelos índices oficiais de correção monetária e do não conhecimento pela contabili­dade de seus valores reais, da existência de reiterados negócios de compra e venda de ações por preço superior ao que nela está fixado e, ainda, da existên­cia de propostas de compra das ações dos consulentes por valor de aproxima­damente cinco vezes superior ao fixado pelos estatutos, a cláusula do Estatuto Social acima referida deve considerar-se válida e lícita?”

Em seu parecer, aqui transcrito em parte, aquele jurista respondeu o seguinte: “O direito de retirar-se da sociedade é um direito essencial, inalienável do acionista, seja qual for a sua participação no capital social (art. 109, V) [...]. Ocorre [in casu] uma lesão no interesse patrimonial dos acionistas minoritários [...]. Os controladores, majoritários, não vendem ações. Pelo contrário, num caso como este procuram comprar - por preço ridículo - as ações dos minoritários [...]. Esta lesão é encoberta por uma forma aparentemente legal e por meio de aparente consenso social, tudo isto com a finalidade de impedir que os acionistas possam, fora da sociedade, obter 0 melhor preço por suas ações. Esta é a mecânica do abuso do poder [...]. A doutrina reconhece (e o abuso de direito é sempre sistematizado pela doutrina, com 0 amparo da lei) que ‘A proibição do abuso de direito constitui uma proteção geral para os acionistas submetidos à vontade da maioria. Ademais, o legislador e o estatuto, no âmbito da lei, podem reconhecer aos acionistas direitos particulares que a maioria não pode absolutamente invadir e, assim, toma-se supérfluo o exame da questão de se a invasão, no caso concreto representa abuso de direito ou não’ [...]. [...] 0 abuso de direito é gênero do qual o abuso de poder é espécie, tendo como fundamento assentado ‘em que a lei não deve permitir que alguém se sirva do seu direito exclusiva­

36 SOCIEDADE ANÔNIMA

mente para causar dano a outrem’, segundo o grande civilista Caio Mário da Silva Pereira [...]. Por todo o exposto vê-se que a doutrina e jurisprudência são acordes em impedir o prejuízo patrimonial dos acionistas minoritários em virtude de cláusulas de preferência. Portanto, tendo-se em vista que o valor do patrimônio social é muitas vezes superior ao seu valor contábil, em virtude de notória insuficiência da atualização do valor dos ativos pelos índices oficiais de correção monetária e, ainda, da existência de propostas de compra de ações por valor de aproximadamente cinco vezes superior ao fixado pelos estatutos, a cláusula estatutária a que se refere a consulta deve considerar-se nula e contrária à proteção que dispensa a lei aos acionistas minoritários” (Boiteaux, 1984).

10. QUESTÕES

1. Se o estatuto social for omisso quanto ao direito de voto das ações preferen­ciais, elas deverão ser consideradas votantes ou não votantes?

2. Compare a transferência de cotas, das sociedades limitadas, com a circu­lação de ações.

3. Você entende possível a existência de cotas preferenciais, na sociedade limitada?

4. Por que a companhia, regra geral, não pode negociar com as suas próprias ações (art. 30, caput)? Qual a razão dessa proibição?

5. Que significa a expressão “títulos múltiplos” de ações?6. Existe diferença entre certificados e cautelas de propriedade de ações?7. Por que a lei dispõe que a ação é indivisível perante a companhia (art. 28)?

Dê um exemplo de uma situação em que uma ação pertence a mais de uma pessoa (art. 28, parágrafo único).

11. TESTES

1. A distribuição, aos acionistas, a título de antecipação, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia denomina-sea) resgateb) amortizaçãoc) reembolsod) liquidação

2. Ações de fruição têm a ver com 0 conceito dea) resgateb) amortizaçãoc) reembolsod) liquidação

AÇÕES 37

3. As ações escrituraisa) caracterizam-se pela forma escritab) transferem-se por escritura públicac) são mantidas em conta de depósito, sem emissão de certificadosd) não têm direito de voto

4. As Bolsas de Valoresa) são sociedades unipessoaisb) podem ser associações civis ou sociedades anônimasc) são entidades jurídicas de direito públicod) atuam no mercado primário de ações

5. Diz respeito à forma de sua circulação 0 conceito de açãoa) ordináriab) preferencialc) de fruiçãod) escriturai

6. A sociedade anônima tem esse nome porquea) não tem nomeb) não tem denominaçãoc) não tem firmad) seus sócios são sempre anônimos

7. Na sociedade anônima, a responsabilidade do acionista é limitadaa) ao valor nominal das açõesb) ao valor patrimonial das açõesc) ao valor de cotação das açõesd) ao preço de emissão das ações

8. No balanço patrimonial de uma sociedade anônima, o capital faz parte doa) ativo imobilizadob) ativo diferidoc) patrimônio líquidod) passivo circulante

9. Os dois autores intelectuais da Lei n. 6.404, de 1976, forama) João Eunápio Borges e Rubens Requiãob) Fran Martins e Carlos Fulgêncio da Cunha Peixotoc) Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreirad) Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto e Modesto Carvalhosa

10. Numa sociedade anônima não podem coexistira) ações integralizadas e ações não integralizadasb) ações ordinárias de classes diversasc) ações com valores nominais diferentesd) ações com e ações sem valor nominal

SOCIEDADE ANÔNIMA

Com a exegese sistêmica e harmoniosa dos arts. 34, caput.; da Lei das S.A. (Art. 34 ~ O estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados. [...]), 1.265 do Código Civil de 1916 {Art. 1.265 ~ Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.) e 627 do Código Civil de 2002 {Art. 627-Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame), chega-se à conclusão que a relação contratual existente entre uma companhia e a instituição financeira depositária de ações escriturais é dea) depósitob) penhorc) prestação de serviçosd) alienação fiduciária

C apítulo 4A ç õ e s p r e f e r e n c ia is

1. A ATUAL REDAÇÃO DO ART. 17

O art. 17 ostenta, hoje, a seguinte redação:

Art. 17. As preferências ou vantagens das ações preferenciais podem consistir:I - em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo;II - em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ouIII - na acumulação das preferências e vantagens de que tratam os incisos I e II.§ i° Independentemente do direito de receber ou não o valor de reembol­so do capital com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, somente serão admi­tidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for atri­buída pelo menos uma das seguintes preferências ou vantagens:I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério:a)prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação; e^direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em conformidade com a alínea a, ouII - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que 0 atribuído a cada ação ordinária; ouIII - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no art. 254-A assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.§ 2o Deverão constar do estatuto, com precisão e minúcia, outras prefe­rências ou vantagens que sejam atribuídas aos acionistas sem direito a voto, ou com voto restrito, além das previstas neste artigo.

40 SOCIEDADE ANÔNIMA

§ 3o Os dividendos, ainda que fixos ou cumulativos, não poderão ser distribuídos em prejuízo do capital social, salvo quando, em caso de liqui­dação da companhia, essa vantagem tiver sido expressamente assegurada. § 4o Salvo disposição em contrário no estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo.§ 5o Salvo no caso de ações com dividendo fixo, o estatuto não pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros (art. 169).§ 6o O estatuto pode conferir às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, 0 direito de recebê-lo, no exercício em que 0 lucro for insuficiente, à conta das reservas de capital de que trata o § x° do art. 182.§ 7o Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembléia-geral nas matérias que especificar.

A correta exegese desse dispositivo mostra-se particularmente difícil, por duas razões principais: (ia) a redação não prima pela clareza; e (2a) o legislador de 2.001 efetuou modificações pontuais e introduziu algumas inovações no texto original da lei, acarretando o grave risco de quebrar a harmonia do seu conjunto; ocorre, com esse tipo de intervenção legislativa, o mesmo que, não raro, acontece com os transplantes de órgãos na Medicina: o órgão transplantado costuma ser “rejeitado” pelo organismo humano.

As ações preferenciais

Ação da espécie preferencial é aquela que, como 0 nome indica, confere ao seu titular alguma preferência ou vantagem.

Essas preferências ou vantagens podem ser de natureza legal,política ou estatutária.

Dentre as preferências ou vantagens de natureza legal, encontram-se aquelas arroladas nos incisos I, II e III do art. 17:1) prioridade na distribuição de dividendos; II) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; e III) acumulação das vantagens acima enumeradas: I + II.

Além das vantagens legais expl icitadas nos itens I, II e III, do art. 17, a lei prevê, para a ação preferencial, algumas vantagens políticas e algumas vantagens estatutárias.

AÇÕES PREFERENCIAIS 41

2. VANTAGENS LEGAIS DAS AÇÕES PREFERENCIAIS

2.1. Prioridade na distribuição de dividendos - dividendo prioritário fixo ou mínimo e dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo

A ação preferencial com prioridade na distribuição de dividendos asse­gura ao seu titular verdadeiro crédito, condicionado à existência de lucro. O direito dos acionistas ordinários, quanto aos dividendos, fica condicionado à prévia e integral satisfação do crédito dos acionistas preferenciais.

Quantos às ações preferenciais com prioridade na distribuição de divi­dendos, cabe ao estatuto social fixar: a) o percentual prioritário (por exemplo: 5%, 10%, etc.); e b) a base de cálculo sobre a qual incidirá esse percentual (p.ex.: o lucro líquido ajustado e distribuível, o valor nominal da ação, etc.).

Na omissão estatutária competirá à assembléia-geral deliberar a respeito.

Exemplos ilustrativos

Os exemplos abaixo ilustrarão melhor os conceitos.Todas as simulações abaixo pressupõem variações de uma

mesma situação fática, num mesmo exercício social. Nelas serão utilizados, propositadamente, números pequenos e redondos.

Imagine uma companhia com 0 capital de R$ 2.000,00, dividido em2.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

• 1.000 ações ordinárias (50% do capital) e1.000 ações preferenciais (50% do capital), com prioridade na distribui­ção de dividendos de 10% (dez por cento) sobre o valor nominal delas.

Simulemos, agora, algumas hipóteses diferentes de lucro líquido ajusta­do e distribuível no mesmo exercício social:

I - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 200,00:

As ações preferenciais receberão R$ 100,00.As ordinárias receberão R$ 100,00.

II - Lucro liqüido ajustado e distribuível de R$ 100,00:

As ações preferenciais receberão R$ 100,00.As ordinárias não receberão nada.

III - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 500,00:

Nesta hipótese, toma-se necessário saber se o dividendo prioritário das ações preferenciais é fixo ou se é mínimo. Se for fixo, as ações preferenciais receberão

42 SOCIEDADE ANÔNIMA

R$ 100,00. E as ordinárias poderão receber até R$ 400,00.' Se for mínimo, tanto as preferenciais quanto as ordinárias poderão receber até R$ 250,oo.2

Ainda nesta hipótese sob 0 n. III, para que as ações preferenciais possam receber mais de R$ 100,00 será necessário que o estatuto, expressamente, preveja a participação nos lucros remanescentes (que ultrapassem os seus 10% prioritários), porque, salvo disposição em contrário do estatuto [...] a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes (art. 17, § 40).

Como essa participação nos lucros remanescentes depende de expressa previsão estatutária, e considerando que o estatuto, regra geral, é elaborado pelos controladores, titulares de ações ordinárias, não fica difícil supor 0 que se passa na prática, com relação à opção entre dividendos fixos e mínimos. Assim, precisamente quando os lucros são maiores, a preferência dos preferenciais pode ficar frustrada.

IV - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 80,00

As ações preferenciais receberão R$ 80,00. As ações ordinárias não receberão nada.

Aqui se inserem os conceitos de dividendo prioritário cumulativo e não-cumulativo das ações preferenciais.

O dividendo prioritário cumulativo assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando o seu crédito não for integralmente satisfeito.

1 Na verdade, na prática, elas, certamente, receberão todos os R$ 400,00.2 Analise-se, neste contexto, o § 40 do art. 17: “§ 40 Salvo disposição em contrário no

estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo”. Para tanto, vale a pena desdobrá-lo, assim: Se o estatuto não dispuser em contrária. (1) a ação com dividendo fixo hão participa dos lucros remanescentes; (2) a ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas (às ordinárias) assegurado dividendo igual ao mínimo. Então, com os dados assumidos no exemplo ilustrativo a que se refere esta nota, e se os dividendosprioritários forem mínimos, tem-se o seguinte: (i°) 0 conjunto das ações preferenciais recebe os R$ 100,00, correspondentes ao seu percentual prioritário de 10%; (20) paga-se ao conjunto das ações ordinárias a importância de R$ 100,00, assegurando-se a elas o recebimento de dividendo igual àquele mínimo, já pago ao conjunto de ações preferenciais. Sobra­rão, como lucros remanescentes, R$ 300,00; 30) as ações preferenciais com dividendo mínimo participarão, em igualdade de condições com as ordinárias, desses lucros remanescentes de R$ 300,00, assim: R$ 150,00 para as ordinárias e R$ 150,00 para as preferenciais com dividendo mínimo. No final das contas, o conjunto das ações ordinárias terá recebido R$ 250,00; e o conjunto das ações preferenciais com divi­dendo mínimo terá recebido R$ 250,00.

AÇÕES PREFERENCIAIS 43

0 dividendo prioritário não-cumulativo não admite essa possibilidade. Assim, se o dividendo prioritário de 10% não foi pago no exercício em questão, o percentual que deixou de ser pago será, ou não acrescido ao percentual prioritário do exercício seguinte, dependendo de ser o dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo.

Na hipótese em tela, nesta situação n. IV, no exercício social seguinte, se os dividendos prioritários forem não-cumulativos, o percentual prioritário continuará a ser de io%; se forem cumulativos, o percentual prioritário passará a ser de 12%, ou seja, os 10% do exercício seguinte mais os 2% que não foram pagos no exercício anterior.

Salvo disposição em contrário do estatuto, o dividendo prioritário das ações preferenciais não é cumulativo (art. 17, § 40).

Como se vê, aqui também, na omissão estatutária prevalecerá a solução menos favorável ao acionista preferencial, justificando-se a mesma suposição já explicitada, quando tratamos da dicotomia dividendo prioritário fixo ou mínimo.

Como 0 estatuto, regra geral, é elaborado pelos controladores, titulares de ações ordinárias, não fica difícil supor 0 que se passa na prática, com relação à opção entre dividendos cumulativos e não-cumulativos. Mais uma vez prevalece, na omissão estatutária, a solução menos conveniente para o acionista preferencial.

Alternativas quanto às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos

Temos, então, as seguintes alternativas quanto às ações preferenciais:

■ : .^ÀLTERNATiyA^' "M ; : .CONSEQÜÊNCIA * .

1. com dividendo fixo e cumulativo; 0 dividendo prioritário fixo representa um teto (não participa dos lucros rema­nescentes). 0 dividendo prioritário cumu­lativo assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu cré­dito não for integralmente satisfeito.

2. com dividendo fixo e não-cumulativo; 0 dividendo prioritário fixo representa um teto (não participa dos lucros remanescen­tes). 0 dividendo prioritário não-cumulati- vo não assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu cré­dito não for integralmente satisfeito.

44 SOCIEDADE ANÔNIMA

3. com dividendo mínimo e cumulativo; 0 dividendo prioritário mínimo represen­ta um piso (participa dos lucros remanes­centes). 0 dividendo prioritário cumulati­vo assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu cré­dito não for integralmente satisfeito.

4. com dividendo mínimo e não-cumu- lativo;

0 dividendo prioritário mínimo repre­senta um piso (participa dos lucros rema­nescentes). 0 dividendo prioritário não- cumulativo não assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu crédito não for integral­mente satisfeito.

5. com dividendo fixo e sem opção entre cumulatividade ou não-cumulatividade;

0 dividendo prioritário fixo representa um teto (não participa dos lucros rema­nescentes). Entende-se que 0 dividendo prioritário é não cumulativo. 0 dividendo prioritário não-cumulativo não assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu crédito não for integralmente satisfeito.

6. com dividendo minimo e sem opção entre cumulatividade ou não- cumulatividade;

0 dividendo prioritário mínimo repre­senta um piso (participa dos lucros rema­nescentes). Entende-se que 0 dividendo prioritário é não-cumulativo. 0 dividendo prioritário não-cumulativo não assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu crédito não for integralmente satisfeito.

7. com dividendo cumulativo e sem op­ção entre fixo ou mínimo;

0 dividendo prioritário cumulativo asse­gura ao acionista preferencial a acumula­ção do percentual prioritário de um exer­cício para outro, quando 0 seu crédito não for integralmente satisfeito. Entende-se que 0 dividendo prioritário é fixo. 0 divi­dendo prioritário fixo representa um teto (não participa dos lucros remanescentes).

AÇÕES PREFERENCIAIS 45

8. com dividendo não-cumulativo e sem opção entre fixo ou mínimo.

0 dividendo prioritário não-cumulativo não assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando 0 seu crédito não for integralmente satisfeito. Entende-se que 0 dividendo prioritário é fixo. 0 dividendo prioritário fixo repre­senta um teto (não participa dos lucros remanescentes).

Segundo o art. 17, § 40, se 0 estatuto não fizer opção entre dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo, ele será não-cumulativo. Se 0 estatuto não fizer opção expressa entre dividendo prioritário fixo ou mínimo, ele será fixo.

Recapitulando:

< Ação Preferenciai com Prioridade ná Distribuição de Dividendo

Fixo Prevalecerá 0 percentual prioritário esta­belecido no estatuto. 0 percentual esta­belecido será um teto.

Mínimo Prevalecerá 0 percentual prioritário esta­belecido no estatuto. 0 percentual esta­belecido será um piso.

Na indefinição estatutária (0 estatuto não define se 0 dividendo prioritário é fixo ou mínimo)

0 dividendo prioritário será considerado fixo.

Cumulativo 0 percentual não pago num determinado exercício é somado ao percentual priori­tário do exercício seguinte.

Não-cumulativo 0 percentual não pago num determinado exercício não é somado ao percentual prioritário do exercício seguinte e a com­panhia nada fica a dever para 0 futuro.

Na indefinição estatutária (quando 0 estatuto não define se 0 dividendo prioritário é cumulativo ou não-cumu­lativo)

O dividendo prioritário será considerado não-cumulativo.

46 SOCIEDADE ANÔNIMA

Breve informação sobre o dividendo obrigatório

O art. 202, expressamente citado no item I do § i° do art. 17, trata do dividendo obrigatório. Não 0 abordaremos mais minuciosamente aqui. Consigne-se apenas 0 seguinte.

Apurado 0 lucro líquido de determinado exercício, a legislação impõe, antes de mais nada, que se façam alguns reajustes, com a diminuição ou o acréscimo dos valores arrolados nos itens I, II e III do art. 202. Depois desses ajustes, obtém-se o lucro líquido ajustado e distribuível.

0 percentual do dividendo obrigatório é fixado livremente no estatuto social. 0 estatuto pode estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.

Na omissão estatutária a respeito, o percentual do dividendo obrigatório será de metade do lucro líquido do exercício, acrescido ou diminuído dos valores arrolados nos incisos I, II e III do art. 202.

Quando 0 estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do art. 202, § 20. Nesta hipótese, a deliberação assemblear ensejará aos acionistas dissidentes 0 exercício do direito de retirada (art. 137 c.c. 0 inc. III do art. 136).

As noções conceituais diferentes de Dividendo Prioritário das Ações Preferenciais e Dividendo Obrigatório vinculam-se contabilmente ao mesmo referencial, que é o lucro.

Novos exemplos ilustrativosVoltemos agora àqueles exemplos anteriormente apresentados,

acrescentando a eles dados do dividendo obrigatório.Para tanto, imagine uma companhia com o capital de R$ 2.000,00,

dividido em 2.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

• ações ordinárias (50% do capital); e• ações preferenciais (50% do capital), com prioridade na distribuição

de dividendos de 10% (dez por cento) sobre o valor nominal delas.

Imagine-se, mais, que o estatuto dessa companhia fixe um dividendo obri­gatório de 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado e distribuível.

E agora, simulemos, agora, algumas hipóteses diferentes de lucro líquido ajustado e distribuível no mesmo exercício social:

AÇÕES PREFERENCIAIS 47

I - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 8oo,oo(Dividendo obrigatório de 25%: R$ 200,00)

As ações preferenciais receberão R$ 100,00.As ordinárias receberão R$ 100,00.

II - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 400,00(Dividendo obrigatório de 25%: R$ 100,00)

Nesta primeira hipótese, se a companhia se limitar a distribuir o dividendo obrigatório de R$ 100,00, as ações preferenciais receberão R$ 100,00. As ordinárias não receberão nada. E ficará satisfeito o pagamento do percentual prioritário das ações preferenciais com prioridade da distri­buição de dividendos.

III - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 2.000,00(Dividendo obrigatório de 25%: R$) 500,00:

Nesta hipótese, torna-se necessário saber se o dividendo prioritário das ações preferenciais é fixo ou se é mínimo. E então:

Se for fixo: .■ Se for mínimo:

as ações preferenciais receberão R$ 100,00. E as ordinárias poderão receber até R$ 400,00.

tanto as preferenciais quanto as ordiná­rias poderão receber até R$ 250,00.

Em ambas as hipóteses, ficará satisfeito o pagamento do percentual prioritário das ações preferenciais com prioridade da distribuição de dividendos.

IV - Lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 320,00 (Dividendo obrigatório de 25%: R$ 80,00)

Nesta hipótese, toma-se necessário saber se o dividendo prioritário das ações preferenciais é cumulativo ou não-cumulativo. E então:

Se for cumulativo, • Se for não-cumulativo,

as ações preferenciais receberão R$ 80,00. As ações ordinárias não receberão nada.

as ações preferenciais receberão R$ 80,00. As ações ordinárias não receberão nada. |

Aqui se inserem os conceitos de dividendo prioritário cumulativo e não-cumulativo das ações preferenciais.

48 SOCIEDADE ANÔNIMA

O dividendo prioritário cumulativo assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando o seu crédito não for integralmente satisfeito.

O dividendo prioritário não-cumulativo não admite essa possibilidade. Assim, se o dividendo prioritário de 10% não foi pago no exercício em questão,o percentual que deixou de ser pago será ou não acrescido ao percentual prioritário do exercício seguinte, dependendo de ser o dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo.

Na hipótese em tela, nesta situação n. IV, no exercício social seguinte, se os dividendos prioritários forem não-cumulativos, o percentual prioritário continuará a ser de 10%; se forem cumulativos, o percentual prioritário passará a ser de 1296, ou seja, os 10% do exercício seguinte mais os 2% que não foram pagos no exercício anterior.

Salvo disposição em contrário do estatuto, o dividendo prioritário das ações preferenciais não é cumulativo (art. 17, § 40).

2.2. Ação preferencial com prioridade no reembolso do capital

A ação preferencial com prioridade no reembolso do capital assegura ao seu titular uma antecedência na restituição do valor nominal de sua ação depois de satisfeitos todos os credores, na hipótese de liquidação da compa­nhia. Nessa situação, depois de realizado o ativo e solvido todo o passivo da sociedade, com integral pagamento de todos os credores, 0 dinheiro que, eventualmente, sobrar será restituído aos acionistas na proporção de sua participação acionária. Nessa restituição, os titulares de ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital gozarão do direito de receberem antes de mais nada e antes de todos os demais acionistas, o valor nominal de suas ações. E, além do valor nominal, um percentual sobre esse mesmo valor, se a sua prioridade incluir um prêmio.

A prioridade no reembolso do capital, mencionada no art. 17, II, portan­to, só funcionará na hipótese de dissolução da companhia.

Ao tratar do assiinto, no capítulo XVII, a Lei n. 6404, de 1976, refere-se, cronologicamente à dissolução, à liquidação e à extinção da companhia.

Segundo Wilson de Souza Campos Batalha, “a dissolução constitui momento na vida de uma sociedade a partir do qual, embora conservando sua personalidade jurídica, promove a liquidação de seu ativo e do passivo, distri­buindo o remanescente aos sócios. Assim, a dissolução assinala o começo da fase agônica da sociedade, em que esta promove sua própria liquidação. Durante a liquidação, conserva a sociedade sua personalidade jurídica, podendo exercer direitos e assumir obrigações, bem como agir processual-

AÇOES PREFERENCIAIS 49

mente, com legitimação ativa e passiva. Ao invés de ser representada pelos diretores, a sociedade representa-se pelo liquidante [...]. Dissolvida a sociedade, inicia-se a fase de liquidação, na qual esta conserva a personalidade jurídica, representando-se pelo liquidante” (Batalha, 1977:1010). No caso de liquidação decorrente de dissolução por falência (art. 206, II, c), o liquidante é o adminis­trador judicial (Lei n. 11.101, de 9/2/2005, art. 22).

Fábio Ulhoa Goelho demonstra que dissolução é conceito que pode ser utilizado em dois sentidos diferentes: para compreender todo o processo de término da personalidade jurídica da sociedade comercial (sentido largo) ou para individuar o ato específico que desencadeia este processo ou que importa na desvinculação de um dos sócios do quadro associativo (sentido estrito) (Coelho, 1991:151)-

Invocando o magistério de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, podemos dizer, dessa maneira, que “a dissolução apresen­ta-se como o momento da vida social em que se desfazem todos as relações associativas decorrentes do contrato plurilateral, colocando-se a liquidação como uma etapa necessária à realização das conseqüências jurídicas derivadas do rompimento daquelas relações, tanto no que diz respeito aos acionistas quanto no que diz respeito a terceiros, e extinção como o instante que marca o fim efetivo da companhia, com o desaparecimento de sua personalidade jurídica” (Teixeira & Guerreiro, 1979: 612).

Assim, a verdadeira “morte” da sociedade ocorre com a extinção, e não com a dissolução. Com a extinção, pelo encerramento da liquidação, cessa a personalidade jurídica da companhia.

A liquidação é, portanto, a fase intermediária que medeia entre a disso­lução e a extinção da companhia.

Dissolução

Liquidação

Extinção

A liquidação da companhia pode ser comparada, analogicamente, com o inventário dos bens do de cujus.

Como ensina Trajano de Miranda Valverde, “o instituto da liquidação, que se desenvolveu logo que a prática mercantil reconheceu a autonomia do patrimônio social, tinha, inicialmente, por objetivo o pagamento dos débitos. Solvidos eles, o patrimônio social líquido era dividido entre os sócios, segundo as

50 SOCIEDADE ANÔNIMA

regras que disciplinavam a partilha da herança. Hoje prevalece a regra de que a liquidação de uma sociedade comercial implica, em princípio, a redução a dinheiro de todos os bens sociais, regra que, além de se harmonizar com o conceito de autonomia do patrimônio social, tem a virtude de afastar as intermináveis dispu­tas que a divisão dos bens em espécie geralmente provoca entre os sócios, como sucede, ainda hoje, na partilha dos bens da herança” (Valverde, 1941:125).

Nessa liquidação, que comparamos, analogicamente, com o inventário dos bens do de cujus, depois de realizado o ativo e solvido o passivo, o dinheiro que sobrar-se sobrar será rateado entre os acionistas, que são os herdeiros” (entre aspas) da companhia, na proporção de sua participação no capital social. Nesse rateio, deverá ser observada a prioridade no reembolso do capital (com prêmio ou sem ele) eventualmente atribuída às ações prefe­renciais. Nessa circunstância, nenhum titular de ação ordinária poderá receber nada, enquanto os titulares das ações preferenciais com prioridade no reem­bolso do capital não receberem o valor nominal de suas ações, acrescido de um prêmio (um percentual), se este for estabelecido no estatuto social.

Como se percebe, a prioridade no reembolso do capital só acarretará algum beneficio se, depois de integralmente satisfeitos todos os credores numa liquidação, o dinheiro remanescente não for suficiente para reembolsar todos os acionistas do valor nominal de suas ações.

Como são raras as dissoluções e liquidações de sociedades prósperas e solventes, a prioridade no reembolso do capital não deveria seduzir nenhum investidor na aquisição de ações preferenciais.

É importante observar que não se confunde o reembolso, aqui referido, com o reembolso decorrente do exercício do direito de retirada ou de recesso, definido no art. 45. Aqui, cuida-se, apenas, da restituição aos acionistas, do valor nominal de suas ações, acrescido, ou não, de um percentual denomina­do prêmio. No reembolso do art. 45, o que se restitui ao acionista é, em princípio, o valor do patrimônio líquido de suas ações em virtude do exercício do direito de retirada.

Note-se que 0 conceito de reembolso aparece na Lei das Sociedades por Ações em contextos diferentes e com significados distintos:

Reembolso * Reembolso(Arts 14, Parágrafo Único (Art. 45)

e 17, II, “b”)

1 1)Ações preferenciais com Direito de retiradaprioridade no reembolso

do capital

AÇÕES PREFERENCIAIS 51

3. VANTAGENS POLÍTICAS DAS AÇÕES PREFERENCIAIS

Vantagens políticas facultativas. O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais algumas vantagens políticas: votação em separado de um ou mais membros dos órgãos de administração e/ou o direito de dar eficácia, ou não, a determinadas alterações estatutárias (art. 18).

Vantagens políticas obrigatórias. Independentemente de autorização estatutária, há matérias que exigem prévia aprovação ou ratificação por titulares das ações preferenciais, em votação em separado (art. 136, § i°). Acrescente-se, ainda, que os titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito sempre terão direito de eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente do conselho fiscal.

4. VANTAGENS ESTATUTÁRIAS DAS AÇÕES PREFERENCIAIS

Nada impede que o estatuto possa atribuir às ações preferenciais outras vantagens, além daquelas expressamente explicitadas nos incisos I,II e III do art. 17.

No § i°, incisos I a III, e no § 2° do art. 17, a lei se refere, num rol meramente exemplificativo, a vantagens estatutárias facultativas (vantagens que 0 estatuto pode (ou não) conceder às ações preferenciais):

Art. 17 [.-]§i°UI - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério:a) prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação; eb) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em conformidade com a alínea ir, oun - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária; ou IH - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.

§ 2o - [...] outras preferências ou vantagens [...]

52 SOCIEDADE ANÔNIMA

Essas vantagens estatutárias são facultativas. O estatuto social pode concedê-las ou não, às ações preferenciais.

5. RESTRIÇÕES ÀS AÇÕES PREFERENCIAIS

Tendo em vista as vantagens atribuídas ou atribuíveis às ações preferen­ciais, e talvez, para “compensar” os titulares de ações ordinárias, o legislador permitiu que o estatuto social deixe de conferir àquelas algum ou alguns dos direitos reconhecidos a estas, inclusive o de voto, ou de conferi-los com restrições (art. 111).

6. AÇÕES PREFERENCIAIS E DIREITO DE VOTO

O estatuto pode, pois, excluir das ações preferenciais o direito de voto (art. 111). Mas o número de ações preferenciais sem direito de voto, ou sujeitas a restrições no exercício desse direito, não poderá ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas (art. 15, § 2°).

Se o estatuto não excluir expressamente 0 direito de voto das ações preferenciais, a cada uma delas corresponderá um voto nas deliberações da assembléia-geral.

Ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos e voto contingente

As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito, se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o seu integral pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso. E o chamado voto contingente (art. 111, § i°). Na mesma hipótese, e sob a mesma condição, as ações preferenciais com direito de voto restrito terão suspensas as limitações ao exercício desse direito (art. 111, § 20).

Segundo Teixeira e Guerreiro, as ações preferenciais só adquirem 0 voto contingente depois de convertidas em ordinárias (Teixeira e Guerreiro: 1979). O entendimento dos dois autores justificava-se, quando ainda existiam as ações ao portador, destituídas do direito de voto. Pensamos que basta 0 não pagamento do dividendo prioritário das ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos, nas condições previstas no §§ i° e 2° do art. 111, para que os titulares de ações preferenciais sem direito de voto adquiram esse direito.

Embora, regra geral, na prática, as ações preferenciais sejam destituídas do direito de voto, isso só ocorre por opção estatutária expressa. Em outras

AÇÕES PREFERENCIAIS 53

palavras, as ações preferenciais só serão destituídas do direito de voto, se o estatuto assim dispuser (art. 111).

7. O § 1° DO ART. 17

O § i° do art. 17 é inovação da Lei n. 10.303, de 31.10.2001. A redação não prima pela clareza, 0 que dificulta a sua exegese.

Eis o seu texto:

Art. 17 [•••]

§ 1° Independentemente do direito de receber ou não o valor de reem­bolso do capital com prêmio ou sem ele, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintes preferências ou vantagens:I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério:a) prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação; eb) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condi­ções com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em conformidade com a alínea cr, ouII - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária; ouIII - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.

Já vimos, anteriormente, que os itens I, II e III do § i° do art. 17 se inserem num rol exemplificativo de vantagens estatutárias facultativas, que o estatuto social, regra geral, pode conceder ou não às ações preferenciais.

Observação importante

As ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito somente serão admitidas à negociação no mercado se a elas for atribuída pelo menos uma das preferências ou vantagens estatutárias facultativas arroladas no § i° do art. 17, acima transcrito.

Exegese do § Io do art. 17

Com esta última observação efetuada em mente, passemos a examinar, agora, mais detidamente, o § Io do art. 17.

54 SOCIEDADE ANÔNIMA

No § i° do art. 17, o legislador refere-se a todas as ações preferenciais: a) a todas as ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos;b) a todas as ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital; e c) a todas as ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos e no reembolso do capital. A frase introdutória “Independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital com prêmio ou sem ele” deixa isso bem claro.

Item I do § i° do art. 17

Trata-se do “direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério: a) prioridade no recebimento dos dividendos mencio­nados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação; e b) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em conformidade com a alínea d'.

Apurado, em determinado exercício, 0 lucro líquido ajustado e distri- buível, será necessário atender a duas exigências legais: 1) pagar o dividendo obrigatório, na forma prevista na lei e no estatuto; e 2) atender ao percentual prioritário das ações preferenciais com prioridade da distribuição de dividendos.

Nesse momento, poderão ocorrer as seguintes hipóteses:

I - com o pagamento do dividendo obrigatório fica também satisfeito 0pagamento do percentual prioritário das ações preferenciais com prioridade da distribuição de dividendos; ou

II -com o pagamento do dividendo obrigatório não fica satisfeito opagamento do percentual prioritário das ações preferenciais com prioridade da distribuição de dividendos.

Na hipótese sob o n. I, supra, não haverá maior dificuldade. Os titulares de ações preferenciais nada poderão reclamar.

Na hipótese sob o n. II, supra, será necessário e imprescindível satis­fazer ao pagamento do percentual prioritário das ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos, pois, como já vimos, esse tipo de ação assegura ao seu titular verdadeiro crédito, condicionado à existência de lucro.

AÇÕES PREFERENCIAIS 55

As vantagens estatutárias referidas nos incisos I, II e III do § i° do art. 17

Já vimos que as vantagens estatutárias são facultativas. O estatuto social pode concedê-las ou não, às ações preferenciais.

A análise cuidadosa das vantagens estatutárias previstas nos Incisos I, II e III do § i° do art. 17 é importante, em virtude do que nele se dispõe: (“§ x° - [...] “as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao exercício desse direito somente serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se a elas for atribuída pelo menos uma das seguintespreferências ou vantagem. [...]”

Estruturação do § Io do art. 17

• O caputào § 1° é seguido de dois pontos (:).• Seguem-se três incisos (I, II e III).• O inciso I divide-se em duas alíneas (a) e (b), ligadas pela conjunção

coordenativa “é'.• O inciso II liga-se ao inciso I pela conjunção alternativa “oif.• E o inciso III liga-se ao inciso II pela conjunção alternativa “oif?

Veja-se 0 quadro a seguir:

Analisemos, então, as três vantagens estatutárias enunciadas pelo legislador no § i° do art. 17.

A primeira vantagem estatutária prevista no Inciso I do § i° do art. 17

A correta interpretação desse dispositivo mostra-se particularmente difícil, pelas razões já explicitadas no item 1, no início deste trabalho.

3 A conjunção coordenativa “e” dá idéia de adição, acrescentamento; a conjunção alternativa “ou” exprime alternativa, alternância (V. CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Na­cional, 2000, p. 268 e 269).

56 SOCIEDADE ANÔNIMA

A melhor exegese do Inciso I do § i° do art. 17

A exegese desenvolvida neste tópico admite que, ao conferir a vantagem estatutária prevista na letra “a” do Inciso I do § i° do art. 17, o estatuto estará transformando as ações preferenciais não votantes ou com voto vencido em títulos de renda fixa e mínima: e assim, elas deverão receber, em cada exercí­cio social, “no mínimo, 3% (três por cento) do valor de patrimônio líquido” [delas]). Isso, sem dúvida, quebra a sistemática da lei, pois, tradicionalmente, no Brasil, as ações são consideradas títulos de renda variável.

A exegese desenvolvida neste tópico também enfatiza a nítida distinção conceituai existente entre dividendo prioritário mínimo das ações preferen­ciais com prioridade na distribuição de dividendos - de um lado - e priori­dade no recebimento de dividendos de, no mínimo, 3% do valor de patrimônio líquido - de outro. Com efeito, esses dois conceitos só possuem um ponto de identidade: ambos se referem a um crédito do acionista, correspondente a um débito da companhia. Afora esse ponto comum, são duas coisas totalmente distintas e heterogêneas, como demonstrado no seguinte quadro comparativo:

DIVIDENDO PRIORITÁRIO MÍ­NIMO DAS AÇÕES PREFEREN­CIAIS COM PRIORIDADE NA DIS: TRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS:

: * PRIORIDADE NO RECEBIMEN­TO DE DIVIDENDOS DE, NO MÍNIMO, 3% DO VALOR DE PATRIMÔNIO LÍQUIDO: ,

Refere-se, exclusivamente, à ação pre­ferencial com prioridade na distribui­ção de dividendos.

Pode referir-se a toda e qualquer ação pre­ferencial, inclusive à ação preferencial com prioridade no reembolso do capital.

Liga-se, exclusivamente, ao Inciso I do caputào art. 17.

Liga-se, exclusivamente, à letra “a” do Inciso I do § i° do art. 17.

0 percentual prioritário (por exemplo: 5%, 10%, etc.) deve ser fixado no esta­tuto e, se este for omisso, pela assem­bléia-geral.

A lei própria fixa 0 percentual em 3%, no mínimo.

A base sobre a qual incidirá 0 per­centual prioritário deve ser determina­da no estatuto (p.ex.: 0 lucro líquido ajustado e distribuível, 0 valor nominal da ação, etc.).

A base sobre a qual incidirá 0 percentual de 3%, no mínimo, é sem­pre 0 valor de patrimônio líquido da ação preferencial.

AÇÕES PREFERENCIAIS 57

No Inciso I do § i° do art. 17, a lei disciplina uma das preferências ou vantagens estatutárias que poderão ser concedidas pelo estatuto para que as ações preferenciais sem voto ou com voto restrito possam ser admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários.

O estatuto social pode conferir a vantagem estatutária prevista no inciso I do § i° do art. 17: a) às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos; b) às ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital; e c) às ações preferenciais com prioridade na distri­buição de dividendos e no reembolso do capital.

Essa primeira vantagem estatutária somente deverá ser considerada inteiramente concedida às ações preferenciais não votantes ou com voto restrito, para o efeito específico de se admitir a sua negociação no mercado, se o estatuto social preencher todos os requisitos previstos no Inciso I do § i° do art. 17, a saber:

1. Fixar o dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado e distribuível4; e, mais,

1. Conferir às ações preferenciais não votantes ou com voto restrito o direito de receber, em cada exercício social, o maior dentre as seguintes quantias apuradas: a) 3% (três por cento) do valor de patrimônio líquido da ação5; b) o mesmo valor pago às ações ordinárias; c) em se tratando de ação preferencial com priorida­de na distribuição de dividendos, 0 valor do dividendo prio­ritário fixado.

Observe-se que as letras “a” e “b”, do Inciso I, do § i°, do art. 17, acham-se conectadas pela conjunção coordenativa aditiva “e”.6

Os quadros a seguir ilustram:

4 Lucro líquido ajustado e distribuível é aquele apurado de conformidade com o art. 202, capute Incisos I, II e III.

5 Ao conferir a vantagem estatutária prevista na letra “a” do Inciso I do § i° do art. 17, o estatuto estará transformando as ações preferenciais não votantes ou com voto vencido em títulos de renda fixa e mínima; e assim, elas deverão receber, em cada exercício social, “no mínimo, 3% (três por cento) do valor de patrimônio líquido” [delas]). Isso, sem dúvida, quebra a sistemática da lei, pois, tradicionalmente, no Brasil, as ações são consideradas títulos de renda variável.

6 A conjunção coordenativa “e” dá idéia de adição, acrescentamento. (V. CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Com­panhia Editora Nacional, 2000, p. 268 e 269).

58 SOCIEDADE ANÔNIMA

Companhia com o dividendo obrigatório fixado em, no mínimo, 25% do lucro líquido ajustado e distribuível e ações preferenciais não votantes ou com voto restrito e com a vantagem estatutária prevista no Inciso I do § i° do art. 17.

As ações preferenciais não votantes ou com voto restrito somente serão admitidas à negociação no mercado, se o estatuto conferir:_________________________

às ações preferenciais com priori­dade na distribuição de dividendos,

às açõès com prioridade no . reembolso do capital,

10 direito de receber, em cada exercício social, a maior dentre as seguintes quan­tias apuradas:a) 3% do valor do patrimônio líquido da

ação;b) 0 mesmo valor pago às ações ordinárias;c) 0 valor do dividendo prioritário fixo

ou mínimo.

0 direito de receber, em cada exercício social, a maior dentre as seguintes quan­tias apuradas:a) 3% do valor do patrimônio líquido da

ação;b) 0 mesmo valor pago às ações ordinárias.

Para não restarem dúvidas, desenvolvamos a hipótese relativa às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos, detalhando-a em seis quadros sucessivos:

Primeiro Quadroa) 3% do valor do patrimônio líquido da

ação preferencial não votante ou com voto restrito: R$ 10,00

b) valor pago a ação ordinária: R$ 20,00c) valor do dividendo prioritário fixo ou

mínimo: R$ 30,00A ação preferencial deverá receber R$ 30,00

Segundo Quadro1

a) 3% do valor do patrimônio líquido da ação preferencial não votante ou com voto restrito: R$ 10,00

b) valor pago a ação ordinária: R$ 30,00c) valor do dividendo prioritário fixo ou

mínimo: R$ 20,00A ação preferencial deverá receber R$ 30,00

AÇÕES PREFERENCIAIS 59

Terceiro Quadro

a) 3% do valor do patrimônio líquido da ação preferencial não votante ou com voto restrito: R$ 20,00

b) valor pago a ação ordinária: R$ 10,00

c) valor do dividendo prioritário fixo ou mínimo: R$ 30,00

A ação preferencial deverá receber R$ 30,00

• ’ Quarto Quadro ; : ' ■a) 3% do valor do patrimônio líquido da

ação preferencial não votante ou com voto restrito: R$ 20,00

b) valor pago a ação ordinária: R$ 30,00

c) valor do dividendo prioritário fixo ou minimo: R$ 10,00

A ação preferencial deverá receber R$ 30,00

’ , ; ’ Quinto Quadro :• ' - i ;, •*a) 3% do valor do patrimônio líquido da

ação preferencial não votante ou com voto restrito: R$ 30,00

b) valor pago a ação ordinária: R$ 10,00

c) valor do dividendo prioritário fixo ou mínimo: R$ 20,00

A ação preferencial deverá receber R$ 30,00

Sexto Q u a d r o 1

a) 3% do valor do patrimônio líquido da ação preferencia] não votante ou com voto restrito: R$ 30,00

b) valor pago a ação ordinária: R$ 20,00

c) valor do dividendo prioritário fixo ou mínimo: R$ 10,00

A ação preferencial deverá receber R$ 30,00

6o SOCIEDADE ANÔNIMA

Se, eventualmente, o lucro da companhia não for suficiente para pagar a renda fixa estipulada, de 3% do valor de patrimônio líquido da ação preferencial não votante ou com voto vencido, a quantia correspon­dente deverá ser lançada, no balanço social, como débito da companhia e crédito do acionista.

Para melhor compreensão, examine-se a seguinte situação, extrema­mente reduzida:

Exemplos ilustrativos

Imagine uma companhia com o capital de R$ 2.000,00, dividido em2.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

• 1.000 ações ordinárias (50% do capital) e1.000 ações preferenciais (50% do capital), com prioridade na distri­buição de dividendos mínimos e não-cumulativos de 10% (dez por cento) sobre o valor nominal delas, sem direito de voto.

Nessa sociedade:

• o dividendo obrigatório foi fixado em 25% do lucro líquido ajustado e distribuível;

• o estatuto conferiu às ações preferenciais, em sua integralidade, a vantagem estatutária prevista no Inciso I do § i° do art. 17.

• O balanço social ostenta os seguintes valores:

Ativo

Patrimônio líquido de R$ 6.000,00:• Capital:..................... R$ 2.000,00• Lucros ou reservas: ....R$4.000,00

TOTAL DO ATIVO: [...] TOTAL DO PASSIVO: [...]

Dos dados acima, podem-se extrair estes outros:

AÇÕES PREFERENCIAIS 61

Dados Valores em R$

Valor do patrimônio líquido 6.000,00

Valor de patrimônio líquido de cada uma das 2.000 ações (R$ 6.000,00: 2.000 ações): 3,oo

valor de patrimônio líquido do conjunto das 1.000 ações ordinárias (R$ 6.000,00: 2): 3.000,00

Valor de patrimônio líquido do conjunto das 1.00Ò ações preferenciais (R$ 6.000,00:2): 3.000,00

Dividendo prioritário mínimo atribuído a cada uma das ações preferenciais (10% (dez por cento) sobre 0 valor nominal de cada ação preferencial): 0,10

Dividendo prioritário mínimo atribuído ao conjunto das 1.000 ações preferenciais (10% (dez por cento) do valor nominal do conjunto das 1.000 ações preferenciais): 100,00

Renda fixa de 3% atribuída a cada uma das ações preferenciais (3% (três por cento) de R$ 3,00) 0,09

Renda fixa de 3% atribuída ao conjunto das 1.000 ações preferenciais (3% (três por cento) do valor de patrimônio líquido do conjunto das 1.000 ações preferenciais) 90,00

Agora, examinem-se as seguintes hipóteses aleatórias e respectivas con­clusões:

Lucro líquido ajustado e distribuível: R$ 1.200,00 Dividendo obrigatório de 25%: R$ 300,00

Nesta hipótese, o conjunto das 1.000 ações preferenciais será satisfeito em seu direito à renda fixa de 3% (= R$ 90,00), bem como em seu direito ao dividendo prioritário mínimo de 10% sobre o seu valor nominal (= R$ 100,00).

E a distribuição dos dividendos será a seguinte:• os titulares de ações preferenciais receberão R$ 150,00;« os titulares de ações ordinárias receberão R$ 150,00. ___________

62 SOCIEDADE ANÔNIMA

Lucro líquido ajustado e distribuível: R$ 800,00 Dividendo obrigatório de 25%: R$ 200,00

Nesta hipótese, o conjunto das 1.000 ações preferenciais será satisfeito em seu direito à renda fixa de 3% (= R$ 90,00), bem como em seu direito ao dividendo prioritário mínimo de 10% sobre o seu valor nominal (= R$ 100,00).

E a distribuição dos dividendos será a seguinte:• os titulares de ações preferenciais receberão R$ 100,00;• os titulares de ações ordinárias receberão R$ 100,00.

Lucro líquido ajustado e distribuível: R$ 600,00 Dividendo obrigatório de 25%: R$ 150,00

Nèsta hipótese, o conjunto das 1.000 ações preferenciais será satisfeito em seu direito à renda fixa de 3% (= R$ 90,00), bem como em seu direito ao dividendo prioritário mínimo de 10% sobre 0 seu valor nominal (= R$ 100,00).

E a distribuição dos dividendos será a seguinte:• os titulares de ações preferenciais receberão R$ 100,00;• os titulares de ações ordinárias receberão R$ 50,00.

Lucro líquido ajustado e distribuível: R$ 360,00 Dividendo obrigatório de 25%: R$ 90,00

Nesta hipótese, o conjunto das 1.000 ações preferenciais será satisfeito em seu direito à renda fixa de 3% (= R$ 90,00); mas não será satisfeito em seu direito ao dividendo prioritário mínimo de 10% sobre o valor nominal delas (= R$ 100,00).

E a distribuição de dividendos será a seguinte:• os titulares de ações preferenciais receberão R$ 90,00 (vale lembrar que na

situação em análise, partiu-se do pressuposto de que os dividendos prioritários de 10% sobre o valor nominal das ações preferenciais não são cumulativos);

• os titulares de ações ordinárias não receberão nada.

Lucro líquido ajustado e distribuível: R$ 280,00 Dividendo obrigatório de 25%: R$ 70,00

Nesta hipótese, o conjunto das 1.000 ações preferenciais não será satisfeito nem em seu direito à renda fixa de 3% (= R$ 90,00), nem em seu direito ao dividendo prioritário mínimo de 10% sobre 0 valor nominal delas (= R$ 100,00).

E os dividendos serão distribuídos assim:• os titulares de ações ordinárias receberão os R$ 70,00;• os titulares de ações ordinárias não receberão nada. Ainda nesta hipótese, a

quantia de R$ 20,00, não paga a título de renda fixa, deverá ser lançada, no balanço social, como débito da companhia e crédito dos acionistas titulares

____ das ações preferenciais.__________________________

AÇÕES PREFERENCIAIS 63

Exegeses alternativas do Inciso I do § i° do art. 17

A pouca cláreza na redação do Inciso I do § i° do art. 17, aliada à inovação nele introduzida, com quebra da harmonia da arquitetura da lei, provavelmente, ensejará ao menos uma exegese alternativa.7

Obviando os argumentos sibilinos de uma possível exegese alternativa do Inciso I do § i° do art. 17, na linha da interpretação já explicitada, analisa-se a seguinte hipótese ilustrativa:

7 Os defensores dessa exegese alternativa, certamente, argumentarão que a vantagem estatutária prevista na letra “a”, do Inciso I, do § i° do art. 17, de forma alguma deve ser interpretada como transformação das ações preferenciais não votantes ou com voto vencido em títulos de renda fixa e mínima. Não é difícil “adivinhar” os argu­mentos que, provavelmente, fundamentarão essas exegeses alternativas. Ei-los: Se o legislador quisesse conferir aos dividendos de 3% (três por cento), no mínimo, referidos na letra “a” do Inciso I, do § i° do art. 17, o caráter de renda fixa, não teria empregado a palavra “prioridade”, e sim “direito”; quanto a este argumento, poder- se-á contra-argumentar com a lembrança de que, na sistemática da lei, a ação preferencial com prioridade na distribuição de dividendos assegura ao seu titular verdadeiro crédito, condicionado à existência de lucro. A palavra “prioridade”, no contexto da lei, não significa mera antecedência ou precedência, como no cerimonia] diplomático do Itamaraty, mas crédito. Partindo do argumento anterior, os defenso­res dessa exegese alternativa, provavelmente, argumentarão, mais, que o texto da letra “a” do Inciso I, do § i° do art. 17 faz referência expressa aos “dividendos mencionados neste inciso”; que os “dividendos mencionados neste inciso” são os de “25% (vinte e cinco por cento), do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202”; que existe uma vinculação direta entre o caputào Inciso I do § i° do art. 17 e a sua letra “a”; que a expressão “dividendo a ser distribuído correspondente a, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício” corresponde ao valor em dinheiro a ser distribuído num determinado exercício, e não à fixação do dividendo obrigatório no estatuto, etc., para, certamente, chegarem a uma conclusão bem diferente daquela já apresentada anteriormente. Mas essa exegese alternativa, não apenas fere a letra e o espírito da lei, como também a própria Lógica Formal ou Menor. A letra da lei e a Lógica Formal ou Menor deixam claro que a expressão “dividendo obrigatório”, contida no Incisol do § i° do art. 17, se refere ao percentual fixado no estatuto, e não à quantia em dinheiro a ser distribuída num determinado exercício; e também deixam claro que as vantagens previstas nas letras “a” e “b” do Inciso I do § único do art. 17, para o efeito previsto, são cumulativas e não alternati­vas. O espírito da lei das sociedades por ações preocupa-se com a situação do pequeno investidor que se dispõe a se tornar acionista minoritário (não controlador), não votante ou com voto restrito. O crescimento, o desenvolvimento e a pujança das sociedades anônimas e do mercado de valores mobiliários ficarão enormemente facilitados quando o acionista minoritário (não controlador), sobretudo o não votan­te, ou aquele com voto restrito, puder sentir, em todo 0 seu conteúdo e extensão, o real significado das palavras “boa-fé”, “confiança” e “eqüidade”. Finalmente, vale lembrar que o direito de receber, “no mínimo, 3% (três por cento) do valor de patrimônio líquido da ação” é uma vantagem estatutária facultativa, que o estatuto pode (ou não) conceder às ações preferenciais; se o estatuto a conceder, não será nem justo, nem ético, nem moral, nem jurídico e nem legal o emprego de artifícios hermenêuticos sibilinos para frustrar, na prática, a vantagem concedida.

64 SOCIEDADE ANÔNIMA

Imagine uma companhia com o capital de R$ 2.000,00, dividido em2.000 ações com 0 valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

• ações ordinárias (50% do capital) e• ações preferenciais (50% do capital), com prioridade na distribuição

de dividendos fixos e não-cumulativos de 10% (dez por cento) sobre o valor nominal delas, sem direito de voto (art. 17,1).

Nessa sociedade:

• 0 dividendo obrigatório foi fixado em 25% do lucro líquido ajustado e distribuível;

• o estatuto conferiu às ações preferenciais, em sua integralidadè, a vantagem estatutária facultativa prevista no Inciso I do § Io, letra “a”, do art. 17 (“prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação”).

• O balanço social ostenta os seguintes valores:

A tivo. í '4 '.- Passivo _;.J,

Patrimônio líquido de R$ 6.000,00:• Capital:......................R$ 2.000,00• Lucros ou reservas:.....R$ 4.000,00

TOTAI. DO ATIVO: [..;] TOTAL DO PASSIVO: [...]

E o lucro líquido ajustado e distribuível é de R$ 280,00.

Fixados esses dados, tem-se que, nessa companhia:

• o dividendo obrigatório de 25% será de R$ 70,00 (25% de R$ 280,00 = R$ 70,00);

• 0 dividendo prioritário fixo e não-cumulativo de 10% (dez por cento) sobre o valor nominal do conjunto das ações preferenciais é de R$ 100,00 (10% de R$ 1.000,00 = R$ 100,00);

• a “prioridade no recebimento dos dividendos [...] correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação”, atribuída ao conjunto das ações preferenciais, monta em R$ 90,00 (3% de R$ 1.000,00 = R$ 90,00).

AÇÕES PREFERENCIAIS 65

Nesta hipótese, e com esses dados, vê-se que 0 lucro líquido ajustado e distribuível de R$ 70,00 não será suficiente: a) quer para o pagamento do dividendo prioritário fixo e não-cumulativo de 10% (dez por cento) sobre o valor nominal do conjunto das ações preferenciais (R$ 100,00); b) quer para o pagamento da “prioridade no recebimento dos dividendos mencionados neste inciso correspondente a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido da ação”, atribuída ao conjunto das ações preferenciais (R$ 90,00).

Conseqüências:

• os titulares de ações preferenciais receberão R$ 70,00; e ficarão com um crédito de R$ 20,00 (R$ 90,00 - R$ 70,00 = R$ 20,00), devendo essa quantia ser lançada, no balanço social, como débito da companhia;

• os titulares de ações ordinárias receberão nada.

A segunda vantagem estatutária prevista no Inciso II do § i° do art. 17

Eis a redação do Inciso II do § i° do art. 17:

II - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária;

Essa segunda vantagem estatutária somente deverá ser considerada inteiramente concedida às ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito, para o efeito de se admitir a sua negociação, no mercado, se o estatuto social declarar, expressamente, que o titular de toda e qualquer ação preferencial8 receberá, em cada exercício social, dividendo, no mínimo, 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária.

Neste ponto, insinuam-se algumas questões interessantes:

- como conciliar o caputào art. 202 com o Inciso II do § i° do art. 17?- O dividendo de pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o

atribuído a cada ação ordinária deverá conter-se dentro do percentual fixado estatutariamente para 0 dividendo obrigatório ou acarretarão necessariamente a superação desse percentual?

Segundo o caputào art. 202 da Lei n. 6.404, de 1976, os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela

8 Toda e qualquer ação preferencial com prioridade na distribuição de dividendos, toda e qualquer ação preferencial com prioridade no reembolso do capital, e toda e qualquer ação preferencial com prioridade na distribuição de dividendos e no reem­bolso do capital.

66 SOCIEDADE ANÔNIMA

dos lucros estabelecida no estatuto, ou, se este for omisso, metade do lucro líquido ajustado e distribuível.

Quanto à última questão acima formulada, duas interpretações dife­rentes se insinuam.

Para melhor compreensão, imaginemos a seguinte situação concreta: (aqui são apresentados números pequenos e redondos, a título de exemplo).

Exemplo ilustrativo

Imagine-se uma companhia com o capital de R$ 2.000,00, dividido em2.000 ações com 0 valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

• ações ordinárias (50% do capital); e• ações preferenciais (50% do capital), com prioridade na distribuição

de dividendos mínimos e não-cumulativos de 10% (dez por cento) sobre 0 valor nominal delas, sem direito de voto.

Nessa sociedade:

• o dividendo obrigatório foi fixado em 25% do lucro líquido ajustado e distribuível;

• o estatuto conferiu às ações preferenciais, em sua integralidade, a vantagem estatutária prevista no Inciso I do § i° do art. 17; e

• o lucro líquido ajustado e distribuível, apurado no exercício, é de R$ 400,00.

Pergunta-se:

1. Quanto do lucro líquido ajustado e distribuível a companhia será obrigada a distribuir sob a forma de dividendo?

2. Quanto deverão receber, em conjunto, os titulares das ações or­dinárias e quanto deverão receber, em conjunto, os titulares das ações preferenciais?

3. Qual das duas alternativas abaixo parece a mais correta, à luz dos textos legais?

Primeira alternativa:

A companhia deverá distribuir R$ 105,00, da seguinte maneira:

AÇÕES PREFERENCIAIS 67

Segunda Alternativa:

A companhia deverá distribuir R$ 100.000,00, da seguinte maneira:

Vê-se que, adotada a primeira alternativa, embora a companhia fixe o dividendo obrigatório em 25%, ela acabará pagando mais que 25% do lucro líquido ajustado e distribuível. Adotada a segunda alternativa, ela só pagará 25% do líquido ajustado e distribuível.

Poder-se-á argumentar, a favor da primeira alternativa, que o caputào art. 202 estabelece para todos os acionistas (para cada acionista, sem distin­ção), o direito de receber 0 correspondente dividendo obrigatório fixado no estatuto. E que, se adotada a segunda alternativa, as ações ordinárias receberão percentual menor do lucro ajustado e distribuível do que o estabelecido no estatuto.

Penso que a Segunda Alternativa é a mais correta. Em outras palavras, os “dez por cento a mais, no mínimo, do que os [dividendos] atribuídos às ações ordinárias” deverão conter-se dentro do percentual fixado estatutariamente para o dividendo obrigatório. Entendo que o caput do art. 202 estabelece o critério para se apurar quanto os acionistas, globalmente, deverão receber a título de dividendo obrigatório. E que o rateio do lucro líquido ajustado e distribuível se fará discriminadamente, compatibilizando-se o caput do art. 202 com o inciso II do § 2° do art. 17.

Para corroborar o acerto desta Segunda Alternativa, apresenta-se o seguinte raciocínio: se o estatuto fixasse o dividendo obrigatório em 100% (cem por cento) do lucro líquido ajustado e distribuível, a companhia não poderia pagar mais nem um centavo, a não ser que, eventualmente, tivesse lucros em suspenso provenientes de exercícios anteriores.

9 (*) Para se chegar ao valor a ser pago às ações ordinárias (R$ 52,38), neste quadro, dividiu-se o valor total, correspondente ao dividendo obrigatório, por 2,1:

R$ 100.000,00: 2,1 = R$ 47.619,047619...R$ 100.000,00 - R$ 47.619,047619 = R$ 52.380,952380...

(Obs.: O divisor 2,1 só se aplica quando a proporção entre as ações ordinárias e as ações preferenciais for de 50% - 50%, como no exemplo ilustrativo. Se essa propor­ção for diferente, o divisor será outro).

68 SOCIEDADE ANÔNIMA

Finalmente, consigne-se o seguinte:

Caso o estatuto conceda a vantagem estatutária facultativa prevista no Inciso II do § i° do art. 17 ao titular de ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos, a companhia deverá não apenas assegurar à ação preferencial o recebimento de dividendo no mínimo 10% maior do que o atribuído a cada ação ordinária, mas também deverá satisfazer ao dividen­do prioritário estabelecido, observando as regras aplicáveis ao dividendo prioritário fixo ou ao dividendo mínimo. E, na hipótese de discrepância de valores, o acionista preferencial deverá receber o maior deles. Para não restarem dúvidas quanto à afirmativa aqui contida, desenvolvamos a hipótese relativa às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos, detalhando-a nos dois quadros sucessivos, que usam números hipotéticos e aleatórios:

Primeiro Quadro ' - : , , . V"• Dividendo pago a cada ação ordinária R$ 10,00• Dividendo pago a cada ação ordinária

acrescido de 10% R$ 11,00• Valor do dividendo prioritário fixo ou

mínimo: R$ 20,00A ação preferencial deverá receber R$ 20,00

Segundo Quadro v ‘• Dividendo pago a cada ação ordinária R$ 20,00• Dividendo pago a cada ação ordinária

acrescido de 10% R$ 22,00• Valor do dividendo prioritário fixo ou

mínimo: R$ 10,00

1 A ação preferencial deverá receber R$ 22,00

A terceira vantagem estatutária prevista no Inciso II do § i° do art. 17

Essa terceira vantagem estatutária somente deverá ser considerada in­teiramente concedida, para 0 efeito de se admitir a negociação, no mercado, das ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito, se 0 estatuto social, conferir, expressamente, a todas elas,10 0 direito de ser incluídas na

10 As ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos, às ações prefe­renciais com prioridade no reembolso do capital e às ações preferenciais com priori­dade na distribuição de dividendos e no reembolso do capital.

AÇÕES PREFERENCIAIS 69

oferta de alienação de controle disciplinada no art. 254-A," em igualdade de condições com as ações ordinárias.

Negociação no mercado

As ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição no exercício desse direito somente serão admitidas à negociação no mercado se a elas for atribuída pelo menos uma das três vantagens estatutárias acima analisadas.

Outras vantagens estatutárias

O estatuto social poderá conferir outras vantagens estatutárias às ações preferenciais sem direito de voto ou com voto restrito, além daquelas três já estudadas. Se o fizer, deverá explicitar, com precisão e minúcia, em que consistem essas vantagens estatutárias (§ 2° do art. 17).

8. O §5° DO ART. 17

“§ 5o Salvo no caso de ações com dividendo fixo, o estatuto não pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros (art. 169)”.

O § 5o do art. 17 é inovação da Lei n. 10.303, de 2001.Para sua melhor compreensão, vale a pena desdobrá-lo em duas alíneas,

que correspondem à regra e à exceção nele consagradas, assim:

1. REGRA: O estatuto não pode excluir ou restringir 0 direito das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros;

2. EXCEÇÃO: O estatuto pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros.

A inovação situa-se, mais precisamente, na exceção acima destacada. E é infeliz, como demonstrado mais adiante.

Como se percebe, neste § 50, a lei, referenciando-se aos aumentos de capital decorrentes da capitalização de lucros ou reservas, trata diferentemente a ação preferencial com dividendo fixo e a ação preferencial com dividendo mínimo.

11 “Art. 254-A. A alienação [...] do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.”

70 SOCIEDADE ANÔNIMA

As noções de dividendo fixo e de dividendo mínimo já foram suficiente­mente esclarecidas no tópico 2.1., supra. Ali, vimos que o dividendo prioritário da ação preferencial com prioridade na distribuição de dividendos (art. 17 ,1) pode ser fixo ou mínimo. E que na omissão do estatuto social a respeito, ele será considerado fixo (art. 17, § 40).

O § 5o do art. 17 permite que 0 estatuto social exclua ou restrinja o direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros. Com isso, elas sofrerão, necessariamente, uma diluição da sua participação acionária.

Todas as demais ações preferenciais ((a) ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo mínimo; (b) ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital; e (c) ações preferenciais com prioridade no recebimento de dividendo mínimo e no reembolso do capital) participam dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros.

Aparentemente, o legislador, neste § 5°, confundiu coisas inteiramente distintas; confundiu, indevidamente, dividendo fixo com renda fixa.

É importante ressaltar que 0 conceito de dividendo fixo corresponde à noção de teto; não à idéia de algum percentual de renda fixa; as ações são títulos de rendimento variável; não são títulos de renda fixa.

O aumento de capital por capitalização de lucros ou reservas acha-se disciplinado no art. 169. Esse aumento de capital não implica aumento de patrimônio da companhia; acarreta apenas uma alteração no balanço social.

Observe o leitor os quadros comparativos a seguir:

Balanço social antes do aumento de capital por capitalização de lucros ou reservas

Ativo Passivo

Patrimônio líquido:• Capital:...........................R$ 100,00• Lucros ou reservas: ..........R$ 100,00

TOTAL DO ATIVO:......... ....R$ 200,00 TOTAL DO PASSIVO:....... .....R$ 200,00

AÇÕES PREFERENCIAIS 71

Balanço social depois do aumento de capital por capitalização de lucros ou reservas:

Ativo Passivo

Patrimônio líquido:• Capital:......................• Lucros ou reservas:....

....R$ 200,00

....R$.........0

TOTAL DO ATIVO:.......... .... R$ 200,00 TOTAL DO PASSIVO:........ ...,R$ 200,00

Na prática, o § 50 do art. 17 encontrará óbices, como demonstrado a seguir. Segundo 0 art. 169, “0 aumento de capital mediante capitalização de

lucros ou de reservas importará:

• alteração do valor nominal das ações; ou• distribuição de ações novas [ações bonificadas ou ‘filhotes’], corres­

pondentes ao aumento, entre acionistas, na proporção do número de ações que possuírem”.

Ilustrações

Para melhor ilustrar a disfunção na aplicação prática do § 50 do art. 17, examinem-se as seguintes hipóteses reducionistas.

Primeira hipótese

Numa companhia com dois acionistas, apenas (Tício e Mévio), com o capital de R$ 1.000,00, dividido em 1.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

• Tício possui 500 ações ordinárias (50% do capital); eMévio possui 500 ações preferenciais (50% do capital), com priori­dade na distribuição de dividendo fixo.

1. O balanço social revela o seguinte:

• Ativo Passivo

TOTAL DO ATIVO: [...]

Patrimônio líquido:• Capital:......................• Lucros ou reservas: ,

TOTAL DO PASSIVO: [...]

. R$ 1.000,00 . R$ 1.000,00

72 SOCIEDADE ANÔNIMA

2. A assembléia-geral delibera aumentar o capital mediante incorpo­ração dos lucros e reservas; com isso, o balanço social passará a ostentar o seguinte:

Ativo ' : f : •• . ; Passivo ‘ .'i

Patrimônio líquido:• Capital:..................... . R$ 2.000,00• Lucros ou reservas:.......R$ 0

TOTAL DO ATIVO: [...] TOTAL DO PASSIVO: [...]

3. O estatuto social restringe 0 direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros.

4. A assembléia opta pelà distribuição de novas ações [ações bonificadas ou ‘filhotes’].

5. Aplicado 0 disposto no § 50 do art. 17,

• Tício passará a deter 1.500 ações ordinárias e (75% do capital); e• Mévio continuará detendo 500 ações preferenciais, reduzin­

do-se a sua participação acionária de 50% para 25%.

Nessas circunstâncias, numa analogia grosseira, é como se os ‘filhotes’ das ações preferenciais fossem adotados por outras mães... Com uma agravante: os ‘filhotes’, in casu, representam propriedade, dinheiro... A meu ver, essa solução não apenas gera o enriquecimento sem causa dos titulares das ações ordinárias, como fere 0 dispositivo do art. 50, XXII, da Constituição Federal.12

Segunda hipótese

Numa companhia com dois acionistas, apenas (Pedro e Paulo), com 0 capital de R$ 1.000,00, dividido em 1.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

12 “Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin­do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade.”

AÇÕES PREFERENCIAIS 73

Pedro possui 500 ações ordinárias (50% do capital); e Paulo possui 500 ações preferenciais (50% do capital), com prio­ridade na distribuição de dividendo mínimo.

2. O balanço social revela o seguinte:

Ativo Passivo

Patrimônio liquido:• Capital:......................• Lucros ou reservas:...,

. R$ 1.000,00 .. R$ 1.000,00

TOTAL DO ATIVO: [...] TOTAL DO PASSIVO:[...]

3. A assembléia-geral delibera aumentar o capital mediante incorpo­ração dos lucros e reservas; com isso, o balanço social passará a ostentar 0 seguinte:

1 Ativo ■i '1 ‘ '1 -■> ■■ v y ^ P a s s i v o

Patrimônio líquido:• Capital:..................... . R$ 2.000,00• Lucros ou reservas:.... ...,R$ 0

TOTAL DO ATIVO: [...] TOTAL DO PASSIVO: [...]

4. O estatuto social restringe o direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros.

5. A assembléia opta pela alteração do valor nominal das ações.6. Aplicado 0 disposto no § 50 do art. 17,

• cada uma das ações de Pedro passaria a ostentar 0 valor nominal de R$ 3,00 (três reais); e

• cada uma das ações de Paulo continuaria a ostentar o valor nominal de R$ 1,00 (um real).

74 SOCIEDADE ANÔNIMA

Aqui, além dos óbices já apontados (inconstitucionalidade e enriqueci­mento sem causa dos titulares das ações ordinárias) desponta um outro óbice, de ordem técnica: o § 2o do art. 11 determina que “o valor nominal será o mesmo para todas as ações da companhia”. Ora, se as ações preferenciais não podem, regra geral, participar dos aumentos de capital decorrentes da capita­lização de reservas ou lucros, elas também não poderão ter o seu valor nomi­nal alterado. E como cumprir, então, o art. 11, acima transcrito? A companhia terá, então, ações com valores nominais diferentes?

Terceira hipótese

1. Numa companhia com dois acionistas, apenas (Xisto e Lívio), com o capital de R$ 1.000,00, dividido em 1.000 ações sem valor nominal e assim composto:• Xisto possui 500 ações ordinárias (50% do capital); e• Lívio possui 500 ações preferenciais (50% do capital), com prio­

ridade na distribuição de dividendo mínimo.

2. O balanço social revela 0 seguinte:

Ativo Passivo■

Patrimônio líquido:• Capital:.....................• Lucros ou reservas:...

.. R$ 1.000,00 ...R$ 1.000,00

TOTAL DO ATIVO: .... R$ 1.000,00 TOTAL DO PASSIVO: .. R$ 1.000,00

3. A assembléia-geral delibera aumentar 0 capital mediante incorpo­ração dos lucros e reservas; com isso, o balanço social passará a ostentar o seguinte:

Ativo . Passivo'

Patrimônio líquido:• Capital:.....................• Lucros ou reservas: ...

... R$ 2.000,0 .... R$ 0

1 TOTAL DO ATIVO:....... ... R$ 1.000,00 TOTAL DO PASSIVO:...... .. R$ 2.000,00

AÇÕES PREFERENCIAIS 75

4. O estatuto social restringe o direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros.

Nesta hipótese, e considerando que as ações da companhia não possuem valor nominal, não se aplicará nenhuma das duas alterna­tivas previstas no art. 169, a saber:• alteração do valor nominal das ações; ou• distribuição de ações novas [ações bonificadas ou ‘filhotes’], cor­

respondentes ao aumento, entre acionistas, na proporção do número de ações que possuírem”.

E então, como aplicar o § 50 do art. 17?Outras hipóteses poderiam ser aventadas. Nenhuma delas seria infensa

à enorme dificuldade prática na aplicação do § 50 do art. 17.Como se percebe, foi infeliz, por vários motivos, a inovação introduzida

pelo § 5o do art. 17.

9. O §6° DO ART. 17

. “§ 6o O estatuto pode conferir às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo, o direito de recebê-lo, no exercício em que 0 lucro for insuficiente, à conta das reservas de capital de que trata o § i° do art. 182”.

O § 6o do art. 17 trata, especificamente, da ação preferencial com priori­dade na distribuição de dividendo cumulativo. Já vimos que o dividendo prioritário cumulativo assegura ao acionista preferencial a acumulação do percentual prioritário de um exercício para outro, quando o seu crédito não for integralmente satisfeito. Essa acumulação, na prática, pode acarretar difi­culdade financeira para a companhia. Depois de dez anos, por exemplo, o dividendo prioritário cumulativo de 10% passará a ser de 100%. Por essa razão, o § 6o permitiu, excepcionalmente, que, no exercício em que o lucro for insuficiente para satisfazer o crédito das ações preferenciais com prioridade no recebimento de dividendo cumulativo, o pagamento se faça à conta das reservas de capital de que trata o § i° do art. 182.

10. O § 70 DO ART. 17

“§ 7o Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especi­

76 SOCIEDADE ANÔNIMA

ficar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembléia-geral nas matérias que especificar.

Aqui também, afora o cacófato “do ente”, esbarra-se numa dificuldade exegética, decorrente da excepcionalidade da norma.

Companhias estatais são as empresas públicas e as sociedades de economia mista, que fazem parte da administração indireta do Estado (V. o Decreto-lei n. 200, de 1967, art. i°, II, “b” e “c”).

O que é “companhia objeto de desestatização”? Nem toda a companhia “estatal” é “objeto de desestatização”, embora todas elas - ou quase todas - sejam “desestatizáveis”.

Supõe-se que “companhia objeto de desestatização” seja a companhia estatal, controlada pelo Estado, depois da existência de Lei autorizando a alienação do seu controle.

Admitindo-se essa suposição como correta, tem-se que a “companhia objeto de desestatização” pode criar ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva de seu controlador. A essa ação preferencial de classe especial poderá o estatuto social conferir poderes especiais, inclusive 0 de veto às deliberações da assembléia-geral nas matérias que especificar.

A esse tipo de ação especial se dá o nome, na linguagem de mercado, de “ação dourada” (ação de ouro ou golden share).

Essa “ação dourada” também se erige em parcela do capital social; e ninguém poderá negar que, pelo poderio a ela atribuído, 0 seu valor será elevado.

A criação dessa “ação dourada” deverá ser subscrita, exclusivamente, pelo ente Estado controlador e desestatizante; e implicará, necessariamente, o aumento do capital social.

Trata-se de salutar medida de ordem pública, que visa a assegurar ao Estado uma espécie de compartilhamento do controle da empresa estatal, por ele alienado. O Estado, como acionista minoritário, depois de perder 0 controle, reterá um poder de veto.

Obviamente, no aumento de capital decorrente da subscrição dessa ação dourada não se aplica o direito de preferência previsto nos arts. 109, IV, e 171. Mas texto legal teria ficado mais completo se 0 legislador de 2001 tivesse consignado essa exclusão do direito de preferência, como fez, por exemplo, no art. 172.

11. O CASO CEMIG E O § 70 DO ART. 17

Por fim, vale a pena fazer-se breve referência ao caso da Cemig - Compa­nhia Energética de Minas Gerais.

AÇOES PREFERENCIAIS 77

Como já demonstrado, o § 70 do art. 17 prevê a hipótese de o Estado, que aliena o controle de uma empresa estatal, subscrever ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva, com poder de veto a determinadas delibera­ções da assembléia-geral (“ação dourada” (ação de ouro ou golden share)).

No caso da Cemig, ocorreu algo diferente da hipótese prevista no § 70 do art. 17: a empresa estrangeira denominada Southern Electric Brasil Parti­cipações Ltda. (Shouthem) adquiriu um bloco de ações da Cemig, sociedade anônima de economia mista controlada pelo Estado de Minas Gerais, repre­sentando 32,964% do capital social. O Estado de Minas Gerais continuou a deter a maioria das ações votantes da companhia. Mas celebrou, com a Southern, um acordo de acionistas, pelo qual foi atribuído, às ações por esta adquiridas 0 poder de veto a determinadas deliberações da assembléia-geral.

Pelo acordo de acionistas, o bloco de ações da Southern assumiu 0 status de ação dourada.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em decisão unânime, anulou o acordo de acionistas, em decisão assim ementada: “... O acordo de acionistas celebrado entre as partes, com violação à Lei Estadual n. 11.069/95 e à Constituição do Estado de Minas Gerais, deve ser anulado por configurar perda do controle acionário.”13

O Caso Cemig é apresentado com maior detalhamento no Capítulo 11.

13 Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n. 000.199.781-6/00. Rel.: Des. Garcia Leão. Data do acórdão: 7.8.2001.

C a p ítu lo 5

C e r t if ic a d o s e p r o v a

DE PROPRIEDADE DAS AÇÕES

1. CERTIFICADOS DE PROPRIEDADE DE AÇÕES

Os certificados de propriedade de ações nominativas, quando exis­tem, possuem a natureza de títulos de crédito impropriamente ditos (títulos de legitimação). Como tal, sujeitam-se a um certo rigorismo literal e formal, característica dos títulos de crédito cambiais, como a letra de câmbio, nota promissória, etc. Um certificado pode corporificar uma única ação ou várias ações, quando será, então, um título múltiplo. O certificado, entretanto, não é instrumento hábil para comprovar a propriedade de ações.

2. PROVA DE PROPRIEDADE DAS AÇÕES

A propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no Livro de Registro de Ações Nominativas ou pelo extrato fornecido pela instituição de custódia, na qualidade de proprietária fiduciária das ações (art. 31, caput). A propriedade das ações escriturais (ações não corporificadas em certificados) presume-se pelo registro na con­ta de depósito das ações, aberta em nome dos acionistas, nos livros da instituição depositária (art. 35). Trata-se de presunção juris tantiim, relativa, que admite prova em contrário.

3. CERTIFICADOS E CAUTELAS

O art. 25, caput, estabelece 0 parâmetro para distinção entre certificado e cautela. O certificado é definitivo. A cautela, provisória.

CERTIFICADOS E PROVA DE PROPRIEDADE DAS AÇÕES 79

4. AGENTE EMISSOR DE CERTIFICADOS

A emissão de certificados de propriedade de ações nominativas pode ser efetuada pela própria companhia ou, então, exclusivamente, por instituição financeira autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários. Contratado tal serviço com instituição financeira, somente este agente poderá emitir certifi­cados (art. 27, caput, e § i°, e art. 43).

5. CUSTÓDIA DE AÇÕES FUNGÍVEIS

Os arts. 41 e 41 cuidam da custódia de ações fungíveis. E também se aplicam, no que couber, aos demais valores mobiliários (art. 41, § 20).

No Capítulo 3, já vimos a) que as ações são bens móveis incorpóreos, não são coisas; b) que os certificados de propriedade de ações são bens móveis corpóreos ou coisas móveis; c) que, quanto aos direitos ou vantagens que confiram aos seus titulares, as ações dividem-se em três espécies: ordi­nárias, preferenciais e de fruição (art. 15); e d) que, quanto à forma prescrita em lei para a circulação, as ações podem ser nominativas (art. 20) ou escriturais (art. 34). Também já vimos, neste Capítulo, que a emissão de certificados de propriedade de ações pode ser efetuada pela própria compa­nhia ou, então, exclusivamente, por instituição financeira autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários.

O Código Civil de 1916, no art. 50, e o Código Civil de 2002, no art. 85, esclarecem ser fungíveis as coisas móveis que se podem substituir por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Segundo o art. 41, “A instituição autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários a prestar serviços de custódia de ações fungíveis pode contra­tar custódia em que as ações de cada espécie e classe da companhia sejam recebidas em depósito como valores fungíveis, adquirindo a instituição depositária a propriedade fiduciária das ações”.

Não resta dúvida de que as ações ao portador eram “ações fungíveis”. O Código de Processo Civil, nos arts. 907 a 913, disciplina a ação de anulação e substituição de títulos ao portador, entre os quais se incluíam as ações ao portador emitidas por companhias. Contudo, as ações ao portador foram abolidas do nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 8021, de 12.4.1990.

8o SOCIEDADE ANÔNIMA

A rigor, portanto, nenhuma espécie e nenhuma classe de ação emitida por companhia deveria ser considerada bem fungível. Observe-se, a propósi­to, que, do certificado de propriedade de ações nominativas deverão constar:a) “o número de ordem do certificado e da ação, e a espécie e classe a que pertence” (art. 24, V); e b) “0 nome do acionista” (art. 24, IX). A ação escriturai, que não se corporifica num certificado, fica mantida em conta de depósito em nome do seu titular (art. 34).

Carvalhosa (1997:1) refere-se à “natureza infungível das ações” das companhias”, fala em “características intrínsecas da infungibilidade da ação” e afirma categoricamente que as ações são “por sua natureza infungíveis”.

Por todas essas razões, o art. 41, mantido na lei depois de excluídas do nosso ordenamento jurídico as ações ao portador, deve ser lido e com­preendido com redobrado cuidado.

Uma visão compreensiva do art. 41 e seus parágrafos revela a possibili­dade de existência de contratos e contratantes distintos:

1. Contrato Base. Contrato de prestação de serviços. Partes: a companhia - de um lado - e uma instituição autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários de outro. Objeto-, a escritura­ção e a guarda dos livros de registro e transferência de ações e a emissão dos certificados de propriedade das ações nominativas da companhia (art. 27). Este mesmo contrato de prestação de serviços também poderá prever custódia (o depósito) de ações da companhia pela instituição financeira como “valores fungíveis” (art. 41); esta última previsão possível visa a facilitar a custódia de grandes conjuntos de ações e a sua administração por meio de sistemas informatizados.

2. Contrato Ancilar, vinculado ao anterior: Contrato de depósito. Par­tes4. a instituição financeira contratada pela companhia - de um lado- e o acionista da companhia - de outro. Objeta, a custódia (o depósito) das ações.

Quando celebrado este segundo contrato (contrato de depósito), a insti­tuição depositária adquire a “propriedade fiduciária das ações” (art. 41, caput).

CERTIFICADOS E PROVA DE PROPRIEDADE DAS AÇÕES 81

De posse dessa “propriedade fíduciária das ações”, a instituição financei­ra poderá emitir título representativo das ações que recebeu em depósito, denominado “certificado de depósito” [de ações] (art. 43).

Nos parágrafos do art. 41, a lei disciplina minuciosamente o segundo contrato, acima referido (0 contrato de depósito). E, quanto a este aspecto, o legislador, certamente, mantinha em seu inconsciente a lembrança de dois dispositivos do Código Civil de 1916: Io) “Art. 1.280. O depósito de coisas fungíveis, em que 0 depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo (artigos 1.256 a 1.264);e 2°) “Art. 1.257. Este empréstimo transfere o domí­nio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”.

O § 4o do art. 41 deixa claro que a “propriedade fíduciária” da instituição financeira não exclui a propriedade do acionista depositante das ações, rece­bidas como “valores fungíveis”; e nem se confunde com ela: a propriedade das ações em custódia fungível será provada pelo contrato firmado entre: a) o proprietário das ações eb) a instituição depositária.

Precisamente por isso, a instituição financeira “não pode dispor das ações” e “fica obrigada a devolver ao depositante a quantidade de ações recebidas, com as modificações resultantes de alterações no capital social ou no número de ações da companhia emissora, independentemente do número de ordem das ações ou dos certificados recebidos em depósito” (art. 41, §i°).

Uma leitura compreensiva dos parágrafos do art. 41 deixa bem clara a seguinte distinção:

82 SOCIEDADE ANÔNIMA

ACIONISTA-DEPOSITANTE INSTITUIÇÃO DEPOSITÁRIA

Detém a propriedade das ações. Detém a “propriedade fiduciária das ações”, em decorrência do contrato de depósito ce­lebrado com 0 acionista-depositante.

Pode dispor das ações, quando lhe aprouver

“Não pode dispor das ações” e “fica obri­gada a devolvê-las...” (art. 41, § i°).

É o “proprietário efetivo” (art. 41, § 30,1) É a proprietária fiduciária.

Pode gravar as suas ações com ônus ou gravames (art. 41, § 30, II)

Não pode gravar as ações do depositante com ônus ou gravames; mas é obrigada a comunicar à companhia a superveniência de ônus ou gravames sobre elas (art. 30, II).

Na eventual falência do acionista depo- sitante, 0 administrador judicial deverá arrecadar as ações custodiadas (deposi­tadas).

Na eventual liquidação extrajudicial ou fa­lência da instituição financeira depositária, as ações depositadas não poderão ser arre­cadadas pelo liquidante ou pelo adminis­trador judicial.

Se as ações depositadas forem arrecada­das em eventual liquidação extrajudicial ou falência da instituição financeira de­positária, 0 acionista depositante terá 0 direito de pedir a sua restituição.

Se as ações depositadas forem arrecadadas em eventual falência do acionista depositante, aplicar-se-á a norma do art. 117 da Lei de Falências de 2005: “Art. 117 - Os contratos bilaterais não se resolvem pela fa­lência e podem ser cumpridos pelo adminis­trador judicial se 0 cumprimento reduzir ou evitar 0 aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preserva­ção de seus ativos, mediante autorização do Comitê. § 12 0 contratante [m casu, a insti­tuição financeira] pode interpelar 0 admi­nistrador judicia], no prazo de até 90 (no­venta) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não 0 con­trato. § 2S A declaração negativa ou 0 silêncio do administrador judicial confere ao contraente 0 direito à indenização, cujo va­lor, apurado em processo ordinário, consti­tuirá crédito quirografário.”

Capítulo 6

A ç õ e s : in d iv is ib il id a d e , NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇÃO

1. INDIVISIBILIDADE DAS AÇÕES

A ação é indivisível perante a companhia, mas poderá pertencer, em condomínio, a mais de uma pessoa. Nesta hipótese, os direitos por ela conferidos serão exercidos pelo representante do condomínio. No Capítulo 13, examinaremos o conceito de desdobramento ou bonificação de ações.

2. NEGOCIAÇÃO DE AÇÕES NÃO INTEGRALIZADAS

Nas companhias abertas, as ações somente poderão ser negociadas de­pois de realizados 30% do preço de emissão, sob pena de nulidade do ato (art. 29 e seu parágrafo único).

3. TRANSFERÊNCIA DE AÇÕES

A propriedade de ações transfere-se inter vivos ou mortis causa. A forma da transferência inter vivosv&i depender da forma das ações. A transfe­rência das ações nominativas opera-se por termo lavrado no “Livro de Trans­ferência de Ações Nominativas”, datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário ou seus legítimos representantes (art. 31, § 1°). A transferência das ações escriturais opera-se por lançamento efetuado pela instituição depo­sitária em seus livros, a débito da conta de ações do alienante e a crédito da conta de ações do adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização judicial, em documento hábil, que ficará em poder da instituição (art. 35, § i°). Sobre limitações à circulação de ações, ver o Capítulo 3.

4. NEGOCIAÇÃO DA COMPANHIA COM AS SUAS PRÓPRIAS AÇÕES

Regra geral, a companhia não poderá negociar com suas próprias ações (art. 30). Tal regra, entretanto, admite exceções. Segundo o parágrafo único

84 SOCIEDADE ANÔNIMA

do art. 30, “Nessa proibição não se compreendem: d) as operações de resgate, reembolso ou amortização previstas em lei; b) a aquisição, para permanência em tesouraria ou cancelamento, desde que até o valor do saldo de lucros e reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social ou por doação; c) a alienação das ações adquiridas nos termos da alínea b e mantidas em tesoura­ria; d) a compra, quando resolvida a redução do capital mediante restituição, em dinheiro, de parte do valor das ações, o preço destas em bolsa for inferior ou igual à importância que deve ser restituída”.

O Código Penal tipifica como crime o fato de o diretor ou gerente comprar ou vender, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite (Código Penal, art. 177, § i°, IV).

5. RESGATE DE AÇÕES

O estatuto ou a assembléia-geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas no resgate de ações (art. 44, caput).

“Poderá toda e qualquer reserva ser utilizada para resgate? [...] Somos de parecer não será legítimo utilizar a reserva legal [...]. O resgate pode ser efetuado mediante a utilização de lucros, de reservas de lucros ou reservas de capital” (Teixeira & Guerreiro, 1979).

“O resgate consiste no pagamento do valor das ações para retirá-las definitivamente de circulação, com redução ou não do capital social [...]” (art. 44, § i°). O resgate que não abranger a totalidade das ações de uma mesma classe será feito mediante sorteio (art. 44, § 40). O resgate representa uma transmissão forçada, irrecorrível e definitiva da propriedade das ações do acionista para o domínio da própria companhia que, em seguida, as extin- guirá (Carvalhosa, 1977). Corresponde à desapropriação do Direito Público, que requer prévia e justa indenização em dinheiro.

A lei não esclarece o critério a ser adotado para o pagamento do valor das ações a serem resgatadas. Como por mim já fòi dito em outro estudo, na omissão estatutária, deve ser aplicada, por analogia, a diretriz fixada no art. 45 (Corrêa-Lima, 1991). Para Modesto Carvalhosa, deveria ser adotado o mesmo critério previsto para a fixação do preço de emissão de ações no § i° do art. 170 (Carvalhosa, 1977).

Apesar da referência literal da lei a “resgate com redução do capital”, e considerando que essa operação só pode resultar da aplicação de lucros ou reservas (fundos disponíveis da sociedade), é juridicamente impossível o resgate com redução do capital. Haverá, sim, redução do número de ações, com alteração do seu valor nominal, se este existir. O resgate não pode ser a causa de

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇÃO 85

uma redução do capital. A redução do capital não pode ser a conseqüência do resgate. Não há relação de causa e efeito entre resgate e redução do capital.

Resgate de ações preferenciaisO estatuto da companhia com ações preferenciais poderá prever o resgate,

fixando as respectivas condições (art. 19). Assim, o estatuto poderá, ou não, autorizar (dispor sobre ou prever) a aplicação de lucros ou reservas no resgate de ações preferenciais. A expressão “poderá” indica uma faculdade. Não uma obrigatoriedade.

Segundo o caput do art. 44, “o estatuto ou a assembléia-geral pode autorizara, aplicação de lucros ou reservas no resgate”. A redação mostra-se infeliz. Mistura ações heterogêneas, atribuíveis a sujeitos diversos, induzindo o intérprete a erro. Emprega o mesmo verbo (“autorizar”) no sentido de “dispor sobre”, ou “prever”, tendo por sujeito o estatuto, e no sentido de “deliberar” ou “decidir”, tendo por sujeito a assembléia-geral.

A interpretação mais correta parece ser a seguinte:

• Se o estatuto previr (dispuser sobre) o resgate das ações preferenciais, a assembléia-geral extraordinária poderá deliberar (decidir) a respei­to; contudo, e salvo disposição em contrário do estatuto, o resgate só será efetuado se, na assembléia especial, convocada para deliberar essa matéria, for aprovado por acionistas que representem, no míni­mo, a metade das ações da(s) classe(s) atingida(s) (§ 6o do art. 44);

• Se 0 estatuto não 0 previr (dispuser sobre) 0 resgate de ações prefe­renciais, a assembléia-geral não poderá deliberar sobre essa matéria.

Poder-se-á argumentar o seguinte: a assembléia, soberana, pode alterar o estatuto social, para nele introduzir cláusula permissiva do resgate das ações preferenciais; e, cómo “quem pode 0 mais pode o menos”, nada impede que ela também simplesmente delibere 0 resgate. O argumento mostra-se falacioso.

A eficácia da deliberação da assembléia-geral sobre alteração nas condi­ções de resgate das ações preferenciais (art. 136, II) “depende de prévia aprovação ou da ratificação (confirmação), em prazo improrrogável de 1 (um) ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em assembléia especial, convocada e instalada com as formalidades [da] lei” (art. 136, § i°).

Ora, quem não pode o menos não pode o mais. Quem não pode alterar condições de resgate, sem prévia aprovação ou sem ratificação, referidas no § 1° do art. 136, também não pode resgatar e nem alterar o estatuto social omisso, para nele incluir previsão sobre o resgate.

86 SOCIEDADE ANÔNIMA

Assim, se o estatuto social for omisso a respeito, a eficácia da deliberação da assembléia-geral que o alterar, para nele introduzir o resgate, deveria, no mínimo, depender de “prévia aprovação ou da ratificação (confirmação), em prazo improrrogável de 1 (um) ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em assembléia especial, convocada e instalada com as formalidades [da] lei” (art. 136, § i°).

Nada impede, contudo, que a assembléia-geral extraordinária delibere sobre a criação de uma outra e nova classe de ações preferenciais e resga- táveis. Para um estudo mais completo sobre 0 resgate de ações, ver o caso Adhemar de Barros.

A amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes pode­riam tocar em caso de liquidação da companhia. Pode ser integral ou parcial e abranger todas as classes de ações ou só uma delas. As ações integralmente amortizadas poderão ser substituídas por ações de fruição (art. 44, §§ 2o, 3o e 50).

“O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembléia- geral 0 valor de suas ações” (art. 45). Os “casos previstos em lei” são aqueles ensejadores do direito de retirada ou recesso (art. 137).

6. CASO ADHEMAR DE BARROS

(JtTíf-STF 70/9)

6.1 Resgate de ações — Lei atual e lei anterior

A atual Lei das Sociedades Anônimas - Lei n. 6.404/76 - deu ao resgate de ações um tratamento idêntico ao da lei anterior.

O resgate consiste no pagamento do valor das ações para retirá-las definitivamente de circulação, com redução ou não do capital social; mantido 0 mesmo capital, será atribuído, quando for o caso, novo valor nominal às ações remanescentes.1 É o resgate uma das exceções à proibição legal à negociação da companhia com as suas próprias ações.2 A lei diz que o Estatuto de companhia com ações preferenciais poderá prever 0 resgate de ações, fixando as respectivas condições.3 E subordina à prévia aprovação ou

1 Lei atual, art. 44, § 1°; Lei anterior, art. 16, parágrafo único.2 Lei atual, art. 30, § i°; Lei anterior, art. 15, § i°.3 Lei atual, art. 19; Lei anterior, art. 11.

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇAO 87

à ratificação, por titulares de mais de metade da classe das ações preferen­ciais interessadas, reunidos em assembléia especial, convocada e instalada com as formalidades legais, a eficácia da deliberação sobre as condições de resgate das ações preferenciais.4

Um leading case sobre resgate de ações no direito brasileiro é o caso do Governador Adhemar Pereira de Barros, apreciado duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal, em Agravo de Instrumento e em ação rescisória.

6.2 Dados do caso Adhemar de Barros

Adhemar de Barros era o único proprietário de todas as 150 ações preferenciais da Divulgadora Editora S.A., sucessora de A Notícia S A.

Em seu relatório, na ação rescisória, o Ministro Aliomar Baleeiro historia os fatos.

6.2.1 Posição de Adhemar de Barros

“A inicial conta a longa história do litígio nascido da ação ordinária do Governador Adhemar de Barros contra a ré, para declaração de nulidade das resoluções das Assembléias-Gerais pelas quais foi decidido o resgate de 150 ações preferenciais do autor e concomitantemente, o aumento do capital social mediante subscrição de 31.150 ações nominativas ordinárias. A nulidade teria decorrido da inexistência de cláusula nos Estatutos de ‘A Notícia S/A’, que permitisse 0 resgate das ações preferenciais, [bem como] da [falta de] concor­dância dos titulares das mesmas para supri-la. Aquelas resoluções teriam sido de má-fé e sua nulidade resulta, diz [Adhemar de Barros], dos (hoje) arts. 19,44, § 1° e 136, § 1°, da Lei n. 6.404/76. Entende que o resgate dependeria da existência de fundos disponíveis e deveria ser feito por sorteio. E ainda, que não seria admissível aumento de capital após o resgate, mas só redução.”

6.2.2 Posição da companhia

Na contestação, quanto ao mérito, a Divulgadora Editora S.A. argúi que o (hoje) § 1°, do art. 44, da Lei n. 6.404/76 permite que a Assembléia-Geral autorize o resgate se não estiver ele previsto nos Estatutos; que 0 (hoje) art. 136, § i°, do mesmo diploma não condiciona o resgate à manifestação de vontade de número substancial de ações a serem resgatadas; e que nada impede que, ao invés de redução, após o resgate, a Assembléia-Geral proceda ao aumento do capital.

4 Lei atual, art. 136, § Io; Lei anterior, art. 106.

88 SOCIEDADE ANÔNIMA

6.2.3 Decisões das instâncias ordinárias

Adhemar de Barros ficou vencido em primeira instância. E também não teve êxito feliz na segunda instância, cuja decisão está assim ementada: “Ação ordinária julgada improcedente. Confirmação da sentença que bem decidiu, apreciando os fatos e dando-lhes solução de acordo com a lei e as provas constantes dos autos. Válidas as deliberações dos acionistas tomadas em Assembléias-Gerais, não havendo violação alguma à Lei das Sociedades Anônimas que justificasse a pretensão do autor.”

6.2.4 Decisões do Supremo Tribunal Federal

Adhemar de Barros recorreu extraordinariamente para o Supremo Tri­bunal Federal. O Presidente do Tribunal de Justiça da Guanabara denegou seguimento ao apelo extremo. Adhemar de Barros agravou de instrumento. A Suprema Corte confirmou 0 despacho que indeferira 0 recurso extraordinário.

Transitada em julgado essa decisão do Supremo Tribunal Federal, o espólio de Adhemar de Barros ajuizou, contra a Divulgadora Editora S.A., ação rescisória do julgado.

Opinando na ação rescisória, a Procuradoria Geral da República, em parecer subscrito pelo Dr. M. Leite Soares, assim se manifestou:

“No mérito, 0 pedido é improcedente. Alega o espólio - autor que o decretado resgate das ações preferenciais não poderia ser feito, porque não previsto pelos Estatutos da ré; não se permite que a categoria das ações ordinárias suprima a categoria das ações preferenciais; não houve sorteio e nem havia fundos disponíveis para a deliberação da Assembléia-Geral [...]. [...] temos que, sendo omissos os Estatutos, como no caso presente, a Assem- bléia-Geral possuía poderes para disciplinar e deliberar sobre a forma de resgate de ações preferenciais, ou a sua extinção, como ocorreu, conforme iniludivelmente se depreende da leitura do (hoje) § i° do art. 44. Quanto ao (hoje) art. 136, § Io, 0 mesmo não tem pertinência, pois se refere às alterações e vantagens ou criações de ações preferenciais, presumindo, logicamente, a continuação da existência de tal tipo ou categoria de ação na sociedade, quando, então, deverão ser respeitados os direitos dos possuidores das ações preferenciais já existentes, que poderiam ser prejudicados. No caso concreto, todas as ações preferenciais pertenciam a uma só pessoa e não ocorreu modi­ficação no statusâas mesmas, mas sim a extinção da categoria, através de ato soberano da Assembléia-Geral convocada para decidir sobre a matéria.”

Em seu voto, proferido na ação rescisória, o Relator, Ministro Aliomar Baleeiro, citando o (hoje) art. 44, da Lei n. 6.404/76, escreveu: “O resgate,

AÇOES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇAO 89

tanto pode ser autorizado pelos Estatutos quanto por decisão da Assem- bléia-Geral, como ocorreu no caso dos autos. Nem se exige, aí, concordância expressa dos acionistas atingidos. Nem há que se falar em sorteio, porque, como confessado na inicial, todas as ações preferenciais pertenciam a um só titular. Enfim, não vejo em que consistiu a decisão contra literal disposição de lei, que, à luz da Súmula n. 343, pressupõe texto legal não controvertido. Julgo o autor carecedor da ação rescisória.”

O Revisor, Ministro Djaci Falcão, em seu voto proferido na ação rescisória, enfrenta o problema do preço de resgate. Segundo ele, “o preço do resgate, não havendo cotação em Bolsa, será 0 do valor nominal, o que foi atendido e que fora aceito pelo [Sr. Adhemar de Barros], quando da escritura da cessão de 150 ações preferenciais, a ele feita. De qualquer modo, matéria de fato, que sabidamente escapa ao âmbito do extraordinário”.

Comentário do Caso Adhemar de Barros

As lições da Justiça brasileira

O desfecho do caso Adhemar de Barros nos permite sintetizar as seguintes lições da Justiça brasileira, ministradas ou abonadas pelo Supremo Tribunal Federal, em tema de resgate de ações preferenciais.

Primeira liçãcr. não é necessário o sorteio das ações a serem resgatadas, quando o resgate abranger a totalidade das ações de uma mesma classe. A essa lição, pode-se acrescentar que o sorteio é igualmente desnecessário na hipótese de resgate de parte das ações de uma classe, quando todas elas pertencerem a um único acionista. No caso Adhemar de Barros, o sorteio era absolutamente desnecessário. A companhia só possuía 150 ações preferenciais. Todas pertenciam ao mesmo acionista. E a assembléia-geral deliberou resgatá-las todas.

Segunda liçãcr. Resgatar ações não é o mesmo que alterar condições de resgate das ações. São duas coisas inteiramente distintas. A exigência de prévia aprovação, ou da ratificação, por titulares de metade da classe de ações preferenciais interessadas, reunidos em assembléia especial convocada e ins­talada com as formalidades da lei, só é necessária para a eficácia da deliberação sobre alterações nas condições de resgate de ações preferenciais. E é dispensável para a eficácia da deliberação sobre o resgate. No caso Adhemar de Barros, a Assembléia-Geral questionada não deliberou alterar condições de resgate das ações preferenciais. Deliberou, simplesmente, resgatar. Obser- ve-se que, à época do julgamento deste caso, inexistia na legislação texto correspondente ao atual § 6o do art. 44 (§ 6o. Salvo disposição em contrário do estatuto social, o resgate de ações de uma ou mais classes só será efetuado

90 SOCIEDADE ANÔNIMA

se, em assembléia especial convocada para deliberar essa matéria específica, for aprovado por acionistas que representem, no mínimo, a metade das ações da(s) classe(s) atingida(s).”).

Terceira lição: É possível, concomitantemente, resgatar ações e aumentar o capital social por subscrição de novas ações. 0 que não poderia ocorrer seria um aumento do capital social como conseqüência do resgate. No caso Adhemar de Barros, a Justiça percebeu que não havia relação de causa e efeito entre o resgate e o aumento de capital. O aumento de capital não decorreu do resgate, mas sim da subscrição de novas ações. Não foi o resgate a causa do aumento de capital. Apenas por mera coincidência o resgate e o aumento de capital foram deliberados numa mesma assembléia-geral.

Quarta lição: A assembléia-geral é soberana para deliberar sobre o resgate de ações preferenciais, ainda que o Estatuto social seja omisso, nada dispondo a respeito, o que ocorria no caso Adhemar de Barros.

Quinta lição: o preço do resgate, nas companhias abertas, será o valor de cotação das ações na Bolsa de Valores; nas companhias fechadas, será o válor nominal.

Crítica das lições acima

As três primeiras lições acima são irreprocháveis. As duas últimas mere­cem reparos. Para tanto, torna-se necessária uma incursão na teoria do resgate de ações.

O resgate (redemption, no direito norte-americano; rachat, no direito francês) é uma modalidade de negociação da companhia com as próprias ações, excepcionalmente permitida pelo § i°, letra a, do art. 30.

Não se trata de um contrato de compra e venda, ou de uma recompra de ações, como insinua a palavra francesa rachat, tradicionalmente utilizada para designar a operação, embora imprópria.

“O resgate de ações é a sua compra compulsória para retirá-las de circu­lação” (Cunha Peixoto, 1972). É diferente da compra e venda (aquisição), na qual a ação continua em tesouraria, e o acordo de vontades é essencial. Na verdade, o resgate é o correspondente, no Direito Privado, da desapropriação no Direito Público.

No direito positivo, o resgate vem tradicionalmente tratado conjunta­mente com duas operações afins: a amortização e o reembolso. Na sistemática da Lei n. 6.404/76, as três operações acham-se na Seção X do Capítulo III.

Resgate e amortização

Ambos são efetuados com a aplicação de lucros ou reservas. Ambos dependerão de sorteio, quando não abrangerem a totalidade das ações de

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇÃO 9 1

uma mesma classe. Ambos são de iniciativa da sociedade. Contudo, no resgate o titular das ações resgatadas deixa de ser acionista, ao passo que na amortização continua a sê-lo, podendo as suas ações ser substituídas por ações de fruição, quando a amortização for integral.

Resgate e reembolso

Tanto no resgate quanto no reembolso vamos encontrar uma situação em que o acionista sai da companhia, perdendo o seu status. Mas essa saída é compulsória e provocada pela sociedade, nó caso de resgate. No reembolso, é a conseqüência de uma retirada voluntária do acionista. A Lei n. 6.404/76 fixa, no art. 45, os parâmetros para 0 valor do reembolso, não 0 fazendo com relação ao resgate.

Valor do resgate

No caso Adhemar de Barros, a lição do Tribunal, quanto ao valor do resgate, acha-se sintetizada no voto do Ministro Djaci Falcão. Essa lição encontrava amplo respaldo na doutrina existente à época. E, ainda hoje, existe quem a sustente (ver Batalha, 1979,1:300). Todavia, quanto a este aspecto, a decisão, no caso Adhemar de Barros, mais que injusta, chegou a ser iníqua. Os valores nominal e de cotação podem ser absolutamente irrealistas. Penso que, na apuração do valor de resgate, deve ser aplicada, por analogia, a diretriz fixada no art. 45 da Lei n. 6.404/76 para 0 reembolso. E mais: o próprio Estatuto Social não pode prever um valor de resgate em desrespeito à diretriz traçada no referido artigo.

Modesto Carvalhosa é mais radical. Para ele, deve ser adotado 0 mesmo critério para fixação do preço de emissão de ações previsto no § i° do art. 170 da Lei Acionária, que manda levar em conta a cotação das ações no mercado, se houver, 0 valor do patrimônio líquido e as perspectivas de rentabilidade da companhia (Carvalhosa, 1997).

Resgate e redução do capital

Há uma disputa entre os autores a respeito da possibilidade prática do resgate com redução do capital social, como previsto no § i° do art. 44 da Lei das Sociedades por Ações. Para Waldemar Ferreira (1958, 40, 1.055/1.063), teria havido um “cochilo” do legislador, uma vez que o resgate é feito com a aplicação de lucros ou reservas, e não à conta do capital social.

Trajano de Miranda Valverde (1941,1:113), autor intelectual do Decreto- lei n. 2.627, do qual já constava o suposto “cochilo” imitado pelo legislador atual, tenta justificá-lo com estas palavras: “Definindo o resgate como sendo a operação pela qual a sociedade paga o valor das ações, para retirá-las defi­

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nitivamente de circulação, é indiscutível que a operação acarretará sempre modificação na disposição estatutária relativa ao capital ou na sua divisão em ações. Porque, efetuado o resgate, o número de ações em circulação diminuirá, pelo que haverá uma correspondente diminuição da cifra do capital”.

Com todas as vênias, e usando a refrão popular, entendo que “a emenda saiu pior que o soneto”.

Concordo com Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, quando afirma que não compreende como, em face da lei brasileira, se possa admitir, como conseqüência do resgate, a diminuição do capital (Cunha Peixoto, 1972,1:183).

Mostra-se particularmente curiosa, a respeito a conclusão de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro (1979,1:253). Primeiro indagam: se por definição o resgate resulta da aplicação de lucros oureservas (portanto, de fundos disponíveis da sociedade), tal como se depreende do caput do art. 44, como admitir-se que possa ser efetivado à custa de redução do capital social?” Em seguida, concluem, textualmente: “No entanto, tal possibilidade vem clara e insofismavelmente expressa no § i° do art. 44, de modo que não há recusá-la, reconhecendo-se, embora, a flagrante, e, a nosso ver, inexplicável contradição conceituai com 0 princípio exposto no caput do mesmo artigo.” Essa conclusão revela a perplexidade do jurista diante da sacralização do texto escrito.

A conclusão correta é simples: é impossível resgate com redução do capital social. Haverá, sim, uma redução do número de ações, com alteração do seu valor nominal, se elas tiverem valor nominal. O resgate não pode ser a causa de uma redução do capital. A redução não pode ser a conseqüência do resgate. Não há relação de efeito entre o resgate e a redução do capital.

Resgate não previsto no Estatuto

Analisemos, agora, a quarta Lição ministrada pelo Supremo Tribunal Federal no caso Adhemar de Barros, ou seja: a assembléia-geral é soberana para deliberar sobre 0 resgate de ações preferenciais, ainda que 0 Estatuto social seja omisso, nada dispondo a respeito.

O discurso da Corte baseou-se numa interpretação literal do (hoje) art. 44 da Lei n. 6.404/76: “O estatuto ou a assembléia-geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas no resgate [...].” Não me parece feliz essa interpretação literal. O próprio legislador não foi muito feliz ao empregar o mesmo verbo (“autorizar”), para designar ações heterogêneas: autorizar no sentido de “dispor sobre”, ou “prever”, tendo por sujeito o Estatuto, e autorizar no sentido de “decidir” ou “deliberar”, tendo por sujeito a assembléia-geral.

Além disso, essa interpretação literal do Supremo Tribunal Federal é desabonada por uma outra interpretação literal do (hoje) art. 19 da Lei n.

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇÃO 93

: 6.404/76, segundo o qual “O estatuto da companhia com ações preferenciais [...] poderá prever o resgate A conclusão literal é a seguinte: o estatuto poderá, ou não, prever o resgate. O verbo “poder”, empregado no futuro, indica uma faculdade, não uma obrigatoriedade. Assim, se o estatuto previr o resgate, a assembléia-geral poderá deliberar a respeito. Se o estatuto não o previr, a assembléia não poderá deliberar 0 resgate.

Essa segunda interpretação literal é mais condizente com a natureza do resgate, que é a de uma desapropriação. “O resgate representa uma trans­missão forçada, irrecorrível e definitiva da propriedade das ações do acionista para o domínio da própria companhia que, em seguida, as extinguirá” (Carvalhosa, 1997:316). É uma medida drástica. O seu correspondente no Direito Público - a desapropriação - requer a existência de um fundamenta­do interesse social, ou de uma necessidade ou utilidade pública, além de prévia e justa indenização em dinheiro. Não se justifica, pois, que possa 0 resgate ficar ao puro arbítrio da assembléia-geral, quando não expressamente previsto no Estatuto social.

O resgate deve ser feito no interesse geral da sociedade, de boa-fé, e sem abuso de direito.

Ao legitimar o resgate de ações preferenciais por deliberação da assem­bléia-geral sem expressa previsão estatutária a respeito, a decisão proferida no caso Adhemar de Barros afastou-se de toda a doutrina jurídica existente sobre 0 assunto. Numa peregrinação pela literatura nacional e estrangeira, não se encontra uma só referência que pudesse abonar a tese esposada no julgamento do caso. No Brasil, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto assim se manifesta: “Se, porém, os estatutos não estabelecem a possibilidade de resgate, este só poderá ser efetuado mediante uma reforma estatutária, demandando, pois, uma assembléia-geral extraordinária e quorum qualificado. A assembléia-geral extraordinária fixará a maneira de se proceder ao resgate das ações e o momento propício a efetuar a operação” (Cunha Peixoto, 1972,1:i86).

Nos Estados Unidos, a orientação generalizada, nas centenas de Leis de Sociedades por Ações é no sentido de que “uma sociedade anônima só pode resgatar as suas ações se o resgate estiver expressamente previsto no estatuto [...]; não existe um poder implícito ou inerente de resgatar de outra forma. Inexistindo provisão sobre 0 resgate no estatuto, uma sociedade não pode resgatar nenhuma de suas ações”.5

5 “[...] a Corporation has the power to redeem its shares only if expressly provided in the articles [...]; there is no implied or inherent power to redeem otherwise.” “Absent a redemption provision in the articles of incorporation, a Corporation does not have power to redeem any of its shares” (88, ALR1134).

94 SOCIEDADE ANÔNIMA

“Quando o estatuto original da companhia é omisso sobre o resgate das ações preferenciais, os tribunais discordam de subseqüentes tentativas de resgatar e até mesmo de tentativas de alterar o estatuto para permiti-lo.”6

Na Inglaterra, no julgamento do caso Trevor vs. Whitworth, fixou-se o princípio geral de que uma companhia não pode subscrever ou comprar suas próprias ações. Posteriormente, uma lei de 1929, reproduzida em 1948, permitiu a emissão de ações preferenciais expressamente criadas como resga- táveis, donde se conclui que o resgate só pode ser deliberado quando previa­mente previsto. “Em uma circunstância, entretanto, a regra fixada no julga­mento do caso Trevor vs. Whitworth tem sido relaxada. Pelo Ato de 1929 (agora Lei das Companhias, S. 58) tornou-se possível emitir ações preferen­ciais expressamente criadas como resgatáveis”7 (Gower, 1979).

Idêntico posicionamento é encontrado na França. “Salvo circunstância particular, regida pela lei, pelo estatuto ou pela convenção, a companhia não pode impor a um ou a alguns acionistas a expropriação de seus títulos”8 (Escarra & Rault, 1976).

“A jurisprudência considera, entretanto, que os acionistas sujeitam-se à sua própria lei, aquela da cláusula estatutária inicial. Ela valida a exclusão”9 (Caillaud, 1966:225).

Também não difere a doutrina alemã. “Assim, um acionista só pode ser privado involuntariamente de suas ações se existir cláusula permitindo 0 resgate e a exclusão, no estatuto original ou em alguma alteração estatutária efetuada antes da subscrição das ações em questão. Em outras palavras, a menos que as ações possuídas estivessem sujeitas a um possível resgate, o acionista não pode ser privado de suas ações dessa forma, em nenhuma circunstância”10 (Ercklentz, 1966).

6 “When the original corporate charter is silent on the redeemability of the preferred shares, the courts have looked with disfavor subsequents attemps to redeem or even attempts to amend the charter to permit redemption” (Yukon Mill & Grain Co. vs. Vose, 201, OKL, 376,206 p. 2d. 206 (1949)).

7 “In one respect, however, the rule in Trevor vs. Whitworth has been relaxed. By the Act of 1929 (now Companies Act 1948, S. 58) it was made possible to issue preference shares expressly created as redeemable” (Gower, 1979).

8 “Sauf circonstance particulière régie par la loi, par les statuts ou par la convention, la société ne peut imposer à un ou à quelques actionnaires 1’expropriation de leurs titres” (Escarra & Rault, 1976).

9 “La jurisprudence considère, cependant, que les actionnaires subissent seulement leur propre loi, celle de la clause statutaire initiale. Elle valide 1’exclusion” (Caillaud, 1966:225).

lü “Thus, a stockholder may be deprived of shares of capital stock owned by him on an involuntary basis only if a right to cause such a redemption and retirement existed either in the original articles or in an amendment to the articles adopted before the

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇAO 9 5

Afinal, para que serve o resgate?

Essa pergunta me é freqüentemente formulada por alunos. A julgar pela freqüência com que é feita, pode-se confirmar o silêncio dos Manuais de Sociedades por Ações a respeito do assunto.

Segundo Brudney e Chirelstein (1972:176), o principal objetivo do resgate seria “habilitar a companhia a adaptar os seus valores mobiliários preferenciais a mudanças das condições de mercado”.11 Não creio que essa seja uma resposta satisfatória para a questão formulada neste tópico. Mais que isso, penso que a própria questão apresentada deveria ser substituída por esta outra: por que e para que emitir ações resgatáveis?

A doutrina brasileira não tem se preocupado com o assunto. E a estran­geira é de pouca valia no particular, em virtude, precisamente, da enorme diferença existente nas condições dos mercados de valores mobiliários aqui e alhures. A par das diferenças estruturais e conjunturais, existem característi­cas peculiares do mercado brasileiro de valores mobiliários que, certamente, influem na compreensão do problema. Sempre foi inegável, por exemplo, a notória preferência do investidor brasileiro pelas ações preferenciais ao portador (PP), abolidas do nosso ordenamento pela Lei n. 8.021/90, embora nem sempre concorressem para isso considerações de caráter racional, mas sim motivos de ordem psicológica.

Uma observação se impõe, à primeira vista. A noção de resgate, no direito positivo brasileiro das sociedades por ações, acha-se normalmente associada ao conceito de ação preferencial (6.404/76, arts. 19 e 136, § i°). O acionista preferencial, normalmente destituído do direito de voto (LSA, art. 15, § 2o), tem sido excluído da noção de acionista-empresário e tratado pela doutrina como acionista-rendeiro, mercador, jogador ou especulador (Requião, 1985).

A observação dos fatos demonstra que o acionista preferencial, na reali­dade, é visto como um mero investidor, cujas relações com a companhia são muito mais tênues que os vínculos entre esta e o acionista ordinário, cognominado acionista-empresário.

shares of capital stock involved were subscribed to. In other words, unless the shares held by a stockholder were subject to possible involuntary redemption at acquisition, the stockholder cannot be deprived of his shares on this basis under any circumstances” (Ercklentz, 1966).

11 “[...] to enable the Corporation [...] to adapt its senior securities to changing market conditions” (Brudney & Chirelstein, 1972:176).

96 SOCIEDADE ANÔNIMA

Note-se que a denominada prioridade na distribuição de dividendos, previs­ta na lei para as ações preferenciais (art. 17,1), é mais que mera prioridade. A palavra “prioridade” significa primazia, preferência, antecedência. No entanto, não é apenas isso que a lei reserva ao acionista preferencial com prioridade na distribuição de dividendos. Mais que isso, a lei lhe assegura um crédito, condi­cionado à existência de lucro. E esse crédito condicionado pode ser tremenda­mente preocupante para os acionistas ordinários, não só em função da ameaça do voto contingente que as ações preferenciais poderão, eventualmente, deter (art. in , § i°), mas, sobretudo, se 0 dividendo prioritário for cumulativo.

Em suma, o acionista preferencial é, normalmente, visto como um outsider, útil como credor-investidor, mas potencialmente perigoso como sócio e supostamente não identificado com os fins últimos da empresa.

Nesse contexto, o resgate apresenta-se como medida útil para a ruptura do tênue liame que liga 0 acionista-preferencial à companhia.

Assim, as ações preferenciais já poderão ser resgatáveis desde a sua criação pela companhia, como forma de autofinanciamento de capital de giro via mercado de capitais de risco, com a conveniência de fácil dispensa desse financiamento, quando alteradas as condições de mercado ou as condições financeiras da própria companhia.

Caillaud (1966:230) registra a utilização de ações resgatáveis destinadas a empregados da companhia, que passam a participar, dessa forma, dos lucros da empresa. O resgate poderia ocorrer por ocasião da rescisão do contrato de trabalho. Esta última hipótese, a meu ver, é de restrita aplicação no direito brasileiro, que exige 0 sorteio, quando o resgate não abranger a totalidade das ações de uma mesma classe.

A exposição acima demonstra que o resgate, em princípio, é efetuado no interesse da sociedade.

Peculiaridades do mercado de valores mobiliários brasileiro, entretanto, fazem com que, muitas vezes, 0 resgate seja considerado um verdadeiro privilégio, uma sorte-grande no “sorteio” referido pelo legislador.

Não é isolada a opinião de Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto (1972, 1:184), quando escreve, textualmente, 0 seguinte: “deve-se ter em conta, no resgate, o princípio da igualdade entre os acionistas, que predomina em todas as sociedades. Esta norma precisa ser respeitada e o resgate só pode prevalecer no interesse da sociedade ou do conjunto de acionistas, sem que essa operação possa favorecer certos acionistas em prejuízo dos demais”.

Não foi esse, certamente, 0 sentido do resgate no caso do Governador Adhemar Pereira de Barros...

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇÃO 9 7

7. DIREITOS REAIS E OUTROS ÔNUS SOBRE AS AÇÕES

As ações, valores mobiliários, bens móveis, podem ser objeto de direitos reais e outros ônus, como o penhor, a penhora, o usufruto, o fídeicomisso, a alienação fiduciária em garantia, a inalienabilidade e a incomunicabilidade. Tais ônus deverão ser averbados nos livros da companhia para surtirem efeito perante esta. Salvo cláusula expressa em contrário, todos esses ônus - inclusive o penhor - se estenderão aos eventuais desdobramentos das ações oneradas (os “filhotes”, ações bonificadas, decorrentes de aumentos de capital mediante capitalização de lucros ou de reservas (art. 169, § 20).

Alienação fiduciária em garantia. Decreto-lei n. 911/69, art. i°: “A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tor- nando-se o alienante ou devedor possuidor direto e depositário com as responsa­bilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”.

■ Penhor civit. “Art. 768. Constitui-se o penhor pela tradição efetiva que, em garantia do débito, ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de um objeto móvel, suscetível de alienação”.

Penhor Mercantil. Código Comercial de 1850 - “Art. 271. 0 contrato de penhor, pelo qual 0 devedor ou um terceiro por ele entrega ao credor uma coisa móvel em segurança e garantia de obrigação comercial, só pode provar-se por escrito assinado por quem recebe o penhor”.

Penhor no Código Civil de 2002-, “Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação. Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar”.

Usufruto: Código Civil de 1916 - “Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade”. Código Civil de 2002: arts. 1390/1411.

Fideicomissa. Código Civil de 1916 - “Art. 1.733. Pode também o testador instituir herdeiros ou legatários por meio de fídeicomisso, impondo a um deles, o gravado ou fiduciário, a obrigação de, por sua morte, a certo tempo, ou sob certa condição, transmitir ao outro, que se qualifica de fideicomissário, a herança ou legado”. Código Civil de 2002: “Art. 1.951- Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário,

98 SOCIEDADE ANÔNIMA

resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário”.

Penhorcr. Código de Processo Civil, Livro II (Processo de Execução), Título II (Das diversas espécies de execução), Capítulo IV (Da execução por quantia certa contra devedor solvente), Seção I (Da penhora, da avaliação e do depósito), Subseção III (Da penhora e do depósito). “Art. 659. Se 0 devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o oficial de justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios”.

Mecanismo da alienação fiduciária em garantia

Apreenda o mecanismo da alienação fiduciária em garantia analisando a situação abaixo:

Ilka Tibiriçá quer, com urgência, um carro novo. Mas não dispõe de dinheiro para pagá-lo à vista. Quer pagar o preço em prestações mensais. A Cia. Novocar poderá parcelar o preço. E, possivelmente, aceitará uma das seguintes garantias:

a) penhor de bens móveis de Ilka (jóias, ações, etc.);b) penhor de bens móveis oferecidos por um terceiro;c) hipoteca de bem imóvel de Ilka;d) hipoteca de bem imóvel oferecido por um terceiro;e) fiança prestada por um terceiro;f) aval prestado por um terceiro;g) reserva de domínio do automóvel.

Pode ocorrer, entretanto, que a Novocar não se disponha a financiar a operação. Ilka poderá recorrer, então, a uma alienação fiduciária em garantia. Nesta, ocorrerá, simultaneamente, 0 seguinte: A Cia. Financeira Timbó paga 0 automóvel à Novocar. A Novocar entrega o automóvel a Ilka. Esta assume a posse direta do automóvel, mas o aliena fiduciariamente à Timbó, ficando (Ilka) como mera depositária. A Timbó adquire a posse indireta e o domínio do automóvel. A propriedade da Timbó sobre o automóvel é resolúvel e onerada com encargo (quando Ilka pagar à Timbó, cessará a propriedade desta, que deverá transferir o domínio do automóvel a Ilka.

Em resumo:A Novocar é a vendedora;Ilka é a compradora, mutuária, possuidora direta, alienante fiduciária e

depositária do automóvel;

AÇÕES: INDIVISIBILIDADE, NEGOCIAÇÕES, RESGATE, ONERAÇÃO 9 9

ATimbó é a mutuante, credora e proprietária fíduciária do automóvel. Ilka poderá, se quiser, valer-se de uma alienação fíduciária em garantia,

se pretender subscrever ações de uma companhia em constituição ou de uma companhia já constituída, que esteja aumentando o seu capital por subscrição de novas ações.

8. DIREITO DE VOTO DAS AÇÕES GRAVADAS COM ÔNUS

O penhor da ação não impede o acionista de exercer o direito de voto; será lícito, todavia, estabelecer, no contrato, que o acionista não poderá, sem consentimento do credor pignoratício, votar em certas deliberações. O credor garantido por alienação fíduciária da ação não poderá exercer o direito de voto; o devedor somente poderá exercê-lo nos termos do contrato. O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de consti­tuição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário (arts. 113 e 114).

9. EXTENSÃO DOS ÔNUS SOBRE AÇÕES DESDOBRADAS E BONIFICADAS

Todos os ônus que, porventura, incidirem sobre a ação (inclusive o penhor)12 estender-se-ão aos seus desdobramentos (splits), bem como aos “filhotes” que elas eventualmente gerarem, por força de bonificação (art. 169, § 20).

10. INCURSÃO NO DIREITO PENAL

O Código Penal brasileiro, no art. 177, § 1°, prevê pena de reclusão de um a quatro anos e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular, para:

a) 0 diretor, 0 gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;

b) o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;

c) o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade.

12 Sobre a extensão do penhor às ações bonificadas ou “filhotes”, ver: CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Penhor de ações de companhias e a bonificação de ações: o caso Candonga, São Paulo, RT624:262-6, out. 1987.

100 SOCIEDADE ANÔNIMA

11. QUESTÕES

1. Consultando os dispositivos legais transcritos acima neste Capítulo, procure elaborar exemplos de gravamento de ações com os seguintes ônus: (a) alienação fiduciária, (b) penhor, (c) usufruto, (d) fídeicomisso e (e) penhora.

2. Como se transfere a propriedade das ações mortis causai3. Por que a legislação previu um tratamento diferenciado para a companhia

aberta no art. 29?4. As ações escriturais são bens móveis ou imóveis?5. É possível o penhor de ações escriturais?6. Reflita sobre as expressões “ações bonificadas” e “capitalização de lucros ou

de reservas”.7. Os acionistas titulares de ações preferenciais da classe “B” da Olimpus S A.

estão se sentindo discriminados, pois a assembléia-geral deliberou resgatar todas as suas ações. O estatuto da companhia, por eles consultado, nada dispõe a respeito. Eles questionam se o resgate é possível nessas circunstân­cias e, de qualquer forma, estão preocupados com o seu valor. Oriente-os.

Ca p ítu lo 7

Pa r t e s b e n e f ic iá r ia s . DEBÊNTURES. BÔNUS DE

SUBSCRIÇÃO

Este Capítulo apresenta-se como uma espécie de resumo do tratamento dado pela lei a três valores mobiliários importantes. Ao lê-lo, não fique obses­sivamente preocupado em fixar todos os detalhes, pois o objetivo é levá-lo a compreender em que consistem esses valores mobiliários.

l. PARTES BENEFICIÁRIAS

í Partes beneficiárias são valores mobiliários que somente podem ser emitidos por companhias fechadas (art. 47, parágrafo único). São títulos nominativos, negociáveis, sem valor nominal, estranhos ao capital social.

As partes beneficiárias conferem aos seus titulares o direito de participa­rem nos lucros anuais até o limite máximo de um décimo (0,1) destes, bem como o de fiscalizarem os atos dos administradores. É proibida a criação de mais de uma classe ou série de partes beneficiárias (arts. 46 e 190).

As partes beneficiárias podem ser previstas no estatuto ou criadas pela assembléia-geral extraordinária (AGE) da companhia fechada; a deliberação da assembléia que criá-las não gera o direito de retirada para os acionistas dissidentes, porque o art. 137 não faz remissão ao inciso VIII do art. 136. As partes beneficiárias podem ser atribuídas pela companhia fechada a fun­dadores, acionistas ou terceiros, a título gratuito ou oneroso.

O prazo de duração das partes beneficiárias atribuídas gratuitamente, salvo as destinadas a sociedades ou fundações beneficentes dos empregados da companhia, não poderá ultrapassar 10 anos.

As partes beneficiárias podem ser resgatáveis. Quando previsto, o resga­te será efetuado com reserva especial para esse fim. Elas também podem ser conversíveis em ações, mediante capitalização de reserva para esse fim.

102 SOCIEDADE ANÔNIMA

A emissão de partes beneficiárias poderá ser feita com a nomeação de agente fiduciário de seus titulares. Alei prevê e disciplina, ainda, os certificados de partes beneficiárias, os certificados de depósito de partes beneficiárias e a assembléia-geral dos beneficiários.

A reforma do estatuto social que modificar ou reduzir as vantagens conferidas às partes beneficiárias só terá eficácia quando aprovada pela metade, no mínimo, dos seus titulares, reunidos em assembléia [geral] especial.

Quanto à circulação das partes beneficiárias, aplicam-se, mutatis mutandis, as normas relativas à circulação das ações.

“Poderão as partes beneficiárias participar dos lucros da companhia, isto é, efetivamente auferir o rendimento que lhes é próprio, na hipótese de se deliberar não distribuir dividendos, com base nos casos dos §§ 30 e 40 do art. 202? Pensamos que sim. Como dissemos, dividendos pagam-se à conta do lucro líquido, por deliberação da Assembléia-Geral Ordinária. Ora, o lucro líquido é o resultado do exercício que remanesce após deduzidas as participações estatutárias, entre as quais se incluem as relativas às partes beneficiárias. O que os órgãos de administração apresentam à deliberação da Assembléia-Geral Ordinária é uma proposta de destinação do lucro líquido, já diminuído, por­tanto, das mencionadas participações. Conseqüentemente, precedem elas à deliberação assemblear sobre o lucro líquido, já que são determinadas pelos estatutos, independendo, portanto, para serem pagas, da destinação que os acionistas derem ao mesmo lucro” (Teixeira & Guerreiro, 1979).

2. DEBÊNTURES

Debêntures são valores mobiliários. São títulos de crédito que documentam uma operação de mútuo. O debenturista é o mutuante. A companhia, a mutuária. (Pelo contrato de mútuo, uma pessoa empresta coisas fungíveis a outra, que se obriga a devolvê-las ou, então, devolver coisas do mesmo gênero, quantidade e qualidade.)

Obviamente, a emissão de debêntures pela companhia não pode pres­cindir de um prévio estudo do mercado, para se avaliar a sua provável receptividade. “Antes de efetivar a colocação [das debêntures] para o público, os agentes da emissão procuram checar a demanda pelos papéis e as taxas para a operação, através do processo de ‘bookbuildinç? [...]”.‘ Sem esse estudo preliminar, a emissão correria o risco de ficar frustrada; ou “a empresa

1 ARAÚJO, Sílvia. Debênture fica mais sofisticada. Gazeta Mercantil\ 21 jan. 2002. Caderno B, p. 1-2.

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 103

pode[ria] correr o risco de constatar, depois da emissão, que o mercado estaria disposto a acatar uma taxa menor”.2

O legislador houve por bem disciplinar minuciosamente este valor mobiliário muito antigo. Dedicou-lhe 23 extensos artigos de lei.

“A companhia pode efetuar mais de uma emissão de debêntures, e cada emissão pode ser dividida em séries” (art. 53, caput). Mas “não pode efetuar nova emissão antes de colocadas todas as debêntures das séries de emissão anterior ou canceladas as séries não colocadas, nem negociar nova série da mesma emissão antes de colocada a anterior ou cancelado o saldo não colocado” (art. 59, § 30).

“A debênture poderá conter cláusula de correção monetária” (art. 54, § i°). Poderá ser emitida no estrangeiro e ter o seu pagamento estipulado em moeda estrangeira (art. 73). E, durante o seu prazo de duração, poderá assegurar ao seu titular juros fixos ou variáveis, participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso (art. 56).

Como as partes beneficiárias, as debêntures também podem ser res- gatáveis e conversíveis em ações.

A deliberação sobre emissão de debêntures é de competência privativa da assembléia-geral, mas, “na companhia aberta, o conselho de administração poderá deliberar sobre a emissão de debêntures simples, não conversíveis em ações e sem garantia real, e a assembléia-geral pode delegar ao conselho de administração a deliberação sobre” as condições e a oportunidade da emissão (art. 59, § 1°).

As debêntures podem ser emitidas com garantia real, com garantia flutuante, sem preferência, ou subordinadas aos demais credores da com­panhia (art. 58). Devem ser nominativas. E são representadas por certificados (títulos únicos ou múltiplos).

A emissão de debêntures poderá ser feita com a nomeação de agente fiduciário de seus titulares (Art. 61 - “§ x° A escritura de emissão, por instrumento público ou particular, de debêntures admitidas à negociação no mercado, terá, obrigatoriamente, a intervenção de agente fiduciário dos debenturistas”).

A Instrução n. 28, de 23.11.1983, do Colegiado da CVM, dispõe acerca do exercício da função de agente fiduciário dos debenturistas.

Quanto à circulação das debêntures, aplicam-se, mutatis mutantis, as normas relativas à circulação das ações.

2 ARAÚJO. Op cit.

104 SOCIEDADE ANÔNIMA

Cédulas pignoratícias de debêntures são títulos de crédito nominativos, escriturais ou não, emitidos por instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil, lastreadas em debêntures e com garantia própria (art. 72).

É vedado às instituições financeiras emitir debêntures e partes beneficiárias (Lei n. 4.595, de 31.12.1964, art. 35,1).

3. CASO MASTER

A Gazeta Mercantil dos dias 29 e 31.1.1994 publicou a seguinte notícia:

DEBÊNTURESMaster quer lançar CR$ 1,95 bilhão para permutar papéis

(por Amália Safatle, de São Paulo)

A Master S.A. Tecidos Plásticos, sediada em Fortaleza (CE) e maior empresa no seg­mento de sacana plástica do País, de acordo com a revista Balanço Anual, pretende lançar CR $ 1 .947 .495 .396 ,00 em debêntures sim- ples, com prazo de quatro anos. Nesta sex­ta-feira, a em issão deu entrada na Comis­são de Valores Mobiliários (C VM ) com pedi­do de registro.

No dia 21 de dezembro último, os acionis­tas reuniram-se em assembléia e deliberaram sobre 0 lançamento de 3.300 papéis com valor nominal unitário de C R $ 590.150,12, divididos em duas séries. A primeira série possui 943 debêntures e a segunda, 2.357.

Conforme definido na assembléia, as de­bêntures contam com fiança da empresa coli­gada M aster Incosa Engenharia S.A., bem como de seus controladores W alter Ary e Lauro José Vinhas Lopes, juntamente com suas respectivas esposas.

O s p a p é is d e verã o o fe re c e r ju ro s remuneratórios de 19% ao ano, mais correção

Comentário do Caso Master

1. Debêntures simples. A lei emprega a expressão “debêntures simples” no § i° do art. 59. Tendo em vista a idéia de garantia atribuída às debêntures, elas são classificadas em quatro espécies: Ia) com garantia

monetária pelo IGP-M, e prêmio de 7% , acres­cido linearmente aos juros. Cada série seguirá um regime de am ortização programado. O vencimento será em 1o. 11.1997.

A emissão, que será coordenada pela Oli­veira Bastos D TV M e terá como ag ente fiduciário a SLW , tem como objetivo a permuta de debêntures da segunda emissão que estão em mercado, emitidas em novembro de 1989, e que venceriam em novembro de 1999.

Embora essa nova emissão seja de garan­tia flutuante, a Master terá que oferecer a seus debenturistas garantia real até novembro des­te ano. Conforme definido na assembléia, os debenturistas terão pelo menos um dos se­guintes direitos: de perm utar suas debêntu­res por debêntures imobiliárias que vierem a ser emitidas pela M aster Incosa nas m es­m as condições de rendim ento e prazo ou de receber em caução, como garantia adicio­nal, recebíveis da Master Incosa, referentes à venda de imóveis, junta a banco comercial de primeira linha.

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 1 0 5

real; 2a) com garantia flutuante; 3a) sem preferência; e 4a) subor­dinada (arts. 58 e 59, § 30). Aparentemente, a expressão “debêntures simples”, no texto da notícia, se contrapõe a “debêntures conversiveis em ações”, ou seja, as debêntures a serem emitidas pela Master S A. Tecidos e Plásticos não seriam conversíveis em ações.Pedido de registro na CVM. A emissão pública de valores mobiliários (entre os quais as debêntures) só poderá ser colocada no mercado por meio do sistema de distribuição previsto na Lei de Mercado de Valores Mobiliários (Lei n. 6.385, de 7.12.1976, art. 15). Compete à CVM aprovar padrões de cláusulas e condições a serem adotadas nas escrituras de emissões de debêntures destinadas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões (art. 61, § 30).Acionistas reunidos em assembléia-geral deliberaram sobre o lançamento. Compete privativamente à assembléia-geral a autorização para a emissão de debêntures (arts. 59 e 122, IV). Na companhia aberta, a assembléia-geral pode delegar ao conselho de administração a deliberação sobre as condições e a oportunidade da emissão (art. 59, § i°). Teixeira e Guerreiro distinguem entre criação e emissão de debêntures: a criação resulta da deliberação da assembléia-geral; a emissão é ato subseqüente à deliberação da assembléia, materiali­zado pela escritura de emissão, com a conseqüente emissão de certificados (Teixeira & Guerreiro, 1979). O quórum deliberativo (maioria) é o do art. 129: maioria absoluta de votos, não se com­putando os votos em branco. O estatuto da companhia fechada pode aumentar esse quórum (art. 129, § i°).Duas séries. A companhia poderá efetuar mais de uma emissão de debêntures, e cada emissão poderá ser dividida em séries (art. 53). Fiança de empresa coligada, bem como dos controladores junta­mente com suas respectivas esposas. A fiança convenciona] é o contrato por via do qual uma pessoa (física ou jurídica) se obriga para com o credor de outra a satisfazer a obrigação, caso esta não a cumpra (Código Civil de 1916, art. 1481). Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfázer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (Código Civil de 2002, art. 818). No caso, devedora é a companhia emitente das debêntures; credo­res, os debenturistas. Trata-se de fiança mercantil, porque o afiança­do (a companhia) é sociedade empresária e a obrigação afiançada deriva de causa comercial (Código Comercial de 1850, art. 256). São

i o 6 SOCIEDADE ANÔNIMA

coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% ou mais do capital da outra, sem controlá-la (art. 243, § i°). Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de votos, ou sob controle comum que:a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo perma­nente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orien­tar o funcionamento dos órgãos da companhia (art. 116). Os controladores da Master SA. Tecidos Plásticos são pessoas naturais. Para a validade da fiança de pessoa casada há necessidade de outor­ga uxória (Código Civil de 1916, art. 235). O Código Civil de 2002 dispõe 0 seguinte, no art. 1.647: “Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: [...] III - prestar fiança ou aval; [...]”. “Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo anteceden­te, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.”

6. Juros remuneratórios de 19% ao ano. “Às taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indi­retamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superio­res a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será considerada crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar” (Constituição Federal de 1988, art. 192, § 3o). Coisas do direito brasileiro...

7. Correção monetária. A debênture poderá conter cláusula de corre­ção monetária, aos mesmos coeficientes fixados para a correção dos títulos da dívida pública, com base na variação da taxa cambial ou em outros referenciais não expressamente vedados em lei (art. 54, § 1°). Os certificados das debêntures conterão, entre outros requi­sitos, a cláusula de correção monetária, se houver (art. 64, VIII).

8. Agentefiduciário. A escritura de emissão, por instrumento público ou particular, de debêntures, distribuídas ou admitidas à negociação no mercado, terá obrigatoriamente a intervenção de agente fiduciário dos debenturistas (art. 61, § Io). O agente fiduciário repre­senta, nos termos da lei e da escritura de emissão, a comunhão dos debenturistas perante a companhia emissora (art. 68).

9. Garantia flutuante. A garantia flutuante assegura à debênture privi­légio geral sobre o ativo da companhia. Mas, em princípio, não

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 1 0 7

impede a negociação dos bens que compõem esse ativo (art. 58, § i°). Tal impedimento só ocorrerá, com relação a bem imóvel ou outro bem sujeito a registro (aeronaves, navios...), se, na escritura de emissão das debêntures, averbada no registro competente, a companhia se obrigar a não aliená-los ou onerá-los (art. 58, § 50). O ativo da companhia é o conjunto dos seus bens patrimoniais móveis, imóveis e semoventes. No balanço patrimonial, o ativo classifica-se em a) circulante; b) realizável a longo prazo e c) permanente, dividido em investimentos, ativo imobilizado e ativo diferido (art. 178, § i°). Todos os bens do ativo garantem o pagamento das debêntures com garantia flutuante, que têm privilégio geral sobre 0 patrimônio da companhia. Para melhor entendimento do conceito de privilégio geral, vale a pena consultar a Lei de Falências (Lei n. 11.101/2005). Na falência, têm privilégio geral os créditos arrolados no art. 83, V, da Lei de Falências de 2005. Os créditos com privilégio especial, como as debêntures com garantia flutuante, serão pagos, na falência, depois de integralmente satisfeitos os credores da massa, os traba­lhistas, os tributários e previdenciários, os créditos com direito real de garantia, e os créditos com privilégio especial sobre determina­dos bens (hipotecários, pignoratícios...). Em outras palavras, as debêntures com garantia flutuante só possuem prioridade sobre os créditos quirografários; abaixo dos créditos quirografários, na ordem hierárquica, vêm as debêntures subordinadas aos demais credores da companhia. Como se pode perceber, numa perspectiva falimentar, a garantia flutuante não oferece nenhuma segurança espetacular ao debenturista.

10. Garantia real. São garantias reais, referidas no Código Civil de 2002, o penhor, a anticrese e a hipoteca. O penhor era tratado no Código Comercial de 1850 como contrato. No Código Civil de 1916, como direito real sobre coisa alhéia. O Código Civil de 2002 trata o penhor como direito real de garantia; mas também se refere a ele como contrato (Código Civil de 2002, arts. 1.225 e 1.424). Washington de Barros Monteiro o define como o direito real que submete a coisa móvel ou mobilizável ao pagamento de uma dívida (Barros Monteiro, 1963). Fran Martins define o penhor mercantil como 0 contrato segundo o qual uma pessoa dá a outra coisa móvel em segurança e garantia do cumprimento de obrigação comercial (Martins, 1990). Conceitua-se a anticrese como a entrega de coisa

io8 SOCIEDADE ANÔNIMA

frugífera ao credor, que fica autorizado a retê-la consigo e a auferir-lhe os frutos, enquanto não resgatada a dívida (Barros Monteiro, 1963). A hipoteca é um direito real de garantia que pode vincular ao pagamento de uma dívida bem imóvel, os acessórios do imóvel juntamente com ele, 0 domínio direito, o domínio útil, a estrada de ferro, a mina e pedreira, independentemente do solo onde se acham, 0 navio (Código Civil, art. 810) e a aeronave (Lei n. 7.565, de 19.12.1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica). A lei da hipoteca é civil, ainda que a dívida seja comercial, e comerciantes as partes (Código Civil de 1916, art. 809). Código Civil de 2002: “Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca: I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II - o domínio direto; III - o domínio útil; IV - as estradas de ferro; V - os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI - os navios; VII - as aeronaves. Parágrafo único. A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial. Art. 1.474. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.”

11. Debênture sem preferência. A debênture sem preferência erige-se em crédito quirografário. A palavra “quirógrafo” provém do grego e significa “papel”. Credor quirografário é aquele cujo crédito é repre­sentado por um papel, sem nenhuma garantia real. Exemplos: as letras de câmbio, notas promissórias, cheques e duplicatas.

12. Debênture subordinada aos demais credores da companhia. Tais debêntures, além de não possuírem nenhuma garantia, ficarão em hierarquia inferior à dos créditos quirografários, numa situação falimentar. Em outras palavras, numa eventual falência da companhia, os titulares deste tipo de debêntures só poderão receber os seus créditos depois de integralmente satisfeitos todos os credores quirografários.

4. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO

Bônus de subscrição são valores mobiliários. São títulos nominativos negociáveis, que conferirão aos seus titulares o direito de subscrever ações do capital social mediante pagamento do preço de emissão das ações.

Os bônus de subscrição emitidos por deliberação da assembléia-geral ou do conselho de administração, se o estatuto assim dispuser (art. 76), pressupõem

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 109

um mercado acionário robusto. E lembram a idéia de uma “senha”, distribuída em situações de pouca oferta e muita procura.

Só a companhia de capital autorizado pode emiti-los, dentro do limite de aumento de capital autorizado no estatuto.

Companhia de capital autorizado é aquela cujo estatuto contenha autori­zação expressa para aumento de capital social até certo limite, independente­mente de prévia aprovação da assembléia-geral.

Embora a lei mencione, literalmente, a expressão “independentemente de reforma estatutária” (art. 168), o fato é que o aumento de capital da companhia de capital autorizado sempre implica reforma estatutária.

Regra geral, todo aumento de capital com emissão de novas ações de­pende de prévia autorização da assembléia-geral. Concedida a autorização pela assembléia-geral, os administradores da companhia tomarão as devidas providências para implementar o aumento de capital. A autorização da as­sembléia é desnecessária na companhia de capital autorizado, uma vez que ela já consta expressamente do estatuto. Assim, o conselho de administração (que é obrigatório nas companhias de capital autorizado - art. 138, § 20) poderá, se quiser, deliberar sobre a emissão de novas ações dentro do limite autorizado no estatuto, independentemente de prévia autorização da assembléia-geral (art. 166, II, e 168, § i°, b).

O capital autorizado é uma meta a ser atingida no futuro. Não se confunde com 0 capital subscrito (capital social, capital nominal).

“Discute-se se a lei admite a constituição de sociedade anônima ab initio como sociedade de capital autorizado [...]. Inserida a matéria no capítulo relativo à modificação do capital social, seria de se indagar se seria possível a constituição de S.A., desde seu início, sob a modalidade de capital autorizado” (Teixeira & Guerreiro, 1979). Teixeira e Guerreiro entendem que, à vista do art. 80, inciso II, a companhia não pode ser originariamente constituída como sociedade de capital autorizado (Teixeira & Guerreiro, 1979). Pensamos dife­rentemente. A expressão “subscrição [...] de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto”, empregada no inciso II do art. 80, refere-se ao capital fixado no estatuto: o capital social ou nominal; não se refere ao capital autorizado, que nada mais é que uma aspiração, uma meta, um objetivo, a ser atingido no futuro.

Regra geral, os antigos acionistas da companhia têm o direito de prefe­rência para subscrição dos bônus de subscrição por ela emitidos (art. 109, IV, e 172). O estatuto da companhia aberta pode, no entanto, retirar-lhes esse direito em algumas situações (art. 172).

110 SOCIEDADE ANÔNIMA

Quanto à circulação dos bônus de subscrição, aplicam-se, mutatis mutandis, as normas relativas à circulação das ações.

A Gazeta Mercantil às. quinta-feira, dia 6.1.1994 publicou nota relativa à emissão de debêntures da Bahia Sul Celulose com cláusula de “performance” e bônus de subscrição, garantida pelo BNDES. Consta da nota 0 seguinte: “A operação de emissão de debêntures da Bahia Sul será remunerada com uma taxa básica de juros de 9% que poderá chegar a 14% caso o preço da tonelada da celulose suba no exterior dos atuais US$ 400 por tonelada para 0 limite máximo de US$ 622 por tonelada. Esse ganho a mais de cinco pontos percentuais [...] é um prêmio de performance que a Bahia Sul pagará aos investidores, que passam a ser seus parceiros no negócio. ‘É um prêmio associado à taxa de juros vinculada ao preço da celulose no mercado internacional’ [...]. Além do prêmio, estará acoplada à debênture um bônus de subscrição destacável. ‘0 investidor poderá trocar esse bônus de subscrição por ação preferencial da Bahia Sul, se assim decidir’ [...]. Com isso, ao adquirir a debênture da Bahia Sul, 0 investidor se toma credor da empresa e seu acionista [...].”

5. QUESTÕES

1. Procure estabelecer as semelhanças e as diferenças entre:a) parte beneficiária e debênture;b) parte beneficiária e bônus de subscrição;

c) debênture e bônus de subscrição.

6. CASO EMBRAER

Reflita sobre o caso Embraer.Observação prelim inar- Por ocasião do julgamento do caso Embraer, o

§ 2o do art. 15 encontrava-se assim redigido: “0 número de ações preferen­ciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrições no exercício desse direito, não pode ultrapassar dois terços do total das ações emitidas”. Hoje, 0 número de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas.

A Embraer - Empresa Brasileira de Aeronáutica S A - , sociedade de econo­mia mista federal (arts. 235 a 242), emitiu debêntures conversíveis em ações preferenciais sem direito de voto, com prioridade no reembolso do capital.

Quando os portadores das debêntures começaram a exercer o seu direito de convertê-las em ações preferenciais sem direito de voto, apareceram rumores de que, da conversão, resultariam ações preferenciais sem direito de voto que,

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 1 1 1

adicionadas às já existentes, ultrapassariam dois terços (2/3) do capital social; e que, nestas condições, adquiririam direito de voto. Assim, a União Federal perderia o controle da Embraer, pois passaria a deter menos de 51% das ações com direito de voto.

Com efeito, com a conversão das debêntures em ações preferenciais, a proporção destas, com relação às ações ordinárias, passaria a ser superior aos dois terços (2/3) referidos no então vigente art. 15, § 2° (o número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrições no exercício desse direito não pode ultrapassar 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas).

Em virtude disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu a negociação das ações da Embraer na Bolsa de Valores.

Duas questões principais preocupavam a CVM: Ia) teria ficado descumprido o art. 15, § 2°, da lei; e 2a) caso a Embraer deixasse de pagar o dividendo prioritário das ações preferenciais por três exercícios consecutivos, elas adquiririam automaticamente o direito de voto contingente, nos termos do art. 111, § 1° (as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até 0 pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso), ocasionando a perda do controle da sociedade pela União Federal.

Quanto à primeira questão, esclareça-se o seguinte. A antiga lei das sociedades por ações (Decreto-lei n. 2.627/40) dispunha, em seu art. 90, parágrafo único, que a emissão de ações preferenciais sem direito de voto não poderia ultrapassar a metade do capital da companhia. Na vigência do Decreto-lei n. 2.627/40,0 Decreto-lei n. 6.464, de 2.5.1944, dispôs 0 seguinte: “Art. 1°. A restrição contida no parágrafo único do art. 90 do Decreto-lei n. 2.627, de 26.9.1940, não se aplica às sociedades cuja maioria das ações com direito a voto pertença à União ou a qualquer dos Estados ou Municípios. Parágrafo único. Enquanto 0 número de ações sem direito a voto exceder o da metade das ações ordinárias, a União, ou o Estado ou Município que possuir a maioria destas, não poderá transmiti-las a terceiro”. Essa questão ensejaria longas divagações sobre Hermenêutica Jurídica. Contudo, considerando os objetivos deste livro, vamos nos limitar à seguinte conclusão. Embora a Lei n. 6.404/76, tenha revogado o Decreto-lei n. 2.627/40, e embora a Lei n. 6.404/76 seja posterior ao Decreto-lei n. 6.464/44, o disposto neste último continua em vigor e referenciado, agora, ao texto do § 2° do art. 15 da Lei n. 6.404. Em outras palavras, em se tratando de sociedade de economia mista, não se aplica o § 2o do art. 15 da Lei n. 6.404 quando, por força da

112 SOCIEDADE ANÔNIMA

conversão de debêntures em ações preferenciais sem direito a voto, o número destas superar o limite de 2/3 do total das ações emitidas. O princípio hermenêutico aplicado é aquele segundo o qual a lei posterior geral não revoga a lei anterior específica. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou específicas a par das já existentes, não revoga, nem modifica, a lei anterior (Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, art. 20, § 20).

Quanto à segunda preocupação - a de que as ações preferenciais sem direito a voto em que se converteram as debêntures daEmbraer adquiririam o exercício desse direito, perdendo a União Federal o controle acionário percebe-se, desde logo, que a preocupação da CVM não tinha razão de ser. Como ficou mencionado acima, as debêntures eram conversíveis em ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital (art. 17, II). Ora, os conceitos de dividen­dos fixos ou mínimos dizem respeito, exclusivamente, às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos (art. 17,1). Nada têm a ver com as ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital (art. 17, II). Às ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital não se aplica o preceito do art 111, § i°. O art. 111, § Io, diz respeito, exclusivamente, às ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos (art. 17,1).

De qualquer forma, a CVM houve por bem determinar à Embraer que comunicasse aos seus acionistas este fato relevante (art. 157, § 40), 0 que foi feito (Cf. Gazeta Mercantil de 12.3.1992).

7. CASO RESA PIRAPORA

(RT653/12&-131 - mar. 1990)

A Resa Pirapora S.A., Indústria e Comércio, emitiu debêntures nominativas conversíveis em ações preferenciais.

A escritura de emissão de debêntures:

a) não nomeou agente fiduciário dos debenturistas;b) estabelece a possibilidade de vencimento antecipado das obrigações

assumidas para a falta de cumprimento, pela emitente, de qualquer obrigação nela prevista;

c) dispõe que os debenturistas, reunidos em assembléia, poderão declarar antecipadamente vencidas todas as debêntures, mesmo que o inadimplemento de obrigações pela emitente ocorra tão-somente perante parte dos titulares das debêntures.

Não houve registro da emissão na CVM.Não se realizou a assembléia de debenturistas referida sob a letra (c), supra.

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 113

0 Banco de Crédito Real de Minas Gerais SA., titular de debêntures dessa emissão da Resa Pirapora, ajuizou contra esta uma execução, alegando o não cumprimento das obrigações assumidas pela executada.

A Resa Pirapora embargou a execução, questionando a legitimação do Banco para agir.

O magistrado de primeiro grau julgou procedentes os embargos. Entendeu que “a emissão dos títulos foi irregular, por ausência do agente fiduciário dos debenturistas, figura indispensável, não podendo a ele ser equiparado, para o exercício da ação executiva, o próprio debenturista, ou seja, o [Banco de Crédito Real do Estado de Minas Gerais S.A. [Afirmou] também que nem mesmo a decisão tomada em assembléia-geral dos debenturistas para aquela finalidade seria válida, já que ainda assim subsistiria a inobservância à lei”.

O acórdão do Tribunal, en passant e sem maior esclarecimento, considerou “incontroverso o inadimplemento imputado” à [Resa Pirapora]. E consignou não haver ficado esclarecido se esta era companhia aberta ou fechada.

Exercício

Analise o Caso Resa Pirapora com os dados acima, considerando as seguintes alternativas:

A) se a Resa Pirapora for uma companhia fechada;B) se a Resa Pirapora for uma companhia aberta e, nesta hipótese,

a) se as debêntures foram distribuídas ou admitidas à negociação no mercado;b) se as debêntures não foram distribuídas ou admitidas à negociação no

mercado.

8. INCURSÃO NO DIREITO PENAL

Comete o crime tipificado no art. 177, § Io, do Código Penal o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das debêntures, partes beneficiárias e outros valores mobiliários da sociedade.

9. TESTES

1. A companhia poderá emitir, dentro do limite de aumento do capital autori­zado no estatuto, títulos negociáveis, que conferirão aos seus titulares, nas condições constantes do certificado, direito de subscrever ações do capital social, que será exercido mediante apresentação do título à companhia e pagamento do preço de emissão das ações. Tais títulos são denominados

114 SOCIEDADE ANÔNIMA

a) partes beneficiáriasb) debênturesc) bônus de subscriçãod) certificados de depósito de valores mobiliários

2. Debênturesa) representam parcelas do capital socialb) são títulos de renda fixac) auferem dividendosd) são sempre conversíveis em ações

3. Na companhia fechada, a competência para resolver sobre a criação e emissão de debêntures é privativaa) da assembléia-geral dos debenturistasb) da assembléia-geralc) do conselho de administraçãod) do conselho fiscal

4. Partes beneficiáriasa) representam parcelas do capital socialb) poderão ser conversíveis em açõesc) terão duração vitalíciad) auferem dividendos

5. A participação atribuída às partes beneficiárias não ultrapassaráa) um décimo do capital da companhiab) um décimo do lucro da companhiac) um décimo dos dividendos distribuídos, em cada exercíciod) um décimo do fundo de resgate

6. Numa S.A., podem ser criados títulos negociáveis, sem valor nominal, estranhos ao capital social, e que conferem aos seus titulares direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros sociais. Tais títulos denominam-sea) açõesb) debênturesc) partes beneficiáriasd) bônus de subscrição

7. As partes beneficiáriasa) representam parcelas do capital socialb) têm valor nominalc) podem ser conversíveis em açõesd) são títulos de renda fixa

PARTES BENEFICIÁRIAS. DEBÊNTURES. BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO 1 1 5

8. O valor mobiliário sem valor nominal e estranho ao capital social, que confere ao seu titular direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros anuais, denomina-sea) ação preferencialb) debênturec) parte beneficiáriad) bônus de subscrição

9. Existe correlação entre os conceitos de capital autorizado e dea) ação preferencialb) debênturec) parte beneficiáriad) bônus de subscrição

10. Regra geral, na omissão do estatuto a respeito, as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito caso a companhia deixe de pagar os dividendos prioritáriosa) num determinado exercíciob) pelo prazo de dois exercícios consecutivosc) pelo prazo de três exercícios consecutivosd) pelo prazo de quatro exercícios consecutivos

11. O estatuto da companhia com ações preferenciais com prioridade na distri­buição de dividendos e sem direito de voto não poderá estabelecer que essas ações adquirirão o exercício desse direito se a sociedade deixar de pagar os dividendos prioritários pelo prazo dea) um anob) dois anosc) três anosd) quatro anos

12. As ações preferenciais não-votantes com prioridade na distribuição de divi­dendos adquirirão o exercício do direito de voto se a companhia deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso, pelo prazo previsto no estatuto, não superior aa) um exercíciob) dois exercícios consecutivosc) três exercícios consecutivosd) quatro exercícios consecutivos.

Capítulo 8

C o n s t it u iç ã o d a c o m p a n h ia

No Capítulo VII, a Lei trata da constituição da companhia. E no Capítulo VIII, das formalidades complementares da constituição.

0 Capítulo VII divide-se em quatro seções, a saber:

1 - Requisitos preliminares;II - Constituição por subscrição pública;III - Constituição por subscrição particular;'IV - Disposições gerais.

Criada à imagem e semelhança do homem, a vida da sociedade anônima pode ser comparada, analogicamente, à vida deste.

A constituição da companhia corresponde ao seu surgimento, seu apare­cimento, seu “nascimento” para o mundo.

1. CONCEPÇÃO DA COMPANHIA

Uma determinada companhia é sempre o resultado da concepção de algum ou alguns empreendedores. A opção pelo modelo da sociedade anônima inspira-se em considerações variadas e de conveniências a serem ponderadas caso a caso.

Uma vez concebida a idéia de se criar uma companhia, seus idealiza- dores passam a tomar as providências necessárias para fundar a sociedade. Tomam-se fundadores.

Muitas teorias têm sido apresentadas para explicar a natureza jurídica do relacionamento que se estabelece entre os fundadores e com terceiros. Trata-se, entretanto, de uma figura sui generis. Como ensina Trajano de Miranda Valverde (Valverde, 1941), o fundador age por direito próprio. Nessa circuns­tância, pratica atos e responde por eles, nos termos da legislação. Os fundadores responderão, solidariamente, pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos anteriores à constituição da companhia (art. 92, parágrafo único).

CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA 117

2. GESTAÇÃO DA COMPANHIA

A Seção I do Capítulo VII da lei dispõe sobre o que se poderia chamar de “gestação” da companhia (requisitos preliminares). Com base no parágrafo único do art. 81, pode-se afirmar que, em tese, essa gestação se prolongaria, regra geral, por seis meses. Contudo, na prática, essa tese pouco significa. Simplesmente não existe nenhuma regra rígida. A “gestação” pode durar um dia, ou apenas algumas horas, ou, ainda, prolongar-se por alguns anos.

Requisitos preliminares

1. Subscrição - A lei exige, como requisito preliminar, a subscrição, pelo menos por duas pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social. Subscrever ações significa assumir 0 compromisso (a obrigação) de pagar o seu preço. O preço pode ser igual ou superior ao valor nominal. Não pode ser inferior (art. 13). A exigência de subscrição pelo menos por duas pessoas decorre do preconceito existente em nosso Direito contra a sociedade unipessoal. Contudo, a própria lei já admite a existência de sociedade unipessoal ao disciplinar a subsidiária integral (art. 251) e a empresa pública (art. 50 do Decreto-lei n. 200, de 25.2.1967, c.c. o art. 50 do Decreto-lei n. 900, de 29.9.1969). Registradas estas exceções, permanece a exigência de que a subscrição seja sempre efetuada pelo menos por duas pessoas (físicas e/ou jurídicas). Essa subscrição pode ser pública ou privada. A subscrição pública, por envolver apelo à economia popular, cerca- se de maiores cuidados por parte do Poder Público. Por isso mesmo, depende de prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários, e somente poderá ser efetuada com a intermediação de instituição financeira (art. 82). Já a subscrição particular, efetuada pelos próprios fundadores, ou por pessoas de um círculo fechado, normalmente ligadas por vínculo de confiança recíproca, não merece maior preocupação do legislador. Neste momento, a idéia de subscrição pública liga-se ao conceito de companhia aberta. E a idéia de subs­crição particular, ao de companhia fechada (art. 40).

2. Realização - Subscrever ações - repete-se - significa assumir formalmente 0 compromisso (a obrigação) de pagar o seu preço. Contudo, esse preço não precisa ser integralmente pago no ato mes­mo da subscrição. O que a lei exige, como regra geral, é que o subscritor pague, pelo menos, 10% do preço de cada ação subscrita em dinheiro. Nesta hipótese, o contrato de subscrição, normalmente, estipulará o prazo e as condições de pagamento do restante do preço de emissão. Essa regra geral admite exceções. No caso de instituições

118 SOCIEDADE ANÔNIMA

financeiras e bancos, por exemplo, a realização mínima é de 50% (Lei n. 4 595/64, art. 27).

3. Depósito - A lei exige que as importâncias relativas às entradas (10%, no mínimo, como regra geral) sejam depositadas no Banco do Brasil ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela CVM. Pelo Ato Declaratório n. 2, de 3.5.1978, a CVM autorizou todos os bancos comerciais a receberem essas entradas. O depósito deverá ser feito pelo fundador no prazo de cinco dias, contado do recebimento das quantias. Ocorre que, até este ponto, a sociedade ainda não se constituiu. Não existe ainda como pessoa jurídica. Esta se encontra em “gestação”. Por isso mesmo, o depósito deverá ser feito em nome do subscritor e a favor da sociedade em organização, que só poderá levantá-lo após haver adquirido personalidade jurídica. Caso a com­panhia não se constitua dentro de seis meses da data do depósito, o banco restituirá as quantias depositadas diretamente aos subscri­tores (art. 81, parágrafo único).

4. Avaliação de bens - Já vimos, em capítulo anterior, que o capital de uma companhia, regra geral, pode ser formado por dinheiro ou bens, suscetíveis de avaliação em dinheiro. Na hipótese de haver subscrição de ações em bens, impõe-se como mais um requisito preliminar à constituição a avaliação desses bens. Sobre essa avaliação, repor- tamo-nos ao que já foi dito no capítulo sobre a Formação do Capital.

3. CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA

Só depois de cumpridos todos os requisitos preliminares, acima descri­tos, os interessados podem constituir a companhia. A constituição corresponde ao “nascimento” da pessoa jurídica.

A lei, empregando uma terminologia já tradicional, mas enganosa, fala em “constituição por subscrição pública” e “constituição por subscrição particular”. Contudo, a rigor, não existe “constituição por subscrição pública” e nem “constituição por subscrição particular”. Como vimos, a subscrição (pública ou particular) é um dos requisitos preliminares à constituição propriamente dita. No momento da constituição, a subscrição já deverá estar exaurida. Ao disciplinar a forma de constituição propriamente dita (forma prescrita em lei - Código Civil de 1916, art. 82; Código Civil de 2002, art. 166, IV), o legislador estabeleceu, nas Seções II e III do Capítulo VII, modelos diferenciados. Prescreveu a forma de constituição, quando, na fase anterior, de requisitos preliminares, tiver sido adotado o procedimento por subscrição pública. E estabeleceu as formas de constituição quando, na fase

CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA 119

anterior, de requisitos preliminares, tiver sido adotado o procedimento por subscrição particular.

Os Títulos II e III devem, pois, ser entendidos da seguinte maneira: Seção II: Forma de constituição quando a subscrição tiver sido pública; Seção III: Forma de constituição quando a subscrição tiver sido particular.

A rigor, só existem duas formas prescritas em lei para a constituição da companhia:

por assembléia-geral ou por escritura pública.

Não existem constituição por subscrição pública e constituição por subs­crição particular.

Constituição por assembléia-geral

A constituição pode efetuar-se por assembléia-geral, quer a subscrição tenha sido pública, quer tenha sido particular. A assembléia-geral é, pois, a forma prescrita em lei, tanto na hipótese de se haver procedido a uma subscrição pública quanto na de se haver procedido a uma subscrição particular. A lei estabelece, minuciosamente, as formalidades que deverão cercar a realização da assembléia-geral de constituição. Ela deverá ser convocada pelos fundadores. Os anúncios de convocação mencionarão o dia, hora e local da reunião, e serão publicados nos jornais em que houver sido feita a eventual publicidade de oferta de subscrição. Os anúncios de convocação da assembléia-geral de constituição da companhia deverão ser publicados no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o lugar em que vai estar situada a companhia, e em outro jornal de grande circulação editado na localidade da futura sede (art. 289), com a antece­dência mínima prevista no art. 124 (“I - na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não se realizando a assembléia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias; II - na companhia aberta, 0 prazo de antecedência da primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias”).

Uma vez instalada validamente, a assembléia-geral de constituição da companhia poderá deliberar também validamente. Deliberação válida é aque­la tomada pela maioria. Na assembléia de constituição da companhia, especi­ficamente, cada ação, independentemente de sua espécie forma ou classe, dá direito a um voto. A maioria (mais da metade do capital social, nesta assem­bléia-geral) não poderá, entretanto, alterar o projeto do estatuto social. Ou constitui a sociedade com aquele projeto, ou não a constitui.

120 SOCIEDADE ANÔNIMA

Diz a lei que a assembléia-geral deverá: I - promover a avaliação dos bens, se for o caso; II - deliberar sobre a constituição (ou não) da companhia. Observe-se, enpassant, que a assembléia-geral não avalia bens. A avaliação de bens é promovida por peritos, nos termos do art. 8o. 0 que a assembléia-geral deve fazer, portanto, é aprovar ou desaprovar o laudo de avaliação, observando que os bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor acima do que lhes tiver dado o próprio subscritor (art. 8o, § 40).

Verificando-se que foram observadas as formalidades legais, e não havendo oposição de subscritores que representem mais da metade do capital social, o presidente da assembléia-geral declarará constituída a companhia, procedendo-se, a seguir, à eleição dos primeiros administradores e conselheiros fiscais.

A ata da assembléia-geral de constituição da companhia, lavrada em duplicata, depois de lida e aprovada, será assinada por todos os subscritores presentes, ou por quantos bastem à validade das deliberações. Um exemplar ficará em poder da companhia e o outro será destinado ao registro do comércio.

Esta forma prescrita em lei para a constituição da companhia pode ser utilizada, indistintamente, quer a subscrição tenha sido pública, quer tenha sido particular.

Constituição por escritura pública

A forma de constituição por escritura pública só poderá ser utilizada se a subscrição, na fase anterior, dos requisitos preliminares, tiver sido particular. É que a escritura pública, lavrada no Cartório de Notas, deverá contar com a assinatura de todos os subscritores. Seria extremamente penosa e complicada a obtenção da assinatura de todos os subscritores na hipótese de haver sido adotada uma subscrição pública. Em tese, as ações da companhia poderão ter sido subscritas por investidores espalhados por todo 0 território nacional e até pelo exterior. Seria complicado e dispendioso exigir que tais subscritores se deslocassem para a sede do Cartório do Registro de Notas ou, mesmo, que enviassem procurações, para que alguém assinasse a escritura pública por eles. A lei dispõe, minu­ciosamente, no art. 88, § 20, sobre os requisitos que deverão constar da escritura pública de constituição da companhia.

Observação

Como se percebe, a assembléia-geral é a forma comum para a cons­tituição, tanto quando a subscrição tiver sido pública, como quando tiver sido particular. A forma de constituição por escritura pública só poderá

CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA 121

ser utilizada se, na fase anterior, de requisitos preliminares, tiver sido adotada a subscrição particular. O quadro abaixo facilitará a compreensão do que foi dito.

Fase de Fase deRequisitos preliminares constituição propriamente dita

Subscrição: Constituição:

• pública — - • por assembléia-geral

• particular ' ► • por escritura pública

4. FORMALIDADES COMPLEMENTARES À CONSTITUIÇÃO

Depois de constituída a companhia (por assembléia-geral ou por escritura pública), competirá aos primeiros administradores o cumpri­mento de formalidades complementares à sua constituição. Nenhuma companhia poderá funcionar sem que sejam arquivados e publicados os seus atos constitutivos (art. 94). Os primeiros administradores serão solidariamente responsáveis perante a companhia pelos prejuízos causados pela demora no cumprimento das formalidades complementares à consti­tuição. A companhia não responde pelos atos praticados pelos primeiros administradores antes de cumpridas as formalidades complementares à constituição, mas a assembléia-geral poderá deliberar o contrário (art. 99 e seu parágrafo único).

5. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA FORMAÇÃO DO CAPI­TAL SOCIAL: FORMALIDADES E TRIBUTAÇÃO

A incorporação de imóveis para a formação do capital social não exige escritura pública. É que a ata da assembléia-geral ou a escritura de consti­tuição da companhia, arquivadas no registro do comércio, são documentos hábeis para promover a publicidade necessária à transferência dos bens imóveis. Haverá necessidade, entretanto, de transcrição daqueles docu­mentos (ata da assembléia-geral ou escritura pública de constituição da companhia) no Cartório de Registro de Imóveis (quem não registra não é dono). Já vimos que não incide o Imposto sobre a Transmissão de Bens

122 SOCIEDADE ANÔNIMA

Imóveis e de Direitos a eles Relativos (ITBI) sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica (como a compa­nhia) em realização de capital, salvo se a atividade preponderante da adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (Constituição Federal de 1988, art. 156, § 2o, I). É bom lembrar, finalmente, que, se o subscritor for casado e pretender subscrever ações para pagamento em bens imóveis, será imprescindível a outorga uxória do respectivo cônjuge.

6. INCURSÃO NO DIREITO PENAL

O Código Penal brasileiro tipifica como crime, com pena de reclusão de um a quatro anos, e multa, se o fato não constituir crime contra a economia popular, a conduta de “promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ocultando fraudulentamente fato a ela relativo” (Código Penal, art. 177).

7. QUESTÕES

1. Pense na seguinte situação: o subscritor, casado, subscreve ações, propon­do-se a entregar imóvel de sua propriedade para formação do capital da companhia. A esposa do subscritor firma uma declaração por instrumento particular, manifestando a sua anuência. Contudo, essa mesma mulher recusa-se terminantemente a assinar a escritura pública de constituição da companhia.

2. Subscritor solteiro dispôs-se a entregar, para formar o capital de uma companhia, um bem de sua propriedade, por ele avaliado em R$ 80... Os peritos, entretanto, avaliaram o mesmo bem por R$ 100... Por quanto poderá o referido bem ser incorporado ao patrimônio social?

3. Subscritor solteiro dispôs-se a entregar, para formar o capital de uma companhia, um bem de sua propriedade, por ele avaliado em R$ 100... Os peritos, entretanto, avaliaram o mesmo bem por R$ 80... Por quanto poderá 0 referido bem ser incorporado ao patrimônio social? Nesta mesma hipótese, que acontecerá se o subscritor não aceitar a avaliação dos peritos?

4. Qual a diferença entre Projeto de Estatuto (art. 83) e Prospecto (art. 84)?5. Desenvolva, com maior detalhamento, a analogia sugerida entre a vida da

sociedade anônima e a vida humana.6. Que significa a responsabilidade solidária, referida no art. 92 (“Os fundadores

responderão, solidariamente, pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou operações anteriores à constituição)?

CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA 123

TESTES

1. X pretende que a sua fazenda, por ele avaliada em R$ 4..., seja incorporada para formar o capital social da companhia Y, em constituição. Uma empresa especializada avaliou a fazenda por R$ 5... A fazenda só poderá ser incorpo­rada ao patrimônio social por R$a) 4-b) 5...c) 4,5-d) nenhuma das alternativas acima é correta

2. Acionista remisso (arts. 106 e 107) é aquelea) cuja dívida foi perdoada pela companhiab) que teve as suas ações amortizadasc) que não realizou, nas condições previstas no estatuto ou no boletim

de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas

d) cujas ações não estão integralizadas

3. A constituição da companhia depende do cumprimento de certos requisitos preliminares. Um dos requisitos é o depósito, no Banco do Brasil ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela CVM, da parte do capital realizado em dinheiro. O banco restituirá as quantias depositadas aos subscritores caso a companhia não se constitua dentro do seguinte prazo, após a data do depósito:a) três mesesb) seis mesesc) um anod) três anos

4. Quanto à constituição da companhia, não é possívela) subscrição particular e constituição por escritura públicab) subscrição particular e constituição por assembléia-geralc) subscrição pública e constituição por escritura públicad) subscrição pública e constituição por assembléia-geral

5. Na constituição da companhia, o depósito das entradas iniciais do capital social realizado em dinheiro deve ser efetuado pelo fundador no prazo dea) cinco dias, contados do recebimento das quantiasb) cinco dias, contados da constituição da companhiac) um mês, contado do recebimento das quantiasd) um mês, contado da constituição da companhia

6

7-

8.

124

A incorporação de imóveis para a formação do capital social de uma companhia não exigea) escritura públicab) registroc) nem escritura pública nem registrod) outorga uxória, quando o subscritor for casado

Na incorporação de um bem imóvel, para formação do capital social de uma companhia seguradoraa) há necessidade de escritura públicab) não há incidência do imposto de transmissãoc) não há necessidade de registrod) não há necessidade de outorga uxória, se o subscritor for casado

A incorporação de imóvel para formação do capital social de uma S.Aa) exige escritura pública e está sujeita ao ITBIb) exige escritura pública, mas nem sempre está sujeira ao ITBIc) não exige escritura pública, mas está sujeita ao ITBId) não exige escritura pública e nem sempre está sujeita ao ITBI

SOCIEDADE ANÔNIMA

C a p ít u lo 9

A s s e m b l é ia -g e r a l

Na vida da companhia existem várias assembléias: assembléia dos titu­lares de partes beneficiárias (art. 51), assembléia de debenturistas (art. 71), assembléia especial dos portadores de ações preferenciais (art. 136, § i°), etc.

Neste Capítulo, vamos tratar, exclusivamente, da assembléia-geral dos acionistas.

Assembléia-geral é a reunião dos acionistas convocada e instalada na forma da lei e dos estatutos, para deliberar sobre matéria de interesse social (art. 86 do Decreto-lei n. 2.627, de 26.9.1940 - antiga Lei das Sociedades por Ações).

O art. 122 especifica as matérias de competência privativa da assem­bléia-geral, ou seja, aquelas matérias sobre as quais só a assembléia-geral pode deliberar validamente.

Algumas dessas matérias são consideradas ordinárias, porque sobre elas a assembléia-geral sempre deverá deliberar, periodicamente. Outras, extraor­dinárias, porque inexiste qualquer previsão da necessidade de sobre elas se deliberar periodicamente.

Em face dessa diversidade de matérias (ordinárias e extraordinárias), a lei fala em assembléias-gerais ordinárias (AGO) e assembléias-gerais ex­traordinárias (AGE).

As matérias ordinárias, objeto de competência da AGO, encontram-se enumeradas, num rol de numerus clausus (taxativo, fechado), no art. 132. Anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver uma AGO, para deliberar sobre as matérias previstas no art. 132 (“I - tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as deliberações financeiras; II - deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos; III - eleger os administradores e os membros do Conselho Fiscal, quando for o caso; IV - aprovar a correção da expressão monetária do capital social”).1

1 Sobre aumento de capital por correção monetária, ver o Capítulo 13.

126 SOCIEDADE ANÔNIMA

0 exercício social terá duração de um ano e a data do término será fixada no estatuto (art. 175).

O exercício social, referido no art. 175, poderá, ou não, coincidir com o ano civil.

As matérias extraordinárias, objeto de competência da AGE, pela sua própria característica, não se comportam em nenhum rol.

Como regra prática, pode-se afirmar que toda a matéria de competência da AG não inserida no rol de competência da AGO será, por exclusão, de competência da AGE. “Tratando-se de pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade anônima, a deliberação, em assembléia-geral ordinária, sobre assuntos reservados às assembléias extraordinárias, como a reforma de esta­tutos, disciplinada pelo art. 135 da Lei n. 6.404/76, implica nulidade do ato, que deve ser declarada pelo Judiciário”.2

1. CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLÉIA-GERAL

Forma prescrita em lei para a convocação da assembléia-geral

A lei prescreve, detalhadamente, a forma de convocação da assem­bléia-geral (forma prescrita em lei - Código Civil de 1916, art. 82; Código Civil de 2002, art. 166, IV). A convocação far-se-á mediante anúncio publi­cado por três vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembléia, a ordem do dia e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria.

Quanto à antecedência da convocação, o art. 124 trata de maneira dife­renciada a companhia aberta e a fechada, e estabelece algumas exceções, como demonstrado a seguir:

Na companhia aberta:

Primeira convocaçãcr. 15 (quinze) dias de antecedência, no mínimo, con­tado o prazo da publicação do primei­ro anúncio;

Segunda convocaçãcr. não se reali­zando a assembléia, [em primeira con­vocação] será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antece­dência mínima de 8 (oito) dias.

Na companhia fechada:

Primeira convocação: 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio;

Segunda convocaçãa. não se reali­zando a assembléia, [em primeira con­vocação] será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antece­dência mínima de 5 (cinco) dias.

2 Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível n. 0206762-3 - Comarca de Visconde do Rio Branco. Rel.: Juiz Quintino do Prado.

ASSEMBLÉIA-GERAL 127

Exceções:Art. 124 [...]§ 5o A Comissão de Valores Mo­

biliários poderá, a seu exclusivo critério, mediante decisão funda­mentada de seu Colegiado, a pe­dido de qualquer acionista, e ouvida a companhia:

I - aumentar, para até 30 (trinta) dias, a contar da data em que os do­cumentos relativos às matérias a se­rem deliberadas forem colocados à disposição dos acionistas, o prazo de antecedência de publicação do pri­meiro anúncio de convocação da as­sembléia-geral de companhia aberta, quando esta tiver por objeto opera­ções que, por sua complexidade, exi­jam maior prazo para que possam ser conhecidas e analisadas pelos acionistas;

II - interromper, por até 15 (quin­ze) dias, o curso do prazo de antece­dência da convocação de assembléia- geral extraordinária de companhia aberta, a fim de conhecer e analisar as propostas a serem submetidas à assembléia e, se for o caso, informar à companhia, até o término da inter­rupção, as razões pelas quais enten­de que a deliberação proposta à as­sembléia viola dispositivos legais ou regulamentares.

§ 6o As companhias abertas com ações admitidas à negociação em bol­sa de valores deverão remeter, na data da publicação do anúncio de convocação da assembléia, à bolsa de valores em que suas ações forem mais negociadas, os documentos postos à disposição dos acionistas para delibe­ração na assembléia-geral.

Exceções-,Art. 124 [...]§ 3o Nas companhias fechadas, o

acionista que representar 5% (cinco por cento), ou mais, do capital social, será convocado por telegrama ou carta registrada, com a mesma ante­cedência prevista [para os editais de convocação], desde que o tenha soli­citado, por escrito, à companhia, com a indicação do endereço com­pleto e do prazo de vigência do pedi­do, não superior a dois exercícios so­ciais, e renovável

Art. 294. A companhia fechada que tiver menos de vinte acionis­tas, com patrimônio líquido infe­rior a R$ 1.000.000,00 (um mi­lhão de reais), poderá:

I - convocar a assembléia-geral por anúncio entregue a todos os acionistas, contra recibo, com a an­tecedência prevista no art. 124, mas “deverá guardar os recibos de entre­ga dos anúncios de convocação e ar­quivar no Registro do Comércio, juntamente com a ata da assem­bléia, cópia autenticada dos mes­mos” (art. 294,1 e § i°); esta exceção “não se aplica à companhia con­troladora de grupo de sociedades, ou a ela filiadas” (art. 294).

128 SOCIEDADE ANÔNIMA

Instalação da assembléia-geral independentemente de convoca­ção regular

Independentemente das formalidades previstas para a convocação, será considerada regular a AG a que comparecerem todos os acionistas (art. 125, parágrafo único). Essa referência a “todos os acionistas” estende-se aos não-votantes, que, embora destituídos do direito de voto, podem comparecer às assembléias-gerais, discutir e influir na decisão.

A expressão “e outros assuntos de interesse geral” comumente mencionada nos editais de convocação da assembléia-geral

É costume os editais de convocação de assembléias-gerais incluírem, após a especificação das matérias a serem discutidas, expressão genérica como: “e outros assuntos de interesse geral.” Convém frisar que, sob o pálio dessa rubrica genérica, a assembléia só poderá deliberar, validamente, sobre assuntos urgentes, que não possam aguardar a convocação da assembléia- geral sob pena de grave prejuízo ou, então, matérias rotineiras e de somenos importância. Qualquer matéria que escape desses parâmetros só poderá ser deliberada validamente se expressamente mencionada na ordem do dia.

Competência para a convocação da assembléia-geral

“Compete ao Conselho de Administração, se houver, ou aos diretores, observado 0 disposto no estatuto, convocar a assembléia-geral” (art. 123, caput).

Convocação da assembléia-geral pelo Conselho Fiscal

Art. 163. Compete ao conselho fiscal:[...]V - convocar a assembléia-geral ordinária, se os órgãos da administra­ção retardarem por mais de um mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assembléias as matérias que considerarem necessárias (art. 163, V, c.c. art. 123, parágrafo único, a).

Convocação da assembléia-geral por acionistas

Nos termos do parágrafo único do art. 123, a assembléia-geral também pode ser convocada:

“ò) por qualquer acionista, quando os administradores retardarem, por mais de sessenta dias, a convocação, nos casos previstos em lei ou no estatuto”;

“c) por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no mínimo, do capital social, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito)

ASSEMBLÉIA-GERAL 129

dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas”. Note-se que, aqui, se refere a 5% (cinco por cento) de todo o capital social e não apenas ao capital votante.

“d) por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no mínimo, do capita] votante, ou 5% (cinco por cento), no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, a pedido de convocação de assembléia para instalação do conselho fiscal”.3 Frise- se que a letra d do parágrafo único do art. 123 refere-se a duas alternativas diferentes: Ia) 5%, no mínimo, do capital votante, ou 2a) 5%, no mínimo, dos acionistas sem direito a voto. A expressão “capital votante”, constante da primeira alternativa, refere-se a número de ações. Um único acionista pode representar 5% ou mais do capital votante. Já a expressão “acionistas sem direito a voto”, empregada na segunda alternativa, refere-se a pessoas e não a ações. Numa determinada companhia, as ações sem direito a voto podem pertencer a uma única pessoa ou a um número enorme de pessoas. Em se tratando de pessoas (acionistas) sem direito a voto, será necessário constatar, para o efeito do dispositivo acima transcrito, se os requerentes representam, no mínimo, 5% de todas as pessoas sem direito a voto.

Os três exemplos abaixo ilustram 0 que acaba de ser dito.

(i°)

Na Cia. X existem 900 ações: 300 ações ordinárias e votantes e 600 ações preferenciais sem direito a voto. Todas as ações preferenciais pertencem ao acionista Xisto. Xisto representa 100% dos acionistas sem direito a voto.

(2°)Na Cia. Y existem 900 ações: 300 ações ordinárias votantes e 600 ações

preferenciais sem direito a voto. As ações preferenciais pertencem a 600 pessoas diferentes. Cinco por cento das 600 pessoas são 30 pessoas, como se constata pela regra de três abaixo:

5-100 x-600

X= R X 600 100

*=30

3 Sobre 0 requerimento de convocação da assembléia-geral para instalação do conselho fiscal, ver também o Capítulo 12.

130 SOCIEDADE ANÔNIMA

Nesta situação, as 30 pessoas representam 5% das ações sem direito avoto.

(3o)

Na Cia. Z existem 900 ações: 300 ações ordinárias votantes e 600 ações preferenciais sem direito a voto. 300 ações preferenciais pertencem a Mévio. As outras 300 ações preferenciais pertencem a 300 pessoas diferentes. Logo, a companhia tem 301 “acionistas sem direito a voto”.

Nesta hipótese, Mévio representa 50% das ações sem direito a voto. Mas representa menos de 1% dos “acionistas sem direito a voto”:

1-301 x -100

x = 1 x 100 301

x = 0,332225...%

2. LOCAL DE REALIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA-GERAL

Salvo motivo de força maior, a AG realizar-se-á no edifício onde a com­panhia tiver sede (art. 124, § 2°).

3- QUORUM DE INSTALAÇÃO DA ASSEMBLÉIA-GERAL

Só a AG convocada na forma prescrita em lei pode instalar-se e deliberar validamente. A instalação válida da assembléia-geral regularmente convocada depende da presença de um número mínimo de ações votantes. Esse, chamado quorum de instalação, vai variar, dependendo de se tratar de instalação em primeira ou segunda convocação.

Excepcionalmente, também poderá instalar-se validamente a assem­bléia-geral que, embora irregularmente convocada, contar com a presença unânime dos acionistas (votantes e não-votantes) (art. 124, § 40).

“Sem quorum de instalação não há assembléia. A que sem ele se consti­tua será mero agrupamento de acionistas, sem nenhuma expressão jurídica, e cujas deliberações nenhuma significação terão em relação à sociedade” (Tribunal de Justiça de São Paulo. RT, 675/91-97 - jan. 1992).

Em primeira convocação, a regra geral para o quorum de instalação é a do art. 125: a AG instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 do capital social com direito de voto. Contudo, o próprio art. 125 ressalva “exceções previstas em lei”. Na verdade, a única exceção encontra-se no art. 135: a AGE que tiver por objeto a

ASSEMBLÉIA-GERAL 131

reforma do estatuto somente se instalará, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem 2/3, no mínimo, do capital com direito a voto.

Em segunda convocação, a AG sempre poderá instalar-se validamente com qualquer número.

Quorum de instalação da assembléia-geral:

Regra geral (art. 125) Exceção (art. 135)

Ia Convocação 2a Convocação Ia Convocação 2a Convocação

Presença de acio­nistas que repre­sentem, no míni­mo, 1/4 do capital social com direito de voto.

Qualquer número. Presença de acio­nistas que repre­sentem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com di­reito a voto.

Qualquer número.

4. LEGITIMAÇÃO E REPRESENTAÇÃO NA ASSEMBLÉIA-GERAL

O art. 126 disciplina a legitimação e a representação do acionista nas assembléias-gerais.

O inciso II do art. 126 determina que, se 0 estatuto exigir, o titular de ação escriturai e o titular de ação em custódia em instituição autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários deverão exibir ou depositar, na companhia, comprovante expedido pela instituição financeira, para se legitimarem a participar da assembléia-geral.

Solicitação de procuração por acionista

É facultado a qualquer acionista, votante ou não, que represente meio por cento, no mínimo, do capital social, solicitar relação de endereços dos acionistas, para, mediante correspondência ou aviso publicado, solicitar-lhes procuração para representá-los nas assembléias-gerais e votar.

“O pedido de procuração, mediante correspondência, ou anúncio publi­cado, sem prejuízo da regulamentação que, sobre 0 assunto vier a baixar a Comissão de Valores Mobiliários, deverá satisfazer aos seguintes requisitos:a) conter todos os elementos informativos necessários ao exercício do voto pedido; b) facultar ao acionista o exercício de voto contrário à decisão com indicação de outro procurador para o exercício desse voto; e c) ser dirigido a todos os titulares de ações cujos endereços constem da companhia” (art. 126,

132 SOCIEDADE ANÔNIMA

§ 2°). A procuração eventualmente outorgada será válida pelo prazo máximo de um ano. '

Como se nota, a lei prevê a regulamentação, pela Comissão de Valores Mobiliários, do pedido de procuração, mediante correspondência ou anúncio publicado (art. 126, § 20).

Nos Estados Unidos, a regulamentação dos pedidos de procuração {proxy regulation) baixada pela Securities andExchange Commission - SEC- é bastante cuidadosa. Em decorrência da regulamentação norte-americana, o acionista outorgante da procuração, a rigor, manifesta o seu voto por anteci­pação, com relação a cada um dos itens mencionados na pauta constante do Edital de convocação da assembléia-geral. Naquele país, o instrumento de solicitação de procuração já costuma inserir campos para preenchimento mais ou menos assim:

[...]1. Aprova a alteração da Cláusula Sétima do Estatuto Social, para, ali, substi­

tuir a palavra “deverá” pelo vocábulo “poderá”, ...?Sim.Não.

[...]

5. QUORUM DELIBERATIVO DA ASSEMBLÉIA-GERAL (MAIO­RIA) E EMPATE NAS DELIBERAÇÕES

Só a assembléia-geral regularmente instalada poderá deliberar validamente.

O quorum deliberativo (maioria) variará, dependendo da matéria constante da ordem do dia referida no edital de convocação da AG.

A regra geral, quanto ao quorum deliberativo (maioria), encontra-se no art. 129: as deliberações da AG serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco. O conceito de maioria absoluta, na legislação das sociedades anônimas, deve ser entendido como a maioria das ações votantes presentes à AG.

Também com relação ao quorum deliberativo (maioria), 0 próprio art. 129 ressalva exceções previstas em lei. Essas exceções são encontradas: a) no art. 136 (é necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito de voto para as deliberações ali previstas; contudo, na companhia fechada, 0 estatuto poderá aumentar esse quorum deliberativo (maioria) (art. 136, caput]; e na companhia aberta, ele poderá ser

ASSEMBLÉIA-GERAL 1 3 3

reduzido (art. 136, § 2°); b) no art. 221 (a transformação da companhia em outro tipo societário exige o consentimento unânime dos acionistas, salvo se prevista no estatuto); e c) no art. 72 do Decreto-lei n. 2.627/40, c.c. o art. 300 (a sociedade anônima ou companhia brasileira somente poderá mudar de nacionalidade mediante o consentimento unânime dos acionistas).4

Quorum deliberativo (maioria) da assembléia-geral:

Regra geral (art. 129) Exceções

Maioria absoluta de votos, não se com­putando os votos em branco = maioria das ações votantes presentes à AG.

• Art. 136• Art. 221• Art. 300 c.c. 0 art. 72 do Decreto-lei n.

2627/1940 e com 0 art. 1.127 do novo Código Civil

Como se vê, uma AG convocada e instalada regularmente nem sempre poderá deliberar, validamente, por falta de quorum deliberativo (maioria ou unanimidade).

Empate nas deliberaçõesEm caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de

arbitragem, e não contiver norma diversa, a AG será convocada, com intervalo mínimo de dois meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate, e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia (art. 129, § 2°).

Não são comuns os casos de empate em assembléias-gerais de compa­nhias. A solução dada pela lei tem sido criticada por vários doutrinadores. Segundo Requião (1988), ela é romântica e fora da realidade. A propósito, ver o Caso Hotéis Ribas, no Capítulo 10.

6. NECESSIDADE DE PRÉVIA APROVAÇÃO OU DE RATIFI­CAÇÃO PARA EFICÁCIA DE DELIBERAÇÃO DA ASSEM­BLÉIA-GERAL

Algumas vezes, a lei submete a eficácia da deliberação de uma AG regu­larmente convocada, validamente instalada e tomada com o quorum deliberativo necessário, à prévia aprovação ou ratificação por parte de algum outro órgão ou conjunto de pessoas. Citam-se, como exemplos, as seguintes

4 Código Civil de 2002: “Art. 1.127. Não haverá mudança de nacionalidade de socie­dade brasileira sem o consentimento unânime dos sócios ou acionistas.”

134 SOCIEDADE ANÔNIMA

normas: a) § Io, do art. 136: “Nos casos dos ns. I e II [do art. 136], a eficácia da deliberação depende de prévia aprovação ou da ratificação, por titulares de mais de metade da classe de ações preferenciais interessadas, reunidos em assembléia especial, convocada e instalada com as formalidades desta Lei”; eb) § 6o do art. 44: “Salvo disposição em contrário do estatuto social, o resgate de ações de uma ou mais classes só será efetuado se, em assembléia especial convocada para deliberar essa matéria específica, for aprovado por acionistas que representem, no mínimo, a metade das ações da(s) classe(s) atingidas(s)”.

Observe-se que a ineficácia não se confunde com a nulidade. As irregula­ridades de convocação e instalação, bem como os vícios de erro, dolo, fraude ou simulação, que contaminarem a deliberação de uma assembléia-geral, acarretam nulidade relativa. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em dois anos, contados da deliberação (art. 286).

O Parecer CVM/SJU n. 161, de 19.12.1979, versa sobre criação de ações preferenciais e necessidade de aprovação pelos acionistas interessados, em assembléia especial:

7. PARECER CVM/SJU, 161, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979(DO 17II, DE 11.1.1980)

Criação de Ações Preferenciais. Necessidade de Aprovação pelos Acio­nistas Interessados, em Assembléia Especial.

[••■] desfazimento do ato e restituição das partes

O entendimento do § 1o do art. 136 da Lei 30 sta u ^uo an le 'n. 6.404/76 é que a aprovação pelos interes- Logo, a aprovação dos acionistas interes­sados, ali referida, tem a natureza de condição sados, embora preceda ou suceda à delibera-de eficácia da deliberação da assembléia-ge- ção da assembléia-geral, deve, como regraral, tomada como norma para regular as rela- normal de prudência, anteceder a efetivaçãoções jurídicas entre sociedades e acionistas. das medidas que dela se originam.

Enquanto não ocorrer a ratificação pelos Competente é, pois, a Comissão de Valo- interessados, não há que falar em nulidade ou res Mobiliários, para vincular a concessão doanulabilidade do ato jurídico válido, desde que registro de emissão pública de companhiase achem presentes os requisitos do art. 145 do aberta à realização da assembléia especial,Código Civil [de 1916], Contudo, permanecem determinada pela lei e exigir que se regulari-paralisados os efeitos jurídicos em relação aos zem situações anteriores, pela ratificação dointeressados aos quais o ato é inoponível. ato ineficaz.

Negada, porém, a ratificação pelos interes- A deliberação da assem bléia-geral quesados, consuma-se a ineficácia, cujos efeitos importa em quebra da proporção entre aseqüivalem aos da nulidade, com a sanção de classes de ações preferenciais, leva, indireta-

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mente, à diluição da participação dos acionistas nos lucros, pela alteração da posição relativa no capital social; por isto, requer aprovação dos interessados em assembléia especial e os dissidentes terão direito de recesso.

No entanto, a criação de classe de ações preferenciais menos favorecidas, que infalivel­mente acarreta a alteração da proporção no capital social, é admitida pela lei, a contrário senso, no art. 136, II, 2 a parte. A vedação refere-se à hipótese de aumento de classe existente, não à de criação (art. 1 3 6 ,1,2a parte), e se justifica pela liberdade que a sociedade tem de escolher os meios adequados de capi­talização, no interesse de todos.

Companhia aberta propõe-se a lançar, no mercado, [...] de ações preferenciais classe “B”. Ao avaliar seu pedido de registro, a G ER cons­tatou que, embora tenha a companhia realizado assembléia especial dos acionistas interessa­dos para aprovar 0 presente aumento, a criação das ações que 0 constituem, efetivada por deli­beração em assembléia-geral de 25.4.1977, não foi ratificada como devia, nos mesmos ter­mos, para adquirir eficácia. Além do mais, em aumentos de capital anteriores ao presente, em que não se teria guardado a proporção entre as classes de ações, a Companhia já emitiu, por bonificação e subscrição privada, 33% de seu capital em ações da referida classe.

Indaga a G ER , pois, à SJU, da conveniên­cia de se vincular a concessão do registro à realização da referida assembléia especial de acionistas interessados, para ratificar os atos já praticados, ou se bastaria alertar a empresa para a irregularidade, principalmente devido ao fato de que possivelmente há outras em ­presas em situação idêntica.

Os fatos.

1. Por deliberação da assembléia-geral de25 .4 .1977, a sociedade decidiu criar ações preferenciais classe “B” (art. 5, § 2o, cap. II do estatuto), com dividendos idênticos aos das ações ordinárias e prioridade no reembolso, em caso de liquidação.

2 . Em a s s e m b lé ia e x tra o rd in á r ia de20 .5 .1977 , autorizou-se aum ento de capital

através de incorporação de reservas de lu­cros; as ações ordinárias foram bonificadas em ações da mesm a espécie e às ações pre­ferenciais classe “A ” se atribuíram ações pre­ferenciais classe “B”, cuja criação fora delibe­rada em assembléia anterior.

3. Em 10.10.1977, autorizou-se aumento de capital, por subscrição particular, com emissão de preferenciais “B" e se alterou o estatuto para criar 0 direito de opção para conversibilidade das ações “A ” em “B”.

4. Em 16.10.1977, distribuiu-se bonificação em ações da mesm a espécie e classe das existentes, por incorporação de reservas de lucros e de capital.

5. Em 4.6 .1979 , a assembléia-geral autori­zou emissão, por subscrição pública, de ações preferenciais “B”, com a prévia aprovação pe­los acionistas preferenciais. Anteriorm ente, propôs aumento de capital por incorporação de reservas de lucro e de capital, distribuindo- se aos acionistas ações novas, da mesma espécie e classe.

O registro da em issão pública processa-se atualmente nesta Comissão de Valores Mobili­ários, razão pela qual a S EP consulta a SJU, nos termos referidos anteriormente.

A solução do problema centra-se, basica­m ente, na conceituação dos direitos das ações preferenciais, que a Lei n. 6 .404 cria e protege através dos dispositivos do art. 17 e especificamente os arts. 1 3 6 ,1 e II, e §§ 1°e 3o e 137, nos quais se procura equacionar a sua coexistência com as ações ordinárias e 0 pró­prio relacionamento entre si, quando existirem várias classes.

A regra geral de maioria, e mesmo a exi­gência do quorum qualificado, não é adequa­da para decidir interesses de acionistas prefe­renciais, que são terceiros relativamente aos acionistas ordinários com direito a voto. Há uma impossibilidade, da parte da sociedade ou de seus órgãos, de dispor dos direitos de­les com um ato próprio de sua vontade. Eis porque a eqüidade impõe que sejam ouvidos, em assembléia especial, quando um prejuízo

136 SOCIEDADE ANÔNIMA

efetivo, direto ou indireto, am eace seus inte­resses, reduzindo vantagens ou diluindo parti­cipação nos lucros.

Mais ainda, torna ineficazes, em relação a todos, deliberações que não logrem sua apro­vação e mesm o que mais da m etade as aprove, assegura aos dissidentes o direito de recesso, pelo valor patrimonial de suas ações.

Quanto à imperatividade da realização da assembléia especial, não permanece dúvida, preceda ou suceda a assembléia-geral. São de ordem pública as normas que a regulam, pela natureza dos interesses envolvidos, caracterizadas pela concessão do direito de recesso aos dissidentes.

A dúvida põe-se relativamente à natureza jurídica das deliberações conjugadas da as- sembléia-geral e da especial, se há uma delibe­ração ato complexo, formado pelos dois mo­mentos que constituiriam elementos singulares de um ato único ou se a assembléia especial constitui uma condição de eficácia de delibera­ção da assembléia-geral. E, se condição de eficácia, seria ineficácia absoluta ou relativa.

De acordo com o entendimento primeiro, a deliberação apenas constituiria uma categoria existente, completaria um tipo, pela integração dos dois atos. Não ocorrendo a aprovação pela deliberação da assembléia especial, an­tes ou após a da assem blé ia especial, inexistiria a deliberação da qual obviamente não decorreriam efeitos jurídicos.

A deliberação da assembléia tem caráter normativo, organizativo ou simplesmente ad­ministrativo. Como norma, e o são aquelas deliberações que aprovam ou reformam o es­tatuto, por conseguinte as do art. 136, a deli­beração é em tudo semelhante a uma decisão legislativa, e dela nascem relações jurídicas válidas e eficazes. Se viciada ou inexistente a deliberação, quaisquer relações que se esta­beleçam, a partir dela, encontram-se invalida­das, com as sérias conseqüências no plano de juridicidade, quando se considera a incidência também na esfera de interesses de terceiros.

Autores que abordam o tem a , como Giuseppe Ferri, e entre nós, M. Carvalhosa,

são por esse entendimento (G. Ferri. Manuale di diritto commerciale. IV edizione, p. 346; M. Carvalhosa. Comentários à le i de sociedades anônimas, v. 4, p. 304).

O art. 106 do Decreto-lei n. 2 .627 , de 26.9.1940, pela sua redação textual, vê a de­liberação da assembléia especial como con­dição de validade:

“As alterações nas preferências ou vanta­gens dependem da aprovação de possuidores de metade, pelo menos, do capital constituído pelas classes prejudicadas...".

É de se indagar, porém, se a mudança de redação da Lei n. 6.404, no § 1° do art. 136, induz orientação diversa:

“Nos casos dos números I e II, a eficácia da deliberação depende de prévia aprovação, ou da ratificação, por titulares de mais da metade da classe de ações interessadas.. ”:

Parece clara a mudança na orientação do legislador. N a lei anterior se dizia “as altera­ções dependem da aprovação”, tomando o consentimento dos acionistas preferenciais como elemento integrativo intrínseco do ato jurídico deliberação, sem o qual esta não se perfazia, carregando de invalidade as rela­ções jurídicas dela emanadas.

A lei nova fala em “eficácia da delibera­ção”, claram ente esposando a teoria da inefi­cácia dos atos jurídicos a qual, no dizer de F. P. de Bulhões Carvalho, estranhamente nosso Código Civil [de 1916] ignorou, desconhecen­do o trabalho de juristas eminentes e o desen­volvimento prático completo dos Códigos ale­mão e suíço.

Subjacente à nova orientação acha-se o princípio da conservação, ou seja, a idéia de que ao direito importa aproveitar ao máximo a idéia do agente, e não lhe interessa a sanção de nulidade ou anulabilidade senão em situa­ções de estrita proteção aos direitos das par­tes e respeito a interesses de terceiros.

O Código Civil de 1916 estabeleceu, na teoria das nulidades, uma série de incon­gruências que não é oportuno aqui referir, mas que explicam a perplexidade generalizada, a

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partir de confusões de conceito e terminologia. Confundem-se inexistência e invalidade, nuli­dade e anulabilidade, validade e eficácia.

A base da teoria da ineficácia pode encon­trar-se na obra de W indscheid, quando afirma “que de qualquer forma não podem colocar-se sob 0 conceito de invalidade os casos em que a ineficácia do ato jurídico não tem sua razão de ser no próprio negócio, m as sim num fato que concerne a seus efeitos (que são produ­zidos) sem tocar no próprio ato jurídico (a forma produtiva), por exem plo, ao verificar-se uma prescrição”.

Deve entender-se que 0 § 2° do art. 136 considera a deliberação da assembléia espe­cial como elemento indispensável não à vali­dade, mas à produção de efeitos da delibera­ção da assem blé ia-gera l, com o elem ento extrinseco que é ao ato juríd ico entre os órgãos da adm inistração da sociedade e os terceiros com quem contrata.

Compreende-se bem a afirmativa quando se distingue a incapacidade (de gozo ou exer­cício) da ausência de poder. Faltaria à assem- bléia-geral 0 poder, 0 direito de deliberar pelos acionistas preferenciais e de conceder à admi­nistração 0 direito de dispor de seus interesses.

Não é problema de capacidade, mas de po­der e faculdade para agir em nome de terceiro.

Na classificação das ineficácias, não se en­quadra entre a ineficácia absoluta, resultante de causa intrínseca (a condição suspensiva admitida como requisito de validade) e equipa­rada à nulidade, quando 0 requisito não se produz. Nem é tam bém ineficácia simples, oponível a todos (0 mesm o exemplo citado). Na sistemática criada por Von Tuhr, trata-se de ineficácia relativa, que os franceses cha­mam de inoponibilidade (D e Page) e de que há um excelente exemplo na Lei de falências, que estabelece a revogação dos atos do devedor, com sua conseqüente ineficácia apenas em relação à massa.

Outros casos que se assemelham, embora o Código [de 1916] use indevidamente os ter­mos “nulos” e “anular”, são os dos atos do

representantes em poderes, 0 do cônjuge que age sem autorização do outro nos casos em que a lei a exige, e os de alienação de bens quando existe proibição de 0 fazer.

A falta de autorização por parte de terceiro, como elemento extrinseco ao negócio mes­mo, não pode dar motivo à nulidade.

Os agentes que contratam 0 negócio, que pode ser uma emissão de ações, são a socie­dade e os terceiros, e 0 fazem validamente, se apresentam os requisitos dos artigos 145 e 147 do CC.

O consentimento dos acionistas preferen­ciais dá legitimidade de ação à sociedade, previamente, ou pela ratificação a posteriori. Sua negativa paralisa os efeitos do ato, 0 qual se lhes torna inoponível e deve desfazer-se.

Enquanto não se verifica 0 ato erigido em condição de eficácia, não há que se pensar em nulidade ou anulabilidade. Há ineficácia, sanável pela ratificação pelo interessado, a qualquer tempo que ocorra.

Não há prescrição de ineficácia. A qual­quer tempo 0 interessado, e som ente ele, pode argüí-la.

A lei pode estabelecer prazo de caduci­dade, pelo decurso do tempo oui como que­rem vários autores, haverá prescrição análoga à das ações pessoais (20 anos).

A disposição do § 1o do art. 136 é clara: a fim de produzir efeitos jurídicos a deliberação da assembléia-geral deve ser prévia ou poste­riormente aprovada. Ratificação não é o termo adequado, neste primeiro momento; sê-lo-á em momento posterior.

Esquematicamente podem ocorrer as situa­ções seguintes:

1. Prévia aprovação dos acionistas prefe­renciais interessados.

• deliberação da assembléia-geral - (eficácia).

• efetivação das medidas que formam o conteúdo da deliberação: 0 ato jurídico válido, eficaz erga omnes.

• deliberação da assem blé ia-geral - (ine­ficácia).

138 SOCIEDADE ANÔNIMA

2. aprovação posterior - (eficácia).

• efetivação das medidas propostas: ato jurídico válido e eficaz erga omnes.

• deliberação da assem bléia-geral - (ine­ficácia).

3. efetivação das medidas - ato jurídico válido, ineficaz, provisoriamente, perante acio­nistas preferenciais interessados.

• ratificação do ato por aprovação posterior- (eficácia).

• deliberação da assembléia-geral - (inefi­cácia).

4. efetivação das medidas - ato jurídico válido, ineficaz, provisoriamente, perante os interessados.

• não ratificação pela assembléia especial- negócio jurídico definitivamente ineficaz perante os interessados.

Ora, é possível que, em vez da ratificação, ocorra a negativa da assembléia especial; à deliberação da assem bléia-geral se terá ne­gado eficácia, com efeitos retroativos, equiva­lentes ao da nulidade do ato.

Se na prática se institucionaliza a ratifica­ção posterior ao negócio jurídico que efetiva a deliberação da assembléia-geral, estar-se-á oficializando uma irregular disposição de direi­tos de terceiros, com o risco de se chegar à situação de desfazimento do negócio jurídico, com sérias conseqüências para o mercado e a segurança das relações jurídicas.

A não-realização da assembléia especial deixa igualmente suspenso um direito do acionista, o de recesso, que não se pode exercer senão quando se manifestarem os interessados, apro­vando a deliberação da assembléia-geral.

Por isto, a regra é a obtenção da aprova­ção pelo acionista interessado; o momento certo de o obter, segundo o espírito da lei, é antes ou após a deliberação da assembléia- geral, anteriormente, porém, à implementação do negócio cujos efeitos jurídicos, face ao inte­ressado, só se estabelecem a partir da “deli- beração-norma”, válida e eficaz.

A nosso ver, todo aquele que tiver legitimo interesse, inclusive o subscritor, poderá noti­ficar a companhia, para que se realize a as­sembléia especial.

Parece-nos, pela mesma razão, passível de responsabilização, administrativamente, o administrador que, afrontando a lei, possibilita a consumação da lesão de direitos dos acio­nistas interessados.

Mesmo considerando a aprovação do inte­ressado com o fa to r de eficác ia relativa, extrínseco ao negócio jurídico, parece-nos tam­bém que a Comissão de Valores Mobiliários, ao conceder registro de emissão de ações, deve vinculá-lo à condição de se realizar a assem­bléia especial, quando for exigida, nos termos do art. 136, § 1 °, a qual deverá aprovar a altera­ção futura ou ratificar situações anteriores.

A ratificação, assim definida, se tornará cada vez menos freqüente e deve mesmo de­saparecer ou ser utilizada somente em situa­ções que um motivo imperioso justifique.

Resta verificar em que situações, e porque se impõe a exigência de aprovação por as­sembléia especial dos interessados, para res­ponderá 2a parte da consulta, que se refere à emissão de ações, a qual teria configurado hipótese prevista nos itens I e II do art. 136.

Estes dispositivos são a substância da pro­teção dos interesses patrimoniais dos acionis­tas privilegiados, relativamente aos que detêm o poder de gestão da sociedade. A liberdade que esta deve guardar, porque inerente a seu objetivo, de aum entar capital e criar novas categorias de ações com as características mais adequadas à obtenção dos meios finan­ceiros, é por eles limitada, ao impor condições (quorum qualificado e assembléia especial) e oferecer o direito de retirada.

Excluindo a diminuição de vantagens, pro­tegida no número I, 1a parte, e que expressa um prejuízo direto, as demais hipóteses evi­tam a lesão indireta aos interesses das prefe­renciais, procurando conservar sua posição no capital social, determinante da participação nos lucros.

ASSEMBLÉIA-GERAL 139

O aumento de classe existente, sem guar­dar proporção com as demais, matéria intro­duzida pela Lei n. 6.404, inexistente na anteri­or, visa, por exemplo, à proteção face a um prejuízo indireto.

Quanto ao processo de criação de ações preferenciais, são três as figuras:

a) criação de ações preferenciais, item I, 2a parte, quando não existir anteriormente a classe; 0 interesse atingido é 0 das ações ordinárias, pelo que se exige quorum qualificado mas não a assembléia especial, que não teria sentido.

b) criação de nova classe de preferenciais, suposta a preexistência da espécie, à qual se atribuem mais ou maiores vantagens, item II, 2a parte.

Neste caso, a deliberação atinge diretamen­te as demais classes, que não exercem 0 voto na assembléia-geral. Daí, a obrigatoriedade da assembléia especial e o direito de recesso.

c) criação de classe m enos favorecida, item II, 2a parte, a contrário senso do que ali se dispõe.

A hipótese resulta da interpretação sugerida validamente pelo limitativo “mais favorecida”, presente no item II, 2a parte; como não se pre­sumem inutilidades na linguagem legislativa, a razão de se incluir tal expressão é á previsão legal de se criar classe menos favorecida.

Quanto a um potencial prejuízo dos interes­ses de classes antigas, pela perda da posição na composição do capital, não se está prejudicando uma categoria de ações em proveito de outra: há, no dizer de Ferri, um sacrifício de todos, para realizar o interesse de todos (Giuseppe Ferri - La società, p. 341). Aliás, é um fato que ocorre a cada aumento de capital, se 0 preço de emissão é inferior ao valor patrimonial.

A lém disto, 0 d ispositivo em que se subsume a hipótese é o de criação, item II, 2a parte, ao qual é inerente a quebra de propor­ção, compensada até certo ponto pelo direito de preferência, art. 171, e não a norma sobre aumento de classes, item I, 2 a parte, na qual está expressa a vedação desta quebra.

Não há porque exigir seja 0 quorum qualifi­cado, seja aprovação ou ratificação por acionis­tas interessados em assembléia especial. A de­liberação da assembléia-geral constitui, desde 0 momento inicial da formação, decisão válida e eficaz, geradora dos efeitos jurídicos pró­prios, como decorre de sua natureza, em tudo semelhante a uma decisão legislativa. Deste comando, válido e eficaz, nascem as relações jurídicas que perfazem 0 processo de aumento de capital, válidas e eficazes erga omnes.

É porém entendimento desta Comissão, referido no Parecer 97 /78 que, na hipótese de aumento, item 1,1a parte, a expressão “classe" daquelas, sem guardar proporção com estas, incorrerá nas exigências preferenciais.

No caso de haver ações ordinárias e prefe­renciais, 0 aumento daquelas, 'sem guardar proporção com estas, incorrerá nas exigên­cias do caput do art. 136 e seu § 1o. O mesm o se aplica à opção dada a uma classe “de se converter em outra”.

Na linha de raciocínio adotada neste pare­cer, a hipótese de a criação de ações menos favorecidas não se sujeitar ao disposto nos artigos 136 e 137 da Lei n. 6 .404 /76 é uma construção gramatical e lógica a partir do itemII do 1o artigo e tem sua justificativa na neces­sidade de a empresa se capitalizar com maior flexibilidade. Ela poderá atrair capital novo em condições diferentes e mais favoráveis, den­tro, porém, de limites da eqüidade, de tal m a­neira que um possível prejuízo às classes de ações existentes seja igualmente distribuído entre todos, em vista de um benefício igual­m ente distribuível a todos (melhores condi­ções de negócios).

Assim, a quebra de proporção que ocorre necessariamente com a criação de ações m e­nos favorecidas altera a posição das classes existentes no capital, mas deve fazê-lo igual­mente para todos, sem alterar a posição relati­va das classes de ações entre si. Aliás, este é 0 sentido literal do texto da lei:

"... ou aumento de classe existente sem guardar proporção com as dem ais...” (art. 136,I, segunda parte).

140 SOCIEDADE ANÔNIMA

São, parece-nos, duas as situações em que se justifica a criação de ações menos favorecidas, sem a exigência do quorum quali­ficado e a penalização do recesso:

1. Empresa X, com ações ordinárias e pre­ferenciais A, com direito a dividendos de 12% sobre o capital, cria ações preferenciais B, com dividendos de 6% sobre o capital, desde que não ultrapasse os 2/3, da lei. A posição das ações ordinárias e preferenciais A se alte­rou, no capital; guarda, porém, a relação entre si. Não se prejudicou uma classe em relação à outra. Ambas suportaram os ônus do novo aumento de capital, em vista de um possível aumento patrimonial, já que são sócias no mesmo empreendimento.

Empresa X Situação anterior Aumento em preferenciais B

Ordinárias Preferenciais B

Preferenciais A Preferenciais B

2. A mesma empresa aumenta o capital pela emissão de ações preferenciais B e, ao mesmo tempo, ações ordinárias e preferen­ciais A, proporcionalmente, de modo que as classes anteriores subscrevem igualmente as três classes emitidas, conforme o que dispõe o art. 171, § 1o, itens b e c, da Lei n. 6.404/76.

Empresa X Situação anterior Aumento em Ord. Pref A e Pref. B

Ordinárias Ord. e Pref. B

Preferenciais A Pref. A e Pref. B

Fora destas hipóteses, como se por exem­plo a empresa emitir ações menos favorecidas e apenas uma ou algumas das classes exis­tentes, ou as classes existentes despro­porcionalmente, estará não apenas criando uma nova classe de ações, na configuração do art. 136, II, 2a parte, a contrário senso, mas, ao mesmo tempo, alterando a proporção rela­

tiva entre as que já existem, com prejuízo evi­dente para uma ou algumas delas.

A capitalização da empresa pode justificar diluição de vantagens patrimoniais para as ações, suportadas igualmente por todas, na expectativa de futuros lucros para todos; não justifica, jamais, que uma classe suporte sozi­nha, ou em condições de inferioridade relativa­mente às outras classes, esta mesma diluição.

É necessário ainda, em vista dos fatos que ocorreram concretamente, na Com pa­nhia aberta ob je to 'da consulta, verificar a hipótese de aümento de capital por incorpo­ração de reservas.

A Lei n. 6 .404/76 no seu art. 169, assim como o Decreto-lei n. 2 .627 /40 no art. 113, não se refere à espécie ou classe de ações que bonificarão as antigas, mas apenas que os acionistas receberão ações novas, na proporção das ações que possuírem.

A questão sobre a admissibilidade de se bonificar ações antigas com ações de espécie e classe diversa era aberta à discussão doutri­nária na lei anterior.

No regime atual, há dispositivos legais que sujeitam a quebra da proporção entre as clas­ses de preferenciais existentes (e de ordi­nárias, como é o pensamento da C V M ), ao quorum qualificado e conferem aos dissidentes da deliberação assemblear o direito de reces­so, salvo se já prevista ou autorizada pelo Estatuto (artigos 136 e 137).

Não há determinação alguma que exclua destes dispositivos qualquer forma de emis­são de ações, pelo que, pelo simples fato de constituir um procedimento de aum ento de capital, a bonificação deve reger-se pelo dis­posto nos artigos supracitados.

Através da interpretação da lei, que encon­tra o seu querer, sua intenção e sua filosofia no todo coerente que ela deve perfazer, elimi­nando a existência de antinomias, conclui-se que a bonificação de ações não se poderá utilizar como um desvio ao que se impôs nos artigos 136 e 137.

ASSEMBLÉIA-GERAL 141

Im põe-se verificar cada caso, pois, desde que não se trate de criação de classe menos favorecida, mas de aumentar classe existente, a quebra de proporção entre elas se acha vedada, a não ser nos termos do § 1o do art. 137, ou previsão estatutária (1 3 6 ,1, in fíne).

Importa ainda precisar que a aprovação, em assembléia especial, deve ser dada pela classe interessada. Ainda que todos os acio­nistas preferenciais devam ser convocados, compareçam e discutam, a votação deverá “ser tom ada separadam ente, porque pode perfeitam ente acontecer que o prejuízo de uma classe seja inferior ao da outra” (Trajano de Miranda Valverde. Sociedades por Ações, v. II, p. 237).

Analisados, em tese, os dispositivos legais atinentes à m atéria e aos fatos ocorridos, estabelecem -se as conclusões:

1. A criação de ações preferenciais classe “B” configura hipótese de criação de ação m e­nos favorecida. Não se faz necessária a apro­vação ou ratificação por assembléia especial.

2. A em issão efetiva das ações preferen­ciais B se deu por deliberação da assembléia de 20 .5 .197 7 , através de bonificação (vide n.

2, de “Os fatos”). Mas, concom itantemente, se alterou a proporção relativa das ações ordinárias e preferenciais A, o que exige a aprovação dos acionistas titulares destas últi­mas. N ão tendo sido realizada previam ente a assem bléia especial, a exigência de sua rea­lização continua válida, para ratificação da deliberação.

3. A emissão de ações preferenciais relata­das no n. 3 do item “Os fatos” não constitui hipótese de criação de ações preferenciais menos favorecidas, mas de aumento de clas­ses já existentes. (A preferencial “B" já fora criada em procedimento anterior). Ocorrendo a quebra de proporção entre as classes, como de fato ocorreu, a deliberação que autorizou o aum ento de capital deveria ter logrado a aprovação dos acionistas interessados. A ra­tificação da deliberação deverá ser exigida.

4. Enquanto existirem ações preferenciais classe “A ”, e já não sendo possível criar ação preferencial menos favorecida, quaisquer au­mentos de capital que não incluírem, propor­cionalmente, ações da mesm a espécie e clas­se, devem submeter-se a sua aprovação, não sendo suficiente proteção de seus interesses o direito de preferência, segundo o art. 171.

8. ATA DA ASSEMBLÉIA-GERAL

Dos trabalhos e deliberações das assembléias-gerais será lavrada, em livro próprio, ata assinada pelos membros da mesa e pelos acionistas presentes. Para a validade da ata, bem como para comprovar a regularidade do quorum deliberativo, é suficiente a assinatura de quantos bastem para constituir a maioria necessária para as deliberações tomadas na assem­bléia (art. 130). A assembléia-geral de companhia aberta pode autorizar a publicação da ata com omissão das assinaturas dos acionistas (art. 130, § 2°); contudo, as assinaturas deverão constar do Livro de Atas. Recomenda-se que a ata seja lavrada de forma sumária, desde que esclareça, com precisão e objetividade, o que ficou deliberado na assembléia, com os cuidados previstos nas letras oe 3do § i° do art. 130.

“É irrelevante a omissão de assinaturas de acionistas no Livro de Presença, se a ata da assembléia-geral foi assinada por acionistas representando a maioria e dando quorum para as deliberações” (.RT, 543/77).

142 SOCIEDADE ANÔNIMA

A ata da AGO deverá ser arquivada no registro do comércio e publicada (art. 134, § 50).5 Quanto à ata da AGE, o § i° do art. 135 esclarece que os atos relativos a reformas do estatuto, para valerem contra terceiros, ficam sujeitos à formalidades de arquivamento e publicação, não podendo, todavia, a falta de cumprimento dessas formalidades ser oposta, pela companhia, ou por seus acionistas, a terceiros de boa-fé. A lição a ser tirada desse dispositivo é a seguinte: 0 arquivamento e a publicação da ata da AGE, em princípio, só são obrigatórios quando a deliberação tomada envolver reforma estatutária.

Embora a deliberação sobre criação de debêntures não envolva reforma estatutária, são obrigatórios 0 arquivamento, na Junta Comercial, e a publica­ção da ata da assembléia-geral, ou da reunião do conselho de administração, que deliberar sobre a emissão de debêntures (art. 62,1).

O processo de arquivamento das atas na Junta Comercial é disciplinado pelos arts. 41 e 42 da Lei de Registro Público e Empresas Mercantis e Ativida­des Afins (Lei n. 8.934, de 18.11.1994) e pelo seu Regulamento (Decreto n. 1.800, de 30.1.1996).

9. NA PRÁTICA...

Na prática, as assembléias-gerais, não raro, caracterizam-se pelo absenteísmo dos acionistas. Costumam apresentar-se como mera cerimônia homologatória de deliberações previamente tomadas pelo acionista controlador.

10. CASO CARAVELLAS

{.RT609I70-7X - jul. 1986)

A Administradora de Bens Caravellas S.A. é uma holding, controladora dos interesses de grupo brasileiro junto a outra empresa. Esta outra empresa entregou à Caravellas dividendo bruto, já descontado 0 imposto de renda.

A Caravellas não convocou a assembléia-geral ordinária para deliberar sobre a participação dos dividendos entre os seus acionistas.

Tanto no estatuto da Caravellas quanto em acordo celebrado por seus acionistas havia previsão da distribuição de dividendos independentemente de deliberação da assembléia-geral.

O espólio de Günther Müller Caravellas, representado por sua inventariante, e outros acionistas da administradora holding ajuizaram ação ordinária contra a Caravellas, para cobrança dos dividendos.

5 O art. 289 e seus parágrafos disciplinam minuciosamente onde deverão ser feitas as publicações ordenadas na Lei das Sociedades por Ações.

ASSEMBLÉIA-GERAL 143

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confirmando decisão de primeiro grau, julgou improcedente a ação. Entendeu que: a) estatuto e acordo de acionistas não podem dispor contra texto expresso de lei; b) a proposta de destinação a ser dada ao lucro bruto deve ser apresentada à assembléia-geral ordinária, juntamente com as demonstrações financeiras do exercício (art. 192); c) a natureza, forma, constituição, verificação e distribuição de dividen­dos acham-se disciplinados em lei, e eles somente podem ser distribuídos após deliberação da assembléia-geral ordinária (art. 132, II); d) os autores, na condição de acionistas, poderiam ter convocado a assembléia-geral ordinária, ao amparo do art. 123, parágrafo único, letra b, mas não o fizeram.

Exercício

Quais são as providências previstas em lei para que a assembléia-geral ordinária (AGO) delibere sobre a distribuição de dividendos?

Comentário do Caso Caravellas

1. Correta a decisão.2. A palavra inglesa holding deriva de “to hold” (pegar, segurar, deter).

A empresa holding detém 0 controle de uma ou mais sociedades, chamadas subsidiárias. Holding pura é aquela cuja atividade consis­te, exclusivamente, em controlar outra ou outras sociedades. Na holding mista, paralelamente a essa atividade, existe uma outra, de caráter empresarial. Não se confundem as personalidades e os patri­mônios da holding e de suas subsidiárias. Eventualmente, por apli­cação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, essa separação pode ser desconsiderada, para se responsabilizar a holding por atos da subsidiária, ou vice-versa.

3. Precisamente devido a essa separação de personalidades e de patri­mônios, o procedimento correto seria 0 seguinte: Io) assembléia- geral ordinária da subsidiária, para deliberar sobre a distribuição de dividendos; e, 2°) depois de recebidos os dividendos pela holding, assembléia-geral ordinária desta, para deliberar sobre a distribuição dé dividendos.

4. A distribuição de dividendos, em cadà sociedade, deve ser antecedida de providências previstas em lei e deliberada pela assembléia-geral ordinária. Nem aquelas providências e nem aquela deliberação podem ser afastadas pelo estatuto ou por acordo de acionistas.

5. Qualquer acionista poderá convocar a assembléia-geral ordinária quando os administradores retardarem, por mais de 60 dias, a convocação (art. 123, parágrafo único, letra b).

144 SOCIEDADE ANÔNIMA

11. CASOTELEPAR

(STF, RE n. 69.824/PR, 7^55/512-515)

A Sociedade Telefônica do Paraná convocou a assembléia-geral extraor­dinária para deliberar sobre assuntos diversos. Sob a letra c do Edital de Convocação constava a rubrica: “Outros assuntos de interesse da sociedade”. Um dos “outros assuntos de interesse da sociedade”, deliberado pela assem- bléia-geral, foi a anulação de um aumento de capital decidido em outra assembléia-geral, realizada dois anos antes.

Saturnino Luz e outros ajuizaram, contra a Telepar, ação ordinária, objetivando a anulação da assembléia-geral extraordinária realizada em 10.9.1959, que decidiu deixar sem efeito o aumento de capital social, autorizado pelas anteriores assembléias de 2.8.1954 e 30-7-1957-

O Juiz de Direito julgou improcedente a ação.A 4a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, negando provimento

à apelação, assim decidiu: “Assembléia-Geral Extraordinária. Edital de convocação enunciando a agenda respectiva. A inclusão de tópico genérico, dispondo do tratamento de ‘outros assuntos de interesse da Sociedade’ admite a deliberação de assunto grave e urgente, chegado ao conhecimento depois da expedição do edital convocatório”.

Interposto recurso extraordinário dessa decisão para 0 Supremo Tribunal Federal, este lhe deu provimento, com voto vencido do Ministro Adaucto Cardoso, que não o conhécia.

Segundo o voto vencido, “tiveram as instâncias (inferiores) como plena­mente justificada, em face do caráter urgente da providência subitamente solicitada à assembléia-geral, a anulação da deliberação anterior sobre o aumento do capital social”.

Felizmente, acabou por prevalecer o bom direito, explicitado por meio do voto condutor do Ministro Bilac Pinto, proferido nos seguintes termos: “Data veniaào eminente Relator (Ministro Adaucto Cardoso), não o acompa­nho [...]. O dispositivo legal determina que na convocação das assembléias- gerais das sociedades por ações devem ser mencionados, ainda que sumaria­mente, os assuntos incluídos na respectiva ordem do dia. A exigência dessa publicidade constitui norma de ordem pública e representa garantia para os acionistas. Não se pode tolerar a prática da omissão, nos editais de convoca­ção, de matéria sobre a qual a Assembléia-Geral deva deliberar. Pelo que se verifica, a deliberação tomada nessa assembléia, e que se impugna, não tinha caráter urgente. Anulou-se deliberação anterior, de aumento de capital, tomada por Assembléia-Geral realizada dois anos antes. A urgência da deliberação que poderia, segundo alguns autores, justificar a tomada de decisão, sem que

ASSEMBLÉIA-GERAL 145

a matéria houvesse figurado na ordem do dia, não estava caracterizada. A Assembléia-Geral tomou decisão importante para a vida da sociedade, qual seja a anulação de aumento do capital social sem que a Diretoria tivesse incluído nos editais de convocação, ainda que sumariamente, essa matéria. Tomo conhecimento do recurso [...] e lhe dou provimento para considerar inválida a decisão tomada com violação [da lei]”. O Ministro Thompson Flores, em seu voto, observou o seguinte: “É imperativo que assuntos como o que foi tratado constem da convocação [...]. É certo que, por vezes, conforme a natureza da matéria, pode a assembléia deliberar sem constar da convocação. Quando são meramente administrativos, ou não causem prejuízo a ninguém; ou excepcionalmente, quando a urgência 0 impõe. Nenhuma das hipóteses ocorre, porém. A deliberação não poderia subsistir”.

12. CASO SÃO BERNARDO DO CAMPO

CÁ>7’5io/8i-82 - abr. 1987)

O espólio de Luiz Vertemati, acionista da Empresa Expresso São Bernardo do Campo, representado pela inventariante Mirna Helena Vertemati Hartkamp, ajuizou ação anulatória de duas assembléias-gerais da companhia, nas quais se resolvera o aumento de capital. O acórdão relata que, segundo o autor da ação (verbis), “a nulidade básica residiria em não se acharem presentes na assembléia acionistas a representarem no mínimo 2/3 do capital social, exigência legal para toda deliberação sobre reforma de estatutos”. O juiz de direito julgou procedente a ação. A companhia apelou argüindo, preliminarmente, nulidade sob o argumento de que, configurando a espécie um litisconsórcio necessário, teria sido imprescindível a convocação, a pretório, de todos os acionistas atingidos pela nulidade das deliberações da assembléia-geral. O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a preliminar, argumentando o seguinte: “Na demanda aforada por acionista contra a socie­dade com o objetivo de anular deliberações tomadas em assembléia-geral, o Direito e a doutrina têm afastado a criação de um litisconsórcio necessário e optado pelo alargamento dos limites subjetivos da coisa julgada”. No mérito, a Corte negou provimento ao apelo, afirmando que “a sentença esposou a tese mais acertada em nosso Direito Positivo: a de que o aumento de capital implica reforma dos estatutos”.

Comentário do Caso São Bernardo do Campo

1. Correto o posicionamento do Tribunal sobre a preliminar de nulidade por falta de citação, para a ação, de todos os acionistas da São Bernardo do Campo.

SOCIEDADE ANÔNIMA

2. Quanto ao mérito, o acórdão não fornece elementos mais precisos que permitam concluir, com maior segurança, pelo acerto ou não da decisão; não informa se a São Bernardo era companhia aberta ou fechada; também não informa se as assembléias-gerais questionadas se instalaram em primeira ou em segunda convocação.

3. Regra geral, o aumento de capital por subscrição de novas ações requer duas assembléias-gerais extraordinárias: uma para aprovar a proposta de aumento de capital apresentada pelos administradores; outra para aprovar (homologar) 0 aumento de capital. Esta matéria é tratada mais minuciosamente neste livro, no Capítulo sobre Modifi­cações do Capital Social. O quorum de instalação exigido para cada uma dessas assembléias é diferente.

4. No caso em tela, a primeira assembléia-geral da São Bernardo do Campo, limitou-se a aprovar a proposta de aumento de capital apresentada pelos administradores; essa primeira deliberação não implica reforma estatutária; 0 quorum de instalação dessa primeira assembléia-geral é o previsto no art. 125, caput “Art. 125. Ressalva­das as exceções previstas em lei, a assembléia-geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de acionistas que represen­tem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á com qualquer número”. A segunda assembléia-geral da São Bernardo do Campo aprovou (homologou) o aumento de capital e alterou o estatuto da sociedade; essa segunda deliberação implica reforma estatutária; o quorum de instalação dessa segunda assembléia-geral é 0 previsto no art. 135, caput “Art. 135. A assembléia-geral extraordinária que tiver por objeto a reforma do estatuto somente se instalará em primeira con­vocação com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto, mas poderá instalar-se em segunda com qualquer número.”

5. Correta a afirmação do Tribunal segundo a qual o aumento de capital sempre implica reforma dos estatutos.

6. No caso em tela, a rigor, só se questionava a validade da segunda assembléia-geral extraordinária. Eis o argumento do Espólio-autor da ação: “a nulidade básica residiria em não se acharempresentesna assembléia acionistas a representarem 2/3 do capital, exigência legal para toda deliberação sobre reforma de estatutos”; desse argumento se pode inferir (apenas) que a assembléia que aprovou (homologou) o aumento de capital e alterou o estatuto social se instalou, em primeira convocação, sem 0 quorum de 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto.

ASSEMBLÉIA-GERAL 147

7. O argumento do Espólio-autor para requerer a anulação da assem­bléia-geral que aprovou (homologou) o aumento de capital pode induzir a uma confusão entre quorum de instalação e quorum

\ deliberativo (maioria). No caso em tela, o quorum de instalação da assembléia-geral que aprovou (homologou) o aumento de capital, em primeira convocação, era de 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto.

8. O quorum deliberativo (maioria) necessário para a deliberação sobre aumento de capital é, regra geral, o do art. 129: maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco. Essa regra geral pode sofrer exceções: 0 estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum deliberativo (maioria) exigido para a deliberação (art. 129, § i°). E, na companhia aberta, a Comissão de Valores Mobiliários pode autorizar a redução do quorum deliberativo (maioria) (art. 136, § 2°).

13. CASOTECOMIL

(RT580/71-76 - fev. 1984)

Em assembléia-geral ordinária e extraordinária (AGO-E) realizada no dia 18.7.1980, a viúva sra. Ana Zorilda Bisson Zanini foi eleita diretora-social da Tecomil S A. - Equipamentos Industriais - , uma companhia fechada.

No ano seguinte, a Tecomil convocou uma AGE para o dia 8.9.1981, “para exame de proposta para reestruturação da diretoria, demissão e reelei­ção de seus membros, e outros assuntos”.

A sra. Ana Zorilda e seus filhos, detentores de 49,95% das ações votantes não compareceram à assembléia-geral, que, no entanto, se instalou, em pri­meira convocação, com a presença de mais de 1/4 das ações com direito de voto.

A proposta foi aprovada com ações representando mais de 1/4 do capital votante. E a sra. Ana Zorilda foi destituída do cargò de diretora-social.

O art. 15 do estatuto social reza o seguinte: “A substituição dos diretores, nos seus impedimentos temporários, com exceção do diretor-presidente e do diretor-social, será resolvida em reunião de diretoria e formalizada com lavratura da respectiva ata. Parágrafo único. A substituição do diretor presi­dente e a do diretor social depende de deliberação da assembléia-geral, sendo necessária a aprovação de acionistas que representem no mínimo 2/3 das ações com direito a voto”.

A sra. Ana Zorilda e seus filhos ajuizaram ação anulatória da AG de 8.9.1981, alegando: 1) irregularidade no quorum de instalação da AG, com violação do art. 135 da LSA; 2) irregularidade no quorum deliberativo (maioria), com violação do art. 15 do estatuto social.

148 SOCIEDADE ANÔNIMA

Comentário do Caso Tecomil

1. Alei permite a convocação e realização de assembléia-geral ordinária e extraordinária (AGO-E). Mas, para que as deliberações sejam váli­das, será necessário observar o quorum de instalação e o quorum deliberativo (maioria) em relação a cada um dos itens da pauta constante do edital de convocação.

2. A AGO-E da Tecomil fora convocada para deliberar sobre duas matérias principais distintas: (ia) proposta para reestruturação da diretoria; e (2a) demissão e reeleição de seus membros.

A reestruturação da diretoria

3. A reestruturação da diretoria implica reforma estatutária; requer o quorum de instalação previsto no art. 135, caput Art. 135. A assem- bléia-geral extraordinária que tiver por objeto a reforma do esta­tuto somente se instalará em primeira convocação com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto, mas poderá instalar-se em segunda com qualquer número.

4. O acórdão informa que a autora e seus filhos: (a) detinham 49,95% das ações votantes; (b) não compareceram à assembléia-geral do dia 18.7.1980; e que (c) essa assembléia se instalou em primeira convo­cação com a presença de “mais de 1/4 das ações com direito de voto”.

5. O quorum deliberativo (maioria), para a deliberação sobre a reestruturação da diretoria é, regra geral, o do art. 129, caput “Art. 129. As deliberações da assembléia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco”. Observe-se que a “reestruturação da diretoria” não consta do rol das matérias que exigem um quorum deliberativo (maioria) qualificado, constante do art. 136.

6. Sem a presença da autora e de seus filhos, detentores de 49,95% das ações votantes, a assembléia-geral não podia ter se instalado validamente em primeira convocação para o efeito de deliberar sobre a reestruturação da diretoria. O quorum de instalação para a delibera­ção válida sobre reestruturação da diretoria, em primeira convocação era de 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto (art 135, caput). (Confira as contas: 2/3 de 100% = 66,666...%; 100% - 49,95% = 50,05%);. A insuficiência de quorum de instalação compro­meteu a validade da deliberação sobre reestruturação da diretoria.

ASSEMBLÉIA-GERAL 149

A destituição e reeleição de membros da diretoria

7. A destituição e a reeleição de membros da diretoria não implicam reforma do estatuto; só exigem, portanto, o quorum de instalação do art. 125, caput “Art. 125. Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembléia-geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quar­to) do capital social com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á com qualquer número. A assembléia do dia 18.7.1980 instalou-se validamente para deliberar sobre a destituição e reeleição dos diretores, e o quorum deliberativo (maioria) para a destituição e a reeleição de membros da diretoria é, regra geral, o previsto no art. 129, caput. “Art. 129. As deliberações da assembléia-geral, res­salvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco”; mas...

8. No caso em tela, o art. 15 do estatuto social da Tecomil, com base no disposto no § i° do art. 129 (“O estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum exigido para certas deliberações, desde que especifique as matérias”), aumentara esse quorum deliberativo (maioria) para 2/3 das ações com direito a voto; e, como visto, sem a presença da autora e seus filhos, esse quorum deliberativo (maioria) não podia ser atingido.

9. Assim, nas circunstâncias descritas, 0 quorum deliberativo (maioria) de 2/3 seria imprescindível, mesmo que a AGE se instalasse validamente, em segunda convocação, com qualquer número.

Exercício

Reexamine o caso Tecomil como se esta fosse uma companhia aberta.

14. CASO LEITE BARREIROS

A assembléia-geral da Leite Barreiros S.A. deliberou o seguinte: a) conversão de suas ações preferenciais em ordinárias; b) aumento do capital social; e c) alteração do estatuto social.

A deliberação referida sob a letra a, supra, não foi precedida da prévia aprovação e nem seguida da ratificação previstas no § i° do art. 136 da Lei n. 6.404/76. Contudo, a única acionista titular de ações preferenciais, a Emape - Empreendimentos Mercantis e Agropecuários Ltda. compareceu à AG e concordou com a conversão.

Depois da AG, a Emape vendeu aquelas suas ações para a Cia. Santa Cruz de Exportação.

150 SOCIEDADE ANÔNIMA

A Leite Barreiros veio a ser declarada falida.A Cia. Santa Cruz de Exportação ajuizou contra a massa falida da Leite

Barreiros ação anulatória da referida assembléia-geral, alegando o descumprimento da norma do § i° do art. 136, já referido.

0 magistrado de primeiro grau concluiu pela ilegitimidade ad causam ativa da Cia. Santa Cruz de Exportação, porque a Santa Cruz só veio a adquirir as ações depois da realização da assembléia-geral que pretendia anular.

Nota - Nos Estados Unidos, 0 requisito de comprovação de que o autor da ação já era acionista à época do ato que pretende anular (contempo- raneous-share-ownership-requirement) passou a ser exigido pela jurispru­dência com o intuito de evitar as chamadas strike suits (ações propostas por acionistas minoritários com 0 objetivo de chantagear a companhia, compe­lindo-a a adquirir as suas ações por um preço superior ao de mercado). No Brasil, a doutrina tem sido unânime no sentido de que aquele requisito é desnecessário (ver Cunha Peixoto, 1973:94; Pontes de Miranda, 1965:410).

Exercício

Deixada de lado a questão da legitimado ad causam, você entende que a deliberação tomada pela assembléia-geral extraordinária da Leite Barreiros se enquadra nos incisos I e II do art. 136?

15. CONVERSÃO DE AÇÕES PREFERENCIAIS EM AÇÕES OR­DINÁRIAS

No caso Leite Barreiros não se questionou 0 fato de a assembléia-geral haver deliberado a conversão de ações preferenciais em ordinárias. Naquele caso, argumentou-se que a deliberação não foi precedida de prévia aprovação nem seguida da ratificação, exigidas no § i° do art. 136. Ademais, a única acionista titular de ações preferenciais compareceu à assembléia-geral e concordou com a conversão.

A lei prevê a conversibilidade de ações ordinárias em preferenciais nas companhias fechadas (art. 16, II). E diz que o estatuto da companhia com ações preferenciais poderá prever a sua conversão em ações ordinárias (art. 19).

A deliberação sobre conversão de ações preferenciais em ordinárias além de depender de prévia previsão estatutária, deverá observar os requisitos de boa-fé. Não pode ser tomada com abuso de poder, sob pena de responsabili­dade do acionista controlador. Constitui modalidade de exercício abusivo do poder promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da compa­nhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia (art. 117, § 1 °, c).

ASSEMBLÉIA-GERAL 151

Regra geral, na prática, as ações preferenciais são destituídas do direito do voto. Às vezes, a conversão de ações preferenciais em ordinárias visa a aumentar o percentual de ações votantes do acionista controlador, como mecanismo de defesa contra take ouers.

Take over é técnica de aquisição do controle de uma companhia: oferta (por um “agressor”) para aquisição de ações de uma companhia (“alvo”), visando a obter o controle desta.

16. CASO BRASPÉROLA

A Gazeta M ercantil do dia 5.1.1994, quarta-feira, ostenta, na mesma página, duas publicações da Braspérola - Indústria e Comercio S.A., uma companhia aberta: Ia) ata de assembléia-geral extraordinária realizada em 31.12.1993, que acrescentou o seguinte § 90 ao art. 6o de seu Estatuto: “É facultado aos acionistas, que assim desejarem, converter até o dia 7.1.1994 as ações preferenciais em ações ordinárias, na proporção de 1 (uma) ação preferencial para l (uma) ação ordinária. Findo 0 prazo ora fixado, cessa por completo tal faculdade, não sendo mais admitida qualquer conversão”; 2a) aviso aos acionistas de que “o prazo para a citada conver­são de ações preferenciais em ações ordinárias é de 48 horas, contados da presente publicação”.

Você entende que esse prazo de 48 horas era suficiente para atender aos interesses dos acionistas minoritários titulares de ações preferenciais?

17. QUESTÕES

1. Como se caracteriza o controle de uma companhia? Quais são os deveres e as responsabilidades do controlador?

2. Que razões poderiami explicar o absenteísmo dos acionistas nas assembléi- as-gerais?

3. Qual o quorum de instalação e qual o quorum deliberativo necessários para uma AG que tenha por objeto transformar a companhia numa sociedade limitada?

4. A Destilaria Santa Luzia S.A. é uma próspera companhia fechada e familiar, com sede em Santa Luzia - MG. Os acionistas, também ligados por laços de parentesco, residem, todos, em Belo Horizonte, mas estão divididos em dois grupos antagônicos, que contendem numa demanda no foro de Belo Horizonte. Estando a sede social em reformas, os acio­nistas foram convocados, por anúncios entregues a todos eles mediante recibo, para uma assembléia-geral a ser realizada daqui a dez dias no

152 SOCIEDADE ANÔNIMA

Auditório da Faculdade de Direito da UFMG, em Belo Horizonte, para deliberarem sobre a hipoteca de um imóvel da sociedade. Você está estagiando na Destilaria Santa Luzia S.A. e o diretor pede a sua orienta­ção a respeito do assunto.

5. A Baco S.A. é companhia fechada. A assembléia-geral foi convocada para deliberar sobre laudo de avaliação do ativo imobilizado, alienação de um imóvel da sociedade no interior de Minas Gerais, e outros assuntos de interesse geral. Estando presente à assembléia-geral a unanimidade dos acionistas portadores de ações votantes, o presidente aproveitou a oportu­nidade para submeter à sua consideração uma proposta de aumento do número de ações preferenciais da classe “b”. Comente o que foi relatado.

18. TESTES

1. Compete à assembléia-geral ordinária (AGO) deliberar sobrea) a criação de ações preferenciaisb) a mudança do objeto da companhiac) a eleição dos administradores e do conselho fiscal, quando for o casod) a incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão

2. Compete à assembléia-geral extraordinária (AGE)a) tomar as contas do administradores, examinar, discutir e votar as

demonstrações financeirasb) deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição

de dividendosc) alterar o dividendo obrigatóriod) eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for

o caso

3. A assembléia-geral que tiver por objeto a alteração do dividendo obrigatório instalar-se-áa) em primeira e segunda convocações, com a presença de acionistas que

representem, no mínimo, um quarto do capital social; em terceira convocação, com qualquer número

b) em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, um quarto do capital votante; em segunda convocação, com qualquer número

c) em primeira e segunda convocações, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, dois terços do capital votante; em terceira, com qualquer número

d) em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem dois terços do capital com direito de voto, no mínimo; em segunda, com qualquer número.

ASSEMBLÉIA-GERAL 1 5 3

4. Regra geral, a assembléia-geral instalar-se-áa) em primeira e segunda convocações, com a presença de acionistas que

representem, no mínimo, 1/4 do capital social; em terceira convocação, com qualquer número

b) em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 do capital votante; em segunda convocação, com qual­quer número

c) em primeira convocação, com a presença de acionistas que repre­sentem 2/3 do capital com direito a voto; em segunda, com qualquer número

d) em primeira e segunda convocações, com a presença de acionistas que representem 2/3, no mínimo, do capital votante; em terceira, com qualquer número

5. Regra geral, as deliberações da assembléia-geral serão tomadasa) por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em brancob) por maioria absoluta de votos, computando-se os votos em brancoc) por metade, no mínimo, das ações com direito de votod) por mais da metade das ações com direito de voto

6. Regra geral, a deliberação sobre cisão da companhia requera) maioria absoluta de votos, não se computando os votos em brancob) maioria absoluta de votos, computando-se os votos em brancoc) aprovação por acionistas que representem metade das ações com direito

de votod) aprovação de acionistas que representem mais da metade das ações

com direito de voto

Capítulo 10

E s t r u t u r a a d m in is t r a t iv a DA COMPANHIA

0 Capítulo XII da Lei trata da estrutura administrativa da sociedade anônima. A administração da companhia corresponde ao Poder Executivo, ou governo, no Estado democrático. Ampliando a analogia esboçada, pode-se dizer que na legislação das companhias existem dois regimes possíveis de governo: o presidencialista e o parlamentarista.

A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria (art. 138, caput). O conselho de administração é obrigatório nas companhias abertas, nas de capital autorizado e nas de economia mista (arts. 138, § 2°, e 239). Em todas as demais, é facultativo.

O Capítulo XII acha-se dividido em quatro Seções. A Seção I trata do :onselho de administração. A II, da diretoria. A III estabelece normas :omuns, aplicáveis a todos os administradores, tanto conselheiros quanto iliretores. E a IV trata, especificamente, dos deveres e responsabilidades dos idministradores.

1. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E VOTO MÚLTIPLO

O conselho de administração reflete a tendência, existente na nacroempresa moderna, de dissociação entre a propriedade e a gestão. Nas jequenas empresas, os próprios sócios costumam gerir a sociedade. Na socie- iade limitada por exemplo, o administrador costuma ser sempre cotista.1 À nedida que a empresa se expande, a administração se toma cada vez mais

1 O revogado Decreto n. 3.708/1919 empregava, reiteradamente, a expressão “sócio- gerente”. O Código Civil de 2002, ao tratar da sociedade limitada, estabelece, no art. 1.061, que, se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver

' integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 1 5 5

sofisticada, requèrendo conhecimentos técnicos especializados, geralmente adquiridos nos cursos superiores de Administração. O conselho de adminis­tração {jboard ofdirectors, no direito norte-americano) representa a proprie­dade da empresa. Os diretores (officers, no direito norte-americano) exercem a gestão. Por isso mesmo, os conselheiros devem ser, necessariamente, acionistas. Os diretores podem ser acionistas ou não (art. 146).

A lei anterior (Decreto-lei n. 2.627/40) não previa o conselho de admi­nistração. Segundo Trajano de Miranda Valverde, seu autor intelectual e principal comentarista, 0 conselho de administração seria o “cancro” das sociedades anônimas. Eis suas palavras textuais: “O nosso sistema é, fora de toda dúvida e sob todos os pontos de vista, superior ao sistema administrativo das sociedades anônimas estrangeiras, cujos ‘conselhos de administração’, compostos de dezenas de pessoas, que não trabalham, na maioria incompe­tentes, mas que recebem grandes percentagens sobre os lucros sociais, consti­tuem, na opinião hoje generalizada, o cancro das sociedades anônimas” (Valverde, 1941:22/23). Tal entendimento não prevaleceu na lei atual.

O conselho de administração será composto por, no mínimo, três mem­bros, eleitos pela assembléia-geral e por ela destituíveis adnutum. O prazo de gestão não poderá ser superior a três anos. Mas é permitida a recondução (140, III). O rol de competência do conselho de administração encontra-se no art. 142. Quando a companhia não possui 0 conselho de administração, essa competência, comumente, é atribuída à assembléia-geral.

2. O VOTO MÚLTIPLO

2.1. Introdução ao voto múltiplo

Na eleição dos conselheiros de administração, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, um décimo do capital social com direito de voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação votante tantos votos quantos sejam os membros do conselho, reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só Candidato ou distribuí-los entre vários. O voto múltiplo disciplinado no art. 141 visa a facilitar a representação do grupo de acionistas minoritários (não-controladores) no conselho de administração. Sua adoção apenas facili­ta - e não assegura - essa representação. Sua eficácia dependerá da coesão e da estratégia dos minoritários (não-controladores). O sistema de voto múlti­plo encontra um equivalente no sistema de representação proporciona] do Direito Eleitoral, que objetiva facilitar a representatividade dos Partidos minoritários nas Casas legislativas.

156 SOCIEDADE ANÔNIMA

A simples multiplicação dos votos, por si só, não seria capaz de alterar o resultado da votação. O mais importante, para que o voto múltiplo possa surtir o efeito desejado é a articulação dos acionistas minoritários (não-controladores), que podem exercer o direito de “cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários”.

É importante frisar também que, se aplicado o voto múltiplo, todas as ações votantes da companhia (tanto as dos acionistas controladores quanto as dos não-controladores) terão direito a tantos votos quanto são os membros do conselho de administração.

“Num livro sobre o cálculo político, publicado na década dos 6o, os professo­res Buchanan e Tullock opinaram que uma minoria de 24%, coesa e mobilizada, pode desorientar assembléias majoritárias. Na Duma imperial, os sovietes de Lenin conseguiram implantar a Revolução Vermelha com menos de um quarto dos votos” (Roberto Campos, O porquê da revisão, O Globo, 27 fev. 1994). Na sociedade anônima, a minoria coesa e mobilizada pode contribuir significativa­mente para 0 aprimoramento da administração dos negócios sociais.

0 voto múltiplo será obrigatório se expressamente previsto no estatuto da companhia ou, independentemente disso, se requerido por acionistas que representem, no mínimo, um décimo do capital social com direito a voto, até 48 horas antes da assembléia-geral. Caberá à mesa que dirigir os trabalhos da assembléia-geral informar previamente aos acionistas, à vista 0 “Livro de Presença”, 0 número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho.

2.2. Observação sobre as alterações introduzidas no art. 141 pelaLei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001

A Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, alterou a redação original do art. 141.

Dois são os pontos primordiais a serem considerados na exegese do art. 141: (1) a idéia de que é salutar a participação dos acionistas minoritários (não- controladores) no conselho de administração; (2) 0 cuidado para evitar que o acionista minoritário (não-controlador) consiga eleger a maioria dos conselheiros de administração. Esta preocupação aparece com clareza solar no § 70 do art. 141.

2.3. Os parágrafos do art. 141

2.3.1. O § 1° do art. 141

O § i° do art. 141 impõe à mesa que dirigir os trabalhos da assembléia informar previamente aos acionistas, à vista do “Livro de Presença”, o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 157

Observação preliminar sobre as indicações de conselheiros em separado

Observe-se, preliminarmente, que leitura atenta do § 40 do art. 141 revela que existem três hipóteses possíveis em que, eventualmente, determi­nado grupo de acionistas possa indicar, em separado um dos membros do conselho de administração:

1. A maioria de minoritários (não-controladores), titulares de ações votantes (ordinárias ou preferenciais) de companhia aberta, que representem, pelo menos, 15% do total das ações com direito a voto (art. 141, §4°, I);

2. A maioria de minoritários (não-controladores), titulares de ações preferenciais de companhia aberta sem direito a voto ou com voto restrito, que representem, no mínimo, 10% do capital social, que não houverem exercido 0 direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18 (art. 141, § 40, II);

3. Acionistas de uma ou mais classes de ações preferenciais, se o estatuto social lhes assegurar o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros do conselho de administração (art. 18).

Esses três grupos não participarão do sistema de voto múltiplo. Elegerão em separado membro ou membros do conselho de administração. Todos os demais acionistas participarão do voto múltiplo, se esse sistema for o adotado.

Matemática do voto múltiplo e fórmula matemática para o cum­primento da obrigação imposta pelo § i° do art. 1412

Exercício Introdutório

Como o autor dedicou este livro aos seus alunos, antes da abordagem direta do § i° do art. 141, apresenta-se este exercício introdutório e didático.

1. Numa turma da Faculdade, com 51 alunos, cogita-se de eleger um representante de turma. Será eleito o aluno que obtiver mais da metade dos votos. 51: 2 = 25,5. Será eleito o aluno que obtiver 26 votos (26 > 25,5). Se a aluna Ana obtiver 26 votos (= mais da metade dos votos), outros alunos terão menos votos que ela. Ana, com mais da metade dos votos, ganhará de todos os demais candidatos e será eleita a representante da turma.

2 Na redação deste tópico, o autor contou com valiosa interlocução com o engenheiro civil e econômico José Otávio Melo Saraiva e registra aqui o seu agradecimento.

158 SOCIEDADE ANÔNIMA

2. Por raciocínio idêntico, se a mesma turma resolver eleger dois repre­sentantes, será eleito quem obtiver mais de 1/3 dos votos (51:3 = 17). Serão eleitos alunos que obtiverem 18 votos (= mais de 1/3 dos votos); Se Ana e Bernardo obtiverem 18 votos, cada um, outros alunos terão menos votos que eles. Ana e Bernardo, com mais de 1/3 dos votos, cada um, ganharão de todos os demais candidatos e serão eleitos representantes de turma.

3. Ainda por idêntico raciocínio, se a mesma turma resolver eleger três representantes, será eleito quem obtiver mais de 1/4 dos votos (51:4 = 12,75). Serão eleitos alunos que obtiverem 13 votos (= mais de 1/4 dos votos). Se Ana, Bernardo e Carlos obtiverem 13 votos, cada um, outros alunos terão menos votos que eles. Ana, Bernardo e Carlos, com mais de 1/4 dos votos, cada um, ganharão de todos os demais candidatos e serão eleitos representantes da turma.

4. Se compararmos o conselho de administração da companhia com a turma da Faculdade e os conselheiros com os representantes de turma, veremos que esse mesmo raciocínio se aplica nas eleições para 0 conselho de administração, com 0 sem a adoção do sistema de voto múltiplo.

5. O conselho de administração da companhia deve ter, no mínimo, três conselheiros (art. 140, caput). Então,

Se 0 conselho de administração tiver: Será èleitp quem obtiver:3 conselheiros, será eleito conselheiro quem obtiver

mais de 1/4 dos votos.4 conselheiros, será eleito conselheiro quem obtiver

mais de 1/5 dos votos.5 conselheiros, será eleito conselheiro quem obtiver

mais de 1/6 dos votos.6 conselheiros, será eleito quem obtiver mais de 1/7 dos

votos7 conselheiros, será eleito quem obtiver mais de 1/8 dos

votos| E assim por diante

Exemplos ilustrativos do quadro acima

Exemplo 1 - O conselho de administração da Cia. Alfa é composto de oito conselheiros. O “Livro de Presença” acusa a presença de 9.000 ações ordinárias e, portanto de 72.000 votos (9.000 ações votantes x 8 conselheiros

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 159

= 72.000 votos). Será eleito conselheiro quem obtiver mais de 1/9 dos 72.000 votos. 72.000 votos: 9 = 8.000. Será eleito quem obtiver 8.001 votos (= mais de 1/9 dos votos).

Exemplo2 - O conselho de administração da Cia. Beta é composto de 9 conselheiros. O “Livro de Presença” acusa a presença de 1.000 ações ordinárias e, portanto de 9.000 votos (1.000 ações x 9 conselheiros =9.000 votos). Será eleito conselheiro quem obtiver mais de 1/10 dos votos.9.000 votos: 10 = 900. Será eleito quem obtiver 901 votos (= mais de 1/10 dos votos).

Fórmula matemática para o fcumprimento da exigência formulada pelo § i° do art. 141

Com base no quadro acima, apresenta-se a seguinte fórmula matemática para facilitar 0 cumprimento da exigência formulada pelo § i° do art. 141 (cabe “à mesa que dirigir os trabalhos da assembléia informar previamente aos acionistas, à vista do ‘Livro de Presença’, o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho”).

x > a: (b + 1) , onde

x = número mínimo de votos necessário para se eleger 1 (hum) conselheiro.a = número total de votos presentes à assembléia-geral. b = número total de conselheiros a serem eleitos pelo sistema do voto múltiplo.

Essa fórmula é útil para que os diversos grupos de acionistas pos­sam se articular e apresentar os seus candidatos; com isso, éles e a própria companhia obterão o máximo proveito do sistema do voto múltiplo. Com essa fórmula, todos os grupos poderão saber, fácil e rapi­damente, qual a sua chance de eleger um, dois ou mais membros do conselho de administração.

Exemplos ilustrativos da aplicação da fórmula apresentada

Exemplo 3 - O conselho de administração da Cia. Gama é composto de oito conselheiros. O “Livro de Presença” acusa a presença de 9.000 ações ordinárias e, portanto de 72.000 votos (9.000 ações votantes x 8 conselheiros = 72.000 votos). Qual o número mínimo de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho?

i6o SOCIEDADE ANÔNIMA

Neste caso, a = 72.000; b = 8

x > 72.000: (8 + 1) x > 72.000: 9

x > 8.000 x = 8.001.

- Será necessário um mínimo de 8.001 votos para a eleição de um dos oito membros do conselho de administração.

Exemplo 4 - 0 conselho de administração da Ga. Delta é composto de 9 conselheiros. 0 “Livro de Presença” acusa a presença de 1.000 ações ordinárias e, portanto de 9.000 votos (1.000 ações x 9 conselheiros = 9.000 votos). Qual 0 número mínimo de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho?

Neste caso, a = 9.000; b = 9

x > 9.000: (9 +1) x > 9.000:10

X > = 900 X = 901

- Será necessário um mínimo de 901 votos para a eleição de um dos nove membros do conselho de administração.

A inconveniência de um conselho de administração com número par de conselheiros

O exemplo seguinte ilustra bem a inconveniência de um conselho de administração com número par de conselheiros. O número par de conselhei­ros traz 0 potencial de instabilidade ou vácuo de poder.

Exemplo 5 - O conselho de administração da Cia. Épsilon é composto de 6 conselheiros. O “Livro de Presença” acusa a presença de 7.000 ações ordinárias e, portanto, de 42.000 votos (7.000 ações x 6 conselheiros =42.000 votos). Qual 0 número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho:

Neste caso, a = 42.000 e b = 7

x > 42.000:7 x > 6.000 x = 6.001

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA l 6l

- Será necessário um mínimo de 8.572 votos para a eleição de um dos seis membros do conselho de administração.

Note-se, neste exemplo, que, para se eleger a maioria dos membros do conselho de administração da Cia. Épsilon, são necessários 24.004 votos (ó.oox x 4 = 24.004 votos), que representam apenas 57,16% dos votos ou das ações.

2.3.2. O §2° do art. 141

O § 2o do art. 141 apresenta a solução para os raríssimos casos de empate que possam gerar o não preenchimento de cargos do conselho de adminis­tração, quando aplicado o sistema do voto múltiplo. Determina que “os cargos que, em virtude de empate, não forem preenchidos, serão objeto de nova votação, pelo mesmo processo”. Obviamente, se todos os cargos forem devi­damente preenchidos, o fato de dois ou mais conselheiros terem sido eleitos com o mesmo número de votos não significa “empate” para os efeitos previstos no § 2o do art. 141.

A redação desse § 20 peca pela imprecisão, pode induzir o leitor a erro e deve ser lida cum granum sa/is.

Modesto Carvalhosa apreendeu e explicitou corretamente o espírito do dispositivo: “Ocorrendo empate, haverá nova eleição, na mesma assembléia, observando-se o mesmo processo. Para tanto, haverá necessidade de nova informação aos acionistas presentes. E esse segundo pleito compreenderá todos os membros do Conselho a serem eleitos no conclave e não apenas aqueles que empataram no anterior. Conseqüentemente, a primeira votação será considerada ineficaz, para os efeitos não só de eleição de qualquer mem­bro que porventura tenha obtido maioria dos votos, como da própria candida­tura. Assim, todos os candidatos deverão ser inscritos novamente pelos res­pectivos grupos. Poderá haver substituição de nomes. Poderá, outrossim, haver aumento ou diminuição do número de candidatos apresentados pelos grupos de acionistas, tendo em vista reagrupar votos com o fito de deslindar o impasse” (Carvalhosa, 1998,3:100).

A exegese apresentada por Modesto Carvalhosa é a única sintonizada com o espírito do voto múltiplo e a mais correta matematicamente. Pondere-se que a aplicação do voto múltiplo para escolha de apenas alguns dos membros do conselho de administração implicará a própria negação dos objetivos do voto múltiplo. Matematicamente, quanto menor o número de conselheiros a serem eleitos menor ou nenhuma será a chance de um grupo minoritário eleger um candidato seu.

162 SOCIEDADE ANÔNIMA

2.3.3. O §3 ° do art. 141

O objetivo do sistema de voto múltiplo ficaria facilmente frustrado se, depois de eleito o conselho, a assembléia-geral pudesse destituir algum ou alguns dos conselheiros, sem destituir todos, inclusive aqueles indicados em separado, com base nos arts. 18 e 141, § 40,1 e II). Por isso, a lei dispõe o seguinte: sempre que a eleição tiver sido realizada pelo processo do voto múltiplo, “a destituição de qualquer membro do conselho de administração pela assembléia-geral importará destituição dos demais membros, proce­dendo-se a nova eleição” (art. 141, § 30).

2.3.4. O § 4o do art. 141

2.3.4.I. 0 § 4 o, I, do art. 141

A redação do § 40 do art. 141 enseja a seguinte questão interessante: - para o acionista minoritário (não-controlador) da companhia aberta, detentor de 15% ou mais do total das ações com direito a voto, será mais interessante requerer e exercer 0 voto múltiplo previsto no caput do artigo ou exercer o direito previsto no seu § 40?

Para responder a essa questão, nada melhor do que usar uma simulação ilustrativa. Imagine-se, então, a seguinte situação hipotética:

Situação hipotética - Cia. Zeta

1. O conselho de administração da Cia. Zeta, uma companhia aberta, é composto por seis conselheiros. O capital social divide-se em 10.000 ações ordinárias votantes, assim distribuídas:

2. Todas as ações ordinárias votantes comparecem à assembléia-geral para a eleição do conselho de administração.

- Qual o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho?

Neste caso, a = 60.000 e b = 6.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 1Ó 3

x > 60.000:7 x > 8.571,428...

x = 8.572

- Será necessário um mínimo de 8.572 votos para a eleição de um dos seis membros do conselho de administração.

Com esses dados em mente, examinemos, sucessivamente, as conse­qüências: a) da aplicação do § 40 do art. 141; e b) do caput do art. 141.

Aplicação do § 40, 1, do artigo 141

Aplicado o disposto no § 40, 1, do art. 141, Mévio, acionista minoritário (não-controlador), proprietário de 2.900 ações, representando 29% do capi­tal social, poderá eleger um dos seis membros do conselho de administração, em votação em separado.

Aplicação do caput do artigo 141

Aplicado o caputào art. 141, cada uma das ações votantes dará direito a seis votos.

Vimos que, para a eleição de cada um dos seis conselheiros da Cia. Zeta, será necessário um mínimo de 8.572 votos.

Com os seus 17.400 votos, Mévio, acionista minoritário (não-con­trolador), proprietário de 2.900 ações, com representando 29% do capital social, poderá eleger dois dos seis membros do conselho de administração, em votação em separado (8.572 x 2 = 17.144).

1Ó4 SOCIEDADE ANÔNIMA

Mas isso não é tudo. Aplicado o caput do art. 141, com os seus 33.000 votos, o acionista controlador Xisto, proprietário de 5.500 ações, repre­sentando 55% do capital social, não conseguirá eleger quatro dos seis conselheiros. Para conseguir eleger quatro dos seis conselheiros, 0 acio­nista controlador Xisto precisaria deter 34.288 votos (8.572 x 4 = 34.288), mas ele só detém 33.000. Para conseguir a maioria no conselho de admi­nistração, Xisto precisaria deter 57,14666...% do capital social, mas ele só detém 55%.

Tudo isso, certamente, dará maior poder de negociação a Mévio.

2.3.4.2. O Inciso IIdo § 40 do art. 141

O § 4o, II, do art. 141 faz remissão expressa ao art. 18 (“Art. 18. O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração”).

Note-se que o art. 18: (a) não faz distinção entre ações preferenciais votantes - de um lado - e ações preferenciais não votantes ou com voto restrito - de outro; e (b) também não faz distinção entre companhia aberta - de um lado - e companhia fechada - de outro. Já 0 art. 141, § 40, no inciso II, refere-se, exclusivamente, a “ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta”.

Na companhia aberta, os acionistas minoritários titulares da maioria das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, que representem, no mínimo, 10% do capital social e não contemplados com o benefício do art. 18 têm o direito de eleger em separado um membro e seu respectivo suplente do conselho de administração.

Com isso, na companhia aberta, possibilita-se a ampliação do número de conselheiros de administração indicados em separado pelos titulares de ações preferenciais. As indicações em separado podem partir dos acionistas prefe­renciais contemplados com o benefício do art. 18 e também dos acionistas que se enquadrem nos requisitos do art. 141, § 40, II.

2.3.5. O §5° do art. 141

O § 5o do art. 141 mantém uma tradição salutar.Tradicionalmente, lei, doutrina e jurisprudência sempre reconheceram a

possibilidade de os acionistas minoritários (não-controladores) agregarem as

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 165

suas ações para conseguir o percentual mínimo exigido para o exercício de determinado direito. Exemplo: a lei exige, para 0 exercício de certo direito, um percentual mínimo de 5% do capital social; o acionista Cosme detém apenas 3%; 0 acionista Damião detém apenas 2%. Cosme e Damião podem unir-se, agregar as suas ações, somar os percentuais respectivos e, perfazendo os 5%, exercer juntos o tal direito.

2.3.6. O § 6o do art. 141

O § 6o do art. 141 limita o exercício dos direitos previstos no § 40. Somente poderão exercer o direito previsto no § 40 os acionistas que comprovarem a titularidade ininterrupta da participação acionária ali exigida durante o período de 3 (três) meses, no mínimo, imediatamente anterior à realização da assembléia-geral. Essa limitação visa a inibir manipulações não raras no mercado acionário. Alguns investidores profis­sionais costumam adquirir ações de companhias abertas com objetivos escusos como, por exemplo, o de participar do conselho de administração para espioná-lo.

2.3.7. O §7° do art. 141

O § 7o do art. 141 revela claramente a preocupação do legislador no sentido de evitar que o acionista minoritário (não-controlador) consiga eleger a maioria dos conselheiros de administração.

Com a redação original do art. 141, poderiam ocorrer situações em que, por descuido do acionista controlador, os minoritários (não-controladores), coesos e articulados, consigam eleger a maioria dos conselheiros. Atual­mente, isso se tornou impossível. Examine-se, a propósito, o exemplo ilustrativo a seguir:

Exemplo 4. Eta S.A.

1. A Eta S A é companhia aberta, com o capital de R$ 1.000,00, dividido em 1.000 ações, e possui conselho de administração composto de 9 (nove) conselheiros.

2. O estatuto social da Eta SA. prevê, expressamente, que as eleições para o conselho de administração se darão pelo sistema do voto múltiplo.

3. O capital social acha-se assim configurado:

i66 SOCIEDADE ANÔNIMA

Acionistas Número de ações

Espécie e classe

Votantes ou não

' votantes?

% Do % Do capita) _• capital social i, votante

; Art. Da LSA

í1.

A ldo e outros, vinculados por acordo de voto3 (Grupo controlador)

501 O N votantes 50 ,10 % 55 ,67 %

Bruno 120 O N votantes 12,00 13.33 % 141, caput

Carlos 90 O N votantes 9 ,0 0 1 0 ,0 0 %D ario 172 O N votantes 17,20 19,11 % 141. § 4 o, I

Evaldo 17 PN A votantes 1,70 1 ,8 8 % A rtigo 18, caput

Flávio 100 PNB não votantes 10 ,00 - 141, § 4 o, I I

TOTAIS 1.000 - - 10 0 ,0 0 1 0 0 ,0 0 % -

4. O estatuto social da Eta S.A., com base no art. 18, caput* confere aos titulares de ações PNA (preferenciais nominativas da classe A) o direito de eleger, em votação em separado, um dos membros do conselho de administração; então, Evaldo poderá eleger, em votação em separado, um dos 9 conselheiros.

5. Excluído o grupo controlador, Dario é 0 maior dos titulares de ações com direito a voto e representa 19,1111 % do total das ações com direito a voto; então, com base no art. 141, § 40, I,5 Dario também poderá eleger, em votação em separado, um dos 9 conselheiros.

6. Excluído o grupo controlador, Flávio é o maior titular de ações preferen­ciais sem direito a voto e representa 10% do capital social; então, com base no art 141, § 40, n,6 Flávio também poderá eleger um dos 9 conselheiros.

3 “Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos admi­nistradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia [...].”

4 “Art. 18.0 estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. [...]”.

5 “Art. 141. [...] § 4o Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente: I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; [...]”

6 “Art. 141. [...] § 4o Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 167

Excluídos os 3 dos 9 conselheiros, indicados em separado por Evaldo, Dario e Flávio, caberá à assembléia-geral escolher os outros 6 conselheiros. Evaldo, Dario e Flávio não participarão da eleição desses 6 conselheiros.

Note-se, de passagem, que Bruno, titular de mais de 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, poderia, requerer a adoção do voto múltiplo para a eleição dos 6 conselheiros, com base no art. 141, caput,7 caso o estatuto social da Eta SA, já não previsse expressamente, que as eleições para o conselho de administração se darão pelo sistema do voto múltiplo.

Adotado o voto múltiplo, caberá à mesa que presidir a assembléia-geral atender ao comando do art. 141, § i 0,8 e “informar previamente aos acionistas, à vista do “Livro de Presença”, o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho”.

Supondo-se que todos os acionistas compareçam à assembléia-geral, Evaldo, Dario e Flávio não participarão da eleição pelo sistema do voto múltiplo, pois cada um deles já elegeu, em separado, um dos 9 conselheiros. A situação do grupo controlador, de Bruno e de Carlos é a seguinte:

' Acionista. ' • íV

* " í

. •' •

« ... Número de ações votantes presentes à assembléia-geral, *■

* excluídas asque,* porventura, votarem s • ., em separado <

Númerodevotos

' - %

%Do capital social. j,

. - ■.

% Do capital votante

Aldo e outros(Grupocontrolador)

501 3.006 50,10 % 55.67 %

Bruno 120 720 12,00% 13.33 %Carlos 90 540 9,00 % 10,00 %TOTAIS 711 4.266 71,1% 79,00 %

acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente: [...] II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18”.

7 “Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários. [...]”.

8 “Art. 141. [...] § i° A faculdade prevista neste artigo deverá ser exercida pelos acionistas até 48 (quarenta e oito) horas antes da assembléia-geral, cabendo à mesa que dirigir os trabalhos da assembléia informar previamente aos acionistas, à vista do ‘Livro de Presen­ça’, o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho.

168 SOCIEDADE ANÔNIMA

Pergunta-se: Na eleição do conselho de administração da Eta S A . pelo sistema do voto múltiplo, com os dados acima, qual o número de votos necessários para a eleição de cada um dos seis conselheiros, a serem eleitos pelo grupo controlador, por Bruno e por Carlos?

Neste caso, a = 4.266 e ò = 7

x > 4.266:7

x > 609,428...

X = 610

- Será necessário um mínimo de 610 votos para a eleição de um dos seis conselheiros, a serem eleitos pelo grupo controlador, por Bruno e por Carlos.

Confronte esse resultado com 0 quadro anterior e comprove o seguinte:

1. Bruno, sozinho, com 720 votos, preenche as condições necessárias para eleger 1 dos 6 conselheiros; não preenche as condições para eleger mais de 1 conselheiro; para conseguir eleger 1 dos 6 conselheiros, ele deverá concentrar 610 votos no seu candidato; e ainda ficará com uma sobra de 110 votos (720 votos - 610 votos = 110 votos).

2. Carlos, com apenas 540 votos, não preenche as condições necessárias para eleger sozinho um conselheiro;

3. Bruno e Carlos juntos possuem 210 ações e 1.260 votos; se Bruno e Carlos se unirem e agregarem as suas ações, os dois, em conjunto, preencherão as condições necessárias para elegerem 2 dos 6 conse­lheiros; para conseguirem eleger 2 dos 6 conselheiros, Bruno e Carlos deverão repartir os seus 1.260, de modo que cada um dos seus candidatos receba, no mínimo, 610 votos.

4. Com os seus 3.006 votos, o Grupo Controlador preenche as condições necessárias para eleger 4 dos 6 conselheiros; Para conseguir eleger 4 dos 6 conselheiros, o Grupo Controlador deverá repartir os seus 3.006 votos, de modo que cada um dos seus candidatos receba, no mínimo, 610 votos.

5. Se Bruno e Carlos ficarem coesos e articulados, eles conseguirão eleger 2 dos 6 candidatos e o Grupo Controlador não terá condições de eleger um quinto candidato.

Veja então a composição provisória do conselho e, em seguida, a sua composição definitiva.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 169

COM POSIÇÃO PROVISÓRIA DO CONSELH O DE ADM IN ISTRAÇÃO D A E TA S.A.

Conselheiro9 conselheiros9 Escolhido por Como

1. Evaldo Evaldo Em separado.2. Dario Dario Em separado.3. Flávio Flávio Em separado.4. Bruno Bruno e Carlos em conjunto Com 630 votos5. Carlos Carlos e Bruno em conjunto Com 630 votos6. Anita, acionista

participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Com 750 votos

7. Berenice, acionista participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Com 750 votos

8. Clara, acionistaparticipante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Com 750 votos

9. Delza, acionistaparticipante do Grupo Controlador Grupo Controlador Com 756 votos

TOTAL DE VOTOS: 4.266

Por que essa é a composição provisória e não a definitiva?- Porque, como se percebe, aplicados corretamente o sistema do voto

múltiplo e a fórmula apresentada, na Eta S.A., os conselheiros eleitos pelo Grupo Controlador ficariam em minoria no conselho de administração; 0 Grupo Controlador conseguiria eleger apenas 4 dos 9 conselheiros. E, como já visto anteriormente, um dos pontos primordiais a ser considerado na exegese do art. 141 é o cuidado do legislador para evitar que o acionista minoritário (não-controlador) consiga indicar a maioria dos conselheiros de adminis­tração. Essa preocupação traduz-se no § 70 do art. 141, que deverá, então, ser aplicado na composição definitiva do conselho de administração da Eta S.A.: “Art. 141. [...] § 70 Sempre que, cumulativamente, a eleição do conselho de administração se der pelo sistema do voto múltiplo e os titulares de ações ordinárias ou preferenciais exercerem a prerrogativa de eleger conselheiro, será assegurado a acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de

9 Lembre-se de que o membro do conselho de administração deve ser, necessariamen­te, acionista da companhia (art. 146, caput).

170 SOCIEDADE ANÔNIMA

votos que detenham mais do que 50% (cinqüenta por cento) das ações com direito de voto o direito de eleger conselheiros em número igual ao dos eleitos pelos demais acionistas, mais um, independentemente do número de con­selheiros que, segundo 0 estatuto, componha 0 órgão.”

Então, aplicado o § 7o do art. 141, ficará assim a composição definitiva do Conselho de Administração da Eta S.A.:

COMPOSIÇÃO DEFINITIVA DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ETA S.A.:

Aplicado 0 § 7o do art. 141, ficará assim a composição definitiva do conselho de administração da Eta S.A.:

11 conselheiros: -* J ' - ... •Conselheiro Escolhido por •' / “ • , ’ Como, * ., ",

1. Evaldo Evaldo Em separado.2. Dario Dario Em separado.3. Flávio Flávio Em separado.4. Bruno Bruno e Carlos em conjunto Com 630 votos5. Carlos Carlos e Bruno em conjunto Com 630 votos6. Anita, acionista

participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Com 750 votos

7. Berenice, acionista participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Com 750 votos

8. Clara, acionista participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Com 750 votos

9. Delza, acionista participante do Grupo Controlador

Grupo controlador Com 756 votos

10. Eugênia, acionista participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Indicação com base no § 7o do art. I4i‘°

11. Flávia, acionista participante do Grupo Controlador

Grupo Controlador Indicação com base no § 7o do art. 141

10 A p a lav ra “ind icação”, aq u i, tem a conotação d e escolha ou eleição. M a s afaste-se aq ui, desde já , a idé ia de se an u la r to ta lm e n te a e le ição p a ra recom eçar todo o processo. C aberá ao g ru p o co n tro lad o r s im p le sm e n te e leger e m separado os nom es a serem ind icados p a ra que se c u m p ra o co m and o do § 7 0 do a rt. 141.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 171

3. CASO HOTÉIS RIBAS

( ^ 279/244)

Therezinha de Jesus Ribas Cavalcanti e seu irmão são acionistas igualitários de Hotéis Ribas S.A, uma companhia fechada, sendo cada um detentor de metade das ações em que se divide 0 capital social.

Em assembléia-geral ordinária realizada no dia 26 de abril, Therezinha pleiteou, em vão, a adoção do voto múltiplo, não previsto nos estatutos sociais, com o objetivo de (verbis) “proceder à eleição de um membro do conselho fisca le seu suplente”, no que foi obstada pelo irmão.

Embora exista um impasse, criado por rancores familiares, Therezinha não contesta a lisura do irmão, mas demonstra que a sua pretensão não está montada em interesse patrimonial, mas em razões emocionais.

Em virtude do exposto, Therezinha ajuizou ação contra Hotéis Ribas S A , pleiteando a anulação da AGO de 26 de abril.

Em sua contestação, a companhia alegou, principalmente, que o direito ao exercício do voto múltiplo nas assembléias das sociedades por ações é um direito apenas do acionista minoritário; não do majoritário ou do igualitário.

Therezinha argumentou, por outro lado, que a assembléia-geral, ao negar-lhe o direito ao exercício do voto múltiplo, violou a lei e feriu direito subjetivo seu, 0 de dar maior peso a uma investidura.

O juiz de primeiro grau julgou improcedente a ação. E o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, deu provimento ao recurso, com o voto vencido do Des. Osny Duarte. Este criticou a maioria, invocando 0 princípio da função social da empresa. E argumentou: “[...] a interpretação dada pela douta maioria do art. 141 da Lei n. 6.404/76 esvazia, data venia, totalmente, o sentido benéfico do voto múltiplo e restringe a importância social das sociedades anônimas, proclamada e reconhecida na etapa do progresso tecnológico que estamos vivendo. Com a solução adotada pela douta maioria, parece-me que a sociedade anônima permanecerá expressão de interesses familiares e não entidade integrante da engrenagem da economia pública, onde os interesses acionários seriam supletivos e não constitutivos da empresa. Os ódios familiares, os conluios, as chantagens de acionistas e outros comportamentos reprováveis não deveriam poder ditar diretamente os rumos das empresas, preterindo a função social das mesmas.

Comentário do Caso Hotéis Ribas

O acórdão acima sintetizado induz-nos a refletir sobre os perigos da tendência para uma abordagem puramente teorética dos problemas jurídicos, com verdadeira aversão pela análise pragmática e objetiva dos fatos.

172 SOCIEDADE ANÔNIMA

A primeira palavra que me ocorreu, ao lê-lo, foi: “logomaquia”, que significa palavreado inútil. E creio que se pode estender, a esse aresto, a crítica de Comparato à doutrina jurídica nacional, ao tachá-la de “mais afeita, em geral, aos comentários livrescos do que à análise da problemática vital” (Comparato, 1983:158).

O que ressalta, à primeira vista, é a afirmação textual do acórdão de que a acionista queria (verbis) “optar pela adoção do voto múltiplo e, com base no seu exercício, proceder à eleição de um membro do conselho fisca l e seu suplente” (Grifos nossos).

Ora, um simples exame tópico do art. 141 da Lei n. 6.404/76 deixa claro que o voto múltiplo se aplica, ou pode ser aplicado, nas eleições para o conselho de administração. O art. 141 situa-se no Capítulo XII da Lei (Conselho de Administração e Diretoria), especificamente na Seção I (Conselho de Administração).

O conselho fiscal é tratado no Capítulo seguinte (Capítulo XIII). Os acionistas minoritários, ali, recebem uma proteção especial no art. 161, § 40, a (os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou máis das ações com direito a voto, terão direito de eleger, em separado, um membro e respectivo suplente do conselho fiscal).

Não se descarte, todavia, a possibilidade de um eventual erro na datilo­grafia do acórdão, ou na sua publicação. Concedamos ao Tribunal o benefício da dúvida. E admitamos que a ação tenha sido proposta pela acionista não desejosa de “optar pela adoção do voto múltiplo e, com base no seu exercício, proceder à eleição de um membro do conselho fisca le seu suplente”, mas sim de um membro do conselho de administração. A esse propósito, nota-se que o voto vencido do Des. Osny Duarte refere-se a conselho de administração e não a conselho fiscal.

Ainda assim, contudo, melhor mérito não teria o trato dado ao caso pela Corte.

E certo, como afirmou o acórdão relatado pelo Des. Hamilton de Moraes e Barros, que o voto múltiplo não é um direito apenas do acionista minoritário.

É também correta, em parte, a sua ponderação, assim explicitada: “a lei, ao instituir e assegurar, em boa hora, a representação das' minorias societárias, não exclui, e nem poderia excluir, os iguais direitos dos sócios majoritários e igualitários”. Afirmo que tal ponderação é correta em parte porque, na verdade, alei não assegura a representação das minorias por meio do voto múltiplo nas eleições para 0 conselho de administração. Ela apenas

facilita ou possibilita tal representação. A representação efetiva vai decorrer da convergência de vários fatores volitivos e numéricos. A minoria deverá

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 173

estar coesa, e não dispersa. E o resultado a ela favorável dependerá, ainda, não só do percentual acionário votante por ela possuído, como também de uma estratégia de votação e do número de membros do conselho de administração.

Também o voto vencido foi infeliz ao abordar a questão. Examinou-a sob o enfoque da função social da empresa, mas afirma, textualmente: “0 acionis­ta detentor de 50% das ações, embora sem participar do Conselho de Admi­nistração, mantém mais possibilidades de fiscalização e segurança de uma administração proba por parte do outro detentor da direção da sociedade do que o acionista minoritário portador do voto múltiplo poderia fazê-lo, porque a aprovação das contas dos diretores na assembléia-geral está sujeita ao seu alvedrio”. Tal assertiva, permissci venia, não tem qualquer sentido no contexto do caso. E, além disso, induz - ou pode induzir - à conclusão absolutamente errônea de que, nas eleições para 0 conselho de administração, alguns acionistas possuem o voto múltiplo e outros não.

Ora, na verdade, só existem duas alternativas possíveis nas eleições para 0 conselho de administração: ou é adotado o sistema de voto múltiplo, ou não é; na primeira hipótese, todas as ações terão o voto múltiplo; na segunda, nenhuma o terá. Simples assim.

Em suma, e curiosamente, o problema não foi bem solucionado pela Corte carioca. Nem pelos votos vencedores, nem pelo voto vencido. E isso por uma razão muito singela: porque, simplesmente, não existia um problema a ser resolvido. As partes, mal orientadas pelos seus advogados, acionaram a máquina judiciária. E 0 processo, uma vez instaurado, precisa ter um fim...

A julgar pelos dados constantes do acórdão, 0 pseudoproblema das partes foi também mal equacionado.

Numa sociedade com as características da companhia em tela (fechada, com dois acionistas apenas, detendo, cada um deles, exatamente a metade do capital votante), é absolutamente inócua a adoção do voto múltiplo nas eleições para o conselho de administração. Quer se adote o voto múltiplo, quer não seja ele adotado, 0 resultado será absolutamente o mesmo. Não haverá a menor diferença. Não fará a menor diferença se cada um dos dois acionistas possuir um, cem ou um milhão de votos. Um eventual impasse entre os dois somente poderá culminar num empate.

O objetivo e a técnica do voto múltiplo não se reduzem, pois, à mera multiplicação dos votos por determinado número, mas requerem a conjugação de outros fatores, que se iniciam com a possibilidade de cumular, isto é, de concentraras votos num só candidato ou distribuí-los entre vários.

Nos termos da lei, 0 estatuto da companhia pode prever, ou não, o sistema do voto múltiplo nas eleições para o conselho de administração. Havendo

174 SOCIEDADE ANÔNIMA

previsão estatutária a respeito, o sistema será obrigatoriamente adotado. Silente o estatuto, ainda assim, deverá ser ele necessariamente utilizado, desde que “requerido” até 48 horas antes da assembléia-geral por acionistas que representem, no mínimo, um décimo do capital social com direito a voto.

A esta altura, julgo conveniente ressaltar duas observações: Ia) o reque­rimento dos acionistas, implícito na palavra “requerer”, mencionada no art. 141, caput; da Lei n. 6.404/76, não é uma petição que possa ser deferida óu indeferida ao puro alvedrio de quem quer que seja. Uma vez requerido no prazo, nos termos e nas condições referidas no art. 141, a adoção do processo de voto múltiplo é obrigatória; 2a) o estatuto de uma sociedade anônima - aberta ou fechada - não pode frustrar a norma do art. 141 da Lei n. 6.404/76 com a introdução de uma cláusula afastando expressamente a possibilidade da adoção do voto múltiplo nas eleições para o conselho de administração. Tal cláusula afrontaria um princípio de ordem pública, erigido num dos pilares filosóficos da lei acionária: 0 da proteção ao acionista minoritário.

O processo do voto múltiplo, repete-se, não assegura, não garante, a representação das minorias acionárias no conselho de administração. Apenas a facilita e possibilita. O princípio nele encerrado é o mesmo que, no Direito Eleitoral, permite a representação dos partidos políticos minoritários nas Casas Legislativas.

Adotado 0 processo do voto múltiplo ou cumulativo, cada ação votante dará direito a tantos votos quantos sejam os membros do conselho de admi­nistração. O acionista poderá, então, livremente, cumular ou concentrar todos os votos num só candidato, ou distribuí-los entre alguns ou todos. Se a minoria, coesa, concentrar ou cumular todos os votos num só candidato, ou em alguns deles apenas, ocorrerá a probabilidade de que esse ou esses candi­datos sejam por ela eleitos, dependendo de algumas circunstâncias matemáti­cas e proporcionais. Em algumas circunstâncias, poderá, até mesmo, ocorrer que a minoria consiga eleger a maioria do conselho de administração.

Quanto menor for o número de conselheiros, maior será a dificuldade dos minoritários conseguirem eleger um representante.

Quando adotado o processo do voto múltiplo, “a mesa que dirigir os trabalhos deverá informar previamente aos acionistas, à vista do Livro de Presença, 0 número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho”. Esse número pode ser facilmente obtido utilizando-se a fórmula já indicada.

Finalmente, e voltando ao contexto fático do caso ora analisado, não deve passar despercebido que, numa companhia com dois acionistas apenas,o conselho de administração é uma verdadeira excrescência; e a sua adoção

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 175

fica praticamente inviabilizada, porque: a) o conselho de administração deve compor-se de, no mínimo, três membros (art. 140, caput); b) os membros do conselho de administração devem, necessariamente, ser acionistas (art. 146); ora, como compor um conselho de administração numa companhia com dois acionistas apenas sem descumprir uma dessas duas normas?

4. CASO ARA PI ARA

A assembléia-geral ordinária e extraordinária do Hospital Arapiara S.A., realizada no dia 9.3.1993, deliberou que o número de membros do seu conselho de administração seria de nove conselheiros. E aprovou “a renovação de 1/3 dos conselheiros a partir do próximo triênio” (Ata publicada no Minas Gerais de sexta-feira, 4.2.1994, Parte I, Seção “Publicação de Terceiros”).

Comentário1. O sistema de rodízio nas eleições para 0 conselho de administração,

introduzido no Estatuto do Hospital Arapiara S A., tende a frustrar os objetivos do voto múltiplo, previsto no art. 141 da Lei n. 6.404/76.

2. Em artigo publicado em 1979, antes da decisão tomada pela assem­bléia-geral ordinária e extraordinária do Hospital Arapiara, acima referida, eu já escrevera o seguinte: forma de frustrar os objeti­vos do voto múltiplo seria a adoção de um sistema de rodízio nas eleições. De acordo com tal sistema, num conselho de administração composto, p.ex., de nove membros, seriam feitas eleições alternadas para grupos de três. Quanto a este ponto, 0 legislador não foi tão previdente” (Osmar Brina Corrêa Lima, O Direito de Voto na Socie­dade Anônima, Revista dos Tribunais, 530/26-37, dez. 1979, p. 30).

A exata aplicação da lei, mais consentânea com o seu espírito, imporia, tanto na companhia aberta quanto na fechada, o respeito à faculdade previs­ta no § 4o, capute item I, do art. 141.

§ 4o Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído 0 acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente:I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto.11

11 A redação original do § 40 do art. 141 da Lei n. 6.404 era a seguinte: § 40 Se o número de membros do conselho de administração for inferior a 5 (cinco), é facultado aos acionistas que representem 20% (vinte por cento), no mínimo, do capital com direito a voto, a eleição de um dos membros do conselho, observado o disposto no § i°.

176 SOCIEDADE ANÔNIMA

5. DIRETORIA

A diretoria será composta por 2 ou mais diretores, eleitos e destituíveis ad nutum pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assem­bléia-geral (art. 143).

Diferentemente do conselho de administração, a lei não enfoca a diretoria como um colegiado. Cada diretor exerce individualmente as funções para ele previstas no estatuto e responde individualmente pelos seus atos. No silêncio do estatuto, e inexistindo deliberação do conselho de administração a res­peito, competirão a qualquer diretor a representação da companhia, e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular (art. 144). Embora a diretoria não seja tratada pela lei como um colegiado, o estatuto pode estabelecer que determinadas decisões de competência dos diretores sejam tomadas em reunião da diretoria (art. 143, § 20). Os membros do conselho de administração, até 0 máximo de 1/3, poderão ser eleitos para cargos de diretores (art. 143, § i°).

6. CASO CAMPONESA

CRevista de Jurisprudência!Arquivos do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, 14, n. 29, 222-224-4 trim./i98i)

Libânio Afonso Costa ajuizou, contra Restaurante Camponesa S.A., execução cambial, com base em notas promissórias vencidas e não pagas, títulos formalmente perfeitos e contra os quais nenhum vício se alegou.

As notas promissórias foram emitidas em nome de Restaurante Cam­ponesa S.A., representada pelo seu diretor-gerente Manacés de Amorim Capitão, e avalizadas pelo diretor-comercial, José Rosa de Oliveira, e pelo diretor-administrativo, Nelson Lopes da Silva.

A executada embargou a execução. Argumentou que, segundo o parágrafo único do Estatuto Social registrado na Junta Comercial, “no caso de em­préstimo em geral, a denominação social só poderá ser usada pelo diretor- superintendente e pelo diretor-gerente”. E que a diretora-superintendente não firmara as cambiais.

O juiz de direito de primeiro grau julgou procedentes os embargos.O Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, em boa hora,

reformou a sentença, dando ganho de causa ao exeqüente.O voto do Relator, Juiz Francisco Faria revela 0 bom direito, traduzindo

a tendência mais moderna do Direito Societário. Observe-se que, no caso em tela, o Estatuto Social conferia poderes aos administradores para tomar empréstimo, apenas disciplinando quais dos diretores poderiam fazê-lo.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 177

Eis o voto, aqui transcrito em parte: “Ora, não pode ser prejudicado o terceiro de boa-fé, se os títulos foram emitidos em nome da sociedade, assina­dos pelo seu diretor-gerente (que tinha poderes para fazê-lo, em conjunto com a diretora-superintendente) e avalizados por dois outros diretores, tudo fazendo crer na legitimidade de sua emissão. Se o diretor-gerente, extrapolando os seus poderes perante a sociedade, emitiu os títulos sem a assistência da outra diretora, a quem cabia assinar em conjunto, e se tal ato teve o aval de outros dois diretores, caberá à sociedade honrá-los e, depois, lançá-los a débito de tais diretores, que poderão, inclusive, ser responsabilizados por abuso de poder. O que não pode, o que não é correto, o que é imoral, é se negar ela a honrar os títulos assinados pelos três diretores, que são, exatamente, três dos quatro membros que cuidam da administração da sociedade [...], dois deles avalizando o título emitido pelo terceiro, em nome da sociedade. Não cabe à Justiça agasalhar expedientes escusos e propiciar enriquecimento ilícito, jus­tamente daqueles que, de evidente má-fé, praticam certos atos de forma a tomá-los nulos ou anuláveis, em detrimento de quem, com evidente boa-fé, acreditava estarem os diretores da sociedade (a maioria absoluta de seus administradores) validamente emitindo e avalizando os títulos em nome da sociedade, dada a aparência de serem eles as pessoas indicadas para tal finalidade, já que detinham a administração da sociedade. Aliás, o diretor- gerente, que emitiu as notas promissórias, tinha poderes para fazê-lo, só que teria que estar assistido pela diretora-superintendente. Se emitiu os títulos e não providenciou a assinatura desta última, tomando o aval dos outros dois, diretores que, com ele e a diretora faltante, formam o ‘quarteto’ que adminis­tra a sociedade, deve a sociedade responder pelo ato de seus diretores faltosos e responsabilizá-los, lançando a débito dos mesmos as quantias respectivas, se, acaso, não visar a operação interesse social, já que a operação tinha a aparência de perfeita legalidade e de serem aquelas as pessoas indicadas para tal finalidade, já que detinham a administração da dita sociedade.”

“Título avalizado por sociedade anônima com assinatura de apenas um diretor, contrariando os estatutos tem validade e eficácia cambial com relação a terceiros de boa-fé {RT460/216). O aceite ou aval lançado por um único diretor obriga a sociedade perante terceiro de boa-fé, embora tenha ocorrido violação do contrato social” {RT43&I1K)).

7. CASO PAIS E FILHOS

(^yy-STF 71/451)

O objeto da Editora Leitura S.A., segundo seu estatuto, era a “publi­cação da revista periódica intitulada ‘Leitura’ e de outras que venha a editar, inclusive livros”.

SOCIEDADE ANÔNIMA

Editora Leitura S.A., representada pelo seu diretor-presidente, José Barbosa Melo, vendeu à Bloch Editores S.A. a marca “Pais & Filhos”, designativa de uma revista registrada no INPI.

A revista “Pais & Filhos” jamais fora editada pela Editora Leitura S.A.Posteriormente, um acionista notificou judicialmente o diretor-presi-

dente da Editora Leitura S.A., para que ele convocasse a assembléia-geral, para apreciar a alienação. O art. 119 do Decreto-lei n. 2.627/40, vigente à época em que foi julgado o caso, estabelecia não ser lícito aos diretores “hipotecar, empenhar ou alienar bens sociais, sem expressa autorização dos estatutos ou da assembléia-geral, salvo se esses atos ou operações consti­tuírem objeto da sociedade”.

A assembléia destituiu o diretor José Barbosa Melo, elegeu nova diretoria e determinou a esta que propusesse ação anulatória da referida venda.

O juiz de direito julgou procedente o pedido de anulação. O Tribunal de Justiça do extinto Estado da Guanabara confirmou a sentença. E o Supremo Tribunal Federal,12 em grau de recurso extraordinário, modificou a decisão das instâncias inferiores.

Segue 0 voto do relator do Recurso Extraordinário, Ministro Xavier de Albuquerque:

“A controvérsia reside, aqui, no sentido da ressalva final contida no preceito legal, pois os atos ou operações que constituem objeto da sociedade estão dispensados de autorização especial. Para a sentença, que o acórdão [do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara] manteve sem nada lhe acres­centar nesse ponto, ‘o bem da sociedade vendido pelo diretor não forma parte do giro normal da atividade social, sendo indispensável o consentimento da assembléia-geral’. Sustenta a [Bloch Editores S.A.], ao invés, que, tendo a [Editora Leitura S A.] por objetivo, nos termos de seus estatutos, ‘a publicação da revista periódica intitulada ‘Leitura’ e de outras, inclusive livros’, 0 ato de seu diretor-presidente, ao vender a marca de uma revista jamais editada, escapa à restrição da lei, porque se enquadrava no âmbito das próprias ativi­dades sociais. Tenho que o dispositivo questionado exige interpretação volta­da para as circunstâncias de cada caso. Se a lei põe ressalva, não se pode estendê-la de modo que nunca incida ou seja vã. Na hipótese, a sociedade vendedora [Editora Leitura S. A ] é editora, cuja principal finalidade é publicar a revista ‘Leitura’, de cujo título, aliás, tira a própria denominação. Admito que a venda dessa marca [‘Leitura’] exigisse, por afetar a própria razão de existir da sociedade, a autorização da assembléia-geral. Não assim, porém, a

12 Por ocasião do julgamento deste caso ainda não existia o Superior Tribunal de Justiça.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 179

da marca ‘Pais e Filhos’, objeto da lide, porque esta destina-se a designar revista que a [Editora Leitura S A ] , como está dito e repetido [nos] autos, sem qualquer contestação, jamais editou. Tratando-se de uma editora, a venda da marca registrada mas nunca explorada, de uma revista, não pode deixar de considerar-se compreendida no objeto da sociedade e, portanto, incluída nos poderes de gestão da diretoria. A não entender-se assim, a regra jamais teria aplicação em casos como este. Concebe-se, certamente, a constituição de socie­dade que tenha por objeto a compra e venda de imóveis, equipamentos, de veículos ou do que mais seja. Não é fácil de admitir-se, contudo, a existência daquela cuja finalidade seja a compra e venda de marcas de indústria e comércio. A inteligência rasteira da norma levá-la-ia à total inanidade. Entendo, por isso, que as instâncias ordinárias, a pretexto de aplicarem o art. 119 [do Decreto-lei n. 2.627/40], desaplicaram-lhe a cláusula final incidente na espécie.”

Comentário do Caso Pais e Filhos

Mais acertada a decisão da Justiça do extinto Estado da Guanabara.A Lei n. 6.404/76 não reproduziu ipsis litteriso art. 119, acima transcrito,

mas consagrou o mesmo princípio nele contido.O art. 142 insere no rol de competência do conselho de administração:

“[...] VIII - autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros;”. Quando a companhia não possui conse­lho de administração, essa competência transfere-se à assembléia-geral.

A marca é disciplinada pela Lei n. 5.772/71 (Código de Propriedade Industrial), que, no seu art. 59, dispõe o seguinte: “Será garantida no território nacional a propriedade da marca e o seu uso exclusivo àquele que obtiver o registro de acordo com o presente Código, para distinguir seus produtos, mercadorias ou serviços de outros idênticos ou semelhantes, na classe corres­pondente à sua atividade. Parágrafo único. A proteção de que trata este artigo abrange o uso da marca em papéis, impressos e documentos relativos à atividade do titular.”

Segundo o art. 179, IV, a marca deve ser lançada, no balanço patrimonial, sob a rubrica do ativo imobilizado: “no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da com­panhia e da empresa, ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial ou comercial.”

O voto que prevaleceu no Supremo Tribunal Federal encerra um erro de Lógica Formal ou Menor.

A melhor interpretação abona a conclusão das instâncias inferiores. Obviamente, o diretor não precisa de nenhuma autorização do estatuto social,

I S O SOCIEDADE ANÔNIMA

do conselho de administração ou da assembléia-geral para a prática de atos ou operações que constituírem objeto da sociedade.

O diretor de uma revendedora de automóveis não precisa de nenhuma autorização do estatuto social, do conselho de administração ou da assembléia- geral para vender automóveis. Essa é a regra geral, decorrente da própria Lógica Formal ou Menor, que sequer precisava vir enunciada. Com efeito, seria catas­trófico para o comércio se o diretor de uma empresa constituída para a compra e venda de carros tivesse de convocar a assembléia-geral cada vez que recebesse a proposta de compra de um automóvel exposto na sua vitrine...

A venda de marca registrada não integrava o objeto da Editora LeituraS.A Precisamente porque não é fácil, senão impossível, admitir-se a existên­cia de sociedade tendo por objeto a compra e venda de marcas de indústria e comércio, a ressalva “salvo se esses atos ou operações constituírem objeto da sociedade”, contida no texto do art. 119 do Decreto-lei n. 2.627/40, não podia ser aplicada in casu.

Num ponto apenas o voto proferido no Supremo Tribunal Federal parece acertado. Mas esse ponto ficou apenas sugerido. Trata-se da seguinte afir­mação: “[...] p dispositivo questionado exige interpretação voltada para as circunstâncias de cada caso.” A aplicação de dispositivos legais jamais pode prescindir do exame acurado das circunstâncias fáticas.

No caso em tela, várias circunstâncias fáticas poderiam ser cogitadas para o efeito de influenciar o julgamento. Por exemplo: há quanto tempo a Editora Leitura S.A. registrara a marca “Pais e Filhos”? O prazo de caducidade para o uso exclusivo dessa marca estava prestes a se esgotar? Quanto tempo ainda faltava para o término desse prazo? A Editora Leitura S.A. possuía condições econômicas, financeiras e mercadológicas para explorar, ela mesma, a marca? O preço pago pela marca foi justo? Mas nenhuma dessas questões se acha sequer insinuada no aresto publicado...

8. NORM AS COMUNS A CONSELHEIROS E DIRETORES

As normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração, deveres e responsabilidades dos administradores aplicam-se a conselheiros e diretores (art. 145).

9. DEVERES E RESPONSABILIDADES DOS ADMINISTRADORES

Os deveres dos administradores são, basicamente, três: obediência (à lei e ao estatuto), diligência e lealdade. Alei, neste ponto, mostra-se excessi-

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA l 8l

vãmente minuciosa, detalhada, casuística, como se o legislador duvidasse um pouco da inteligência do intérprete.

Todo o disciplinamento jurídico dos deveres dos administradores e controladores pode resumir-se nesta única parêmia latina: honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não prejudicar a ninguém, dar a cada um 0 que é seu). Atrás desse princípio escondem-se várias regras menores, que não devem, contudo, ofuscá-lo.

Dever de obediência

Obediência significa respeito, acatamento, submissão à lei e ao estatuto social. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão. Responde, porém, civilmente pelos prejuízos que causar, quando proceder com violação da lei ou do estatuto (art. 158 e inc. II). Modalidade de descumprimento do dever de obediência é a prática de ato ultra vires, ou seja, aquele que desborda do objeto da sociedade, definido de modo preciso e completo no estatuto social (art. 20, § 20).

Dever de diligência

Diligência significa cuidado ativo, zelo, aplicação, atividade, rapidez, presteza. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, 0 cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios (art. 153). Diligência é mais que mera prudência.

Dever de lealdade

Lealdade significa sinceridade, franqueza, honestidade.

Corolários do dever de lealdade

São meros corolários do dever de lealdade:

i°) O dever de informar. Este dever desdobra-se em duas vertentes:

Primeira vertente. O administrador de companhia aberta deve:

A) declarar, ao firmar o termo de posse, 0 número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular (art. 157); e

B) revelar à assembléia-geral ordinária, a pedido de acionistas que re­presentem 5% ou mais do capital social: a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas,

182 SOCIEDADE ANÔNIMA

ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou por meio de outras pessoas, no exercício anterior; b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no exercício anterior; c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares {fringe benefits), que tenha recebido ou esteja recebendo da companhia ou de sociedades coligadas, controladas ou do mesmo grupo; d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível; e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia (art. 157, § i°).

Segunda vertente. Os administradores da companhia aberta são obriga­dos a (a) comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de admi­nistração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia (art. 157, § 4o); e (b) informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado, nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posi­ções acionárias na companhia (art. 157, § 6o). A Instrução n. 31, de 8.2.1984, do Colegiado da CVM, dispõe acerca da divulgação e do uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas. A Deliberação n. 68, de 18.10.1988, do Colegiado da CVM, dispõe sobre o dever de comunicar e divulgar fato relevante referente à conversão de créditos externos para inves­timento em companhia aberta. Ainda na linha dessa segunda vertente, 0 legislador de 2001 acrescentou o seguinte parágrafo ao art. 157:

§ 6o Os administradores da companhia aberta deverão informar imedia­tamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da compa­nhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia.

2o) O dever de guardar sigilo. Cumpre ao administrador de companhia aberta guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários (art. 155, § Io). É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 183

tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários (art. 155, § 40).

3 o) O dever de não usurpar oportunidade da companhia. Évedadoaoadministrador: a) usar, em benefício próprio ou de outrem, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; b) omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia, ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; c) adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir (art. 155,1, II e III).

4 °) O dever de só negociar com a companhia em condições razoáveis eeqüitativas. O administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis e eqüitativas, idênticas às que prevalecem no mercado. E, mais, não pode intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, nem na deli­beração que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse (arts. 156 e 117, § i°,f).

5o) O dever de não se valer de informaçõespriuilegiadas na negociação de valores mobiliários da companhia. E vedado ao administrador valer-se de informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários para obter vantagem, para si ou para outrem, mediante compra ou venda de valores mobiliários (art. 155, § i°). Quem descumpre tal dever chama-se “insider trading” ou “insider dealincf'. Nos Estados Unidos, a Securíties and Exchange Commission e a jurisprudência têm ampliado o conceito de insider trading para. estender as punições legais a outras pessoas, além dos administradores e controladores (por exemplo: empregados da companhia, advogados, contadores e até psicanalistas de esposas de executivos).

6o) O dever de votar no interesse da companhia. O administrador acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas (art. 115).

184 SOCIEDADE ANÔNIMA

7o) O dever de abster-se de votar em certas circunstâncias. O adminis­trador não poderá votar, como acionista ou procurador, os docu­mentos da administração, na assembléia-geral ordinária (art. 134, § i°). Tal proibição não se aplica quando, nas sociedades fechadas, os diretores forem os únicos acionistas (art. 134, § 6o).

8o) O dever de abster-se de praticar ato de liberalidade à custa da companhia (art. 154, § 20, d).

9o) O dever de não tomar por empréstimo bem da companhia sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de admi­nistração (art. 154, § 2o, b). O diretor ou o gerente que toma emprésti­mo à sociedade sem prévia autorização da assembléia-geral comete o crime previsto no art. 177, § i°, III, do Código Penal.

10o) O dever de não usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, de bens, serviços ou crédito da companhia (art. 154, § 2°, b). O diretor ou o gerente que usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia-geral, comete o crime tipificado no art. 177, § 1°, III, do Código Penal.

11o) O dever de não receber, sem autorização estatutária ou da assembléia- geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício do cargo de administrador (art. 154, § 2o, c).

12o) O dever de garantir a gestão, quando exigido pelo estatuto social (art. 148).

O rol de regras acima é meramente enunciativo ou exemplificativo. Ele não esgota todas ás modalidades do dever de lealdade dos administradores, esparsas ou implícitas na lei.

A Comissão de Valores Mobiliários já baixou Instruções detalhadas sobre o dever de lealdade (Instrução n. 31, de 8.2.1984). Como tal dever se aplica a todos os administradores de companhia (tanto das fechadas quanto das abertas), não se deve descartar a aplicação da Instrução n. 31 às compa­nhias fechadas, com todas as adaptações devidas.

O descumprimento dè qualquer dos deveres acima (obediência, diligência e lealdade) acarreta a responsabilidade civil do administrador. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão (art. 158). Responde, porém, civilmente pelos prejuízos que causar: I - com descumprimento do dever de obediência (à lei e ao estatuto); II - dentro de suas atribuições ou poderes, com descumprimento dos deveres de diligência e lealdade (ver art. 158,1 e II).

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 1 8 5

A responsabilidade de cada administrador é pessoal, cada um respon­dendo pelos seus próprios atos. Contudo, os administradores são solidaria­mente responsáveis: I - pelos prejuízos causados em virtude do não-cumpri- mento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que tais deveres não caibam a todos eles; II - se, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente, deixaram de comunicar o fato à assem­bléia-geral; III - se concorrerem para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto, com 0 fim de obterem vantagem para si próprios, ou para outrem.

Os controladores de companhias sujeitam-se mesmos deveres dos admi­nistradores.

10. DIRETORES E DIREITO DO TRABALHO

Na área trabalhista, a discussão sobre a natureza do vínculo entre o administrador e a companhia acarreta reflexos inevitáveis na caracterização da remuneração daquele. O assunto é polêmico. Wilson de Souza Campos Batalha refere-se à vexata quaestio demonstrando a tendência, que se acentu­ara na doutrina e nos tribunais, no sentido de entender-se configurada a relação de emprego quando o diretor, embora exercendo aparentemente ati­vidades típicas dessa função, na realidade atua subordinadamente e dedica à sociedade uma atividade puramente técnica, quer na produção, quer na admi­nistração, detendo parcela mínima do capital social, ou não detendo dele parcela alguma, sem poder efetivo de mando e sim atendendo a ordens e determinações superiores (Batalha, 1977, II:66i). A princípio, é difícil enten­der a existência dessa subordinação ou dependência hierárquica do adminis­trador numa companhia, a fim de caracterizar o contrato de trabalho. A Lei das Sociedades por Ações prevê a possibilidade de celebração de contratos de trabalho entre a companhia e seus administradores (art. 157, § i°, d). Mas tal dispositivo apenas facilita, sem definir, a solução do problema. Ele não exclui e, pelo contrário, párece sugerir a existência do diretor-não-empregado de uma companhia. Pensamos ser correta a distinção entre administrador-em- pregado e administrador-não-empregado de uma companhia. Empregado seria aquele, já titular desse status, alçado à posição de administrador e que, teria 0 contrato de trabalho suspenso, como quer Délio Maranhão (Maranhão, 1978:63). Não-empregado seria o administrador já contratado como tal, para administrar a sociedade. ísis de Almeida, que discorda de Délio Maranhão quanto à suspensão do contrato de trabalho nas circunstâncias descritas (para ele, o contrato de trabalho subsiste quando o empregado é alçado à condição de diretor), entende que se o empregado vier a fazer parte

i86 SOCIEDADE ANÔNIMA

da diretoria possuindo ações em quantidade excessiva, que o equiparem aos acionistas detentores da maioria das ações, a hipótese é de rescisão mesma do contrato (Almeida, 1978:28).

Em síntese feliz sobre esta problemática, Maurício Godinho Delgado assim se expressa:

D IR ETO RES EM P R EG A D O S

Há duas grandes orientações a respeito da temática: a vertente tradicional, negativista, que percebe uma incompatibilidade de situações (a diretiva e a subordinada), conduzindo à inviabilidade de se acatar a presença da rela­ção empregaticia para tais Diretores. Há dois veios explicativos na vertente tradicional: por um, 0 Diretor seria mandatário da sociedade que dirige (e representa), razão pela qual não poderia, ao mesmo tempo, representar e su­bordinar-se a si mesmo.

O segundo veio da corrente negativista sustenta que 0 Diretor é órgão da sociedade - e não mandatário - (0 mandato pressupõe dois sujeitos), [atua] como uma pessoa física, da qual depende 0 funcionamento da própria pessoa jurídica [e] não pode ser, conse- guintemente, empregado da sociedade, da qual integra um dos órgãos.

A vertente moderna percebe a especifi­cidade da relação jurídica estabelecida entre 0 Diretor contratado e a sociedade, sem deixar de vislumbrar a real ocorrência de contrato de emprego entre 0 Executivo escolhido (mesmo eleito) para compor a Diretoria de urría socieda­de e esta pessoa jurídica. Como homens de trabalho, subordinados ao conselho de adminis­tração que os pode destituir a qualquer tempo, hão de ser necessariamente os diretores classifi­cados como empregados, já que a subordinação é 0 traço característico do contrato de trabalho. Nessa linha, a Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76, art. 157, § 1o, d) refere-se a "... condições dos contratos de trabalho que te­nham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível”.

Ainda que considerados empregados, os Diretores serão sempre demissíveis ad nutum,

dada a peculiaridade de seus contratos e ex­pressa autorização legal (art. 143, caput, Lei n. 6 .404/76). Tal autorização, integrando os seus contratos, para todos os efeitos, tem ca­ráter de cláusula de pré-aviso antecipado no contrato a prazo especial firmado pelos Direto­res (a Lei n. 6 .404 /76 estabelece mandato de até três a n o s -a r t . 143, III). Assim, acionada a cláusula pela dispensa antecipada, incide 0 art. 481, CLT, cabendo ao Diretor dispensado aviso prévio e demais verbas rescisórias.

E M P R EG A D O ELE ITO D IR ETO R

Em torno a essa hipótese distinta (empre­gado antigo que é alçado a Diretor da empre­sa), a doutrina cindiu-se em quatro posições diferenciadas. Russom ano entende que 0 contrato de emprego se extingue, dada a in­compatibilidade dos cargos e funções.

Maranhão percebe, no caso, simples sus­pensão do contrato de emprego. A seu favor, 0 Enunciado 269, TST: “Em pregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se compu­tando 0 tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de em prego.”

Uma terceira vertente compreende verifi­car-se, no caso, interrupção da prestação de serviços, de modo que 0 período despendido na Diretoria é computado no tempo de serviço do em pregado. Trata -se de uma exegese construída a partir do art. 499, CLT, embora 0 dispositivo, na verdade, se refira a empregado ocupante de cargo de confiança, não a mem­bro de Diretoria da empresa.

A quarta posição, defendida por Antero de Carvalho e Octávio Bueno M agano, sustenta que “a eleição não altera a situação jurídica do em pregado que continua, como em prega-

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 187

do, a desfrutar dos direitos inerentes a essa gado (no caso, passa a prestá-los como Dire-condição. tor e não mais como em pregado”.

Os efeitos jurídicos da terceira e quarta (D ELG AD O , Maurício Godinho. Sujeitos do posição se eqüivalem , fundam entalm ente, contrato de trabalho: 0 empregado. Curso dedado que a interrupção preserva em vigência direito do trabalho: estudos em memória detodas as cláusulas contratuais, exceto aquela Célio Goyatá. São Paulo: LTr, 1993, v. I, p.relativa à prestação de serviços, pelo em pre- 256-283).

Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, em excelente livro intitulado “Relação de emprego — Estrutura legal e supostos”, analisa detida e profundamente a natureza da relação entre a companhia e o seu diretor, examina vasta doutrina e apresenta um relatório completo e atualizado da jurisprudência. Com esse robusto suporte, apresenta 0 seu pensamento pessoal de modo claro e elegante. Ao fazê-lo, discrimina uma série de situações fáticas que deveriam ser consideradas.

Os seguintes excertos da obra do ilustre professor mostram a importância dessa discriminação:

“É indispensável entender-se que, mesmo no quadro jurídico formal­mente predisposto pelo direito comercial, há diretores e diretores. De um lado, aparecem aqueles que vêm com suas atribuições definidas pelos estatu­tos, cujas esferas de ação não sofrem interferência de outro órgão qualquer da sociedade e cujas responsabilidades somente decorrem do exercício normal ou regular do cargo, evidentemente atendendo-se à interligação como um todo harmônico dos demais órgãos diretivos da empresa. Se muitos deles atuam com poderes dè mando e gestão e representação definidos e intocáveis, até chegar-se aos incólumes cimos do diretor-presidente, ou aos amplos e até discricionários poderes de um diretor-superintendente, outros, porém, são limitados em suas funções, não as têm fixadas nos estatutos (diretores inominados) ou desenvolvem sua força-trabalho agregados a outros diretores (os chamados diretores adjuntos). Em geral, esses diretores - conquanto eleitos - os adjuntos e os sem designação especial (inominados) não têm a faculdade de substituírem os diretores qualificados (o presidente, o vice-presi­dente, o comercial, o superintendente, etc.) em suas ausências ou impedimentos e, quando ocorre, entre eles, 'substituição', esta se dá por ordem ou determi­nação superior. Verifica-se, pois, dessa distinção que, mesmo no quadro da diretoria eleita, ocorre uma diferença qualitativa no comportamento entre uns e outros diretores, diferença essa que, embora da mecânica e do sistema de mobilidade dos órgãos diretivos entre si, se vista sob o prisma objetivo das relações de poderes entre eles desenroladas, caracterizadamente pode chegar a um sensível grau de subordinação na prestação de trabalho, bastante para

188 SOCIEDADE ANÔNIMA

esmaecer a qualificação estatutário-comercial do administrador, propiciando um seu deslocamento para a esfera do Direito do Trabalho. Note-se que o aspecto formal, aqui, recua, cede e há de ser ponderado conjugadamente com a irupção de outros muitos e seqüentes atos-fatos que o extravasam, que a ele bem não se ajustam como uma realidade paralela, efetivamente vivida no intramuros de uma administração empresária. [...]. “Vê-se que a posição de cada diretor eleito conforma uma situação jurídica peculiar e diversa e um caso específico a ser detalhadamente examinado e julgado na hipótese de controvérsia topicamente deduzida em juízo”'3 (Ribeiro de Vilhena, 1999: 637/638 e 648).

Essa conclusão revela a importância e a atualidade da velha máxima legada pelos juristas romanos: minima circumstantia factimagnam inducit diversitatem juris (a menor circunstância fática pode produzir a maior diver­sidade jurídica). Contudo, em seu estudo, Ribeiro de Vilhena também de­monstra que se surpreende, sobretudo na jurisprudência brasileira, uma certa indiscriminação, que não atenta para determinados fenômenos relacionais, como os apontados nos excertos acima transcritos.

O art. 9o do atual Regulamento da Previdência Social, Decreto n. 3.048, de 6.5.1999, modificado pelo Decreto n. 3.265, de 29.11.1999, depois de espe­cificar os segurados obrigatórios da previdência social, acrescenta o seguinte, em seus §§ 2° e 30:

§ 2o Considera-se diretor empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja contratado ou promovido para cargo de direção das sociedades anônimas, mantendo as caracterís­ticas inerentes à relação de emprego.§ 3o Considera-se diretor não empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja eleito, por assembléia- geral dos acionistas, para cargo de direção das sociedades anônimas, não mantendo as características inerentes à relação de emprego.

u. REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR: PARTE FIXA EPARTE VARIÁVEL

Art. 152. A assembléia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabili­dades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado.

13 Os grifos não constam do original.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 189

A realidade demonstra que os benefícios adicionais {fringe benefits) constituem parte significativa da remuneração dos administradores e, não raro, a superam. Muitas companhias pagam o aluguel, o motorista, o combus­tível, 0 telefone e, algumas, até os auxiliares domésticos das residências de seus administradores.

A remuneração do administrador de companhia pode comportar duas partes heterogêneas: uma fixa, denominada retiradapro labore, e outra variável, consistente na participação nos lucros da companhia. Esta última será devida, ou não, dependendo do que dispuser o estatuto social. Contudo, o estatuto somente pode prever a participação do administrador nos lucros quando, simultaneamente, fixar o dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% do lucro líquido. E mais, ainda que prevista no estatuto, a participação do adminis­trador nos lucros somente poderá ser paga naquele exercício em relação ao qual for, efetivamente, atribuído aos acionistas 0 dividendo obrigatório, de que trata o art. 202 (art. 152, § 2°).

Exceção

Na companhia fechada que tiver menos de 20 acionistas, com patrimônio líquido inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), o paga­mento da participação do administrador nos lucros poderá ser feito sem observância do disposto no § 20 do art. 152, desde que aprovada pela unani­midade dos acionistas, salvo se se tratar de “companhia controladora de grupo de sociedades, ou a ela filiadas” (art. 294, §§ 20 e 30).

12. CASO CAETANO BRANCO

(TJSC, Apelação Cível n. 12.183 - Joaçaba, j. 11.12.1980, Jurisprudência Brasileira - JB: 64:247-248)

João Maier ajuizou ação ordinária contra a Caetano Branco S.A.Na ação, alega o seguinte: 1) era empregado da ré quando esta se trans­

formou em sociedade anônima em 15.8.1966; 2) foi eleito em 14.4.1968, e reeleito em 29.4.1972, para exercer as funções de diretor comercial perceben­do um “pro labore”, a título de salário idêntico ao dos diretores em exercício; aos 29.4.1972, fora reeleito para um mandato de seis anos; 3) 0 término do seu mandato estava previsto para 1978, mas foi destituído, antecipadamente, no dia 13.10.1973; 4) além da retirada mensal, os diretores usufruíram de uma vantagem de 10% sobre os lucros líquidos apurados no fim de cada exercício desde a transformação em sociedade anônima; 5) percebeu essa gratificação no ano de 1972; 6) na reforma estatutária realizada em assembléia-geral datada de 13.10.1973, essa vantagem teria ficado inalterada e a sua participação

190 SOCIEDADE ANÔNIMA

atingiu um índice de 3,33%; 7) no ano de 1973, não percebeu essa partici­pação, embora, em princípio, lhe coubesse o direito a uma parte dela, propor­cionalmente ao tempo em que estivera no cargo; 8) a extinção do cargo que ocupava e seu afastamento foram medidas precipitadas e injustas, com a intenção única de prejudicá-lo e causar-lhe prejuízos materiais e morais; 9) essa atitude apresenta-se como um revide pelo fato de ter constatado diversas irregularidades, enumeradas na inicial, que prejudicavam os interesses da empresa; 10) a responsabilidade pelas irregularidades enumeradas é de responsabilidade dos diretores em exercício.

Com a ação ordinária, João Maier visa ao ressarcimento de prejuízos sofridos pela sua destituição antecipada. Os prejuízos corresponderiam aos salários não percebidos durante quatro anos e seis meses, a título de “pro labore” e mais uma percentagem de 3,33% sobre o lucro líquido obtido desde 1973 até o término de seu mandato, previsto para 1978.

A companhia contestou a ação. No mérito, sustentou o descabimento da indenização, alegando o seguinte: 1) 0 autor já recebera o que lhe era devido; 2) 0 afastamento do autor foi decidido em assembléia-geral, com poderes para excluir e reduzir o tempo do mandato dos respectivos diretores; 3) 0 autor não se insurgiu contra a decisão da assembléia-geral no tempo oportuno; 4) o procedimento do autor com a empresa era bastante censu­rável e incompatível com os interesses societários; 5) havia total desen- trosamento do autor com os demais diretores, com os quais não se comu­nicava por um período de cinco meses.

O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação. Condenou a Caetano Branco a pagar uma indenização a título de participação nos lucros sociais até a sua destituição.

A Caetano Branco recorreu. Em seu recurso, alega: 1) que as deliberações da assembléia-geral são soberanas e que o mandato dos diretores é revogável ad nutum; 2) que o administrador não tem direito a indenização por perdas e danos de qualquer natureza, porquanto a sociedade anônima, demitindo-o, usou de um direito inerente à natureza do próprio contrato; 3) que a assembléia-geral tem a faculdade de destituir diretor da sociedade sem necessidade de justificar a destituição, de modo que é incabível indeni­zação a qualquer título.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu o seguinte: “A sentença apelada negou a indenização pretendida pelo apelado justamente pelo motivo a que se refere a apelante. A condenação refere-se tão-somente ao pagamento da percentagem sobre os lucros líquidos da sociedade relativos ao exercício de 1973, proporcionalmente ao período de tempo em que o apelado [João Maier] exerceu a função de diretor comercial da sociedade. E nesse sentido a decisão

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 191

está seguramente fundamentada na jurisprudência e na doutrina, salientando o magistrado a opinião do emérito Trajano de Miranda Valverde, que assim preleciona: ‘Relativamente à percentagem sobre os lucros líquidos, que se apuram no fim de cada exercício, o diretor que deixar o cargo durante o exercício tem, em princípio, direito a uma participação deles, proporcional­mente ao tempo em que esteve em função’.”

13. CASO GALANT

(RTJ-SYF 63/133)

José Schamann Galant era diretor vice-presidente de duas companhias seguradoras: a Mauá Cia. de Seguros Gerais e outra. No dia 12 de setembro, o Sr. Galant renunciou aos seus cargos. Na mesma época, efetuou (verbis) “a venda do controle acionário (das duas companhias), inclusive de suas ações, por preço superior ao de uma venda comum”. Segundo o termo, lavrado no livro próprio, ele efetuou (verbis) “a cessão de todos os direitos passados e futuros correspondentes às ações alienadas”. O art. 29 do estatuto de cada uma das companhias estipulava que os diretores teriam uma participação nos lucros líquidos apurados no final do exercício. Posteriormente, Galant ajuizou ação contra a sociedade para haver, pro rata temporis (proporcionalmente ao tempo em que permaneceu na função), quinhão da comissão distribuída à diretoria, nos termos dos estatütos das companhias, correspondentes aos lucros apurados nos balanços de dezembro no ano em que se afastou.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu 0 caso em acórdão assim ementado: “A apuração dos lucros só ocorre no encerramento do exercício, e à sua participação só acorrem os atuais diretores.”

O Sr. Galant recorreu para Brasília, invocando dissídio pretoriano e indicando, como paradigma, acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo assim ementado: “Se a assembléia-geral de sociedade anônima fixa determi­nada quantia para ser distribuída entre os diretores, a repartição deverá ser feita proporcionalmente aos vencimentos de cada um e ao tempo em que permaneceu no cargo, durante o' ano” {RT27S/2J6).

Comentário do Caso Galant

(A)

Observe 0 leitor, na lição de Trajano de Miranda Valverde, citada no julgamento do caso Caetano Branco, a expressão “em princípio”. “O diretor que deixar o cargo durante o exercício tem, em princípio, direito a uma participação [...].”

i88 SOCIEDADE ANÔNIMA

esmaecer a qualificação estatutário-comercial do administrador, propiciando um seu deslocamento para a esfera do Direito do Trabalho. Note-se que o aspecto formal, aqui, recua, cede e há de ser ponderado conjugadamente com a irupção de outros muitos e seqüentes atos-fatos que o extravasam, que a ele bem não se ajustam como uma realidade paralela, efetivamente vivida no intramuros de uma administração empresária. [...]. “Vê-se que a posição de cada diretor eleito conforma uma situação jurídica peculiar e diversa e um caso específico a ser detalhadamente examinado e fulgado na hipótese de controvérsia topicamente deduzida em juízo"'3 (Ribeiro de Vilhena, 1999: 637/638 e 648).

Essa conclusão revela a importância e a atualidade da velha máxima legada pelos juristas romanos: minima circumstantia fa cti magnam inducit diversitatem juris (a menor circunstância fática pode produzir a maior diver­sidade jurídica). Contudo, em seu estudo, Ribeiro de Vilhena também de­monstra que se surpreende, sobretudo na jurisprudência brasileira, uma certa indiscriminação, que não atenta para determinados fenômenos relacionais, como os apontados nos excertos acima transcritos.

O art. 9o do atual Regulamento da Previdência Social, Decreto n. 3.048, de 6.5.1999, modificado pelo Decreto n. 3.265, de 29.11.1999, depois de espe­cificar os segurados obrigatórios da previdência social, acrescenta o seguinte, em seus §§ 20 e 30:

§ 2o Considera-se diretor empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja contratado ou promovido para cargo de direção das sociedades anônimas, mantendo as caracterís­ticas inerentes à relação de emprego.§ 3o Considera-se diretor não empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja eleito, por assembléia- geral dos acionistas, para cargo de direção das sociedades anônimas, não mantendo as características inerentes à relação de emprego.

11. R EM U N ER AÇÃO DO A D M IN ISTRAD O R : PA R TE FIX A EPARTE VARIÁVEL

Art. 152. A assembléia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabili­dades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado.

13 Os grifos não constam do original.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 189

A realidade demonstra que os benefícios adicionais (fringe benefits) constituem parte significativa da remuneração dos administradores e, não raro, a superam. Muitas companhias pagam o aluguel, o motorista, o combus­tível, o telefone e, algumas, até os auxiliares domésticos das residências de seus administradores.

A remuneração do administrador de companhia pode comportar duas partes heterogêneas: uma fixa, denominada retirada pro labore, e outra variável, consistente na participação nos lucros da companhia. Esta última será devida, ou não, dependendo do que dispuser 0 estatuto social. Contudo, 0 estatuto somente pode prever a participação do administrador nos lucros quando, simultaneamente, fixar o dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% do lucro líquido. E mais, ainda que prevista no estatuto, a participação do adminis­trador nos lucros somente poderá ser paga naquele exercício em relação ao qual for, efetivamente, atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório, de que trata o art. 202 (art. 152, § 2o).

Exceção

Na companhia fechada que tiver menos de 20 acionistas, com patrimônio líquido inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), o paga­mento da participação do administrador nos lucros poderá ser feito sem observância do disposto no § 20 do art. 152, desde que aprovada pela unani­midade dos acionistas, salvo se se tratar de “companhia controladora de grupo de sociedades, ou a ela filiadas” (art. 294, §§ 20 e 30).

12. CASO CAETANO BRANCO

(TJSC, Apelação Cível n. 12.183 _ Joaçaba, j. 11.12.1980, Jurisprudência Brasileira - JB: 64:247-248)

João Maier ajuizou ação ordinária contra a Caetano Branco S A.Na ação, alega o seguinte: 1) era empregado da ré quando esta se trans­

formou em sociedade anônima em 15.8.1966; 2) foi eleito em 14.4.1968, e reeleito em 29.4.1972, para exercer as funções de diretor comercial perceben­do um “pro labore”, a título de salário idêntico ao dos diretores em exercício; aos 29.4.1972, fora reeleito para um mandato de seis anos; 3) o término do seu mandato estava previsto para 1978, mas foi destituído, antecipadamente, no dia 13.10.1973; 4) além da retirada mensal, os diretores usufruíram de uma vantagem de 10% sobre os lucros líquidos apurados no fim de cada exercício desde a transformação em sociedade anônima; 5) percebeu essa gratificação no ano de 1972; 6) na reforma estatutária realizada em assembléia-geral datada de 13.10.1973, essa vantagem teria ficado inalterada e a sua participação

190 SOCIEDADE ANÔNIMA

atingiu um índice de 3,33%; 7) no ano de 1973, não percebeu essa partici­pação, embora, em princípio, lhe coubesse o direito a uma parte dela, propor­cionalmente ao tempo em que estivera no cargo; 8) a extinção do cargo que ocupava e seu afastamento foram medidas precipitadas e injustas, com a intenção única de prejudicá-lo e causar-lhe prejuízos materiais e morais; 9) essa atitude apresenta-se como um revide pelo fato de ter constatado diversas irregularidades, enumeradas na inicial, que prejudicavam os interesses da empresa; 10) a responsabilidade pelas irregularidades enumeradas é de responsabilidade dos diretores em exercício.

Com a ação ordinária, João Maier visa ao ressarcimento de prejuízos sofridos pela sua destituição antecipada. Os prejuízos corresponderiam aos salários não percebidos durante quatro anos e seis meses, a título de “pro labore” e mais uma percentagem de 3,33% sobre o lucro líquido obtido desde 1973 até 0 término de seu mandato, previsto para 1978.

A companhia contestou a ação. No mérito, sustentou o descabimento da indenização, alegando o seguinte: 1) o autor já recebera o que lhe era devido; 2) o afastamento do autor foi decidido em assembléia-geral, com poderes para excluir e reduzir o tempo do mandato dos respectivos diretores; 3) o autor não se insurgiu contra a decisão da assembléia-geral no tempo oportuno; 4) o procedimento do autor com a empresa era bastante censu­rável e incompatível com os interesses societários; 5) havia total desen- trosamento do autor com os demais diretores, com os quais não se comu­nicava por um período de cinco meses.

0 magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação. Condenou a Caetano Branco a pagar uma indenização a título de participação nos lucros sociais até a sua destituição.

A Caetano Branco recorreu. Em seu recurso, alega: 1) que as deliberações da assembléia-geral são soberanas e que o mandato dos diretores é revogável ad nutum, 2) que 0 administrador não tem direito a indenização por perdas e danos de qualquer natureza, porquanto a sociedade anônima, demitindo-o, usou de um direito inerente à natureza do próprio contrato; 3) que a assembléia-geral tem a faculdade de destituir diretor da sociedade sem necessidade de justificar a destituição, de modo que é incabível indeni­zação a qualquer título.

0 Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu 0 seguinte: “A sentença apelada negou a indenização pretendida pelo apelado justamente pelo motivo a que se refere a apelante. A condenação refere-se tão-somente ao pagamento da percentagem sobre os lucros líquidos da sociedade relativos ao exercício de 1973, proporcionalmente ao período de tempo em que o apelado [João Maier] exerceu a função de diretor comercial da sociedade. E nesse sentido a decisão

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 191

está seguramente fundamentada na jurisprudência e na doutrina, salientando o magistrado a opinião do emérito Trajano de Miranda Valverde, que assim preleciona: ‘Relativamente à percentagem sobre os lucros líquidos, que se apuram no fim de cada exercício, o diretor que deixar o cargo durante o exercício tem, em princípio, direito a uma participação deles, proporcional­mente ao tempo em que esteve em função’.”

13. CASO GALANT

{RTJ-ST¥ 63/133)

José Schamann Galant era diretor vice-presidente de duas companhias seguradoras: a Mauá Cia. de Seguros Gerais e outra. No dia 12 de setembro, o Sr. Galant renunciou aos seus cargos. Na mesma época, efetuou {verbis) “a venda do controle acionário (das duas companhias), inclusive de suas ações, por preço superior ao de uma venda comum”. Segundo o termo, lavrado no livro próprio, ele efetuou (verbis) “a cessão de todos os direitos passados e futuros correspondentes às ações alienadas”. O art. 29 do estatuto de cada uma das companhias estipulava que os diretores teriam uma participação nos lucros líquidos apurados no final do exercício. Posteriormente, Galant ajuizou ação contra a sociedade para haver, pro rata temporis (proporcionalmente ao tempo em que permaneceu na função), quinhão da comissão distribuída à diretoria, nos termos dos estatutos das companhias, correspondentes aos lucros apurados nos balanços de dezembro no ano em que se afastou.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu 0 caso em acórdão assim ementado: “A apuração dos lucros só ocorre no encerramento do exercício, e à sua participação só acorrem os atuais diretores.”

O Sr. Galant recorreu para Brasília, invocando dissídio pretoriano e indicando, como paradigma, acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo assim ementado: “Se a assembléia-geral de sociedade anônima fixa determi­nada quantia para ser distribuída entre os diretores, a repartição deverá ser feita proporcionalmente aos vencimentos de cada um e ao tempo em que permaneceu no cargo, durante o ano” (RT278/276).

Comentário do Caso Galant

(A)

Observe o leitor, na lição de Trajano de Miranda Valverde, . citada no julgamento do caso Caetano Branco, a expressão “em princípio”. “O diretor que deixar o cargo durante o exercício tem, em princípio, direito a uma participação [...].”

192 SOCIEDADE ANÔNIMA

Quando tribunais diferentes julgam matéria semelhante de maneira dessemelhante, cabe recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, ao qual compete uniformizar a jurisprudência do país. Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (Constituição Federal de 1988, art. 105, III, letra c). Quando as interpretações divergentes promanarem de um mesmo tribunal, entende-se que este alterou 0 seu posicionamento, não cabendo 0 recurso especial.

Em matéria de Direito, a menor circunstância fática acarreta enorme diversidade jurídica. Por isso mesmo, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça mostra-se bastante exigente na comprovação do dissídio pretoriano. O recorrente deverá não apenas anexar comprovantes autenticados dos acórdãos divergentes ou efetuar citação do repositório oficial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se acham publicados, como também transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando, analiticamente, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados (R/STJ, art. 255).

(B)

Esse caso, julgado pela justiça gaúcha e pelo Supremo Tribunal Federal, provoca algumas reflexões sobre o problema da remuneração dos administra­dores de sociedades anônimas.

A sedes materiaeàdL disciplina jurídica desse assunto acha-se no art. 152.Antes de abordarmos a temática sugerida pelo enunciado do caso

Galant, convém esclarecer alguns pontos.Se é possível vender ações sem alienar o controle acionário da compa­

nhia, a recíproca não é verdadeira: não é possível alienar o controle acionário de uma companhia sem vender ações dela. O que é possível, sim, é alienar o controle acionário sem vender todas as ações da sociedade. Assim, ao que tudo indica, Galant terá vendido todas as suas ações, não apenas aquelas necessárias para assegurar o controle das duas seguradoras, como todas as demais, por ele possuídas nas duas companhias.

Outra observação diz respeito à informação de que as ações foram vendi­das “por preço superior ao de uma venda comum”. O preço de uma venda comum seria o preço de mercado - o valor de cotação ou aquele fixado, normalmente, pela lei da oferta e da procura. Tudo leva a crer que influiu, na formação do preço das ações do Sr. Galant o fato de elas representarem o controle das duas companhias.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 193

No caso real em tela, não se sabe se as duas companhias eram abertas ou fechadas, o que teria alguns reflexos jurídicos importantes, como se verá a seguir. Também não há informações sobre a espécie ou a forma das ações de Galant.

A alienação de controle da companhia aberta depende de prévia autori­zação da Comissão de Valores Mobiliários (art. 254-A, § 20). No caso de seguradoras constituídas sob a forma de companhia, a alienação do controle está sujeita à prévia autorização do órgão competente para aprovar a alteração do seu estatuto (art. 255).

(C)

A remuneração dos administradores de companhias pode comportar duas partes heterogêneas: uma fixa, denominada retiradapro labore, e outra variável, consistente na participação nos lucros da companhia. Esta última será devida ou não, dependendo do que dispuser o estatuto social. ,

, O estudo da retirada pro labore requer considerações de ordem trabalhista e tributária.

Na órbita tributária, o legislador estabelece limites máximos de remune­ração, caracterizando eventuais excessos como distribuição disfarçada de lucros, com repercussões fiscais mais ou menos gravosas.14

Na área trabalhista, a discussão sobre a natureza do vínculo entre o admi­nistrador e a companhia acarreta reflexos inevitáveis na caracterização da remuneração daquele. O assunto é polêmico, como já vimos anteriormente.

Contudo, o caso Galant não se desenrolou no contexto de uma reclamação trabalhista. No caso em foco, 0 autor, certamente, não era um empregado.

(D)

A pretensão do Sr. Galant referia-se à parte variável da remuneração, consistente na participação nos lucros das companhias.

Essa participação só é devida quando prevista estatutariamente. E o estatuto só a pode prever quando, simultaneamente, fixar 0 dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% do lucro líquido ajustado e distribuível. Não me parece que a limitação descrita na letra c, § 20, do art. 152 conceda uma licença para que a assembléia-geral possa autorizar o pagamento da participação nos lucros aos administradores independentemente de autori­zação estatutária expressa.

14 Leia-se a propósito, com proveito, a monografia de René Isoldi Ávila: Distribuição disfarçada de lucros. Porto Alegre: Síntese, 1978.

194 SOCIEDADE ANÔNIMA

Mas não é só. Os administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em relação ao qual for efetivamente atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório previsto.

Para efeito de dar seqüência ao raciocínio, admitamos, pois, o seguinte:a) os estatutos das companhias seguradoras fixavam o dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% do lucro líquido ajustado e distribuível; b) os estatutos das companhias previam a participação dos administradores nos lucros; e c) as duas companhias distribuíram 0 dividendo obrigatório.

(E)

Com esse equacionamento, assim ficou delimitada a questão no caso Galant: o administrador que se afasta em setembro faz jus à participação nos lucros sociais, pro rata temporis?

Se se configurar a remuneração dos administradores de sociedades por ações como salário, poder-se-á deixar influenciar, à primeira vista, pela lem­brança de que, na legislação trabalhista, o empregado faz jus a 13o salário, férias, e outros benefícios, proporcionalmente ao tempo em que permaneceu no emprego.

Há a ponderar, ainda, que, no caso Galant, não há indícios de que tenha sido efetuado qualquer levantamento da seqüência de formação dos lucros, mês a mês.

(F)

O juiz de direito da 6a vara cível de Porto Alegre deu pela procedência do pedido de Galant (verbis) “considerando que a transferência das ações feita pelo autor, com a cessão de todos os direitos passados e futuros a elas corres­pondentes (dividendos, etc.) não abrange as comissões a serem distribuídas aos diretores, por tratar-se de crédito inteiramente distinto, com caráter de remuneração pro laboré'.

Como se vê, 0 magistrado de primeiro grau distinguiu, corretamente, 0 status de acionista daquele de diretor, eventualmente possuídos pela mesma pessoa física. Percebeu, com precisão, a independência dos dois statas, nos termos do art. 146, uma vez que 0 diretor pode ser acionista ou não.

A corte estadual gaúcha, entretanto, fixou-se na distinção entre diretor e ex-diretor. E enfocou um outro aspecto da questão. Assim, dando provi­mento ao apelo das duas seguradoras, decidiu que (verbis) “a apuração dos lucros só ocorre no final do exercício, e à sua participação só acorrem os atuais diretores”.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 195

O recurso extraordinário que se seguiu não foi conhecido pelo Supremo Tribunal Federal.15

Pela discussão travada na Suprema Corte, infere-se que 0 Tribunal gaúcho terá sido influenciado pela circunstância fática de haver Galant efe­tuado a venda de suas ações por preço superior ao de uma venda comum. Eis o teor da ementa do acórdão proferido no recurso extraordinário: “No caso, o acórdão impugnado, interpretando dispositivo estatutário e os efeitos da renúncia de um diretor no meio do exercício do mandato, atendeu à circuns­tância de haver ele feito a venda do controle acionário, inclusive de suas ações, por preço superior ao de uma venda comum, e, diante desses fatos, que são ponderáveis, decidiu não lhe caber a gratificação fixada em assembléia do exercício seguinte, pelos adquirentes daquele controle e que constituíam a nova diretoria, sob cuja direção se encerrara 0 balanço.”

(G)

Aparentemente, a Corte gaúcha ignorou a distinção corretamente efe­tuada pelo magistrado de primeiro grau, e considerou que a cessão de todos os direitos, passados e futuros, correspondentes às ações alienadas, implicava a renúncia dos direitos relativos ao status de diretor.

Sob esse aspecto particular, a decisão merece duplo reparo. Primeiro, por não distinguir os direitos decorrentes do status de acionista daqueles derivados da condição de diretor. Em segundo lugar, porque admitiu uma renúncia tácita. Como diz Caio Mário da Silva Pereira (1961,1:333), “a mani­festação de renunciamento há de ser inequívoca”.

14. A ÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CON TR A AD M IN IS­TRADORES

Este tópico preocupa-se, principalmente, com a problemática do art. 159.Ação social originária é aquela proposta pela sociedade contra 0 (ex-)admi-

nistrador, visando a obter o ressarcimento de um prejuízo causado ao patrimônio social (art. 159, caput).

Ação social derivada é aquela proposta pelo acionista com base nos §§ 3o e 4o do art. 159, visando a obter o ressarcimento de um prejuízo causado ao patrimônio social. A ação é proposta em nome do acionista. Os resultados dela deferem-se à companhia; contudo, esta deverá indenizar o autor da ação

15 Quando do julgamento deste caso, ainda não fora criado o Superior Tribunal de Justiça.

196 SOCIEDADE ANÔNIMA

até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados (art. 159, § 50).

Ação individualé aquela proposta por acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato do administrador, com base no § 70 do art. 159, visando a obter o ressarcimento de prejuízo causado ao autor da ação.

A jurisprudência brasileira caracteriza-se por certa rarefação em tema de ação de responsabilidade civil contra administradores e controladores de companhia.

15. DIRETOR DE FATO E TEORIA DA APARÊN CIA

A jurisprudência tem deparado com situações em que a sociedade, acio­nada, se defende, alegando que 0 ato submetido à apreciação judicial não lhe é imputável, porque praticado por pessoa não investida na função de diretor. Freqüentemente, nesses casos, constata-se que a situação foi criada com o conhecimento presumido da sociedade e se caracterizava como apta a enganar o terceiro de boa-fé. Em situações como essa, a jurisprudência tem aplicado a teoria da aparência; e, com base nessa teoria, vem amparando o terceiro de boa-fé. Os casos abaixo ilustram a aplicação da teoria da aparência.

16. CASO ICARAÍ

(Superior Tribunal de Justiça, Agravo regimental no agravo de instru­mento n. 28.633-7 - RJ, j. un. 21.9.1993. Agravante: Icaraí Auto Trans­porte Ltda.; Agravada: Petrobrás Distribuidora S.A.)

No acórdão que julgou o agravo em tela, o Relator, Ministro Sálvio de Figueiredo, assim se manifestou: “[...] nas operações mercantis - e o contrato em tela é ‘contrato de promessa de compra e venda mercantil’ - não se exige, dada a celeridade que informa os negócios comerciais, que os contratantes investiguem reciprocamente os respectivos atos constitutivos para obter certeza a respeito dos poderes dos sócios para representar e contrair obrigações em nome da sociedade. Aquele que se apresente habilitado a tanto perante terceiro de boa-fé assume, se contrário seu ato às disposições estatutárias, responsabi­lidade pessoal pela reparação dos prejuízos causados à sociedade e demais sócios. O ajuste celebrado entre terceiro de boa-fé e sócio que, embora com infração ao estatuto ou contrato social, se haja apresentado como habilitado a representar e contrair obrigações em nome da sociedade, deve ser honrado por esta, cabendo- lhe, ou a qualquer de seus sócios, demandar pessoalmente o infrator pelos danos decorrentes do ato lesivo. A respeito, quando do julgamento do REsp. n. 7002-SP, ao votar como relator, tive oportunidade de mencionar doutrina de

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 197

Rubens Requião, verbis. ‘É exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, e por isso sempre em antagonismo com o formalismo, que a todo instante o terceiro que contrata com uma socie­dade comercial solicite a exibição do contrato social, para verificação dos pode­res do gerente...’ (Curso de Direito Comercial 19. ed. Saraiva, 1989, n. 252, v. 1, p. 326). Nesta mesma diretriz, aduza-se, o REsp. n. 4095-SP, relatado pelo Sr. Ministro Athos Carneiro.”

Compare a decisão acima com 0 caso Bracisa:

17. CASO BRACISA

(7?7\458/i33)O Sr. Oseas Fernandes não era e nunca fora diretor, conselheiro, manda­

tário ou, sequer, acionista da Bracisa - Brasileira de Componentes IndustriaisS.A Mero interessado na compra do controle da companhia, ele assumiu de fato a administração geral. Os diretores se afastaram, provavelmente para que ele tivesse mais liberdade para decidir sobre a concretização da compra do controle acionário, 0 que não veio a ocorrer.

Nesse período, Oseas Fernandes foi procurado pela Listas Telefônicas Brasileiras S.A - Páginas Amarelas - e celebrou contrato de publicidade em nome da Bracisa, apondo nele o carimbo usado pela companhia. A publici­dade foi feita.

Quando a Listas Telefônicas foi cobrar judicialmente 0 valor do serviço, a Bracisa contestou a ação argumentando que nada devia porque Oseas Fernandes não tinha poderes para celebrar o contrato de publicidade.

A Justiça aplicou a teoria da aparência para proteger a credora de boa-fé e julgou procedente a ação.

Observe, a seguir, a aplicação das teorias do diretor de fato e da aparência sob o prisma do Direito Processual Civil.

18. CASO AGRO PECUÁRIA CRAVARI

(^"297/231-232 - fev./mar. 1987)

lido Antônio Lanzarini e outros ajuizaram ação contra a Agro Pecuária Cravari S. A A citação foi efetuada na pessoa do gerente-administrativo-finan- ceiro, Sr. Ernesto Berehulka, que não era diretor da companhia. A ré tomou-se revel na ação, que veio a ser julgada procedente. Na execução da sentença, a Cravari apresentou embargos, alegando falta de citação no processo de conhecimento. Ficou demonstrado, nos autos, que o Sr. Ernesto Berehulka

198 SOCIEDADE ANÔNIMA

detinha procurações da sociedade para “assinar escrituras de quaisquer natu­rezas, movimentar contas bancárias, emitir e descontar cheques”.

O mandato em termos gerais só confere poderes de administração (Código Civil de 1916, art. 1295; Código Civil de 2002, art. 661). Far-se-á a citação pessoal­mente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado (CPC, art. 215). As pessoas jurídicas serão representadas em juízo, ativa e passiva­mente, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores (CPC, art. 12, VI). As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais (CPC, art. 247).

Ao receber a citação, 0 Sr. Ernesto Berehulka apôs, no mandado, carimbo de uso privativo da empresa-ré.

Também neste caso, a Justiça aplicou a teoria da aparência para proteger os autores da ação.

A regra geral é a do art. 144 (“No silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do conselho de administração (art. 142, n. II e parágrafo único), competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular”). A teoria da aparência possi­bilita aos Tribunais desconsiderarem excepcionalmente essa regra geral para proteger 0 terceiro de boa-fé. Quando, com 0 conhecimento, a conivência ou, mesmo, por negligência do administrador de direito, se cria uma situação capaz de iludir um terceiro de boa-fé, o Poder Judiciário pode aplicar a teoria da aparência, para considerar imputáveis à sociedade atos praticados em seu nome por um diretor defacto. Por se tratar de exceção à regra geral, a teoria da aparência deve ser aplicada com muito cuidado, depois de meticulosa análise da situação fática, caso a caso.

O Superior Tribunal de Justiça, julgando um caso do Estado de Minas Gerais, julgou nula a citação de pessoa jurídica efetuada em pessoa que não tinha poderes para representar a citanda. E acrescentou: não importa que a pessoa que haja recebido a citação tenha a aparência de representar a pessoa jurídica; constitui ônus do autor verificar quem poderá receber a citação e indicá-lo ao Oficial de Justiça (Recurso Especial n. 40.291-3/MG (93.0030627-8), DJU, Seção 1, 21.3.1994, fls. 5483).

19. CASO TRUSSARDI

(^598/53-55 - ago. 1985)

Moacyr Trussardi era acionista controlador e administrador da Comer­cial Trussardi S A . Durante o exercício social de 1978, um imóvel da sociedade permaneceu sem locação. E outro - ou o mesmo - foi vendido por apenas 2/3 do seu valor.

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 199

Antes da AGO realizada no dia 30.4.1979, Moacyr vendeu as suas ações a Harold Fetter Hilgert.

A AGO aprovou as contas da administração, o relatório da diretoria, o balanço, a demonstração de lucros e perdas e a ratificação da aquisição de unidade condominial (Edifício Paolo Uccello).

Depois da AGO, Moacyr recomprou as mesmas ações, que vendera a Harold. Ele alegou que vendera as ações porque estava muito desgastado com a sociedade. E que as recomprou levado por sentimento humano porque Harold estava muito doente.

O espólio de Yara Trussardi, representado por sua inventariante, ajuizou ação anulatória da referida AGO, argumentando que a venda e posterior recompra das ações pelo acionista controlador foram efetuadas com o objetivo de sanar as irregularidades em sua administração, com a clara intenção de contornar a proibição a que se referem o art. 115, § i° (O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas [...] à aprovação de suas contas como administrador...) e 0 art. 177, § Io, VII, Código Penal (Comete crime o diretor, o gerente ou fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer).

Perícia realizada no decorrer da ação constatou irregularidades na admi­nistração financeira, na gestão de Moacyr, apurando a preocupação de evitar o conhecimento, pelos sócios e interessados, com clareza, da situação patrimonial da sociedade.

Comentário do Caso Trussardi

1. A sentença, confirmada, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou a ação procedente. Constam do acórdão os seguintes trechos: “A tipificação da simulação ficou bem patenteada nos autos, conforme evidenciou o douto prolator da sentença, me­diante criteriosa análise do conjunto probatório [...]. Na verdade, houve venda simulada para o fim de serem aprovadas as matérias submetidas à assembléia, como bem concluiu o MM Juiz.”

2. A simulação, pelas suas próprias características, nem sempre se prova facilmente. A prova, quase sempre indireta, exige meticulosa análise do conjunto probatório e observação atenta de indícios e presunções. A análise e o julgamento de casos de simulação reque­rem de advogados e juizes uma inteligência aguda e perspicaz.

3. O fato de um administrador deixar sem aproveitamento um imóvel da sociedade revela o descumprimento do dever de diligência. Cumpre ao administrador, como bonus pater fam ílias, não apenas conservar como aumentar o patrimônio social.

200 SOCIEDADE ANÔNIMA

4. A ação em tela não era de responsabilidade civil do administrador. Por isso mesmo, o Tribunal não teceu maiores considerações sobre a venda de imóvel da sociedade por 2/3 de seu valor. Em tese, e em princípio, a venda de bem social por preço inferior ao seu valor de mercado caracte­riza dolo e descumprimento do dever de diligência. E também envolve descumprimento do dever de lealdade, quando efetuada com conflito de interesses (art. 156). Uma das modalidades de conflito de interesses é a aquisição, por preço inferior ao de mercado, de bem da sociedade pelo administrador, para si ou para pessoa de suas relações.

20. O §6° DO ART. 159

(businessjudgment rule)Com 0 § 6o do art. 159, o legislador de 1976 importou e implantou no nosso

ordenamento jurídico a businessjudgment rule, do direito norte-americano.Seria errôneo concluir que, com essa regra, 0 legislador dotou o juiz de

uma desarrazoada dose de subjetivismo.Essa dose de subjetivismo supostamente concedida pelo legislador,

realmente, pode parecer bastante ameaçadora. A ameaça e o medo do arbítrio da toga judicial sempre foram, e têm sido, objeto de textos literários e até de anedotas populares. Já se disse que uma noitada de amor ou uma crise de cefaléia podem influir numa decisão judicial tanto quanto os mais sérios propósitos de justiça e eqüidade.16

O legislador, presumivelmente sábio, conhece as ameaças. Sente o medo do arbítrio judicial. Assim, por mais confiança que deposite no poder judiciário, é muito pouco provável que o legislador tenha pretendido fazer concessões ao

16 A mesma idéia é colocada por Voltaire na boca do personagem Sidrac, em “Os Ouvidos do Conde Chesterfield”: “No dia seguinte os três filósofos abordaram a grande questão: ‘Qual o motivo primordial de todas as ações humanas?’ Goodman [...] declarou que o princípio de tudo era a ambição e 0 amor; Grou [...] afirmou que era o dinheiro; [...] Sidrac assegurou que era a latrina [...]. Sidrac sustentou a sua tese da seguinte maneira. ‘Sempre notei que todos os negócios dependem da opinião e da vontade de um personagem importante qualquer [...]; ora, essa opi­nião e essa vontade são os efeitos imediatos da maneira como os espíritos animais se filtram no cérebro e daí passam para a medula [...]. Que acontece, pois, com o homem que sofre de prisão de ventre? [...] Se se trata de um ministro de Estado, guarde-se de apresentar-lhe então qualquer requerimento; qualquer folha de pa­pel, em tais momentos, ele a considera apenas como objeto de que gostaria de servir-se em certas circunstâncias, de acordo com antigo e abominável costume dos povos da Europa. Antes de mais nada é preciso indagar do criado, grave, com jeito, se Sua Excelência deu de corpo de manhã cedo’.”

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 2 0 1

subjetívismo dos juizes no § 6o do art. 159 da LSA. Pelo contrário, a maneira analítica, detalhada e casuística com que o legislador explicita os deveres e as responsabilidades do administrador de companhia demonstra clara e visível, mas nem sempre justificável, desconfiança do poder legislativo no poder judiciário.

A norma do § 6o do art. I59, na verdade, nada mais é que um transplante, para a legislação do anonimato, de princípios gerais de direito e de teorias elaboradas há séculos pelo gênio dos juristas do sistema de civil law. Infeliz­mente, com esse transplante, repetiu-se, neste ponto, aquele defeito estigma­tizado por Roscoe Pound no início do século: princípios e teorias ficaram escondidos por detrás da norma, correndo o risco de serem incompreendidos e mal interpretados (Pound, 1908).

Assim, o procedimento mais correto talvez seja de despir os princípios da roupagem normativa, de que se revestiram. Ou simplesmente procurar vê-los por meio dessa roupagem.

É bom deixar bem claro que a sociedade, o direito, a lei e 0 bom senso só exigem do administrador, qualquer que seja ele, e qualquer que seja a empresa ou coisa administrada, os mais elevados padrões éticos. Informação, decisão e ação são os passos da atividade administrativa, escandidos pela ciência da administração de empresas. Cada um desses passos requer um requisito essencial, que são, respectivamente, verdade, sabedoria e coragem. Além disso, para que a caminhada conduza a uma direção correta, 0 ambiente deve ser de boa-fé. Talvez o desenho seguinte expresse a idéia com maior clareza.

Essa é a síntese do que há de melhor em matéria de teoria de administração de negócios. E dos administradores o senso jurídico jamais poderá exigir nada menos que o melhor.

202 SOCIEDADE ANÔNIMA

A norma do § 6o do art. 159 da LSA, como de resto todos os seus preceitos, deve ser entendida tendo-se em vista o exposto acima. Qualquer interpretação que destoe dessa linha de raciocínio, por mais estética e atraente que possa ser, contraria frontalmente 0 espírito da lei.

A história da formação da atual lei de sociedades por ações brasüeira nos leva a crer que a referida transposição de seculares princípios e teorias jurídicas para o § 6o do art. 159 da Lei n. 6.404/76 foi mais inconsciente que consciente.

Num plano consciente, o legislador brasileiro parece ter se limitado a transpor, para a legislação pátria a famosa business judgm ent rule, inferida por intermédio do processo lógico-indutivo da jurisprudência norte-americana e expressa em alguns Códigos, como o M odel Business Corporation Act.

A business judgm ent rule é uma regra sintética, cristalizadora de prin­cípios já suficientemente escandidos pelos juristas de eiuillaw. Nós copiamos a regra. Mas é preciso ceder à tentação de importar, com ela, toda a confusão e incompreensão que a cercam nos Estados Unidos.

A doutrina norte-americana, diferentemente da nossa, é avarenta em definições; não apresenta nenhuma definição lapidar da regra em discussão. No Model Business Corporation Act, a sedes materiae da businessjudgment rule é o § 2o da seção 35.

0 referido dispositivo, depois de recomendar ao administrador diligência, lealdade, prudência, preocupação com os melhores interesses da companhia e, sobretudo, boa-fé, conclui estabelecendo que “uma pessoa que assim cumpre os seus deveres não deverá ter nenhuma responsabilidade em razão de ser ou ter sido um administrador da companhia”.17

A business judgment rule, que não é definida, mas muito discutida, analisada, estudada, defendida e combatida, bem e mal aplicada, aplaudida e reprovada nos Estados Unidos, é considerada, naquele país, um dos conceitos mais importantes e, simultaneamente, mais incompreendidos da legislação de sociedade por ações.

Manne (1967) explica que a business judgm ent rule decorre da idéia de sociedades anônimas funcionando num sistema de livre empresa, acrescida da suspeita ou falta de familiaridade do século XIX com a regulamentação governamental. E acrescenta que ela é a mais importante doutrina do direito das sociedades anônimas e, provavelmente, a menos entendida.18

17 “A person who so perform his duties shall have no liability by reason of being or have been a director of the Corporation.”

18 “O n e of the most important doctrines of the Corporation law [...] probably one of the least understood.”

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 203

Segundo Arsht (1979), apesar de sua longevidade, a business judgment rule continua incompreendida hoje.19

Façamos uma pequena incursão no campo do direito comparado para verificar como, em que situações e com que limites a regra tem sido aplicada.20 Talvez depois disso possamos compreendê-la melhor, surpreender os princípios que se escondem por detrás dela e, quem sabe, alguém se aventure a defini-la para os americanos.

Segundo Lewis, a business judgment rule foi desenvolvida pelas cortes como expediente para proteger os administradores das companhias (tanto conselheiros como diretores) contra a responsabilidade pessoal por erros de julgamento em negócios, cometidos em boa-fé.

Para Henn (1970), a business judgm ent rule sustenta os negócios da companhia e imuniza os administradores contra a responsabilidade quando a transação: a) se circunscreve dentro dos limites dos poderes da companhia (intra vires) e dos limites de competência dos administradores; e b) envolve o exercício do dever de diligência e fiel observância do dever de lealdade.

A doutrina norte-americana enuncia duas premissas básicas subjacentes à business judgment rule. A primeira reconhece a natureza humana: como seres humanos, os administradores não são infalíveis. A segunda reconhece a neces­sidade de dinamizar os negócios sem sobrecarregar a máquina judiciária: os administradores não são capazes de satisfazer a todos os acionistas o tempo todo.

Subjacente estaria ainda a convicção de que pessoas boas, honestas e íntegras não quereriam servir como administradores de empresa se a lei delas exigisse um grau de presciência não exigido do cidadão comum (Arsht, 1979).

Condições para a aplicação da regra seriam, pois, segundo a doutrina norte-americana:

a) decisão baseada num julgamento (juízo de valores);b) boa-fé; ec) estrita observância dos deveres de obediência, diligência e lealdade.

Doutrinadores e jurisprudência nòrte-americanos enfatizam que uma coisa é tomar uma decisão, e outra, tomar uma decisão informada. E que a business judgm ent rule só protege a decisão informada. Decisão desinformada eqüivale a negligência, contrário de diligência.1 Arsht, após analisar uma série de julgados nos quais, segundo ele, a : business judgment rule foi bem aplicada, concluiu: “Em suma, cada corte

19 “Notwithstanding its longevity, the business judgment rule is today misunderstood.”20 “O ‘Como’ averígua a estrutura de um evento, e uma vez que esteja clara a estrutura,

todos os porquês são automaticamente respondidos” (Perls, 1981:89).

204 SOCIEDADE ANÔNIMA

julgou que o diretor que cuidadosamente cumpre os seus deveres não será responsabilizado pessoalmente por decisões sobre negócios tomadas com boa-fé. A regra é o reconhecimento da falibilidade humana”21 (Arsht, 1979).

Como se vê, pois, 0 § 6o do art. 159 da Lei n. 6.404/76 não concede nenhum bill de indenidade aos administradores culposos. Não estabelece nenhuma isenção de responsabilidade por fraude, má administração, decisões apressadas ou impensadas. Pelo contrário, exige do administrador um elevado padrão de conduta no desempenho de sua atividade. “Um diretor não pode fechar os olhos ao que está ocorrendo em volta dele na condução dos negócios da companhia e dizer que está no exercício de seu julgamento de negócios.”22

Existe uma multiplicidade de situações em que um administrador, agindo com a maior lisura e boa-fé, pode tomar a decisão errada, do ponto de vista de política de negócios e, com isso, causar prejuízos à companhia.

Os parâmetros para a conduta discricionária do administrador são os seus deveres de obediência, diligência e lealdade. Balizada por esses parâmetros, encontra-se uma área de discricionariedade, dentro da qual o administrador circula livremente, orientado pelos princípios da ciência de administração de empresas. O que a business judgment rule leva em conta é, precisamente, o erro técnico profissional na aplicação desses princípios. Segundo Arsht (1979), na verdade, a primeira função da business judgm ent rule pode ser simplesmente propiciar aos administradores a mesma neces­sária proteção de que os profissionais desfrutam sob o pálio do direito anglo-americano sobre a responsabilidade civil quando acionados pelo mau exercício da profissão.23

Errar é humano. Um advogado, um médico e um engenheiro podem errar no exercício de sua profissão sem a menor dose de culpa. Da mesma forma, pode errar sem culpa no exercício de sua profissão um administrador de empresas, o administrador de uma companhia.

A casuística norte-americana tem situado dentro da área de discricio­nariedade dos administradores e, portanto, passíveis de proteção pela

21 “In essence, each cóurt held that a directór who dutifully attends to his or her duties will not be personally liable for good faith business decisions. The rule is a necessary recognition of human fallibility.”

22 “Casey versus Woodruff, 49 NY, 8 2d at 642/643: a director cannot close his eyes to what is going on about him in the conduct of he business of the Corporation and have it said that he is exercing businessjudgment.”

23 “Indeed, the primary function of the business judgment rule may be simply to accord to directors the same necessary protection that professionals enjoy under Anglo- American tort law if sued for malpractice.”

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 205

business judgm ent mie. a) a decisão sobre distribuição de lucros ou a sua retenção para satisfazerem a necessidade de negócios;24 b) a deliberação sobre desistência de um direito da sociedade, sob o fundamento de que os interesses sociais serão melhor atendidos com tal desistência;25 c) pagamento de tributo de duvidosa legalidade e posteriormente invalidado por inconstitucionali- dade;26 d) retenção de lucros em companhia de investimento, em vez de distribuí-los aos acionistas, o que culminou numa tributação adicional de 3.500.000 dólares para a companhia;27 e) fixação de preço de ações em sociedade subsidiária;28 f) pagamento em desconformidade com a lei traba­lhista, efetuado a chantagistas;29 g) utilização de fundos sociais na compra de ações da companhia de propriedade de terceiro, sob alegação de que o controle por esse terceiro era potencialmente perigoso para a política e a própria existência da sociedade;30 h) deliberação invalidando uma decisão anterior sobre incorporação;31 i) autorização para uso de fundos sociais para pagar honorários de advogados de funcionários da companhia considerados culpados em ação baseada na legislação antimonopólio;32 j) decisão sobre qual 0 momento oportuno para informar o mercado (disclosure).33

Parece dispensável dizer que as hipóteses acima foram mencionadas como meros exemplos ou ilustrações e não como modelos ou paradigmas.

A business judgm ent rule foi ainda aplicada, nos Estados Unidos, numa série de casos apelidados pela doutrina de Wateigates, como forma de frustrar ações derivadas em que eram questionados pagamentos efetuados por multinacionais a membros de governos estrangeiros.

Num desses casos, eram questionados, em ação derivada, “pagamentos políticos” da ordem de 59 milhões de dólares efetuados de 1963 a 1974 pela Exxon Corp. na Itália. A Exxon constituiu uma comissão composta de um empregado-membro do conselho de administração (que só passou a integrar esse conselho depois de 1974) e dois conselheiros não-empregados e

24 Gordon versus Elliman, 306, 456,119 NE 2d 331 - Observe-se que, no Brasil, esse poder foi limitado pela norma do dividendo obrigatório (LSA, art. 202).

25 ESTES. Corporate Govemance in the Courts. Harvard Bus. Review, 58/50 (1980).26 Glassberg versus Boyd, 35 Del. Ch. 293,116 A. 2d 711 (Ch 1955).27 Conviser iwswsSimpson, 112 Fed. Supp 205 (D. Mi. 1954).28 Diston versus Loucks, 62 NY 2d. 138 (Sup. Ct. 1941).29 Hornstein versus Paramount Pictures, Inc., 292, NY 468-55, NE2d 740 (1944).30 Cheff versus Mathes, 41 Del. Ch. 494,199 A 2d 548 (Sup Ct. 1964).31 Gilbert versus Burside, 11 NY 2d 960,292 NY5 2d 10,183 NE 2d 325.32 Simon versus Socony Vacuum Oil Co. 47, NY5 S89 (írst. Dep 1944).33 Securities and Exchange Commission versus Texas Gulf Sulphur Co., United States

Court of Appeals Second Circuit, 1968 401 F. 883 ( the timing o f disclosure is a matter for the business judgment); Financial Ind. Fund. Inc. versus Mc Donnel Douglas, 474 US 874 (1973)-

206 SOCIEDADE ANÔNIMA

não-acionistas (outside directors). A comissão, após ampla investigação, concluiu não ser de interesse da sociedade a continuação da ação, devendo ser requerida a sua desistência e arquivamento.

O Tribunal acatou essa decisão, por entendê-la protegida pela business judgm ent rule. E justificou: “O foco de inquirição da business judgm ent rule situa-se naqueles que realmente se investem do poder decisório, não naqueles que possuíram esse poder em tempos diferentes e sob circunstâncias diversas. Em nenhum sentido, a decisão da comissão especial em não prosseguir a ação foi meramente um aconselhamento. De fato, desenvolvendo suas investigações e chegando às suas conclusões, a comissão especial exerceu todos os poderes de administração.”34

Note-se, a propósito, que nos Estados Unidos as leis estaduais sobre sociedades anônimas, regra geral, permitem ao conselho de administração delegar os seus poderes a uma comissão.35 No Brasil, em princípio, uma comissão idêntica à do caso citado poderia ser criada com funções de investi­gação e estudo. Mas a decisão final só poderia ficar a cargo do próprio conselho de administração, por força do disposto no art. 139 da Lei n. 6.404/76, que veda a outorga dos poderes conferidos por lei aos órgãos de administração a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto. Note-se, ainda, que a interferência da sociedade na ação derivada proposta por um acionista é processualmente diferente no Brasil e nos Estados Unidos.

Vejamos agora os princípios e as teorias escondidos por detrás da norma do § 6o do art. 159.

Em primeiro lugar, acha-se o princípio dos poderes implícitos.Já vimos que o administrador da companhia tem o dever de obediência

(à lei e ao estatuto). No cumprimento desse dever, deve ele respeitar a cláusula que define de modo preciso e completo o objeto da sociedade (art. 2o, § 2o). Deve agir intra vires, ou seja, dentro dos limites definidores do objeto social. Também já vimos que a exigência de definição precisa e completa do objeto social não elimina a existência de poderes implícitos dos administradores da própria sociedade, embora a conciliação dos dois conceitos nem sempre seja fácil na prática.

34 Gall versus Exxon Corp., 418 F. Supp. 508 (SDNY1976): ‘The focus of the business judgment rule inquiry is on those who actually wield the decision-making authority, not on those who might have possessed such authority at different times and under different circumstances. In no sense was the decision of the Special Committee not to sue merely an advisory one. Indeed, in carrying out its investigation and in reaching its conclusions, the Special Committee exercised the full powers of the Board.”

35 MC MULLEN. Committees of the Board of Directors. Bus. Law, 29/755 (1974).

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 207

A atividade administrativa é fluida e dinâmica. Exige soluções rápidas e práticas. O administrador é, sobretudo, um homem de decisões. Decidir implica optar entre alternativas diferentes. A lei, por mais minuciosa, detalhada e casuística que fosse, jamais conseguiria prever todas as situações fáticas a exigirem solução na vida da empresa. O mesmo pode ser dito do estatuto social. Assim, o administrador, que possui os poderes explícitos para gerir a sociedade com vistas a atingir os fins dela, possui também todos os poderes implícitos necessários, harmônicos e não conflitantes com os poderes explici­tamente enumerados. Parodiando Marshall no caso McCulloch versus Maryland, poder-se-ia afirmar que os administradores dispõem de todos os meios que sejam apropriados para caracterizar os legítimos fins da compa­nhia, a menos que proibidos pela letra ou pelo espírito da lei e do estatuto.

A regra do art. 159, § 6o, da LSA reconhece a existência dos poderes implícitos dos administradores de companhias.

Foi precisamente o reconhecimento da existência de poderes implícitos dos administradores que deu origem a outra teoria, bastante elaborada pelo direito administrativo: a dos poderes discricionários.

Os poderes implícitos, exatamente por não serem definidos explicita­mente, geram uma dose de discricionariedade por parte dos administradores, tanto no seu reconhecimento quanto no seu exercício.

Toda a teoria do poder discricionário formulada pelo direito adminis­trativo aplica-se, mutatis mutandis, no campo da administração das sociedades por ações.

Poder discricionário é 0 que o direito concede aos administradores de um modo explícito ou implícito, para a prática de atos em nome da companhia, com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.36

Como no direito administrativo, também no campo das sociedades por ações, poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa dentro dos limites permitidos em lei e no estatuto.

O administrador de companhia, ao exercer um poder discricionário, não procede como 0 jurista, socorrendo-se de ensinamentos da ciência do Direito. Procede como um técnico, socorrendo-se dos ensinamentos da ciência da Administração de Empresas (Quiró, 1969).37 Assim, não é justo nem desejável que o juiz, na ação de responsabilidade civil contra o administrador de uma companhia, queira substituir a discricionáriedade do administrador pela sua.

36 Ver definição idêntica de poder discricionário no direito administrativo em MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo. São Paulo: Forense, 1976, p. 90.

37 QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Os limites do poder discricionário das autoridades administrativas. RDA 97/1-8,1969.

208 SOCIEDADE ANÔNIMA

A Corte de Apelação do Estado de Nova Iorque sintetizou bem essa idéia ao julgar o caso Auerbach versus Bennett: “Parece-nos que a business judgment rule, pelo menos em parte, fundamenta-se no prudente reconheci­mento de que as Cortes são mal equipadas e infreqüentemente chamadas para avaliarem o que são e devem ser necessariamente julgamentos de negócios. A autoridade e responsabilidade investidas nos administradores de companhias, tanto pela lei como pela jurisprudência, partem do pressuposto de que não há nenhum critério objetivo disponível pelo qual o acerto de cada decisão da sociedade possa ser medido pela Corte ou por quem quer que seja. Ainda que não fosse assim, por definição, a responsabilidade por julgamento de negócios deve ficar afeta aos administradores; suas capacidades individuais e expertise os qualificam peculiarmente para o desempenho dessa atividade. Assim, ausente a prova de má-fé ou fraude [...] as cortes devem respeitar as suas determinações.”38

Ao exercer o seu poder discricionário, optando entre alternativas dife­rentes, o administrador só tem condições de fazer um prognóstico, mais ou menos preciso. Ao julgar o administrador, o juiz já possui pleno conhecimento dos resultados da conduta daquele. Daí não ser justo substituir a discricio- nariedade de um pela do outro.39

O próprio equilíbrio jurídico exige que o juiz e o administrador se coloquem em seus pólos respectivos, exercendo a função típica a que se acham habilitados, não somente pela graduação específica, mas também pela formação profissional (Caio Tácito, 1968).

Johnson e Osborne (1980) perceberam os reflexos desse princípio maior na business judgment rule ao preconizar o seu futuro. Sob 0 tópico “Um futuro papel para a business judgment rule (a future role fo r the business

judgment rule), eles escreveram: “o papel aqui antevisto para diretores inde­pendentes tem estreitas semelhanças com a condução das funções dos órgãos governamentais. Com efeito, a retórica judicial para a revisão de decisões administrativas se parece com a linguagem empregada com respeito à business judgm ent rule. os órgãos administrativos são presumivelmente equipados ou informados pela experiência para lidarem com um setor espe­cializado de conhecimento; suas realizações dentro desse campo contam com a autoridade de uma experiência que as Cortes não possuem e, por isso mesmo, devem respeitar. Tanto quanto os administradores públicos, diretores e conselheiros de companhias modernas são profissionais que possuem uma perícia técnica que não pode ser suplantada pelos juizes.”

38 Auerbach versus Bennett, 47 NY 2d 625,393 NE 2d 997,419 NYS 2d 923.39 Puma versus Marriott, 283 A 2d 693,696 (Del. C:h. 1971).

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 209

A existência de poderes implícitos e o exercício de poderes discricionários implicam julgamento, argúcia, perspicácia e bom senso por parte dos adminis­tradores. E envolvem também a responsabilidade por erro. Precisamente neste ponto que entra o problema da boa-fé. Errar é humano. Mas 0 erro só é justificável quando cometido de boa-fé. E nesse campo não há falar em boa-fé sem a fiel observância dos deveres de obediência, diligência e lealdade.

Dir-se-á que isso é 0 óbvio. Realmente, parece inquestionável que a boa-fé e a culpa não possam coexistir. Todavia, nem todos pensam assim. Em todos os trabalhos de Bonfante (1918), por exemplo, destaca-se a tese de que a boa-fé nada tem a ver com a diligência, ou seja, que a culpa não destrói a boa-fé.

Não é esse o nosso pensamento. E não é esse, a nosso ver, o espírito da lei no § 6o do art. 159, em foco. A culpa exclui a admissão de boa-fé. Então, para justificar o erro e exculpar o administrador da companhia com base na business judgm ent rule, 0 magistrado há de ultrapassar duas ordens de questionamento. Primeiro, verificar se houve o fiel cumprimento de todos os deveres que a lei atribui ao administrador. Em seguida, deverá verificar se este agiu de boa-fé. Só depois poderá eximir o administrador de respon­sabilidade pelo erro cometido. Observe-se, de passagem, que o erro aqui referido é um erro de julgamento, a escolha de uma opção errada, causadora de prejuízo ao patrimônio social. Não se trata de erro viciador da vontade nos negócios jurídicos, mas, sim, de erro de julgamento, de opção, de decisão. Quanto a esse aspecto, poucas têm sido as contribuições teóricas no campo de direito privado. Uma das poucas exceções é a obra de Lino Leme (Do erro de direito em matéria civil).

Problema tormentoso nesse campo é o da admissibilidade do erro de direito. Em outras palavras, a constatação de um erro de direito exclui a admissibilidade de boa-fé? Ou, ainda, é admissível 0 erro de direito como elemento psicológico da boa-fé?

Na seara da legislação penal brasileira, tem sido admitido, como regra geral, o princípio da irrelevância do erro de direito (error iuris nocet).40 Regra geral, o erro de direito, quando escusável, é tão-só uma circunstância ate­nuante.41 Em alguns casos, todavia, o legislador transigiu com esse princípio legal, aceitando o erro de direito como isenção de pena.42

Entre os privatistas, parece que a maioria tende a admitir o erro de direito. Entre eles, Eduardo Espínola, Pontes de Miranda, Firmino Whitaker,

40 Código Penal Brasileiro, 1940, art. 16.41 Idem, art. 48, III.42 Lei das Contravenções Penais, art. 8o. Parece que a tendência atual é no sentido de

transformar esta exceção em regra geral, no novo Código Penal.

2 1 2 SOCIEDADE ANÔNIMA

formação como entidade civil acabou sendo despicienda. Tanto o processo de formação como a saída do recorrente da empresa tiveram efeitos limitados aos contratantes, mas ineficazes em relação a terceiros. E portanto respon­dem os sócios solidariamente pelas obrigações da empresa de modo ilimitado, pouco importando a integralização do capital social. Até porque, se, de regra, os bens particulares não respondem por dívidas da empresa, isto já não acontece quando a sociedade é criada com o intento de fraudar o Fisco, aplicando-se, para esses casos, a doutrina da desconsideração da personali­dadejurídica. Não oferecendo a empresa bens à penhora, buscam-se os bens dos sócios que se ocultam à sombra da pessoa jurídica. Em resumo, o desliga­mento do embargante, mesmo anterior ao auto de infração, não o exonera de responsabilidade, que só teria seu marco inicial quando do registro na Junta Comercial, aqui inexistente [...]”.

Comentário do Caso Araraquara

1. Este caso possibilita, de início, um debate sobre a distinção, existente no ordenamento jurídico brasileiro, entre atividades (e sociedades) empresárias e não empresárias. Não nos ateremos a esse aspecto.

2. Nas sociedades empresárias irregulares, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas dívidas sociais.

3. Neste caso, portanto, com as premissas colocadas pelo próprio Tribunal - sociedade empresária e irregular - , a responsabilização do sócio prescindia da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O Tribunal sequer precisava desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para responsabilizar o sócio pelas dívidas da sociedade.

4. Segundo o Código Tributário Nacional, “Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contri­buinte, respondem subsidiariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: [...] III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes” (CTN, art. 134, III). E, mais, “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior (os administradores de bens de terceiros pelos tributos devidos por estes); [...] III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado” (CTN, art. 135).

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 213

23 CASOHOWA

(AT625/47)

A Howa S/A Indústrias Mecânicas é companhia aberta.A Cibram S/A Indústria e Comércio e a Howa Kogyo Kabushiki Kaiaska

integram o grupo controlador da Howa S/A Indústrias Mecânicas.Os Srs. Seigui Fujihira e Toshinao Kato são diretores da Howa S/A

Indústrias Mecânicas, e administradores da Cibram S/A Indústria e Comércio e da Howa Kogyo Kabushiki Kaiaska.

O Sr. Seigui Fujihira, além de administrador, também é o acionista controlador da Cibram S/A Indústria e Comércio.

No dia 1° de dezembro de 1981, a Howa, representada pelos seus admi­nistradores, Seigui Fujihira e Toshinao Kato - de um lado - e os seus controladores - de outro, firmaram um protocolo de intenções. Nele, ajusta­ram a transferência do controle acionário da Howa S/A Indústrias Mecânicas.

O protocolo de intenções não foi levado ao conhecimento da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.

No dia 4 de dezembro de 1981, às i9h6min., a Howa S/A Indústrias Mecânicas enviou telexk Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, dando notícia do protocolo de intenções firmado no dia i° de dezembro de 1981.

Entre os dias i° e 4 de dezembro de 1981,0 Sr. João Nazareth Factorine e outros, acionistas minoritários da Howa S/A Indústrias Mecânicas venderam ações de sua propriedade na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Posteriormente aos fatos narrados, “em data bem distante”, publi­cou-se um edital de oferta pública de compra de ações da Howa S/A Indústrias Mecânicas. Ao lerem o edital, os acionistas minoritários, que haviam vendido as suas ações no período entre i° e 4 de dezembro de 1981, constataram que as venderam por preço inferior ao do edital de oferta pública de aquisição de ações. Sentindo-se lesados, ajuízam ação contra os Srs. Seigui Fujihira e outros, administradores da Howa. Na ação, invocam o descumprimento do dever imposto pelo, § 40 do art. 157: “§ 40 Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imedia­tamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia”. Segundo os acionistas minoritários autores da ação: (1) o protocolo de intenções firmado no dia i° de dezembro de 1981 constituía fato relevante ocorrido nos negócios da

2 1 0 SOCIEDADE ANÔNIMA

Carvalho Santos, Lino Leme e Alsina Atienza.43 Atienza reconhece, todavia, que a admissibilidade do erro de direito deve ter um limite na ordem pública (Atienza, 1935:12).

Entre os que não admitem 0 erro de direito se acha Clóvis Bevilaqua (1959,1:83-85).

Não é nossa intenção, e refoge aos objetivos deste trabalho, tentar um aprofundamento maior sobre o problema das relações entre o conceito de boa-fé e erro de direito. Ademais, esse relacionamento já foi estudado por Bonfante (1918).

Nos Estados Unidos, na aplicação da business judgm ent rule, o erro de direito tem sido admitido, como se poderá constatar pelos julgados abaixo selecionados: “Nós pensamos que um conselho de administração agindo de boa-fé e com razoável cuidado e diligência que, não obstante, comete um erro, de direito ou de fato, não é responsável pelas conseqüências desse erro.”44 “A business judgm ent rule tem sido expressa de várias maneiras, mas pode ficar estabelecido que conselheiros e diretores de uma companhia não serão considerados responsáveis por enganos ou erros de julgamento, quanto a direito ou fato, quando tiverem agido numa área que deles exige julgamento e discricionariedade, usando esse julgamento ou discricio­nariedade com boa-fé.”45

21. ADMINISTRADORES E DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONA­LIDADE JURÍDICA

(Disregard o f corporate entity, Disregard o f corporateness, Piercing the corporate veil, superação da personalidade jurídica)

No sistema jurídico brasileiro, não é necessária a invocação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para, em execução contra a socie­

43 SILVEIRA, Alípio. Boa-Fé. Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Borsói, v. VI, p. 71.

44 Hodges versus New England Screw Co., 3 RI 9, 18 (1953): “We think a Board of Directors acting in good faith and with reasonable care and diligence, who nevertheless fali into a mistake, either as to law or fact, are not liable for the consequence of such a mistake.”

45 Financial Ind. Fund. Inc. versus Mc Donnel Douglas, 414 US 874 (1973): “The business judgment rule has been expressed in a variety of ways, but it may be stated that the directors and officers of a Corporation will not be held liable for errors or mistakes in judgment, pertaining to law or fact, when they have acted on a matter calling for the exercise of their judgment or discretion when they have used such judgment and have so acted in good faith.”

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 211

dade, atingir o patrimônio dos administradores. A rigor, todas as hipóteses ensejadoras da aplicação dessa teoria, explicitadas pela doutrina e pela jurisprudência, já se encontram contempladas em dispositivos legais expressos, como, por exemplo, os itens I e II do art. 158 da Lei das Sociedades por Ações. Voltaremos a este assunto no Capítulo 11.

22. CA SO A R A R A Q U A R A

(*JMESPi39/i63-i65)

Constituiu-se em Araraquara uma sociedade, tendo por objeto a “explo­ração de serviços de corretagem de automóveis, utilitários, motocicletas e outros veículos”. A sociedade foi registrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e não na Junta Comercial.

Em processo administrativo iniciado pela Fazenda do Estado de São Paulo, constatou-se o seguinte: a) foram encontrados doze veículos no estabe­lecimento da sociedade; b) os administradores assinavam uma “opção de venda” em que a sociedade teria direito apenas à comissão; c) num documento apreendido, a sociedade dava recibo de venda de um automóvel, referente ao sinal, e nele combinava o pagamento do restante do preço.

Os veículos estavam desacompanhados de nota fiscal de entrada no estabelecimento.

A sociedade entendia que se encontrava ao abrigo do tributo estadual, por ser civil.

O Fisco ajuizou execução fiscal contra a sociedade. Não tendo esta oferecido bens à penhora, a Fazenda Estadual, argumentando que a execu­tada era sociedade comercial irregular, requereu a extensão da execução ao sócio Guilherme de Camargo Iost. Este embargou a execução, alegando que já havia se retirado dá sociedade por ocasião da autuação fiscal, tendo ficado faltando apenas o arquivamento do instrumento de retirada no registro público competente.

Ao que tudo indica, tratava-se de sociedade limitada; e o Sr. Guilherme era (ou fora) o sócio-gerente.

Ao julgar este caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo enten­deu: a) que a sociedade era “comercial”, embora sob o rótulo de “civil”; b) que, não se achando ela registrada na Junta Comercial, caracterizava-se como irregular; c) que a retirada do sócio não arquivada na Junta Comercial não o eximia de responsabilidade. Por isso, deu ganho de causa ao Fisco, argumen­tando o seguinte: “não se trata de sociedade civil, ao abrigo do tributo estadual, mas, sim, de sociedade comercial irregular. A conseqüência é que a sua

214 SOCIEDADE ANÔNIMA

Howa; (2) esse fato relevante não foi comunicado imediatamente à bolsa de valores e nem divulgado.imediatamente pela imprensa; (3) se estivessem munidos dessas informações não teriam vendido as suas ações no período entre i° e 4 de dezembro de 1981.

O magistrado de primeiro grau julgou procedente a ação e Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a decisão.

Seguem excertos da acertada decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Os réus, na qualidade de administradores da empresa Howa S/A Indús­trias Mecânicas, olvidando elementar obrigação jurídica, inteiramente alheios aos interesses dos acionistas minoritários da companhia de capital aberto, deixaram de prestar informação de fato relevante, de que dispunham, imedia­tamente, à Bolsa de Valores, e a divulgar pela imprensa, a ocorrência da ajustada transferência do controle acionário da sociedade anônima, dando causa ao prejuízo sofrido pelos autores, que efetuaram a venda por valor inferior ao da oferta pública, como se verifica dos termos do edital, que veio a ser, posteriormente, publicado pela imprensa, em data bem distante da operação lesiva a que foram levados os autores.

A omissão do dever legal não foi contornada pela comunicação que, por telex, veio a ser transferida à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro no dia 4.12.1981, às íghómin, por isso que, no pregão desse dia, os acionistas minoritários já haviam sido lesados, sabido que 0 protocolo de intenções fora firmado pela empresa Howa S/A com outras companhias e Seigui Fujihira, acionistas majoritários, em Io de dezembro do mesmo ano.

A demora havida, de todo injustificável, bem evidencia o comportamento negligente dos administradores, que tinham conhecimento das repercussões do fato econômico no mercado mobiliário.

Conforme dispõe o art. 157, § 40, da Lei das S/A, ‘os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à Bolsa de Valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia- geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia’.

A propósito da previsão legal, assim preleciona Roberto Barcellos de Magalhães: ‘As informações de que trata o dispositivo são de natureza pessoal e cuja finalidade reside no direito que têm a sociedade e os acionistas de conhecerem a extensão da participação acionária do administrador empossado e nas sociedades controladas ou coligadas, para o efeito, inclusive,

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 215

de aferição dos seus deveres e responsabilidades futuras, nos seus impedi­mentos legais e estatutários.’

E acrescenta 0 acatado Jurista: 'O preceito contido no § 40 se associa aos §§ i° e 3o do art. 155, os quais devem ser encarados em conjunto no que respeita ao uso do dever de informar ao público as decisões administrativas capazes de influir no mercado mobiliário, particularmente na comercialização dos papéis da empresa, A interligação dos preceitos indicados tem em vista demonstrar que qualquer comunicação, notícia ou informação deve partir da companhia no momento certo e sob forma precisa e verdadeira' (A nova Lei das Sociedades por Ações Comentada, v. 11/724 e 725, ed. Freitas Bastos, 1977).

[•••][...] destaca [-se] o seguinte trecho [do parecer] da [...] Procuradoria

Geral da Justiça: ‘Ora, não só administradores não podem favorecer, em detrimento da empresa, a sociedade coligada ou controladora (arts. 245 e 246 da Lei n. 6.404/76) como não podem causar prejuízos aos acionistas minoritários. 'A responsabilidade solidária, como já se decidiu, não se define apenas nas hipóteses da lei citada. Há a mais o princípio geral da lei civil (RJTJSP 83/230).’

Nem se pode objetar que a venda de controle acionário não seja fato relevante, diante da inquestionável notoriedade dessa qualificação, no mundo dos negócios, diante de sua repercussão no mercado mobiliário.

Tampouco se pode imputar afoiteza, ou açodamento, na transferência das ações operadas pelos autores, pois é sabido que quem possui ações em companhia aberta em tal situação não irá vendê-las em Bolsa quando a alteração no valor respectivo pode alcançar preço até mesmo superior ao da oferta pública, que a espécie comporta.

Ademais, no caso de se supor que era lícita a omissão na divulgação do fato relevante, mediante aceno ao disposto no art. 157, § 50 da Lei das S/A, convém realçar que a hipótese está descartada, certo como é que não sobreveio a submissão do tema à apreciação da Comissão de Valores Mobiliá­rios - CVM, ou dependia de pedido dos administradores, no caso, não formulado, óu dos próprios acionistas, que não se utilizaram dessa faculdade.

[...] ficou demonstrado o nexo causai entre a existência do dano e a conduta antijurídica dos réus, pelo comportamento culposo, marcado pela negligência, com 0 descumprimento do dever jurídico que lhes estava afeto em quadro de responsabilidade solidária.

As restrições que se possam fazer, em nome da responsabilidade exclusiva do diretor de relação com 0 mercado, conferida ao diretor financeiro, com a

216 SOCIEDADE ANÔNIMA

finalidade de afastar o reconhecimento da responsabilidade solidária dos administradores, como se pretendeu na hipótese, foram de antemão reba­tidas pelos esclarecimentos prestados pela CVM [...] a pedido judicial, por provocação dos autores, com base em instruções normativas, como transparece da seguinte passagem: ‘[...] cumpre informar a V. Exa. que, no estatuto social consolidado vigente em dezembro/8i, e que constam dos arquivos desta autarquia, não havia disposição estatutária expressa que conferisse ao diretor de relações com o mercado (função conferida ao dire­tor financeiro) a responsabilidade de informar. Sendo assim, o dever legal previsto no art. 157, § 40, da Lei n. 6.404/76 não era atribuição específica de nenhum administrador em especial, 0 que tornaria inaplicável a exceção prevista no § 30 do art. 158’.”

24. PROBLEMA BARTH

Este problema inspira-se [apenas] em acórdão proferido pela Court of Appeals do Estado norte-americano de Indiana, no caso Barth v Barth, publicado no site <http://www.in.g0v/judicia1y/0pini0ns/archive/032305.bb.html>, consultado no dia 4.5.2004. Examine-o à luz da legislação brasileira sobre sociedades por ações.

Certa companhia fechada conta com três acionistas apenas:

.Acionista: *1. Miguel 51%1. Roberto 29%1. Bárbara 20%

Roberto ajuizou ação de responsabilidade civil contra Miguel e contra a companhia, alegando que Miguel quer afastá-lo da sociedade e, com esse objetivo:

1. rescindiu contrato de trabalho que Roberto tinha com a sociedade;2. pagou salários excessivos para si próprio e para membros de sua

família;3. usou empregados da sociedade, para prestarem serviços em sua

residência e nas casas de seus filhos, sem compensação para a sociedade;

4. apropriou-se de fundos sociais para fazer investimentos pessoais;5. reduziu drasticamente o pagamento de dividendos;

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 217

6. recusou a Roberto acesso a documentos da sociedade; e7. literalmente, negou a Roberto a sua condição de sócio.

Os réus, Miguel e a sociedade, contestaram a ação; em preliminar, ale­gam que Roberto deve ser julgado carecedor da ação proposta, porque, quan­do muito, deveria mover uma ação social derivada, prevista no § 30 ou no § 40 do art. 159 da Lei das Sociedades por Ações, e não a ação individual prevista no § 70 do mesmo dispositivo.

Eis 0 texto do art. 159 da Lei das Sociedades por Ações brasileira:

Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assem­bléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.§ i° A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia-geral extraordinária.§ 2o O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia.§ 3o Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.§ 4o Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.§ 5o Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à compa­nhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.§ 6o O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do admi­nistrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.§ 7o A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

Considere as ponderações a seguir e, depois, concentre-se nas questões formuladas.

PONDERAÇÕES SOBRE O PROBLEMA BARTH

1. Certamente, não se trata de reclamatória trabalhista, a ser julgada por uma das varas da Justiça do Trabalho; trata-se de ação de responsabilidade civil contra administrador de sociedade anônima, a ser julgada pela justiça comum.

218 SOCIEDADE ANÔNIMA

2. A ação social derivada, prevista nos §§ 30 e 40 do art. 159 da Lei n. 6.404/1976, é ajuizada pelo acionista, em nome dele; não em nome da companhia; nela, o acionista atua como substituto processual da companhia.

3. A ação individual, prevista no § 70 do art. 159 da Lei n. 6.404/1976, quando movida por acionista, também deve ser ajuizada em nome dele; não em nome da companhia.

4. Na ação social derivada, o acionista visa ao ressarcimento de um prejuízo causado ao patrimônio da companhia; o resultado da ação, se ela for julgada procedente, irá para o patrimônio da companhia; não para o patrimônio do acionista-autor da ação.

5. Na ação individual, o acionista visa ao ressarcimento de um prejuízo causado ao patrimônio dele; o resultado da ação, se ela for julgada procedente, irá para o patrimônio do autor da ação.

QUESTÕES SOBRE O CASO BARTH

1. Você concorda com todas as ponderações acima?,2. As condutas de Miguel, relatadas por Roberto, em sua petição inicial,

se caracterizam como lesivas ao patrimônio da companhia ou ao patrimônio do Roberto? Se entender que algumas condutas se carac­terizam como lesivas ao patrimônio da companhia e outras ao patrimônio de Roberto, faça uma distinção entre as diversas con­dutas reportadas.

3. Quais as eventuais repercussões, com relação ao patrimônio da acio­nista Bárbara,: (a) de uma ação individual ajuizada por Roberto?; e (b) de uma ação social derivada ajuizada por Roberto?

4. Caso uma sentença de mérito favorável a Roberto transite em julgado, poderá Bárbara ajuizar uma ação semelhante: (a) contra Miguel? (b) contra a sociedade?; (c) contra Miguel e contra a socie­dade? Qual o seu prognóstico para o desfecho de cada uma dessas ações semelhantes?

5. Quais às eventuais repercussões, com relação aos credores da companhia: (a) de uma ação individual ajuizada por Roberto?; e (b) de uma ação social derivada ajuizada por Roberto?

6. A acionista Bárbara deveria ser envolvida em alguma espécie de litisconsórcio, na ação movida por Roberto?

7. Reflita sobre as eventuais repercussões, com relação aos credores da companhia, considerando as quatro suposições seguintes:

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 219

8. É tranqüila a legitimatio ad causam passiva da sociedade na ação movida por Roberto?

9. A legislação brasileira prevê alguma medida preparatória que pudesse ter sido utilizada por Roberto? Qual ou quais?

10. Existiria alguma incompatibilidade ou algum impedimento de ordem legal ou ética para que 0 mesmo advogado defendesse Miguel e a companhia na ação ajuizada por Roberto?

11. Caso fiquem superadas todas as questões preliminares, qual é o seu feeling sobre o mérito da causa de Roberto?

12. Seriam diferentes os critérios legais para a apreciação deste caso, se a sociedade-ré fosse uma sociedade limitada?

25. QUESTÕES

1. Reflita sobre o conteúdo do § 6o do art. 159. Sobre ele, Waldírio Bulgarelli escreveu o seguinte: “[...] infeliz foi a lei das sociedades anônimas ao conceder um verdadeiro bill de indenidade aos administradores culposos, no § 6o do art- *59 [—]• Pela sistemática do direito de obrigações, são fatores excludentes da responsabilidade apenas a força maior e o caso fortuito; agora, em tema de sociedade anônima, também a boa-fé e o fim visado. Seria ridículo, não fosse triste, e parece mesmo ser ambas as coisas, tal dispositivo, que ensejará por certo, tendo em vista a tendência sempre benévola dos nossos magistrados, que nenhum administrador de companhia, de ora em diante, venha a ser responsabilizado” (Bulgarelli, 1980:164).Você compartilha da opinião de Waldírio Bulgarelli? O § 6o do art. 159, realmente, concedeu “um verdadeiro bill de indenidade aos administradores culposos”?

2. O Superior Tribunal de Justiça já se defrontou com o seguinte caso, aqui narrado muito resumidamente. Em ação de responsabilidade civil contra administrador de companhia, movida com base no § 40 do art. 159, a defesa alegava carência de ação, uma vez que não houve a “prévia deliberação da assembléia-geral”, prevista no caput do artigo. No caso, os autores da ação eram titulares de ações preferenciais sem direito de voto. E o administrador era o mesmo acionista controlador da companhia, com ações representando

2 2 0 SOCIEDADE ANÔNIMA

99% do capital votante. 0 Tribunal se questionou se não seria, “no mínimo, hipócrita exigir-se, nas circunstâncias do caso, a convocação da assem­bléia-geral para deliberar sobre o assunto” (STJ, REsp. n. 16.410 - SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, im DJU, 16.5.1994, p. 11771; RSTJ v. 59, p. 221).O que você pensa a respeito?

3. A assembléia-geral delibera promover ação de responsabilidade civil contra o administrador da companhia. Transcorrido o prazo de três meses sem nenhuma iniciativa nesse sentido, um acionista propõe a ação social derivada. Esta vem a ser julgada improcedente e o autor é condenado a pagar os ônus da sucumbência (custas processuais e honorários de advogado). Nesta hipótese, o acionista fará jus a uma indenização pelas despesas havidas em virtude dessa ação?

4. A assembléia-geral delibera não promover a ação de responsabilidade civil contra o administrador da companhia. Um acionista representando 5% do capital social propõe a ação social derivada. Esta vem a ser julgada improce­dente; e o autor é condenado a pagar os ônus da sucumbência. Nesta hipótese, o acionista fará jus a uma indenização pelas despesas havidas? Ainda nesta hipótese, a propositura da ação social derivada pelo acionista toma o admi­nistrador acionado impedido, nos termos do art. 159, § 20? E se o administra­dor da companhia puder continuar no cargo, qual será o padrão de comporta­mento ético do advogado da companhia, caso esta venha a participar da ação?

5. No seu entendimento, é possível o voto por procuração no conselho de administração?

6. Reflita sobre a analogia entre a business judgment mie (art. 159, § 6o) e a teoria dos poderes implícitos dos administradores públicos.

7. Reflita sobre as seguintes questões:a) A culpa exclui a boa-fé na responsabilização civil?b) Qual o papel do advogado da companhia nas ações de responsabilidade

civil contra administradores e controladores?c) Fatores meta-jurídicos, como a religião, o sexo, as convicções políticas e

filosóficas do magistrado e outros influem nas decisões judiciais?d) O conselho de administração da Companhia Vale do Paranaíba

compõe-se de cinco conselheiros. Na AGO compareceram 60.000 ações votantes. Quantos votos serão necessários para a eleição de um conselheiro, pelo sistema do voto múltiplo?

e) O conselho de administração da Construtora Colméia S.A. compõe-se de 9 conselheiros. Na AGO compareceram 100.000 ações votantes. Quantos votos serão necessários para a eleição de 2 conselheiros pelo sistema do voto múltiplo?

f) O conselho de administração da Siderúrgica Eiffel S.A. compõe-se de 6 conselheiros. Na AGO compareceram 8.750 ações votantes. Quantos votos serão necessários para a eleição de 4 conselheiros, pelo sistema do voto múltiplo?

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 221

8. Comente sucintamente o seguinte trecho: “Entretanto, o sistema instituído por nossa lei deve ser examinado em particular porque não traduz exatamente a prática norte-americana. Sendo, portanto, entre nós, uma faculdade, como dissemos, que visa assegurar à minoria a repre­sentação no conselho, é evidente que só as ações pertencentes àqueles acionistas, e que correspondem a um décimo do capital social, gozarão do voto múltiplo. Se tal não fosse, e se admitisse que, em conseqüência do exercício dessa faculdade, todas as ações tivessem voto múltiplo, a situação tomar-se-ia a mesma, ou talvez em piores condições para a minoria, sem a possibilidade de eleger sequer um representante” (Sampaio de Lacerda, 1978:153)

9. Pode ser eleito administrador de uma companhia a pessoa que esteja sendo processada por crime de peculato? (esta questão já foi submetida ao Tribu­nal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul - .AT248/248-250).

10. Caio era diretor da Cia. Sun e também diretor da Cia. Moon. A Cia. Sun emprestou à Cia. Moon somas de dinheiro que não foram pagas. Tício entende que os empréstimos foram ultra vires e pretende responsabilizar Caio (Caso Everett vs. Phillips, 288 N.Y. 227, Court of Appeals of New York, 1942). Opine. Se julgar que faltam dados para a sua resposta, faça as suposições cabíveis.

11. O estatuto da Baco S.A. é omisso quanto ao dividendo obrigatório. A assem­bléia-geral, com base no art. 202, § 30, da Lei n. 6.404/76 deliberou que, com relação ao exercício recém-terminado, a companhia distribuiria o divi­dendo de 25% do lucro líquido ajustado. No momento, a atual diretoria da companhia encontra-se reunida para discutir a pretensão de um ex-diretor, afastado no final do primeiro trimestre do exercício social e que alega fazer jus à participação nos lucros, prevista no estatuto, na base de 3/12, ou seja, 25%. É certo que o balancete do i° trimestre acusou um excelente desempe­nho financeiro da companhia. Oriente o pessoal.

12. Camila Varella foi eleita diretora da Fotos & Montagens Abdalla S.A. para um período de gestão de dois anos. No final do primeiro ano, a assem­bléia-geral extraordinária, considerando que a empresa se encontrava deficitária, e sem condições de desenvolver as suas atividades operacio­nais, deliberou suspender a remuneração dos diretores por prazo indeterminado. Camilla Varella pede o seu parecer sobre o assunto.

13. Atendendo a pedido da Irmã Clara, Madre Diretora do Orfanato local, Tício autorizou a Tesouraria da Cia. Titanius a pagar as contas de luz atrasadas daquela instituição, o que gerou imediato protesto de alguns acionistas, deixando Tício muito preocupado. Comente o assunto.

14. Mévio, diretor da Lux S.A., resolveu estudar Direito. Outro dia, lendo a Lei das Sociedades por Ações, ele ficou muito preocupado, pois constatou um possível conflito entre o § 2° da Cláusula Sétima do Estatuto da companhia e 0 art. 142, II, da Lei. O referido § 2° reza que “os membros da Diretoria

SOCIEDADE ANÔNIMA

escolherão, entre si, o Presidente”. Mévio indaga se não seria conveniente alterar o Estatuto social, para adequá-lo à Lei. Oriente-o.

15. Os diretores da Transportadora São Cristóvão S.A. adotaram a polídca de orientar os seus motoristas a trafegarem em velocidade acima dos limites estabelecidos pela legislação do trânsito. Essa política baseou-se em estudo prévio, que concluiu valer a pena os motoristas trafegarem em velocidade acima dos limites, pois os fretes recebidos pela companhia aumentam em decorrência da redução dos prazos de entregas. Como conseqüência da adoção dessa política, a companhia pagou, no último exercício social, R$ 25.000,00 de multas; mas, em compensação, os lucros aumentaram em R$ 100.000,00, gerando, pois, um proveito de R$ 75.000,00. Um acionista ajuizou ação social derivada de responsabilidade civil contra os diretores da Transportadora São Cristóvão S.A., pedindo que os réus devolvam ao patrimônio social os R$ 25.000,00 pagos a título de multas de trânsito. O que você pensa dessa ação?

16. A Transportadora Veloz S A pagou R$ 25.000,00 em multas de trânsito. Seus motoristas agiram de acordo com política adotada pela administração da companhia, no sentido de valer a pena trafegarem em velocidade acima dos limites permitidos pela legislação do trânsito, pois os fretes recebidos aumentam em virtude da redução nos prazos de entrega. Comparando valores, e recordando-se vagamente de um texto que lera, na Faculdade, sobre a análise econômica do direito {Law and Economics), o diretor- presidente da Veloz, Sr. X, constatou que, no mesmo período em que foram aplicadas as multas, 0 lucro da Veloz aumentou em R$ 100.000,00. E concluiu que a companhia, na verdade, economizou R$ 75.000,00. Pergun­ta-se: Pode um acionista, por meio de ação social derivada (art. 159, §§ 30 e 40), pedir que os diretores da Veloz restituam à companhia os R$ 25.000,00 pagos em multas de trânsito?

17. Leia esta notícia e responda às perguntas seguintes:

“Mais confusões no horizonte.

Quanto mais se penetra nas entranhas da Vasp, mais se descobrem coisas do arco-da-velha. Todas com um pé na irregularidade. O Ministério Público Federal apurou que os uniformes dos tripulantes da empresa de Wagner Canhedo são fabricados - a preço de grife chique - pela Polifábrica, uma empresa de... (adivinhe?) Wagner Canhedo e seus dois filhos. Estaria tudo perfeito se a Vasp não fosse uma companhia aberta e, portanto, sujeita às regras das sociedades anônimas. Por causa dessa relação muito especial entre a Vasp e a Polifábrica, Canhedo é passível de inquérito administrativo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sob a acusação de abuso de poder de controle.”(Revista Veja, n. 44, ano 33, edição 1673, p. 33, i° nov. 2000)

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA COMPANHIA 223

Perguntas

a) Que dispositivos da Lei da Sociedade por Ações têm a ver com 0 caso obj eto da reportagem?

b) Tais dispositivos se aplicariam se a Vasp fosse uma companhia fechada?c) Estaria, realmente, “tudo perfeito, se a Vasp não fosse uma companhia

] aberta”?d) As compras e vendas de uniformes, celebradas entre a Vasp e a Polifábrica,

são, em princípio, nulas, anuláveis, ineficazes ou válidas?e) Caso se comprove que as compras de uniformes foram efetuadas por preço

acima do que prevalece no mercado para mercadorias de igual qualidade, qual a medida judicial cabível, e contra quem?

26. TESTES

1. X, diretor da companhia Y, vende a esta um imóvel de sua propriedade. O contrato de compra e venda éa) nulo de pleno direitob) ánulávelc) imorald) válido, desde que em condições razoáveis e eqüitativas

2. O chamado “dever de lealdade” do administrador diz respeito, principal­mente, às suas relaçõesa) com o Governob) com a companhiac) com o corpo acionáriod) com a companhia e com o corpo acionário

3. O dever que o administrador de uma S.A. tem de empregar, no exercício de suàs funções, 0 cuidado que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios é denominado dever dea) obediênciab) diligênciac) lealdaded) respeito

4. O art. 159 disciplina a ação de responsabilidade da companhia contra o seu administrador. O seu § 6o corresponde ao seguinte princípio, encontrado na jurisprudência norte-américanaa) insider tradingb) business judgment rulec) piercing the corporate veild) full disclosure

224 SOCIEDADE ANÔNIMA

5. A CVM aplicou ao Sr. J.F.T.L.M., membro do conselho de administração e filho do diretor-presidente da Supergasbrás Indústria e Comércio S.A., a pena de multa de 500 ORTNs.46 É que o ‘referido senhor comprou 866.000 ações da Supergasbrás de 26.09 a 13.10.1978 e as vendeu, integralmente, de 13.11 a 27.11.1978, tendo se valido de informação privilegiada, a que tinha acesso como membro do conselho de administração da companhia. A informação privilegiada consistia na ciência da venda de dois prédios à IBM, pelo valor de 33 milhões de dólares, o que traria à companhia vendedora um lucro de 433 milhões de cruzeiros, quase duas vezes e meia o lucro operacional obtido no exercício de 1978/79 (DOU24-4.ig8i, Seção I, fls. 7-421-4)-O caso em foco tem relação com o seguinte princípio teórico:a) ultra viresb) piercing the corporate veilc) insider tradingd) fiill disclosuree) bonuspaterfamíliasf) business judgment rule

46 As ORTNs (Obrigações Reajustáveis dò Tesouro Nacional) foram substituídas pelos BTNs (Bônus do Tesouro Nacional).

Capítulo 11

O b r ig a ç õ e s , d ir e it o s

E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA

1. OBRIGAÇÕES DO ACIONISTA

Inicialmente, consigne-se que o acionista tem o dever de agir de boa-fé, sem dolo nem culpa. A lei prevê, expressamente, ação civil contra o acio­nista que: a) praticar atos culposos ou dolosos; b) violar a lei, o estatuto ou convenção de grupo (art. 287, II, b), ou c) receber dividendos de má-fé (art. 287, II, c).

O acionista controlador tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comuni­dade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender (art. 116, parágrafo único)

Mais especificamente, a lei explicita as seguintes obrigações principais para o acionista:

1. Dever de exercer 0 direito de voto no interesse da companhia, evitando o abuso de direito e o conflito de interesses (art. 115);

2. Realizar, nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subs­crição, as prestações correspondentes às ações subscritas ou adqui­ridas (art. 106).

Além dessas duas obrigações principais, outras existem, difusas no texto legal (por exemplo: arts. 4°-A, § 30, 215, § 2° e 116-A).

A obrigação de exercer o direito de voto no interesse da companhia não é de fácil apreensão à primeira vista. Contudo, toda a dificuldade dissipar-se-á se se pensar na importância decisiva do voto do acionista controlador que poderia, com ele, praticar atos com abuso de poder. Num dos casos apresen­tados neste Capítulo, será submetida ao leitor uma situação na qual se poderia pensar no abuso do direito de voto por parte do acionista minoritário.

226 SOCIEDADE ANÔNIMA

O Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais já declarou ser abusivo o voto do “acionista impedido, porque beneficiado de modo particular”.1

Algumas reflexões sobre o abuso do direito e o desvio de poder

Segundo Miguel Reale, citado por Franceschini & Franceschini (1985:523), “as teorias do abuso de direito e do abuso de poder desenvolve- ram-se em esferas distintas, respectivamente do Direito Privado e do Direito Público, mas, aos poucos, vieram convergindo no sentido de uma compreensão, por assim dizer, complementar”.

Luiz Fernando Schuartz observa que, “para os particulares, o abuso do poder (econômico) aproximar-se-ia do abuso de direito, instrumento teórico desenvolvido no começo deste século pela dogmática do direito privado para fazer frente a atos praticados por um agente determinado, dentro da órbita de seu direito subjetivo, cujo propósito (corrente subjetivista) ou conseqüência (corrente objetivista ou finalista) fosse um mal a outrem ou à coletividade”. E, em seguida, cita a consagrada lição de Alvino Lima sobre o abuso do direito: “aquele [...] que age obedecendo apenas aos limites objetivos da lei, mas que no exercício do direito que lhe confere preceito legal, viola os princípios da finalidade econômica e social da instituição, de sua destinação, produzindo o desequilíbrio entre o interesse individual e o da coletividade, abusa de seu direito”.2

Quanto ao abuso do poder econômico, particularmente, Luiz Fernando Schuartz chama a atenção para o fato de que a Lei n. 8.158/91, que institui normas para a defesa da livre concorrência, em seu art. i°, faz referência expressa a “anomalias de comportamento”.3 Apresentaria anomalia de com­portamento 0 acionista poderoso que, com segundas ou ocultas intenções, exercesse abusivamente o seu direito, a fim de burlar as normas para a defesa da livre concorrência.

Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, “mesmo sem agir (subjetivamente) de modo deliberado (dolo direto), [o] ato abusivo [do agente] pode (ou não) repercutir na livre concorrência, distorcendo-a. Se não quisermos falar em responsabilidade objetiva, teremos que falar em dolo eventual, devendo a lei presumir que 0 agente, ao praticar atos negociais, assumiu como possíveis eventuais conseqüências lesivas para o mercado” (Ferraz Jr., 1995:275).

1 Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível n. 0206762-3 - Comarca de Visconde do Rio Branco. Rel: Juiz Quintino do Prado.

2 SCHUARTZ, Luís Fernando. Poder econômico e abuso do poder econômico no direito da concorrência brasileiro. Revista de Direito Mercantil 94:13-27, p. 22.

3 SCHUARTZ, Luís Fernando. Op. cit., p. 24.

OBRIGAÇOES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 227

2. CASO LEBLON

(RT615/162-167 - jan. 1987)

A Leblon Hotelaria SA era companhia fechada e familiar. Mário Câmara Cruz detinha 98% do capital votante. Os restantes 2% eram possuídos por sua esposa, Sydônia Machado Cruz. Com o falecimento de Mário, Sydônia foi nomeada inventariante do espólio.

Em agosto de 1983, Sydônia, na qualidade de diretora-presidente da companhia, sem prévia autorização da assembléia-geral e contrariando o estatuto social, vendeu um apartamento duplex do patrimônio social, situado na rua Nascimento Silva, em Ipanema.

O apartamento, avaliado no mês de maio de 1982 em 32 milhões, ou 20.273,98 ORTNs4 como valor para venda à vista, foi alienado em agosto de 1983, 14 meses depois, por 38 milhões, que então representavam 7.655,25 ORTNs, com entrada de 8 milhões e o saldo parcialmente congelado.

Posteriormente, Sydônia convocou a assembléia-geral, que, com o voto do espólio, por ela representado, ratificou a transação.

A acionista Vera Lúcia Condé, filha de Mário e Sydônia, titular de 18.027 ações, correspondentes a 0,1202% do capital social, ajuizou ação objetivando ver declarada a nulidade do voto dado na assembléia-geral, voto esse que, afirmou, teria entrado em conflito com os interesses da sociedade, quando ratificou a venda feita, por preço vil, do imóvel de propriedade da sociedade. No decorrer do processo, com o término do inventário, Vera Lúcia tornou-se herdeira de 25% das ações deixadas por seu pai.

Envolveu-se também na ação a acionista Synia Machado Cruz, também filha de Mário e Sydônia, irmã da autora, Vera Lúcia Condé.

O juiz de Direito julgou a ação improcedente.A 6a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

negando provimento ao recurso de apelação, confirmou a decisão, com voto vencido do Revisor, Des. Raul Quental.

Em grau de embargos infringentes, o 40 Grupo de Câmaras Cíveis Reu­nidas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, também por maioria, contra os votos do Relator, Des. Narcizo Pinto, e do Des. Rui Domingues, mudou a decisão, dando ganho de causa à autora.

Seguem-se excertos dos votos vencidos e vencedores.

1. “[...] lamentável e penosa a pretensão de acionista proprietária de 18.027 ações, correspondentes a 0,1202% do capital social [...] de

4 As OTRNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) foram substituídas pelos BTNs (Bônus do Tesouro Nacional)

228 SOCIEDADE ANÔNIMA

sociedade anônima fechada, familiar, no sentido de ver decretada a nulidade de voto proferido em assembléia-geral extraordinária pela acionista mãe da autora, representando o espólio do pai, fundador da sociedade e detentor de 98% das [...] ações que compõem o capital social. É que, segundo o colorido da petição inicial, o voto anulado seria ilegal, porque proferido por sócio com interesse conflitante com os da sociedade, eis que com sua força majoritária permitiu que se ratificasse na aludida assembléia a alienação de bem da sociedade, sem motivação econômica ou financeira, abaixo do preço real, e, por isso, contrária aos interesses sociais. Além do mais, a sra. Sydônia, mãe da autora, representante do espólio do pai desta e marido daquela, votou ratificando o ato de alienação por ela prati­cado, pernicioso para 0 patrimônio social e, por isso, conflitante com os [interesses] da sociedade, o que resulta em ofensa ao art. 115 da Lei das Sociedades Anônimas, que considera anulável a deliberação tomada pelo voto de sócio com interesse conflitante com os da socie­dade [...]. Além do aspecto moral subjetivo, indefensável, a ação não pode prosperar no plano material do Direito objetivo, tendo em vista os fatos enfocados nos autos e as normas pertinentes à espécie. Como se vê das alegações da petição inicial, pretende-se a anulação da assembléia de que se trata porque nela deliberou-se em contrário aos interesses sociais e em conflito de interesse entre a acionista votante e os da companhia. Tais eventos, no entanto, não se verifica­ram na espécie, e, ainda que tivessem ocorrido, não permitiriam as conseqüências objetivadas na ação. O voto contrário aos interesses sociais, dando lugar à figura do abuso do direito de voto, é tratado no caput e § 3o [do art. 115] [...]. Já o voto conflitante com interesse social, nos §§ i° e 40 [do art. 115]. Qual a sanção ou a conseqüência para o voto com conflito de interesses? Anulação (§ 40), mais perdas e danos [...]. Como se vê, a conseqüência pretendida pela autora da presente ação, a anulação da decisão, não poderá ser obtida nos casos de voto prejudicial ao interesse social, mas apenas nos casos de voto exercitado em conflito entre os interesses do acionista e os da sociedade. É claro que, mesmo não se caracterizando aqui o voto em colisão de interesses - acarretante da anulação da deliberação - o abuso de direito de voto daria lugar à responsabilização civil do votante, no caso, 0 espólio do acionista controlador, que foi repre­sentado por Sydônia, conforme § 30 do art. 115 da Lei das Sociedades Anônimas. O que se há de determinar agora é se 0 voto de Sydônia emitiu-se em colisão de interesses com o da sociedade ou foi apenas

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 2 9

prejudicial à mesma. Na verdade, ela votou duas vezes. Uma em nome próprio, representando uma ínfima parcela do capital social, talvez menos de 1%. E tal voto, embora vicioso, não tinha forças, dada sua inexpressividade em relação ao capital, a construir qual­quer deliberação, num ou noutro sentido. O outro seu voto, aquele que exarou em nome do acionista controlador, representando 98% do capital, este, sim, foi decisivo para a deliberação. Mas este voto não era seu. O direito não confunde a pessoa do representante com a do representado. Quem votou com 98% do capital foi 0 espólio. E este, eventualmente, poderá ser responsabilizado, sendo certo que sua responsabilização irá atingir forçosamente quem 0 representava, a indigitada Sydônia. Poderia o de cujus, se vivo estivesse, votar como votou o seu espólio? Sim. Tem 98% do capital. E a venda seria aprovada. Aprovada, mas sem excluir a responsabilização do alienante. Infelizmente, o conflito de interesses em causa só se poderá resolver noutra ação, porque anulação da deliberação da assembléia é efeito só atingível nos casos de acionista votante em conflito com o interesse social [...]. Em suma, o acionista tem todo o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, inclusive propondo a responsabilidade civil dos votantes em contrário aos interesses sociais e a dos administradores da companhia (Lei n. 6.404, art. 159 e §§). Mas esse direito não inclui o de anular decisão de assembléia-geral, a não ser nos casos do § 40 do art. 115 da lei, que não estão presentes na espécie. Observé-se, finalmente, que, consoante prescreve o art. 159 da Lei n. 6.404/76, compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, ação de responsabilidade civil contra o adminis­trador pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. É certo que qual­quer acionista poderá propor a ação, se não for proposta pela compa­nhia nos três meses da deliberação da assembléia-geral (art. 159, § 30). Todavia, somente acionistas que representam 5%, pelo menos, do capital poderão fazê-lo se a assembléia deliberar não propor a ação, o que não ocorre com a autora, detentora de fração inferior a 1% do capital. Ciente dessa realidade legal, a autora, com o exclusivo propósi­to de perturbar a tranqüilidade da sociedade, e visando à pessoa de sua genitora, presidente da emprésa, ingressou com a presente demanda carente de qualquer respaldo em lei. Correta, pois, a solução dada ao feito pela decisão recorrida, julgando improcedente tão desprimorosa quanto descabida pretensão.”“[...] Consumada tal alienação, com desrespeito frontal do disposto no estatuto e evidente prejuízo para o patrimônio da sociedade,

230 SOCIEDADE ANÔNIMA

pretendeu Sydônia convalidar o seu ato, submetendo-o à aprovação da assembléia-geral. Na assembléia para tanto convocada, foi a operação aprovada contra o voto da autora, tendo Sydônia exercido o direito de voto na qualidade de representante legal do espólio detentor de 98% do capital. Semelhante deliberação é anulável, nos termos do art. 115, §§ i°, infine, e 40, da Lei n. 6.404/76. Com efeito, 0 ato praticado por Sydônia na qualidade de diretora-presidente deu lugar à sua responsabilidade civil perante a sociedade, de acordo com 0 disposto no art. 158, II, da Lei n. 6.404, eis que importou em violação à regra estatutária expressa. Essa circunstância configurou a colisão de interesses entre Sydônia e a sociedade e acarretou 0 impedimento daquela para votar a aprovação de seu próprio ato, como previsto no art. 115, § Io, in fine. Dir-se-á que a regra legal se refere ao acionista e que Sydônia não votou nessa qualidade, e, sim, na de representante legal do acionista Espólio de Mário Câmara Cruz. Mas a ratio legis conduz a se dever reconhecer o impedimento mesmo nesse caso. O próprio de cujus, se vivo fosse e tivesse praticado 0 ato, não poderia votar a sua aprovação, por mais acionista controlador que fosse, pois a lei atribui ao acionista dessa espécie que exerce cargo de administrador os deveres e responsabilidades próprios do cargo (art. 117, § 30) e estaria ele igualmente impedido de ratificar 0 ato de que lhe teria advindo a responsabilidade civil. Não se compreende, então, que Sydônia esteja imune ao impedimento apenas por força da sutileza de não ter votado em seu próprio nome, e sim no do espólio. Na realidade, 0 que a lei não quer é que participe da votação quem estiver em situação de conflito de interesses com a companhia, tanto fazendo que essa pessoa seja acionista, ou repre­sentante legal deste, pois em qualquer dos casos o voto terá sido dado, presumivelmente, contra 0 interesse da sociedade. Na espécie, essa presunção está mais que confirmada diante das características ruinosas do negócio aprovado. A interpretação literal do art. 115, § 1°, para excluir-se do impedimento 0 representante legal do acio­nista, importaria em escancarar-se a porta a fraudes de todo 0 tipo, 0 que não pode estar no espírito da regra legal [...]. Por tais motivos, voto dando provimento ao recurso, para julgar procedente a ação, nos termos do pedido inicial [...].”

3. “A anulação de voto de acionista está prevista no § 40 do [...] art. 115 e só pode ocorrer na hipótese de voto proferido por acionista que tenha interesse conflitante com o da companhia. Para outras hipó­teses, inclusive a de prejuízo à sociedade, 0 que a lei prevê é a

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 231

responsabilidade civil do acionista (§ 30). Os casos em que pode ocorrer colisão de interesses estão previstos no § i° do mesmo artigo e referem-se a deliberações relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador; e quaisquer outras deliberações que possam beneficiar o acionista de modo particular, ou em que tiver interesse contrário ao da companhia. Além dessas hipóteses tipificadas como vedativas do exercício do voto, a abstenção só pode ter como fundamento a existência de conflito de interesses, que, como 0 próprio nome indica, se configura quando o interesse do acionista se apresenta em oposição ao da sociedade. O caso dos autos não se refere a qualquer das hipóteses típicas acima mencionadas, pois aqui não se discute sobre deliberação relativa ao laudo de ava­liação, nem a respeito de contas de administrador. Como visto, a pretensão deduzida [...] assenta na alegação de que o voto proferido pela inventariante do espólio do acionista majoritário seria nulo porque resultou na aprovação de operação imobiliária. É de se ver, contudo, que nada há nos autos que autorize a afirmar que entre a aludida inventariante e a sociedade havia um conflito de interesses, a impedir que aquela exercesse, em nome do espólio, o direito de voto na assembléia que aprovou a promessa de cessão. O fato de a pro­messa ter sido feita por preço [...] inferior ao de mercado, por si só, não configuraria conflito de interesses a justificar a anulação da deliberação assemblear [...]. Destarte, só se poderia anular a assem­bléia, com base em ‘conflito de interesses’, se ficasse iniludivelmente demonstrado que estava em jogo interesse da inventariante a ser satisfeito com sacrifício do interesse social. Nesse sentido, porém, nada se demonstrou. Ainda que se admita, para argumentar, que a promessa de cessão foi feita por preço inferior ao que valia, isto não quer dizer que algum interesse da inventariante houvesse sido satis­feito [...]. Criou-se neste processo um precedente que subverte os princípios mais tradicionais da gestão de sociedades mercantis [...]. Nas sociedades de capital yigora o princípio basilar do sistema capi­talista, segundo o qual, nas deliberações, prevalece a vontade dos que representam a maioria do capital social. Agasalhou-se, neste processo, a inaceitável interpretação da Lei das Sociedades Anôni­mas, segundo a qual o voto representativo de 98% do capital social não pode ser lançado, devendo ser dado como ‘impedido’ aquele que o representa sempre que a deliberação tiver por objeto a ratificação de ato de diretor que seja também o acionista majoritário. Em outras

232 SOCIEDADE ANÔNIMA

palavras: se o acionista majoritário é também diretor, deveria abster-se de votar na assembléia, ficando a ratificação dos seus atos à mercê da boa vontade de acionista titular de apenas 1% do capital social. Pode-se aceitar esta ‘interpretação’ da vigente Lei das Sociedades Anônimas? - Não [...].”

4. “[...] De que a operação (transação imobiliária) foi ruinosa ao inte­resse da sociedade não se tem dúvida, já que a venda foi celebrada, de fato, por preço vil, e, ademais, efetivada por procurador da socie­dade que não exibia alvará judicial, in casu, imprescindível, porque, à época, já era falecido o sócio majoritário da sociedade [...]. É indiscutível [...] que se está diante de voto através do qual ratificou- se transação feita em conflito com os reais interesses da [...] socieda­de, não se podendo deixar de reconhecer que 0 sócio que se declara favorável à aprovação de transação ruinosa aos interesses da socie­dade, indiscutivelmente, está-se pondo em conflito com os interesses da mesma sociedade [...]. O que não se pode tolerar é que tal sócio (administrador) possa votar em descompasso com os interesses da própria sociedade (art. 115, § i° da Lei das Sociedades Anônimas). No caso dos autos, tal descompasso ou conflito, de fato, se instalou quando a inventariante do espólio do sócio majoritário votou no sentido da ratificação de transação verdadeiramente ruinosa para a sociedade. Quanto à alegação [...] de que somente o acionista que represente 5% do capital social poderia promover a anulação de deliberação da natureza da presente, não colhe, só valendo o argu­mento quando, na hipótese do art. 159, § 40, da Lei das Sociedades Anônimas, se estiver pretendendo ver reconhecida a responsabilidade civil do administrador por atos praticados [...]”•

Comentário do Caso Leblon

1. O caso acima apresenta enorme potencial para uma rica e proveitosa discussão. A esta altura deste livro, o estudante, provavelmente, ainda não terá condições de apreendê-lo em todo 0 seu conteúdo e extensão. Recomenda-se ao leitor que volte a ele, novamente, depois de haver estudado 0 capítulo que trata dos deveres e responsabili­dades do administrador.

2. E importante reter que a ação em tela neste caso objetivava “ver declarada a nulidade de voto dado em assembléia de acionistas, voto esse que, se afirma, teria entrado em conflito com os interesses da sociedade, quando ratificou venda feita por preço vil de imóvel de

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 3 3

propriedade da mesma sociedade”. Obviamente, declarada a nulidade do voto de ações representando 98% do capital votante, nula ficaria a assembléia-geral, na qual ele foi proferido.Não se trata, pois, de ação de anulação da venda efetuada nas circunstâncias descritas. Sequer se sabe quem foi o comprador. Não se trata, também, de ação de responsabilidade civil contra Sydônia. Ao que tudo indica, não se tratava de venda do apartamento duplex com 0 conflito de interesses referido no art. 156. Sydônia não comprou o apartamento vendido pela sociedade.Sem dúvida, Sydônia descumpriu os seus deveres de obediência (à lei e ao estatuto social) e de diligência. O apartamento duplex fazia parte do ativo permanente imobilizado da companhia (art. 178, § i°, c, c.c. o art. 179, IV). Compete ao conselho de administração (e, na falta deste, à assembléia-geral), se o estatuto não dispuser em contrário, autorizar a alienação de bens do ativo permanente (art. 142, VIII). O estatuto social não conferia poderes a Sydônia para alienar bens do patrimônio social. Ademais, o administrador que, mesmo autorizado pelo estatuto, aliena bens sociais por preço notoriamente inferior ao valor de mercado não age como o homem ativo e probo costuma agir na administração de seus próprios negócios (dever de diligência - art. 153).Quando o administrador (e o controlador também) descumpre os seus deveres, ele responde civilmente pelos prejuízos que causar. A ação de responsabilidade civil pode ser movida pela própria sociedade, pelos seus substitutos processuais ou por qualquer acionista direta­mente prejudicado pelo ato do administrador (art. 159 e seus §§). Mas a ação proposta no caso Leblon não era uma ação de responsa­bilidade civil.A ação ajuizada no caso em foco foi, finalmente, julgada procedente. A autora ganhou a ação. Obteve uma vitória processual. Mas - pergunta-se - o que, exatamente, ela ganhou com isso? Não se tratava - repete-se - de ação anulatória da venda realizada. Logo, a decisão do Tribunal não poderia desfazê-la, mesmo porque o com­prador sequer foi mencionado no processo. Também não se tratava de ação de responsabilidade civil. Logo, a decisão não poderia condenar Sydônia a pagar qualquer indenização.A ação, tal qual foi postulada, só poderia ser julgada procedente. Vejamos porque. Sydônia descumpriu os seus deveres de obediência (à lei e ao estatuto social) e de diligência, como vimos. A ratificação

234 SOCIEDADE ANÔNIMA

da venda, nas circunstâncias descritas no caso não poderia ser efetuada por ela própria, com o fito de obstar a eventual ação de responsabilidade civil contra ela.

9. Várias outras observações se insinuam à mente, mas são delibera­damente omitidas aqui.

Obrigação de pagar o preço das ações

0 descumprimento da segunda obrigação do acionista (realizar, nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas) caracteriza-o como re- misso ou inadimplente. Verificada a mora do acionista, a companhia poderá optar entre: a) executá-lo judicialmente; ou b) mandar vender as suas ações em bolsa. Curiosamente, 0 § 3o do art. 107 faculta à companhia, mesmo após iniciada a cobrança judicial, mandar vender as ações em bolsa de valores. Aparentemente, essa faculdade poderá encontrar alguns óbices na legislação processual (Depois de decorrido 0 prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação [CPC, art. 267, § 40]. Quanto à execução, Theotonio Negrão anota 0 seguinte: “A desistência prescinde do consentimento do executado (STF - RT, 586/249, JTA, 49/136, RP, 27/305). É controvertida a desistência após a apresentação de embargos à execução [pela afirmativa: RT, 506/152 e JTA, 49/95; pela negativa: RT, 622/109, maioria, JTA, 46/108,100/181,103/143, maioria]. Se admitida a desistência, porém, 0 exeqüente deve pagar honorários ao executado embargante [art. 26 do CPC]” (Negrão, 1992).

Se a companhia não conseguir, por qualquer dos meios previstos, a integralização das ações, poderá declará-las caducas e fazer suas as entradas realizadas, integralizando-as com lucros e reservas, exceto a legal. Se não tiver lucros ou reservas suficientes, terá 0 prazo de um ano para colocar as ações caídas em comisso, findo 0 qual, não tendo sido encontrado comprador, a assembléia-geral deliberará sobre a redução do capital em importância correspondente.

Transferência de ações não integralizadas

As ações não integralizadas podem ser transferidas. As ações da compa­nhia aberta somente poderão ser negociadas depois de realizados 30% do preço de emissão, sob pena de nulidade do ato (art. 29). Nas companhias fechadas não existe essa limitação. Contudo, por aplicação do princípio da autonomia da vontade, nada impede que o estatuto social estabeleça limitação semelhante.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 235

O acionista que alienar ação não integralizada continuará responsável solidariamente com o adquirente pelas prestações que faltarem. Tal responsa­bilidade cessará, em relação a cada alienante, no fim de dois anos, a contar da data da transferência da ação (art. 108).

Acionista residente ou domiciliado no exterior

O acionista residente ou domiciliado no exterior deverá manter, no Brasil, representante com poderes para receber citação em ações contra ele propostas com fundamento na Lei n. 6.404/76. E, mais, 0 exercício, no Brasil, de qualquer direito de acionista, confere ao mandatário ou representante legal qualidade para receber citação (art. 119).

3. DIREITOS DO ACIONISTA

Ao explicitar os direitos essenciais do acionista, a lei não elimina a existência de direitos não essenciais. Pelo contrário, ela própria regula minu­ciosamente um dos direitos não essenciais: o de voto. Os direitos do acionista costumam ser classificados em duas espécies distintas:

1. Direitos essenciais, também chamados individuais (aqueles arrolados no billofrights do art. 109), que não podem ser subtraídos nem pelo estatuto nem pela assembléia-geral; e

2. Direitos não essenciais, também denominados sociais, que podem existir ou não; o exemplo típico é o direito de voto.

Direitos essenciais do acionista

Vamos concentrar a nossa atenção sobre os direitos essenciais dos acio­nistas. Estudaremos sucintamente cada um deles, tratando com mais detalhe apenas do direito de retirada ou de recesso.

1. Direito de participar dos lucros sociais. Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes (art. 20). A finalidade lucrativa, no Brasil, é da essência da sociedade anônima. A expressão “finalidade lucrativa” comporta uma explicação. Ela significa que os lucros ou parte deles devem ser repartidos entre os sócios. Não significa apenas que a companhia deva produzir lucros. Quando se fala em “associação civil sem finalidade lucrativa”, tal afirmação significa, tão somente, que os lucros porventura auferidos não podem ser repartidos entre os as­sociados. Uma associação civil sem finalidade lucrativa pode, sim, gerar lucros ou superávit, só não pode reparti-los entre os associados. Deverá reinvesti-los a bem da própria atividade por ela desenvolvida.

236 SOCIEDADE ANÔNIMA

Na companhia, os lucros devem ser distribuídos entre os acionistas. Essa distribuição se faz sob a forma de dividendos. João Eunápio Borges já chamou a atenção para o fato de que a terminologia legal não coincide com a da Aritmética. Nesta, dividendo é aquilo que vai ser dividido. O resultado da divisão é o quociente. Na terminologia da lei, dividendo é o resultado da divisão do lucro a ser distribuído pelo número de ações existentes.

“Os dividendos devem ser pagos da maneira mais conveniente ao [acio­nista], devendo a companhia desobrigar-se do pagamento desde logo, no prazo legal” (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. RT670/142. - ago. 1991).

A falta reiterada da distribuição de dividendos revela que a companhia não está atingindo o seu fim, justificando-se o pedido de sua dissolução com funda­mento no art. 206, II, b (“Dissolve-se a companhia: [...] II - por decisão judicial: [...] b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social”).

Apesar de esse mesmo dispositivo já existir nas leis anteriores, a política de dividendos no Brasil jamais foi levada a sério. Muitas companhias brasileiras nunca distribuíam dividendos, ou 0 faziam em percentuais meramente simbólicos, afastando investidores do mercado de valores mobiliários. Não obstante, ninguém se animava a requerer a dissolução da sociedade alegando que ela não atingia o seu fim.

Com 0 objetivo de alterar esse estado de coisas e atrair os investidores para o mercado de ações, a lei atual criou o chamado dividendo obrigatório (art. 202). Desta forma, a política de dividendos, que nos países capitalistas desenvolvidos fica a cargo do poder discricionário dos administradores, passou a ser rigidamente disciplinada pela lei.

Parece, entretanto, que o tiro saiu pela culatra. Agora, limitando-se a pagar 0 dividendo obrigatório, a companhia cumpre a lei, e ninguém mais pode reclamar.

Normas sobre o dividendo obrigatório (art. 202)

A lei dispõe que “os lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 deverão ser distribuídos como dividendos” (art. 202, § 6o). Nesses dispositivos, a lei dispõe sobre reserva legal, reservas estatutárias, reservas pára contingências, retenção dè lucros, resérvas de lucros a realizar e reservas de capital.

O percentual do dividendo obrigatório é fixado livremente no estatuto social. O estatuto pode estabelecer 0 dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.

Observe esta seqüência:

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 3 7

Lucro bruto

4Lucro líquido

WAjustes previstos nos incisos I, II e III do art. 202

Lucro líquido ajustado e distribuível (A companhia poderá, se quiser, distribuir todo o lucro líquido

ajustado e distribuível sob a forma de dividendos)

Na omissão estatutária a respeito, o percentual do dividendo obrigatório será de metade (50%) do lucro líquido ajustado e distribuível do exercício.

Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado nos termos do art. 202. Nesta hipótese, a deliberação da assembléia ensejará aos acionistas dissidentes o exercício do direito de retirada (art. 137 c.c. 0 inc. III do art. 136).

A assembléia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acio­nista presente (votante ou não-votante), deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, ou a retenção de todo 0 lucro líquido ajustado e distribuível, nas seguintes sociedades: I - companhias abertas exclusivamen­te para a captação de recursos por debêntures conversíveis em ações; II - companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição prevista no inciso anterior (art. 202, § 30).

O dividendo obrigatório deixará de sê-lo no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O conselho fiscal, quando em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na companhia aberta, seus administradores encaminharão à CVM, dentro de cinco dias da realização da assembléia-geral, exposição justificada da infor­mação transmitida à assembléia (art. 202, § 40). Os lucros que deixarem de ser distribuídos em decorrência dessa informação serão registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüen­tes, deverão ser pagos como dividendos assim que o permitir a situação financeira da companhia (art. 202, § 50).

O dividendo obrigatório não prejudicará o direito dos acionistas prefe­renciais de receberem os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos.

238 SOCIEDADE ANÔNIMA

Só o estatuto que fixar o dividendo obrigatório em 25% ou mais do lucro líquido pode atribuir aos administradores participação no lucro da compa­nhia. E os administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em relação ao qual for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório (art. 152).

Na prática, o dividendo obrigatório costuma ser irrisório, erigindo-se em verdadeira falácia. A propósito, Waldírio Bulgarelli já escreveu um artigo intitulado “A Falácia do dividendo obrigatório”, cujo título, por si só, já se mostra bastante significativo.

Incursão no Direito Penal

Comete crime o diretor ou gerente que, na falta de balanço, em desacor­do com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios (Código Penal, art. 177, i°, VI).

Direito de participar do acervo da companhia, em caso de liquidação

Esse direito é inerente a sociedades empresariais. No caso de dissolução da companhia, segue-se a sua liquidação. A liquidação corresponde ao inven­tário dos bens do de cujus. Realizado o ativo e solvido o passivo, o dinheiro que sobrar - se sobrar - , depois de integralmente satisfeitos todos os credores sociais, deve ser repartido entre os acionistas, proporcionalmente ao valor de seu investimento na companhia. Nesse momento, deverá ser observada aquela prioridade no reembolso do capital, eventualmente atribuída às ações preferenciais (art. 17, II).

Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais

Esse direito é exercido, na sociedade anônima, principalmente por meio do conselho fiscal. Existem na lei outras formas difusas de fiscalização como, por exemplo, a do art. 105 (pedido de exibição dos livros).

Direito de preferência para subscrição de ações, partes bene­ficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações, e bônusde subscrição

0 que se visa com esse direito é possibilitar ao acionista a manutenção do mesmo percentual de participação no capital social, na hipótese de aumento do capital por subscrição de novas ações. Embora arrolado entre os direitos essenciais do acionista, ele pode ser excluído pelo estatuto da companhia aberta de capital autorizado, ou pelo estatuto da companhia fechada, nas hipóteses previstas no art. 172.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 3 9

Direito de retirada

As expressões “direito de retirada”, “direito de recesso” e “direito de reembolso” significam exatamente a mesma coisa.

Referencial legislativo do direito de retirada

Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre:I - criação de ações preferenciais ou aumento de classes existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;II - alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;III - redução do dividendo obrigatório;IV - fusão da companhia, ou sua incorporação em outra;V — participação em grupo de sociedades (art. 265);VI - mudança do objeto da companhia;VII - cessação do estado de liquidação da companhia;VIII - criação de partes beneficiárias;IX - cisão da companhia;X - dissolução da companhia.§ i° Nos casos dos incisos I e II, a eficácia da deliberação depende de prévia aprovação ou da ratificação, em prazo improrrogável de 1 (um) ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em assembléia especial convocada pelos admi­nistradores e instalada com as formalidades desta Lei.§ 2o A Comissão de Valores Mobiliários pode autorizar a redução do quorum previsto neste artigo no caso de companhia aberta com a propriedade das ações dispersa no mercado, e cujas três últimas assem­bléias tenham sido realizadas com a presença de acionistas representando menos da metade das ações com direito a voto. Neste caso, a autorização da Comissão de Valores Mobiliários será mencionada nos avisos de convocação e a deliberação com quorum reduzido somente poderá ser adotada em terceira convocação.§ 3o O disposto no § 2° não se aplica às assembléias especiais de acionistas preferenciais de que trata o § i°.§ 4o Deverá constar da ata da assembléia-geral que deliberar sobre as matérias dos incisos I e II, se não houver prévia aprovação, que a deliberação só terá eficácia após a sua ratificação pela assembléia especial prevista no § i°.

240 SOCIEDADE ANÔNIMA

Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas:I - nos casos dos incisos I e II do art. 136, somente terá direito de retiradao titular de ações de espécie ou classe prejudicadas;II - nos casos dos incisos IV e V do art. 136, não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver:a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobi­liários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; eb) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação;III - no caso do inciso IX do art. 136, somente haverá direito de retirada se a cisão implicar:a) mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido for vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social da sociedade cindida;b) redução do dividendo obrigatório; ou ^participação em grupo de sociedades;IV - 0 reembolso da ação deve ser reclamado à companhia no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da ata da assembléia-geral;V - 0 prazo para o dissidente de deliberação de assembléia especial (art. 136, § i°) será contado da publicação da respectiva ata;VI - o pagamento do reembolso somente poderá ser exigido após a observância do disposto no § 30 e, se for o caso, da ratificação da delibe­ração pela assembléia-geral.§ i° 0 acionista dissidente de deliberação da assembléia, inclusive o titular de ações preferenciais sem direito de voto, poderá exercer o direito de reembolso das ações de que, comprovadamente, era titular na data da primeira publicação do edital de convocação da assembléia, ou na data da comunicação do fato relevante objeto da deliberação, se anterior.§ 2o O direito de reembolso poderá ser exercido no prazo previsto nos incisos IV ou V do caput àeste artigo, conforme 0 caso, ainda que o titular das ações tenha se abstido de votar contra a deliberação ou não tenha comparecido à assembléia.§ 3o Nos 10 (dez) dias subseqüentes ao término do prazo de que tratam os incisos IV e V do caput deste artigo, conforme o caso, contado da publicação da ata da assembléia-geral ou da assembléia especial que

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 241

ratificar a deliberação, é facultado aos órgãos da administração convocar a assembléia-geral para ratificar oii reconsiderar a deliberação, se enten­derem que o pagamento do preço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes que exerceram 0 direito de retirada porá em risco a estabili­dade financeira da empresa.§ 4o Decairá do direito de retirada o acionista que não o exercer no prazo fixado. j

Art. 221. A transformação exige 0 consentimento unânime dos sócios ou acionistas, salvo se prevista no estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade. Parágrafo único. Os sócios podem renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de transformação em companhia.

Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre socie­dades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais.[•■•]§ 3o Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas, devendo obter o respec­tivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela Comissão de Valores Mobiliários.§ 4 0 O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acionista direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos 30 (trinta) dias seguintes ao término do prazo nele referido, observado o disposto nos §§ i° e 40 do art. 137. (Grifos nossos)

Hermenêutica do direito de retirada ou de recesso

A estrutura sociedade anônima inspira-se no modelo do Estado demo­crático de Direito. Nela, encontram-se refletidos os três Poderes em que se divide o Estado democrático. E nela prevalece a regra de ouro da democracia.

Na sociedade anônima, como no Estado democrático de Direito, as deliberações são tomadas por maioria de votos. Prevalece, democraticamente, a vontade da maioria. A minoria dissidente deve conformar-se com a deliberação majoritária, em homenagem e respeito ao pressuposto básico e prévio de que, na democracia, prevalecerá sempre a vontade da maioria.

No Estado democrático de Direito, as minorias vencidas ou dissidentes não adquirem, ipsofacto, nenhum direito de renúncia à sua nacionalidade ou à sua cidadania.

242 SOCIEDADE ANÔNIMA

Na sociedade anônima, diferentemente do que ocorre no Estado demo­crático de Direito, determinadas deliberações, enumeradas num rol de numerus clausus, excepcionalmente, geram para o acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, exigindo o reembolso do valor de suas ações. São hipóteses excepcionalíssimas e, como tal, devem ser interpretadas.

Fran Martins, em excelente trabalho de direito comparado, registra que, nos diversos países do mundo ocidental capitalista, o direito de retirada tem sido gradual e crescentemente restringido. E demonstrou, em 1984, que, dos 14 casos em que vigorava, no Brasil, o direito de retirada, 10 não eram contemplados nas legislações de outros países (Martins, 1984).

Deixemos de lado considerações sobre a tendência para a harmoni­zação de legislações de diversos países sobre o mesmo instituto jurídico num mundo cada vez mais globalizado. Mas pondere-se que essa restrição gradual e crescente do direito de retirada reflete uma preocupação contem­porânea crucial: a preservação da empresa, que gera empregos, paga tributos e exerce relevante função social.

Com efeito, o exercício do direito de retirada, com o conseqüente reembolso do capital dos acionistas dissidentes, sem dúvida, descapitaliza a companhia, colocando em risco a estabilidade e o princípio da preservação da empresa.

Por todas essas razões, o critério inspirador da exegese do instituto do direito de retirada só pode ser 0 restritivo.

A forma e 0 critério para 0 reembolso do acionista dissidente encontram-se disciplinados, minuciosamente, no art. 45. Reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos dissidentes de deliberação da assembléia-geral o valor de suas ações.

Hipóteses ensejadoras do direito de retirada previstas no artigo 137

A aprovação das seguintes matérias dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante 0 reembolso do valor de suas ações (art. 107):

1. criação de ações preferenciais ou aumento de classes existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;

2. alteração nas preferênciás, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;

3. redução do dividendo obrigatório;4. fusão da companhia;5. incorporação da companhia em outra;6. participação em grupo de sociedades (art. 265);

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 4 3

7. mudança do objeto da companhia;8. cisão da companhia.

Hipóteses ensejadoras do direito de retirada não previstas no artigo 137

Existem na lei três outras hipóteses ensejadoras do direito de retirada não mencionadas no art. 137:

Primeira hipótese de direito de retirada não mencionada no artigo 137

Art. 221. A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou acionistas, salvo se prevista no estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade. Parágrafo único. Os sócios podem renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de transformação em companhia.

Segunda hipótese de direito de retirada não mencionada no artigo 137

Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre socie­dades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais.[...]§ 3o Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas, devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela Comissão de Valores Mobiliários.§ 4o O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acionista direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos 30 (trinta) dias seguintes ao término do prazo nele referido, observado 0 disposto nos §§ i° e 40 do art. 137. (Grifos nossos)

Esta hipótese será comentada em outro ponto deste Capítulo.

Terceira hipótese de direito de retirada não mencionada no artigo 137

Outra hipótese ensejadora do direito de retirada não mencionada no art. 137 encontra-se referida no § 2° do art. 256. Ela também será comentada em outro ponto deste Capítulo.

244 SOCIEDADE ANÔNIMA

Prazo para o exercício do direito de retirada

Somente poderá exercer o direito de retirada o acionista que, comprovadamente, era titular da ação na data da primeira publicação do edital de convocação da assembléia-geral, ou da data da comunicação do fato relevante objeto da deliberação, se anterior (art. 137, § i°).

Preenchida essa condição, qualquer acionista dissidente pode exercê-lo. Mesmo aquele sem direito de voto, aquele que não tiver comparecido à assembléia-geral ou aquele que, tendo comparecido, se absteve de votar (art. 137. § i°). Contudo, tal regra não é absoluta. “[...] se a alteração estatutária atinge apenas as ações preferenciais, somente os titulares desta poderão exercer 0 direito de recesso, como, v.g., na hipótese de alteração desfavorável das preferências das mesmas. Dessa forma, se apenas uma classe de ações é alcançada pela alteração, somente os titulares de ações dessa mesma classe podem exigir o reembolso” (Carvalhosa, 1977).

Exegese do art. 137 Os incisos do art. 137

O inciso I do artigo 137

I - nos casos dos incisos I e II do art. 136, somente terá direito de retirada0 titular de ações de espécie ou classe prejudicadas.

Os incisos I e II do art. 136 referem-se exclusivamente às ações da espécie preferencial:

1 - criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; [e sobre]II - alterações nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou a criação de nova classe mais favorecida.

Já vimos que as espécies de ações são as ordinárias, as preferenciais e as de fruição. E que “as ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia aberta e fechada poderão ser de uma ou mais classes” (Lei n. 6.404/76, art. 15, § i°).

O direito de retirada é excepcional. Não se justificaria que 0 acionista não prejudicado pelas alterações pretendesse aproveitar a oportunidade para obter o reembolso do valor de suas ações por causa de uma deliberação que em nada afeta a sua posição na companhia.

A aprovação das matérias previstas nos itens I e II do art. 136 depende de prévia aprovação ou da ratificação (confirmação), em prazo improrrogável de

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 245

um ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reunidos em assembléia especial convocada pelos administra­dores e instalada com as formalidades desta Lei (art. 136, § i°). E 0 prazo decadencial de 30 dias para exercício do direito de retirada por parte do dissidente dessa assembléia especial será contado da publicação da respectiva ata (art. 137, V).

O inciso II do artigo 137II - nos casos dos incisos IV e V do art. 136, não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver:a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobi­liários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; eb) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação;

Os casos dos incisos IV e V do art. 136 são: a) a fiisão da companhia em outra; b) a sua incorporação da companhia em outra; e c) a participação da companhia em grupos de sociedades.

O direito de retirada, que fora eliminado nestes dois casos, pela Lei n. 7.958, de 20.12.1989, conhecida como Lei Lobão, voltou a existir, porém com as delimitações estabelecidas rtas letras a e b deste item II.

O dispositivo mostra-se razoável. A idéia básica nele contida é a de evitar o exercício do direito de retirada quando o acionista dissidente tem facilidade de alienar as suas ações no mercado (na Bolsa de Valores ou no mercado de balcão).

Quando a assembléia-geral deliberar: (a) fusão da companhia-, (b) incorporação da companhia em outra-, e (c) a participação em grupos de sociedades, tem-se, então, uma regra e uma exceção.

• Regra, as ações dissidentes têm o direito de retirada.• Exceçãa. não têm direito de retirada as ações de espécie ou classe que

tenha i°) liquidez no mercado; e,5 mais, 2°) dispersão no mercado.

A lei define o que significam as expressões “liquidez no mercado” e “dispersão no mercado”.

5 A conjunção coordenativa “e” dá idéia de adição, acrescentamento (ver CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. São Paulo: Com­panhia Editora Nacional, 2000, p. 268-269).

246 SOCIEDADE ANÔNIMA

liquidez no mercado

Ocorre liquidez da ação no mercado quando ela ou o certificado que a represente pertence a uma espécie ou a uma classe que integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários (art. 137, II, d).

a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários;

O dispositivo em tela revela uma preocupação macroeconômica

Os “índices gerais representativos de carteira de valores mobiliários admitidos à no mercado de valores mobiliários” erigem-se em indicadores da economia brasileira, com reflexo em todos os mercados, bem como no com­portamento dos investidores nacionais e estrangeiros. Esses índices podem influenciar, positiva ou negativamente, a atividade econômica.

Já vimos que o exercício do direito de retirada, com o conseqüente reembolso do capital dos acionistas dissidentes, sem dúvida, descapitaliza e pode desestabilizar econômica e financeiramente uma companhia.

Compreende-se, então, perfeitamente a preocupação macroeconô­mica do legislador: o fato de as ações de determinada espécie ou de deter­minada classe integrarem “\ndices gerais representativos de carteira de ações admitidos à negociação em bolsas de futuros” significa que elas possuem liquidez, que 0 acionista dissidente poderá negociá-las com faci­lidade no mercado, não se justificando o exercício do direito de retirada que descapitaliza e pode desestabilizar econômica e financeiramente uma companhia.

Dispersão no mercado

Ocorre dispersão da ação no mercado, quando 0 acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade do total das ações da mesma espécie ou da mesma classe (art. 137, II, by.

b) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação.

Veja os quadros ilustrativos a seguir:

Existência de dispersão no mercado:

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 4 7

0 conjunto das 100 ações de determinada espécie ou 0 conjunto das 100 ações de determinada classe da companhia X apresenta as seguintes características:

• 0 acionista controlador possui: 49 ações• os acionistas minoritários (não controladores) possuem: 51 ações

As ações dos minoritários (não controladores) são consideradas dispersas no mercado.

Inexistência de dispersão no mercado:

0 conjunto das 100 ações de determinada espécie ou o conjunto das 100 ações de determinada classe da companhia Y apresenta as seguintes características:

• O acionista controlador possui: 51 ações• Os acionistas minoritários (não controladores) possuem: 49 ações

As ações dos minoritários (não controladores) não são consideradas dispersas no mercado. __

Quadro de Recapitulação

A assembléia-geral de determinada companhia toma uma destas deliberações:(a) afusão da companhia,(b) a incorporação da companhia em outra; ou(c) a participação da companhia em grupos de sociedades.

UA ação de determinada espécie 3u a ação de determinada classe:

[tTem liquidez e dispersão no mercado: não pode exercer 0 direito de retiradaTem liquidez, mas não tem dispersão: pode exercer 0 direito de retiradaTem dispersão, mas não tem liquidez: pode exercer 0 direito de retiradaNão tem liquidez nem dispersão: pode exercer 0 direito de retirada

O inciso III do artigo 137

Caso a assembléia-geral aprove a cisão da companhia, somente haverá direito de retirada se essa operação implicar:

a) mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido for vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social da sociedade cindida;

248 SOCIEDADE ANÔNIMA

b) redução do dividendo obrigatório; ouc) participação em grupo de sociedades.

Cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão (art. 229). A cisão será estudada mais detidamente no Capítulo 14.

O quadro a seguir sistematiza a determinação do legislador, quanto ao direito de retirada, caso a assembléia-geral delibere a cisão de determinada companhia:

A assembléia-geral delibera a cisão e a operação implica: ,#»

CONSEQÜÊNCIA

Participação em grupo de sociedades: 0 acionista dissidente tem 0 direito de retirada.

Redução do dividendo obrigatório: 0 acionista dissidente tem 0 direito de retirada.

Mudança do objeto social, sendo 0 patrimônio cindido vertido para socie­dade cuja atividade preponderante não coincide com a atividade preponde­rante decorrente do objeto social da so­ciedade cindida:

0 acionista dissidente tem 0 direito de retirada.

Mudança do objeto social, sendo 0 patrimônio cindido vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincide com a atividade preponderante decorrente do objeto social da sociedade cindida:

0 acionista dissidente não tem 0 direito : de retirada.

Os incisos IV e V do artigo 137

O direito de retirada deve ser exercido no prazo decadencial de 30 dias. Quanto ao termo inicial {dies a quo) desse prazo, a lei faz a distinção,

como demonstrado no quadro a seguir:

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 4 9

O inciso VI do artigo 137

VI - 0 pagamento do reembolso somente poderá ser exigido após a observância do disposto no § 30 [do art. 137] e, se for o caso, da ratificação da deliberação pela assembléia-geral.

Encerrado o prazo decadencial de 30 dias para os acionistas dissidentes exercerem 0 direito de retirada, os órgãos da administração da companhia podem convocar, nos 10 dias subseqüentes, a assembléia-geral, para reconsi­derar (desconstituir) ou ratificar (confirmar) a deliberação, se entenderem que 0 pagamento do preço de reembolso das ações aos acionistas dissidentes, que exercerem o direito de retirada, porá em risco a estabilidade financeira da empresa (art. 137, § 30).

Se ocorrer a convocação dessa assembléia-geral, duas possibilidades se aventam, cada uma delas com conseqüência diversa, como demonstrado no quadro a seguir:

1. Eása nova assembléia-geral reconsi­derara (desconstitui) a deliberação da assembléia-geral anterior, ensejadora do direito de retirada, e então,

fica sem efeito pedido de retirada formu­lado pelos acionistas dissidentes, e não mais haverá razão para reembolsá-los.

2. Essa nova assembléia-geral ratifica (confirma) a deliberação da assem­bléia-geral anterior, ensejadora do direito de retirada, e então,

a companhia deve pagar 0 reembolso aos acionistas que exerceram 0 seu direito de retirada.

Como se percebe, a norma do inciso VI do art. 137 é medida de prudên­cia: se a própria lei admite a possibilidade de reavaliação da deliberação ensejadora do direito de retirada, seria precipitado pagar o reembolso antes dessa reavaliação; caso contrário, se a assembléia voltasse atrás e recon­siderasse a deliberação ensejadora do direito de recesso, teria ela de mover ação de repetição do indébito contra o acionista que já tivesse recebido, precipitadamente, o reembolso.

Os parágrafos do artigo 137

O § i ° do artigo 137

§ 1° O acionista dissidente de deliberação da assembléia, inclusive o titular de ações preferenciais sem direito de voto, poderá exercer o direito de reembolso das ações de que, comprovadamente, era titular

250 SOCIEDADE ANÔNIMA

na data da primeira publicação do edital de convocação da assem­bléia, ou na data da comunicação do fato relevante objeto da deliberação, se anterior.

0 requisito exigido neste parágrafo (contemporaneidade de propriedade das ações) visa a evitar que pessoas interessadas em chantagear a compa­nhia adquiram ações com o único fito de, se sub-rogando nos direitos do acionista vendedor, exercerem o direito de retirada. Nos Estados Unidos, várias legislações estaduais consagram esse requisito não apenas para o exercício do direito de retirada, mas também para a propositura das ações sociais derivadas de responsabilidade civil contra os administradores da companhia, como as previstas nos §§ 3° e 40 do art. 159 da Lei n. 6.404/76.

O § 2o do artigo 137

§ 2o O direito de reembolso poderá ser exercido no prazo previsto nos incisos IV e V do caput deste artigo, conforme o caso, ainda que 0 titular das ações tenha-se abstido de votar contra a deliberação ou não tenha comparecido à assembléia.

0 “prazo previsto nos incisos IV e V do capuf do art. 137 é o prazo decadencial de 30 dias contados:

• para os acionistas em geral, da publicação da ata da assembléia-geral que tiver tomado a deliberação ensejadora do direito de retirada (art. 137, IV);

• para os acionistas dissidentes da deliberação de assembléia especial(art. 136, § i°, c.c. o art. 137, V), da publicação da ata da assembléia especial que ratificar (confirmar) a deliberação ensejadora do direito de retirada.

Nesse prazo, sem dúvida, podem exercer 0 direito de retirada:

• o acionista que tenha votado contra;• 0 acionista que se tenha abstido de votar; e• o acionista que não tenha comparecido à assembléia-geral.

E o ãcionista que tenha comparecido e votado a favor da deliberação ensejadora do direito de recesso? Poderá ele exercê-lo?

À primeira vista, parece um contra-senso o acionista aprovar determi­nada matéria e, em seguida, exercer o direito de retirada por discordar da aprovação. Contudo, na realidade das sociedades anônimas, as atas não consignam quem votou a favor e quem votou contra determinada deliberação.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 251

Além disso, a lei não exige, para o exercício do direito de retirada, que 0 acionista faça prova de que votou contra a deliberação. Assim, um acionista minoritário, apesar de ter comparecido à assembléia-geral e votado a favor da deliberação ensejadora do direito de retirada, pode, não obstante, exercer esse direito.

O § 3o do artigo 137

§ 3o Nos dez dias subseqüentes ao término do prazo de que tratam os incisos IV e V do caput deste artigo, contado da publicação da ata da assembléia-geral ou da assembléia especial que ratificar a deliberação, é facultado aos órgãos da administração convocar a assembléia-geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação, se entenderem que o pagamento do preço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes que exerceram o direito de retirada porá em risco a estabilidade financeira da empresa.

Já fizemos referência a este § 30 do art. 137 ao analisar 0 inciso VI do caput deste mesmo artigo.

O quadro esquemático abaixo facilitará a compreensão deste § 30 do art. 137:

 assembléia-geral aprova:

1. redução do dividendo obrigatório; ou2. fusão da companhia; ou3. incorporação da companhia em ou­

tra; ou4. participação em grupos de socieda­

des ou5. mudança do objeto da companhia; ou6. cisão da companhia, com mudança

do objeto social, sendo 0 patrimônio cindido vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincide com a atividade preponderante de-

: corrente do objeto social da socie­dade cindida

1. criação de ações preferenciais ou au­mento de classe existente sem guar­dar proporção com as demais, salvo se já previstos ou autorizados pelo es­tatuto ou

2. alterações nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações prefe­renciais, ou a criação de nova classe mais favorecida

Jl

Publica-se a ata da assembléia-geral. 11

Publica-se a ata da assembléia-geral.

252 SOCIEDADE ANÔNIMA

Nas seis hipóteses acima, a contar da publi­cação da ata da assembléia-geral, começa a correr o prazo decadencial de trinta dias para o acionista dissidente exercer o direito de retirada.

K11111111U

Nas duas hipóteses acima, a eficácia da deliberação depende de• prévia aprovação ou da• ratificação,em prazo improrrogável de um ano, por titulares de mais da metade de cada classe de ações preferenciais prejudicadas, reu­nidos em assembléia especial convocada pelos administradores e instalada com as formalidades da Lei n. 6.404.

11U1111

Se não tiver havido a “prévia aprova­ção”, convoca-se a assembléia-especial.

111111UU11

A assembléia especial:• não ratifica a deliberação, e ela fica

sem efeito; ou• ratifica a deliberação.

uH11

1111111111

Publica-se a ata da assembléia especial.11

Se a assembléia especial tiver ratificado a deliberação, a contar da publicação da ata da assembléia-especial começa a correr 0 prazo decadencial de trinta dias para 0 acionista dissidente exercer 0 direito de retirada.

11Nos dez dias subseqüentes ao término do prazo de trinta dias para o exercício do direito de retirada, é facultado aos órgãos da administração convocar a assembléia- geralpara reconsiderar ou ratificar a deliberação, se entenderem que o pagamento do preço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes que exerceram o direito de retirada porá em risco a estabilidade financeira da empresa

11Se os órgãos da administração convocarem a assembléia-geral para reconsiderar ou ratificar a deliberação, ela poderá

1} 11reconsiderar a deliberação ensejadora do direito de retirada.

ratificar (confirmar) a deliberação ensejadora do direito de retirada.

11 11Não há mais falar em reembolso. Paga-se 0 reembolso aos acionistas

dissidentes.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 5 3

Direito de retirada na hipótese de incorporação de companhia em outra, com objeto diferente

Uma questão interessante coloca-se na hipótese de incorporação de companhia em outra, com objeto diferente.

Na Itália, onde a deliberação sobre incorporação de companhia em outra não enseja o direito de retirada, o Tribunal de Veneza já decidiu que, embora a lei italiana tivesse excluído o direito de retirada do acionista dissidente em caso de incorporação de companhia em outra, uma perspectiva histórica, confirmada pela interpretação lógica da norma específica, conduz a uma ininterrupta e coerente concessão do recesso toda vez que ocorre, direta ou indiretamente, uma mudança do objeto social (Fondazione Delia Ricca c. Soc. Adriatica di Elettricità S.A.D.E., Trib Venezia, 18 marzo 1966 - Naso Pres. Scalabrin Est.).

No Brasil, como já vimos, tanto a deliberação sobre mudança de objeto social quanto a deliberação sobre incorporação de companhia em outra ensejam o exercício do direito de recesso pelo acionista dissidente. Para a retirada decorrente da incorporação da companhia em outra, o acionista dissidente precisa preencher as condições e os requisitos do art. 137, II; para a retirada decorrente da mudança do objeto social, não. Assim, penso que, caso a assembléia-geral da companhia delibere a incorporação da companhia em outra com objeto diferente, 0 acionista dissidente não precisa preencher as condições e os requisitos do art. 137, II.

Direito ao reembolso

Quando o acionista exerce o seu direito de retirada, ele faz jus ao reem­bolso. O art. 45 define o reembolso como “a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembléia-geral 0 valor de suas ações”. Observe-se que, quando o acionista exerce o direito de retirada com base no § 40 do art. 223, ele não 0 faz porque dissidente de deliberação da assembléia-geral, mas porque a lei lhe faculta o exercício desse direito em face de uma omissão da companhia. Assim, a definição do reembolso formulada no art. 45 merecia uma reformulação. Para. adequar a definição à redação do § 40 do art. 223,6 e para que ela possa abranger a nova modalidade de exercício do direito de retirada, prevista no § 4o do art. 223, sugere-se a seguinte definição: “Reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga ao acionista que exerce o direito de retirada 0 valor de suas ações”. Talvez valesse a pena

6 O § 4o foi acrescentado ao art. 223 pela Lei n. 9.457, de 5.5.1997.

254 SOCIEDADE ANÔNIMA

fixar-se, também, uma outra definição: “Direito de retirada é a faculdade (facultas agendi) que a lei dá ao acionista de, em determinadas situações nela previstas, abandonar o quadro societário, exigindo o pagamento ou reembolso do valor de suas ações”.

Exegese e comentário dos parágrafos do artigo 45

§ 1° O estatuto pode estabelecer normas para a determinação do valor de reembolso, que, entretanto, somente poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assem­bléia-geral, observado 0 disposto no § 2°, se estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser apurado em avaliação (§§ 30 e 40).

Não existe norma cogente dispondo que o estatuto social estabeleça normas para a determinação do valor do reembolso. Logo, o estatuto pode estabelecê-las ou não.

Abrem-se, então, duas possibilidades:

1. O estatuto social estabelece normas para a determinação do valor do reembolso. Nessa hipótese, 0 valor de reembolso poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembléia-geral se, e somente se, estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser apurado em avaliação, observado 0 disposto nos §§ 30 e 40.

2. O estatuto social, omisso, não estabelece normas para a determina­ção do valor do reembolso. Nesta hipótese, 0 valor de reembolso não poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço, observado o disposto no § 20.

O “patrimônio líquido” em questão é o contábil. Abrange ele 0 “capital social, reservas de capital, reservas de reavaliação, reservas de lucros e lucros ou prejuízos acumulados” (art. 178, § 20, letra d).

§ 2o Se a deliberação da assembléia-geral ocorrer mais de 60 (sessenta) dias depois da data do último balanço aprovado, será facultado ao acio­nista dissidente pedir, juntamente com 0 reembolso, levantamento de balanço especial em data que atenda àquele prazo. Nesse caso, a compa­nhia pagará imediatamente 80% (oitenta por cento) do valor de reem­bolso calculado com base no último balanço e, levantado o balanço especial, pagará 0 saldo no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da deliberação da assembléia-geral.

O § 2o aplica-se quando 0 estatuto social, omisso, não estabelece normas para a determinação do valor do reembolso.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 255

Este § 2o já existia, literalmente igual, na redação original da Lei n. 6.404/76. Não sofreu nenhuma alteração. Em 1976, o Brasil ainda sofria os efeitos de uma inflação muito grande. Comentando a expressão “balanço especial”, referida nesse parágrafo, Modesto Carvalhosa (1977:236) escreve o seguinte: “O balanço especial a que se refere a lei deve preencher todos os requisitos dos balanços ordinários da companhia. O seu caráter especial refe­re-se apenas à data extraordinária em que é levantado. Se esse balanço for aprovado pela assembléia-geral, não caberá ao acionista impugná-lo. Se não 0 for - o que parece ser a hipótese mais plausível - poderá fazê-lo”. Segundo Modesto Carvalhosa, a faculdade de requerer o “balanço especial”, reservada ao acionista, tem por fundamento o seguinte: “deve ele [o acionista] participar dos resultados sociais do próprio exercício em que exerce o recesso. Se, v.g., a assembléia realizou-se em agosto, presume-se que o acionista dissidente de­verá auferir os presumíveis lucros apurados no primeiro semestre, incluindo-os no valor do reembolso”.

Dessà lição pode-se deduzir que “balanço especial” não se confunde com balanço corrigido. Não se trata, portanto, de simplesmente corrigir moneta- riamente 0 último balanço aprovado, aplicando índices de correção mone­tária. Trata-se de levantar outro balanço (“balanço especial”), levando em conta toda a movimentação financeira da companhia no período posterior ao último balanço aprovado.

A assembléia-geral convocada para se manifestar sobre o balanço especial poderá aprová-lo ou não. “Se esse balanço for aprovado pela assembléia-geral, não caberá ao acionista impugná-lo. Se não o for [...] poderá [o acionista] fazê-lo (impugná-lo)” (Carvalhosa, 1997:236).

O prazo de 120 dias referido nesse § 2° tem como termo inicial (dies a quo) a data de realização da assembléia-geral que aprovar o balanço especial.

§ 3o Se o estatuto determinar a avaliação da ação para efeito de reembolso, o valor será determinado por três peritos ou empresa especializada, mediante laudo que satisfaça os requisitos do § i° do art. 8o e com a responsabilidade prevista no § 6o do mesmo artigo.

O § 3o só se aplica quando estatuto social estabelece normas para a determi­nação do valor do reembolso. Se o estatuto for omisso, aplicar-se-á o § 2°.

Já vimos que o valor de reembolso poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembléia- geral se, e somente se, estipulado com base no valor econômico da compa­nhia, a ser apurado em avaliação, observado o disposto nos §§ 30 e 40.

256 SOCIEDADE ANÔNIMA

Critérios para avaliação

Delimitar o conceito de valor e apurar o valor econômico da companhia não são tarefas fáceis. Vagts (1989:151) adverte que os advogados, de início, têm uma tendência para assumir que eles conhecem o que isso significa e deixar para outrem a tarefa de determinar o valor como matéria quase que instintiva. Os contadores também tendem a fugir da avaliação, visualizando o valor como um conceito perigoso e além da sua experiência; isso os conduz a se aterem tenazmente ao uso de custos históricos, que são fatos objetivos registrados, ainda que esses lançamentos não se mostrem eficazes para responderem à questão da avaliação. Tudo isso significa que, havendo neces­sidade de atribuir valores de vez em quando, esse trabalho recai sob a res­ponsabilidade de avaliadores, bancos de investimento e, freqüentemente, do conselho de administração. Pode ser um trabalho muito difícil, que demanda quantia considerável de julgamento e experiência.

Após historiar os vários critérios mais comumente adotados para uma avaliação, apontando-lhes os prós e contras, Vagts registra o método de ganhos capitalizados (capitalized earnings method) como 0 mais freqüentemente utilizado para se conseguir uma figura do valor de uma empresa: primeiro, encontra-se 0 poder de ganho de uma companhia, come­çando com a sua história de ganhos e fazendo ajustamentos para itens inusitados e futuras tendências visíveis; em seguida, esses ganhos são capitalizados multiplicando-os por um multiplicador ou índice de capitalização selecionado por meio da estimativa do que os investidores estariam dispostos a pagar por um fluxo de futuras receitas envolvendo o tipo de risco e as expectativas por parte da empresa (Vagts, 1979:156). Um critério tão claro como um buraco negro - observou um aluno meu.

Como se percebe, num país com pouca sofisticação em matéria econô- mico-financeira, como o Brasil, o problema da fixação do valor econômico da companhia mostra-se particularmente difícil.

Responsabilidade dos avaliadores .

O § 3o sublinha a responsabilidade dos avaliadores, fazendo remissão expressa ao §§ Io e 6o do art. 8o, que disciplina a avaliação de bens destinados à formação do capital social:

Art. 8o [...]§ i° Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado com a indicação dos critérios de avaliação e dos ele­mentos de comparação adotados e instruído com os documentos

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 5 7

relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à assembléia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes forem solicitadas.[-.]§ 4o Os peritos ou empresa especializada serão indicados em lista sêxtupla ou tríplice, respectivamente, pelo Conselho de Administração ou, se não houver, pela diretoria, e escolhidos pela Assembléia-geral em deliberação tomada por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco, cabendo a cada ação, independentemente de sua espécie ou classe, o direito a um voto.[...]§ 6o Os avaliadores & o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e. terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido. No caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária. (Grifos nossos)

O § 4o também só se aplica quando o estatuto social estabelece normas para a determinação do valor do reembolso. Se o estatuto for omisso, aplicar-se-á o § 2o.

Impedimentos e suspeição dos avaliadores

Embora a lei não diga expressamente, valem para a indicação dos peritos ou da empresa especializada as normas do Código de Processo Civil sobre impedimentos e suspeição dos peritos.

Assim, o perito não deverá.

I - ser amigo íntimo ou inimigo capital, quer dos controladores e admi­nistradores da companhia a ser avaliada, quer do acionista dissidente;II - ser credor ou devedor, quer dos controladores e administradores da companhia a ser avaliada, quer do acionista dissidente;III - ser herdeiro presuntivo, donatário ou empregador, quer dos controladores e administradores da companhia a ser avaliada, quer do acionista dissidente;IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo de avaliação, aconselhar, quer os controladores e administradores da companhia a ser avaliada, quer do acionista dissidente, acerca do objeto da avaliação, ou subministrar meios para atender às despesas de avaliação;V - ser interessado na avaliação em favor que da companhia a ser avaliada, quer dos controladores e administradores da companhia a ser avaliada, quer do acionista dissidente.

258 SOCIEDADE ANÔNIMA

Aprovação do laudo de avaliação

A “maioria absoluta” referida neste § 40 diz respeito às ações presentes à assembléia-geral. As espécies são as ordinárias, as preferenciais e as de fruição. “As ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia aberta e fechada poderão ser de uma ou mais classes” (Lei n. 6.404/76, art. 15, § i°).

Observe-se que a lei não atribui direito de voto às ações não-votantes para o efeito de deliberação para a escolha dos peritos ou da empresa especializada.

§ 5o O valor de reembolso poderá ser pago à conta de lucros ou reservas, exceto a legal, e nesse caso as ações reembolsadas ficarão em tesouraria.

Os §§ 6o e 8o, que examinaremos mais adiante, admitem, expressamente, que o valor do reembolso poderá ser pago à conta do capital social.

Neste passo, insinua-se à mente uma questão intrigante: considerando que o capital é a soma do valor nominal de todas as ações e que a avaliação da companhia não se pauta por valores puramente nominais, pergunta-se: o capital social poderia ficar reduzido a zero?

O § 5o deixa claro que o valor do reembolso pode também ser pago à conta de lucros em suspenso ou reservas, exceto a legal. Nesta hipótese, não ocorrerá redução do capital social. Por isso as ações reembolsadas ficarão em tesouraria.

Nada impede que parte do reembolso seja pago à conta de capital e parte à conta de lucros em suspenso ou reservas, exceto a legal. Se a opção for por esta última alternativa, ocorrerá uma redução proporcional do capital social, permanecendo algumas ações em tesouraria.

§ 6o Se, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da publicação da ata da assembléia, não forem substituídos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas à conta do capital social, este considerar-se-á reduzido no montante correspondente, cumprindo aos órgãos da administração convocar a assembléia-geral, dentro de 5 (cinco) dias, para tomar conhe­cimento daquela redução.

A assembléia referida neste § 6o é aquela que aprovar o laudo dos peritos ou empresa especializada.

Antes de interpretarmos esse dispositivo, e para melhor compreendê-lo, vale a pena recapitular o conceito de ação em tesouraria. Para tanto, comecemos por utilizar a metáfora da garrafa.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 259

Metáfora da garrafa

A garrafa é o continente. O líquido, o conteúdo.As ações de uma companhia são parcelas de seu capital.Comparemos as ações com garrafas opacas e o capital com o líquido

nela contido. As ações pertencem aos acionistas, mas o capital pertence à sociedade.

Os credores vêem as ações (garrafas opacas), vêem a expressão do seu conteúdo (capital social) no balanço da empresa, mas não vêem 0 seu conteúdo real.

Quando 0 capital se encontra aguado {wateredstock), todas as ações, e cada uma delas, se encontram meio vazias.

Ações em tesouraria (os arts. 106 e 107 da Lei n. 6.404/76)

As ações em tesouraria são como garrafas opacas vazias. Esvaziadas de seu conteúdo.

Quando o acionista não realiza, nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações por ele subscritas ou adquiridas, tomando-se “acionista remisso”, a companhia pode, à sua escolha:

I - promover contra 0 acionista, e os que com ele forem solidariamente responsáveis (art. 108), processo de execução [...]; ouII - mandar vender as ações em Bolsa de Valores, por conta e risco do acionista.

Nos termos do § 40 do art. 107, se a companhia não conseguir, por qualquer desses meios, a integralização das ações, ela “poderá declará-las caducas e fazer suas as entradas realizadas, integralizando-as com lucros ou reservas, exceto a legal”. As ações - garrafas opacas e vazias - serão preen­chidas com recursos da própria companhia. E caem em comisso, ou seja, ficam numa espécie de ‘limbo”.

“Se [a companhia] não tiver lucros e reservas suficientes, terá o prazo de um 1 (um) ano para colocar as ações caídas em comisso”. Em outras palavras, terá o prazo de um ano para providenciar e permitir que outra pessoa pague o seu preço (para que outra pessoa encha aquelas garrafas opacas e vazias).

Findo esse prazo de um ano, “não tendo sido encontrado compra­dor” (outra pessoa que preencha a garrafa vazia e opaca), “a assembléia- geral deliberará sobre a redução do capital em importância correspon­

200 SOCIEDADE ANÔNIMA

dente” (as garrafas opacas e vazias serão definitivamente quebradas e lançadas fora).

Como já afirmado, as ações em tesouraria permanecem numa espécie de “limbo”. Enquanto permanecerem nesse estado, tais ações pertencem à companhia. É como se a companhia se tomasse acionista dela própria.

O art. 30 da Lei n. 6.404 estabelece que “a companhia não poderá negociar com as próprias ações”. Contudo, o § Io do mesmo artigo admite algumas exceções. Entre essas exceções, encontra-se a possibilidade de a companhia alienar as ações “mantidas em tesouraria” (mantidas as garrafas opacas e vazias).

Com esse backgroundem mente, analisemos agora § 6o do art. 45.O valor do reembolso, quando 0 acionista exerce o direito de retirada,

poderá ser pago à conta do capital social. Se 0 reembolso for pago à conta do capital social, as ações reembolsadas permanecerão em tesouraria (as garrafas opacas e vazias permanecerão no “limbo”). E a companhia terá um prazo de 120 dias para providenciar e permitir que outra pessoa pague o seu preço (para que outra pessoa encha aquelas garrafas opacas e vazias).

Se nesse prazo de 120 dias a companhia não conseguir vender as ações em tesouraria, só então o capital social “considerar-se-á reduzido no montante correspondente, cumprindo aos órgãos da administração con­vocar a assembléia-geral, dentro de cinco dias, para tomar conhecimento daquela redução” (as garrafas opacas e vazias serão definitivamente quebradas e lançadas fora).

Se sobrevier a falência da sociedade, os acionistas dissidentes, credores pelo reembolso de suas ações, serão classificados como quirografários em quadro separado, e os rateios que lhes couberem serão imputados no pagamento dos créditos constituídos anteriormente à data da publicação da ata da assembléia-geral. As quantias assim atribuídas aos créditos mais antigos não se deduzirão dos créditos dos ex-acionistas, que subsis­tirão integralmente para serem satisfeitos pelos bens da massa, depois de pagos os primeiros. (Lei n. 6.404/76, art. 45, § 70).

O acionista que exerce o direito de retirada deixa de ser acionista. Passa a ser credor. Credor pelo reembolso. A rigor, ele se toma credor no preciso momento em que exerce o direito de retirada. No exato momento em que protocoliza, na sede da companhia, 0 seu pedido de reembolso (art. 137, § i°). Sobre o prazo para 0 exercício do direito de retirada e o termo inicial desse prazo, vale a pena recordar-se deste quadro:

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 Ó 1

TERMO INICIAL (dies a quó) DO PRAZO DECADENCIAL DE 30 DIAS PARA O ACIONISTA DISSIDENTE EXERCER O DIREITO DE RETIRADA:Regra geral: Data da publicação da ata da assembléia-geral (art. 37, Inciso IV).Exceção: Data da publicação da ata da assembléia especial referida no

art. 136, § i°).

Na hipótese de subseqüente falência da companhia, o ex-acionista, que exerceu o direito de retirada, mas ainda não recebeu o reembolso do valor de suas ações, será credor quirografário e será arrolado em “quadro separado”. Esse “quadro separado” será, na verdade, como que um “subquadro” ou “quadro a lateré’ do Quadro Geral de Credores.

Ainda na hipótese de subseqüente falência da companhia, o ex-acionista, que exerceu o direito de retirada mas ainda não recebeu o reembolso do valor de suas ações, sofrerá um handicap. O princípio da par conditio creditorum não se aplicará a ele em toda a sua extensão: “os rateios que lhes couberem serão imputados no pagamento dos créditos constituídos anteriormente à data da publicação da ata da assembléia-geral”. Vale dizer: o pagamento das importâncias que ele deveria receber, se a companhia não se tomasse falida, ficará condicionado ao prévio e integral pagamento dos credores quirogra- fários cujos créditos foram constituídos antes da data da publicação da ata da assembléia-geral que tenha tomado a deliberação ensejadora do seu direito de retirada. Como se percebe, ele se tomará credor quirografário de segunda categoria. Seu crédito continuará integral. Contudo, o recebimento ficará condicionado à integral satisfação dos credores quirografários de primeira categoria.

Entre esses credores quirografários de primeira categoria se incluem os titulares de debêntures subordinadas, nos termos do § 40 do art. 58 da Lei n. 6.404/76:

§ 4o A debênture que não gozar de garantia poderá conter cláusula de subordinação aos credores quirografários, preferindo apenas aos acionistas no ativo remanescente, se houver, em caso de liquidação da companhia.

Assim, só depois de integralmente pagos todos os demais credores quirografários poderá o ex-acionista, que exerceu o direito de retirada, mas ainda não recebeu o reembolso do valor de suas ações, pretender receber alguma coisa.

Se, quando ocorrer a falência, já se houver efetuado, à conta do capital social, o reembolso dos ex-acionistas, estes não tiverem sido substituí­dos, e a massa não bastar para o pagamento dos créditos mais antigos, caberá ação revocatória para restituição do reembolso pago com redução

2Ó2 SOCIEDADE ANÔNIMA

do capital social, até a concorrência do que remanescer dessa parte do passivo. A restituição será havida, na mesma proporção, de todos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas. (Lei n. 6.404/1976, art. 45, § 8o).

O § 8o refere-se, exclusivamente, à hipótese de ter ocorrido o reembolso integral ou parcial a acionista dissidente, à conta do capital social.

Na hipótese de falência da companhia depois do reembolso efetuado à conta do capital social, tal reembolso será ineficaz com relação à massa falida, como demonstrado a seguir.

Comparação dos artigos 81, § l°, da Lei de Falências de 2005, e 45, § 8o, da Lei n. 6.404/76

Comparem-se, a propósito, o arts. 81, § i°, da Lei de Falências com a atual redação do art. 45, § 8o, da Lei n. 6.404/76:

Art. 81, § i°. da Lei de Falências: Art. 45, § 8o da Lei n. 6.404/76: •

Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim 0 desejarem.§ Ia O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluí­do da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contra­to, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência.[...]

Art. 45 [...] § 8°. Se, quando ocorrer a falência, já se houver efetuado, à conta do capital social, o reembolso dos ex-acio­nistas, estes não tiverem sido substituí­dos, e a massa não bastar para o paga­mento dos créditos mais antigos, caberá ação revocatória para restituição do re­embolso pago com redução do capital so­cial, até a concorrência do que remanescer dessa parte do passivo. A res­tituição será havida, na mesma propor­ção, de todos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas.

A preocupação revelada pelo legislador é a mesma, tanto no § i° do art. 81, da Lei de Falências, quanto no § 8o do art. 45, da Lei das Sociedades por Ações. Em ambos, o legislador procura coibir a saída estratégica de sócios do quadro societário, que seja potencialmente lesiva ao direito dos credores.

O caput do art. 81 da Lei de Falências dispõe sobre os efeitos da sentença declaratória de falência quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada. Seu § 1° refere-se genericamente a “sócio” de responsabilidade limitada; com

OBRIGAÇOES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 263

relação a estes, prevê a extensão dos efeitos da falência, se tiverem saído da sociedade “há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data de decretação da falência”.

O § 8o do art 45 da Lei das Sociedades por Ações, específico para a socieda­de anônima, refere-se a “ex-acionistas” e esclarece que “caberá ação revocatória para restituição do reembolso pago com redução do capital social, vale dizer, “à conta do capital social” (§ 6o do art. 45 da Lei n. 6.404/76). Com efeito, sendo o capital social o “colchão” mínimo ou o “osso” de garantia dos credores, 0 reembol­so efetuado à sua custa o diminuirá, prejudicando os credores.

Neste ponto, vale a pena recordar as regras que estabelecem o limite de responsabilidade de sócio de responsabilidade limitada:

Regras que estabelecem o limite de responsabilidade do sócio de responsabilidade limitada

Eis as regras que estabelecem o limite de responsabilidade do sócio de responsabilidade limitada:

1. acionistas de sociedades por ações: o valor do preço de subscrição da ação (Lei n. 6.404/76, art. Io);

2. cotistas de sociedade limitada: 0 valor que faltar para a integralização do capital social (Código Civil de 2002, art. 1.052);

3. sócios comanditários nas sociedades em comandita simples: o valor de seus fundos, declarados no contrato: o valor de sua cota (Código Civil de 2002, art. 1.045).

Na falência de uma sociedade anônima, aplica-se o § 8o do art. 45 da Lei das Sociedades por Ações {lexspecialis derrogat lexgeneralis).

O § 8o do art. 45 refere-se a “ex-acionistas” que exerceram o direito de retirada e foram reembolsados à conta do capital social.

O direito de retirada, nas sociedades por ações, só pode ser exercido quando o acionista discorda de certas deliberações da assembléia-geral, ex­pressamente enumeradas no art. 137 c.c. 0 art. 136, e em outros dispositivos esparsos da Lei n. 6.404/76. Nas demais sociedades empresárias, o direito de retirada pode ser exercido de maneira mais ampla.

A Lei das Sociedades por Ações, verdadeiro Código do Direito Societário brasileiro, definiu o reembolso e estabeleceu, cuidadosamente, os critérios a que se subordina. A definição de reembolso e os critérios para o seu pagamento, previstos no art 45, são válidos, mutatis mutandis, para todos os tipos de sociedade.

O art. 45, § 8o, da Lei das Sociedades por Ações, não fixa nenhum limite de prazo retroativo. Não estabelece um termo final, como o faz o § i° do art. 81

264 SOCIEDADE ANÔNIMA

da Lei de Falências. Nessa omissão, aplica-se, supletivamente, o mesmo prazo retroativo de dois anos fixado no § i° do art. 81 da Lei de Falências.

Em síntese:

1. na falência da sociedade anônima, aplica-se a norma específica do art- 45. § 8o da Lei das Sociedades por Ações;

2. a ação revocatória prevista nesse dispositivo poderá atingir todos os reembolsos ocorridos há menos de dois anos, contados, retroativa­mente, da data da decretação da falência;

3. essa ação revocatória deverá ser proposta pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público no prazo de 3 (três) anos contado da decretação da falência (Lei de Falências, art. 132).

4. CASO M. ROSCOE

(TJMG, Apelação Cível n. 66.038 - Belo Horizonte. Rel. Des. Márcio Sollero,j. 3-9-1985)

A assembléia-geral extraordinária da M. Roscoe, Engenharia, Indústria e Comércio S.A deliberou alterar 0 seu estatuto social, a fim de acrescentar, no objeto social, a atividade agropecuária.

Três acionistas minoritários resolveram exercer o direito de retirada, pedindo o reembolso do valor de suas ações, com base no art. 137 c.c. o art. 136, VI, da Lei n. 6.404/76.

Os órgãos da administração da companhia, com base no § 30 do art. 137, convocaram, então, nova assembléia-geral extraordinária, que reconsiderou a deliberação anterior.

Em seguida, a companhia ajuizou contra os três acionistas minoritários ação declaratória. Na inicial, pediu “providência jurisdicional no sentido de se declarar o direito da autora poder acrescentar ao art. terceiro (30) do estatuto a atividade agropecuária, desde que haja aprovação da assembléia dos acionistas”.

Na contestação, os réus disseram que “reconhecem e aceitam qualquer deliberação que for legitimamente tomada pela assembléia, não se opõem nem criam obstáculos à sua realização [...]; só que, no resguardo de seus interesses, reservam-se o direito de se desligarem do quadro de acionistas com o conseqüente reembolso das ações subscritas”.

O juiz de Direito da Ia Vara Cível de Belo Horizonte, Dr. Caetano Carelos, julgou a autora carecedora de ação, por inexistência de interesse processual. A sentença foi confirmada, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 Ó 5

Comentário do Caso M. Roscoe

Outra não poderia ser a decisão da Justiça mineira. O Tribunal achava-se adstrito aos limites do que foi pedido. Não poderia julgar ultra petita (além do que foi pedido). Como observado na sentença, o pedido, tal como formulado, procurava “transformar o órgão judiciário em órgão consultivo”. É claro que uma companhia pode “alterar o seu estatuto desde que haja aprovação da assembléia dos acionistas”. Ninguém contesta, contestou ou contestava isso. Nem mesmo os réus. Não há necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para que este declare algo expressamente previsto em lei. Como afirmado no acórdão, “para tanto, não se fazia necessária declaração judicial, visto como, a isso, não se opuseram nem se opõem os réus, mesmo porque encontra ela [a companhia] o respaldo da lei”. Da leitura do acórdão se deduz que só nas razões de apelação a companhia, na verdade, pretendia que se declarasse que não assistia aos acionistas dissidentes o direito de haver o reembolso do valor de suas ações. Ao constatar isso, o Tribunal decidiu, corretamente, que tal questionamento, àquela altura, extrapolava o pedido formulado na inicial. A inabilidade do advogado ao redigir o pedido inicial não permitiu à Corte posicionar-se sobre estas questões interessantes: o que significa “mudança do objeto da companhia”? Qualquer mudança do objeto da companhia gera o direito de retirada? Tais questões foram discutidas pór Arnoldo Wald.

Segundo Amoldo Wald, “com a generalização dos Bancos Múltiplos, que passaram a ser constituídos, nos últimos anos, em substituição aos conglome­rados financeiros, nos quais cada entidade mantinha a sua personalidade jurídica própria, transformando-se as antigas unidades personalizadas em verdadeiras carteiras, surgiu a discussão quanto aos efeitos jurídicos da in­corporação das empresas controladas, inclusive no tocante ao recesso. [...] Uma questão suscitada com freqüência consiste em saber se, considerando a atividade do Banco Comercial (geralmente o incorporador) e que continuará normalmente a ser a mesma, pois não há razão para modificar o seu estatuto, a incorporação de outra entidade do sistema financeiro enseja alguma modifi­cação ou afeta, de qualquer modo, o seu objeto social, para criar o direito de recesso”. Nas hipóteses abrangidas no estudo de Amoldo Wald, o Banco Comercial incorpora suas empresas controladas, Bancos de Investimentos, Bancos de Desenvolvimento, Sociedades de Crédito Imobiliário e Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento. Trata-se, in casu, de incorporação de companhias com objetos diferentes, a ensejar o direito de retirada?

Amoldo Wald assim conclui o seu trabalho: “Pelo exposto, podemos concluir que o recesso, sendo de natureza excepcional, as normas a ele referentes não admitem interpretação extensiva, nem analógica, não se

266 SOCIEDADE ANÔNIMA

confundindo a mudança do objeto social, à qual se refere a lei, com alterações secundárias, desdobramentos ou especificações de atividades realizadas no mesmo setor, sem que haja diversificação. No caso de incorporação de uma entidade do sistema financeiro por Banco Múltiplo não há mudança do objeto social, pois: a) não se impõe alteração dos Estatutos do Banco, no que se refere ao objeto social; b) se houvesse mudança do mesmo, para especificar a ativi­dade de Banco de investimento ou das sociedades de crédito, assim mesmo, não ocorreria mudança de objeto, já que: b-i) a atividade de Banco de investi­mento e das sociedades de crédito se inclui nas operações financeiras em geral; b-2) a incorporação de empresa controlada não implica modificação do objetivo social do controlador, que já exercia, por via indireta, a atividade da companhia incorporada, considerada como integrada no seu objeto social, nos precisos termos do art. 2o, § 30, da Lei societária; c) a formação do Banco Múltiplo é faculdade, criada pela Regulamentação do Banco Central, que corresponde a um imperativo econômico e organizacional, não podendo, em virtude dos princípios que regem a competitividade das instituições financei­ras, o Banco comercial deixar de incorporar as suas subsidiárias, obtendo, assim, a redução de despesas e maior eficiência operacional; d) conseqüente­mente, não se trata de mera decisão de oportunidade adotada pela Assem- bléia-Geral, mas de imposição econômica e administrativa, que aliás, corresponde a uma tendência do mercado em todos os países, nos quais estão ressurgindo, com novos aspectos, os chamados Bancos Múltiplos ou Bancos Universais, que atuam em todos os setores como verdadeiros supermercados financeiros; e) a defesa dos interesses dos minoritários não pode significar uma limitação ao desenvolvimento das instituições das quais participam e um obstáculo à modernização da estrutura dos mesmos, que atende à expectativa de todos os acionistas e aos superiores interesses da sociedade” (Wald, 1993).

5. CASO UGHINI

CRevista de Jurisprudência do TJRGS104 f 293 e RTJ-S1F 120) 1.221)

Em 1977, a Ughini S A - Comércio e Indústria - adquiriu a participação majoritária no capital da Sinty-Syl - Indústria do Vestuário - , que tem por objeto a industrialização de artigos para o vestuário masculino e feminino, tais como camisas, calças, ternos, pijamas e casacos em couro para comercialização no mercado nacional e exportação.

Aos 8.8.1978, sob o controle majoritário da Ughini (99,46% do capital), quando era seu diretor o Sr. Antônio Ughini, foi constituída a Usacom - Indústria de Confecções Ltda.-, tendo por objeto a exploração industrial e comercial, importação e exportação de confecções.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 267

No dia 1°.2.1979, a Ughini transferiu para a Usacom todos os seus bens consistentes em máquinas, equipamentos e matéria-prima, que se achavam afetos à atividade industrial, cessando, desde então, de operar em seu próprio nome no ramo industrial.

Também sob o controle da Ughini foram constituídas, em 14.7.1978 e 25.10.1978, a sociedade civil Usadata - Processamento de Dados, Ltda. - e a sociedade empresarial Usamacro - Comercial de Tecidos, Calçados, e Confecções, Ltda.

Desde 1977, a Ughini atua como mandatária da S.A. Moinhos Riograndenses, e, desde 1979, como representante comercial da Fertilizantes do Sul S.A, sendo remunerada mediante comissões.

Aos 9.9.1980, a assembléia-geral da Ughini deliberou a exclusão do objeto social da indústria de confecções.

Em carta datada de 20.10.1980, os acionistas Antônio Ughini, Sandra Maria Ughini,: Paulo Roberto Ughini e o menor púbere Marco Antônio Ughini alegaram pretender exercer o seu direito de retirada, com base no art. 137, c.c. o art. 136, VI, da Lei das Sociedades por Ações.

A Ughini ajuizou, contra os referidos acionistas, uma ação declaratória, objetivando a declaração da inexistência do direito de retirada dos requeridos da sociedade como pretensos acionistas dissidentes. Disse que, nos anos recentes, por deliberação pessoal do acionista Antônio Ughini, vem este cada vez mais se dedicando a outros negócios, com desinteresse pelos assuntos da empresa, de cuja diretoria era membro. Acrescentou que há tempos vinha Antônio Ughini tratando insistentemente de compelir os demais acionistas da sociedade a adquirir as ações de sua propriedade e dos co-réus, seus filhos. Esclareceu, ainda, que, em ação movida por Investimentos Brasileiros S.A. - Ibrasa empresa subsidiária do BNDE, acionista minoritária, detentora de ações preferenciais do capital da autora (Ughini), foi decretada a anulação da assembléia-geral extraordinária de 9.9.1980.

Os acionistas-réus contestaram a ação, insistindo na procedência do seu direito de retirada. E, quanto à decretação de nulidade da assembléia-geral extra­ordinária de 9.9.1980, alegaram ser res inter alios acta, que não afeta absoluta­mente 0 seu direito de recesso, já que não foram sequer citados ou intimados para integrar aquela lide. Além disso - acrescentaram -, dita anulação é posterior à constituição do direito de recesso que, como direito adquirido, não pode mais ser afetado por ato anulatório posterior, cujos efeitos são exnunc.

Discute-se, na espécie, o direito de recesso do acionista dissidente, contemplado no art. 137 da Lei das Sociedades por Ações. Importa, sobre­maneira, fixar-se o alcance da disposição legal no que se refere à mudança do objeto da companhia.

268 SOCIEDADE ANÔNIMA

Teste sobre o Caso Ughini

Antes de ler o comentário do Caso Ughini, e para entendê-lo melhor, responda às seguintes questões:

1. A Ughini éa) a holding da Usacom, da Usadata e da Usamacrob) sócia da Ibrasac) controladora da Moinhos Riograndensed) sócia do Sr. Antônio Ughini

2. A Ibrasa éa) controladora do BNDEb) acionista da Ughinic) autora da ação em j ulgamentod) sócia da Sinty-Sil

3. A Sinty-Sila) foi incorporada pela Ughinib) é sócia da Ibrasac) passou a ser subsidiária da Ughinid) vendeu o seu ativo para a Ughini

4. A Usacoma) passou a ser controladora da Ughinib) transferiu para a Ughini todos os bens afetos à sua atividade industrialc) tornou-se sócia da Sinty-Sild) nenhuma das alternativas acima é correta

5. O Sr. Antônio Ughinia) era o controlador da Ughini à época da propositura da açãob) passou a ser o controlador da Sinty-Silc) é réu na ação em julgamentod) era representante comercial da Moinhos Riograndense e da Fertili­

zantes do Sul

6. O Sr. Antônio Ughinia) é pai de Sandra, Paulo Roberto e Marco Antôniob) entende que os efeitos da declaração de nulidade da AGE de 9.9.1980

retroagem àquela datac) era diretor da Sinty-Sild) era divorciado

7. Marco Antônio éa) absolutamente incapazb) relativamente incapazc) capazd) filho da genitora de Sandra e Paulo Roberto, é claro

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 Ó 9

8. O prazo para o exercício do direito de recesso, quando cabível, é dea) 15 dias, a contar da data da assembléiab) 15 dias, a contar da data da publicação da ata da assembléiac) 30 dias, a contar da data da assembléiad) 30 dias, a contar da data da publicação da ata da assembléia

9. A assembléia-geral da Ughini, que deliberou a exclusão da indústria de confecções do objeto social, realizou-se aos 9.9.1980. A carta dos acionistas, datada de 20.10.1980, eraa) certamente, extemporânea para o fim colimadob) inócua, por não ser o meio hábil para o exercício do direito de recessoc) c o n tra d itó r ia c o m a p o s tu ra a d o ta d a p e lo S r . A n tô n io U g h in i n a aç ãod) válida como manifestação do exercício do direito de recesso

10. Os órgãos da administração da companhiaa) podem convocar a AG até o 40o dia da data da sua realização, para

reconsiderar a decisão ensejadora do direito de recessob) podem convocar a AG até o 40o dia da data da publicação da ata da AG

ensejadora do direito de retirada, para reconsiderar a deliberaçãoc) as duas alternativas acima não são corretas, porque a AG não pode

reconsiderar a decisão ensejadora do direito de recessod) podem modificar a decisão da AG, por voto da maioria absoluta de seus

membros, em reunião especialmente convocada para esse fim

Comentário do Caso Ughini

1. O caso Ughini recebeu julgamentos contraditórios em diferentes instâncias. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul reformou a sentença do juiz de primeiro grau. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, modificou a decisão da Corte gaúcha.

2. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, modificando a sentença do juiz de primeiro grau, deliberou, em suma, o seguinte: “Só a mudança do objeto substancial da sociedade confere aos acionistas dissidentes o direito de retirada. Se, ao invés disso, só houve restrição do objeto, com a transferência para empresas do mesmo grupo, nas quais a sociedade é também titular de mais de 90% do capital, de uma das atividades da empresa, não se configura mudança do objeto que autorize 0 exercício do direito de retirada previsto no art. 137 da Lei das Sociedades Anônimas.

3. O Supremo Tribunal Federal, com voto vencido do Ministro Francisco Rezek, que não conhecia do recurso interposto contra a decisão da Corte gaúcha, restaurou a decisão de primeiro grau.

270 SOCIEDADE ANÔNIMA

4. 0 Relator, Ministro Carlos Madeira, entendeu 0 seguinte: “[...] a lei atual não exige que a alteração diga respeito a objeto essencial da companhia, como fazia a legislação anterior. Basta que, por sua impor­tância, a alteração prejudique os interesses dos acionistas dissidentes”.

5. 0 Ministro Djaci Falcão, em seu voto concorrente, observou o se­guinte: “[...] aliás, a legislação em vigor não exige a prova do prejuízo da parte dos acionistas dissidentes para efeito de conferir-lhes o direito de recesso. [...] à vista dos arts. 137 e 136, V, da Lei n. 6.404/76, a mudança do objeto social é o suficiente para justificar o exercício do direito de retirada”.

6. CASO JAÚ

(AT689/140-145 - mar. 1993)

A AGE da Jaú S A - Construtora e Incorporadora - modificou a estrutura da sociedade. Criou um conselho de administração e autorizou a emissão de debêntures conversíveis em ações preferenciais nominativas classes A e B, as primeiras com direito a voto e as outras sem esse direito.

A Construtora Júlio Louzada S.A. e outro, acionistas minoritários possuidores de 13,51% do capital da Jaú ajuizaram ação ordinária pretendendo fosse reconhecido o seu direito de retirada. Alegaram que a autorização, pela AGE, para a criação de debêntures conversíveis em ações significava a modifi­cação da estrutura acionária da sociedade. Argumentaram que, mesmo com a possibilidade de conversão de suas ações ordinárias em preferenciais da clas­se A com direito a voto, sofreriam uma redução na participação do capital social de 13,51% para 8,1%, uma vez que (verbis) “foram criadas 120.625.758 ações preferenciais da classe A”.

A Jaú defendeu-se dizendo que (a) a criação do conselho de administração foi necessária para 0 atendimento de exigência legal para a “abertura do capital” da sociedade; e (b) que a deliberação da AGE não ensejava o direito de retirada.

Comentário do Caso Jaú

1. A expressão “abertura do capital” acha-se relacionada com 0 conceito de companhia aberta (art. 40). Pode-se inferir qüé a Jaú, uma compa­nhia fechada, pretendia tomar-se companhia aberta. Na companhia aberta, o conselho de administração é obrigatório (art. 138, § 2°).

2. O direito de retirada, na sociedade anônima, é excepcional. Regra geral, prevalece 0 princípio “democrático” da maioria. Só naquelas hipóteses taxativamente previstas em lei 0 acionista dissidente pode exercer o direito de recesso.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 271

3. A lei brasileira não contempla, entre as hipóteses ensejadoras do direito de retirada, nem a “abertura do capital”, nem a adoção do conselho de administração e nem a emissão de debêntures.

4. A AGE da Jaú não criou ações preferenciais da classe A Simplesmente criou debêntures conversíveis em ações preferenciais da classe A

5. Um dos direitos essenciais do acionista é 0 de preferência para subscrição de debêntures conversíveis em ações, observado o disposto nos arts. 171 e 172 (art. 109, IV).

6. Não consta do acórdão que tivesse sido negado aos autores da ação 0 exercício do direito de preferência.

7. A Justiça bandeirante julgou improcedente a ação. Concluiu que a pura e simples emissão de debêntures conversíveis em ações prefe­renciais, acessíveis aos minoritários dotados do direito de prefe­rência, não configura prejuízo para estes.

Direito de voto

O direito de voto não é essencial.Reza o art. 110 que a cada ação ordinária corresponde um voto nas

deliberações da assembléia-geral. O preceito legal, entretanto, deve ser lido cum granum salis. As ações preferenciais só não terão esse direito se o estatuto, expressamente, 0 excluir com relação a elas (art. 111).

O estatuto pode estabelecer limitações ao número de votos de cada acionista (art. 110, § i°).

É vedado atribuir voto plural a qualquer classe de ações (art. 110, § 20). Assim, em nenhuma situação será possível que determinadas ações dêem direito a mais de um voto. Excepcionalmente, todas as ações votantes da companhia poderão dar direito a mais de um voto: nas eleições para o conselho de administração, quando for adotado 0 voto múltiplo (art. 141).

A existência de ônus incidindo sobre as ações votantes não lhes retira o direito de voto.

O contrato de penhor de ações pode estabelecer que o acionista ficará impedido de votar em certas deliberações sem o consentimento do credor pignoratício (art. 113). Nas ações votantes alienadas fiduciariamente, o credor garantido não poderá votar; o devedor somente poderá exercer o direito de voto nos termos do contrato (art. 113 e seu parágrafo úníco). Quanto às ações votantes gravadas com usufruto, prevalecerá o disposto no ato de constituição desse gravame; se nele não houver disposição a respeito, o direito de voto somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre 0 nu-proprietário e o usufrutuário.

272 SOCIEDADE ANÔNIMA

Suspensão dos direitos do acionista

A assembléia-geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionis­ta que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação (art. 120). A doutrina tem consi­derado que a assembléia-geral não pode suspender os direitos essenciais do acionista. A convocação da assembléia-geral para deliberar sobre a suspensão de direitos deverá mencionar expressamente o assunto na ordem do dia. E os efeitos da deliberação terão início a partir da publicação da respectiva ata.

7. EXCLUSÃO DE ACIONISTA

O Código Comercial de 1850 refere-se à rescisão da sociedade a respeito de sócio remisso e ao despedimento do sócio com causa justificada (Código Comercial, arts. 289 e 339). A doutrina e a jurisprudência brasileiras sobre sociedades limitadas, têm admitido a exclusão de cotista por deliberação majoritária para preservar a empresa, quando constatada grave desin­teligência entre os sócios. “Todavia, o problema ainda carece de um enfoque adequado no caso das sociedades anônimas, em razão das particularidades que a distinguem dos outros tipos societários previstos na legislação nacional” (Pinto Júnior, 1984:83).

O Código Civil de 2002 consigna as seguintes normas sobre a exclusão de cotista da sociedade limitada:

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, respon­derá perante esta pelo dano emergente da mora.[•••]Art. 1.030. Ressalvado 0 disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.[...]Art. 1.085. Ressalvado 0 disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 7 3

A Lei n. 6.404/76 dotou a sociedade anônima e, especialmente, a compa­nhia aberta, de feição nitidamente institucionalista. Assim, pensamos que a exclusão de acionista só pode ser admitida com extrema reserva e muito excepcionalmente, tanto nas companhias abertas quanto nas fechadas.

Alguns casos de exclusão já se acham previstos na própria Lei. São os seguintes:

1. Acionista Remisso - O art. 107 estabelece que, verificada a mora do acionista, a companhia pode, à sua escolha, promover processo de execução contra 0 acionista e os que com ele forem solidariamente responsáveis ou mandar vender as suas ações em bolsa. Se não conseguir a integralização das ações do acionista remisso por qualquer desses meios, a companhia poderá declará-las caducas e fazer suas as entradas realizadas, integralizando-as com lucros ou reservas; se não tiver lucros e reservas suficientes, terá o prazo de um ano para colocar as ações caídas em comisso, findo o qual, não tendo sido encontrado comprador, a assembléia-geral deliberará sobre a redução do capital em importância correspondente (art. 107, § 40). Por essa via, o acionista é excluído (expulso) da companhia;

2. Resgate - O resgate consiste no pagamento do valor das ações para retirá-las definitivamente de circulação. O resgate que não abranger a totalidade das ações de uma mesma classe será feito mediante sorteio (art. 44 e § 40). Ao comentar o caso Adhemar de Barros, já nos manifestamos no sentido de que a assembléia-geral só pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas no resgate das ações preferenciais se o estatuto previr expressamente essa possibilidade (art. 19). O resgate corresponde a uma desapropriação. A lei não fixa o valor do resgate. Tal valor deve ser justo, sob pena de contrariar-se o principio que veda o enriquecimento sem causa por parte da companhia. Com o resgate de suas ações, 0 acionista é excluído (expulso) da sociedade.

Afora esses dois casos, expressamente previstos na Lei, só com extrema reserva e muito excepcionalmente - repete-se - será possível admitir-se a exclusão de acionista.

De artigo publicado por Mário Engler Pinto Jr. selecionamos as seguintes hipóteses, que poderiam justificar a exclusão de acionista: a) quando, tendo o sócio entrado para a sociedade com o gozo de bens a título meramente obrigacional, tais bens venham a perecer por causa não imputável aos admi­nistradores; b) quando no estatuto social se tenha previsto a exclusão como medida a aplicar ao acionista que não cumpre a obrigação de prestações

274 SOCIEDADE ANÔNIMA

acessórias (exemplos: quando um sócio se compromete a fornecer a tecnologia indispensável à fabricação de determinados produtos pela companhia, ou quando assegura o suprimento de matérias-primas necessárias, escassas no mercado, ou, ainda, quando permite a utilização de nome empresarial de grande sucesso).

Outras hipóteses excepcionais de exclusão de acionista seriam a desa­propriação de suas ações pelo Poder Público por interesse social ou por razões de segurança nacional, em caso de guerra.

8. ACIONISTA CONTROLADOR

A Seção IV do Capítulo X da Lei n. 6.404/76 trata, especificamente, dos deveres e da responsabilidade do acionista controlador. Entende-se por acio­nista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos adminis­tradores da companhia e, cumulativamente, b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar 0 funcionamento dos órgãos da companhia (art. 116). O acionista controlador, como os administradores, tem 0 dever de obediência (à lei e ao estatuto social), de diligência e de lealdade. Ele deve usar o poder com 0 fim de fazer a companhia realizar 0 seu objeto e fazer cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da companhia, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender (art. 116, parágrafo único). O descumprimento de qualquer desses deveres acarreta a responsabilidade.

O art. 1x7 da Lei n. 6.404/76 reza que “0 acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”.

O § i° do art. 117 enumera várias modalidades de exercício abusivo do poder. Segundo a doutrina, tal enumeração é meramente enunciativa ou exemplificativa e não de numerus claiisus.

Quanto à letra h, § i°, do art. 117, que considera modalidade de exercício abusivo de poder subscrever ações, em aumentos de capital mediante subscrição de novas ações com bem estranhos ao objeto social, competirá ao Poder Judiciário, examinando criteriosamente as circuns­tâncias fáticas, decidir, em cada caso, se o bem é, ou não, “estranho ao objeto da companhia”.

Sobre sociedades controladoras e controladas, ver o Capítulo 16.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 275

9. CRÍTICA AO § 1° DO ART. 250

Ao estabelecer as Normas sobre Consolidação das Demonstrações Financeiras nas Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas, a nova redação do § Io do art. 250, dada pela Lei n. 9.457/97, efetuou uma inversão no que ali se dispunha anteriormente:

Antes ~ '■: : • ' (redação original da Lei n.

6.404/1976) '

r ■ - , Agora(Redação dada pela Lei n.

9.457/1997) v“§ i° A participação dos acionistas controladores no patrimônio líquido e no lucro líquido do exercício será desta­cada, respectivamente, no balanço patrimonial e na demonstração consoli­dada do resultado do exercício.”

“§ i° A participação dos acionistas não controladores no patrimônio líquido e no lucro líquido do exercício será destacada, respectivamente, no balanço patrimonial e na demonstração consolidada do resul­tado do exercício.”

A proporcionalidade de participação de acionistas “controladores” e “não controladores” não corresponde, necessariamente, à proporcionalidade de sua participação no capital social. Primeiro porque se o controlador for também administrador da companhia, ele poderá ter uma participação nos lucros como forma de remuneração (art. 152, § i°), que não se confunde com 0 recebimento de dividendos. Em segundo lugar porque, eventualmente, por força do disposto no art. 17, I, e seus parágrafos, as ações preferenciais poderão receber um dividendo maior que o pago às ordinárias.

Este dispositivo visa, basicamente, a fornecer um índice de comparação da participação de acionistas controladores e não controladores nas demons­trações financeiras consolidadas das sociedades coligadas, controladoras e controladas. Tal comparação ressaltará eventuais distorções, erigindo-se em sintoma de eventual abuso de poder. Contudo, o objetivo seria melhor atingido se o legislador tivesse exigido 0 destaque da participação dos “acionistas controladores” e dos “não controladores”.

Alienação de controle(Seção VI do Capítulo XX)O objetivo maior da Lei n. 9-457/97, ao introduzir modificações na Lei

n. 6.404/76, consistiu em revogar 0 art. 254 e os §§ i° e 2° do art. 255, que dispunham o seguinte:

Art. 254. A alienação de controle da companhia aberta dependerá de prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários.

276 SOCIEDADE ANÔNIMA

§ i° A Comissão de Valores Mobiliários deve zelar para que seja assegu­rado tratamento igualitário aos acionistas minoritários, mediante simultânea oferta pública para a aquisição de ações.§ 2o Se 0 número de ações ofertadas, incluindo as dos controladores ou majoritários, ultrapassar 0 máximo previsto na oferta, será obrigatório o rateio, na forma prevista no instrumento da oferta pública.§ 3o Compete ao Conselho Monetário Nacional estabelecer normas a serem observadas na oferta pública relativa à alienação de controle de companhia aberta.

Art. 255. [...]§ i° A autoridade competente para autorizar a alienação deve zelar para que seja assegurado tratamento eqüitativo aos acionistas minoritários, mediante simultânea oferta pública para a aquisição das suas ações, ou o rateio, por todos os acionistas, dos intangíveis da companhia, inclusive autorização para funcionar.§ 2o Se a companhia compradora pretender incorporar a companhia, ou com ela se fundir, o tratamento eqüitativo referido no § i° será apreciado no conjunto das operações. (Grifos nossos)

Os dispositivos acima transcritos e, mais particularmente, o do § i° do art. 254, sempre se erigiram em pomo de discórdia. O § i° do art. 254, que exigia “tratamento igualitário aos acionistas minoritários”, fora introduzido pelo Congresso Nacional pela Emenda Lehmann. Os autores do Projeto da Lei n. 6.404/76 e parte da doutrina pátria consideravam que Emenda quebrava a sistemática do Projeto.

A idéia geradora da Emenda Lehmann e consagrada nos dispositivos ora revogados era a de que o controle da companhia e os seus intangíveis, inclusive a autorização para funcionar, não é sobrevalor de exclusiva propriedade do acionista controlador, mas de todos os acionistas da companhia. Uma idéia manifestamente socializante e socializadora num mundo capitalista agora varrido pelos ventos do chamado neoliberalismo.

Na verdade, esses foram os dispositivos que maior celeuma geraram, quando do debate do Projeto da atual Lei n. 6.404/76, no Congresso Nacional. As opiniões se dividiram.

Depois de promulgada a Lei, a doutrina radicalizou-se na sua interpre­tação. Alguns doutrinadores consideravam que a expressão “acionistas minoritários”, constante do § i° do art. 254, se referia a todos os acionistas da companhia (votantes e não votantes). Outros entendiam que ela se referia apenas aos minoritários titulares de ações votantes. A jurisprudência forneceu decisões esparsas sobre a matéria, mas jamais se manifestou de forma definitiva e conclusiva.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 277

Com a revogação desses dispositivos, houve um grande retrocesso. Na verdade, essa revogação foi o grande objetivo da Lei n. 9.457/97. Com efeito, a sua manutenção no texto legal poderia dificultar sobremaneira o processo de desestatização da economia brasileira, que envolve a alienação de controle das empresas estatais.

Agora, com a Lei n. 10.303/01, a mesma idéia ressurge, porém de manei­ra mitigada, no art. 254-A Ressalte-se a curiosidade: a Lei n. 6.404/76 não mais possui um art. 254; mas possui um art. 254-A, com a seguinte redação:

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que 0 adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acio­nistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.§ i° Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.§ 2o A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata 0 caput, desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais.§ 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput.§ 4o O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na com­panhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e 0 valor pago por ação integrante do bloco de controle.

Comentário do artigo 254-A

O art. 254-A trata da alienação de controle de companhia aberta. Deixa claro que essa alienação pode ser direta ou indireta. No § i° define o que se deve entender por alienação de controle, mas não esclarece suficientemente em que consiste a alienação de controle indireta. O caso Cemig, já referido no Capítulo 4 e apresentado mais adiante, neste Capítulo, ilustra o conceito de alienação indireta de controle.

A alienação de controle (direta ou indireta) somente poderá ser contratada sob condição suspensiva ou resolutiva de que o adquirente se obrigue a fazer

278 SOCIEDADE ANÔNIMA

oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos acionistas minoritários (não controladores) da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle (art. 254-A, caput)7. Na linguagem do mercado, esse direito do acionista minoritário (não controlador) é denominado tag along right. Compete à Comissão de Valores Mobiliários autorizar a alienação de controle da companhia aberta. Mas, para tanto, deverá verificar, previamente, se as condições da oferta pública prevista no caputào art. 254-A atendem aos requisitos legais (art. 254-A, § 20).

Toda condição ou suspende 0 direito ou implica a resilição do ato (Silva Pereira, 1960,1:396).

Alienação de controle sob condição suspensiva

“Opera a conditio [suspensiva] [...] no sentido de se erigir em obstáculo a que a declaração da vontade desde logo produza todos os seus resultados jurídicos...” (Silva Pereira, 1960, 1:396) (Código Civil de 1916: “Art. 118. Subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”. Código Civil de 2002: “Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”.)

Alienação de controle sob condição resolutiva

“No ato sob condição resolutiva, inversamente, dá-se desde logo a aqui­sição do direito, e produz 0 negócio jurídico todos os seus efeitos [...]. Realiza­da a condição [resolutiva], extingue-se o direito, resolvem-se as faculdades que o compõem, inclusive aquelas que foram instituídas em benefício de terceiros” (Silva Pereira, 1960,1:396) (Código Civil de 1916: “Art. 119. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido; mas, verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue 0 direito a que ela se opõe”. Código Civil de 2002: “Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste 0 direito por ele estabelecido”.)

7 Como um dos requisitos para a inserção da companhia no Nível 2 de governança corporativa, a BOVESPA exige, atualmente, a “extensão, para todos os acionistas detentores de ações ordinárias, das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia e de, no mínimo, 70% deste valor para os detentores de ações preferenciais”. Sobre governança corporativa, V. 0 Cap. 16.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 279

Oferta pública como condição (suspensiva ou resolutiva) da alie­nação de controle de companhia aberta

Destinatários da oferta são os acionistas minoritários (não controla­dores) votantes. A oferta pública de aquisição das ações votantes de proprie­dade dos acionistas minoritários (não controladores) da companhia aberta acha-se disciplinada nos arts. 257 e 263. O § 30 do art. 254-A simplesmente repete a norma do § 40 do art. 257. Ao estabelecer normas a serem observadas nessa oferta pública, a Comissão de Valores Mobiliários fica vinculada ao disposto nos arts. 257 e 263.

O preço a ser ofertado pelo adquirente deve ser de, no mínimo, igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

O adquirente do controle acionário poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle (art. 254-A, § 40). Trata-se de uma faculdade e não de uma obrigação do adquirente do controle acionário. Se ele não formalizar esta oferta adicional, o acionista minoritário (não controlador) que não se interessar pela oferta pública de aquisição de suas ações permanecerá na companhia controlada pelo adquirente do controle na mesma situação anterior à alienação do controle da companhia.

Artigo 256

O art. 256, caput, estabelece que:

A compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil, dependerá de prévia deliberação da assembléia-geral da compra- dora, especialmente convocada para conhecer da operação, sempre que:

I - o preço de compra constituir, para a compradora, investimento relevante (art. 247, parágrafo único); ouII - o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez e meia o

' maior dos 3 (três) valores a seguir indicado:a) a cotação média das ações em bolsa ou no mercado de balcão organi­zado,8 durante os 90 (noventa) dias anteriores à data da contratação;b) 0 valor do patrimônio líquido (art. 248) da ação ou quota, avaliado o patrimônio a preços de mercado (art. 183, § i°);c) valor do lucro líquido da ação ou quota, que não deverá ser superior a 15 (quinze) vezes o lucro líquido anual da ação (art. 187, VII) nos dois últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente.

8 A expressão “ou no mercado de balcão organizado” foi introduzida no texto de 1976 pela Lei n. 9-457/97-

28o SOCIEDADE ANÔNIMA

Segundo o art. 21, da Lei n. 6.385/76 (Lei do Mercado de Valores Mobiliários),9 o mercado de balcão pode ser organizado ou não.

São atividades do mercado de balcão não organizado as realizadas com a participação ou no estabelecimento:

• das instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários como agentes de companhia emissora ou por conta própria, subscrevendo ou com­prando a emissão para colocar no mercado;

• das sociedades que tenham por objeto a compra e venda de valores mobiliários em circulação no mercado, para os revender por conta própria;

• das sociedades e agentes autônomos que exerçam atividades de me­diação na negociação de valores mobiliários, em Bolsas de Valores ou no mercado de balcão.(Art. 21, § 3o, c.c. o art. 15,1, II e III do art. 15 da Lei n. 6.385/76.)

As operações realizadas em bolsa ou em sistemas de mercado de balcão organizado, obviamente, não se caracterizam como atividades do mercado de balcão não organizado.

O § 1° do artigo 25610

§ 1° A proposta ou o contrato de compra [do controle], acompanhado de laudo de avaliação, observado o disposto no art. 8o, §§ i° e 6o, será submetido à prévia autorização da assembléia-geral, ou à sua ratificação, sob pena de responsabilidade dos administradores, instruído com todos os elementos necessários à deliberação. (Grifos nossos)

0 preceito é salutar, pois a assembléia-geral da companhia aberta com- pradora, convocada para conhecer da deliberação [a compra de controle de outra sociedade mercantil], só poderia deliberar com conhecimento de causa tendo em vista 0 laudo de avaliação.

A remissão aos §§ i° e 6o do art. 8o chama a atenção para os seguintes aspectos: i°) 0 laudo deve ser fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados e instruído com os docu­mentos relativos aos bens avaliados; 20) os peritos deverão comparecer à assembléia-geral, a fim de prestarem as informações que lhes forem solici­tadas; 3o) os peritos responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que possam incorrer.

9 O art. 21 da Lei n. 6.385/76 fora alterado pela Lei n. 9.457/97.10 Com a redação dada pela Lei n. 9.457/97.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 8 1

O § 2o do artigo 25611

§ 2o Se o preço de aquisição ultrapassar uma vez e meia o maior dos três valores de que trata o inciso II do caput, o acionista dissidente da deli­beração da assembléia que a aprovar terá o direito de retirar-se da compa­nhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 137, observado o disposto em seu inciso II. (Grifos nossos)

O inciso II do art. 137 dispõe o seguinte:

II - nos casos dos incisos IV e V do art. 136, não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver:a) liquidez, quando a espécie ou classe dé ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; eb) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação.

O inciso II do art. 137 já foi analisado anteriormente, neste mesmo Capítulo.

Na hipótese de “compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil”, “se o preço de aquisição ultrapassar uma vez e meia o maior dos três valores de que trata o inciso II do caput [do art. 256], o acionista dissidente da deliberação da assembléia que a aprovar terá o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 137, observado o disposto em seu inciso II”. Esta é mais terceira das hipóteses ensejadora do direito de retirada não mencionada no art. 137, já referida anteriormente.

Oferta pública para a aquisição de controle{Take over ou Tender offer)(Seção VII do Capítulo XX)

Na hipótese dê oferta pública para aquisição (tomada) de controle efe­tuada por terceiros (take over ou tender offer), disciplinada na Seção VII do Capítulo XX, a oferta poderá ter por objeto apenas o número de ações votantes necessário para completar 0 controle (arts. 257, § 2°, e 258,1). O preço a ser pago, obviamente, será igual para todas as ações.

11 Com a redação dada pela Lei n. 9.457/97.

282 SOCIEDADE ANÔNIMA

10. ACORDO DE ACIONISTAS

O art. 116, caput, da Lei deixa transparecer que o acordo de voto pode ser utilizado como mecanismo para aquisição ou manutenção do controle. O acordo de voto é uma das espécies de acordo de acionistas.

De uma simples leitura do art. 118, infere-se que o acordo de acionistas pode ter por objeto: a) a compra e venda de suas ações; b) a preferência para adquirir ações uns dos outros; e c) o exercício do direito de voto.

Os acordos de acionistas não poderão ser invocados para eximir 0 acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (art. 115) ou no exercício do poder de controle (arts. 116,117 e 118, § 20). Por isso mesmo, seria ilegal a cláusula do acordo de acionistas que atribuísse a um ou a alguns deles apenas 0 direito de votar pelos demais. Tal cláusula caracterizaria o chamado voting trust, permitido em diversas legislações estaduais norte-americanas, mas repudiado no Brasil.

O acordo de acionistas e o voting trust

O voting trust foi definido no caso Peyton vs. Peyton Corp. como 0 mecanismo pelo qual duas ou mais pessoas, proprietárias de ações votantes de uma companhia, dissociam os seus direitos de voto dos de propriedade, retendo estes últimos para todos os efeitos e transferindo aqueles a agentes fiduciários, que concentram todos os direitos de voto. Os elementos dessa definição foram destacados pela Corte Suprema do Estado de Delaware no julgamento do caso Abercrombie vs. Davies, e são os seguintes: 1) separação do direito de voto dos demais atributos de propriedade das ações; 2) transfe­rência do direito de voto a agentes fiduciários; 3) a transferência é irrevogável por um determinado período de tempo (regra geral, 10 anos); 4) o principal objetivo dessa transferência é a aquisição do controle acionário da compa­nhia. No caso Lehman vs. Cohen, a mesma Corte frisou que 0 principal propósito de uma lei reguladora do voting trusté evitar combinações secretas e incontroladas de acionistas, formadas para adquirir o controle acionário da companhia em detrimento dos demais acionistas. No Brasil, o aproveitamento do voting /77/^pela prática acha-se praticamente barrado, tanto pela tradição do direito romano-germânico como pelas opiniões dos doutrinadores. Segundo Trajano de Miranda Valverde, o direito de voto, cujo exercício é indispensável ao funcionamento normal da sociedade, está essencialmente vinculado à ação, dela é inseparável, pelo que só o seu proprietário pode, por si ou por meio de seu representante, exercê-lo. Para aquele jurista, a própria lei sancionaria 0 absurdo se permitisse a transferência do direito de voto, a alienação irrestrita de um direito, que ela mesma faz depender de uma qualidade,

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 283

a de acionista (CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Direito de Voto na Sociedade Anônima. Revista dos Tribunais 530/26-37, dez. 1979).

O acordo de acionistas é um contrato

Segundo Modesto Carvalhosa, o acordo de acionistas é um contrato submetido às normas comuns de validade de todo negócio jurídico privado, concluído entre acionistas de uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos referentes a suas ações, tanto no que se refere ao voto como à negociabilidade das mesmas (Carvalhosa, 1984).

Oponibilidade do acordo de acionistas a terceiros

As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros depois de averbados nos livros de registro e nos certifica­dos das ações, se emitidos (art. 118, § i°). As ações assim averbadas não poderão ser negociadas em bolsa ou no mercado de balcão (art. 118, § 40). No relatório anual, os órgãos de administração da companhia aberta informarão à assembléia-geral as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos, constantes dos acordos de acionistas arquivados na companhia (art. 118, § 50).

Nota sobre a execução específica do acordo de acionistas

A grande novidade e, simultaneamente, a enorme dificuldade do acordo de acionistas consiste na execução específica, para ele prevista no § 30 do art. 118: “Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas”.

A obrigação contraída no acordo de acionistas apresenta-se como aquela modalidadede obrigação de fazer, tratada nos arts. 879 a 881 do Código Civil de 1916 e nos arts. 247 e 249 do Código Civil de 2002, e, mais especificamente, como obrigação de emitir declaração de vontade. Regra geral, nas obrigações de fazer, prevalece o princípio segundo o qual nemopotestprecise cogiadfactum ou nemo adfaciendum cogi potest Eis a lição de Clóvis Beviláqua: “A obrigação de fazer não pode ser cumprida, violentando-se a vontade do indivíduo, manu militari, a praticar o ato prometido. Se ele se recusa a executar a prestação, que somente por ele podia ser executada, não é lícito forçá-lo, nem seria muitas vezes possível” (Clóvis, 1934). No entanto, modernamente, como observa Celso Barbi Filho, o direito processual vem caminhando sempre no sentido de ser cada vez mais instrumento e menos objeto, procurando se prestar como meio de satisfação e não de obstrução de direitos. É o fenômeno da efetividade do processo (Barbi Filho, 1993). Essa orientação se reflete em acórdão proferido

284 SOCIEDADE ANÔNIMA

pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. n. 25.517-2/MG, julgado em 16.2.1993: “Coloca-se em relevo, nos tempos que correm, o equívoco do entendimento, expresso no aforismo nemo ad precise ad/actum cogipotest. Certo que não é possível, fisicamente, forçar alguém à prática de um ato que envolva manifestação de vontade. Vários mecanismos existem, porém, tenden­tes a alcançar a realização do direito. Em certas circunstâncias, substitui-se 0 fazer do devedor por um terceiro; em outras, por meio das astreintes, é exercida pressão psicológica sobre o devedor; em outras, ainda, a sentença supre a manifestação da vontade”. A tese, na verdade, não é nova. Tullio Ascarelli, em obra publicada em 1963, já escrevera 0 seguinte: “A obrigação de prestar deter­minada declaração de vontade foi considerada em geral pela doutrina como caso típico de obrigação de fazer de caráter infungível. Com efeito, a vontade individual se concebe como soberana dentro dos limites da esfera jurídica de seu titular; não há possibilidade, nem mesmo por parte do Estado, de coartar esta vontade e forçá-lo a manifestar-se enquanto assim não 0 deseje a pessoa por sua livre determinação; e, por outro lado, não há terceiro que possa substi­tuir com sua declaração a que deveria ser prestada pelo obrigado. Afirma-se desse modo que a vontade individual é quanto há de mais incoercível e infungível no mundo do direito. A conseqüência lógica é que a obrigação de prestar declaração de vontade nunca pode receber execução em forma especí­fica e, em caso de não ser cumprida espontaneamente, pode somente dar lugar à reparação de danos. Contrariando, porém, este ponto de vista e usando 0 mesmo processo lógico já empregado para outras obrigações de fazer, obser­vou-se que não é impossível isolar 0 efeito jurídico que a declaração de vontade deveria produzir e, concorrendo determinadas condições, permitir aos órgãos da justiça realizar este efeito diretamente, não tanto suprindo a vontade do obrigado inadimplente quanto prescindindo dela. O respeito à vontade indivi­dual não pode ser tão absoluto a ponto de impedir a produção do efeito jurídico que a declaração de vontade produziria, quando existe obrigação anterior de emitir essa declaração e 0 obrigado se recusa à cumpri-la” (Ascarelli, 1963).

No caso do acordo de acionistas sobre o direito de voto, o contrato acarreta para o seu signatário a obrigação de emitir declaração de vontade. A lei diz, expressamente, que ele tem execução específica. E o Código de Processo Civil, ao disciplinar a execução das obrigações de fazer, dispõe que “condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida” (CPC, art. 641).

A grande dificuldade da execução específica do acordo de acionistas encontra-se, contudo, em termos de sua eficácia no mundo real. A vida das empresas é dinâmica, célere, trepidante. O processo judicial segue o seu ritmó

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 285

próprio, geralmente lento. Assim, o cumprimento da sentença judicial, transi­tada em julgado meses ou anos após determinada assembléia-geral, na qual o direito de voto tenha sido exercido em desacordo com o pactuado pelos acionistas, pode ficar, na prática, bastante comprometido. Mas não é só. A execução específica de acordo de acionistas pressupõe um texto igualmente específico, claro, bem redigido. E a experiência tem demonstrado que nem todos os acordos de acionistas apresentam tais qualidades.

Comprove o que acaba de ser dito lendo a reportagem abaixo reproduzida:

ACORDO DO MERCANTIL CAI EM SEGUNDA INSTÂNCIA(Estado de Minas, 18 out. 1985)

A 3 a C âm ara C ível do Tribunal de Justiça d e M inas G era is decidiu, por dois votos a um, pela ineficácia do acordo firm ado em outubro de 1976 por acionistas do Banco M ercantil do Brasil, que gerou um a disputa judicial pelo controle e direção do es tabe le­cim ento desde 1981.

Pela decisão judicial, os irmãos Oswaldo e Milton de Araújo saíram vencedores da ação em que pedem que 0 acordo de 1976 se ja declarado ineficaz. A parte perdedora reúne os filhos de um terceiro irmão, V icente Araújo, já falecido, e que presidiu 0 banco por longo período.

O acordo, assinado em outubro de 1976, depois que Vicente de Araújo havia transferido suas ações para os filhos Sérgio, Sílvio e R e­nato, e para a esposa, Zulma Araújo, determi­nava que todos se comprometiam a m anter 0 controle da fam ília e assegurava a m esm a proporção de ações ordinárias em poder de cada um dos signatários do documento.

Com isso, Oswaldo e Milton de Araújo de­tinham (incluindo filhos e esposas) 24 ,7% das ações, seus três sobrinhos (filhos de Vicente) 22 ,7% e a esposa dona Zilm a, que ficou de fora do acordo, mantinha o controle de 7% das ações.

Cinco anos depois, em 1981, começou a disputa, quando os sobrinhos solicitaram a averbação e 0 registro do contrato. Na oportu­

nidade, Sérgio, Sílvio e Renato acusaram os tios de terem comprado ações em número desconhecido, de terceiros, quebrando a proporção originalmente estabelecida.

Em sua defesa, Oswaldo e Milton de Araú­jo alegaram ineficácia do acordo, argüindo que ele foi firmado antes da atual Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6 .404), e que na leg islação an terior não havia a figura da averbação. Argüiram, ainda, que, para ter vali­dade, 0 acordo teria de ser ratificado, porque a nova Lei das SA criou novas responsabilida­des para signatários de acordos de acionistas. Dessa forma, defendiam que somente após ratificado por todos é que o acordo poderia ser definitivo na sociedade.

Três ações judiciais surgiram da disputa: uma cautelar, em que os sobrinhos pedem a averbação do acordo; uma ordinária, em que os sobrinhos pedem a recomposição da pro­porção das ações; e uma dedaratória, em que os tios pedem seja o acordo declarado ineficaz.

Na prim eira instância ganharam os sobri­nhos e, agora, na segunda, a 3 a C âm ara do Tribunal de Justiça do Estado considerou as ações conexas, juntando-as e ju lgando-as de um a só vez. Ao ju lgar procedente, em nível de apelação , a d edarató ria e decidindo pela ineficácia do acordo de acionistas, a C âm ara foi ao mérito, tornando as dem ais questões prejudiciais.

286 SOCIEDADE ANÔNIMA

Os sobrinhos poderão ingressar com re- todos os seus cinco membros (da primeira vezcurso perante o Tribunal de Justiça, após a reuniu-se com três desembargadores), a umpublicação do acórdão, que deverá ocorrer em novo e definitivo julgamento. Um último recur-30 dias, com um embargo infringente, o que so poderá ser impetrado junto ao Supremoobrigará a Câm ara, desta vez reunida com Tribunal Federal, mas sem efeito suspensivo.

11. CASO CEMIG

(Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível n.199.781-6/00. Data do acórdão: 7.8.2001)

O caso Cemig particularmente versa sobre alienação indireta de controle de sociedade de economia mista, matéria ainda não tratada pela doutrina.

Nele, Tribunal de Justiça de Minas Gerais rejeitou preliminares de inép­cia da inicial e de carência de ação e confirmou a sentença de primeiro grau. Participaram do julgamento os desembargadores Garcia Leão, Páris Peixoto Pena e Lopes de Albuquerque. O desembargador Garcia Leão já proferira substanciosos votos no julgamento de medidas processuais anteriores. A decisão foi unânime.

Seguem excertos do voto do desembargador Páris Peixoto Pena, que apresenta um acurado histórico dos fatos:

“Ainda aos 14.12.1951, pela Lei Estadual n. 828, o Governo do Estado de Minas Gerais foi autorizado a promover a organização, no Estado, de uma sociedade de economia mista, por ações, destinada a constituir e explorar diretamente sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e serviços correlatos, bem como auxiliar a criação, administração, controle e financiamento de sociedades de economia mista de caráter regional, que tivessem aquela finalidade.

Literalmente, assim, dispôs 0 parágrafo único desse artigo, que era 0 primeiro:

‘O Estado participará de tal sociedade a que esta lei se referirá como Companhia Auxiliar, com maioria de ações com direito a voto.’

E 0 art. 13 da mesma lei:‘O Estado não poderá vender ou transferir as ações que subscrever de

acordo com o art. i°, parágrafo único, sem autorização expressa da Assem­bléia Legislativa.’ ■ -

Aí a base legal para a criação da CEMIG. A Lei continha seis artigos, dentro dessa linha de pensamento. Sancionou-a o então governador Juscelino Kubitschek de Oliveira. A CEMIG adquiriu organicidade através do Decreto n. 3.710 de 20.1.1952.

Posteriormente, bem depois, quando no Governo de Minas o Sr. Hélio Garcia, foi sancionada a Lei n. 8.655, de 19.9.1984, que tratou de algumas

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 287

modificações na empresa, inclusive mudando-lhe a razão social para Companhia Energética de Minas Gerais, sob a mesma sigla.

O § 2o do art. 20 dessa lei dispôs, também literalmente:‘O Estado deterá sempre a maioria das ações com direito a voto’.A 10.11.1995, era publicada a Lei n. 11.968, que autorizava 0 Exmo. Sr.

Governador de então a alienar ações preferenciais e ordinárias de proprieda­de do Estado que integravam o capital social da Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG - e do Banco do Estado de Minas Gerais S/A. Foi excluída da autorização para alienação aquela parcela que pudesse importar em perda, pelo Estado, da condição de detentor da maioria do capital votante de citadas empresas, de forma que não perdesse o seu controle acionário.

O objetivo da venda era a obtenção de recurso para pagamento da dívida pública e à execução de programas sociais previstos no Plano Plurianual de Ação Governamental.

É o que está na lei.Posteriormente, o Estado foi autorizado a privatizar o BEMGE. Quanto à

CEMIG, de nenhuma outra autorização legal se tem noticia.Envolvendo a CEMIG sabe-se apenas que a Lei n. 12.653/97 que

modificou o parágrafo único do art. 10 da Lei n. 8.655, acrescentou, no citado dispositivo, ao objetivo econômico empresarial, também o ‘comer­cial’, autorizando-a, sem prejuízo de suas atividades previstas em lei, ‘prestar serviços de consultoria, dentro de sua área de autuação a empresas, no Brasil e no exterior.’

Com base em tal autorização, 0 Estado vendeu 32,964%, do seu capital votante, no total de 18.719.600.000 ações ordinárias de que era detentor na CEMIG, de forma a permanecer com 51,958%.

A verdade é que, com base na autorização legal, foi feita a venda para a MGI - Minas Gerais Participações S/A, empresa esta cujo objetivo social primordial era participar na formação acionária de empresas situadas no território mineiro, ém fase de expansão ou instalação, que apresentassem índices técnicos satisfatórios bem como participar de projetos de desenvolvi­mento regional de interesse público, etc. de forma a incrementar a industriali­zação, promover associação de empresas e dar suporte técnico e gestão admi­nistrativa à política de privatizações do Estado.

A MGI, de sua vez, emitiu 18.719.600 debêntures, para através disso - é o que se imagina, a partir do texto expresso da Lei n. 11.968 - colocá-las e fazer Caixa para o Estado. Para tanto dispunha da garantia constituída pelas ações da CEMIG que lhe passara o Estado. De tal forma, no edital de vendas das debêntures, abriu a possibilidade de 0 seu valor ser coberto

288 SOCIEDADE ANÔNIMA

através da opção da signatária por converter tais papeis em ações da CEMIG, na proporção de uma debênture para cada bloco de mil ações ordinárias.

No respectivo edital (fls. 52/59 - num. de origem), a par de outras condições, ficou estabelecido que a pré-qualificação dos candidatos seria feita por uma Comissão Especial, criada por decreto do Governador do Estado, (Decreto n. 38.715/97),cuja decisão seria submetida ao Sr. Secre­tário da Fazenda, para quem também caberia eventual recurso de quem não se desse por vencido com a conclusão da citada Comissão. A decisão do Sr. Secretário da Fazenda seria irrecorrível. (Vejam-se itens 2.4 a 2.4.4 do edital).

Do edital ainda constava o compromisso de a MGI não alienar, que não fosse por força do próprio edital, qualquer parcela das ações ordinárias, passíveis de serem adquiridas por conversão das debêntures.

Ilustrando 0 edital foram publicados os Estatutos da CEMIG e o modelo de Acordo de Acionistas, sob a garantia de que o Estado o assinaria, como detentor do controle acionário da CEMIG, com o arrematante das debên­tures, desde que as convertesse nas ações ordinárias da citada empresa, como admitido.

Frise-se que 0 edital foi expedido pela Credireal S/A - Corretora de Câmbio e Valores, encarregada de realizar o leilão, muito embora dissesse ela que 0 fazia por conta e ordem do BNDES Participações S/A - BNDESPAR.

Por que a BNDESPAR? Porque essa subsidiária do BNDES fora subscritora das debêntures emitidas pela MGI, através de cuja escritura, datada de 6.12.1996, com posteriores aditamentos, ficara ajustado que ela venderia, em bloco as debêntures subscritas, repartindo-se o lucro com o Estado de Minas Gerais.

Leilão, cujo edital fora publicado em 12.3.1997, foi realizado; a arrematante das debêntures foi a Southern Electric Brasil Participações Ltda., que optou pela sua conversão em 18.719.600.000 ações ordinárias da CEMIG, correspondendo exatamente aos 32,964% do seu capital votante, já transferidas à MGI pelo Estado, sendo então assinado 0 acordo de acionistas, tal como prometido èm editaM - ■■ ■ ~ -

Pretendendo anular tal acordo de acionistas, entrou o Estado de Minas Gerais com ação contra a Southern. Pediu, na oportunidade, lhe fosse conce­dida a antecipação da tutela, negada em primeiro grau e concedida liminarmente pelo relator, aqui, mantida, por maioria de votos, nesta Primei­ra Câmara Cível, em agravo regimental.

[...]

OBRIGAÇOES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 8 ç

Quanto ao mérito, a matéria parece-me de rasa simplicidade, pois resume-se, ao meu juízo, em se responder às seguintes indagações:

• o Acordo de Acionistas, tal como assinado, na realidade retira do Estado de Minas Gerais, ainda que parcialmente, o controle da CEMIG, muito embora continue com a maioria das ações ordinárias, com a maioria das ações com direito a voto?

• na hipótese afirmativa a essa questão, estava o Poder Executivo autorizado a firmá-lo?

Vamos tentar responder a tais questões.Os melhores trabalhos sobre acordo de acionistas, em interpretação siste­

mática da Lei n. 6.404, parece-me ser aqueles feitos pelos Drs. Celso Barbi Filho e Modesto Carvalhosa. Não irei esmiuçá-los, até mesmo por respeito à desnecessidade. Mas merecem referência certos aspectos da questão. O primei­ro deles é que os ilustres doutrinadores, em nenhum momento, trataram do acordo de acionistas em empresa de economia mista; não a encontrei [essa matéria], especificamente [tratada] em nenhum outro [trabalho], A ausência de tal tratativa é, no mínimo, sintomática ou, quando nada, indicativa de que Ss. Ss. consideram inadmissível que, dentro desse quadro, tal ocorra.

Ainda recentemente, em artigo publicado na Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 8, fls. 31/59, o Dr. Celso Barbi Filho voltou a tratar da matéria, inclusive propondo inserções na reforma da Lei n. 6.404, já parcialmente reformada pela 9.457 de 15.12.1997, de forma a se fazer mais aberta na tratativa de tal questão. Curioso: continuou o silêncio com respeito à Sociedade de Economia Mista, salvo observação de pé-de-página, em que S. S. dá notícia desta demanda.

O segundo aspecto que quero considerar é o da parassociabilidade de tal acordo, o que eqüivale a dizer que se trata, essencialmente, de um contrato com fincas no direito das obrigações, sob a particularidade de disciplinar direitos e relações dos acionistas de uma mesma empresa SA, entre si, sem se confundir com os atos constitutivos dela.

Se assim o é - e é - não se pode perder de vista o que dispõe o art. 82 do C. Civil, como lembra Barbi Filho (op. cit.), porisso que os agentes devem ter . capacidade para 0 acerto, sejam acionistas de uma mesma companhia, seja licito 0 objeto, seja com relação ao exercício do direito de voto, seja com relação à titularidade de ações, inclusive a regulamentação de suas compras e vendas. Com muita percuciência - diga-se - Barbi Filho lembra que se trata também de um contrato preliminar, porque o ‘acordo de acionistas contém é, em regra, uma promessa de contratar futura compra de ações na forma preestabelecida, ou emitir declaração de vontade correspondente ao voto nas

290 SOCIEDADE ANÔNIMA

assembléias-gerais da companhia’. E isso - diz - tem fundamental impor­tância no que se refere à execução específica.

Feitas tais observações, voltemos à análise do Acordo.É da cláusula 3, item-i:‘As partes exercerão o direito de voto nas assembléias-gerais da Compa­

nhia correspondente a todas as ações que detiverem, de modo consentâneo com as disposições deste instrumento, aprovando e fazendo com que sejam aprovadas as deliberações assembleares na forma e no tempo aqui previstos’.

‘Nas Assembléias-Gerais da Companhia o Estado exercerá os direitos e terá os deveres atribuídos pela Lei das Sociedades por Ações ao acionista controlador. Não obstante, as partes votarão em bloco quando a Assem- bléia-Geral deliberar sobre:

a) alterações do estatuto no tocante a objeto social e ações (incluindo a emissão de novas ações sem direito de preferência), competência, composição e funcionamento dos órgãos da companhia (Assem- bléia-Geral, Conselho de Administração, Diretoria Executiva e Con­selho Fiscal), apuração de resultados (incluindo reservas, fixação e distribuição de dividendos), e

b) emissão de debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, criação de partes beneficiárias, resgate e amortização de ações, fusão, cisão, incorporação, dissolução ou liquidação da companhia (incluindo eleição do liquidante e aprovação de contas e distribuição de dividendo em percentual diverso do obrigatório pelo Estatuto).’

A seguir, nos itens e subitens [...] estabelecem-se regras para a votação em bloco para, ao final da cláusula, dizer-se:

‘O eventual exercício, por qualquer das partes, do direito de voto nas assembléias-gerais da companhia em desacordo com as disposições aqui estabelecidas, importará em nulidade da deliberação que assim for tomada, sem prejuízo do direito da parte interessada de promover a execução específica da obrigação descumprida.’

Na cláusula quarta regula-se a composição e funcionamento dos órgãos de administração. Neste ponto 0 item 4.11 estabelece que depende, no mínimo, do voto de seis membros da Diretoria Executiva a decisão sobre as matérias que alinha nas várias letras a seguir. Ora, se o Estado vai ter apenas cinco membros da Diretoria Executiva conforme o estabelece o subitem 4.8.1, evidente que, nesses casos, não poderá agir como controlador.

Outras cláusulas do acordo são limitativas do exercício do controle da empresa, direito do Estado de Minas Gerais, por ter maioria das ações com direito a voto, cuja transferência sempre dependeu de autorização legislativa.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 291

Daí que, com o acordo dè acionistas, efetivamente praticado, o Estado perdeu o controle da empresa CEMIG. Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. Nesses termos o ser majoritário passou a se constituir apenas em condição nominal. Nem mesmo formal.

Após essa conclusão sobre 0 primeiro item da indagação, volto ao segundo questionamento e repito: 0 Estado, através 0 Poder Executivo, estava autori­zado a firmar tal acordo? Respondo: não estava. Proibiam-no três conclusões legislativas da Assembléia Legislativa estadual: a de n. 868/53, lei que cuidou da autorização para o Estado criar uma empresa de economia mista, em que ’ detivesse o controle acionário, fixando-se, como exigência, que ‘O Estado participará de tal sociedade a que esta lei referirá como Companhia Auxiliar, com maioria de ações com direito a voto.’

Já no art. 13 dessa mesma lei estipulou-se:‘O Estado não poderá vender ou transferir as ações que subscrever de

acordo com o art. i°, parágrafo único, sem autorização da Assembléia Legislativa.’

Posteriormente, através a Lei Estadual n. 8.655, de 10.9.1984, estabele-. ceu-se (art. 20, § 20), ratificando-se o controle do Poder Legislativo Estadual com relação ao domínio acionário da CEMIG:

‘O Estado deterá sempre a maioria das Ações com direito a voto.’Finalmente, quando da autorização dada pela Assembléia Legislativa do

Estado de Minas Gerais para a venda das ações preferenciais e ordinárias da CEMIG e do BEMGE. enfatizou-se, mais uma vez, no § i° do art. i°:

‘§ i° Excluem-se da alienação de que trata este artigo as ações que asseguram a participação majoritária do Estado no capital votante da CEMIG e do BEMGE.’

Como se vê, ao firmar 0 Acordo de Acionistas, inseridas nele cláusulas limitativas do controle acionário da CEMIG pelo Estado de Minas Gerais, como já explicitado, o Poder Executivo extrapolou os limites de sua com­petência legal.

É nulo o acordo de acionistas. Subscreveu-o sem autorização legal, que não a tinha para celebrá-lo. A Assembléia Legislativa não autorizou o seu acertamento.

Confesso que imaginei a possibilidade de anulá-lo apenas em parte, com recomposição de cláusulas. Cheguei, entretanto, à conclusão de sua invia­bilidade processual ( le m b r e - s e que, agora, julga-se o mérito da causa e, não, antecipação de tutela). Isso porque, no exercício de minhas funções, posso, pelo Estado, entregar a prestação jurisdicional, mas não posso emitir decisão,

2Ç2 SOCIEDADE ANÔNIMA

em caso como o dos autos, para obrigar as partes a celebrarem novo acordo, ou estipular suas cláusulas e obrigá-las a assim aceitá-lo. Até porque não é esse o pedido.

Diga-se de passagem, a decisão de primeiro grau, no que se refere ao mérito, foi excelentemente proferida. Por isso faço meus, neste particular, também os argumentos do ilustre magistrado.

Nesses termos, nego provimento ao apelo [...]”.Outro aspecto do acordo de acionistas que tem gerado polêmica é a

questão do seu arquivamento na sede da sociedade. Fran Martins já se mani­festou com a costumeira percuciência sobre este aspecto em parecer assim ementado: “O art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas determina que os acordos de acionistas deverão ser observados pela companhia quando arqui­vados na sua sede. Esse arquivamento deverá ser feito na própria sociedade, não produzindo os efeitos desejados pela lei [...] os acordos arquivados em cofres de segurança, alugados a clientes, nem mesmo que estejam esses cofres localizados na sociedade, nem os arquivados em Cartório de Títulos e Docu­mentos, em que o arquivamento pode ser feito apenas para conservação do documento, não para os fins estabelecidos nos vários parágrafos do art. 118 da lei” (MARTINS, Fran. Acordo de Acionistas: arquivamento em cofre de segu­rança e em Cartório de Títulos e Documentos, Irv. Novos Estudos de Direito Societário {Sociedades anônimas e sociedades por quotas). São Paulo: Saraiva, 1988, Cap. 8).

Ao introduzir, no texto do art. 118, os §§ 6o a 90, a Lei n. 10.303/01 procurou profligar algumas das dificuldades anteriormente apontadas.

Analisemos os novos parágrafos do art. 118.

O § 6o do artigo 118

§ 6o O acordo de acionistas cujo prazo for fixado em função de termo ou condição resolutiva somente pode ser denunciado segundo suas estipulações.

Precisamente por ser 0 acordo de acionistas um contrato submetido às normas comuns de validade de todo negócio jurídico privado (Carvalhosa, 1984), a lei não fixa um prazo para a sua validade. Vigora, quanto a ele, 0 princípio da autonomia da vontade.

O acordo de acionistas pode ser celebrado: a) por prazo determinado; oub) por prazo indeterminado.

Se celebrado por prazo determinado, as partes podem: a) fixar um termo para a sua expiração (p.ex.: o acordo de acionistas vigorará até 0 dia

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 9 3

31.12.2040); ou b) estabelecer que ele vigorará até o implemento de uma condição resolutiva12 (p. ex.: o acordo de acionistas vigorará até que todos os filhos dos signatários completem a maioridade).

No acordo de acionistas, as partes também podem estipular livremente os motivos que podem acarretar a sua denúncia. Essa estipulação é particular­mente importante, principalmente se o acordo for celebrado por prazo deter­minado, porque, nesta hipótese, as partes somente poderão denunciá-lo “segundo suas estipulações”.

O § 70 do artigo 118

§ 7o O mandato outorgado nos termos de acordo de acionistas para proferir, em assembléia-geral ou especial, voto contra ou a favor de determinada deliberação, poderá prever prazo superior ao constante do § i° do art. 126 desta Lei.

O § 1° do art. 126 dispõe que o acionista pode ser representado nas assembléias-gerais por procurador constituído há menos de um ano; e acres­centa que o procurador deverá ser acionista, administrador da companhia, advogado ou instituição financeira.

O acordo de acionistas pode inserir, em seu texto, mandato para que determinado(s) acordante(s) vote(m) pelos demais, ou para que todos os signatários possam votar uns pelos outros.

Note-se que o texto legal se refere, expressamente, “voto contra ou a favor de determinada deliberação”. O mandato inserido no texto de um acordo de acionistas, diferentemente daquele previsto no § i° do art. 126, deve ser específico. Deve mencionar poderes especiais, vinculados aos termos do acordo de acionistas. Não se trata, pois, de uma “carta branca” para votar qualquer matéria submetida à deliberação da assembléia-geral, mas apenas aquelas matérias especificamente reguladas no acordo de acionistas. Na ver­dade, esse mandato funciona como uma espécie de “voto antecipado” “contra ou a favor de determinada deliberação”.

O § 7o do art. 118 permite que o mandato embutido no acordo de acionistas tenha o prázo superior a urn ãho.Mas, para tãntó,'será necessário que o prazo superior seja expressamente fixado. Caso contrário, prevalecerá a regra do § i° do art. 126, ficando dificultada a execução do acordo.

12 Código Civil de 1916: “Art. 119. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido; mas, verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue o direito a que ela se opõe. [...]”

294 SOCIEDADE ANÔNIMA

O § 8o do artigo 118

§ 8o O presidente da assembléia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado.

As matérias de competência da assembléia-geral ordinária acham-se enumeradas no art. 132.

Ao estudar 0 Caso Telepar, no Capítulo 9 deste livro, vimos a importância da indicação, no edital de convocação da assembléia-geral extraordinária, da matéria a ser votada. Os acionistas devem ser alertados previamente, e com antecedência, sobre a ordem do dia, não podendo ser colhidos de surpresa.

Já vimos que 0 mandato embutido no acordo de acionistas funciona como uma espécie de “voto antecipado” “contra ou a favor de determinada deliberação” sobre assunto constante do edital de convocação. O § 8o do art. 118 limita-se a dizer que o “voto antecipado” deve ser computado corretamente na assembléia-geral.

Aí vai um exemplo singelo: Xisto e Mévio celebraram acordo de acionistas e o arquivaram devidamente. Ambos obrigam-se a votar em Mévio para o conselho de administração da companhia. Cláusula do acordo de acionistas contém mandato recíproco. Xisto comparece à assembléia-geral ordinária e vota em Damasceno. O presidente da assembléia não computará 0 voto para Damasceno.

O § 9o do artigo 118

§ 9o O não comparecimento à assembléia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qual­quer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada.

Para ilustrar 0 conteúdo deste § 90, recorramos a outro exemplo singelo: Pedro é Paulo celebraram acordo de acionistas e o "arquivaram devidamente. Ambos obrigam-se a votar em Mévio para o conselho de administração da companhia. Inexiste mandato embutido no instrumento do acordo de acio­nistas. Instalada a assembléia-geral ordinária para eleição do conselho de administração, constata-se a ausência de Xisto. Mévio poderá votar em si mesmo para membro do conselho de administração, com base nas ações votantes de Xisto.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 295

O § 10 do artigo 118

§ 10 Os acionistas vinculados a acordo de acionistas deverão indicar, no ato de arquivamento, representante para comunicar-se com a compa­nhia, para prestar ou receber informações, quando solicitadas.

O § 10 estabelece uma obrigação; não uma faculdade. A indicação visa a facilitar o exato cumprimento do acordo de acionistas. Interessa tanto à companhia quanto aos signatários do acordo.

Apesar de ser uma obrigação, seria exagero admitir que a falta da indicação exigida implicaria nulidade do acordo de acionistas. De qualquer forma, e considerando o fascínio exercido, no Brasil, pela burocracia e pelo formalismo, não será nem prudente e nem conveniente omitir a indicação prevista no § 10 do art. 118.

De outra maneira, pondere-se que o representante indicado nada tem a ver com a figura do trustee, prevista no instituto do voting tnist, que, como vimos, não se confunde com o acordo de acionistas e foi repudiado pela legislação brasileira.

O § 11 do artigo 118

§ 11. A companhia poderá solicitar aos membros do acordo esclareci­mento sobre suas cláusulas.

O § 11 do art. 118 não deixa de ilustrar 0 fascínio exercido, no Brasil, pela burocracia e pelo formalismo.

Já vimos que a execução específica de acordo de acionistas pressupõe um texto igualmente específico, claro, bem redigido; infelizmente, a expe­riência tem demonstrado que nem todos os acordos de acionistas apresen­tam tais qualidades.

Assim, independentemente da existência do § 11 do art. 118, a solicitação de esclarecimentos aos membros do acordo sobre suas cláusulas, quando necessário, se revela como medida de boa gestão societária.

O fato de a companhia precisar-solicitar os esclarecimentos poderá ser indício de que o acordo poderá não estar suficientemente específico, claro, bem redigido. E ninguém melhor para esclarecê-lo que os próprios signatários. O que não se pode admitir é que, ocorrendo divergência entre os signatários, a companhia, qualquer de seus órgãos, seus administra­dores ou seu controlador usurpem a competência do Poder Judiciário para julgar o litígio.

296 SOCIEDADE ANÔNIMA

12. CASO TRIUNFO

(.Revista de Jurisprudência do TJRGS125/368-381)

O TJRGS, modificando decisão de primeiro grau, julgou procedente ação ordinária movida pela acionista Petroplastic Indústria de Artefatos Ltda. contra a Petroquímica Triunfo S A , companhia de capital autorizado tendo por objeto a produção e comercialização de polietileno de baixa densidade, produtos químicos correlatos, de sua fabricação ou de terceiros, inclusive importação e exportação dos mesmos, podendo participar de outras sociedades.

Na ação, questionava-se 0 descumprimento de um “Contrato de Em­preendimento em Conjunto e Acordo de Acionistas” algumas vezes aditado.

A riqueza de dados fáticos analisados no acórdão dificulta sobremaneira a sua síntese. Dele extraem-se apenas os seguintes trechos, para reflexão: “A lei não dá o sentido exato do processo de arquivamento [do acordo de acionis­tas]. Como ele se realiza e em que livros ou assentamentos da sociedade deverá operar-se 0 arquivamento? [...]. Temos [...] como certo, pelo que consta dos autos, que a companhia Petroquímica Triunfo S.A. nunca reformulou os seus estatutos e sempre promoveu suas assembléias e reuniões do conselho de administração e diretoria baseada no Acordo de Acionistas [...]. Como a Lei das Sociedades Anônimas não prevê, no Capítulo IX, Livros Sociais, art. 100, seus incisos e parágrafos, o modo de arquivamento desse acordo, e como a companhia dele sempre fez uso, até 0 aumento de capital [realizado] em 11.4.1983, passando, daí em diante, a adotar como norma 0 estatuto social e a Lei das Sociedades Anônimas [...], infere-se estar esse acordo arquivado, com seus aditivos, de alguma forma, na companhia”.

13. QUESTÕES

1. Como conciliar 0 art. 118 da Lei das Sociedades por Ações com o art. 177, § 2o, do Código Penal?

Art. 118 da Lei das Sociedades por Ações

Os acordos de acionistas, sobre [...] exercício do direito de voto (art. 115) deverão ser observados pela companhia quando arquivados em sua sede.

Art. 177, § 2o, do Código Penal

Incorre na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações da assembléia-geral.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 297

2. A Cia. Asa Bráncã, na assembléia-geral extraordinária realizada há dez dias, considerando a existência de problemas financeiros, deli­berou reduzir o dividendo obrigatório de 25% para 15%. A acionista Maria de Jesus, titular de 5% das ações ordinárias nominativas, que não comparecera à assembléia-geral, ao regressar ontem de Miami, protocolizou na companhia o seu pedido de retirada da sociedade. O estatuto da companhia é inteiramente omisso quanto ao assunto e nada dispõe sobre 0 valor do reembolso. O diretor da Cia. Asa Branca pede a sua orientação.

3. Acionistas minoritários e insatisfeitos da Fortuna S.A. não concor­dam com a decisão da última assembléia-geral extraordinária, que deliberou criar partes beneficiárias a favor de uma fundação bene­ficente de seus empregados. Contudo, eles têm dúvidas quanto ao valor do reembolso (art. 45 da Lei n. 6.404/76), uma vez que as ações da companhia estão cotadas em Bolsa por valor inferior ao nominal. Oriente-os.

4. Alguns titulares de ações preferenciais da classe “A” da Capricomius S A , representando cerca de 15% do capital social, estavam pensando em influir de maneira mais decisiva na eleição do próximo conselho de administração. Todavia, examinando os estatutos, constataram que eles não prevêem nenhuma das “vantagens políticas” previstas no art. 18 da Lei das Sociedades por Ações, nem qualquer outra cláusula que facilite a sua pretensão, razão pela qual estão pensando em retirar-se da companhia. Oriente-os.

5. Beto e Tadeu são os dois únicos acionistas da BB & Salivas S.A., uma companhia de publicidade, cada um possuindo 50% do capital votante. Em decorrência de uma séria desavença entre ambos, e embora os estatutos sociais sejam omissos sobre o assunto, Beto está exigindo que na assembléia-geral ordinária da companhia seja adotado o sistema do voto múltiplo nas eleições do conselho de administração. Tadeu manifesta-se imediata e radicalmente contra essa pretensão. Você está estagiando na BB & Salivas S.A. e secre­tariando a assembléia-geral ordinária. Oriente os dois sócios.

6. A assembléia-geral da Ceagest S.A. foi convocada para deliberar sobre proposta de aumento do capital social, criação de ações preferenciais e outros assuntos de interesse social. Tendo a acionis­ta Francisca Moura Imperial doado suas ações para os filhos com reserva de usufruto vitalício, o diretor da companhia, Sr. Túlio Alvarenga, indaga quem poderá comparecer à assembléia-geral e votar, com base naquelas ações. E, mais, pergunta qual é a maioria

298 SOCIEDADE ANÔNIMA

necessária para que a companhia em assembléia-geral delibere validamente sobre a criação de ações preferenciais, em primeira e em segunda convocações. .

14. RESPONSABILIZAÇÃO DO ACIONISTA POR APLICAÇÃO DATEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JU­RÍDICA13

CDisregard o f corporate entity, Disregard o f corporateness, Piercing the corporate veit, superação da personalidade jurídica)

Tornou-se clássico 0 dito societas distat a singulis. Ele já se refletia no art. 20 do Código Civil de 1916 (“As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”). Não se confundem as pessoas dos sócios e a da sociedade. Também não se confundem os respectivos nomes e patrimônios.

Essa regra clássica e salutar não possui, contudo, caráter absoluto. Subordina-se a princípios maiores, que privilegiam a boa-fé e profligam o abuso de direito e o excesso ou desvio de poder. Portanto, não pode ser invocada para amparar o dolo, a simulação, a fraude, a má-fé, o abuso de direito e 0 excesso de poder. Nessas hipóteses, justifica-se desconsiderar a existência distinta e separada da personalidade jurídica nos dois sentidos: 1) para responsabilizar os sócios por obrigações da sociedade; e 2) para respon­sabilizar a sociedade por obrigações dos sócios.

Eis 0 que dispõe o art. 50 do Código Civil de 2002:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Quanto à eventual responsabilização da sociedade por dívida do sócio, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios já aplicou, correta­mente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, decidindo o seguinte: “O patrimônio da sociedade distingue-se do patrimônio dos sócios,

13 Em artigo intitulado “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica descomplicada”, publicado na Revista da Faculdade de Direito Milton Campos (v. 6, p. 225-229), demonstrei que rarissimamente precisará ser invocada, no Brasil, a teoria da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, já que o nosso direito positivo cobre praticamente todas as situações fáticas abrangidas por aquela teoria. Ver a propósito o comentário ao Caso Companhia Sertaneja, neste Capítulo.

OBRIGAÇOES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 2 9 9

não importando que os devedores sejam os únicos sócios. O patrimônio da pessoa jurídica não responde por dívida das pessoas naturais que a integram. Entretanto, admitindo-se que haja fraude, assumindo os sócios dívidas em nomes próprios e colocando os bens em nome da sociedade, para evitar a execução, modifica-se a situação, devendo atentar-se para a realidade, afas- tando-se considerações de ordem puramente formal” (TJDF e Territórios, ApCív n. 8.870-BSB. DJU, 16.3.1983, fls. 2.761).

Antes mesmo da Lei n. 6.404/76, certas manifestações jürisprudenciais isoladas e mais evoluídas já aplicavam a teoria da desconsideração da perso­nalidade jurídica, embora sem mencioná-la com esse nome.

Veja, a propósito, os casos Guaricanga e Companhia Sertaneja:

15. CASO GUARICANGA

(^7’343/i8i-i 85 - maio 1964)

Em execução cambial contra Manoel Lourenço Filho, ex-acionista e antigo diretor da Cia. Agrícola Guaricanga, foram penhorados 40 alqueires de terra da Fazenda Guaricanga, pertencentes àquela companhia.

O voto vencido do Des. Ulysses Dória dava pela subsistência da penhora, aplicando, sem mencioná-la, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Segue um excerto do seu voto vencido: “Entendo possível a execução compreender não só os direitos e ações do executado, como, outrossim, terras da fazenda da sociedade anônima embargante [...]. Isso se, segundo o seu Estatuto, não passa de projeção do próprio executado, então seu presidente, a que dava poderes de gestão tão ilimitados, como se só por ele e por seus haveres fosse constituída, de modo a lhe atribuir dupla personalidade, e lhe permitir jogo dúbio com os seus credores. Realmente, ora se apresenta em frente deles como pessoa natural, ora como pessoa jurídica, e a dar bens desta como garantia das dívidas daquela [...]. Em acórdão do Tribunal de Alçada (de São Paulo), publicado na Rev. dos Tribunais, v. 238/394 [...] se salientou que a personalidade coletiva das pessoas jurídicas se não pode isolar da personali­dade individual das pessoas naturais, que a compõem, sob pena de fugir-se à : força dos fatos, mormente na época atual, em que, muita vez, uma se confun­de com a outra, quando a empresa existe efetivamente com um único sócio. Por conseguinte, conclui, não pode essa dupla personalidade ser um ‘tabu a entravar a ação da Justiça’. Desde logo se observa que as pessoas jurídicas, não obstante constituídas das pessoas naturais, que as integram, não passam de seres acidentais, resultantes das relações destas, que as constituem, num todo apartado, para realizar o bem comum dos seus membros ou dos seus

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beneficiários, coletivamente considerados. Se o seu membro, na verdade, é um só, se único de fato, pois pode dispor com poderes ilimitados do patrimônio da pseudo-sociedade, esta se confunde com ele, para conseguir o objetivo individual e social do sócio. Então se identificam, em vez de se distinguirem, como a natureza distinta exigia tal ocorresse [...]. Se [os] credo­res provarem que a pessoa jurídica ‘não passa de uma projeção’ do próprio sócio, que está sendo executado, possível se torna, em ação executiva contra este, penhorar-se não só os seus direitos e ações, como os bens dessa pessoa jurídica fictícia, de patrimônio fiduciário, pois, se essas pessoas jurídicas, em princípio, se não confundem com os sócios, não pode essa dupla personali­dade, repita-se, ‘ser um tabu a entravar a própria ação do Estado’, na realização da Justiça [...]”.

16. CASO COMPANHIA SERTANEJA

(Supremo Tribunal Federal, Agravo de Petição n. 10.029, do DistritoFederal, j. 10.9.1942)

Julgando recurso em embargos de terceiro apresentado pelo Dr. Geraldo Rocha em executivo hipotecário movido pela Caixa Econômica Federal contra a Companhia Sertaneja SA, o Ministro Philadelpho Azevedo escreveu o seguinte: “Apesar da independência teórica das personalidades física e jurídica, hoje muito atenuada diante dos processos capitalísticos especialmente na constituição de sociedades ‘holdings’, ou nas chamadas de família, conforme já repercutiu em nossa legislação relativa ao trabalho e, até, à renovação dos contratos de locação, nada impede sejam apreciadas circunstâncias inteira­mente alheias a esse velho postulado...”.

Os princípios maiores, que privilegiam a boa-fé e profligam o abuso de direito e o excesso ou desvio de poder se acham difusos no nosso ordenamento jurídico, mas já encontravam um referencial bem específico no art. 159 do Código Civil brasileiro de 1916: (“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1-553”)- Nessa mesma linha, 0 Código Civil de 2002: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 301

i Para aqueles que conseguem perceber o espírito da lei, além da sua letra; iria, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica se mostra pratica-I mente dispensável no Brasil.I Apesar disso, a reiterada aplicação da teoria da desconsideração da| personalidade jurídica pelas Cortes norte-ameriçanas gerou enorme curiosi-í dade entre os juristas brasileiros.

Os diversos trabalhos acadêmicos publicados no Brasil sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica têm o grande mérito de aclarar, em todo o seu conteúdo e extensão, o espírito contido nos art. 159, do Código Civil brasileiro de 1916'4 e 158, da Lei das Sociedades por Ações.

| ■ A desconsideração da personalidade juríd ica é um a construção! jurisprudencial

A desconsideração da personalidade jurídica é uma construção jurisprudencial. Tal construção desenvolveu-se, com maior pujança, nos Estados Unidos e passou a influenciar os Tribunais de todos os países do mundo civilizado.

Bryant, numa tentativa de sistematizar os casos em que a jurisprudência [ norte-americana tem aplicado a teoria da desconsideração da personalidade; jurídica, destaca cinco hipóteses principais: Ia) deficiências técnicas na

constituição da companhia, 0 que, no direito brasileiro, provavelmente, a : caracterizaria como sociedade irregular; 2a) deficiências técnicas numa socie­

dade já constituída; 3a) domínio da sociedade por outrem (alter ego theorg}, 4a) desconsideração da personalidade jurídica pelos próprios sócios, em situ­ações do dia-a-dia; 5a) fraudes cometidas pelos sócios, usando a máscara da personalidade jurídica da companhia (Bryant, 1982: 299-302).

Barber, mais sintético, demonstra que as Cortes norte-americanas, ao localizarem o ponto preciso em que o estímulo ao desenvolvimento dos negócios e das empresas é ofuscado pelo interesse público de proteger aqueles que transacionam com a sociedade, submetem o caso a um teste de dupla face: Ia) existe uma unidade tal de interesses e propriedades entre sócios e sociedade, a ponto de descaracterizar a separação das personalida­des? 2 a) se o ato for considerado só da sociedade, ocorrerá um resultado injusto? (Barber, 1981:104).

A desconsideração da personalidade jurídica aparece formalmente consagrada, no direito positivo brasileiro, em dois dispositivos legais:

14 O art. 159 do Código Civil de 1916 encontra correspondência no art. 186 do Código Civil de 2002.

302 SOCIEDADE ANÔNIMA

1. Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11.9.1990}.

Art. 28. 0 juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da socie­dade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inativi­dade da pessoa jurídica provocados por má administração.§ 1° (Vetado).§ 2o As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decor­rentes deste Código.§ 3o As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.§ 4o As sociedades coligadas só responderão por culpa.§ 5o Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

2. Lei sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica (Lein. 8.884, de 11.6.1994}.

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Pelas mesmas razões arroladas nos dois dispositivos legais acima trans­critos, justifica-se a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para proteger empregados e credores em geral.

Tratando-se de medida excepcional, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica há de ser aplicada com sabedoria e comedimento pela jurisprudência. Como já diziam os argutos romanos, scire leges non hoc est verba earum teneresed vim acpotestatem (conhecer as leis não é ater-se às suas palavras; mas à sua força e poder): “

Como medida excepcional, não pode ser aplicada indistintamente a todos os sócios, mas apenas àqueles que, comprovadamente, se tenham envolvido com a situação ensejadora da sua aplicação.

Na sociedade anônima, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada, nas circunstâncias acima referidas, contra o acionista controlador e, eventualmente, contra o acionista minoritário.

OBRIGAÇÕES, DIREITOS E RESPONSABILIDADE DO ACIONISTA 3 0 3

Quanto ao acionista controlador, especificamente, a desconsideração da personalidade jurídica decorre da aplicação combinada das normas dos arts. 186 e 187 159 do Código Civil brasileiro de 2.002 e 117 da Lei das Sociedades por Ações.

Como já mencionado no Capítulo 10, no ordenamento jurídico brasileiro, a rigor, não é necessária a irivocação da teoria da desconsideração da persona­lidade jurídica para, em execução contra a sociedade, atingir o patrimônio do administrador. Quanto ao acionista-administrador, todas as hipóteses ensejadoras da aplicação dessa teoria, explicitadas pela doutrina e pela jurisprudência, já se encontram contempladas em dispositivos legais expressos, como, por exemplo, os incisos I e II do art. 158:

A rt. 158. O administrador [...] responde [...] civilmente, pelos prejuízosque causar, quando proceder:I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;II - com violação da lei ou do estatuto.

17. CASO BATEAU MOUCHE

Exemplo de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídi­ca foi assim noticiado: “Indenizações para vítimas do Bateau Mouche - Por unanimidade, os desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) deci­diram ontem manter a sentença dada em primeira instância pela 5a Vara Federal, contra as empresas Bateau Mouche Rio Turismo Limitada e Itatiaia Agência de Viagens, além dos sócios dessas duas empresas, pela morte de 55 pessoas no naufrágio do barco Bateau Mouche, na noite de 31.12.1988. Despesas Vitalícias - A novidade do processo - segundo o advogado das famílias das vítimas, João Fernandes - é que os sócios da empresa de turismo Bateau Mouche serão atingidos em seu capital pessoal e terão que arcar com as despesas de cada família pelo resto da vida [...]” [GazetaMercantil, 16 jun. 1994, p. 33).

Finalmente, cumpre observar que não se confunde a desconsideração da personalidade jurídica com a anulação desta. Muito ao contrário, a correta aplicação da teoria pressupõe o reconhecimento da personalidade jurídica.

18. TESTES

1. A bonificação de ações pode ocorrera) no aumento de capital mediante capitalização de lucros e reservasb) quando a companhia dá lucros e paga dividendosc) quando a companhia aumenta o capital mediante subscrição de açõesd) quando a companhia reduz o capital

2

304

3

4

5 -

6.

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8.

SOCIEDADE ANÔNIMA

Não existe correlação entrea) direito de retirada e reembolsob) ação de fruição e amortização integralc) bonificação e “filhotes”d) ação escriturai e hipoteca

Não é direito essencial do acionista o dea) participar dos lucros sociaisb) preferência para subscrição de açõesc ) . votard) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação

. As ações não podem ser objeto dea) cauçãob) penhorac) hipotecad) usufrutoLiga-se ao exercício do direito de recesso o conceito dea) resgateb) reembolsoc) amortizaçãod) liquidação

Salvo disposição estatutária expressa em contrário, a seguinte operação depende do consentimento unânime dos acionistas:a) incorporaçãob) fusãoc) cisãod) transformação

O acionista dissidente poderá exercer o direito de retirada caso a assem- bléia-geral deliberea) criar partes beneficiáriasb) transformar a companhia em sociedade limitadac) incorporar outra companhiad) destituir o diretor eleito antes do término do prazo de gestão

O estatuto social não podea) atribuir voto plural a qualquer classe de açõesb) estabelecer limitação ao número de votos de cada acionistac) deixar de conferir o direito de voto às ações preferenciaisd) impor limitação à circulação das ações nominativas, na companhia fechada

Numa S.A. não pode haver aumento de capitala) por conversão de debêntures em açõesb) por conversão de partes beneficiárias em açõesc) por conversão de debêntures em partes beneficiáriasd) por incorporação de reservas

Ca p ít u l o 12

F is c a l iz a ç ã o d a c o m p a n h ia

l. CONSELHO FISCAL

Na analogia esboçada entre as estruturas da companhia e do Estado democrático, o conselho fiscal corresponderia ao Poder Judiciário da socie­dade anônima.

É direito essencial do acionista o de fiscalizar, na forma prevista na lei, a gestão dos negócios sociais (art. 109, III). Uma das formas previstas é, precisamente, através da atuação do conselho fiscal.

“É assegurado ao acionista o direito de fiscalizar o modo pelo qual é administrado o patrimônio social e gerida a sociedade anônima. Com o objetivo de impedir que, por capricho ou por interesses mesquinhos, isso se tome empecilho à boa marcha da administração, a lei regulamenta esse direito fundamental do acionista. O direito de exigir prestação de contas diretamente da diretoria não está previsto na legislação, que é específica e regula por inteiro as sociedades anônimas” {RT572/67 - jul. 1983).

Os questionamentos sobre o conselho fiscal preocupam-se principal­mente com a eficiência ou com a eficácia da sua atuação.

Comparem-se, a propósito, os dois textos doutrinários abaixo:

Sobre o Decreto-lei n. 2.627/40

“Na prática [...] 0 conselho fiscal transformou-se entre nós em órgão meramente decorativo. De fato, é a diretoria, pelo absoluto controle que exerce sobre a assembléia, que escolhe os seus próprios fiscais. E é natural que a criatura seja feita, como 0 homem, à imagem e semelhança de seu criador. Daí poder-se afirmar, com igual razão, do conselho fiscal, o mes­mo que dissemos sobre a caução dos diretores. Tal como existe e como funciona, é o órgão, ou supérfluo ou absolutamente inútil e inoperante. Se os diretores são honestos, capazes, cumpridores de seus deveres, com ou

SOCIEDADE ANÔNIMA

sem fiscalização, tudo correrá bem para a sociedade. Se, porém, forem maus administradores, desidiosos, sem escrúpulos, saberão escolher fis­cais que não os molestem... No primeiro caso, será desnecessária, supér­flua, qualquer fiscalização; no segundo caso, ainda que não fosse de fato inexistente, ele seria de todo inoperante. Aliás, por mais compenetrados da importância e responsabilidade de sua função que sejam os membros do conselho fiscal, por mais idôneos e diligentes, a verdade é que, salvo raríssimas exceções, limitam-se eles a assinar, sem ao menos lê-los, os termos, atas e pareceres que, em regra geral, são feitos por empregados da sociedade. Dir-se-á que ainda na hipótese de diretores honestos e compe­tentes, o conselho fiscal prestaria a eles à sociedade grande serviço, se fiscalizasse não os atos da diretoria - acima de qualquer suspeita -, mas os dos contadores ou guarda-livros, responsáveis pela contabilidade da em­presa. Acontece, porém, que os membros do conselho fiscal em geral nada entendem de contabilidade, sendo-lhes impossível, por isso, exercer pes­soalmente a fiscalização que lhes incumbe. Ainda mesmo que - e isso raramente acontece - quisessem de fato fiscalizar alguma coisa... A lei faculta-lhes, é verdade, contratar um técnico em contabilidade para auxiliá-los no cumprimento de sua missão. Mas, na prática, é a própria diretoria, a fim de controlar a contabilidade da sociedade e a exatidão dos resultados apurados em balanços, que costuma contratar os serviços de escritórios ou empresas especializadas em tais serviços”.(BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1991 (Edição Histórica), p. 499-500).

Sobre a Lei n. 6404/76

“Apesar das críticas que o Conselho Fiscal sofreu no passado, a lei houve por bem mantê-lo, disciplinando-o nos arts. 161 a 165, os quais configuram o esforço do legislador em aperfeiçoá-lo, tornando-o um instrumento efetivo de fiscalização da vida societária. Salvo honrosas exceções, na maior parte das empresas, o Conselho Fiscal converteu-se em organismo desprestigiado e inexpressivo, composto, as mais das vezes, por pessoas de confiança direta dos acionistas controladores, que se limitavam a assinar pareceres estereotipados, sem necessidade de efetivamente examinar os livros e papéis da sociedade, seu estado de caixa e carteira, 0 inventário, o balanço e as contas da diretoria: Assim sendo, o Conselho Fiscal comprometeu a confiabilidade que deveria caracterizá-lo. Espera-se que a sua nova disciplina seja capaz de reabilitá-lo. Para confirmar essa necessidade de reabilitação, basta que se observe o nível meramente simbólico de sua remuneração no passa­do, bem como a inequívoca demonstração de falta de confiança no seu desempenho técnico, por parte do Poder Público, que passou a exigir, para as sociedades de capital aberto, a partir de certo momento, auditoria

FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA 3 0 7

por auditores contábeis independentes, devidamente credenciados pelo Banco Central (Resolução n. 220/72).”(TEIXEIRA, José Alexandre Tavares; TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades anônimas no direito brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1979, P- 483-)

2. O ARTIGO 172 DO REVOGADO DECRETO-LEI N. 2.627/40 E O § 5o DO ARTIGO 163 DA LEI N. 6.404/76

Compare o parágrafo único do art. 172 do revogado Decreto-lei n. 2.627/40 com o § 5o do art. 163 da Lei n. 6.404/76:

Decreto-lei n. 2.627/40, art. 172, parágrafo único

Os fiscais poderão escolher para assisti-los no exame dos livros, do inventário, do balanço e das contas, perito contador, legalmente habilitado, cujos honorários serão fixados pela assembléia-geral.

Lei n. 6.404/76, art. 163, § 50

Se a companhia não tiver auditores independentes, o Conselho Fiscal poderá, para melhor desempenho das suas funções, escolher contador ou firma de auditoria e fixar-lhes os honorários, dentro de níveis razoáveis, vigentes na praça e compatíveis com a dimensão econômica da compa­nhia, os quais serão pagos por esta.

Na vigência da lei anterior existiam duas interpretações doutrinárias acerca da aplicação do parágrafo único do art. 172. Trajano de Miranda Valverde entendia que a indicação do perito contador-assistente era da com­petência colegiada do conselho fiscal, vale dizer, da maioria do órgão fiscalizador. Waldemar Ferreira sustentava, ao contrário, que o fiscal escolhido pelos acionistas minoritários tinha 0 direito de indicar, separadamente, perito-contador de sua confiança, para assisti-lo no exame dos livros e das contas da sociedade. - ~ = -

A lei atual aderiu à tese de Trajano de Miranda Valverde. Limitou a aplicação do dispositivo àquelas companhias que não tenham auditores inde­pendentes. À luz do § 5o do art. 163 só o Conselho Fiscal, enquanto órgão colegiado, poderá, para melhor desempenho de suas funções, escolher conta­dor ou firma de auditoria, a serem pagos pela companhia; e, mesmo assim, quando esta não tiver auditores independentes. A lei não mais faculta aos fiscais, isoladamente, tomarem essa providência.

308 SOCIEDADE ANÔNIMA

O conselho fiscal é sempre obrigatório. Mas o seu funcionamento pode ser permanente ou intermitente.

3. CONSELHO FISCAL DE FUNCIONAMENTO INTERMITENTE - O ARTIGO 123 E O ARTIGO 161

Sobre o conselho fiscal de funcionamento intermitente (não permanente), confrontem-se os arts. 161 e 123:

Lei n. 6.404 de 15.12.1976

CAPÍTULO XI Assembléia-Geral (artigos 121 a 137)

Seção IDisposições Gerais (artigos 121 a 131)

Competência para Convocação

Art. 123. Compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, observado o disposto no estatuto, convocar a assembléia-geral. Parágrafo único. A assembléia-geral pode também ser convocada: [•••]d) por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no mínimo, do capital votante, ou 5% (cinco por cento), no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias,1 a pedido de convocação de assembléia para instalação do conselho fiscal.

CAPÍTULO XIII Conselho Fiscal

(artigos 161 a 165)

Composição e Funcionamento

Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.[•••]

* O dies a quo ou termo inicial desse prazo de 8 (oito) dias é a data do protocolo do requerimento.

FISCALIZAÇAO DA COMPANHIA 3 0 9

§ 2o O conselho fiscal, quando o funcionamento não for permanente, será instalado pela assembléia-geral a pedido de acionistas que repre­sentem, no mínimo, um décimo das ações com direito a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembléia-geral ordinária após a sua instalação.

A letra d do parágrafo único do art. 123 foi introduzida no texto original de 1976 pela Lei n. 9-457» de 5-5-1997-

4. EFEITO DA INTRODUÇÃO DA ALÍNEA D, NA REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 123, PELA LEI N. 9 457/97

O acréscimo da alínea d ao parágrafo único do art. 123 não derrogou o § 2o do art. 161.2

Revogação, ab-rogação e derrogação

Ocorre a derrogação quando uma lei (ou um dispositivo legal) revoga parcialmente outra lei (ou outro dispositivo legal). Eis a lição de Caio Mário da Silva Pereira (1962:1,99): “a revogação pode ser total ou parcial, por atingir a totalidade ou apenas uma parte de seus dispositivos. À revogação total dá-se o nome de ab-rogação; à parcial, chama-se derrogação, apagando a primeira a eficácia da segunda; e atingindo a segunda apenas uma parte dela, enquanto deixa íntegras as disposições não alcançadas”.

-RevogaçãoTotal

Ab-rogaçãoParcial

derrogação

Inexistência do pressuposto necessário da derrogação

A revogação (total ou parcial) pressupõe que a lei ou a norma posterior disponham sobre a mesma matéria tratada na lei ou na norma anterior.

Contudo, as normas da letra d do art. 123, e do § 20 do art. 161 dispõem sobre situações diversificadas, em momentos distintos, gerando ações diversas, dirigidas a pessoas diferentes.

2 Pensa diferentemente Modesto Carvalhosa (Carvalhosa, 1998: v. 3, p. 361-362).

3io SOCIEDADE ANÔNIMA

Observe, a propósito os quadros a seguir:

Situações diversificadas:,' : ; ,Primeira situação (art. 123,

Parágrafo único, “d”) Convocação da assembléia-geral por acionista.

Segunda situação (art. 161, § 20) Pedido de instalação do conselho

fiscal por acionista

1. 0 acionista Xisto pede ao diretor-pre- sidente da companhia que convoque a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal.

2. 0 diretor-presidente não atende ao pedido de Xisto.

3. 0 acionista Xisto convoca a assem­bléia-geral.

0 acionista Mévio pede a instalação do conselho fiscal.

Momentos distintos'' ' .

Xisto convoca a assembléia-geral depois Mévio pede a instalação do conselho que os administradores deixaram de fiscal durante uma assembléia-geral. atender ao seu pedido de convocação da assembléia-geral para instalação do con­selho fiscal.

, VAções diversas, dirigidas a pessoas diferentes , •

Xisto Mévio• convoca • pede• todos os acionistas da companhia... • à assembléia-geral, vale dizer, aos

acionistas da companhia presentes àassembléia-geral...

Recurso à análise sintática

A análise sintática facilitará mais ainda a compreensão:Xisto convoca a assembléia-geral para, num dia futuro, deliberar sobre

a instalação do conselho fiscal:

Sujeito Verbo Objeto direto Adjunto adverbial de fim

Xisto convoca a assemblies geral para deliberar sobre a instalação do conselho fiscal

FISCALIZAÇAO DA COMPANHIA 311

Mévio pede à assembléia-geral instalada, a instalação do conselho fiscal:

Sujeito Verbo Objeto direto Objeto indireto

Mévio pede a instalação do conselho fiscal

à assembléia-geral instalada.

Conjugação do artigo 123 com o artigo 161

Conjugando-se, pois, o art. 123 com o art. 161, tem-se o seguinte:

1. o conselho fiscal é obrigatório, mas o seu funcionamento pode ser permanente ou não, dependendo do que dispuser 0 estatuto;

2. qualquer acionista, votante ou não votante, qualquer que seja o número de ações possuídas e qualquer que seja o seu percentual de participação no capital social, poderá pedir, aos administradores, a convocação da assembléia-geral para instalação do conselho fiscal; o pedido será submetido ao órgão ou à pessoa estatutariamente competente para convocar a assembléia-geral;3 mas

3. somente poderão convocar a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias a pedido de convocação da assembléia-geral para deliberar a instalação do conselho fiscal: a) acionistas votantes de­tentores de, no mínimo, 5% das ações votantes', e b) acionistas não votantes que representem, no mínimo, 5% do total do número de acionistas sem direito a voto;

4. a instalação do conselho fiscal com funcionamento não permanente poderá ser pedida à assembléia-geral em curso: a) por acionistas que representem, no mínimo, 10% das ações votantes; e b) por acio­nistas que representem 5% das ações não-votantes;

Observe-se que, no art. 123, parágrafo único, letra d, o texto legal se refere a “5% (cinco por cento), no mínimo, dos acionistas sem direito a voto”, 0 que é diferente de 5%, no mínimo, das ações sem direito de voto. Sobre essa diferença, já tecemos considerações no Capítulo 9, no tópico “Convocação da Assembléia-Geral por Acionistas”.

Observe-se, mais, que em nenhum dos dois dispositivos confrontados se faz referência a ações com voto restrito.

3 “Art. 123. Compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, observado o disposto no estatuto, convocar a assembléia-geral [...]”.

3 1 2 SOCIEDADE ANÔNIMA

Recapitulação

Art. 123. [...]Parágrafo único. [...]d)por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no mínimo, do capital votante, ou 5% (cinco por cento), no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, a pedido de convocação de assembléia para instalação do conselho fiscal.

Acionistasvotantes

Acionistas não votantes

5% do capital votante

5% dos acionistas sem direito a voto

5% dos acionistas sem direito a voto

Art. 161. [...]

§ 2o O conselho fiscal, quando o funcionamento não for permanente, será instalado pela assembléia-geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, um décimo das ações com direito a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembléia-geral ordinária após a sua instalação.

Acionistasvotantes

Acionistas não votantes

10% do capital votante

5% das ações sem direito a voto

5% das ações sem direito a voto

Situações ilustrativas(acionistas não-votantes)

Compare, mais uma vez, os dois dispositivos a seguir:

Art. 123. [...]Parágrafo único. [...]dj por acionistas que representem 5% (cinco por cento), no mínimo, do capital votante, ou 5% (cinco por cento), no mínimo, dos acionistas sem

FISCALIZAÇAO DA COMPANHIA 3 1 3

direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, a pedido de convocação de assembléia para instalação do conselho fiscal.

Acionistas não-votantes5%

dos acionistas sem direito a voto

Art. 161. [...]§ 2o O conselho fiscal, quando o funcionamento não for permanente, será instalado pela assembléia-geral a pedido de acionistas que repre­sentem, no mínimo, um décimo das ações com direito a voto, ou 5% (cinco pòr cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembléia-geral ordinária após a sua instalação.

Acionistas não-votantes5%

das ações sem direito a voto

Primeira situação

A Companhia Capricornius tem 0 capital de R$ 2.000,00, dividido em 2.0Ò0 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

Na companhia Capricornius, Mévio:

1. é um dos 40 acionistas sem direito a voto; logo2. representa apenas 2,5% dos 40 acionistas sem direito a voto; contudo,3. representa 96% das ações sem direito a voto (960 = 96% de 1.000);

Pergunta-se:

1. Mévio poderá pedir aos administradores da Companhia Caprico- mius que convoquem a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal? - Sim, porque é acionista.

314 SOCIEDADE ANÔNIMA

2. Se Mévio pedir aos administradores da Companhia Capricomius que convoquem a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal, e os administradores não atenderem ao seu pedido por mais de 8 dias, poderá ele próprio convocar a assembléia-geral com aque­la finalidade? - Não, porque não preenche o requisito do art. 123, Parágrafo único, alínea d (Mévio representa apenas 2,5% dos 40 acionistas sem direito a voto).

3. Achando-se em curso uma assembléia-geral da Companhia Capricomius, Mévio poderá pedir a instalação do conselho fiscal? - Sim, porque preenche o requisito do art. 161, § 2o (Mévio representa 96% das ações sem direito a voto). O pedido fundamentar-se-á no § 3° do art. 123:

§ 3o O pedido de funcionamento do conselho fiscal, ainda que a matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser formulado em qualquer assembléia-geral, que elegerá os seus membros.

Segunda situação

A Companhia Sagitarius tem 0 capital de R$ 2.000,00, dividido em2.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

Na Companhia Sagitarius, Xisto:

1. é um dos 4 acionistas sem direito a voto; logo2. representa 25% do total dos acionistas sem direito a voto (1 = 25% de

4); mas3. representa apenas 4% das 1.000 ações sem direito a voto.

Pergunta-se:

1. Xisto poderá pedir aos administradores da Companhia Sagitarius que convoquem a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal? - Sim, porque é acionista.

2. Se Xisto pedir aos administradores da Companhia Sagitarius que convoquem a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal, e

FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA 3 1 5

os administradores não atenderem ao seu pedido por mais de 8 dias, poderá ele próprio convocar a assembléia-geral com aquela finalida­de? - Sim, porque preenche o requisito do art. 123, Parágrafo único, alínea d (Xisto representa 25% dos 4 acionistas sem direito a voto).

3. Achando-se em curso uma assembléia-geral da Companhia Sagitarius, Xisto poderá pedir a instalação do conselho fiscal? - Não, porque não preenche o requisito do art. 161, § 20 (Xisto representa apenas 4% das ações sem direito a voto).

Terceira situação

A Companhia Scorpio tem o capital de R$ 2.000,00, dividido em 2.000 ações com o valor nominal de R$ 1,00 e assim composto:

NÚMERO ESPÉCIES DE AÇÕES . NÚMERO DE PROPRIETÁRIOSDEAÇÕES ,» ' í * r *

1.000 Ordinárias votantes Um...................................... .................1960 Preferenciais não votantes Quarenta............................ ..............4 0

4 0 Preferenciais não votantes Um proprietário (Ticio)...... ................ 12000 4 2 |

Na Companhia Scorpio, Tício:

1. é um dos 41 acionistas sem direito a voto; logo2. representa menos de 5% do total dos acionistas sem direito a voto

(1 = 2,439...% de 41); e3. representa menos de 5% das 1.000 ações sem direito a voto (40 = 4%

de 1.000).

Pergunta-se:

1. Tício poderá pedir aos administradores da Companhia Scorpio que convoquem a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal? - Sim, porque é acionista.

2. Se Tício pedir aos administradores da Companhia Scorpio que convo­quem a assembléia-geral para instalação do conselho fiscal, e os admi­nistradores não atenderem ao seu pedido por mais de 8 dias, poderá ele próprio convocar a assembléia-geral com aquela finalidade? - Não, porque não preenche o requisito do art. 123, Parágrafo único, alínea d (Tício representa menos de 5% dos acionistas sem direito a voto).

3. Achando-se em curso uma assembléia-geral da Companhia Scorpio, Tício poderá pedir a instalação do conselho fiscal? - Não, porque

316 SOCIEDADE ANÔNIMA

não preenche o requisito do art. 161, § 2° (Tício representa menos de 5% das ações sem direito a voto).

Recorde-se, neste ponto a lição já explicitada no Capítulo 9:

“Acionista que represente 5%, no mínimo, do capi­tal votanté',

A expressão “Capital vo­tante” refere-se a ações.

. é diferente ... “acionista que represen-(V) te 5%, no mínimo, dosacio-d e ... nistassem direito a voto”.

A expressão “Acionistas sem direito a voto” refere- se & pessoas.

5. AÇÕES PREFERENCIAIS SEM DIREITO A VOTO E ACIO­NISTAS MINORITÁRIOS NA CONSTITUIÇÃO DO CONSE­LHO FISCAL

Art. 161. [...]§ 4o Na constituição do conselho fiscal serão observadas as seguintes normas: a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto; e b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demais acionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitos nos termos da alínea a, mais um.

A norma legal é auto-explicativa, mas, ainda assim, poderá gerar contro­vérsias, na prática.

Concentremo-nos na situação dos “acionistas minoritários, referidos na alínea o do § 40 do art. 161.

O conceito de acionista minoritário

- Tanto a lei quanto a doutrina e a jurisprudência continuam a empregar a expressão “acionista minoritário”, sem maior preocupação com a precisão terminológica.

Em dois livros anteriores (Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima (1989) e A proteção do acionista minoritário no Direito brasileiro (1994), demonstrei, detalhadamente, que os conceitos de “maioria” e de minoria”, na sociedade anônima, são falaciosos, enganadores.

FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA 3 1 7

E sugeri que as expressões “majoritário” e “minoritário”, deveriam ser abandonadas e substituídas por “controlador” e “não controlador”.

O conceito de “acionista minoritário” contrapõe-se ao de “acionista controlador”, definido no art. 116.

Numa companhia podem coexistir vários grupos de acionistas minoritários (não controladores).

Para o efeito de se aplicar a norma do § 40 do art. 161, quando, numa companhia, houver mais de um grupo de acionistas minoritários (não controladores), o direito ali previsto deverá ser exercido pelo grupo minoritário (não controlador) maior.

6. REMUNERAÇÃO DOS CONSELHEIROS FISCAIS

Art. 162. [...]§ 3o A remuneração dos membros do conselho fiscal, além do reembolso, obrigatório, das despesas de locomoção e estada necessárias ao desem­penho da função, será fixada pela assembléia-geral que os eleger, e não poderá ser inferior, para cada membro em exercício, a 10% (dez por cento) da que, em média, for atribuída a cada diretor, não computados benefícios, verbas de representação e participação nos lucros.

É obrigatório 0 reembolso das despesas de locomoção e estada necessá­rias ao desempenho da função de conselheiro fiscal. O ressarcimento de despesas de locomoção e estada necessárias ao desempenho de uma função não integra a remuneração desta. A exegese do § 30 do art. 162 deve ser temperada com dose de bom senso para sua aplicação a cada caso concreto. Imagine-se, a propósito, as três situações seguintes. Primeira situação: a sede da companhia é em São Paulo e 0 conselheiro fiscal reside em Belo Horizonte. Segunda situação: a sede da companhia é em Belo Horizonte e o conselheiro fiscal reside em Contagem (município da Grande Belo Horizonte). Terceira situação: a sede da companhia é no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro e o conselheiro fiscal reside no bairro do Leblon, também no Rio de Janeiro. Nas três situações acima, todos os conselheiros fiscais terão despesas de locomo­ção para o desempenho da função. Mas nem todos terão despesas de estada...

O percentual de, no mínimo, 10%, referido no § 30 do art. 162,4 somente incidirá sobre a remuneração fixa atribuída em média a cada diretor, conhecida

4 § 3o A remuneração dos membros do conselho fiscal, além do reembolso, obrigatório, das despesas de locomoção e estada necessárias ao desempenho da função, será fixada pela assembléia-geral que os eleger, e não poderá ser inferior, para cada membro em exercício, a 10% (dez por cento) da que, em média, for atribuída a cada diretor, não computados benefícios, verbas de representação eparticipação nos lucros.

318 SOCIEDADE ANÔNIMA

como retirada pro labore, não considerados os benefícios adicionais {fringe benefits) e as verbas de representação. Sobre a remuneração dos diretores, ver o Capítulo 10.

Art. 163. [...]§ 2o O conselho fiscal, a pedido de qualquer dos seus membros, solicitará aos órgãos de administração esclarecimentos ou informações, desde que relativas à sua função fiscalizadora, assim como a elaboração de demons­trações financeiras ou contábeis especiais.[-]§ 4o Se a companhia tiver auditores independentes, o conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus membros, poderá solicitar-lhes esclareci­mentos ou informações, e a apuração de fatos específicos.

O § 8o do art. 163 valoriza 0 conselho fiscal, aumentando-lhe os poderes:

§ 8o O conselho fiscal poderá, para apurar fato cujo esclarecimento seja necessário ao desempenho de suas funções, formular, com justificativa, questões a serem respondidas por perito e solicitar à diretoria que indique, para esse fim, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, 3 (três) peritos, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, de notório conhecimento na área em questão, entre os quais o conselho fiscal escolherá um, cujos honorários serão pagos pela companhia.

A falta de atendimento ao pedido formulado pelo conselho fiscal nos termos dos §§ 2o e 8° do art. 163 poderá caracterizar o descumprimento do dever de diligência por parte dos diretores, acarretando a sua respon­sabilização civil.

7. D E V E R E S E R E S P O N S A B IL ID A D E D O S M E M B R O S D O C O N ­SE L H O F IS C A L

O membro do conselho fiscal tem aqueles mesmos deveres de obediência (à lei e ao estatuto), de diligência e de lealdade, já estudados no Capítulo 10. Deve exercer a sua função no exclusivo interesse da companhia (art. 165, § i°). Responde sempre, pessoalmente, pelo descumprimento de quaisquer daque­les deveres. Não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles for conivente, ou se concorrer para a prática do ato. E responde solidariamente com os demais membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de seus deveres, mas exime-se de responsabilidade, se fizer consignar a sua divergência em ata da reunião do colegíado e comunicar aos órgãos da administração e à assembléia-geral (art. 165).

FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA 319

8. AUDITORIA EXTERNA

As demonstrações financeiras das companhias abertas serão obrigato­riamente auditadas por auditores independentes registrados na Comissão de Valores Mobiliários (art. 177, § 30). As companhias fechadas poderão, faculta­tivamente, contratar os serviços de auditores independentes.

9. EXIBIÇÃO DOS LIVROS

Outra forma de fiscalização da companhia, prevista no art. 105, é a exibição por inteiro de seus livros. Ela pode ser ordenada judicialmente a requerimento de acionistas que preencham dois requisitos:

1. representem, pelo menos, 5% do capital social e2. apontem atos violadores da lei ou do estatuto ou (alternativamente)

demonstrem fundada suspeita de graves irregularidades praticadas por qualquer dos órgãos da companhia.

O acionista que não preencher os requisitos acima poderá requerer certidões dos assentamentos constantes de alguns dos livros da sociedade (art. 100, § i°).

A norma do art. 105, embora posterior ao Código Comercial de 1850, e específica para as sociedades por ações, não afasta a aplicabilidade do art. 18 daquele Código, que possui campo de incidência maior: “A exibição judicial dos livros de escrituração comercial por inteiro, ou de balanços gerais de qualquer casa de comércio, só pode ser ordenada a favor dos interessados em questões de sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão mercantil por conta de outrem e em caso de quebra”.5

A exibição por inteiro dos livros da companhia pode ser requerida em ação cautelar preparatória ou no curso de uma ação em andamento (Código de Processo Civil, arts. 844, III, e 355 a 359, e Súmula n. 390, do STF).

10. CASO ROHR

(RT605/58-59 - mar. 1986)

A Rohr S.A. - Estruturas Tubulares ajuizou ação declaratória contra Aldo Marcellaro, postulando o pronunciamento do Poder Judiciário sobre as

5 O art. 18 do Código Comercial de 1850 encontra correspondência no art. 1.191 do Código Civil de 2002: “Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência.”

320 SOCIEDADE ANÔNIMA

seguintes questões: (a) se o membro do conselho fiscal da sociedade anônima pode requisitar informações pertinentes ao desdobramento dos negócios da empresa, com vistas ao desempenho da atividade fiscalizadora; e, depois, na dependência da resposta afirmativa à primeira indagação, (b) se esse poder deve estar limitado aos dados do exercício social em curso, ou, pelo contrário, pode estender-se a exercícios pretéritos.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confirmando, por unani­midade, a sentença do magistrado de primeiro grau, decidiu o seguinte: “Se ao Conselho Fiscal, como órgão, cabe a atividade de fiscalização e controle da gestão administrativa da sociedade, a cada conselheiro, de per si, deve caber o acesso às informações necessárias a essa função. Entender que apenas ao órgão competisse também a requisição de informações significaria manietar a própria função fiscalizadora, negando a razão de ser do próprio Conselho Fiscal. E, mais que isso, importaria, no caso, em anular os meios de informação da minoria, sabendo-se que o demandado integra o órgão na condição de representante da facção minoritária dos sócios. Mas esse poder, como reconhecido, tem de estar delimitado pelo interesse da fiscalização da gestão do exercício social em desdobramento, sem remontar a toda a vida pretérita da entidade, alcançando períodos de administração acobertados pela aprovação da Assembléia-Geral”.

Comentário do Caso Rohr

1. 0 conselho fiscal acha-se estruturado como órgão e, como tal, é tratado pela lei. Nos termos do § 2o do art. 163, “o conselho fiscal, a pedido de qualquer dos seus membros, solicitará aos órgãos de ad­ministração esclarecimentos ou informações, desde que relativas à sua função fiscalizadora, assim como a elaboração de demonstrações financeiras ou contábeis especiais”. O exame da letra da lei conduz ao entendimento de que apenas o conselho fiscal, enquanto órgão, pode efetuar a solicitação acima referida. Contudo, considerando a própria composição do conselho, deve-se ponderar que aqueles con­selheiros representantes dos acionistas preferenciais sem direito a voto ou com restrições no exercício desse direito, bem como os representantes dos minoritários (não controladores) serão, sempre, minoria no conselho fiscal. A inteipretação puramente literal do § 20 do art. 163 acabaria por manietar a função fiscalizadora, como obser­vado pela Corte paulista. Para conciliar a letra da lei com o seu espírito, o membro do conselho fiscal deveria provocar a reunião do órgão, para que a solicitação seja efetuada por intermédio deste. Caso 0 conselho fiscal, enquanto órgão, não se disponha a fazê-lo, o

FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA 321

conselheiro vencido deve fazer consignar na ata de reunião do órgão a sua posição. E, só depois dessa cautela, poderá apresentar a solicitação individualmente.

2. Com a nova estrutura de composição do conselho fiscal, composta de representantes de titulares de ações preferenciais não votantes ou com voto restrito e representantes de acionistas minoritários (não controladores), alguns conselheiros resolveram, realmente, fiscalizar. Isso é muito bom para todos. Inclusive para os administra­dores e controladores, embora estes nem sempre pensem assim.

3. Fiscalizar, contudo, não significa tumultuar. E, muito menos chantagear a companhia. A experiência tem demonstrado que alguns poucos conselheiros fiscais, constituindo uma exceção, con­fundem as coisas e passam a atuar como D. Quixote de la Mancha, brandindo espadas contra moinhos de vento. Outros, em exceção ainda mais restrita, simplesmente passam a agir como porta-vozes de interesses escusos de minoritários (não controladores) envolvidos com verdadeiras strike suits. Strike suits, como já se afirmou, são ações judiciais temerárias ajuizadas por acionistas minoritários (não controladores) contra a companhia, com 0 objetivo de chantageá-la, ou chantagear o controlador, forçando-os a adquirir as suas ações por preço superior ao de mercado.

4. O Tribunal paulista decidiu corretamente ao delimitar o campo de atuação do conselheiro fiscal ao exercício abrangido pela sua fiscali­zação. Quando a assembléia-geral ordinária aprova as demonstra­ções financeiras apresentadas pelos administradores, ela assume a responsabilidade por essa aprovação, cessando aí à atuação do con­selho fiscal e de seus membros. Note-se que os administradores não poderão votar, como acionistas ou procuradores, as demonstrações financeiras e as contas (art. 134, § i°). E a aprovação destas sem reserva exonera de responsabilidade os administradores e conselhei­ros fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (art. 134, § 40). Não competirá ao conselheiro fiscal eleito para o exercício seguinte estender a sua ação fiscalizadora a exercícios anteriores.

11. C A S O FU JI M IN A S

(RJ7JESP131/278)

A Fujiminas S.A. Agro Pastoril negou a um conselheiro fiscal o acesso a documentos da sociedade, argumentando que as informações somente pode­

322 SOCIEDADE ANÔNIMA

riam ser solicitadas pelo conselho fiscal e não pelos conselheiros individual­mente. 0 Juiz de primeiro grau entendeu que o conselheiro fiscal, indivi­dualmente, não tem poderes para requisitar diretamente à administração documentos relativos aos negócios sociais. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou a sentença. Segundo aquela Corte, o membro do Conselho Fiscal pode, “por si só, requisitar informações necessárias para o desempenho da função de fiscalização e controle da gestão administrativa da sociedade”.

12. CASOFIORANTE

(j T’426/49 - abr. 1971)

A sra. Betti Hurtado Fiorante propôs contra o seu marido, Quirino Fiorante, com quem era casada em regime de comunhão universal de bens, três ações: Ia) separação; 2a) alimentos; 3a) arrolamento de bens do casal. O juiz, nesta terceira ação, deferiu pedido de D. Betti, no sentido de que fosse efetuada exibição por inteiro dos livros da Elevadores Real S.A. e da FioranteS.A, das quais 0 Sr. Quirino Fiorante seria acionista.

As duas companhias impetraram mandado de segurança contra o ato do juiz, alegando: a) que o Sr. Quirino Fiorante já se retirara das sociedades; b) que não foi apontada a existência de nenhum ato violador da lei ou do estatuto e D. Betti sequer alegou a existência de graves irregularidades praticadas por qualquer dos órgãos da companhia.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, acatando parecer do jurista Pontes de Miranda, constante dos autos, denegou a segurança. Segue um trecho do acórdão: “Por outro lado, a palavra ‘comunhão’, empregada no mencionado art. 18 do Código Comercial de 185o,6 refere-se à comunhão de bens entre cônjuges. Nesse sentido o magistério do renomado Carvalho de Mendonça, com apoio em inúmeros autores [...]. Se a requerente da medida judicial impugnada é casada pelo regime de comunhão de bens, nenhuma dúvida subsiste de que as ações adquiridas pelo marido, em qualquer empresa [...] não são bens exclusivos, particulares do marido adquirente. Pertencem a ambos os cônjuges em virtude da comunhão resultante da lei [...] pois o regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens

6 O art. 18 do Código Comercial de 1850 encontra correspondência no art. 1.191 do Código Civil de 2002: “Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência.”

FISCALIZAÇÃO DA COMPANHIA 323

presentes e futuros dos cônjuges, apenas com as exceções [constantes do Código Civil]. Assim, se a mulher não pode ser considerada sócia nas sociedades em nome coletivo, em que predomina a consideração pela pessoa do sócio solidário, não se pode considerá-la alheia às preocupações da sociedade, não podendo ser excluído seu interesse patrimonial. Na espécie, tratando-se de sociedade anônima, não se pode olvidar que se 0 marido da requerente foi acionista, embora alegue que não mais 0 é, a mulher era comunheira nessas ações. Foi acionista com o marido. Destarte, como ressalta, ainda Pontes de Miranda, no aludido parecer, ‘todos os elementos contabilísticos que sejam concernentes às ações fazem parte dos bens comuns e os interesses da mulher são os mesmos que teve e tem 0 marido. Ela é tão legitimada à exibição e ao exame contábil como seria (e é) legitimado o marido’. Nem se argumente que o marido da requerente, como alegado pelas impetrantes, não é mais acionis­ta de qualquer das sociedades. A alteração ocorrida nessa parte, quanto à pessoa do [m arido] naquelas sociedades, verificou-se após a tomada de m edidasjudiciais por parte da mulher tendentes [à separação] do casal. O interesse do sócio na escrita da casa comercial, como já afirmou o Supremo Tribunal Federal, ‘não desaparece porque o sócio se retirou; ao contrário, perdura e, às vezes, até se torna mais evidente a necessidade da exibição, porque a essa data é que esse interesse assume certa feição, oriunda da recusa no reconhecimento desses interesses na sociedade’ (,Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, v. 28/102)”.

13. QUESTÃO

Tício, acusado de ter exigido vantagem indevida para si em razão de sua função na fiscalização estadual, foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, tendo apelado dessa decisão. Apesar disso, foi eleito membro do conselho fiscal da Olimpus S A., o que está sendo questionado por acionistas minoritários da companhia, que procuraram você para orientá-los. Oriente-os.

Ca p ít u l o 13

M o d i f i c a ç ã o d o c a p i t a l s o c i a l

0 capital social reduz-se, em última análise, a uma cifra numérica que, no balanço patrimonial, é encontrada no passivo, sob a rubrica “Patrimônio líquido” (art. 179, § 2o, d). Tal cifra numérica pode ser aumentada ou reduzida.

Em seu Capítulo XIV, a Lei trata, em duas seções distintas, do aumento e da redução do capital.

1. REDUÇÃO DO CAPITAL

Numa economia instável e inflacionária como a nossa, os casos de redu­ção do capital tornaram-se cada vez mais rarefeitos, praticamente inexistentes. Nestas circunstâncias, o estudo das normas sobre redução do capital pareceria exercício acadêmico meramente especulativo. Vamos então nos concentrar no estudo do aumento de capital.

2. AUMENTOS DE CAPITAL

A Lei enumera mas não esgota os casos de aumento de capital no art. 166. Com base naquele dispositivo, pode-se efetuar a seguinte classificação dos aumentos de capital: i°) aumentos de capital com ingresso de novos valores para 0 patrimônio social (ex.: por subscrição de novas ações); e 2°) aumentos de capital sem ingresso de novos valores para o patrimônio social (ex.: por incorporação de reservas).

3. AUMENTO DE CAPITAL POR SUBSCRIÇÃO DE NOVAS AÇÕES

Aqui, a lei trata diferenciadamente a companhia de capital autorizado, de um lado, e as demais, de outro.

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL 3 2 5

Regra geral

Como ensina João Eunápio Borges, regra geral, o aumento de capital mediante subscrição de novas ações exige o pronunciamento de duas assem­bléias-gerais extraordinárias:

I a assembléia-geral extraordinária

A primeira assembléia-geral extraordinária, aprovando proposta da administração, autorizará esta a tomar as providências necessárias para o aumento do capital social, determinando a forma de sua subscrição - pública ou particular - , a percentagem da entrada inicial, o modo de realização do restante, o prazo para os acionistas exercerem o direito de preferência à subscrição das novas ações, as condições de admissão de estranhos às ações não tomadas pelos acionistas (sobras), etc. A rigor, não será necessária a publicação da ata dessa primeira assembléia-geral.

2a assembléia-geral extraordinária

Uma vez terminada a subscrição do capital e pagas as entradas iniciais, a administração convocará outra vez a assembléia-geral dos acionistas, que, verificando a regularidade da subscrição e o cumprimento de todas as forma­lidades legais relativas ao aumento de capital, votará a reforma do artigo dos Estatutos a ele relativo. Será sempre obrigatória a publicação da ata dessa segunda assembléia-geral.

Prazo para o exercício do direito de preferência

O prazo decadencial (art. 170, § 40) para 0 exercício do direito de prefe­rência, não inferior a 30 dias, deve transcorrer entre a primeira e a segunda assembléias-gerais extraordinárias, acima referidas. Embora a lei não fixe o seu termo inicial, deve-se entender que ele só começa a fluir a partir da data da publicação da ata daquela primeira assembléia-geral ou, não sendo ela publicada, a partir da data da publicação de um aviso aos acionistas. Tais publicações devem ser efetuadas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia, e em outro jornal de grande circulação, editado na localidade em que está situada a sede da companhia (art. 289).

Publicação de atas das duas assembléias-gerais extraordinárias acima referidas

Quanto às atas das duas assembléia-gerais, acima referidas, tenha-se em vista o art. 135, § i°: “A publicação da ata de assembléia-geral extraordinária só é necessária quando ela deliberar sobre reforma estatutária (art. 135, § 10).”

326 SOCIEDADE ANÔNIMA

Ata da Ia assembléia-geral acima referida

A simples aprovação de proposta de (futuro) aumento de capital não implica reforma estatutária.

A publicação da ata da Ia assembléia-geral extraordinária acima referida (aquela que aprovar a proposta de (futuro) aumento de capital, autorizando a administração da companhia a tomar as medidas necessárias para implementá-lo), a rigor, não é obrigatória.

A ata dessa Ia assembléia-geral somente será obrigatória se nela também se deliberar sobre alguma reforma estatutária.

Ata da 2a assembléia-geral acima referida

A publicação da ata da 2a assembléia-geral extraordinária acima referida é sempre obrigatória, porque a deliberação nela tomada implica reforma estatutária. A cláusula estatutária relativa ao capital social será, necessaria­mente, modificada.

Tendo em vista o que acaba de ser dito, analise o caso Veta:

4. C A S O V E T A

(*7-465/128)

Em assembléia-geral extraordinária realizada no dia 24 de abril, Veta Eletropatent S.A., uma companhia fechada, aprovou proposta para aumento do capital social. Nesta mesma data, fixou em trinta dias o prazo para exercício do direito de preferência e designou nova assembléia-geral extraor­dinária para 25 de maio. Aos 25 de maio, independentemente de nova convo­cação, a assembléia-geral extraordinária aprovou (homologou) o aumento de capital, que fora integralmente subscrito. No dia 23 de julho foram publicadas as atas das duas assembléias-gerais, acima referidas. Em 16 de março do ano seguinte, a acionista Norma de Farias Evelyn, titular de ações representando menos de 5% (cinco por cento) do capital social, e que não comparecera a nenhuma das assembléias-gerais acima mencionadas, ajuizou, contra a com­panhia, uma ação dedaratória de nulidade da assembléia-geral extraordiná­ria realizada no dia 25 de maio, alegando ter sido preterido 0 seu direito de preferência. A companhia contestou a ação argumentando que ocorrera a decadência do direito à subscrição, por parte da autora.

C om en tário do C a so V eta

1. No julgamento do caso Veta houve um “empate técnico” (entre aspas). O juiz de primeiro grau julgou procedente a ação. O Tribunal,

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL 3 2 7

com dois votos veiicedores e um vencido, deu provimento à apelação da companhia para julgar improcedente a ação.A assembléia-geral extraordinária do dia 25 de maio foi irregular­mente convocada. Alei prescreve, no art. 124, a forma de convocação das assembléias-gerais. Tal forma não foi obedecida. A convocação de assembléia-geral é um ato jurídico. E o Código Civil exige, para validade dos atos jurídicos em geral, a forma prescrita ou não defesa em lei (Código Civil de 1916, art. 82, III; Código Civil de 2002, art. 104, III). A sanção prevista pelo Código Civil para o ato jurídico que não se revista da forma prescrita em lei é a nulidade absoluta (Código Civil, art. 145; Código Civil de 2002, art. 166, IV). A Lei n. 6.404 trata a irregularidade de convocação da assembléia-geral como nulidade relativa. Prescreve em dois anos, a contar da delibe­ração, a ação para anular as deliberações tomadas em assem­bléia-geral irregularmente convocada (art. 286). Não promovida a ação nesse prazo prescricional, a nulidade de convocação se reputa sanada. A ação da Sra. Norma de Farias Evelyn foi ajuizada dentro no prazo prescricional de dois anos.Os dois votos vencedores no Tribünal enfocaram um outro aspecto da questão. Partiram do pressuposto correto de que a ação não hostilizou a assembléia-geral extraordinária do dia 24 de abril, que devia, portanto, ser considerada perfeita. A publicação da ata da assembléia do dia 24 de abril fixou 0 dies a quo (termo inicial) do prazo decadencial para 0 exercício do direito de preferência por parte da Sra. Norma de Farias Evelyn. O atraso na publicação daquela ata, in casu, beneficiava a acionista-autora da ação. O Tribunal entendeu que a sra. Norma de Farias Evelyn deveria, então, ter exercido o seu direito de preferência no prazo decadencial de 30 dias, a contar da data da publicação da ata da assembléia-geral extraordinária de 24 de abril. Prevendo a objeção de que isso seria impossível porque 0 aumento de capital já se havia consumado, a Corte ponderou que competia à acionista, comprovando a seriedade de seu propósito, promover ação cautelar e depositar 0 preço da subscrição preferen­cial em juízo, para então discutir ó seü dirèitó? No entanto, a ácioriis- ta não fizera isso, e a sua ação só veio a ser ajuizada no mês de março do ano seguinte, depois que já caducara 0 direito de preferência. Aos olhos do Tribunal, ação, embora proposta dentro do prazo de prescrição para ela previsto (dois anos, a contar da deliberação da assembléia-geral do dia 25 de maio) era oca. Encerrava um direito caduco, alcançado pela decadência.

328 SOCIEDADE ANÔNIMA

4. Na lógica abraçada pelo Tribunal, de nada valeria anular a assem- bléia-geral do dia 25 de maio. Tal anulação nenhum benefício traria à acionista, porque, de qualquer forma, o seu direito já caducara. Anulada a assembléia-geral extraordinária do dia 25 de maio, a companhia poderia, validamente, convocar outra, que, simplesmen­te, ratificaria a anulada, sem que a Sra. Norma de Farias Evelyn pudesse reclamar novamente. Tudo isso com dispêndio de tempo, dinheiro e energia. O Tribunal aplicou 0 princípio Pas de nullitésans grief. não se deve, por mero amor à forma, decretar a nulidade quando esta já não mais prejudica a ninguém.

Exceções à regra geral

A exigência de duas assembléias-gerais extraordinárias - uma para aprovar a proposta de aumento apresentada pela administração e outra para aprovar (homologar) 0 aumento de capital, reformando a cláusula estatutária a ele referente - é regra geral, que comporta exceções.

Primeira exceção-, se instalada a assembléia-geral extraordinária para aprovar a proposta de aumento do capital social apresentada pela administra­ção, com a presença da unanimidade dos acionistas (votantes e não votantes), e deliberado o aumento, os acionistas se prontificarem a subscrever imediata­mente as ações que couberem a cada um ou negociarem, entre si, o direito de preferência, nada impede que, cumpridas as formalidades necessárias, esta mesma assembléia aprove definitivamente (homologue) o aumento e altere a cláusula estatutária relativa ao capital.

Segunda exceção-, nas companhias de capital autorizado já existe, no próprio Estatuto social, autorização para o aumento do capital. Assim, dentro dos limites fixados no Estatuto, acha-se a administração da companhia auto­rizada a tomar as medidas tendentes ao aumento do capital social, indepen­dentemente do placet da assembléia-geral. Nada impede, obviamente, que a assembléia-geral seja consultada nesta hipótese. Contudo, independente­mente de deliberação da assembléia-geral, 0 conselho de administração pode, dentro do limite já autorizado no Estatuto, desencadear 0 processo de aumen­to de capital por subscrição de novas ações (arts. 166, II, e 168). Na companhia de capital autorizado, a autorização para o aumento do capital social, constan­te do Estatuto, deverá especificar os casos ou as condições em que os acionis­tas terão direito de preferência para subscrição, ou de inexistência desse direito (arts. 168, § i°, d, e 172). Aqui também, nas companhias de capital autorizado, uma vez concretizado o aumento de capital, haverá, conseqüente e necessariamente, uma reforma estatutária. A cláusula relativa ao capital será, necessariamente, modificada (alterada, reformada). Ora, a reforma de

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL 3 2 9

cláusula estatutária significa reforma do estatuto. Assim, deve ser entendida cum granum salis a redação do caput do art. 168, quando afirma que o estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independen­temente de reforma estatutária. A expressão “independentemente de reforma estatutária”, nesse contexto, significa, apenas, independentemente da formalidade de prévia manifestação da assembléia-geral para autorizar o aumento de capital (ou melhor: para aprovar a proposta de aumento de capital apresentada pela administração).

Fixação do preço de subscrição na hipótese de aumento de capital por subscrição de novas ações

O preço de emissão, na hipótese de aumento de capital mediante subscrição de novas ações, “deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham direito de preferência para subscrevê-las, tendo em vista, alternativa ou conjuntamente: I - a perspectiva de rentabilidade da companhia; II - 0 valor do patrimônio líquido da ação; III - a cotação de suas ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado” (§ i° do art. 170).

Os três critérios acima explicitados podem ser adotados conjunta ou alternativamente. A adoção exclusiva de um dos critérios, embora possa parecer a melhor opção, tanto na teoria quanto em algumas situações práticas, mostra-se, inegavelmente, mais segura. A preocupação básica, que deverá inspirar a fixação do preço de novas ações no aumento de capital por subscrição de novàs ações, será com a diluição injustificada da participação dos antigos acionistas. Assim, a opção por um dos três critérios não é livre. Ficará obstada a adoção daquela alternativa que acarretar a diluição injustificada da participação dos antigos acionistas. Por isso mesmo, o § 70 do art. 170 determina que “a proposta de aumento do capital deverá esclarecer qual o critério adotado [...], justificando pormenorizadamente os aspectos econômicos que determinaram a sua escolha”.

Diluição injustificada

Para melhor entender o conceito de diluição injustificada, examine 0 quadro rudimentar mas ilustrativo abaixo:

Exemplo ilustrativo

Numa hipotética sociedade de 5 sócios, o patrimônio líquido é de R$ 30,00.A sociedade admite 30 novos sócios.

330 SOCIEDADE ANÔNIMA

Para que não ocorresse nenhuma diluição da participação daqueles 5 sócios originais, os 30 novos sócios deveriam pagar, por todas as 30 novas ações, um total de R$ 180,00. Assim, teríamos a seguinte situação:

ANTES:SÓCIOS: PATRIMÔNIO LÍQUIDO:

5 R$ 30,00

DEPOIS:SÓCIOS: PATRIMÔNIO LÍQUIDO

35 R$ 210,00

Se, contudo, os 30 novos sócios pagarem, por todas as 30 novas ações, um total de R$ 5,00, teremos a seguinte situação:

ANTES:SÓCIOS PATRIMÔNIO LÍQUIDO:

5 R$ 30,00DEPOIS:

SÓCIOS PATRIMÔNIO LÍQUIDO35 R$ 3 5 ,0 0

Nessa última hipótese, a conseqüência terá sido uma injustificadíssima diluição na participação daqueles 5 sócios originais. Antes, o patrimônio líquido de R$ 30,00 era dividido entre aqueles 5. Depois, 0 patrimônio líquido de R$ 35,00 será dividido entre os 35 sócios (o 5 originais e os 30 novos):

ANTES: R$ 30,00: 5 = R$ 6,00;DEPOIS: R$ 35,00: 35 = R$ 1,00.

Nos aumentos de capital por subscrição de novas ações, 0 preço de emissão destas deverá ser fixado com observância dos parâmetros estabele­cidos no § 1° do art. 170.

MODIFICAÇAO DO CAPITAL SOCIAL 3 3 1

5. CASO LINDÓIA

(Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 165.360-1, j. un.24.2.1992. Revista de Jurisprudência do TJSP145/132-136 - jan. 1993)

O conselho de administração da Nova Lindóia Hotéis e Turismo S.A., uma companhia de capital autorizado, deliberou 0 aumento de capital por meio de subscrição de ações emitidas por seu valor nominal de R$ 1,00, quando 0 valor patrimonial era de R$ 6,8489. Os acionistas Geraldo Mantovani e outra ajuizaram ação anulatória da deliberação da assembléia- geral que homologou a deliberação do conselho de administração, alegando diminuição injustificada da participação dos antigos acionistas. A ação foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição. Os autores apelaram da decisão e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, deu provimento ao seu recurso. Seguem excertos do acertado acórdão: “RELATÓRIO [...] Apelam os autores, alegando, em resumo, que houve infra­ção do art. 170 e § i° da Lei n. 6.404/76, não podendo prevalecer 0 ato da Assembléia-Geral que homologou deliberação majoritária do Conselho de Administração da sociedade, aumentando-lhe 0 capital por meio de subscri­ção de ações emitidas por seu valor nominal de R$ 1,00, quando seu valor patrimonial era de R$ 6,8489 [...]; que houve grande prejuízo para os apelan- tes [...]; que 0 preço de emissão das ações estabelecido pelos administradores não correspondia ao seu efetivo valor econômico no momento da fixação, razão pela qual o aumento do capital social em questão não pode prevalecer, devendo ser declarado inválido e ineficaz [...]. Em contra-razões a ré alega [...] que, como bem frisou a respeitável sentença, a assembléia tão-somente ho­mologou decisão anterior do Conselho, não exigindo a lei manifestação assemblear para aprovação de ato de outra competência legal; que a ré- apelada trouxe provas de que o valor do papel na bolsa é inferior ao valor nominal; que o art. 170, § i°, da Lei das Sociedades Anônimas, não é norma de ordem pública [...]. VOTO DO RELATOR, Des. José Osório: “Têm razão os autores. A questão central está em saber se era permitido à maioria impor a subscrição do aumento pelo valor nominal da ação, ou seja, ao preço de R$1,00 por ação [...]. O preço deve ser fixado tendo em vista a cotação das ações no mercado, o valor de patrimônio líquido e as perspectivas de rentabilidade da companhia, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionis­tas, ainda que tenham direito de preferência para subscrevê-las [...]. Ainda que a lei não defina um só critério, um ponto está claro na letra e no espírito da regra: seu objetivo primordial é impedir a diluição injustificada da participação dos antigos acionistas. No caso dos autos, a diferença entre o valor nominal da

3 3 2 SOCIEDADE ANÔNIMA

ação, ou seja, o valor de subscrição, e o valor de patrimônio líquido, é muito significativa, de 1 para 6,8. Precisava que à ré indicasse razões plausíveis para a adoção do critério do valor nominal. Ficou longe de fazê-lo. A invocada tradição dos negócios sociais, já que os aumentos anteriores foram realizados de igual forma, não tem suporte jurídico. Os autores aceitaram aumentos anteriores, pelo valor nominal da ação, porque os consideraram, naquelas ocasiões, adequados a seus interesses. Não ocorreu, então, arbítrio por parte da maioria, já que houve aquiescência pela minoria. Nem por isso criaram os autores regras para comportamento futuro. Revelando-se lesivo aos seus interesses em novos aumentos, o critério do valor nominal podia evidente­mente ser impugnado. O mencionado § i° do art. 170 contém mais de um preceito. Ao indicar critérios vários para a determinação do preço, não é norma de ordem pública, pois os interessados permanecem com ampla liber­dade de atuação. O conteúdo de normatividade de ordem pública aparece no preceito que impede a ‘diluição injustificada da participação dos antigos acio­nistas’. De tal prerrogativa 0 acionista, de antemão, nem expressamente, pode renunciar. Muito menos poderia fazê-lo tacitamente, por um simples compro­misso anterior. O comportamento contraditório que faz com que a parte não seja ouvida em Juízo é só aquele sem boa-fé, ou sem motivação jurídica. Em süma, nos casos anteriores, a aquiescência, a manifestação favorável de von­tade por todos os interessados, deu plena validade ao ato. No caso presente, houve apenas unilateralidade e arbítrio da atuação da maioria... [...]. A decisão da maioria ao optar pelo valor nominal, quase sete vezes menor que 0 de patrimônio só teve em vista 0 interesse dos próprios acionistas majoritári­os, pois a oposição dos autores já fora manifestada. Ora, o interesse particular de acionistas majoritários em fazer melhor negócio, subscrevendo ações por preço baixo, não pode, jamais, caracterizar justificativa para a diluição da participação dos minoritários no capital social [...]. O prejuízo sofrido pelos minoritários é patente, seja do ponto de vista econômico, como jurídico e negociai [...]. O decreto de nulidade da deliberação assemblear reflete-se na do Conselho, pois a matéria é a mesma e seria excesso de formalismo exigir ação especial para anular decisão que já se tomou inócua...’. DECLARAÇÃO DE VOTO do Dês. Régis de Oliveira: ‘...É sabido que a maioria pode realizar manobras tendentes a esvaziar a força da minoria, reduzindo-a [...]. Data venia de posição em contrário, não há liberdade na fixação do valor da ação, para efeito de subscrição. Embora exista na terminologia o valor ‘real’ das ações, é este que se deve buscar para efeito de fixação do montante da subscrição. É que não é o direito mera estimativa. Vive no mundo real e a ele é dirigido. Em conseqüência, deve sujeitar-se à realidade. A ação significa a

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL 3 3 3

parcela do montante patrimonial componente do global da empresa que busca aumentar seu capital. É este que deve ser levado em conta e não apenas o valor numérico ou nominal da ação. Assim ocorrendo, esvazia-se o conteúdo jurídico da norma constante do art. 170 da lei em tela [...]. Meu voto, pois, dá provimento ao recurso, anulando as deliberações’.”

6. AUMENTO DE CAPITAL POR CORREÇÃO MONETÁRIA

A redação original da lei determina que as companhias procedam, anual­mente, à correção do capital social realizado. Aplicado o índice de correção monetária, o valor obtido constituirá reserva de capital. Competirá à assem­bléia-geral ordinária deliberar a incorporação dessa reserva à cifra do capital social e aprovar a correção da expressão monetária deste.

Contudo, como já mencionado no Capítulo 2, a Lei n. 9.249, de 26.12.1995, extinguiu a correção monetária das demonstrações financeiras para fins societários e fiscais, a partir de i°.i.i996.

7. AUMENTO DE CAPITAL MEDIANTE CAPITALIZAÇÃO DELUCROS E RESERVAS

A Lei permite que a assembléia-geral extraordinária delibere o aumento de capital por incorporação de lucros ou de outras reservas (art. 169).

A situação pode ser assim retratada:

, , . ANTES DA ASSEMBLÉIA-GERAL EXTRAORDINÁRIA:ATIVO PASSIVO

50,00PATRIMÔNIO LÍQUIDO:

Capital:.................. 100,00Reserva de capital:.................. 100,00

250,00 250,00

; 'DEPOISDÁASSEMBLÉtà-GER^EXTRAORDINÁRIA:ATIVO PASSIVO

PATRIMONIO LIQUIDO:Capital:................

Reserva de capital:.................200,00

.........0250,00 250,001

334 SOCIEDADE ANÔNIMA

Como se percebe, este aumento de capital é meramente nominal. Ele não decorre do ingresso de novos valores para o patrimônio social. Nem mesmo o patrimônio líquido contábil se altera.

Nos aumentos de capital por incorporação de lucros ou de outras reservas, a companhia cujas ações tenham valor nominal poderá optar por uma das seguintes alternativas: Ia) manter o mesmo número de ações e alterar o seu valor nominal; 2a) manter o mesmo valor nominal das ações e alterar o seu número. Nesta última hipótese, diz-se que a sociedade faz uma “bonificação”. As ações originais chamam-se “ações mães”. As ações decorrentes da bonificação chamam-se “ações bonificadas” ou “filhotes”.

Reexamine o conceito de bonificação de ações examinando o texto abaixo: A Companhia fechada X possui o capital de R$ 100,00, dividido em 100

ações com 0 valor nominal de R$ 1,00. E possui reservas de R$ 100,00. A assembléia-geral extraordinária delibera promover um aumento de capital por incorporação das reservas.

A Companhia X poderá optar por: a) aumentar o valor nominal das ações ou b) manter 0 valor nominal das ações, aumentando 0 seu número. Se adotar a segunda alternativa, ocorrerá uma bonificação de ações. As ações existentes antes do aumento de capital por incorporação de reservas são chamadas de “ações mães”. As ações novas, decorrentes da bonificação, são denominadas “ações bonificadas” ou “filhotes”. No balanço patrimonial, a situação será assim refletida:

I ' ANTES DA ASSEMBLÉIA-GERAL EXTRAORDINÁRIA: <> ' ;■ATIVO PASSIVO

1

PATRIMÔNIO LÍQUIDO:Capital:............ R$ 100,00

Reservas:............ R$ 100,00^ ' DEPOIS DA ASSEMBLÉIA-GERAL EXTRAORDINÁRIA: * = )

ATIVO PASSIVOPATRIMONIO LIQUIDO:

Capital:............ R$ 200,00Reservas:......................R$ 0

Depois disso, a companhia X poderá ter o seu novo capital social, de R$ 200,00, dividido em 100 ações, com valor nominal de R$ 2,00 ou, alternati­vamente, 200 ações, com valor nominal de R$ 1,00.

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL 3 3 5

O caso Clark diz respeito a um aumento de capital por correção monetária. Analise-o, à luz do que acaba de ser exposto, como se se tratasse de aumento de capital por capitalização de reservas1.

8. CASO CLARK

(7?74i8/i30 e

A Equipamentos Clark S.A. aumentou o seu capital social por correção monetária. E emitiu novas ações (“filhotes”), para serem distribuídas aos acionistas.

Antes de distribuir os “filhotes”, a Clark aumentou novamente o seu capital, por deliberação da assembléia-geral, para atender a necessidade de maior capital de giro para a empresa.

Neste segundo aumento de capital, a empresa venezuelana Clark Equipment International C.A., outra subsidiária da mesma holding controladora da Equipamentos Clark S.A., subscreveu 500.000 novas ações.

Posteriormente, a Equipamentos Clark S.A. distribuiu as ações filhas, decorrentes do aumento do capital por correção monetária. Todavia, ao fazê-lo, considerou as ações existentes à época da distribuição, e não apenas as existentes à época do balanço, cuja correção gerou o primeiro aumento de capital, acima referido. Em conseqüência, distribuiu “filhotes” para as500.000 novas ações, subscritas pela Clark venezuelana.

O grupo minoritário, representado pelo Sr. Robert Le Roy Patton, intentou ação para pedir declaração de nulidade dos atos da administração, “dos quais resultou errônea e ilegal distribuição das ações de bonificação”.

9. O §5° DO ART. 17

O § 4o do art. 17, em sua redação anterior, enunciava o óbvio e o justo: “O estatuto não pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de

' Como consignado no Cap. 2, a Lei n. 9.249, de 28.12.1995, extinguiu a correção monetária das demonstrações financeiras para fins societários e fiscais, a partir de i° de janeiro de 1996. O aumento de capital por capitalização de lucros ou de reservas (art. 169) e o aumento de capital por correção monetária (art. 167) possuem algumas características em comum: nenhum dos dois implica aumento do patrimônio líquido contábil; e em ambos, poderá haver modificação do número de ações emitidas, mantendo-se o valor nominal delas. Quando ocorre o aumento do número de ações emitidas, diz-se que a companhia promove uma “bonificação”, com a distribuição de ações bonificadas, “ações-filhas” ou “filhotes”.

336 SOCIEDADE ANÔNIMA

participar dos aumentos de capital decorrentes de correção monetária (art. 167) e da capitalização de reservas e lucros (art. 169)”.

O legislador de 2001 modificou bastante 0 art. 17 e, no § 50, de duvidosa constitucionalidade, permite que o estatuto exclua ou restrinja o direito das ações preferenciais com dividendo fixo de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros. O novo § 50 do art. 17 já foi comentado e criticado no Capítulo 4.

10. AUMENTO DE CAPITAL POR CONVERSÃO DE PARTESBENEFICIÁRIAS E DE DEBÊNTURES EM AÇÕES

Tanto as partes beneficiárias quanto as debêntures podem ser conver­síveis em ações (arts. 48, § 2°, e 57). A conversão desses valores mobiliários em ações acarretará 0 aumento de capital da companhia. Os portadores desses títulos deixam de ser credores da sociedade. Assumem o status de acionistas. Trata-se, pois, de aumento de capital com conseqüente aumento de patrimônio.

Ainda que as partes beneficiárias e as debêntures não sejam conversíveis em ações, nada impede que, por convenção entre a companhia e os titulares daqueles valores mobiliários, aquela conversão seja efetuada.

11. AUMENTO DE CAPITAL PELO EXERCÍCIO DE DIREITOSCONFERIDOS POR BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO OU DE OPÇÃODE COMPRA DE AÇÕES

Já vimos o que são bônus de subscrição e estabelecemos a sua correlação com o conceito de capital autorizado. Como ensina Rubens Requião, o bônus de subscrição confere aos seus titulares, nas condições constantes do certificado, direito de subscrever ações do capital social, que será exercido mediante apresentação do título à companhia, pelo pagamento do preço de emissão de ações (ou de debêntures) (Requião, 1993).

Bônus de subscrição pressupõem um mercado acionário aquecido. Quando da emissão desses valores mobiliários, os acionistas da companhia terão, em princípio o direito de preferência. Tal direito pode ser excluído na companhia aberta, nas hipóteses previstas no art. 172.

A Lei refere-se à opção de compra de ações nos artigos 168, § 30, e 171, §3°: “O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembléia-geral, outorgue

MODIFICAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL 337

opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle” (art. 168, § 30). “[...] na outorga e no exercício de opção de compra de ações não haverá direito de preferência” (art. 171, § 30).

O direito conferido pelos bônus de subscrição e pelas opções de compra de ações vai se fazer valer por ocasião do aumento de capital por subscrição de novas ações. Nesta oportunidade, os titulares desses dois valores mobiliários terão prioridade na subscrição.

12. AUMENTO DE CAPITAL POR CONVERSÃO DE PASSIVO EMAÇÕES

Além das hipóteses de aumento de capital expressamente disciplinadas na Lei das Sociedades por Ações, existe outra, ali não referida, mas perfeita­mente viável, à luz do princípio da autonomia da vontade e reconhecida pela doutrina. Trata-se de aumento do capital pela conversão do passivo exigível em ações. Os credores transformam-se em acionistas, recebendo o número de ações correspondente aos seus créditos.

A permuta de passivo exigível (créditos de terceiros) por capital (ações novas, emitidas pela companhia devedora) só pode resultar de contrato ou convenção entre os credores e a companhia devedora. Esse contrato é atípico, sugerindo reflexão sobre a sua natureza jurídica. João Eunápio Borges refere-se a compensação. E tal referência induz o seguinte procedi­mento: 0 credor subscreve as ações novas, de valor correspondente ao seu crédito; como resultado, o credor passa a dever à companhia o valor equiva­lente ao seu próprio crédito; opera-se a compensação. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, compensação é a extinção das obrigações quando duas pessoas forem, reciprocamente, credora e devedora. Nesse tipo de procedi­mento, a companhia emite ações novas, que serão subscritas pelos credores. O mesmo João Eunápio Borges chama a atenção para os prejuízos potenciais dos acionistas nessa circunstância. Preconiza que em tal aumento de capital deve ser respeitado 0 direito de preferência dos acionistas. E acrescenta: admitir o contrário será colocar à disposição de diretores (de conselheiros e de controladores) menos escrupulosos um meio fácil de privar os acionistas do direito de preferência, que a lei considera intangível, e do qual nem os estatutos e nem a assembléia-geral os podem privar; bastaria que a sociedade contraísse empréstimo com os futuros acionistas, cujo crédito seria poste­riormente transformado em capital... com evidente prejuízo dos acionistas e evidente ofensa à lei (Borges, 1959).

SOCIEDADE ANÔNIMA

QUESTÕES

1. A diretoria da Lys S.A, uma companhia fechada, está pensando em abrir o seu capital, aumentando-o, por subscrição pública de uma nova classe de ações ordinárias. Entretanto, está preocupada com a possibilidade dessa pretensão, pois ainda existem uns poucos acionistas remissos. Discorra sobre o assunto, apresentando um parecer conclusivo à diretoria.

2. Vereda Tropical Ltda. celebrou contrato de mútuo com o Banco Centro Brasileiro S.A. Como garantia, o sócio gerente da mutuária, Sr. Antônio Carlos Volponi, entregou à mutuante, em caução, 500.600 ações ordinárias nominativas (ON) da Saramandaia S.A., uma companhia fechada, com o valor nominal de R$ 100,00 cada. No último mês de abril, a assembléia- geral extraordinária da Saramandaia S.A. aumentou o capital por incor­poração de reservas, optando pela distribuição de ações novas, correspon­dentes ao aumento. Com a falência da Vereda Tropical Ltda., o Banco Centro Brasileiro S.A. ajuizou execução contra Antônio Carlos Volponi e penhorou as 500.600 ações, acima referidas. Efetuada a avaliação dos bens penhorados, e tendo ficado comprovada a sua insuficiência para a integral satisfação do crédito, o exeqüente requereu ao juiz a ampliação da penhora, indicando, para tanto, as ações bonificadas decorrentes do au­mento de capital da Saramandaia em abril. Contra essa pretensão do exeqüente insurge-se o executado Antônio Carlos Volponi. Emita 0 seu parecer sobre o assunto (obs.: este problema inspirou-se no caso real, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Para um comentário do caso real, ver CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Penhor de ações de companhias e a bonificação de ações: 0 caso Candonga. RT, São Paulo, 624/262-266, out. 1987).

Ca p ít u l o 14

T r a n s f o r m a ç ã o , in c o r p o r a ç ã o , f u s ã o e c is ã o

As operações de transformação, incorporação, fusão e cisão, disciplinadas na Lei das Sociedades por Ações, aplicam-se, atualmente, a todos os demais tipos societários. O Código Civil de 2002 as disciplina nos arts. 1.113 a 1.122. Tais operações, definidas na lei e, principalmente, a transformação, nos permitem ver claramente a distinção existente em nosso ordenamento jurídico entre empresa e sociedade.

1. TRANSFORMAÇÃO

Transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independen­temente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro (art. 220). É como se a empresa mudasse de roupa. A mesma empresa, que adotava uma forma (um tipo), passa a adotar outra. A empresa constituída sob a forma de sociedade anônima transforma-se em sociedade limitada, ou vice-versa. Com a transformação, a empresa muda de forma independentemente de dissolução e liquidação. Conseqüentemente, muda de forma sem se extin- guir. Quando o Código Civil atribui personalidade jurídica às sociedades, ele enxerga a casca, a “fôrma” ou a forma: sociedade anônima, sociedade limita­da, etc. Mas a verdadeira pessoa jurídica, viva e material, acha-se escondida por detrás dessas expressões. 0 corpo e 0 espírito da sociedade empresarial continuam os mesmos, quer a chamemos de companhia, de sociedade em comandita simples, ou seja lá o que for. Por detrás do rótulo e atrás da firma ou da denominação vamos encontrar, pulsando, a empresa, entidade econô­mica de capital e trabalho, organizada para a produção ou a circulação de bens e de serviços.

Com base no que foi dito acima sobre a transformação, analise as duas posições doutrinárias abaixo, posicionando-se a respeito:

340 SOCIEDADE ANÔNIMA

“Para nós, a transformação é um processo simples e cômodo, um expe­diente prático, pelo qual se constitui uma nova sociedade, sem os incon­venientes da dissolução ou liquidação da sociedade a se transformar.” (VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. II, p. 169.)

“Sustentei sempre que na transformação não existe extinção de uma sociedade e formação de outra.”(PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da. Voto no RE n. 92.551-0-RJ. j*?7549/240.)

2. CASO ORWEC

(^549/232-240 - jul. 1981)

José Roberto Haddock Lobo propôs ação de dissolução da ORWEC - Química e Metalurgia Ltda. A ação foi precedida de medida preparatória de exibição de livros, na qual se apuraram gravíssimas irregularidades. Com o objetivo de frustrar a ação de dissolução da sociedade, a ORWEC, na pendência da medida cautelar e um dia antes da propositura da referida ação, transfor- mou-se em sociedade anônima. O contrato social da ORWEC não previa a transformação. E o sr. José Roberto Haddock Lobo com ela não concordou.

A sentença de primeiro grau, confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, julgou extinto o processo.

O Supremo Tribunal Federal, por maioria, com voto vencido do Ministro Xavier de Albuquerque, conheceu e deu provimento ao recurso, em acórdão assim ementado: “Sociedade comercial - Responsabilidade limitada - Trans­formação em sociedade anônima às vésperas da propositura de ação de disso­lução ajuizada por um dos sócios e depois de deferida medida liminar pelo mesmo requerida - Processo declarado extinto por impossibilidade jurídica do pedido - Negativa de vigência ao art. 150 da antiga Lei. das Sociedades Anônimas c/c o art. 18 do Decreto n. 3.708/19 - Recurso extraordinário conhecido e provido para cassar 0 acórdão e determinar que outro seja proferido, decidindo o mérito da causa - Voto vencido”.

Comentário do Caso Orwec

1. O enunciado acima mostra-se muito sintético, por conveniência di­dática. 0 acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal merece ser lido cuidadosamente e refletido. Ele reassegura a nossa confiança na Corte Suprema. Depois do empate na decisão, o recorrente contou

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 3 4 1

com o voto lúcido e brilhante do Ministro Cunha Peixoto, com sua reconhecida autoridade em Direito Comercial.

2. A leitura do acórdão também deixa claro como certos julgadores, esquecidos do caráter instrumental do processo, ainda se deixam seduzir pelos meandros deste, para fugirem, pela tangente, do exa­me de mérito. Este não é um livro de Processo Civil, mas vale a pena observar que, no caso julgado pelo Supremo Tribunal Fede­ral, a sedução processual, aliada ao aparente desconhecimento do direito material pelas instâncias inferiores, culminara numa injustiça flagrante, premiando os réus, que tentaram fazer “justiça” com as próprias mãos.

3. A transformação exige o consentimento unânime dos sócios, salvo se prevista no estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade (art. 220, parágrafo único). No mesmo sentido, 0 art. 1.114 do Código Civil de 2002.

4. Na sociedade anônima, a transformação é matéria de competência da assembléia-geral extraordinária; na sociedade limitada, é matéria de competência da assembléia ou da reunião de cotistas.

5. O quorum de instalação da assembléia-geral extraordinária da com­panhia é o do art. 135 (em primeira convocação, no mínimo 2/3 do capital social com direito de Voto; em segunda convocação, com qualquer número).

6. O quorum deliberativo vai variar: a) se a transformação estiver prevista no estatuto, será o do art. 129 (maioria absoluta dos votos, não se computando os votos em branco); b) se a transformação não estiver prevista no estatuto, o quorum deliberativo coincidirá com a unanimidade dos acionistas. Neste última hipótese, ainda que a assembléia venha a se instalar validamente, ela só poderá deliberar validamente sobre a transformação com o voto da unanimidade dos acionistas.

7. Essa unanimidade não se limita, in casu, às ações votantes. Ela alcança todas as ações em que se divide o capital social, votantes ou não votantes.

3. INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO

Incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absor­vidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227).

342 SOCIEDADE ANÔNIMA

Fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228).

Cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo 0 seu patrimônio, ou dividindo-se 0 seu capital, se parcial a versão (art. 229).

A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos sociais (art. 223).

A competência para deliberar sobre a incorporação, a fusão e a cisão é da assembléia-geral extraordinária, com 0 quorum deliberativo qualificado do art. 136. Documentos necessários para que a assembléia-geral possa deliberar validamente são 0 Protocolo e a Justificação.

O Protocolo é um pré-contrato. Uma promessa de contratar.O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, corretamente, que “a empresa

incorporadora sucede a incorporada em todos os seus direitos e obrigações, de modo que a indenização por esta devida em processo já em fase de execução constitui obrigação a ser satisfeita pela incorporadora” (Recurso em Mandado de Segurança n. 4.949-3 - Minas Gerais. DJU13.3.1995, Seção I, p. 5284). O mesmo entendimento se aplica à empresa sucessora em caso de fusão.

4. INCORPORAÇÃO DE COMPANHIA CONTROLADA

A incorporação, pela incorporadora, de companhia por ela controlada, rege-se pelo disposto no art. 264, que sofreu modificações introduzidas pela Lei n. 10.303, de 31.10.2001.

Eis a redação atualizada do art. 264:

Art. 264. Na incorporação, pela controladora, de companhia controlada, a justificação, apresentada à assembléia-geral da controlada, deverá conter, além das informações previstas nos arts. 224 e 225, o cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas não controladores da controlada com base no valor do patrimônio líquido das ações da controladora e da controlada, avaliados os dois patrimônios segundo os mesmos critérios e na mesma data, a preços de mercado, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhias abertas.§ i° A avaliação dos dois patrimônios será feita por 3 (três) peritos ou empresa especializada e, no caso de companhias abertas, por empresa especializada.

TRANSFORMAÇAO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISAO 3 4 3

§ 2o Para efeito da comparação referida neste artigo, as ações do capital da controlada de propriedade da controladora serão avaliadas, no patrimônio desta, em conformidade com o disposto no caput.§ 3o Se as relações de substituição das ações dos acionistas não controladores, previstas no protocolo da incorporação, forem menos vanta­josas que as resultantes da comparação prevista neste artigo, os acionistas dissidentes da deliberação da assembléia-geral da controlada que aprovar a operação, poderão optar, no prazo previsto no art. 230, entre o valor de reembolso fixado nos termos do art. 45 e o valor apurado em conformidade com o disposto no caput, observado o disposto no art. 137, inciso II.§ 4o Aplicam-se as normas previstas neste artigo à incorporação de controladora por sua controlada, à fusão de companhia controladora com a controlada, à incorporação de ações de companhia controlada ou controladora, à incorporação, fusão e incorporação de ações de sociedades sob controle comum.§ 5o O disposto neste artigo não se aplica no caso de as ações do capital da controladora terem sido adquiridas no pregão da Bolsa de Valores ou mediante oferta pública nos termos dos arts. 257 e 263.

5. ANÁLISE DO ARTIGO 264

A redação do art. 264 apresentava um erro no texto original da Lei n. 6.404/76. Posteriormente, em 1997, com a Lei n. 9.457, o legislador corrigiu o erro, mas a redação continuou defeituosa.1

Tendo em vista a sua total reformulação com a Lei n. 10.303, de 31.10.2001, vamos analisá-lo cuidadosamente.

O § 4o do art. 264 dispõe o seguinte:

§ 4o Aplicam-se as normas previstas neste artigo à incorporação de controladora por sua controlada, à fusão de companhia controladora com a controlada, à incorporação de ações de companhia controlada ou controladora, à incorporação, fusão e incorporação de ações de sociedades sob controle comum.

Para simplificar a exposição, limitar-nos-emos a tratar da incorporação de controlada por sua controladora.

O caput do Art. 264

Art. 264. Na incorporação, pela controladora, de companhia controlada, a justificação, apresentada à assembléia-geral da controlada, deverá conter,

1 Ver CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. 4 reforma da lei das sociedades anônimas. Belo Horizonte: Del Rey, 1997 , Cap. XV.

3 4 4 SOCIEDADE ANÔNIMA

além das informações previstas nos arts. 224 e 225,0 cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas não controladores da controlada com base no valor do patrimônio líquido das ações da controladora e da controlada, avaliados os dois patrimônios segundo os mesmos critérios e na mesma datâ, a preços de mercado, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhias abertas. (Grifos nossos)

O legislador limitou-se a acrescentar, ao caput do art. 264, a parte sublinhada (ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de companhias abertas)

Aplique-se o texto legal num exemplo ilustrativo:

O cálculo referido no caput do artigo 264

Ainda no caso das companhias X e Y, com a incorporação de Y por X:

• Y será absorvida por X, que lhe sucederá em todos os direitos e obrigações;2

• Y deixará de existir;• As ações de Y serão substituídas por ações de X;• A Justificativa da incorporação de Y por X deverá conter, além das

informações previstas nos arts. 224 e 225, o cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas minoritários (não contro­ladores) de Y.

O critério para a elaboração do cálculo referido no caput do artigo 264

Ainda no caso das companhias X e Y, com a incorporação de Y por X, para a elaboração do cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas minoritários (não controladores) de Y, dever-se-á, antes de mais nada, na mesma data e com o mesmo critério, apurar 0 valor do patrimônio líquido das ações de X e das ações de Y.O “valor de patrimônio líquido” não é o contábil. Assim, não bastará dividir 0 valor de patrimônio líquido constante do balanço de X pelo número de ações por ela emitidas e dividir 0 valor de patrimônio líquido constante do balanço de Y pelo número de ações por ela emitidas. Isso não satisfaria ao comando legal.O comando legal determina que o “valor de patrimônio líquido”, neste contexto, deve ser obtido “a preços de mercado”.

1 Incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227).

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 3 4 5

Em se tratando de companhia(s) aberta(s), a apuração do “valor de patrimônio líquido” “a preços de mercado” pode ser substituída por outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários. E, quanto a esse critério alternativo, enquanto a Comissão de Valores Mobiliários não vier a explicitá-lo por meio de algum diploma, deverá ele ser subme­tido previamente à aprovação daquela autarquia federal.É importante insistir e frisar que o critério de avaliação das ações de X e Y deverá ser sempre idêntico. Adotado um critério para a avaliação das ações de X, deverá ser adotado o mesmo critério para a avaliação das ações de Y.

O § 1° do artigo 264

§ i° A avaliação dos dois patrimônios será feita por 3 (três) peritos ou empresa especializada e, no caso de companhias abertas, por empresa especializada.

No caput do art. 264,0 legislador precisou como elaborar a avaliação das ações da companhia incorporadora e as ações da companhia incorporada. Neste § i°, define quem efetuará a avaliação.

Valem, para essa perícia, todas as observações efetuadas no Capítulo 11 sobre a responsabilidade, os impedimentos e a suspeição dos avaliadores.

O § 2o do artigo 264

§ 2o Para efeito da comparação referida neste artigo, as ações do capital da controlada de propriedade da controladora serão avaliadas, no patrimônio desta, em conformidade com o disposto no caput.

Vimos, no exemplo ilustrativo apresentado no comentário ao caput do art. 264, que, na hipótese de incorporação da companhia controlada Y pela sua controladora X, será necessário: Io) apurar, na mesma data e com o mesmo critério, 0 valor do patrimônio líquido das ações de X e das ações de Y; e 20), com base nessa apuração, incluir, na Justificação, 0 cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas minoritários (não controladores) de Y.

Também já vimos que a lei estabelece como e por quem deverá ser efetuada a avaliação das ações da controladora-incorporadora X e da contro­lada incorporada Y.

O § 2o do art. 264 reforça a determinação contida no caput do dispositivo legal, no sentido de que os valores de patrimônio líquido das ações de X e das ações de Y devem ser apurados na mesma data e com o mesmo critério.

Ainda mantendo-se o exemplo ilustrativo em mente, tem-se que o § 2° do art. 264 deixa claro o seguinte:

346 SOCIEDADE ANÔNIMA

1. a companhia X, acionista controladora da companhia Y, detém a maio­ria das ações do capital da companhia Y, com as quais controla esta;

2. a maioria das ações votantes do capital social da companhia Y é de propriedade da companhia X;

3. as ações do capital social da companhia controlada Y são lançadas, no balanço patrimonial da companhia controladora X, no ativo permanente imobilizado; e, conseqüentemente,

4. a avaliação das ações do capital social da companhia controlada Y, lançadas no ativo permanente imobilizado da companhia X, será efetuada no patrimônio da companhia Y.

O § 3o do artigo 264

§ 3o Se as relações de substituição das ações dos acionistas não controla­dores, previstas no protocolo da incorporação, forem menos vantajosas que as resultantes da comparação prevista neste artigo, os acionistas dissi­dentes da deliberação da assembléia-geral da controlada que aprovar a operação, poderão optar, no prazo previsto no art. 230, entre o valor de reembolso fixado nos termos do art. 45 e o valor apurado em conformidade com o disposto no caput, observado 0 disposto no art. 137, inciso II.

Continuemos com 0 mesmo exemplo ilustrativo apresentado no caput do art. 264, apresentando os seguintes quadros seqüenciais:

QUADRO ICompanhia Y:

• Acionista controladora: a companhia X• Acionistas minoritários (não controladores): diversos.

IIQUAPROII

| A companhia X vai incorporar a companhia Y.

K

QUADRO IIIApuram-se os valores:

• das ações da companhia X;• das ações da companhia Y; e• das ações da companhia Y lançadas no ativo permanente imobilizado do

balanço patrimonial da companhia X.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 347

QUADRO IV1 Elabora-se um quadro comparativo dos valores apurados

(QUADRO VInsere-se, na Justificação da Incorporação, o cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas minoritários (não controladores) de Y . Por aplicação desse cálculo, chegar-se-á à relação de substituição, como, por exemplo:

• cada ação de Y será substituída por uma ação de X; ou:• cada ação de Y será substituída por duas ações de X; ou• cada conjunto de duas ações de Y será substituído por uma ação de X;• etc.

Apurada, com precisão, essa relação de substituição das ações dos acionistas minoritários (nao controladores) de Y, duas hipóteses se aventam com relação a eles:

r' PRIMEIRA HIPÓTESE" " í; - ’■ ' SEGUNDA HIPÓTESE X '

A relação de substituição do Quadro V é igualmente vantajosa ou mais vantajosa que a resultante da comparação do Qua­dro IV.

Exemplo:• cada ação de Y vale R$ 4,00;• cada ação de X vale R$ 10,00; e• cada conjunto de 2 ações de Y será

substituído por uma ação de X.

A relação de substituição do Quadro V é menos vantajosa que a resultante da comparação do Quadro IV.

Exemplo:• cada ação de Y vale R$ 6,00;• cada ação de X vale R$ 10.00; e• cada conjunto de duas ações de Y rece­

berá uma ação de X.

Na primeira hipótese acima, o acionista minoritário (não controlador) de Y sairá ganhando R$ 2,00. Trocará duas ações de Y, no valor total de R$ 8,00, por uma ação de X, que vale R$ 10,00.

Na segunda hipótese acima, o acionista minoritário (não controlador) de Y sairá perdendo R$ 2,00. Trocará duas ações de Y, no valor total de R$ 12,00, por uma ação de X, que vale R$ 10,00.

O § 3o do art. 264 aplica-se a esta segunda hipótese.

348 SOCIEDADE ANÔNIMA

Ocorrendo essa segunda hipótese, o acionista minoritário (não controlador) de Y poderá, no prazo de 30 dias contados da publicação da ata da assembléia-geral que aprovar a incorporação, exercer 0 direito de retirada, optando entre.

a) receber o valor de reembolso fixado nos termos do art. 45; oub) o valor de patrimônio líquido de sua ação, apurado em conformidade

com o disposto no caputàa art. 264, observado 0 disposto no art. 137, II.

Observe-se o seguinte:

O objetivo do § 30 do art. 264 é o de propiciar adequada proteção aos acionistas minoritários (não controladores).Quanto à alternativa “a” supra, o reembolso, nos termos dos arts. 137 e 45, referencia-se ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado. Veja-se, a propósito, o Capítulo 11.

• Quanto à alternativa “b”, supra, vale lembrar que o “valor de patrimônio líquido” mencionado no caput do art. 234 não é o contábil; assim, não bastará dividir o valor de patrimônio líquido constante do balanço pelo número de ações emitidas pela compa­nhia; isso não satisfaria ao comando legal. O valor de patrimônio líquido a preços de mercado pressupõe uma avaliação ampla, total e atual de todos os ativos e passivos da companhia. Corresponde ao valor de liquidação (liquidation value), a que se refere Vagts (1989:152): “0 valor de liquidação referé-se à quantia que seria apu­rada numa venda forçada, como o leilão - tipicamente algo muito baixo, uma vez que os valores inerentes ao fato de se ter uma empre­sa bem organizada não são considerados”. Deverá ser encontrado o valor de liquidação, como se a companhia fosse se dissolver, ser liquidada e extinta.

• O § 3o do art. 264 não se refere, explicitamente, ao direito de retira­da. Contudo, parece óbvio que, se o acionista minoritário (não controlador) de Y preferir receber o valor de suas ações a receber ações de X, ele estará se retirando do contexto societário; quer 0 acionista dissidente da companhia controlada, a ser incorporada por sua controladora, opte pelo reembolso fixado nos termos dos arts. 137 e 45, ou pelo reembolso pelo valor líquido a preços de mercado, ele sempre estará se retirando da companhia. “Reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acio­nistas dissidentes de deliberação da assembléia-geral o valor de suas ações” (art. 45).

TRANSFORMAÇAO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 349

6. NORMAS ESPECÍFICAS SOBRE A CISÃO

O § 5 ° do artigo 229

§ 5o As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto.

Em algumas situações práticas, a absoluta vedação de quebra de proporcionalidade poderia acarretar muita dificuldade, principalmente nas companhias maiores. Contudo, a exigência de “unanimidade” também pode acarretar enorme dificuldade. Melhor seria se o legislador tivesse exigido um quorum deliberativo (maioria) qualificado, adotando a regra de vedação da diluição injustificada da participação dos antigos acionistas.

O artigo 233

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidaria­mente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as socie­dades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão.

Análise dos §§ 30 e 40 artigo 223

Localização tópica do artigo 223

O art. 223 situa-se, topicamente, na Seção II do Capítulo XVIII da Lei n. 6.404, que versa sobre a Incorporação, a Fusão e a Cisão, sob a rubrica “Competência e Processo”:

“Capítulo XVIII: Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão” (arts. 220 a 234)• “Seção I - Transformação” (arts. 220 a 222)• “Seção II - Incorporação, Fusão e Cisão” (arts. 223 a 234)• “Competência e Processo”

350 SOCIEDADE ANÔNIMA

Análise do § 30 do artigo 223

Incorporação, fusão e cisão envolvendo companhia aberta

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta

A incorporação, a fusão e a cisão envolvem companhia aberta nas situa­ções abaixo, que não esgotam as possibilidades-.

In corporação

1. A companhia aberta A incorpora a companhia aberta B.2. A companhia aberta C incorpora a companhia fechada D.3. A companhia fechada E incorpora a companhia aberta F.4. A companhia aberta F incorpora a Ltda. (sociedade limitada) G.5. A Ltda. H incorpora a companhia aberta I.

Fu são

1. As companhias abertas J e L se fundem para formar a companhia M.2. A companhia aberta N e a companhia fechada O se fundem para

formar a companhia P.3. A companhia aberta Q se funde com a Ltda. R para formarem a

companhia S.4. A companhia aberta T se funde com a Ltda. U para formarem a

Ltda. V.

Cisão

1. A companhia aberta X é cindida para formar as Ltda’s. Z e Y.2. A companhia aberta W é cindida para formar as companhias M e N.3. A companhia aberta J é cindida com versão de parcela de seu

patrimônio na Ltda. A.4. A companhia aberta M é cindida com versão de parcela de seu

patrimônio na companhia fechada N.5. A companhia aberta X é cindida com versão de parcela de seu

patrimônio na companhia aberta Z.6. A companhia fechada P é cindida com versão de parcela de seu

patrimônio na companhia aberta 0.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 3 5 1

Sociedades sucessoras

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas.”

“As sociedades que a sucederem” são, obviamente, as sociedades resul­tantes dos processos de incorporação, fusão e cisão.

(Doravante, as sociedades resultantes dos processos de incorporação, fusão e cisão serão referidas apenas como “sociedades resultante^ .)

Ora, as sociedades resultantes tanto podem ser companhias como sociedades de outro tipo, como, por exemplo, as Ltda’s.

A rigor, não há como falar em “sociedades abertas” no Direito brasileiro. Existem apenas “companhias abertas”. A companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (art. 40 da Lei n. 6.404/76).

Assim, se a sociedade resultante for uma Ltda., por exemplo, ela só poderá ser uma “sociedade fechada”.

Quando a sociedade resultante for uma companhia, esta será aberta, segundo 0 comando legal.

Obrigatoriedade de obtenção de registros

Obrigatoriedade de obtenção de registro de companhia aberta

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas devendo obter o respectivo registro [...].”

Trata-se do registro como “companhia aberta”. Compete à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) conceder 0 registro, que admitirá a negociação de seus valores mobiliários em bolsa ou no mercado de balcão.

Obrigatoriedade de promover o registro no mercado secundário

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário [...].”

3 5 2 SOCIEDADE ANÔNIMA

A expressão “se for o caso” deve ser interpretada da seguinte maneira: se a CVM registrar a companhia como aberta, admitindo a negociação de seus valores mobiliários em bolsa ou no mercado de balcão.

Assim, se a CVM registrar a companhia como aberta, admitindo a negociação de seus valores mobiliários no mercado de valores mobiliários, a nova companhia aberta deverá “promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário”.

O mercado secundário compreende o mercado de bolsa e o mercado de balcão.

Observe-se que, nos termos do art. 30 da Lei n. 6.404/76, a companhia não poderá, salvo excepcionalmente, “negociar com as próprias ações”.

Assim, a expressão “promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário” significa providenciar o registro das ações admitidas à negociação no mercado secundário junto à Bolsa de Valores (a uma das bolsas de valores existentes no país).

Como se percebe, são duas as obrigações impostas à companhia resultante:

1. a obtenção do registro de companhia aberta junto à CVM; e2. a obtenção do registro da companhia em bolsa de valores.

Prazo para obtenção dos registros

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas devendo obter 0 respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias [...].”

O “prazo máximo de cento e vinte dias”, referido no dispositivo legal, é para que a companhia resultante cumpra as duas obrigações nele previstas, a saber: Ia) a obtenção do registro de companhia aberta junto à CVM; e 2a) o registro da companhia em Bolsa de Valores.

Como se percebe, surge, aqui, uma primeira dificuldade de ordem prática: com efeito, a lei estabelece um prazo para que a companhia cumpra as duas obrigações, mas o cumprimento do mesmo prazo não se acha subordinado ao controle dela. O cumprimento do prazo poderá ficar comprometido se a CVM e a Bolsa de Valores não 0 observarem. Pergunta-se, então: a eventual ultra- passagem do prazo de 120 dias decorrente de atrasos burocráticos na CVM e na Bolsa de Valores se erige em motivo de força maior, a justificar 0

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 3 5 3

descumprimento das duas obrigações da companhia resultante? E, se a resposta à questão acima for negativa, a CVM e a Bolsa de Valores ficarão civil e solidariamente responsáveis pelos ônus decorrentes do atraso?

Ao que tudo indica, a eventual ultrapassagem do prazo de 120 dias decorrente de atrasos burocráticos na CVM e na Bolsa de Valores caracterizaria força maior, capaz de justificar o descumprimento das duas obrigações por parte da companhia resultante. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “conceitua-se a força maior como 0 damnum fatale originado do fato de outrem” (Instituições de direito civil. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1962, v. II, p. 289).

O mesmo Caio Mário da Silva Pereira adverte, contudo, que “nem sempre a vis divina (força maior) escusa a falta de prestação”. Uma das hipóteses por ele apontadas é a de mora do devedor. “Estando o devedor em mora, cujo efeito é perpetuar a obrigação e sujeitar o devedor às conseqüências do inadimplemento, ocorre a responsabilidade pelo ca sus ou vis maior (Código Civil [de 1916], art. 957), salvo se demonstrar que não teve culpa no atraso, que o dano sobreviria mesmo se a obrigação fosse oportunamente desempe­nhada” (op. cit., p. 291). À luz desse ensinamento, pode-se concluir que a alegação de força maior não aproveitará à companhia resultante, se ela não conseguir provar que tomou, em tempo hábil, as providências necessárias para a obtenção dos registros na CVM e na Bolsa de Valores.

A obtenção do registro de companhia aberta junto à CVM depende de providências burocráticas por parte daquela autarquia federal. E nada assegura que 0 registro vá ser concedido no prazo de 120 dias, referido no § 30 do art. 223 da Lei n. 6.404/76.

Com efeito, compete à CVM administrar os registros instituídos pela Lei n. 6.385, de 7.12.1976. Depende de prévia autorização da CVM o exercício das seguintes atividades: I - distribuição de emissão no mercado; II - compra de valores mobiliários para revendê-los por conta própria; e III - mediação ou corretagem na Bolsa de Valores. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na CVM. A CVM manterá, além do registro de que trata o art. 19 da Lei n. 6.385, de 7.12.1976: 1 - o registro para negociação na Bolsa; e II - o registro para negociação no mercado de balcão organizado ou não (Lei n. 6.385, de 7.12.1976, arts. 8o, II, 19 e 21).

Pondere-se, mais, que a obtenção do registro da companhia em bolsa de valores, por sua vez, também depende de providências burocráticas por parte daquela instituição. Com efeito, “cada Bolsa de Valores ou entidade de mercado de balcão organizado poderá estabelecer requisitos próprios para que os

3 5 4 SOCIEDADE ANÔNIMA

valores sejam admitidos à negociação no sèu recinto ou sistema, mediante prévia aprovação da Comissão de Valores Mobiliários” (Lei n. 6.385/76, art. 21, § 4o, com a redação dada pela Lei n. 9.457/97). E aqui, igualmente, nada assegura que o registro vá ser concedido no prazo de 120 dias, referido no § 3o do art. 223 da Lei n. 6.404/76.

Segundo 0 art. 34 da Resolução n. 1.656, de 26.10.1989, que “aprova 0 regulamento que disciplina a constituição, a organização e o funcionamento das Bolsas de Valores”, “As Bolsas de Valores devem estabelecer os requisitos próprios para admissão de títulos e valores mobiliários à negociação em seus pregões [...]”.

Em suma, prever a punição de alguém pelo descumprimento de prazo por parte de outrem não parece norma de bom alvitre.

Dies a Quo do prazo para obtenção dos registros

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as socie­dades que a sucederem serão também abertas devendo obter 0 respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias contados da data da assembléia-gei-alque aprovou a operação [...].

O diesa quoon termo inicial do prazo de 120 dias para que a companhia resultante cumpra as duas obrigações acima referidas é a “data da assembléia- geral que aprovou a operação”. Não é, pois, a data da publicação da ata da assembléia-geral que aprovou a operação. Assim, o prazo de 120 dias começa a correr independentemente da publicação da “ata da assembléia-geral que aprovou a operação”.

O prazo previsto em lei para a apresentação de ata de assembléia- geral ao Registro Público das Empresas Mercantis é de 30 dias contados de sua assinatura (Lei n. 8.934, de 18.11.1994, art- 36 c.c. 0 art. 32, II, d). Logo, a companhia resultante deveria postular à CVM 0 seu registro de companhia aberta antes mesmo de publicar a “ata da assembléia-geral que aprovou a operação”. Resta saber se as “normas pertinentes baixadas pela Comissão de Valores Mobiliários” lhe permitiriam outorgar o registro de companhia aberta sem 0 prévio arquivamento da “ata da assembléia-geral que aprovou a operação” no Registro Público das Empresas Mercantis. A mesma questão poderia ser formulada quanto à concessão do registro pela Bolsa de Valores.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISAO 3 5 5

Necessidade de observância de normas pertinentes da CVM

“Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as socie­dades que a sucederem serão também abertas devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias contados da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes bobeadaspela Comissão de Valores Mobiliários!'

Não nos ateremos, aqui, às “normas pertinentes baixadas pela Comis­são de Valores M obiliário^', que costumam variar no tempo.

Análise do § 40 do artigo 223

Retrospecto

Como vimos anteriormente, a companhia resultante deve, dentro do prazo de 120 dias, obter o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em Bolsa de Valores.

Sanção para o descumprimento do prazo do § 30 do artigo 223

0 § 4o do art. 223 estabelece a sanção para 0 descumprimento das duas obrigações previstas no prazo de 120 dias: o descumprimento “dará ao acio­nista direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45)”.

§ 4o O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acio­nista direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45) [...].

Cuida-se, aqui, de nova modalidade ensejadora do exercício do direito de retirada, não prevista no art. 137 da Lei n. 6.404.

Nova modalidade de direito de retirada

Observe-se que o direito de retirada aqui previsto não é o mesmo decor­rente da deliberação da assembléia-geral sobre a fusão, a incorporação da companhia em outra ou a cisão, referido no art. 137.

Ali, no art. 137, o direito de retirada decorre da deliberação que aprovar a fusão da companhia, a sua incorporação em outra ou a cisão.

Aqui, no § 40 do art. 223, diferentemente, o direito de retirada decorre do fato de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, o registro

356 SOCIEDADE ANÔNIMA

de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em Bolsa de Valores.

Dies a Quo do prazo para o exercício da nova modalidade do direito de retirada

§ 4o O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acio­nista direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos 30 (trinta) dias seguintes ao término do prazo refei -ido [...].

Tão logo encerrado o prazo de 120 dias, se a companhia resultante não tiver obtido o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em bolsa de valores, nasce, ipso facto, para o acionista, 0 direito de retirada.

Aplicabilidade dos §§ i° e 40 do artigo 137

§ 4o O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acio­nista direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos 30 (trinta) dias seguintes ao término do prazo referido, observado o disposto nos§§i° e 4 0do art. 137.

No exercício do direito de retirada, será observado o disposto nos §§ 1° e 4o do art. 137, que dispõem 0 seguinte:

§ i° O acionista dissidente da deliberação da assembléia, inclusive o titular de ações sem direito de voto, poderá exercer o direito de reembolso das ações de que, comprovadamente, era titular na data da primeira publicação do edital de convocação da assembléia, ou na data da comu­nicação do fato relevante objeto da deliberação, se anterior.§ 4o Decairá do direito de retirada o acionista que não o exercer no prazo fixado.

Efeitos da remissão do § 40 do artigo 223 ao § i° do artigo 137

Da remissão efetuada pelo § 40 do art. 223 ao § i° do art. 137 se infere o seguinte: i°) o direito de retirada previsto no § 4° do art. 223 poderá ser exercido tanto pelos acionistas titulares de ações votantes quanto pelos titulares de ações não votantes; 2a) para exercer o direito de retirada previsto no § 4o do art. 223, o acionista (votante ou não) deverá provar que já “era titular [das ações] na data da primeira publicação do edital de convocação da assembléia, ou na data da comunicação do fato relevante objeto da delibera­ção, se anterior”. Essa comprovação far-se-á, em princípio, nos termos dos artigos 31, caput, e 35, caput, da Lei n. 6.404:

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 357

Art. 31. A propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no “Livro de Registro das Ações Nominativas”.

Art. 35. A propriedade da ação escriturai presume-se pelo registro na conta de depósito das ações, aberta em nome do acionista nos livros da instituição depositária.

Tratando-se de presunções relativas, juris tantum, que admitem prova em contrário, a propriedade das ações nominativas e das ações escriturais poderá ser provada de outra maneira. Por exemplo: por meio de certidão extraída do inventário de bens do decujus.

Efeitos da remissão do § 40 do artigo 223 ao § 40 do artigo 137

Da remissão efetuada pelo § 40 do art. 223 ao § 40 do art. 137 se infere que o prazo para o exercício do direito de retirada previsto no § 40 do art. 223 é decadencial. Atinge o próprio direito e não admite qualquer interrupção ou suspensão.

Observe-se que o § 40 do art. 223 não fa z remissão aos §§ 20 e 30 do art. 137, que dispõem 0 seguinte:

§ 2o O direito de reembolso poderá ser exercido no prazo previsto nos incisos IV ou V do caputdeste artigo, conforme o caso, ainda que 0 titular das ações tenha se abstido de votar contra a deliberação ou não tenha comparecido à assembléia.§ 3o Nos 10 (dez) dias subseqüentes ao término do prazo de que tratam os incisos IV e V do caput deste artigo, conforme 0 caso, contado da publicação da ata da assembléia-geral ou da assembléia especial que ratificar a deliberação, é facultado aos órgãos da administração convocar a assembléia-geral para ratificar ou reconsiderar a deliberação, se enten­derem que 0 pagamento do preço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes que exerceram o direito de retirada porá em risco a estabili­dade financeira da empresa.

Não-aplicabilidade dos §§ 2° e 30 do artigo 137

O § 4o do art. 223 não faz remissão aos §§ 20 e 30 do art. 137.A falta de remissão do § 40 do art. 223 aos §§ 20 e 30 do art. 137, acima

transcritos, confirma que 0 direito de retirada nele previsto não se confunde com direito de retirada decorrente da deliberação da assembléia-geral sobre a fusão, a incorporação da companhia em outra ou a cisão, referido no art. 137.

Distinguem-se, portanto, os dois direitos de retirada: i°) direito de retirada decorrente da deliberação que aprovar a fusão da companhia, a sua incorporação em outra ou a cisão; e 20) direito de retirada decorrente do

358 SOCIEDADE ANÔNIMA

fato de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, 0 registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em bolsa de valores.

Efeitos da falta de remissão do § 40 do artigo 223 ao § 20 do artigo 137

O § 2o do art. 137 aplica-se, exclusivamente, ao direito de retirada decor­rente da deliberação que aprovar a fusão da companhia ou a sua incorporação em outra ou a cisão. O § 2° do art. 137 não se aplica ao direito de retirada decorrente do fato de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da compa­nhia em bolsa de valores.

Efeitos da falta de remissão do § 40 do artigo 223 ao § 30 do artigo 137

Da mesma forma, o § 30 do art. 137 aplica-se, exclusivamente, ao direito de retirada decorrente da deliberação que aprovar a fusão da companhia ou a sua incorporação em outra ou a sua cisão. O § 30 do art. 137 não se aplica ao direito de retirada decorrente do fato de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em bolsa de valores. Mesmo porque, seria inconcebível os órgãos da administração convocarem a assembléia-geral para reconsiderar ou ratificar uma omissão.

Não-aplicabilidade do caput e do inciso II do artigo 137

Observe-se, também, que o § 40 do art. 223 não fa z remissão, quer ao caput, quer ao inciso II do art. 137, no qual se lê o seguinte:

Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas:

[...]II - nos casos dos incisos IV e V do art. 136, não terá direito de retirada 0 titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver:a) liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; eb) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação;

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 359

Efeitos da não-aplicabilidade do caput e do inciso II, letras aeb, do artigo 137

Assim, os requisitos do art. 137, inciso II, letras aeb, aplicam-se, exclusi­vamente, ao direito de retirada decorrente da deliberação que aprovar a fusão da companhia, ou a sua incorporação em outra, ou a cisão. Os requisitos do art. 137, inciso II, letras aeb, não se aplicam ao direito de retirada decorrente do fato de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em Bolsa de Valores.

Por conseguinte, na hipótese de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em Bolsa de Valores, poderão também exercer o direito de retirada os titulares de ações com liquidez e dispersão no mercado.

Risco para a estabilidade financeira da empresa

O exercício do direito de retirada por esses acionistas titulares de ações com liquidez e dispersão no mercado, sem dúvida, poderá colocar em risco a estabilidade financeira da empresa. Contudo, como já demonstrado, seria inconcebível os órgãos da administração convocarem a assembléia-geral para reconsiderar ou ratificar uma omissão.

Fixação do quantum do reembolso

Por outro lado, a oportunidade para o exercício do direito de retirada na hipótese de a companhia resultante não obter, no prazo de 120 dias, o registro de companhia aberta junto à CVM e, também, o registro da companhia em Bolsa de Valores só surgirá depois de consumada a operação de fusão, incorpo­ração da companhia em outra ou cisão. Contudo, a determinação do quantum do reembolso deverá ser apurada, nos termos do art. 45, com base no patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembléia- geral da companhia, cujas ações eram detidas pelo acionista retirante antes da fusão, da incorporação da companhia em outra ou da cisão. Essa circunstância deixa vislumbrar oütra dificuldade de ordem prática na aplicação da lei.

Conclusão

Pode-se conceber o ordenamento jurídico como um sistema vivo, har­monioso e coerente de normas, inspirado por princípios filosóficos, sociais e políticos generalizadamente aceitos numa determinada época, num determi­nado tempo e num determinado lugar.

36o SOCIEDADE ANÔNIMA

Cada código e cada lei disciplina determinado setor do ordenamento jurídico, devendo harmonizar-se e sintonizar-se com este.

No sistema romano-germânico do Direito, o legislador, freqüentemente, sente necessidade de efetuar alterações tópicas no corpo de um código ou de uma lei para aprimorar, corrigir ou adaptar o seu texto às novas concepções filosóficas, sociais e políticas. Essas alterações tópicas costumam acarretar a necessidade de um difícil esforço exegético visando à sua adaptação e plena integração no sistema preexistente.

A redação dada ao art. 223 da Lei das Sociedades por Ações pela Lei n. 9478/97 ilustra bem o que acaba se ser dito neste tópico.

Particularmente curiosa é a solução dada pelo Tribunal aos quatro acionistas menores, como demonstrado a seguir.

7. CASO IPIRANGA

(/?r6oo/54)A Cobrasap era acionista controladora do Banco Ipiranga S.A.O Ipiranga achava-se em má situação financeira, insolvente, e sob inter­

venção do Governo.0 BCN firmou, com a Cobrasap, um contrato de compra do controle

acionário do Ipiranga. 0 Banco Central do Brasil compareceu nesse contrato como interveniente.

Alguns acionistas da Cobrasap, inclusive o controlador desta, eram, também, acionistas do Ipiranga.

Pela cláusula 5 a do contrato de compra do controle acionário, ficou estipulado 0 seguinte: na fase de apuração do patrimônio líquido do Ipiranga, 0 BCN faria oferta pública para a compra das ações dos minoritários do Ipiranga, pelo seu valor nominal, que era de $ 1,00.

Restando minoritários que não acudissem à oferta pública, 0 BCN, antes de proceder à incorporação do Ipiranga, efetuaria o (verbis) resgate de suas ações.

0 BCN efetuou a oferta pública. Não ocorreu 0 resgate referido na Cláusula 5a. E consumou-se a incorporação do Ipiranga pelo BCN. Cada ação de controle do Ipiranga foi paga, pelo BCN, pelo valor de $ 18,13.

Com base nesses fatos, foram ajuizadas duas ações diferentes, propostas por dois grupos: o primeiro grupo, composto por acionistas do Ipiranga que, após a incorporação, efetuaram a troca das ações que possuíam pelas novas ações do BCN, na base de $ 0,42 por unidade. O segundo grupo, composto de acionistas que não procederam à referida substituição, preferindo ignorá-la.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISAO 361

Os autores da ação - entre eles, quatro menores - alegam violação da cláusula contratual estabelecida em seu favor no instrumento de alienação de controle firmado entre a Cobrasap e o BCN. E formulam pedidos alternativos: ou o pagamento do mesmo valor pago pelas ações da Cobrasap ($ 18,13) ou o pagamento das ações minoritárias na base de $ 1,00, consoante 0 avençado no contrato aludido.

A sentença proferida no Caso Ipiranga

O juiz de direito concluiu que os autores, embora alegando violação de cláusula contratual estabelecida em seu favor no instrumento de alienação de controle firmado entre a Cobrasap e 0 BCN, na realidade, pretendiam insur­gir-se contra a assembléia-geral do Ipiranga, na qual aprovaram os valores para a relação de troca das ações do Ipiranga pelas ações do BCN ou, quando não, insurgiam-se, da mesma forma, contra a assembléia-geral que ratificou e aceitou 0 valor patrimonial pelo qual se fazia a incorporação. E julgou prescrito o direito dos autores de se insurgirem contra 0 que fora deliberado naquelas assembléias-gerais, por terem ambas as ações sido propostas depois de decor­ridos mais de três anos da realização das mesmas. Ressalvou, entretanto, o direito dos quatro acionistas contra os quais não correu a prescrição, por serem menores. Com relação a estes, mandou que lhes fosse pago o valor de $ 1,00 por ação possuída à época, corrigido o seu valor com juros de mora, ficando todavia excluída a sua pretensão em relação ao pagamento das bonificações e dividendos.

Ambas as partes apelaram.

Razões da apelação no Caso Ipiranga

Os autores sustentam: a) que não se insurgem contra a incorporação do Ipiranga pelo BCN; b) que sua ação não se dirige contra nenhuma assembléia-geral; c) que querem o pagamento de suas ações pelo valor unitá­rio, consoante o que ficou estipulado no contrato de transferência do controle acionário, no qual se lhes assegurou 0 reembolso do capital que haviam aplicado no Ipiranga; d) que, independentemente da incorporação, subsiste a obrigação assumida pelo BCN de pagar pelas ações dos minoritários do Ipiranga o valor nominal, e não $ 0,42, que serviu como base do valor de troca; que a ação tem por objeto exclusivo o inadimplemento de cláusula contratual, por não ter o BCN cumprido o prometido aos minoritários.

Contra-razões de apelação no Caso Ipiranga

O BCN sustenta (a) que alguns dos autores não são minoritários, porque compunham o grupo dos majoritários que controlava o Ipiranga; (b) que

362 SOCIEDADE ANÔNIMA

outros autores já haviam perdido a sua qualidade de acionistas, por terem alienado as ações que possuíam; (c) que optou pela incorporação sem proceder ao resgate por ser a opção mais vantajosa aos minoritários que ainda não haviam vendido suas ações.

Posição do Ministério Público no Caso Ipiranga

0 Ministério Público discorda da sentença, por entender que a solução nela adotada é prejudicial aos menores, considerados o valor de mercado alcan­çado pelas ações do BCN, as bonificações já recebidas e os dividendos distribuídos. Entende que os menores ganharam mais com a incorporação do que se tivessem recebido o valor nominal de suas ações à época da incorporação.

O acórdão proferido no Caso Ipiranga

O acórdão fundamenta-se em três pilares básicos, que podem ser tradu­zidos em três questionamentos explicitados e respondidos pelo Tribunal:

Primeiro questionamento

Alguns autores da ação, acionistas minoritários do Ipiranga, faziam parte do grupo controlador da Cobrasap. Podiam eles ser considerados acionistas minoritários do Ipiranga?

0 Tribunal entendeu que sim. Invocou, para tanto, o princípio societas distat a singutis: “O fato de os acionistas referidos terem estado ligados ao grupo detentor do controle do Banco Ipiranga não lhes dá a qualidade de minoritários [...]. Minoritários seriam todos os acionistas que não detinham, individualmente, o controle do Banco a ser incorporado [...]. Pouco importava que um dos acionistas do citado grupo fosse também o controlador da Cobrasap que, por sua vez, era a detentora do controle do Ipiranga. Jurídica e legalmente, não era ele o controlador do Ipiranga; a personalidade da socie­dade da qual era ele sócio não se confunde com a sua. A sociedade e o sócio não se confundem; constituem figuras distintas, com personalidades e patrimô­nios diversos (Cf. CC, art. 20)”.

Comentário - Perfeita a conclusão do Tribunal, neste particular. O acionista controlador de uma companhia pode ser, simultaneamente, acionis­ta minoritário da companhia controlada. A participação recíproca só é vedada entre a companhia e suas coligadas ou controladas (arts. 244 e 245, § 2o).

Segundo questionamento

O acionista que vendeu as suas ações possui legitimatio ad causam ativa contra a sociedade, com base nas ações vendidas?

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISAO 3 6 3

O Tribunal respondeu negativamente à questão: “Conforme a classifi­cação efetuada por Cesare Vivante [...], adotada pela maioria dos doutrinadores, as ações das sociedades anônimas estão classificadas entre os títulos de crédito. Como tais, os créditos que conferem transmitem-se com o próprio título, e daí sustentar a doutrina italiana, a exemplo de Tullio Ascarelli [...], que se trata de um direito cartular, isto é, que se encerra e se exerce com a cártula; com ela, conseqüentemente, também é transmitido. Quem vendeu as ações que possuía antes do ajuizamento da demanda promovida contra o BCN deixou, conseqüentemente, de ser acionista, perdendo também a condição de minoritário. Passou essa qualidade ao novo titular das ações adquiridas. Os acionistas, tendo perdido essa qualidade antes da propositura da ação que intentaram, são partes ilegítimas para demandar o BCN.”

Comentário - Também aqui se mostra perfeita a conclusão do Tribunal. Quem vende as suas ações aliena os direitos a elas inerentes. Observe-se, en passant, que, no direito norte-americano, várias legislações estaduais, com o objetivo de desencorajar as chamadas strike suits,3 exigem o requisito da contemporaneidade de propriedade das ações no começo e durante as ações sociais derivadas que, na lei brasileira, se acham previstas nos §§ 30 e 40 do art. 159 (contemporaneous-share-ownership requirement at commence- ment and during mciintenance ofaction).

Terceiro questionamento

O acionista pode reclamar direitos baseados em contrato do qual não foi partícipe por não o ter subscrito? Em outras palavras, o acionista não-con- trolador pode reclamar direitos baseados no contrato de alienação de controle celebrado entre 0 acionista controlador e outra companhia, e do qual não foi partícipe?

A Corte bandeirante respondeu afirmativamente à questão, invocando o parágrafo único do art. 1.098 do Código Civil de 1.916, reiterado no parágrafo único do Código Civil de 2002,4 e afirmando o seguinte: “O contrato referido

3 Strike suit é uma expressão encontrada na jurisprudência norte-americana para designar ações derivadas propostas por acionistas minoritários e seus advogados com o objetivo principal de chantagear a companhia.

4 Código Civil de 1916: Parte Especial: Livro III - Do Direito das Obrigações: Título IV - Dos Contratos: Capítulo IV - Das Estipulações em Favor de Terceiro:Art. 1.098. 0 que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante o não inovar nos termos do art. 1.100.Código Civil de 2002:

364 SOCIEDADE ANÔNIMA

contém [...], na cláusula 5a, dispositivo em favor de terceiros, figura jurídica a que alude o CC [de 1916], nos seus arts. 1.098 e ss. Ora, o parágrafo único do referido artigo do Código Civil assegura ao terceiro em favor de quem se estipulou a obrigação 0 direito de exigir o seu cumprimento, obedecendo às normas estatuídas no contrato”.

Comentário - Na verdade, o dispositivo invocado pelo Tribunal estabe­lece uma condição para o exercício do direito por parte do terceiro: a anuência desse terceiro (“se a ele anuir” - diz o texto legal). Como observa Carvalho Santos, se 0 terceiro anui, concorda e aceita o benefício, claro que deve submeter-se às condições impostas, para que possa produzir os efeitos em seu favor, precisamente porque 0 benefício, tendo sido condicional, em caso de não satisfazer o terceiro essas condições, não poderá invocar o seu direito, que, em verdade, não chegou a existir, dependente, como ficou, do cumpri­mento das condições estipuladas (Carvalho Santos, 1936). Apesar da omissão da questão consistente em saber se os não-controladores, in casu, anuíram ou não ao contrato de alienação de controle celebrado entre o BCN e a Cobrasap, controladora do Ipiranga, não vemos como discordar do Tribunal. O Código Civil é claro e explícito. Realmente, “assegura ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, 0 direito de exigir o seu cumprimento, obedecidas as condições e normas estatuídas no contrato”.

A conclusão do Tribunal quanto ao caso Ipiranga

Com base nos três pilares acima sumariados, todos corretos, como vimos,0 Tribunal construiu 0 seu raciocínio, chegando ao que chamou “ponto pri­mordial” das demandas propostas, assim explicitado: “o [BCN] assumiu, rio contrato, a obrigação de comprar, na oferta pública, as ações dos minoritários pelo valor unitário de $ 1,00, que era o valor nominal das ações do Banco Ipiranga, ou de resgatar, antes de a incorporação ser efetuada, pelo mesmo valor, as ações dos acionistas que não acorressem à oferta pública”; e afirmou, textualmente: “inegável, portanto, que o BCN ficou inadimplente; devia

Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir 0 cumprimento da obrigação.Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não 0 inovar nos termos do art. 438.Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor.Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir 0 terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante. Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposi­ção de última vontade.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇAO, FUSÃO E CISÃO 3 6 5

proceder ao resgate das ações minoritárias, cujos titulares não acudiram à oferta pública, mas não cuidou de resgatá-las”.

A decisão final do Tribunal, correta, a nosso ver, foi a seguinte:

a) Julgou carecedores de ação os acionistas que haviam vendido as suas ações a terceiros antes da propositura da ação;

b) Julgou improcedente a ação quanto aos acionistas que não haviam vendido as suas ações a terceiros.

Quanto a estes últimos, a Corte efetuou uma distinção, fundada nos fatos ' dos autos:

a) Com relação aos que, após a incorporação, efetuaram a troca das ações que tinham (no Ipiranga) pelas novas ações do BCN, argumentou, corretamente, que ninguém pode, ao mesmo tempo, querer duas coisas que se contrapõem entre si, que são conflitantes e incompatíveis, porque a opção por uma exclui a outra, necessariamente. Na verdade, como querer, simultaneamente, ter as ações resgatadas e continuar acionista da sociedade incorporada? Afinal, o resgate retira as ações definitivamente de circulação (art. 44, § i°). O Tribunal lembrou e advertiu: “não pode ser esquecido que [...] se as ações tivessem sido resgatadas e, portanto, retiradas de circulação, como diz a lei, não iriam e nem poderiam participar da incorporação para, através dela, adquirirem as condição nova de acionistas do incorporador”; e mais, que “o resgate implica sempre a perda da condição de acionista, porque as ações resgatadas são retiradas de circulação”.

b) Com relação aos acionistas que não procederam à substituição das ações do Ipiranga pelas do BCN, preferindo ignorá-las, a Corte argu­mentou, também corretamente, que, para fazer valer os seus direitos, tinham de agir segundo as normas previstas na Lei das Sociedades por Ações; e que, se não estavam de acordo com a nova situação, deviam exercer o direito de recesso no prazo e nos termos da lei.

Reparos ao acórdão proferido no Caso Ipiranga

O acórdão proferido no Caso Ipiranga, embora encerre uma decisão justa e correta, merece sério reparo em sua abordagem sobre o resgate de ações.

A Corte paulista afirmou, explicitamente, com todas as letras, que (verbis): “a expressão ‘resgate’ foi usada no seu sentido técnico-jurídico, isto é, pagamento do valor nominal das ações para a sua retirada de circulação”.

Ora, se assim fosse, seria juridicamente impossível a obrigação assumida pelo BCN, de resgatar ações do Ipiranga. O resgate, no sentido técnico-

366 SOCIEDADE ANÔNIMA

jurídico, só pode ser efetuado com relação às ações da própria companhia queo efetua. Uma companhia não pode resgatar ações de outra. O BCN não poderia, nunca, resgatar ações do Ipiranga. O resgate realiza-se com a aplicação de lucros ou reservas da própria companhia, que resgata suas próprias ações. Além disso, o resgate, no sentido técnico-jurídico, deve ser efetuado mediante sorteio, quando não abranger a totalidade das ações de uma mesma classe. Nem mesmo o próprio Ipiranga poderia resgatar, discriminadamente, ações de minoritários que não tivessem concordado com a incorporação ao BCN. Tal medida não se justificaria perante a legislação. O acionista dissidente, este sim, é quem podia [facultas agendi) exercer o direito de recesso na hipótese de incorporação da companhia em outra. A se admitir a expressão “resgate” usada em sentido técnico-jurídico, no caso em tela, não se terá caracterizado nenhuma estipulação em favor de terceiros e, sim, uma verdadeira estipulação impossível. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, ocorre impossibilidade jurídica objetiva quando se antepõe à prestação um obstáculo originário do próprio ordenamento (Pereira, 1962,11:270).

Reparo também deve ser efetuado na abordagem do Tribunal, quando afirmou que o valor do resgate é o valor nominal da ação. A lei não estabelece0 critério para a fixação do valor do resgate. Embora alguns autores se animem a defender o valor nominal como o preço do resgate, penso que, na apuração desse valor, na omissão estatutária, deve ser aplicada, por analogia, a diretriz fixada no art. 45, para o reembolso; e mais, que o próprio estatuto não pode prever um valor de resgate em desrespeito à diretriz traçada no referido art. 45. Modesto Carvalhosa é mais radical. Para ele, deve ser adotadoo mesmo critério para a fixação do preço de emissão de ações previsto no § i° do art. 170 (Carvalhosa, 1978 e 1997:226).

Observações adicionais sobre o Caso Ipiranga

Curioso é observar que, no decorrer do processo, os minoritários não apenas queriam defender a estipulação efetuada entre a Cobrasap e o BCN no contrato de compra do controle acionário do Ipiranga, como também a consi­deravam favorável a eles. Isso revela peculiaridades do mercado acionário brasileiro, no qual, não raro, 0 resgate de ações é considerado um verdadeiro privilégio, uma sorte grande no sorteio referido pelo legislador.

A situação dos acionistas menores no Caso Ipiranga

Particularmente curiosa é a solução dada pelo Tribunal aos quatro acio­nistas menores, como demonstrado a seguir. Eles tornaram-se, efetivamente, acionistas do BCN. O Ministério Público insistiu que “dado o valor de mercado

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 3 6 7

das ações (do BCN), as bonificações já recebidas e os dividendos distribuí­dos, os menores gánhàrám mais com a incorporação do que se tivessem recebido o valor nominal de suas ações à época da incorporação. E mais, que não via como pudessem os menores reivindicar situação contrária à atual, fundados em um contrato em que não foram partes e nem subscrito por seus representantes legais”. Assim, os menores, únicos autores que obtiveram ganho de causa em primeiro grau de jurisdição, só foram realmente bene­ficiados quando o tribunal, negando provimento ao seu recurso, julgou improcedente a sua ação.

No texto a seguir, encontram-se alguns eventos posteriores envolvendoo Grupo Financeiro Ipiranga.

GRUPO FINANCEIRO IPIRANGA EXIGE INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA DO BANCO CENTRAL5

A Segunda Turm a do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou o julgam ento do pedi­do de indenização feito pela Com panhia Brasi­leira de Adm inistração e Partic ipação S/A (Cobrasap) e pelo Banco Ipiranga Investimen­tos S/A (Grupo Financeiro Ipiranga), que em 1990 ajuizaram ação contra o Banco Central do Brasil (Bacen). Após intervir nas empresas ainda na década de 70 , a autarquia, depois de 14 an o s de a d m in is tra ç ã o , d e v o lv e u 0 patrimônio aos seus donos totalmente dilapi­dado. D e U$ 125 milhões, os bens foram redu­zidos a U$ 4 ,3 milhões, segundo consta dos relatórios.

O recurso movido contra decisão do Tribu­nal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJD FT) foi julgado por fases. Primeiram ente, foram consideradas três preliminares, todas afastadas. Em seguida, foi decidido se 0 méri­to da matéria (0 pedido de indenização) pode­ria ou não ser apreciado pelo STJ. N esse pon­to, a tese em questão foi se analisar 0 recurso seria reexam e das provas, 0 que não é permi­tido ao tribunal fazer devido à Súmula n. 7.

Seguiram o voto da re la tora , m inistra Eliana Calm on, no sentido de não ser rea- preciação de provas, os ministros Franciulli

5 Fonte: STJ - Superior Tribunal de Justiça. In: <http://www.direitonet.com.br/ noticias/x/68/97/6897>. Site consultado aos 28.5.2004.

N etto , P e ç a n h a M artins e C as tro M eira . A penas 0 m inistro João O távio Noronha en­tendeu d iferentem ente , passando-se, então, para 0 tem a principal: se o grupo teria ou não direito à inden ização . N esse ponto, após voto favo ráve l da re la to ra e do ministro Franciulli Netto, pediu vista 0 ministro João O távio N oronha. A relatora com preendeu existirem provas suficientes da prática do ato ilícito do Banco Central.

Os autores do recurso interposto no STJ pedem indenização pelos danos causados no valor da diferença entre 0 patrimônio liquido do grupo antes da intervenção (ver histórico abaixo) e o valor devolvido quando foi finaliza­da a liquidação. Afirmam que 0 Banco Central, ao intervir, agiu de form a ilegal, abusiva e com desvio de finalidade, provocando 0 verdadeiro desmonte do grupo.

A cham ada “intervenção branca” foi, para 0 Grupo Financeiro Ipiranga, um “conluio entre 0 Bacen e os controladores do Banco de Crédito Nacional", que assumiu parte das empresas como co-gestor e depois ainda ficou com 0 controle do Banco Comercial Ipiranga - único a ter a intervenção interrompida. O Grupo Fi­nanceiro Ipiranga tam bém alega falta de fun-

368 SOCIEDADE ANÔNIM A

damento legal para a intervenção. Ordenado por decisão presidencial, o consultor-geral da República, Clóvis Ferro Costa, analisou o dossiê e também entendeu que a intervenção “foi um arranjo ilegal do Bacen com o Banco de Crédito Nacional".

Histórico

O Grupo Financeiro Ipiranga, que tinha como holding a Cobrasap, era composto de 35 empresas no país e mais de 30 no exterior. Dessas, seis eram instituições financeiras. Em 1974, o grupo foi atingido com uma séria crise de liquidez no mercado financeiro, pedindo au­xílio ao Banco Central. Em maio do mesmo ano, sofreu intervenção do Bacen, que assu­miu todas as empresas, sendo afastados to­dos os seus administradores.

Como citado no relatório da ministra Eliana Calmon, a intervenção foi tão radical que fo­ram suspensos até mesmo os contratos de publicidade, demitido o pessoal e controladas as atividades essenciais das empresas finan­ceiras. Em novem bro do mesm o ano, a Cobrasap foi forçada a transferir 24 das 38 empresas do Grupo Financeiro Ipiranga para o Banco de Crédito Nacional S/A, que passou a ser co-gestor na qualidade de novo acionista e controlador do Grupo.

“Após desastrosa participação no controle das vinte e quatro empresas, praticando os

c o n tro lad o re s a té m esm o fin an c iam en to em basado em títulos frios”, o Banco de Crédi­to Nacional S /A desvinculou-se dos compro­missos assumidos. Assim, o Bacen, depois de liberar o Banco de Crédito, decretou interven­ção em todas as em presas do grupo. Apesar disso, a instituição ainda continuou com o Banco Comercial Ipiranga.

D iz o relatório que, “surpreendentemente, após 36 horas da negociação, o Bacen fez cessar a intervenção no banco adquirido, m antendo-a nas demais empresas envolvidas à C obrasap”. A liquidação extrajudicial de 22 em presas foi decretada em março de 1976 e somente dez ficaram fora da interferência.

Entre as reclamações que, segundo as re­correntes, levaram à destruição do grupo e comprovam a m á intenção do Banco Central, está o fato de ter sido impedida a venda de um terço das ações da empresa holding ao The First National Bank of Chicago, “praticamente realizada e só não consumada por impedi­mento do Bacen”.

Os interventores perm aneceram de 1976 a 1980, quando, em 30 de agosto, o presidente do Bacen decretou a cessação da liquidação extrajudicial, “sem prestação de contas, sem publicidade alguma e sem publicação do qua­dro de credores, como exigido em lei”, e, as­sim, a em presa foi devolvida em situação pre­cária aos donos.

8. CASO SINTARYC

(Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n.235.303-9. Comarca de Prata. j. 13.11.1997).

O Banco do Brasil SA. ajuizou, contra a Sintaiyc do Brasil S A. - Comércio e Indústria, execução apoiada em cédulas rurais hipotecárias e cédula rural pignoratícia.

Em embargos de devedor, a Sintaiyc apresenta preliminar de ilegitimi­dade passiva ad causam. E carreia, para os autos, documentos compro- batórios de que cedera parte de seu acervo patrimonial a outra empresa, consti­tuída especialmente para esse fim, denominada Sintagro S.A.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇAO, FUSÃO E CISÃO 3 6 9

I O Banco do Brasil “sustenta não ter concordado com a cessão de seul crédito para a empresa criada a partir da cisão, e que, por isso, os títulos

exeqüendos devem ser respeitados, já que líquidos, certos e exigíveis emi relação à [Sintaiyc]”.! A Sintaiyc, invocando o art. 223, parágrafo único, da Lei n. 6.404/76,; argumenta que “da ausência de manifestação expressa do Banco do Brasil; teria decorrido a concordância tácita deste”.

O Juiz de primeiro grau julgou procedentes os embargos apresentados pela Sintaryc. O Banco do Brasil apelou da decisão. E 0 Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais deu provimento ao recurso, ficando vencido o

' Revisor, Juiz Lauro Bracarense.: O acórdão apresenta-se ricamente ilustrado com textos legais, excertos

doutrinários e jurisprudência. A leitura do aresto deixa claro que tanto o Relator quanto 0 Revisor e o Vogal: (1) conhecem perfeitamente o conceito de

1 cisão; (2) sabem distinguir cisão total de cisão parcial; e (3) compreenderam,i corretamente, que, o caso em julgamento versava sobre uma cisão parcial.

O voto do Relator demonstra, corretamente, que a cisão parcial tem sido chamada, pela doutrina, de “falsa cisão”. E que a “falsa cisão” ou cisão parcial nada tem de errado, fraudulento ou enganoso; que a “falsa cisão” ou cisão parcial é operação lícita, expressamente prevista pela Lei das Sociedades por Ações. Eis, a propósito, trecho extraído de livro de Waldírio Bulgarelli, transcrito no voto do Relator: “Difere [a cisão total] daquela chamada por Champaud d e1 faussescissiorí, ou de [cisão] parcial, ou ‘apportpartiel d ’actif, em que uma sociedade transfere parte do seu patrimônio a outra ou outras existentes, ou constituídas para esse fim, permanecendo a explorar as demais atividades do seu objeto social, com o restante do seu patrimônio”.

Infelizmente, o acórdão não ostenta a mesma riqueza de informações sobre os fatos propriamente ditos, para encaixá-lo no dispositivo legal especí­fico, na doutrina e na jurisprudência nele mencionados. Os dados fáticos consignados ficam ofuscados, imprecisamente descritos, contraditórios mesmo. Mais que esclarecer, geram dúvidas no espírito do leitor, como demonstrado a seguir:

Dados fáticos extraídos do acórdão proferido no Caso Sintaryc

Excertos do voto do relator

“Anote-se, de passagem, que, no caso específico dos autos, observa-se que, além dos documentos/contratos entre as partes, não se demonstrou, de

370 SOCIEDADE ANÔNIMA

forma concludente e a convencer que a alegada cisão entre a [Sintaryc] e a Sintagro S/A tenha se concretizado de fato”.

“[...] a simples notícia dada ao [Banco do Brasil], da ‘falsa’ cisão parcial da [Sintaiyc], bem como da cessão de débitos entre a [Sintaiyc] e aquela terceira empresa [a Sintagro], com relação ao crédito/direito do [Banco do Brasil], anteriormente estabelecido [...].”

“Sem dúvida não houve qualquer concordância/anuência do [Banco do Brasil], por qualquer ato deste que pudesse concretizá-la [...].”

“Não tendo havido anuência ou repactuação [...].”

Excertos do voto do revisor

“Na espécie, vê-se pelos documentos de fls. 71/74 que o [Banco do Brasil] não se opôs à transferência de seu crédito em razão da cisão, apesar das publicações ocorridas e de sua comunicação pessoal, o que denota concordância, eis que decaiu de sua oportunidade de impugnação [...].”

Excertos do voto do vogal

“[...] a própria [Sintaryc] endereçou a carta de fls. 71/72 [...] solicitando ao [Banco do Brasil] os novos aditivos contratuais para a formalização da sub-rogação. Se o [Banco do Brasil] silenciou-se mediante a solicitação da [Sintaryc], de substituição dos títulos para a formalização da sub-rogação, este silêncio deve ser interpretado ou entendido como ‘oposição tácita’ à transferência de seu crédito, provocada justamente pela [Sintaiyc] [...].”

Após a leitura das tímidas referências fáticas constantes dos votos, remanescem algumas dúvidas: Ia) foram anexados, aos autos do processo, os documentos formalizadores da cisão (Protocolo, Justificativa, etc.?) 2a) tais documentos foram arquivados no Registro do Comércio? 3 a) Os atos da cisão parcial estipularam, expressamente, que a Sintagro seria responsável apenas pelas obrigações que lhe foram transferidas, sem solidariedade entre ela e a Sintaiyc? 4a) os atos da cisão parcial foram publicados? Onde? Quando?

Comentário do Caso Sintaryc

Em face da falta de respostas precisas para essas questões no corpo do acórdão, limitar-me-ei a consignar, em seguida, os parâmetros para uma decisão justa. Somente com a acurada análise dos fatos, à luz do dispositivo legal específico, poder-se-á chegar à única conclusão correta. Afinal, como já diziam os romanos, minima circunstantia fa c ti magnam inducit diversitatem juris.

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO 371

O dispositivo legal específico

O parágrafo único do art. 223 da Lei n. 6.404/76 dispõe o seguinte:

i Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as socie­dades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida

: serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas,I sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso,| qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu

crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de noventa dias a1 contar da data da publicação dos atos da cisão.

! Primeira questão, suposições e resposta

• Os atos da cisão parcial (Protocolo, Justificativa, etc.?) foram anexadosI aos autos?

Se a resposta for negativa, a Sintaiyc estará totalmente sem razão, j Caso a resposta seja afirmativa, passa-se à segunda questão.

Segunda questão, suposições e resposta

Os atos da cisão parcial foram arquivados no Registro do Comércio?Se a resposta for negativa, eles serão inoponíveis ao Banco do Brasil.

! Quanto a este, serão res inter alios acta.Se a resposta for afirmativa, passa-se à terceira questão.

Terceira questão, suposições e resposta

Os atos da cisão parcial arquivados no Registro do Comércio estipularam que a Sintagro seria responsável apenas pelas obrigações que lhe foram transferidas pela Sintaryc, sem solidariedade entre ambas as sociedades?

Se a resposta for negativa, a Sintaiyc e a Sintagro são solidariamente responsáveis por todas as obrigações da primeira transferidas à segunda em decorrência da cisão parcial.

Se a resposta for afirmativa, passa-se à quarta questão.

Quarta questão, suposições e resposta

Pelos atos da cisão, arquivados no Registro do Comércio e publicados, a obrigação da Sintaryc para com o Banco do Brasil foi transferida à Sintagro?

Se a resposta for negativa, a Sintaiyc continua sendo a única responsável por aquela obrigação perante o Banco do Brasil.

Se a resposta for positiva, passa-se à sexta questão.

372 SOCIEDADE ANÔNIMA

Quinta questão, suposições e resposta

O Banco do Brasil se opôs formalmente, mediante notificação (judicial ou extrajudicial), em relação ao seu crédito, à cláusula dos atos da cisão parcial, arquivados no Registro do Comércio e publicados, segundo a qual a Sintagro seria responsável apenas pelas obrigações que lhe foram transferidas pela Sintaiyc, sem solidariedade entre ambas as sociedades?

Se a resposta for negativa, a Sintagro terá se tornado a única e exclusiva devedora do Banco do Brasil.

Se a resposta for afirmativa, passa-se à sétima questão.

Sexta questão, suposições e resposta

A oposição do Banco do Brasil ocorreu no prazo de 90 dias, previsto no parágrafo único do art. 233 da Lei das Sociedades por Ações?

Se a resposta for negativa, a Sintagro terá se tornado a única e exclusiva devedora do Banco do Brasil.

Se a resposta for afirmativa, a Sintaiyc e a Sintagro devem ser consideradas devedoras solidárias da obrigação assumida com 0 Banco do Brasil.

9. INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO COMO MODALIDADESDE CONCENTRAÇÃO DE EMPRESAS

Tanto a incorporação quanto a fusão e a cisão constituem modalidades de concentração de empresas. No Brasil, a cisão tem sido também utilizada como modalidade de desconcentração, para resolver problemas de empresas familiares com questões sucessórias mal resolvidas.

Os problemas envolvendo incorporações fusões e cisões são complexos e os aspectos tributários assumem especial relevo. Já se disse que nessa matéria é o fiscalista quem comanda.

A legislação societária preocupa-se, principalmente, com a proteção aos credores, aos empregados e aos acionistas.

10. ABUSO DO PODER ECONÔMICO

A Lei n. 8.884, de 13.6.1994 (Lei Antitruste) dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder eco­nômico (art. i°, caput).

TRANSFORMAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSAO E CISÃO 373

Dela, destaquem-se os seguintes excertos:

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;III - aumentar arbitrariamente os lucros;IV - exercer de forma abusiva posição dominante.[•••].

Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.[...]§ 3o Incluem-se nos atos de que trata 0 caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resul­tante em vinte por cento de um mercado relevante, ou em que qual­quer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos mi­lhões de reais).§ 4o Os atos de que trata o caput deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à SDE, que imediatamente enviará uma via ao CADE e outra à SEAE.[•••]

§ 7o A eficácia dos atos de que trata este artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo CADE no prazo estabelecido no párágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados.

11. QUESTÕES

1. Embora a Cia. Asa Branca seja uma sociedade com as características previstas no art. 294 da Lei das Sociedades por Ações - e talvez por isso

374 SOCIEDADE ANÔNIMA

mesmo tem havido muita divergência entre os acionistas, que se radicalizaram em dois grupos antagônicos. Aconselhado por um experiente contador, o presidente do conselho de administração está pensando em propor a transformação da companhia em sociedade limitada, mas teme que o grupo minoritário queira se retirar da sociedade, o que poderá colocar em risco a estabilidade financeira da empresa. Oriente-o.

2. A Distribuidora de Vinhos Baco S.A. é companhia fechada, de pequeno porte, e a sua diretora-presidente, Sra. Florinda Abelha, está pensando em transformá-la em sociedade limitada. Sendo o estatuto social omisso sobre a matéria, e considerando que o acionista Amparito Hernandes tem se mostrado um tanto quanto hostil à sua administração, a Sra. Florinda Abelha está cogitando convocar previamente uma assembléia-geral para alterar o estatuto social, nele inserindo cláusula que estabeleça a renúncia dos acionistas ao direito de retirada no caso de transformação. A Sra. Florinda Abelha está particularmente preocupada com a maioria necessária para essa deliberação. Oriente-a.

C a p ítu lo 15

A SOCIEDADE ANÔNIMA E O PODER JUDICIÁRIO

l. VOTO DE CONFIANÇA NO PODER JUDICIÁRIO

A Lei n. 6.404/76 - Lei das Sociedades por Ações - encerra alguns preceitos com expressões um tanto quanto vagas, a desafiarem a argúcia e a perspicácia do intérprete. Alguns exemplos serão apresentados mais abaixo.

Por intermédio desses preceitos, pode-se perceber a dimensão do voto de confiança depositado no Poder Judiciário. Esse voto de confiança, a um tempo, pressupõe e requer uma atuação lúcida, eficiente e corajosa daquele Poder.

A lucidez envolve a exata compreensão dos princípios maiores que inspiram a legislação das sociedades por ações. A sociedade anônima, modelo por excelência da empresa privada moderna, erige-se em pedra de toque da economia de mercado, num regime de iniciativa privada. Verda­deira máquina jurídica (machine juridique), como já observara Georges Ripert (1951), ela atrai, canaliza, produz e redistribui riquezas. Possui enorme potencial de gerar o socialismo de mercado, com uma justiça distributiva e comutativa. Neste sentido, a democracia da sociedade anô­nima revela um potencial desconhecido, insuspeitado e inexplorado. Tam­bém nesse sentido, a sua legislação inspira-se em valores maiores e transcendentais, que ultrapassam os estreitos limites da organização de sua estrutura interna e da regulamentação das relações entre os seus agentes. Assim, o legislador moderno situa e coloca esse fenômeno da microeconomia no contexto mais amplo da macroeconomia. A sociedade anônima situa-se no centro mesmo do mercado de valores mobiliários e constitui a razão de ser deste. E este segmento do mercado estende-se ao mercado de capitais e, daí, ao mercado financeiro, intimamente ligado à própria estabilidade e soberania nacionais.

376 SOCIEDADE ANÔNIMA

A eficiência do Poder Judiciário, neste setor, significa, principalmente, agilidade e justiça. Aqui, insinuam-se, para reflexão, dois conhecidos ditados: “a pressa é inimiga da perfeição” e “justiça demorada é justiça denegada”.

A coragem significa a ruptura de uma arraigada e cômoda tradição, já superada nos países do chamado Primeiro Mundo, no sentido de não interfe­rência do Poder Judiciário na vida das empresas. Uma política de “Pôncio Pilatos” já abandonada na América do Norte e nos países mais evoluídos da União Européia, como a Itália e a Alemanha.

2. CONCEITOS VAGOS EMPREGADOS NA LEGISLAÇÃO: INTE­RESSE. DILUIÇÃO INJUSTIFICADA. BOA-FÉ

Vejamos agora, por amostragem, alguns dos preceitos vagos, acima referidos:

(1) “Interesse”

A lei emprega várias vezes a palavra “interesse”, referindo-se a um valor transcendental e superior aos interesses egoísticos dos acionistas (controladores e não-controladores). Refere-se a “interesse da companhia” (arts. 115; 116, parágrafo único; 129, § 20; 154; 155, II; 156; 157, § 30; 159, § 6o), “interesses da comunidade” (art. 116, parágrafo único), “interesse nacional” (art. 117, § Io, a) e “interesse público” (art. 238).

Além disso, fala em “conflito de interesses” (art. 156), “exigências do bem público” (art. 154), “função social da companhia” (art. 116, parágrafo único), “função social da empresa” (art. 154) e “responsabilidades sociais da compa­nhia” (art. 154, § 4o).

Em última análise, competirá ao Poder Judiciário precisar o exato con­teúdo e extensão desses conceitos, considerando as circunstâncias de cada caso. E a decisão proferida num caso não será necessariamente válida para outro, uma vez que mínima circum stantia fa c ti magnam inducit diversitatem jurís (a menor circunstância fática pode produzir a maior diversidade jurídica).

AS MODERNAS S/A E A C IDADANIALuís Nassif (Folha de S. Paulo, 3 jun. 1994)

Uma das maiores dificuldades do pensa- A empresa é a peça central de toda economiamento de esquerda brasileiro é compreender de mercado. Como tal, é mais importante que seuadequadamente a lógica do funcionamento das dono e que seus empregados. É ela o agenteempresas, principalmente após as profundas principal do desenvolvimento, a geradora de em-transformações ocorridas nos últimos anos. pregos e de lucros, a promotora de investimento.

A SOCIEDADE ANÔNIM A E O PODER JUDICIÁRIO 3 77

Hoje em dia, não há lugar onde o senti­mento de cidadania seja mais cultuado do que no âmbito das modernas políticas de recursos humanos - algo que teve início, cresce, mas ainda não é majoritário no universo das em ­presas do país.

O motor de transformação das empresas é, inicialmente, a exposição a uma ampla compe­tição; É só a am eaça que induz à ação. A partir daí, a montagem de pactos de produtividade entre direção e trabalhadores, que terão a pos­sibilidade de interferir com sugestões na ativi­dade produtiva, até participar diretamente dos lucros obtidos e da gestão da empresa.

Empresas de dono

Fariam bem os economistas do círculo pró­ximo a Lula, se estudassem, mais profunda­m ente, o conceito de em presa - particular­m ente a empresa de capital aberto, o meio term o ideal entre as em presas de dono e as em presas estatais.

No primeiro caso, há um desequilíbrio fla­grante em favor do proprietário. Ele é absoluto. Se for responsável, produz crescimento. Se não for, enriquece às custas da em presa, sem nada que limite a sua ação predadora.

Esse empresário tem a virtude de ser o em preendedor, o sujeito que tem a iniciativa, corre o risco, junta os fatores de produção e cria a em presa. Depois que a em presa ganha consistência e forma, cresce e fica complexa, fica sem defesa contra suas eventuais irres-- ponsabilidades.

No caso das empresas estatais tem -se a vantagem de um corpo de funcionários coeso, agindo como uma verdadeira corporação, mas tam bém sem limites à sua atuação - já que o

Estado não é um controlador atuante. Sem a pressão externa, mesmo que queiram, os dire­tores terão dificuldades em com andar proces­sos de reestruturação, em desm anchar feudos internos e motivar os em pregados para a busca da produtividade.

As modernas S/A

A moderna sociedade anônim a é muito mais equilibrada que ambos os modelos. Ao abrir capital, as empresas passam a ter que atender a três interessados - o acionista majo­ritário, os trabalhadores e os investidores minoritários. É em torno desse conflito que a em presa torna-se dinâmica e preserva sua vo­cação de crescimento.

A i tem -se a em presa pública na sua acepção, com controle da cidadania, e tornan­do os cidadãos (individualmente ou através de fundos) sócios do seu crescimento.

Com uma moderna lei a seu lado, os mi­noritários impedem os abusos dos contro­ladores, m antêm sob pressão perm anente os administradores, que passam a atuar em bus­ca de resultados. Este tripé (diretores repre­sentando os controladores, em pregados e m inoritários) acaba im pedindo abusos rec í­procos.

Se deixá-la apenas em mãos do contro­lador, corre-se o risco, comum no Brasil, de tornar as empresas pobres e os donos ricos. Se o poder se desequilibra em direção aos traba­lhadores, as demandas salariais podem com­prometer o investimento (como ocorre com as estatais) e o emprego (restringindo o emprego e o investimento). Se se desequilibra em dire­ção aos acionistas, garante-se o ganho de capi­tal em detrimento do futuro da companhia.

(2) “Diluição Injustificada”

O § i° do art. 170 reza que “0 preço de emissão [das ações, nos casos de aumento de capital, por subscrição de novas ações] deve ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham direito de preferência para subscrevê-las, tendo em vista, alternativa

378 SOCIEDADE ANÔNIMA

ou conjuntamente: I - a perspectiva de rentabilidade da companhia; II - o valor de patrimônio líquido da ação; III - a cotação de suas ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado”.

A expressão “diluição injustificada” pressupõe a possibilidade de uma diluiçãojustificada.

O dispositivo em tela mostra-se salutar. Muitos aumentos de capital necessários para o crescimento e o desenvolvimento da companhia poderiam ficar frustrados, se uma norma rígida impedisse, totalmente, a possibilidade de qualquer diluição na participação dos antigos acionistas. Isso, certamente, ocorreria se, por circunstâncias de mercado, o valor de cotação se apresentas­se muito inferior ao valor de patrimônio líquido, ou ao próprio valor nominal.

Em última análise, só ao Poder Judiciário competirá dizer, com base nas circunstâncias fáticas e peculiares a cada caso concreto, se determinada diluição era justificada ou injustificada.

(3) “Boa-fé”

Nas ações de responsabilidade civil contra o administrador, “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fée visando ao interesse da companhia”.

Em outra obra, já tive oportunidade de manifestar-me sobre este preceito, inspirado na “busines judgment rule”, construída pela jurisprudência nor­te-americana, e que tem deixado perplexos alguns dos mais notáveis juristas brasileiros (Corrêa-Lima, 1989). Naquela obra, escrevi o seguinte: “Para justi­ficar o erro e exculpar o administrador da companhia com base na “business

judgment rule’, 0 magistrado há de ultrapassar duas ordens de questio­namento: primeiro, verificar se houve o fiel cumprimento de todos os deveres que a lei atribui ao administrador (de obediência - à lei e ao estatuto social -, de diligência e de lealdade); em seguida, deverá verificar se o administrador agiu de boa-fé. Só depois poderá eximir o administrador de responsabilidade pelo erro cometido”.

Em última análise, só ao Poder Judiciário competirá dizer, em face das circunstâncias fáticas e das peculiaridades do caso concreto em julgamento, se o administrador agiu ou não de boa-fé.

3. OUTRAS EXPRESSÕES VAGAS

Eis algumas outras expressões vagas, a desafiarem a argúcia do intérprete e do Poder Judiciário: “condições razoáveis ou eqüitativas” (art. 156, § i°);

A SOCIEDADE ANÔNIMA E O PODER JUDICIÁRIO 379

“diligência” (art. 153); “liberalidade” (art. 154, § 2°, a); “atos gratuitos razoáveis” (art. 154, § 4o); “culpa” (art. 158, II); “negligenciar” (art. 158, § i°); “vantagem indevida” (art. 117, § i°, a); “inapto moral ou tecnicamente” (art. 117, § i°, d)\ “induzir ou tentar induzir [...] a praticar ato ilegal” (art. 117, § Io, é); etc.

Todos esses dispositivos, citados por amostragem - como já se afirmou - demonstram a confiança depositada no Poder Judiciário e, a um tempo, pressupõem e requerem deste uma atuação lúcida, eficiente e corajosa.

O Poder Judiciário encontra enorme desafio no tocante à adequada proteção do chamado acionista minoritário (não-controlador) externo, ou seja, acionista minoritário das sociedades dependentes integradas num gru­po. Tal acionista encontra-se em posição muito vulnerável a abusos de direito, desvio de poder e conflito de interesses.

Estará o Poder Judiciário preparado para todos esses desafios?A rarefação da jurisprudência brasileira em matéria de legislação das

sociedades por ações parece demonstrar que, das duas, uma: ou as coisas têm funcionado bem, não se justificando o recurso ao Poder Judiciário, ou as pessoas não têm compartilhado da confiança nele depositada pelo legislador.

Um observador de fora - e, talvez, por isso mesmo, com maior objetivi­dade - já forneceu as seguintes explicações para a rarefação da jurisprudência brasileira em tema de responsabilidade civil dos administradores de compa­nhias: carestia das custas processuais e dos honorários de advogados; morosi­dade da justiça; falta de treino dos magistrados para lidarem com problemas financeiros complexos, o que reduziria a expectativa de decisões justas; relu­tância em litigar, não inteiramente explicada por todos os fatores acima; e desconfiança de que mesmo as decisões justas venham a ser executadas (Poser, 1966:1525).

Em obra intitulada O Poder Judiciário e ajurisprudência sobre sociedades anônimas e instituiçõesfinanceiras, Eizirik e Bastos escrevem, textualmente, o seguinte: “Os autores da nová Lei das S.A. pretenderam dar um passo diferente, como se constata nas seguintes observações do anteprojeto: ‘(...) observar a tradição brasileira na matéria que vem do Direito Continental Europeu, mas aceitar as soluções úteis do sistema anglo-americano, que, por força da aceleração das trocas internacionais, cada vez mais se impõem à Europa e crescem em difusão entre nós (...)’. O que os autores do anteprojeto não esclarecem, no entanto, é que o Direito Substantivo de novo tipo implica e exige, necessariamente, não só um Direito Processual de novo tipo, mas também, e especialmente, tribunais de novo tipo. Isto é, caso se pretenda uma lei substantiva que absorva as tradições substantivas do Direito anglo-saxão, não se pode esquecer que o modelo de urbanização judiciária deve, também, e

38o SOCIEDADE ANÔNIMA

necessariamente, absorver as tradições anglo-saxônicas. Não se pode pensar em decisões substantivas com determinados efeitos e obter determinados resultados com órgãos de implementação (tribunais) organizados, não neces­sariamente, de acordo com as novas exigências do Direito Substantivo” (Eizirik e Bastos, 1980:24-25).

Deixadas de lado a carestia das custas processuais e dos honorários de advogado, a morosidade da justiça e a relutância em litigar, de que fala Poser, o Poder Judiciário brasileiro, regra geral, tem conseguido proferir decisões acertadas. A amostragem de casos inserida neste livro demonstra isso.

As decisões errôneas e injustas parecem erigir-se em exceções, a confir­marem a regra geral. Mas mesmo essas exceções, aparentemente, decorrem da ignorância, ou de uma perspectiva errônea e ultrapassada, e não da má-fé dos julgadores. Mesmo as decisões errôneas e injustas costumam acarretar 0 benefício de um impulso à ciência, na medida em que provocam críticas construtivas.

Exemplo de uma dessas críticas construtivas com contribuição para o aperfeiçoamento do Direito nos é fornecido pelo Prof. Philomeno J. da Costa, catedrático de Direito Comercial da USP. Ele patrocinara ação residual de dissolução, de coligação social múltipla, contra a outra coligante e, simulta­neamente, contra a restante coligada, ambas as rés sociedades por ações. Um juiz da Grande São Paulo julgou a autora (uma sociedade limitada, minoritária externa) carecedora de ação. 0 magistrado “não conseguiu desvincular-se do caráter taxativo das hipóteses em que se admite a disso­lução parcial das sociedades anônimas (reembolso de ações), isoladamente consideradas, daquela em que passavam à categoria de sócias de sociedades (coligações), sujeitas, por isso mesmo, a contingências diferentes, oriundas da sua nova posição na união de empresas”. Sob o “impacto decepcionante” da derrota, Philomeno J. da Costa produziu excelente registro bibliográfico da obra do espanhol José Miguel Embid Irujo, intitulada Grupos de sociedades y acionistas minoritários:, la tutela de la minoria en situaciones de dependencia societariay grupo (Costa,1990).

Também já tive oportunidade de apresentar uma dessas críticas cons­trutivas. Tratava-se, no caso, de uma sociedade limitada: a sociedade compu­nha-se de três sócios, cada um detendo, exatamente, 1/3 do capital social. 0 objeto social era o tratamento dentário de deficientes mentais, com anestesia geral. Os cotistas A e B eram cirurgiões-dentistas. O cotista C era o médico- anestesista responsável. 0 bem social mais valioso consistia num Convênio com o INSS. 0 contrato social não previa a sua alteração por maioria. Rezava, expressamente, que todos os atos de gerência deveriam ser assinados,

A SOCIEDADE ANÔNIM A E O PODER JUDICIÁRIO 381

sempre, por dois sócios em conjunto. 0 cotista A, sem respeitar o direito de preferência de C, vendeu todas as suas cotas (e 0 controle da sociedade) a B. A alteração contratual, sem a assinatura de C, veio a ser arquivada na Junta Comercial. Conseqüentemente, B passou a assinar sozinho atos de gestão, embora persistisse a cláusula contratual exigindo a prática de atos de gerência sempre por dois sócios, em conjunto. Como preparativo para a ação anulatória da alteração contratual, C ajuizou medida cautelar inominada, na qual requereu liminar, com o objetivo de impedir que o cotista B continuasse a praticar atos de gerência isoladamente. O Juiz de Direito da 19 a Vara Cível de Belo Horizonte não apenas indeferiu a liminar, como também a própria petição inicial da medida cautelar, que considerou inepta. O raciocínio do magistrado, implícito na decisão e verbalizado para um dos advogados da causa, baseava-se no tabu contra a intervenção do Poder Judiciário na intimi­dade das empresas. Consta de seu despacho a seguinte frase textual, intrigan­te e significativa: “Ademais, busca-se obrigar os Requeridos a cumprirem o contrato social, o que não depende de providência judicial, mas decorre de lei [...]”. Encorajado pela timidez e titubeação judicial, o réu B acabou por fazer “justiça” com as próprias mãos. Despojou a sociedade de todos os seus bens materiais, transferindo-os para uma outra sede. Nesta, reativou antiga e desativada sociedade limitada com terceiro. Esta outra sociedade, com o mesmo nome da primeira, mas com contrato social arquivado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, achava-se dissolvida de fato e com baixa no CGC, no Ministério da Fazenda. Com influência política, B conseguiu transferir para esta outra sociedade a titularidade do Convênio com o INSS. Além disso, alterou novamente, e unilateralmente, sem a assinatura de C, 0 contrato de sua sociedade com este. Em suma, promoveu verdadeira dissolu­ção, liquidação e extinção de fato (Proc. n. 02491771520-3,19a Vara Cível de Belo Horizonte). Como se vê, a decisão proferida neste caso comezinho e numa relação estritamente de Direito Privado colocou o seu prolator muito distante daquelas nòvas e relevantes funções que 0 Estado Moderno reserva aos magistrados.

Ca p ítu lo 16

O u t r o s a s s u n t o s

1. NACIONALIDADE DA COMPANHIA

São nacionais as sociedades organizadas na conformidade da Lei brasileira e que têm no país a sede de sua administração (art. 300 c.c. 0 art. 60 do Decreto-lei n. 2.627, de 26.12.1940. Código Civil de 2002, art. 1.126).

A Emenda Constitucional n. 6, de 15.8.1995, na onda da maré dita “globalizante” e “neoliberal”, revogou o art. 171 da Constituição Federal brasi­leira, que efetuava nítida distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional e previa a instituição, por lei ordinária, de alguns mecanismos protetórios da empresa brasileira de capital nacional.

As sociedades anônimas ou companhias estrangeiras, qualquer que seja o seu objeto, não podem, sem autorização do Governo Federal, funcionar no País, por si mesmas ou por filiais, sucursais, agências ou estabelecimentos que as representem, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionistas de sociedade anônima brasileira (art. 300 c.c. o art. 64 do Decreto-lei n. 2.627/40). A sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, pode, mediante autorização do Governo Federal, nacionalizar-se, transferindo sua sede para o Brasil (art. 300 c.c. o art. 71 do Decreto-lei n. 2.627/40).

Regra geral, a empresa estrangeira prefere constituir, no Brasil, uma subsidiária, que será considerada nacional, podendo, entretanto, sofrer algumas restrições oriundas do Direito Público. De maneira ampla, as socie­dades estrangeiras não precisam de prévia autorização governamental para participarem no capital de sociedades brasileiras (art. 300 c.c. o art. 64 do Decreto-lei n. 2.627/40).

A sociedade anônima ou companhia brasileira somente poderá mudar de nacionalidade mediante o consentimento unânime dos acionistas (art. 300 c.c. o art. 72 do Decreto-lei n. 2.627/40), votantes e não votantes.

O art. 177, § 1°, IX, do Código Penal fixa pena de reclusão de um a quatro anos, e multa, para 0 representante da sociedade anônima estrangeira,

OUTROS ASSUNTOS 3 8 3

autorizada a funcionar no País, que: a) em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicado ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativos; b) promove, por qualquer artificio, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade; c) dá falsa informação ao Governo.

2. SOCIEDADE NACIONAL E SOCIEDADE ESTRANGEIRA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 2002 trata da sociedade nacional e da sociedade estrangeira nos arts. 1.126 a 1.141:

Da Sociedade Nacional

Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração. Parágrafo único. Quando a lei exigir que todos ou alguns sócios sejam brasileiros, as ações da sociedade anônima revestirão, no silêncio da lei, a forma nominativa. Qualquer que seja 0 tipo da sociedade, na sua sede ficará arquivada cópia autêntica do documento comprobatório da nacio­nalidade dos sócios.

Art. 1.127. Não haverá mudança de nacionalidade de sociedade brasi­leira sem o consentimento unânime dos sócios ou acionistas.

Art. 1.128. O requerimento de autorização de sociedade nacional deve ser acompanhado de cópia do contrato, assinada por todos os sócios, ou, tratandoj-se de sociedade anônima, de cópia, autenticada pelos fundadores, dos documentos exigidos pela lei especial.Parágràfo único. Se a sociedade tiver sido constituída por escritura pública, bastará juntar-se ao requerimento a respectiva certidão.

Art. 1.129. Ao Poder Executivo é facultado exigir que se procedam a alterações ou aditamento no contrato ou no estatuto, devendo os sócios, ou, tratando-se de sociedade anônima, os fundadores, cumprir as forma­lidades legais para revisão dos atos constitutivos, e juntar ao processo prova regular.

Art. 1.130. Ao Poder Executivo é facultado recusar a autorização, se a sociedade não atender às condições econômicas, financeiras ou jurídicas especificadas em lei.

Art. 1.131. Expedido o decreto de autorização, cumprirá à sociedade publicar os atos referidos nos arts. 1.128 e 1.129, em 30 (trinta) dias, no órgão oficial da União, cujo exemplar representará prova para inscrição, no registro próprio, dos atos constitutivos da sociedade.

384 SOCIEDADE ANÔNIMA

Parágrafo único. A sociedade promoverá, também no órgão oficial da União e no prazo de 30 (trinta) dias, a publicação do termo de inscrição.

Art. 1.132. As sociedades anônimas nacionais, que dependam de autorização do Poder Executivo para funcionar, não se constituirão sem obtê-la, quando seus fundadores pretenderem recorrer a subscrição pública para a formação do capital.§ 1° Os fundadores deverão juntar ao requerimento cópias autênticas do projeto do estatuto e do prospecto.§ 2o Obtida a autorização e constituída a sociedade, proceder-se-á à inscrição dos seus atos constitutivos.

Art. 1.133. Dependem de aprovação as modificações do contrato ou do estatuto de sociedade sujeita a autorização do Poder Executivo, salvo se decorrerem de aumento do capital social, em virtude de utilização de reservas ou reavaliação do ativo.

Da Sociedade Estrangeira

Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira. \§ 1° Ao requerimento de autorização devem juntar-se:I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país;II - inteiro teor do contrato ou do estatuto;III - relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicüio e, salvo quanto a ações ao portador, 0 valor da participação de cada um no capital da sociedade;IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional;V - prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização;VI - último balanço.§ 2o Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo.

Art. 1.135. É facultado ao Poder Executivo, para conceder a autorização, estabelecer condições convenientes à defesa dos interesses nacionais. Parágrafo único. Aceitas as condições, expedirá o Poder Executivo decreto de autorização, do qual constará o montante de capital destinado às operações no País, cabendo à sociedade promover a publicação dos atos referidos no art. 1.131 e no § i° do art. 1.134.

OUTROS ASSUNTOS 3 8 5

Art. 1.136. A sociedade autorizada não pode iniciar sua atividade antes de inscrita no registro próprio do lugar em que se deva estabelecer.§ 1° O requerimento de inscrição será instruído com exemplar da publi­cação exigida no parágrafo único do artigo antecedente, acompanhado de documento do depósito em dinheiro, em estabelecimento bancário oficial, do capital ãli mencionado.§ 2° Arquivados esses documentos, a inscrição será feita por termo em livro especial para as sociedades estrangeiras, com número de ordem contínuo para todas as sociedades inscritas; no termo constarão:I - nome, objeto, duração e sede da sociedade no estrangeiro;II - lugar da sucursal, filial ou agência, no País;III - data e número do decreto de autorização;IV - capital destinado às operações no País;V - individuação do seu representante permanente.§ 3o Inscrita a sociedade, promover-se-á a publicação determinada no parágrafo único do art. 1.131. :

Art. 1.137. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações prati­cados no Brasil.Parágrafo único. A sociedade estrangeira funcionará no território nacional com o nome que tiver em seu país de origem, podendo acres­centar as palavras “do Brasil” ou “para o Brasil”.

Art. 1.138. A sociedade estra'ngeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade.Parágrafo único. O representante somente pode agir perante terceiros depois de arquivado e averbado o instrumento de sua nomeação.

Art. 1.139. Qualquer modificação no contrato ou no estatuto dependerá da aprovação do Poder Executivo, para produzir efeitos no território nacional.

Art. 1.140. A sociedade estrangeira deve, sob pena de lhe ser cassada a autorização, reproduzir no órgão oficial da União, e do Estado, se for o caso, as publicações que, segundo a sua lei nacional, seja obrigada a fazer relativamente ao balanço patrimonial e ao de resultado econômico, bem como aos atos de sua administração.Parágrafo único. Sob pena, também, de lhe ser cassada a autorização, a sociedade estrangeira deverá publicar o balanço patrimonial e o de resultado econômico das sucursais, filiais ou agências existentes no País.

Art. 1.141. Mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no País pode nacionalizar-se, transfe­rindo sua sede para o Brasil.

386 SOCIEDADE ANÔNIMA

§ i° Para o fim previsto neste artigo, deverá a sociedade, por seus represen­tantes, oferecer, com o requerimento, os documentos exigidos no art. 1.134, e ainda a prova da realização do capital, pela forma declarada no contrato, ou no estatuto, e do ato em que foi deliberada a nacionalização.§ 2o O Poder Executivo poderá impor as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais.§ 3o Aceitas as condições pelo representante, proceder-se-á, após a expe­dição do decreto de autorização, à inscrição da sociedade e publicação do respectivo termo.

3. COMPANHIA UNIPESSOAL

Em diversos países, o legislador já conseguiu quebrar 0 tabu existente contra a sociedade unipessoal (one man company, nos Estados Unidos; Einmangesellschaft, na Alemanha, etc.). No Brasil, o preconceito persiste, apesar das várias manifestações doutrinárias favoráveis à sua aceitação. A resistência do legislador brasileiro tem ensejado a criação de sociedades unipessoais defacto, com a conivência depresta-nomes, homens depalha ou testas de ferro, em verdadeira rebeldia à lei. O que se visa, em última análise, nessas circunstâncias, é à criação, de facto, da figura do empresário individual com responsabilidade limitada. Melhor seria se 0 legislador, adotando postu­ra mais realista, admitisse, de vez, a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, disciplinando a afetação de parte do patrimônio do sócio único, para maior garantia dos credores e empregados da sociedade. O argumento utiliza­do por parte dos doutrinadores, que se opõem à consagração da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, repousa na Lógica Formal ou Me­nor: sociedade é reunião de pessoas (no plural); é absurdo o conceito de sociedade unipessoal... Contudo, como já observara Benjamin Cardozo, a vida do direito não tem sido lógica; tem sido experiência (the life ofthe law has not been logic; it has been experience) (Cardozo, 1971). E a experiência tem demonstrado, a par das situações de facto criadas, acima apontadas, que a empresa, conceituada como unidade produtiva de capital e de trabalho, assu­miu, definitivamente, maior grau de importância que 0 conceito formal de sociedade. O princípio da preservação da empresa tem sido invocado, de forma crescente, para justificar a desconsideração da fria Lógica Menor ou Formal em várias situações especiais, uma das quais será examinada a seguir.

No Brasil, dissolve-se a companhia, por decisão judicial, pela existência de um único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no art. 251, que trata da subsidiária integral (art. 206,1, “d”). Tem-se, portanto,

OUTROS ASSUNTOS 3 8 7

que a companhia pode funcionar, normal e regularmente, como sociedade unipessoal por um período relativamente longo. Com isso, o legislador faz concessão ao princípio da preservação da empresa.

Segundo o Código Civil de 2002, dissolve-se a sociedade limitada pela falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias (Código Civil de 2002, art. 1.033 c.c. os arts. 1.033 e 1-044)- Contudo, muito antes da vigência do Código Civil de 2002, doutrina e jurisprudência já admitiam a continuidade transitória da então chamada sociedade por cotas, de responsabilidade limitada, invocando 0 princípio da preservação da em­presa. Leiam-se, a propósito, os votos dos Juizes Marino Costa e José Marrara no julgamento da Apelação Cível n. 103.219-3 pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais (Minas Gerais, Parte II, Diário do Judiciário, 16.2.1992, fls. 14):

Juiz Marino Costa: “Embora timidamente, passou a jurisprudência a admitir a possibilidade não só de permanecer a sociedade por cotas, depois da retirada de um dos sócios componentes, com sua personalidade jurídica ilesa, por amor à existência da empresa, como a existência viável de uma sociedade unipessoal, com um patrimônio de afetação, muito ao símile das fundações. Aliás, João Eunápio Borges, sempre pioneiro em idéias novas no Direito Comercial, assim se manifestava, em ^ 217/51: ‘E, embora correndo o risco de escandalizar a muitos, dou convictamente um passo a mais no caminho da institucionalização da sociedade por cotas de responsabilidade limitada; entre nós ela poderá existir ocasionalmente não apenas com um sócio único, mas sem qualquer sócio... Podendo ela adquirir as próprias cotas...’. O mesmo pensamento manifesta 0 Prof. Dilvanir José da Costa, em ^ 7’523/n: ‘muito mais pelo apreço ao conceito de empresa (distinto da sociedade) cuja substân­cia seria o ‘fundo de comércio ou indústria, a técnica, o knowhow, a experiên­cia empresarial, a clientela, os empregados, a utilidade social, o potencial tributário, a célula do desenvolvimento nacional’. Não se concebe, continua ele, citando Antônio Chaves dos Santos, o primado absoluto da sociedade sobre a pessoa do sócio que, embora podendo retirar-se dela, não pode, ‘como Sansão, derrubar sobre si mesmo as colunas do templo dos Filisteus’. Daí a afirmação do eminente Magistrado Oliveira Leite: ‘No caso específico das . sociedades por cotas de responsabilidade limitada, a permissibilidade da sociedade uniussociidecorrè do recurso subsidiário ou supletivo ao art. 206,I, letra d, da Lei das Sociedades Anônimas (n. 6.404), ao dizer que se dissolve a companhia, de pleno direito, pela existência de um único acionista, verificada em Assembléia-Geral Ordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até a Assembléia do ano seguinte [...]. Ocorre que, neste caso, não ficará a sociedade com apenas um sócio, por qualquer lapso de tempo, uma vez que 0 apelante se propõe a admitir outro, até mesmo antes da saída

388 SOCIEDADE ANÔNIMA

da apelada, e sem prejuízo da apuração de seus haveres. Não vejo, pois, como não admitir a saída da apelada, com o recebimento de seus haveres, sem a dissolução da sociedade, tanto que os estatutos de tais sociedades, em sua maioria, admitem a apuração de haveres para pagamento, a herdeiros, de sócio falecido, sem ai dissolução da sociedade. E assim decidiu o STF no RE n. 104.596 [RTJ114/851). Com lastro, pois, na doutrina e jurisprudência (veja, ainda, TJMG, Ap. n. 73.323, 74631; STJ, in verbis. - ‘Processual Civil - Recurso Especial - Dissolução de Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada - Lei n. 6.404/76, art. 206,1, d,’ c.c. art. 18, do Decreto n. 3.708/19. Dissolução parcial da sociedade, garantindo-se ao sócio remanescente, quan­do constituída por apenas dois sócios, dentro do prazo de um ano, recompor a empresa, com admissão de outro sócio cotista e/ou, ainda, que como firma individual, sob pena de dissolução de pleno direito; assegurando-se ao sócio dissidente o recebimento dos haveres que lhe são devidos [...] e REsp. n. 387, do STJ, Rel. Min. Waldemar Zweiter), dou provimento parcial à apelação, para que se proceda à dissolução parcial da sociedade, com apuração dos haveres da apelada, sem prejuízo da continuidade da empresa’.”

Juiz José Marrara: “Cuida-se de uma ação de dissolução parcial de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, composta apenas de ma­rido e mulher, com regular tramitação processual, dando a sentença pela dissolução da sociedade, face ao desaparecimento da qffectio societatis, decor­rendo daí a apelação e contra-razões [...]. O que, na verdade, retratam os autos é a velha questão de que, sendo a sociedade composta de apenas dois sócios, com a saída de um deles, terá ela de ser dissolvida e liquidada ou se ela pode continuar a existir com a pessoa de sócio remanescente, apurando-se apenas os haveres do sócio retirante. A questão foi, primitivamente, muito debatida, chegando a predominar o entendimento de que teria ela de ser dissolvida e liquidada, na medida em que não se concebia, à luz do Direito Empresarial, sociedade apenas com uma pessoa, 0 que seria contradictio in terminis. Mas o Direito Comercial evoluiu, para receber a aragem dos novos ventos que as novas realidades sociais, comerciais e econômicas sopravam e foi, assim, evoluindo para 0 firme entendimento de que deve predominar, tanto quanto possível, a sociedade comercial, facultando-se, num caso de sociedade de dois sócios, que, com a saída de um deles, perdure a sociedade, apurando-se apenas os haveres do sócio dissidente. Dentro, pois, desta nova aragem do Direito Comercial, é plenamente sustentável a tese de que, com a saída de um sócio, a sociedade continue com 0 remanescente, devendo-se apenas apurar os haveres do sócio retirante, 0 que constitui hoje matéria tranqüila, com parcas dissensões, tanto na doutrina quanto na jurisprudência”.

OUTROS ASSUNTOS 3 8 9

4. SUBSIDIÁRIA INTEGRAL

A companhia constituída mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira (art. 251), chama-se subsidiária integral. Uma companhia já existente pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de tódas as suas ações (art. 251, § 20). A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra compa­nhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à aprovação das duas companhias, mediante protocolo e justificação (art. 252).

Ao consagrar a subsidiária integral, a legislação deu um passo definitivo na caminhada para a adoção mais ampla da sociedade unipessoal de responsabili­dade limitada entre nós. A subsidiária integral possui personalidade própria, que não se confunde com a personalidade de sua acionista única. O patrimônio da subsidiária integral não se confunde com o patrimônio de sua acionista única. O patrimônio da subsidiária integral acha-se afetado ao objeto desta. A mesma idéia de patrimônio afetado à atividade empresarial pode ser emprega­da para a consagração definitiva da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada entre nós. O empresário individual constituiria, então, sociedade unipessoal, afetando à sua atividade empresarial uma parcela destacada do seu patrimônio individual. Os bens assim afetados passariam a constituir 0 patrimônio destacado, garantia para os credores da sua atividade empresarial.

Aplicam-se à acionista única da subsidiária integral todas as normas sobre deveres e responsabilidade do acionista controlador.

5. EMPRESA PÚBLICA

O art. 5o, II, do Decreto-lei n. 200, de 25.2.1967, definia a empresa pública como “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito”. Posteriormente, o art. 50 do Decreto-lei n. 900, de 29.9.1969, dispôs o seguinte: “Desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, será admitida, no capital da Empresa Pública [...] a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da Administração indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios”.

Com base nesses dispositivos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro formula a seguinte definição: “empresa pública é pessoa jurídica de direito privado com capital inteiramente público (com possibilidade de participação das entidades

390 SOCIEDADE ANÔNIMA

da administração indireta) e organização sob qualquer das formas admitidas em direito” (Di Pietro, 1993).

Adotando a forma de sociedade anônima, a empresa pública sujeita-se a todas as normas da Lei n. 6.404/76, com eventuais derrogações estabelecidas pelo Direito Público e, especialmente, pelo Direito Administrativo.

Como se pode perceber pela conjugação dos preceitos legais acima citados, a empresa pública pode existir sob a forma de sociedade anônima unipessoal.

6. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Sociedade de economia mista é “pessoa jurídica de direito privado, em que há conjugação de capital público e privado, participação do poder público na gestão e organização sob forma de sociedade anônima, com as derrogações estabelecidas pelo direito público e pela própria Lei dás SA (Lei n. 6.404, de 15.12.1976); executam atividades econômicas, algumas delas próprias da iniciativa privada (com sujeição ao art. 173 da Constituição) e outras assu­midas pelo Estado como serviços públicos (com sujeição ao art. 175 da Constituição)” (Di Pietro, 1993).

A constituição de companhia de economia mista depende de prévia autorização legislativa (art. 236).

A companhia mista terá, obrigatoriamente, conselho de administração, assegurado à minoria 0 direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo (art. 239).

Os deveres e responsabilidades dos administradores das companhias de economia mista são os mesmos dos administradores das companhias abertas (art. 239, parágrafo único).

A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades de acionista controlador, mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação (art. 238).

6.1. Nota sobre a falência da sociedade de economia mista

A redação original da Lei n. 6.404/76 dispunha o seguinte: “Art. 242 - As companhias de economia mista não estão sujeitas à falência, mas os seus bens são penhoráveis e executáveis, e a pessoa jurídica que a controla respon­de, subsidiariamente, pelas suas obrigações”.

Esse artigo foi revogado pela Lei n. 10.303, de 31.10.2001.Discorrendo sobre essa revogação, em dissertação de Mestrado defendida

na Faculdade de Direito da UFMG, Tácio Muzzi Carvalho e Carneiro chega às seguintes conclusões ponderáveis: [...] “9. Analisando a revogação do art. 242,

OUTROS ASSUNTOS 391

da Lei 6.404/76, pelo art. 10, da Lei 10.303/2001, percebe-se que esta foi realizada de forma precipitada e simplista; [...] 12. Assim sendo, o eventual requerimento de falência de sociedade de economia mista demandará um acurado exame da situação por parte do juiz falimentar. 13. Entende-se que o julgamento do pleito não se deve restringir à constatação da ocorrência das hipóteses desencadeadoras da falência, previstas nos artigos Io e 2° do Decreto- Lei 7.661/45. Mostra-se necessária a harmonização desses artigos com os pre­ceitos constitucionais atinentes à atuação direta do Estado no domínio econô­mico, sobretudo nos artigos 173 e 175 da Carta Constitucional de 1988.14. Dessa forma, caso 0 juiz falimentar vislumbre que a existência da sociedade de econo­mia mista se faz necessária para o atendimento do interesse público, impõe-se a denegação do pedido de falência; [...]” (Carvalho e Carneiro, Inédito: 70/71).

Atualmente, a Lei de Falências de 2005 dispõe o seguinte: “Art. 2Q Esta Lei não se aplica a: I - empresa pública e sociedade de economia mista; [...].”

É possível que algum dia, talvez, essa oscilação pendular encontre um ponto de equilíbrio: que a lei de falências não se aplique às companhias mistas prestadoras de serviço público, mas que se aplique àquelas com atuação exclusivamente na produção para o mercado.

7. GRUPOS E CONSÓRCIOS

“A Lei n. 6.404/76, depois de regular, até 0 Capítulo XIX, as companhias como unidades empresariais distintas, disciplina, nos Capítulos XX a XXII, novas realidades: as sociedades coligadas e 0 grupo de sociedades. No seu processo de expansão, a grande empresa levou à criação de constelações de sociedades coligadas, controladoras e controladas, ou grupadas - o que reclama normas específicas que redefinam, no interior desses grupamentos, os direitos das minorias, as responsabilidades dos administradores e as garantias dos credores. Para isso - e em forma tentativa a ser corrigida pelas necessidades que a prática vier a evidenciar -[...] distingue duas espécies de relacionamen­to entre as sociedades, quais sejam:

a) sociedades coligadas, controladoras e controladas, que mantêm entre , si relações societárias segundo o regime legal de sociedades isoladas e não se organizam em conjunto [...];

b) sociedades controladoras e controladas que, por convenção levada ao Registro de Comércio, passam a constituir grupos societários, com disciplina própria, prevista no cap. XXI” (Lamy Filho & Bulhões Pedreira, 1992).

“Completando 0 quadro das várias formas associativas de sociedades, [a Lei, nos arts. 278 e 279] regula o consórcio, como modalidade de sociedade não

392 SOCIEDADE ANÔNIMA

personificada que tem por objeto a execução de determinado empreendimento. Sem pretensão de inovar, apenas convalida, em termos nítidos, o que já [vinha] ocorrendo na prática, principalmente na execução de obras públicas e de gran­des projetos de investimento” (Lamy Filho & Bulhões Pedreira: 1992:251).

Mais de uma vez, Alfredo Lamy Filho teve oportunidade de enfatizar que, “disciplinando matéria nova, como o grupo de sociedades, o Projeto procurou dar-lhe uma disciplina original [...]. Trata-se, a rigor, de uma cons­trução experimental, necessariamente pouco rígida, - e que só a prática poderá evidenciar os pontos que reclamarão correção” (Lobo, 1978).

Precisamente por tratar-se de “construção experimental”, o estudo dos grupos carece de maior profundidade, o que só se mostra possível em trabalhos monográficos especializados.

Neste Capítulo, limitar-nos-emos a fornecer um esboço de sistematização, com 0 objetivo de facilitar a iniciação ao estudo dos grupos, que deverá ser complementado com a leitura de monografias e artigos especializados. Com a finalidade apontada, apresenta-se a seguinte classificação:

. > “ GruposDe fato: • Sociedades coligadas, controladoras

e controladas (Cap. XX)De direito: • Grupos de sociedades (Cap. XXI)

• Consórcio (Cap. XXII)

Sociedades coligadas, controladoras e controladas

São coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% ou mais, do capital da outra, sem controlá-la (art. 243, § i°).

Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por meio de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e 0 poder de eleger, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e 0 poder de eleger a maioria dos administradores (art. 243, § 20).

Em princípio, é vedada a participação recíproca entre a companhia e suas coligadas ou controladoras (art. 244).

Grupos de sociedades

A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos do Capítulo XXI, grupo de sociedades, mediante convenção, pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. A socie-

OUTROS ASSUNTOS 393

dade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira e exercer, direta ou indiretamente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas (art. 265 e § i°). O grupo de sociedades terá designação de que constarão as palavras “grupo de sociedades” ou “grupo” (art. 267). O “grupo de sociedades” ou “grupo” deve, pois, ser formalmente constituído, e registrado, ■ com publicidade. Nesse tipo de grupo, nota-se a subordinação das contro­ladas à controladora.

Questão a desafiar a argúcia dos juristas e julgadores é a do chamado “sócio externo” e, mais precisamente, a do “acionista minoritário externo”. Segundo José Miguel Embid Irujo, “sócio externo” vem a ser o sócio minoritário das sociedades (dependentes) integradas no grupo: é 0 sócio da sócia da sociedade de sociedades (exceto a sócia dominante) (Irujo, 1987).

Aposição do acionista minoritário das sociedades dependentes integradas num grupo mostra-se particularmente vulnerável a situações de abuso de direito, desvio de poder e conflito de interesses.

Para melhor entender 0 que acaba de ser dito, leia com atenção o artigo abaixo:

A TRO CA DE RIQUEZAS ENTRE EMPRESAS DO MESMO GRUPOJairo Procianoy (Revista da AB AM EC , ano 12, fev. 1994)

Como dizer à gestão de um grupo econô­mico brasileiro que ele não deve fazer uma ótima política de economia fiscal? Ainda mais perante a voracidade cada vez maior do go­verno federal em aum entar os impostos dire­tos e indiretos?

Não! Não é possível contra-indicar 0 m e­lhor planejamento fiscal realizável para qual­quer em presa localizada no território nacional.

Nós, como analistas de investimentos, fica­ríamos muito tristes de ver a gestão de uma empresa, na qual recomendamos a realização da compra de suas ações, perder uma possi­bilidade de reduzir para si e para seus acionis­tas a carga tributária incidente.

A economia fiscal não nos preocupa. Muito antes, pelo contrário, somos fortemente favo­ráveis à sua existência. Quanto maior for mai­or será a riqueza dos acionistas.

M as se exam inarm os com maior deta­lhamento um a característica muito singular

do m ercado de capitais brasileiro, a existên-, cia de grupos econômicos com mais do que uma com panhia cujas ações são negociadas em bolsa de valores, podemos nos deparar com um dilem a que m erece um a reflexão mais profunda.

Ao retirarmos da lista de empresas com re­gistro para negociação na Bolsa de Valores de São Paulo as instituições financeiras e as em ­presas com controle estatal ficamos com um grupo de 493 empresas, das quais 144 fazem parte de 48 distintos grupos econômicos. Como podemos ver, a existência de grupos econômi­cos no cenário nacional é muito forte. ~

O efeito grupo econômico não é virtude única e exclusiva do Brasil. Podemos encon­trar este fenômeno no Japão e na Europa Continental. Os modelos japoneses e euro­peus continentais são caracterizados pela existência de um banco como líder da gestão das em presas. O papel reservado para estas instituições financeiras é de acionista e de

394 SOCIEDADE ANÔNIMA

emprestador de recursos, cabendo a ele exe­cutar o monitoramento da gestão das empre­sas individuais ou mesmo o salvamento de alguma quando isto se fizer necessário.

No Brasil, entretanto, devido a regulamen­tação do Banco Central, não é possível a uma instituição financeira exercer os dois papéis, o de acionista e emprestador de recursos, na relação com uma empresa não financeira.

Para nós, analistas de investimento, não cabe, ao menos neste momento, discutir a comparação entre os diversos modelos de mercado de capitais, nem se a regulamenta­ção do Banco Central está correta ou não. Cabe, sim discutir quais seriam as causas e os efeitos que a existência de mais de uma com­panhia aberta em um mesmo grupo econômi­co pode ter sobre o preço de suas ações.

Poderíamos citar, como causas básicas da abertura de capital de uma segunda empresa em um grupo econômico, a necessidade de recursos para crescimento ou o desejo de fa­zer uma redução do risco financeiro. Isto acon­tece quando na empresa originalmente aberta não existem condições de uma captação adi­cional de recursos. Seja pela possibilidade da perda de controle acionário através de esgota­mento do limite de emissão de preferenciais ou pela precária situação econômico-financei- ra, naquele momento, da empresa já aberta, o empresário busca junto ao mercado de capi­tais um banqueiro que viabilize a operação desejada. Nós, analistas, permitimos a execu­ção deste processo ao analisarmos a opera­ção em questão e darmos o nosso parecer favorável. Será que isto está certo?

Por outro lado, como poderíamos negar? A existência de grupos econômicos com mais de uma companhia aberta é uma realidade do mercado de capitais brasileiro.

Cabe, sim, a nós, analistas, o trabalho mi­nucioso de verificar a qualidade da gestão do grupo e saber se existe a possibilidade de que os acionistas minoritários de uma das empre­sas, em não sendo iguais aos de outra, sejam prejudicados com a realização de um eficiente

p lanejam ento tributário ou com a sim ples transferência de riqueza de um a em presa para outra.

O simples fato de um controlador possuir posições acionárias diferentes nas diversas companhias abertas de seu grupo econômico já seria incentivo suficiente para que os m e­lhores projetos sejam realizados por uma e não por outra. Poderíamos verificar tal tipo de procedimento na gestão do endividamento, onde os financiamentos de menor custo seri­am alocados em uma das empresas e não na outra. Da mesma forma, a política de dividen­dos das duas empresas teria motivos para ser diferente entre ambas.

É muito importante lembrar que o controle acionário é bastante definido nas sociedades brasileiras, mas existe sempre a parte dinâmi­ca das disposições acionárias que podem ser alteradas com muita facilidade.

N ão convém apenas apontar a existência factual do possível conflito de interesses dos acionistas controladores e os seus m ino­ritários dentro dos grupos econômicos brasi­leiros, mas sim mostrar que atitudes devem ser tomadas.

O conflito, mesmo que potencial, irá ter um reflexo no preço das ações. As ações das companhias abertas pertencentes a estes gru­pos poderão sofrer uma redução nos seus preços com o uma reação por parte dos minoritários que exigirão maiores retornos em seus investimentos para compensar as possí­veis perdas.

Três soluções para este tipo de problema são possíveis: 1 - não deixar que os conflitos ocorram; 2 - exigir dados, por parte das em ­presas, que possibilitem avaliar e quantificar as eventuais conseqüências; e, 3 - realizar reorganizações societárias para voltar ao estágio original.

Muito pouco podemos fazer quando o em ­presário decidir abrir o capital de uma segun­da em presa dentro de seu grupo econômico. A nossa instituição poderá negar o pedido, mas, por certo outra aparecerá disposta a rea­

OUTROS ASSUNTOS 395

lizar a operação. Podemos, indicar a este em ­presário os pontos negativos da sua decisão e as conseqüências futuras para o preço de suas ações. Impedir será muito difícil.

Podemos verificar um exem plo bastante in­teressante que aconteceu no âm bito das privatizações brasileiras. O Bozano Simonsen possui posições acionárias na Usiminas, na Siderúrgica Tubarão e na Cosipa. Três em pre­sas com atividades muito similares e, portan­to, difícil de dizerm os da possibilidade de eventuais conflitos de interesses no momento da d e c is ã o d e um in v e s tim e n to para a melhoria da produtividade, por exem plo. Não somos profundos conhecedores das três em ­presas, nem tão pouco temos a intenção de sugerir que elas realizam de fatos decisões conflituosas, mas devem os concordar que o conflito em potencial existe e que as possíveis conseqüências sobre o preço das ações des­tas são uma realidade.

Será vantajoso para as em presas, seus controladores e seus acionistas minoritários o maior número de informações possíveis para que qualquer um a das possibilidades levanta­das anteriorm ente seja afastada definitiva­mente. A informação tem um custo. Se para eliminar as possibilidades de conflito de inte­resses os analistas de investimentos têm que incorrer neste custo adicional, eles desejarão recuperar os seus valores investidos com maiores rentabilidades esperadas nos investi­mentos. Desta forma, mais um a vez verifica­mos que os preços das ações tenderão a cair.

A em presa deve fornecer as informações, não aquelas exigidas pela C VM , mas as que façam as suas ações não sofrerem as even­tuais perdas decorrentes da percepção do po­tenciais conflitos de interesses. A informação possibilitará o melhor monitoramento e uma avaliação correta dos preços justos das ações negociadas nas bolsas de valores por parte dos analistas de investimentos, além do contí­nuo crescimento da em presa. O controlador terá os benefícios imediatos da informação boa, bem dada e disponível ao m enor custo possível aos analistas e investidores.

As reorganizações societárias têm reali­zado seus objetivos ao perm itirem que os grupos econôm icos se tornem organizações com som ente um a com panhia aberta cujas ações sejam negociadas em bolsas de valo­res. Assim, os potenciais conflitos de interes­ses entre os distintos acionistas localizados nas diversas em presas de capital aberto do m e sm o gru p o e c o n ô m ico e o ac io n is ta controlador desapareçam .

Exemplos são bastante claros. Podemos ver o grupo Rossi, fabricante de armamentos, em que a Fundirossi, subsidiária da Rossi S/A, teve o seu capital social recom prado pela controladora e o seu conseqüente fechamento de capital. Outro exemplo bem sucedido foi o fechamento do capital da Nativa, subsidiária da Trafo, fabricante de transformadores elétricos.

Uma operação mais sofisticada, realizada pelo grupo Randon, onde através de um a per- muta de ações, a Randon e a Rodoviária fe­charam o seu capital e a Random Participa­ções passou a ser a companhia holding do grupo cujas ações são negociadas em bolsa de valores. Vale lembrar que neste caso, mais claro que os demais, a valorização do preço das ações, após a permuta realizada, foi muito grande. Antes da operação a Random e a Rodoviária estavam cotadas a 60% e 40% dos respectivos valores patrimoniais. Após a per­muta, am bas foram cotadas a 75% do valor patrimonial da Random Participações e, neste momento (fev. 1994), estão a 88% deste valor.

Com o podem os ver, existe m aneira de reduzirmos ou até eliminarmos as fontes de conflito de interesses que resultam no menor preço das ações dos grupos econômicos bra­sileiros com mais de uma em presa aberta.. Estratégias outras, como comprar ações de uma em presa holding mais próxima do dono" ou ter posições acionárias em todas as empresas do grupo são paliativos e não a real solução.

Para resolvermos os potenciais conflitos de interesses devem os realizar uma profunda análise, mostrando aos gestores a importân­cia da informação qualificada ou a realização de reestruturações societárias.

396 SOCIEDADE ANÔNIMA

Consórcio

As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto no Capítulo XXII. O consórcio não tem personalidade jurídica e será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação do ativo permanente.

Compete ao conselho de administração autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo permanente - art. 142, VIII; na companhia que não possuir conselho de administração, a alienação de bens do ativo permanente competirá à assembléia-geral, se o estatuto não dispuser em contrário.

O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados na Junta Comercial do lugar de sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada. Neste tipo de grupo existe mera coordenação.

8. GOVERNANÇA CORPORATIVA

Para 0 verdadeiro filósofo, a ciência evolui no mesmo ritmo lento, inexorável e majestático da natureza. Ele contempla, maravilha-se, mas não se surpreende facilmente. A maiêutica socrática partia da convicção de que o conhecimento já existe adormecido ou esquecido no inconsciente coletivo.

Para 0 cientista, absorto na sua ciência, cada tomada de consciência surpreende como algo novo e original. Nem sempre ele percebe que simples­mente conseguiu enxergar o óbvio1; deslumbra-se com velhas idéias adorme­cidas ou esquecidas e as renomeia com palavras novas ou meramente diferentes. Isso acontece freqüentemente em todas as áreas do conhecimento. Na Psico­logia, velhas idéias de Piaget ressurgiram com as novas roupagens da inteli­gência emocional. No Direito, a compreensão mais acurada e a visão mais clarividente da noção jurídica de personalidade a fez ressurgir com o nome de “cidadania”.

O vocábulo “governança”, em língua portuguesa, é tão antigo2 quanto feio atualmente. A palavra “corporativa” também antiga, possui hoje algumas

1 “Acreditamos no óbvio. Mas quando o examinamos um pouco mais de perto, vemos que por trás do que chamamos óbvio há uma porção de preconceitos, fé distorcida, crenças e assim por diante. Mas a fim de atingir e entender o óbvio, temos primeiro que nos agarrar ao óbvio, e esta é a maior dificuldade” (PERLS, Fritz. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1971, p. 183).

2 O dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0 consigna que a palavra “governança”, em vernáculo, data do séc. XV.

OUTROS ASSUNTOS 397

conotações antipáticas. Apesar disso, a expressão “governança corporativa” aparece com o charme especial de ser a tradução da grande “novidade desco­berta” por juristas norte-americanos, a “corporate govemance”.

Em bom vernáculo, poder-se-ia substituir a expressão “governança corporativa” por esta outra, mais elegante: “boa gestão societária”.

Boa gestão societária (= governança corporativa) nada mais é, em suma, que a correta aplicação da letra e do espírito da lei na gestão dos negócios societários. Essa correta aplicação baseia-se num antiqüíssimo princípio » hermenêutico: Scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac potestatem (saber leis não consiste apenas em conhecer as suas palavras, mas, sobretudo, a sua força, o seu poder (e o seu sentido)). Observe-se, de passagem, que uma boa gestão societária, mais que recomendável, é essencial em qualquer tipo societário, empresarial ou não.

A Lei n. 6.404/76 vem sofrendo um processo de mudança no decorrer do tempo. Revendo, em câmera lenta, 0 “filme” desse processo, constata-se que o legislador, presumivelmente bem intencionado, parece ter optado pelo método do ensaio-e-erro. Nada existe de errado com esse método, em si. Mas ele simplesmente não funciona adequadamente, se aplicado com açodamento. É necessário que o ensaio demore algum tempo para que se possa detectar o erro, confirmá-lo e corrigi-lo. Para tanto, seria melhor que se procurasse aguardar um pouco mais o efeito da “mutação [da lei] mediante interpreta­ção”, de que fala Machado-Horta.3

A retórica que sempre acompanha processo de mudanças na Lei das Sociedades por Ações, invariavelmente, apresenta como justificativa a preo­cupação com a proteção do acionista minoritário (não-controlador). Essa é uma preocupação saudável. O mercado de capitais e o mercado de valores mobiliários, em particular, erigem-se em valiosos mecanismos alavancadores do desenvolvimento econômico e social. Dependem enormemente dos inves­tidores. Pequenos investidores, aglutinados por meio do sistema de vasos comunicantes do mercado organizado, podem formar grandes volumes de recursos financeiros. Esses recursos, aplicados e bem administrados, podem gerar dividendos. E a eficiência do mercado poderia gerar o milagre da sociali­zação das riquezas dentro do regime capitalista. A eficiência do sistema pres­supõe bóa-fé e confiança.

Infelizmente, às vezes, no ensaio de mudanças na Lei das Sociedades por Ações, a modificação do texto costuma mostrar-se contraditória com a retórica

3 MACHADO-HORTA, Raul. Permanência, mutações e mudança constitucional. Estu­dos em homenagem ao Ministro Adhemar Ferreira Maciel. São Paulo: Saraiva,2001, p. 593-612.

398 SOCIEDADE ANÔNIMA

da sua justificativa. Nessa linha contraditória, a Lei n. 9.457/97, por exemplo, apresentou-se, para o acionista minoritário (não-controlador) como verda­deiro “cavalo de Tróia” ou como “lobo em pele de cordeiro”. A retórica justificadora daquela mudança invocava a proteção ao acionista minoritário (não-controlador). Mas, na verdade, a Lei n. 9.457/97 limitou-se a cumprir o seu objetivo principal: revogar o art. 254 e os §§ i° e 20 do art. 255, para facilitar o processo de alienação de controle das companhias estatais.

Apesar daquelas contradições entre a retórica e o conteúdo embutido no processo de mudança na Lei das Sociedades por Ações, nota-se uma preocu­pação do legislador, da doutrina e de agentes do mercado, com a sua eficácia.

Em livro publicado em 1994,4 analisei o texto original da Lei n. 6.404/76; confirmei a sua excelência; constatei que ele apresentava um bom esquema teórico-formal de proteção ao acionista minoritário (não-controlador); mas demonstrei as razões culturais e sociológicas que comprometiam a sua eficá­cia, mantendo ou acarretando, na prática, 0 desamparo do acionista minoritário (não-controlador). Em outro livro, publicado em 19895, eu já procurara investigar as razões culturais e sociológicas que comprometiam a eficácia das normas sobre responsabilidade civil dos administradores da sociedade anônima no Brasil.

Modernamente, a preocupação com a eficácia da lei das sociedades por ações revela-se numa espécie de Código de Ética ou numa Carta de Intenções que explicitam preceitos de boa “governança corporativa”.

Celso Barbi Filho consigna 0 seguinte, em artigo inédito, intitulado “A Nova Disciplina Legal do Acordo de Acionistas no Direito Brasileiro”: “o interesse na tutela jurídica das minorias com capacidade de investimento decorre de uma realidade econômica. Basta observar que o valor das ações em poder dos investidores institucionais, como fundos de pensão outros minoritários e capitalizados cresceu 203,5% nos últimos cinco anos em termos reais, conforme dados da Companhia Brasileira de Liquidações e Custódia da Bolsa de Valores {Jornal Gazeta Mercantil, 18 abr. 2001”. E “a propalada “governança corporativa” apresentou-se como uma exigência econômica, de efeitos societários, apta a justificar a revisão dos mecanismos de participação das minorias investidoras na vida das companhias, para dar-lhe mais efetividade”.

4 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. O acionista minoritário no Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1994.5 CORRÊA-LIMA Osmar Brina. Responsabilidade civil dos administradores de so­ciedade anônima. Rio de Janeiro: Aide, 1989.

OUTROS ASSUNTOS 399

Luciano Fialho de Pinho, em dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Direito da UFMG, chama a atenção para o enorme desequilíbrio gerado pelo esvaziamento de poderes da assembléia-geral, tendo em vista o caráter institucional das companhias abertas. E, em nota de rodapé, consignao seguinte: “a imposição de padrões de conduta e a fiscalização do seu exercí­cio pelo mercado e investidores é uma das propostas da ‘Governança Corporativa’, movimento originado nos EUA e na Europa e patrocinado prin­cipalmente pelos grandes fundos de pensão e fundos de investimento, que propõem um modelo de gestão que assegure aos sócios o ‘governo estratégico da empresa’ e a ‘efetiva monitoração da diretoria executiva’. Sugere[-se] que a implementação deste modelo se dê por meio do Conselho de Administração, representante dos acionistas, que terá o papel de estabelecer as estratégias, eleger a Diretoria, fiscalizar e avaliar o desempenho da gestão, arbitrar conflitos societários existentes, resguardar os interesses dos minoritários e dos stakeholders e escolher a auditoria independente. A Governança não visa a enfraquecer os poderes da administração, mas, reconhecendo a sua impor­tância, valoriza a necessidade do seu controle. Os ideários da Governança harmonizam-se, pois, com os conceitos de sociedade-instituição e com os princípios descritos no art. 154 da LSA”.

Aparentemente os próprios agentes do mercado se conscientizaram dos méritos da boa gestão societária (= governança corporativa) e da importância e força do acionista minoritário (não-controlador) para o desenvolvimento da economia nacional. Nessa linha, a Bolsa de Valores de São Paulo, num Regu­lamento de Listagem destinado a adesão voluntária, procurou fixar critérios de boa gestão societária (= “governança corporativa”6) classificando as companhias nacionais em dois níveis:

“A BOVESPA define como um conjunto de normas de conduta para empresas, administradores e controladores consideradas importantes para uma boa valorização das ações e outros ativos emitidos pela companhia. A adesão a essas práticas distingue a companhia como Nível 1 ou Nível 2, dependendo do grau de compromisso assumido pela empresa.

Here 1

COMPANHIA NÍVEL 1

As Companhias Nível 1 se comprometem, principalmente, com melhorias na prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária. Assim, as principais práticas agrupadas no Nível 1 são:

6 Tomando de empréstimo lição de Machado Horta (2001), poder-se-ia dizer que a governança corporativa é modalidade de mutação da lei mediante prática que não vulnera formalmente a Lei das Sociedades por Ações. Ao contrário, aprimora-a..

400 SOCIEDADE ANÔNIMA

• Manutenção em circulação de uma parcela mínima de açoes, repre­sentando 25% do capital;

• Realização de ofertas públicas de colocação de ações por meio de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital;

• Melhoria nas informações prestadas trimestralmente, entre as quais a exigência de consolidação e de revisão especial;

• Informar negociações de ativos e derivativos de emissão da compa­nhia por parte de acionistas controladores ou administradores da empresa;Divulgação de acordos de acionistas e programas de stock options-,

• Disponibilização de um calendário anual de eventos corporativos;• Apresentação das demonstrações do fluxo de caixa.

COMPANHIA NÍVEL 2

Para a classificação como Companhia Nível 2, além da aceitação das obrigações contidas no Nível 1, a empresa e seus controladores adotam um conjunto bem mais amplo de práticas de governança e de direitos adicionais para os acionistas minoritários. Resumidamente, os critérios de listagem de Companhias Nível 2 são:

• Conselho de Administração com mínimo de cinco membros e man­dato unificado de um ano;Disponibilização de balanço anual seguindo as normas do US GAAP7 ou IAS8;

• Extensão para todos os acionistas detentores de ações ordinárias das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia e de, no mínimo, 70% deste valor para os detentores de ações preferenciais;

• Direito de voto às ações preferenciais em algumas matérias, como transformação, incorporação, cisão e fusão da companhia e aprovação de contratos entre a companhia e empresas do mesmo grupo; Obrigatoriedade de realização de uma oferta de compra de todas as ações em circulação, pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação neste Nível; Adesão à Câmara de Arbitragem para resolução de conflitos societários.

7 US GAAP = Generally Accepted Accounting Principies in the United States (Pri ncí- pios de Contabilidade geralmente aceitos nos Estados Unidos).

8 IAS GAAP = International Accounting Standards (Padrões Internacionais de Conta­bilidade).

OUTROS ASSUNTOS 401

Todas essas regras estão consolidadas em um Regulamento de Listagem, cuja adesão é voluntária. Os compromissos assumidos pela companhia, seus controladores e seus administradores são firmados em contrato entre essas partes e a BOVESPA [...].”9

Resta-nos torcer para que a preocupação com a boa gestão societária (= governança corporativa) assome aos espíritos de todos os administradores de companhias, abertas ou fechadas...

9. A FALÊNCIA EA EXTINÇÃO DA COMPANHIA

A falência não extingue a personalidade jurídica da companhia.O artigo 206, II, b

Art. 206. Dissolve-se a compànhia:[•••]II - por decisão judicial:[-]c) em caso de falência, na forma prescrita na respectiva lei [na Lei de Falências (Decreto-lei n. 7.661/45)].[•••].

A falência é processo de execução judicial coletiva contra devedor comer­ciante insolvente. Declarada a falência, inicia-se a fase da liquidação judicial, com a realização do ativo e a solução do passivo. Durante toda a fase da liquidação a companhia falida mantém a sua personalidade jurídica.

O artigo 219,1

Art. 219. Extingue-se a companhiaI - pelo encerramento da liquidação;[•••].

O art. 19,1, fixa uma regra geral. Contudo, o encerramento da liquidação, na falência, não extingue a personalidade jurídica da sociedade empresarial.

Na hipótese de dissolução da companhia provocada por falência (art. 206,II, b), com o encerramento da liquidação, só poderá ser julgada extinta a personalidade jurídica depois de julgadas extintas todas as obrigações da falida, com a integral satisfação dos credores. Enquanto não julgadas extintas todas as obrigações da companhia falida, não se extinguirá a sua personalidade. A companhia ficará simplesmente desativada por prazo determinado.

9 Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/cias_niveisdif.htm>. Acessado em: 11.1.2005.

402 SOCIEDADE ANÔNIMA

Os arts. 13410 e 135,11III e IV, da Lei de Falências deixam claro que as obrigações do falido não se extinguem com o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Ora, hão se pode conceber obrigação que não tenha uma pessoa (um sujeito de direito) por ela responsável. A personalidade jurídica da sociedade comercial não se extingue, pois, necessariamente, com o encerramento da liquidação na falência.

Examine, a propósito, 0 quadro a seguir:

Sentença declaratória de falência Efeito: dissolve-se a companhia, que mantém a sua personalidade jurídica.

IProcesso falimentar (= liquidação judicial).

A companhia mantém a sua personalidade jurídica.II

Trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência Efeitcr. recomeça a correr a prescrição relativa às obrigações

remanescentes da companhia falida (art. 134).Não existe obrigação sem sujeito. Logo, a companhia mantém

a sua personalidade jurídica,

dPrescrição ou extinção de todas as obrigações da companhia falida.

Sentença declaratória da extinção de todas as obrigações da companhia falida. Efeitcr. a companhia pode ser declarada extinta ou pode voltar a exercer a atividade

empresarial (Lei de Falências, art. 138).12

10 Decreto-lei n. 7.661, de 21.6.1945 (Lei de Falências), Título IX - Da Extinção das Obrigações (artigos 134 a 138): Art.134. A prescrição relativa às obrigações do falido recomeça a correr no dia em que passar em julgado a sentença de encerra­mento da falência.

“ Decreto-lei n. 7.661, de 21.6.1945 (Lei de Falências), Título IX - Da Extinção das Obrigações (artigos 134 a 138): Art. 135. Extingue as obrigações do falido: I - 0 pagamento, sendo permitida a novação dos créditos com garantia real; II - 0 rateio de mais de 40% (quarenta por cento), depois de realizado todo o ativo, sendo facultado o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem, se para tanto não bastou a integral liquidação da massa; III - o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado a partir do encerramento da falência, se o falido, ou o sócio-gerente da sociedade falida, não tiver sido condenado por crime falimentar; IV - o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado a partir do encerramento da falência, se o falido, ou o sócio-gerente da sociedade falida, tiver sido condenado a pena de detenção por crime falimentar.

12 Decreto-lei n. 7.661, de 21.6.1945 (Lei de Falências), Título IX - Da Extinção das Obrigações (arts. 134 a 138): Art. 138. Com a sentença declaratória da extinção de suas obrigações, fica autorizado o falido a exercer o comércio, salvo se tiver sido condenado ou estiver respondendo a processo por crime falimentar, caso em que se observará 0 disposto no art. 197.

Ca p ít u l o 17

A ç õ e s e p r a z o s d e p r e s c r iç ã o

1. A NULIDADE NO DIREITO COMUM E NO DIREITOSOCIETÁRIO

A matéria disciplinada no Capítulo XXIV da Lei é eminentemente pro­cessual. Ela é “inçáda de dificuldades” (Batalha, 1977) e deita raízes na Teoria Geral do Direito Privado. Segundo os autores intelectuais do Projeto no qual se transformou a Lei n. 6.404/76, em matéria de prazos de prescrição, obser- vou-se a orientação adotada no Projeto de Código Civil [de 1916] (Lamy Filho & Bulhões Pedreira, 1992).

Antes de prosseguirmos, vale a pena ler 0 seguinte resumo:“As legislações não têm disciplinado, com perfeição, a teoria das nulida-

des [...]; a doutrina não conseguiu ainda assentar com exatidão e uniformida­de as suas linhas mestras[...]; a matéria é muito obscurecida, carece de boa exposição dogmática, e reina acentuada desarmonia entre os escritores [...]; a terminologia [...] é algo desencontrada e imprecisa [...]; coube ao direito moderno elaborar a sua doutrina [...]. Coube [...] ao direito moderno introdu­zir um conceito novo, o dos atos inexistentes [...]; um menos cuidado emprego da terminologia suscita insegurança quanto à caracterização da nulidade e da anulabilidade ou às ações respectivas. O Código Civil brasileiro [de 1916] levou em boa conta os conceitos e procurou fixar a distinção entre uns e outros, mas não logrou fugir à confusão dominante, e mencionou, uns por outros, casos de nulidade e anulabilidade. Não cogitou, entretanto, dos inexistentes, cuja aceitação pela doutrina ainda se conserva nò plano das controvérsias, e assim procedeu com seus congêneres [...]. A validade do negócio jurídico é uma decorrência da emissão volitiva e sua submissão às determinações legais. São os extremos fundamentais para que a declaração de vontade se concretize no negócio jurídico [...]. Podemos assim resumir em esquema as noções, dizendo que a eficácia do negócio jurídico deflui de sua sujeição às normas legais [...]. Variando as determinações e exigências da lei,

404 SOCIEDADE ANÔNIMA

com elas varia o grau de ineficácia, que pode atingir à imperfeição, ou não, como pode abraçar a integridade do ato, ou apenas uma parte dele. Segundo estas oscilações, há três categorias de atos ineficazes [...]: nulidade, quando em grau mais sensível o ordenamento jurídico é ferido, sendo maior e, ipso facto, mais violenta, a reação; uma segunda, a anulabilidade, cuja estrutura se prende a uma desconformidade que a própria lei considera menos grave, motivadora de uma ação menos extrema; e a terceira, a inexistência, em que se verifica a ausência de elementos constitutivos do negócio jurídico, de tal forma que se não chega a formar [...]. É nulo o ato jurídico, quando, em razão do defeito grave que o atinge, não pode produzir o almejado efeito. É nulidade a sanção para ofensa à predeterminação legal [...]. Em razão de sua abrangência, e de defluir a nulidade de uma imposição da lei, é que ela se diz de pleno direito [pleno jure) ou absoluta [...]. No sistema do Código Civil [de 1916], o vocábulo nulidade já por si tem o sentido de absoluta, e é de pleno direito; a expressão nulidade relativa deve dar lugar à anulabilidade. Inspira­da no respeito à ordem pública, a lei encara o ato no seu tríplice aspecto, subjetivo, objetivo e formal (Código Civil [de 1916], art. 145), e assim consi­dera-o nulo quando praticado por pessoa absolutamente incapaz [...], quando for ilícito o seu objeto [...], quando não revestir a forma prescrita ou for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial à sua validade [...]. A nulidade é insuprível pelo juiz, seja de ofício, seja a requerimento de algum interessado. Nem pode o ato ser ratificado [...]. A doutrina tradicional tem sustentado que, além de insanável, a nulidade é imprescritível [...]: quod nullum estnullo lapsu temporis conualescerepotest[...]. Os modernos, en­tretanto, depois de assentar que a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção [...], admitem que entre o interesse social do resguardo à ordem legal, contido na vulnerabilidade do negócio jurídico, constituído com infração de norma de ordem pública, e a paz social, também procurada pelo ordenamento jurídico, sobreleva esta última, e deve ter-se como suscetível de prescrição a faculdade de atingir o ato nulo. Nosso direito positivo não desafina desta concepção [...]; o legislador brasileiro, em essência, enunciou a regra, segundo a qual nenhum direito sobrevive à inércia do titular, por tempo maior de 20 anos [...]. Não tem o mesmo alcance que a nulidade, nem traz o mesmo fundamento a anulabilidade do negócio jurídico. Nela se não vislumbra o interesse público, porém mera conveniência das partes [...]. 0 ato é imperfeito, mas não tão grave e profundamente afetado, como nos casos de nulidade, razão pela qual a lei oferece ao interessado a alternativa de pleitear a obtenção de sua ineficácia, ou deixar que os seus efeitos decorram normalmente, como se não houvesse irregularidade [...].

AÇOES E PRAZOS DE PRESCRIÇÃO 405

Diz-se em doutrina que a anulabilidade visa à proteção do consentimento ou refere-se à incapacidade do agente. Segundo o sistema codificado (Código Civil [de 1916], art. 147), têmo-la definida em razão da incapacidade relativa do agente, ou em decorrência de algum dos defeitos que inquinam o negócio (erro, dolo, coação, simulação ou fraude) [...]. O negócio jurídico anulável, por duas razões, convalesce, tómando-se eficaz. A primeira é o decurso do tempo que, extinguindo o direito de anulação, toma-o plenamente válido [...]. A segunda causa de convalescimento é a ratificação, que implica uma atitude inequívoca de quem tinha qualidade para atacá-lo, no sentido de atribuir-lhe validade, e efetiva-se mediante a repetição do próprio ato, ou reiteração da declaração de vontade, ou atitude inequívoca de validá-lo, o que de uma forma ou outra implica em renúncia ao seu desfazimento [...]. Seja [...] expressa ou tácita, a ratificação induz renúncia definitiva à faculdade de atacar0 ato [...]. O ato nulo de pleno direito é frustro nos seus resultados, nenhum efeito produzindo: quod nullum est nullumproducit effectum [...]. O decreto judicial de nulidade produz efeitos ex tunc, indo alcançar a declaração de vontade no momento mesmo da emissão [...]. O ato anulável, por não ser originário de tão grave defeito, produz as suas conseqüências, até que seja decretada a sua invalidade [...]. O negócio jurídico anulável tem eficácia plena, e produz os resultados queridos, condicionados ao não exercício do direito à invocação de sua ineficácia. A razão está em que, ao contrário da nulidade, que é de interesse público, e deve ser pronunciada mesmo exofficio, quando 0 juiz a encontrar provada, ao conhecer do ato ou de seus efeitos, a anulabilidade, por ser de interesse privado, não pode ser pronunciada senão a pedido da pessoa atingida, e a sentença produz efeitos ex nunc, respeitando as conseqüências geradas anteriormente...” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1961, v. í, cap. XXII, ns. 108-111).

O Código Civil distinguia e distingue atos jurídicos nulos e anuláveis.

Código Civil de 1916

Art. 145. É nulo o ato jurídico:I - Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz;II - Quando foi ilícito ou impossível o seu objeto;III - Quando não revestir a forma prescrita em lei;IV - Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.

Código Civil de 2002

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

406 SOCIEDADE ANÔNIMA

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;IV - não revestir a forma prescrita em lei;V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Código Civil de 1916

Art. 147. É anulável 0 ato jurídico:I - por incapacidade relativa do agente;II - por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude;[o ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiros. A ratificação retroage à data do ato].

Art. 148.0 ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro. A ratificação retroage à data do ato.

Código Civil de 2002

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável 0 negócio jurídico:I - por incapacidade relativa do agente;II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.[-]

Art. 182. Anulado 0 negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com 0 equivalente.

A nulidade pode ser, então:

absoluta e• relativa (anulabilidade)

A nulidade absoluta é insanável. A nulidade relativa (anulabilidade) é sanável.

Na via processual, a nulidade absoluta é declarada. A sentença judicial declara a nulidade absoluta e surte efeitos ex tunc (desde então), vale dizer,

AÇÕES E PRAZOS DE PRESCRIÇÃO 407

retroage, para atingir 0 ato jurídico no momento mesmo em que ele foi praticado. A sentença judicial decreta a nulidade relativa (anulabilidade) e surte efeitos exnunc (desde agora), isto é, não retroage: o ato jurídico anulado é reputado e válido até o momento do trânsito em julgado da sentença e, daí para a frente, perde a validade e eficácia.

A Lei n. 6.404/76, regra geral, não admite nulidades absolutas, embaralha o esquema acima e mistura os conceitos. Examine, por exemplo, o art. 286:

Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia- geral ou especial irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.

Em alguns casos concretos, a contagem do prazo prescricional a partir da deliberação poderá acarretar verdadeira iniqüidade. Nesses casos, uma linha jurisprudencial mais esclarecida e inteligente deveria sensibilizar-se e adotar como termo inicial desse prazo a data da publicação da ata da assem- bléia-geral, como preconiza Wilson de Souza Campos Batalha (Batalha, 1977).

A irregularidade de convocação da assembléia-geral, pelo esquema aci­ma, geraria uma nulidade absoluta (a lei prescreve a forma para a convocação da assembléia-geral no art. 124; e é nulo o ato jurídico que não se revestir da forma prescrita em lei - Código Civil de 1916, art. 145). No entanto, tal nulidade é tratada no art. 286 como relativa (anulabilidade) e sanável: não ajuizada a ação no prazo prescricional de dois anos, a contar da deliberação, reputa-se sanada a irregularidade da convocação.

Já 0 fato de a assembléia-geral se achar eivada de erro, dolo, fraude ou simulação, efetivamente, geraria a nulidade relativa (anulabilidade) e sanável.

Contudo, para ambas as hipóteses acima - tanto para a irregularidade de convocação quanto para os defeitos de vontade (erro, dolo, fraude ou simu­lação) - , os efeitos são os mesmos. Em ambas as hipóteses, a ação será a anulatória e, se não for ajuizada no prazo prescricional de dois anos, a contar da deliberação, a assembléia-geral reputar-se-á válida e perfeita. E, no entan­to, a sentença que decretar a nulidade relativa (anulabilidadè) surtirá efeitos ex tunc (desde então), vale dizer a deliberação assemblear será considerada nula a partir do momento mesmo em que foi tomada.

“A realização de assembléia-geral extraordinária com violação a disposi­tivos da Lei das Sociedades Anônimas implica nulidade absoluta do ato. A fração do capital social com .direito a voto deve estar presente, pelo menos no mínimo exigido” {RT566/166).

408 SOCIEDADE ANÔNIMA

Batalha preconiza que, embora o art. 286 diga que o prazo prescricional de dois anos se conta da deliberação, 0 preceito deve entender-se como se referindo à data da publicação da deliberação (Batalha, 1977). Esse entendi­mento mereceria prevalecer. O autor tem conhecimento de um caso, envol­vendo companhia fechada com poucos acionistas, no qual os controladores deixaram de arquivar a ata por pouco mais de dois anos, mantendo uma decisão majoritária numa espécie de segredo para depois, e mais tarde, em ação judicial contra a decisão, alegaram a prescrição. Em casos como este, o Poder Judiciário deve ficar atento e examinar cuidadosamente as circuns­tâncias fáticas, coibindo esse tipo de manobra. Embora 0 entendimento de Batalha mereça prevalecer, especialmente em algumas situações como a narrada, não se deve confiar nele. A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já deliberou que o prazo de prescrição se conta da realização da assembléia (Apelação cível n. 40.371-1 - Citação In: Revista de Jurisprudência do TJSPi^w^i)-

Quanto aos demais prazos prescricionais estabelecidos na lei, a clareza do texto dispensa maiores comentários. Para bom entendedor, pingo é letra...

2. FUNÇÃO DE AM ICUS CUR1AE DA COMISSÃO DE VALORESMOBILIÁRIOS

Nos processos judiciais que tenham por objeto matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de 15 dias a contar da intimação. A intimação far-se-á logo após a contestação, por mandado ou aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação. Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intima­da de todos os atos subseqüentes, pelo jornal oficial que publica expediente forense ou por carta com aviso de recebimento, se a ação correr em comarca diferente daquela da sede da CVM ou em comarca na qual aquela autarquia federal não tenha representação. À CVM é atribuída legitimidade para inter­por recursos, quando as partes não 0 fizerem. Nesta hipótese, o prazo para recurso começará a correr, independentemente de nova intimação, no dia imediato àquele em que findar o das partes (Lei n. 6.385, de 7.12.1976, art. 31, com a redação determinada pela Lei n. 6.616, de 16.12.1978).

Literalmente, amicuscuriae significa amigo da Corte ou do juízo. É uma espécie de assessor ou conselheiro que, voluntariamente, apresenta informa­ções sobre matéria de direito submetida à consideração judicial. Implica

AÇÕES E PRAZOS DE PRESCRIÇÃO 409

intervenção amigável do conselheiro (no caso, a CVM) para chamar a atenção do julgador para aspectos de direito que lhe possam passar despercebidos, acarretando 0 risco de um julgamento errôneo. É também uma pessoa que, embora sem direito de ação, é admitida a apresentar argumento, autoridade ou prova para defender seus interesses (Black, 1968).

Trata-se, como se percebe, de uma figura peculiar e suigenerís, que não se subsume perfeitamente em nenhuma das categorias do Direito Processual Civil brasileiro.

A lei brasileira toma imperativa a intimação da CVM nos processos que tenham por objeto matéria de sua competência. Mas aquela autarquia, uma vez intimada, poderá, ou não, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos.

Caso a CVM se manifeste, ela passa a atuar nos processos como uma espécie de assistente simples ou adesiva. Deve ser intimada de todos os atos subseqüentes do processo e pode recorrer.

No caso da assistência disciplinada no Código de Processo Civil, a intimação do assistente não é obrigatória. A intimação da CVM como cimicus curiaeé obrigatória.

Na assistência disciplinada no Código de Processo Civil, 0 interesse jurídico imediato do assistente é 0 de que a sentença seja favorável a uma das partes. O interesse jurídico imediato do amicus curiae acha-se acima dos interesses das partes. Seu interesse jurídico imediato coincide - ou deveria coincidir - com o do julgador: a correta aplicação da lei e o interesse público e maior de um mercado de valores mobiliários limpo e honesto.

Na assistência disciplinada pelo Código de Processo Civil, 0 assistente atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujei- tar-se-á aos mesmos ônus processuais do assistido. O amicus curiae atua como auxiliar do julgador. Logo, não se sujeita a ônus processuais.

A legitimidade para a CVM interpor recurso quando as partes não o fizerem não era prevista no texto original da Lei n. 6.385/76. Foi introduzida pela Lei n. 6.616, de 16.12.1978. Essa legitimidade para a CVM recorrer torna ainda mais peculiar a figura do amicus curiae.

Quanto à assistência disciplinada pelo Código de Processo Civil, existe controvérsia na jurisprudência, consistente em saber se o assistente pode recorrer contra a vontade do assistido. A CVM, como amica curiae, pode fazê-lo. Estará defendendo, então, imediatamente, aquele interesse público maior, acima referido, e apenas indireta e mediatamente 0 interesse do assistido. Nessa hipótese, contudo, quer-nos parecer que o eventual insucesso no recurso acarretará para a CVM o ônus dele decorrentes.

410 SOCIEDADE ANÔNIMA

3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DA­NOS CAUSADOS AOS INVESTIDORES NO MERCADO DE VA­LORES MORTUÁRIOS

A Lei n. 7.913, de 7.3.1989, dispõe sobre a ação civil pública de responsa­bilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliá­rios. Visa ela a proteger o interesse público, que se subsume na expressão “outros interesses difusos”, constante do art. 129, III, da Constituição Federal (“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - pro­mover 0 inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público, do meio ambiente, e outros interesses difusos e coletivos.”).

A legitimidade para a propositura da ação é do Ministério Público, que poderá agir exofficio ou por solicitação da CVM.

Paulo Fernando Campos Salles de Toledo (1991) entende que a respon­sabilidade civil disciplinada pela Lei n. 7.913/89 não é objetiva, nem subjetiva, e que 0 seu fundamento repousa numa presunção de culpa, com inversão do ônus da prova para os réus. 0 mesmo autor chama a atenção para as dificul­dades do processo estabelecido para a execução da sentença proferida com base na lei em tela, que tende a ser extremamente complexo e lento.

Ca p ítu lo 18

A p l ic a b il id a d e d a l e i d a s s o c ie d a d e s a n ô n im a s

A sociedade limitada acha-se disciplinada no Código Civil de 2002:

Parte Especial Livro II (Do Direito de Empresas)

Título II (Da Sociedade)Subtítulo II (Da Sociedade Personificada)

Capítulo IV (Da Sociedade Limitada): arts. 1.052 a 1.087.

Neste Capítulo, convencionemos denominar regulamento da sociedade limitada 0 plexo de dispositivos do Código Civil, concentrados ou dispersos, aplicáveis à sociedade limitada.

O art. 1.053 do Código Civil de 2002 dispõe o seguinte: “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato socialpoderáprever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima

Esse artigo é uma espécie de “divisor de águas”. Ele encerra, definitiva­mente, a longa e infindável controvérsia existente sobre 0 art. 18 do velho Decreto n. 3708, de 1919. A solução revela precisão cirúrgica.

Surgindo qualquer problema envolvendo a sociedade limitada, consulta-se, primeiramente 0 contrato social, que, obviamente, não pode dispor contra normas legais imperativas2.

1 Encontram-se em tramitação no Congresso Nacional dois projetos de lei para a alteração do art. 1.053, com as seguintes redações: “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade anônima. “ (PL 6960/02); e “Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo e do contrato social, pelas normas da sociedade anônima”. (PL 7160/02).

2 As normas legais podem ser imperativas ou meramente supletivas. No estudo da sociedade limitada, é muito importante saber distingui-las. O emprego do verbo

412 SOCIEDADE ANÔNIMA

Se a solução não for encontrada no contrato social, consulta-se, em seguida, o regulamento da sociedade limitada, no qual se insere o art. 1.053 do Código Civil.

Observe-se o quadro seguinte:

Problemas na sociedade limitada}• Consulta-se, primeiramente, 0 contrato social que, obviamente, não pode

dispor contrariamente ao previsto em normas legais imperativas.• Na omissão do contrato, consulta-se 0 regulamento da sociedade limitada,

que dispõe 0 seguinte no art. 1.053:Se, no contrato, se optou por regência supletiva pelas normas da sociedade anônima:consulta-se a Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404, de 1976).

Se, no contrato, não se optou por regên­cia supletiva pelas normas da sociedade anônima:consultam-se, sucessivamente:• as normas sobre a sociedade simples3; e• as normas sobre associações4.

“dever” é característico das normas imperativas. Elas são a regra no Direito Público e a exceção no Direito Privado. Eis dois exemplos de norma imperativa: i° exemplo: art. 983, Ia alínea: “A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regula­dos nos arts. 1.039 a 1.092” (a sociedade empresária não pode constituir-se segundo algum outro tipo não regulado nos arts. 1.039 a 1.092); 2° exemplo: § 20 do art. 1.055: “É vedada contribuição que consista em prestação de serviços” (o contrato da sociedade limitada não pode conter cláusula permitindo que a contribuição do cotista consista em prestação de serviços). Num eventual conflito entre o contrato e a no nua legal imperati­va, prevalece esta. O emprego do verbo “poder” é característico das normas supletivas. Elas são a regra no Direito Privado e a exceção no Direito Público. No Direito Privado, enfatiza-se 0 princípio da autonomia da vontade: as pessoas podem fazer e pactuai' tudo aquilo que não fira a lei, a ordem pública e os bons costumes. Eis dois exemplos de norma supletiva: i° exemplo: art. 983, 2a alínea: “a sociedade simples pode constituir-se de conformidade: com um desses tipos [os tipos previstos para a sociedade empresárial, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias” (uma sociedade simples pode, se quiser, constituir-se em conformidade com um dos tipos previstos para a sociedade empresária); 2° exemplo: Art. 1.057, caput “Art. 1.057. Na omissão do contra­to, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independente­mente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social [...]” (o que o art. 1057 dispõe sobre a cessão de cotas somente se aplica na omissão do contrato a respeito dessa matéria). Às vezes, a norma imperativa deixa margem para complementação pelo contrato. Exemplo: “Art 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: [...]” (o art. 1.071 enumera um rol de matérias específicas, que dependem, por imposição legal, de deliberação dos cotistas (norma imperativa); mas o contrato pode incluir nesse rol outras matérias (margem para complementação).

3 CÓDIGO: Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples [...].

4 CÓDIGO: Art. 44 [...] Parágrafo único. As disposições concernentes às associações aplicam-se, subsidiariamente, às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código, [intitulado Do Direito de Empresa].

APLICABILIDADE DA LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS 4 1 3

Hipótese teórica e praticamente remota

Imagine-se a seguinte hipótese teórica e praticamente remota.

1. Surge um problema envolvendo a sociedade limitada.2. Não se encontra a solução nem no contrato e nem no regulamento

da sociedade limitada3. O contrato prevê a regência supletiva das normas sobre a sociedade

anônima.4. Não se encontra a solução no regulamento da sociedade limitada.

Como solucionar esse problema?

A resposta é simples: - Depois de percorrido, sem sucesso, todo 0 itinerário acima, deve-se recorrer, sucessivamente: (i°) às normas sobre a sociedade simples; e (20) às normas sobre as associações.

E, se, ainda assim, não se encontrar a solução?

A resposta também é simples: - Recorre-se à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (Decreto-lei n. 4658, de 4 de setembro de 1942: “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”).

Uma leitura compreensiva e atenta do regulamento da sociedade limitada revela que ele, além de eminentemente burocrático, deixou em aberto muitas questões controvertidas, o que torna essa sociedade muito vulnerável em face de eventuais dissidências entre os sócios. A lei das sociedades por ações é tecnicamente muito melhor e reduz enormemente essa vulnerabilidade.

Além disso, a diferença entre 0 custo operacional da sociedade limitada e da sociedade anônima fechada ficou minimizada.

Por tudo isso, a opção pela regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima é mais recomendável.

Algumas conseqüências da opção contratual pela aplicação supletiva das normas da sociedade anônima

Existindo, no contrato. social de determinada sociedade limitada, a opção contratual pela aplicação supletiva das normas da sociedade anônima, nela pode ser aplicado, mutatis mutandis, tudo aquilo aplicável às compa­nhias fechadas5. Conseqüentemente, nessa sociedade, poderão ser

5 A companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários (Lei 6.404, de 1976, art. 40).

• , -* •

4 1 4 SOCIEDADE ANÔNIMA

adotados, por exemplo, o conselho de administração, o voto múltiplo, o acordo de cotistas, as cotas preferenciais6, o capital autorizado7, etc. E, se o contrato social previr qualquer uma dessas matérias, as questões envolvendo a sua aplicação deverão ser procuradas naquela mesma ordem de prioridade acima mencionada.

6 Na vigência do decreto n° 3.708, de 1919, já me manifestara sobre a possibilidade de cotas preferenciais (CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Cotas Preferenciais nas Sociedades por Cotas, de Responsabilidade Limitada. Revista dos Tribunais 664, 34-36, fev./içgi).

7 Quanto à sociedade limitada de capital autorizado, Otávio Vieira Barbi, em acuradoestudo, apresenta as seguintes conclusões: “... não existe óbice, na atual legislação brasileira, à adoção parcial do regime do capital autorizado, previsto no artigo 168 da Lei n° 6.404/76, pela sociedade limitada. Com efeito, em conformidade com o art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil de 2002, podem as sociedades limita­das adotar a regência supletiva pelas normas das sociedades anônimas que lhes sejam aplicáveis. E, aplicáveis às sociedades limitadas devem ser todas as normas das sociedades anônimas que não lhe contradigam o contrato ou a Lei, com exce­ção daquelas cuja finalidade seja possibilitar a captação de recursos no mercado, traço peculiar da sociedade anônima aberta. Explorando o conceito e a origem do capital autorizado nas sociedades anônimas, verificamos que se cuida de instituto com finalidade única de simplificar a operação do aumento de cápital, seja por simples transferência de recursos internos ou mesmo com aporte de recursos externos, dispensando a deliberação dos acionistas. Em razão disso é que con­cluímos ser o regime de capital autorizado, à exceção da possibilidade de exclusão do direito de preferência, aplicável às sociedades limitadas que adotarem a regên­cia supletiva da Lei das sociedades por ações. A adoção parcial do regime de capital autorizado pela sociedade limitada evitará qualquer entrave que possa surgir por ocasião do aumento, que, se não foi previamente autorizado, dependerá de aprova­ção de, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) do capital, de acordo com 0 novo Código Civil brasileiro" (BARBI, Otávio Vieira. “Pode a sociedade por quotas ter capital autorizado?”. Revista de Direito Mercantil, São Paulo: Malheiros, jan./ mar. 2003, vol. 129, p. 83). f -

Ca p ít u l o 19

D ir e it o p e n a l s o c ie t á r io

No decorrer deste livro, mencionaram-se, en passant, algumas normas penais.

Neste Capítulo, procuraremos sistematizar, de maneira tentativa, 0 que se poderia denominár Direito Penal Societário.

Existe todo um plexo de normas penais que extravasam o corpo do Código Penal brasileiro, espraiando-se por toda uma legislação esparsa. Leis possuímos, em profusão e abundância, às vezes repetitivas. Essa repetitividade traz como conseqüência sérios problemas de conflitos de lei no tempo.

A matéria encontra-se numa área interdisciplinar e pouco explorada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência brasileiras. Tem-se a impressão de que o legislador procura compensar a rarefação jurisprudencial com a multiplicidade das normas.

Este Capítulo limita-se a fornecer ao leitor um simples esboço, com 0 objetivo principal de estimulá-lo a efetuar novas pesquisas e, quiçá, publicar os resultados de seu estudo, dando a sua contribuição para a literatura jurídica brasileira.

A este passo, vale a pena recordar o princípio prevalecente em nosso Direito positivo, segundo o qual societas delinquere nonpotest.

“No mundo moderno, a atividade empresarial é sempre exercida através de uma pessoa jurídica, que tem personalidade jurídica própria, autônoma e independente da de seus sócios e administradores. Ocorre que, por não ter existência material, a pessoa jurídica não pode ir para a cadeia. Também não é possível pensar na responsabilização penal das pessoas jurídicas, com a penalização recaindo sobre seu representante legal, independentemente de sua participação" pessoal para a prática do delito. Somente o ser humano é capaz de delinqüir, e, em conseqüência, responder penalmente por seus atos. Todavia, conforme esclarece Celso Delmanto, ‘embora a pessoa jurídica não

416 SOCIEDADE ANÔNIMA

pratique crimes, estes, muitas vezes, são cometidos em seu nome. Evidente­mente, não se pode punir as pessoas físicas que a compõem por dela parti­ciparem, mas só pelos crimes que - em nome da pessoa jurídica - elas praticarem ou determinaram fossem cometidos” (Barbosa, 1993:43).

l. O ARTIGO 177 DO CÓDIGO PEN A L BRASILEIRO

Iniciaremos o nosso estudo pelo exame do art. 177 do Código Penal brasileiro. Tal artigo localiza-se, topicamente, na Parte Especial do Código Penal, no Título II (Dos Crimes contra 0 patrimônio), Capítulo VI (Do estelionato e outras fraudes), com a seguinte redação:

Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações

Art. 177. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:Pena - reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.§ i° Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:I - 0 diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta, fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo;II - o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;III - 0 diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia-geral;IV -* o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;V - o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade;VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;VII - o diretor ou gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;VIII - o liquidante, nos casos dos ns. I, II, III, IV e VIII;

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IX - o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos ns. I e II, ou dá falsa informação ao Governo.§ 2o Incorre na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia-geral.

Quanto ao crime previsto no caput do art. 177 do Código Penal, Nelson Hungria (1958:282) ensina que ele só se configura quando há informação conscientemente falsa ou intencional ocultação da verdade sobre fato preciso, de iniludível relevância. O elemento subjetivo do crime é a vontade e cons­ciência no sentido da afirmação falsa ou oculta da verdade (dolo genérico), para o fim de promover fundação de sociedade por ações (dolus specialis). Trata-se de crime fundamentalmente formal: basta, para sua consumação, 0 simples perigo de dano. Não é preciso sequer que ocorra subscrição de ações ou sobrevenha a constituição da sociedade. Ainda segundo Nelson Hungria, não é cabível a tentativa.

Todos os crimes tipificados no § i° do art. 177 do Código Penal revestem-se de caráter de subsidiariedade em relação aos crimes contra a economia popular, sujeitos a penalidades mais severas. As penas neles previstas só se aplicam “se o fato não constitui crime contra a economia popular”.

Os crimes dos incisos I e II do § i° do art. 177 também são puramente formais. É irrelevante para a consumação o advento de dano. Quanto ao tipo do inciso II, pode haver concurso com o crime de falsidade material ou ideológica. Assim, a apresentação de balanço intrinsecamente falso encerra dois crimes em concurso formal: o do art. 177, II, e o do art. 299 ou 303, todos do Código Penal (Hungria, 1958:288)

O inciso III do § 1° do art. 177 estabelece a sanção penal para o descumprimento do art. 154, § 20, e 155, letras a e b, da Lei n. 6.404/76 (é vedado ao administrador: a) praticar ato de liberalidade à custa da compa­nhia; b) sem prévia autorização da assembléia-geral ou do Conselho de Admi­nistração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito). O elemento subjetivo do crime é a vontade consci­entemente dirigida à arbitrária tomada de empréstimo ou ao uso arbitrário de bens ou haveres sociais com intuito de lucro. Não exclui o crime a aprovação ulterior ou ratificação da assembléia-geral (Hungria, 1958:289).

O crime definido no inciso IV estabelece a penalidade para o desrespeito ao art. 30 da Lei n. 6.404/76 (a companhia não poderá negociar com as próprias ações).

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0 crime tipificado no inciso V prevê a pena para o descumprimento do § 3° do art. 30 da Lei n. 6.404/76 (a companhia não poderá receber em garantia as próprias ações, salvo para assegurar a gestão dos seus administradores).

O crime do inciso VI refere-se ao art. 201 da Lei n. 6.404/76 (a compa­nhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reservas de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso de ações preferenciais de que trata o § 50 do art. 17 [da Lei n. 6.404/76]).

O crime previsto no inciso VII relaciona-se com o art. 134, §§ i° e 30 da Lei n. 6.404/76 (os administradores não poderão votar os documentos da administração na assembléia-geral ordinária; a aprovação, sem reserva das demonstrações financeiras e das contas, só exonera de responsabilidade os administradores e fiscais na falta de erro, dolo, fraude ou simulação).

O tipo previsto no § 2° do art. 177 do Código Penal correlaciona-se com 0 art. 118 da Lei n. 6.404/76 (os acordos de acionistas sobre o exercício do direito de voto deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede). O que a lei penal incrimina é a corrupção, caracterizada pelo intuito de lucro. “É irrelevante que 0 voto tenha sido improficuo, ou mesmo ainda que não tenha sido dado. O momento consumativo é o da negociação do voto, e o dolo se especifica pelo fim de lucro (‘obter vantagem para si ou para outrem’)” (Hungria, 1958:294).

2. CRIMES FALIMENTARES -DECRETO-LEI N. 11.101/05

A Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, considera crimes as seguintes ações, quando elas concorrerem com a falência1:

• praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conce­der a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credo­res, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem;

• elaborar escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;• omitir, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles

deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;• destruir, apagar ou corromper dados contábeis ou negociais armaze­

nados em computador ou sistema informatizado;• simular a composição do capital social;

1 Lei n. 11.101/2005: “Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recupera­ção judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei.”

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destruir, ocultar ou inutilizar, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios;manter ou movimentar recursos ou valores paralelamente à contabi­lidade exigida pela legislação;violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condu­ção do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira; divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem;sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no proces­so de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro 0 juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial; praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conce­der a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuí­zo dos demais;apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisi­ção por interposta pessoa;adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use; apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclama­ção falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado; exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos da Lei de Falências; adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administra­dor judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, 0 oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos;deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sen­tença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar 0 plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

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Na falência, na recuperação judicial e na recuperação extrajudicial de sociedades, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselhei­ros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os efeitos penais decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade.

3. CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - LEI N. 7.279/96

0 Código de Propriedade Industrial, no seu Título V, define os crimes contra as patentes, contra os desenhos industriais, contra as marcas, os crimes cometidos por meio de marca, título de estabelecimento e sinal de propaganda, os crimes contra indicações geográficas e demais indicações, os crimes de concorrência desleal.

4. CRIMES CONTRA A ECONOMIA POPULAR - LEI N. 1.521/51

A Lei n. 1.521, de 26.12.1951, define os crimes contra a economia popular. Entre eles, incluem-se os seguintes: dar indicações ou fazer afirmações falsas em prospectos ou anúncios, para fim de substituição, compra ou venda de títulos, ações ou quotas; exercer funções de direção, administração ou gerência de mais de uma empresa ou sociedade do mesmo ramo de indústria ou comércio com o fim de impedir ou eliminar a concorrência; gerir fraudulentamente bancos ou estabelecimentos bancários, ou de capitalização, sociedades de seguros, sociedades para empréstimos ou financiamento de construções ou venda de imóveis a prestações, socie­dades de economia coletiva; fraudar de qualquer modo escriturações, lançamentos, registros, relatórios, pareceres e outras informações devidas a sócios de sociedades em que o capital seja fracionado em ações com o fim de sonegar lucros, dividendos, percentagens, rateios ou bonificações, ou desfalcar ou desviar fundos de reserva ou reservas técnicas (Lei n. 1.521, art. 3o, itens VII a X - resumo).

5. LEIN. 4.595, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1964

- O art. 34 da Lei'n: 4.595/64 - Lei de Reforma Bancária - considera crimes, puníveis com um a quatro anos de reclusão: i°) a concessão, por instituições financeiras, de empréstimos ou adiantamentos a seus diretores e membros do conselho consultivo ou administrativo, fiscais e semelhantes, bem como aos respectivos cônjuges; 20) a quebra de sigilo sobre operações ativas e passivas e serviços prestados por instituição financeira.

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6. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL -LEI N. 7.492/86

A Lei n. 7.492, de 16.6.1986 (Lei do Colarinho Branco), define os crimes contra 0 sistema financeiro nacional.

7. LEI N. 4.728, DE 14 DE JULHO 1965

A Lei n. 4.728/65 - Lei de Mercado de Capitais - tipifica como crimes as seguintes condutas: fazer, imprimir ou fabricar ações de sociedades anônimas ou cautelas que as representem, sem autorização escrita e assinada pela representação legal da sociedade, com firmas reconhecidas; fazer, imprimir ou fabricar prospectos ou qualquer material de propaganda para venda de ações de sociedade anônima, sem autorização dada pela respectiva represen­tação legal da sociedade; colocar no mercado ações de sociedade anônima ou cautelas que a representem, falsas ou falsificadas; alienar, ou dar em garantia a terceiros, coisa que já alienada fiduciariamente em garantia.

8. CRIMES DE SONEGAÇÃO FISCAL - LEI N. 4.729/65

A Lei n. 4.729, de 14.7.1965, tipifica como crimes de sonegação fiscal as seguintes condutas: prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do paga­mento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei; inserir ele­mentos inexatos ou omitir rendimentos os operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exone­rar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública; fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o obje­tivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública; exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percen­tagem sobre parcela dedutível ou deduzida do Imposto sobre a Renda como incentivo fiscal.

9. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

A Lei n. 8.137, de 27.12.1990, considera crimes contra a ordem tributá­ria, com pena de reclusão de dois a cinco anos, e multa: suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessórios, mediante as seguintes

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condutas: omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; elaborar, distri­buir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou docu­mento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fomecê-la em desacordo com a legislação.

Constitui crime da mesma natureza, punível com detenção de seis meses a dois anos, e multa: deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição com incentivo fiscal; deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuto, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; utilizar ou divulgar programa de processamento de dados qüe permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

IO. CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA

A mesma Lei n. 8.137, de 27.12.1990, tipifica como crimes contra a ordem econômica, puníveis com pena de reclusão de dois a cinco anos, ou multa: i°) abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente; a concorrência mediante: ajuste ou acordo de empre­sas; aquisição de acervos de empresas ou cotas, ações, títulos ou direitos; coalizão, incorporação, fusão ou integração de empresas; concentração de ações, títulos, cotas, ou direitos em poder de empresa, empresas coligadas ou controladas ou pessoas físicas; cessação parcial ou total das atividades da empresa; impedimento a constituição, funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente; 2°) formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: à fixação de preços ou quantidades vendidas ou produzi­das; ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empre­sas; ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores; 30) discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência; 40) açambarcar,

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sonegar, destruir ou inutilizar bens de produção ou de consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência; 5o) provocar oscilação de preços em detrimento de empresa concorrente ou vendedor de matéria-prima, mediante ajuste ou acordo, ou por outro meio fraudulento; 6o) vender mercadorias abaixo do preço de custo, com 0 fim de impedir a concorrência; 70) elevar, sem justa causa, os preços de bens ou serviços, valendo-se de monopólio natural ou de fato.

Constitui crime da mesma natureza, punível com pena de detenção de dois a cinco anos, ou multa: exigir exclusividade de propaganda, transmissão ou difusão de publicidade, em detrimento da concorrência; subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço; sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada; recusar-se, sem justa causa, o diretor administrador ou gerente de empresa a prestar à autoridade competente ou prestá-la de modo inexato, informação sobre 0 custo de produção ou preço de venda.

Constitui, ainda, crime da mesma natureza, punível com detenção de um a quatro anos, ou multa: vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado ao fixado por órgão ou entidade governamental, e ao estabelecido em regime legal de con­trole; aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente; exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional (ágio) de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação.

li. CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO

Segundo a mesma Lei n. 8.137, de 27.12.1990, constitui crime contra as relações de consumo, punível com detenção de dois a cinco anos, ou multa: i°) favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores; 2°) vender ou expor mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial; 30) misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê-los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais

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para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os de mais alto custo; 40) fraudar preços por meio de: alteração sem modificação essen­cial de qualidade, de elementos tais como denominação, sinal externo, marca, embalagem, especificação técnica, descrição, volume, peso, pintura ou acaba­mento de bem ou serviço; divisão em partes de bem ou serviço, habitualmente oferecido à venda em conjunto; junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado; aviso de inclusão de insumo não empregado na produção do bem ou na prestação dos serviços; 50) elevar o valor cobrado nas vendas a prazo de bens ou serviços, mediante a exigência de comissão ou de taxa de juros ilegais; 6o) sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê- los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação; 70) induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade de bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação publicitária; 8o) destruir, inutilizar ou danificar matéria-prima ou mercadoria, com o fim de provocar alta de preço, em proveito próprio ou de terceiros; 90) vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo.

12. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE

“São muitos os diplomas e tipos penais nessa área: Lei n. 7.802/89 (Agrotóxicos), Lei n. 6.453/77 (Atividades Nucleares), Lei n. 5.197/67 (Caça e Pesca), Lei n. 4.771/65 (Contravenções Florestais), Lei n. 7.804/89 (Po­luição), Decreto-lei n. 221/67, Lei n. 7.643/87 e Lei n.7.679/88 (Pesca)” (Barbosa, 1993:55)-

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1. CONSIDERAÇÕES

A observação da realidade brasileira demonstra que a maioria de nossas companhias abertas caracteriza-se como sociedades familiares e intuitu personae. O controle acha-se concentrado nas mãos de pessoas de uma mesma família, de uma holding familiar e, não raro, de uma única pessoa física. Essa pessoa física, geralmente um selfm adem an, lidera e comanda as atividades empresariais com um toque personalíssimo, de maneira um tanto quanto autoritária e autocrática.

À medida que o “patriarca” vai envelhecendo, costuma esboçar-se uma certa insatisfação latente, decorrente, em parte, do conflito de valores que inspiram as diferentes gerações. Esse conflito, percebido e sentido de maneira difusa, permanece abafado, não claramente explicitado, dividindo as pessoas da família em grupos antagônicos e veladamente hostis. Esse conflito vai minando, aos poucos, as bases da affectio societatis.

Quando o patriarca finalmente se afasta ou morre, 0 conflito se explicita em disputas de poder ou em litígios sucessórios.

Com a divulgação da psicanálise, modernamente alguns empresários começaram a preocupar-se com esse estado de coisas. Contudo, da preocupação à ação vai uma distância que se origina no desconhecimento da psicanálise, passa pelo falta de habilidade técnica para lidar com 0 assunto e culmina na carência de especialistas em análise institucional ou empresarial.

Um trabalho preventivo eficaz depende, necessariamente, da ajuda externa de um profissional ou de uma equipe competente, que circule com facilidade pelas áreas jurídica e psicanalítica. Um excelente psicanalista precisará da ajuda do advogado, para avaliar as alternativas e conseqüências das soluções jurídicas apresentadas. Um excelente advogado precisará da ajuda do psicólogo ou do psicanalista para lidar com os problemas

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libidinais que inevitavelmente emergirão no processo de preparação para a sucessão na empresa.

Esse é um trabalho difícil, altamente especializado e, por isso mesmo, caro. O profissional atuando nesta área interdisciplinar, isoladamente ou em equipe, deverá estar preparado para encontrar e lidar com resistências, trans­ferências e contratransferências, aliar-se ao ego das pessoas envolvidas e apresentar alternativas claras, objetivas e racionais. O autor transcreve mais adiante, definições de “resistência”, “transferência” e “contratransferência” que obtiveram relativo consenso. Mas adverte: não basta compreendê-las; é necessário saber lidar com esses fenômenos.

Além disso, o profissional não pode pretender arvorar-se em árbitro do problema. Incumbe a ele otimizar as condições para que os próprios interes­sados decidam da maneira melhor e mais conveniente.

Pondere-se que a decisão de contratar esse tipo de serviço parte do controlador e que a eficácia do trabalho do profissional implicará certa demo­cratização da empresa. Freqüentemente, o controlador sente essa democrati­zação como perda de poder e resiste a ela. Por esta e outras razões, diz-se que a tarefa é difícil e ingrata. Muitas vezes, a alternativa que sobra é a da discórdia, com a venda, a dissolução ou a falência da sociedade ou, na melhor das hipóteses, uma cisão. Não raro, as pessoas preferem agir como porcos-espi- nhos: não podem afastar-se, porque sentem frio; não sabem aproximar-se sem se espetarem e ferirem mutuamente.

Definições de “resistência”, “transferência” e “contratransferência”

Resistência. “No decorrer do tratamento psicanalítico, dá-se o nome de resistência a tudo o que, nos atos e palavras do analisando, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente. Por extensão, Freud falou de resistência à psicanálise para designar uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que elas revelavam os desejos inconscientes e infligiam ao homem um ‘vexame psicológico’.”

Transferência-, “Designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente,’no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada...”.

Contratransferência-, “Conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e mais particularmente à transferência deste” (Laplanche; Pontalis, 1988).

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2. CASO TIGRE

Este caso ilustra o grau de tensão psicológica que se costuma encontrar em empresas familiares.1

IRMÃOS HANSEN BRIGAM NA JUSTIÇA(G azeta Mercantil. 10 out. 1994)

A Procuradora Ana Lúcia Hartmann, da Procuradoria da República de Santa Catarina, não tem previsão de quando deverá ser solu­cionado 0 caso que envolve os irmãos João Hansen Neto, presidente da Tubos e C one­xões Tigre, e Eliseth Hansen Batschauer. Há cerca de dez dias, Eliseth e seu advogado encam inharam um a representação criminal contra 0 Presidente da Tigre, afirmando que este, “desde muito tempo, vem causando da­nos ao erário público e ao fisco brasileiro, com a evasão de divisas para contas que mantém na Suíça e nos Estados Unidos, ao mesm o tempo lesando 0 patrimônio dos acionistas”.

D e acordo com a promotora, são mais de dois quilos de docum entos apresentados como provas que deverão ser analisadas pela Polícia Federal, que já recebeu determinação para instauração de inquérito sobre 0 caso.

João Hansen Neto, conduzido à presidên­cia da em presa após a morte de seu irmão, Carlos Roberto Hansen, afirma que a irmã não tem a m enor condição de tentar obter 0 con­trole acionário. “Ela tem apenas 0 ,0018% das ações, adquiridas recentemente, após mais de quatro anos de afastamento. Ao que pare­ce, os documentos que apresentou são mon­tagens. Tenho advogados trabalhando no caso”, disse. Eie revelou, no entanto, que for­malm ente não conhece 0 teor das acusações.

A promotora explicou que pediu a instaura-- ção de inquérito porque “realmente existem fortes indícios de evasão de divisas". “Mas tenho que tomar muito cuidado para que 0

Ministério Público e a Polícia Federal não se­jam usados numa questão m eram ente fam i­liar”. Hansen Neto garante que a irmã é a única dos 104 acionistas da em presa (holding fam iliar com 76% , Bradesco com 18% , e 0 restante com acionistas menores) que faz crí­ticas à sua administração.

“Estou promovendo um enxugam ento da em presa e, para isso, diminuí de 3,5 mil para 2 ,9 mil 0 número de em pregados. M as ao mesm o tempo temos projetos de investimentos da ordem de US$ 4 2 milhões para os próxi­mos cinco m eses”, argumentou. Em fax envia­do à redação deste jornal, Eliseth afirm a que desde 1988 conhecia os fatos - que agora denunciou ao Ministério Público - e que en­viou dezenas de correspondências à diretoria alertando e pedindo explicações, com uma rigorosa auditoria, 0 que nunca ocorreu.

Ela fala que 0 prejuízo aos acionistas é de “algumas dezenas de milhões de dólares”, e adianta que a ação cautelar e a Representa­ção Criminal resultarão, posteriormente, em ação indenizatória e de responsabilidade civil. Eliseth Hansen Batschauer faz críticas às de­cisões tom adas por seu irmão à frente da em ­presa, como a "demissão de toda a experiente e capaz diretoria que construiu a Tigre e 0 grupo Hansen". “Ele colocou-se como um úni­co diretor de uma em presa complexa e iniciou uma grande cortina de fumaça como m ega- benfeitor, logo após ter sido notificado para a Interpelação Judicial. É tudo muito estranho”, comentou.

1 Além dos casos reportados neste Capítulo, também ilustra a tensão existente numa companhia familiar o Caso Leblon, estudado no Capítulo 11.

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Posteriormente, a imprensa divulgou a seguinte “Nota de Esclareci­mento”:

A propósito das matérias veiculadas em “O Estado de São Paulo", edição do dia 7.10.1994 sob o título “Disputa pelo Controle da Tigre vai para a Justiça", no Jornal “O Globo” do mesmo dia com a chamada “Família Hansen briga pelo controle da Tigre” e na “G AZETA MERCANTIL” de 10.10.1994 sob o título “Irmãos Hansen bri­gam na Justiça", e por tais notícias não corresponderem de nenhum modo à realidade, os controladores da Tigre Participações S.A., e de Tubos e Conexões Tigre Ltda., vem esclare­cer seus acionistas, clientes, fornecedores e à comunidade em geral:

1. A sociedade fam iliar JHJ - Empreendi­mentos e Participações S .A ., na qual a sra. R osana M aria Fausto H an s en , v iúva de Carlos Hansen, tem 67% das ações ordiná­rias e João Hansen Neto os 33% restantes - , detém 73 ,10 % das ações da Tigre Partici­pações S.A ., que, som adas à participação do Bradesco - 16 ,31% - totaliza 89,41% e as se g u ra a essas e m p res as o controle inconteste, pacífico e harm ônico da em pre­sa e de sua controladora Tubos e Conexões Tigre Ltda.

2. Por essa razão não há qualquer disputa em torno do controle da Tigre Participações S.A. ou de sua controladora Tubos e Cone­xões Tigre Ltda.

3. Eliseth Hansen, que depois de casar- se com Luiz Batschauer passou a assinar Eliseth H ansen Batschauer, possui apenas0 ,001 8% das ações da Tigre Participações S.A ., correspondentes a 34 4 ações de um total de 18 .97 2 .6 26 em circulação, as quais adquiriu em 15 .10 .1991 , no m ercado, com o fito de pressionar os pais, e constrangê-los a doar-lhe mais ações. Em 1989, o casal João H ansen Júnior e Lilia H ansen, doou a seus filhos Carlos - então ainda vivo, Eliseth e João Neto, um sexto a cada qual, das ações

da JHJ - Em preendim entos e Participações S .A ., a título d e ad iantam en to de legítim a, contem plando, por essa form a, de m aneiro igualitária, a todos os filhos. Eliseth, entre­tanto, por decisão sua, exigiu dos pais e irmãos que a sua participação acionária fos­se adquirida pela com panhia, visando sepa­rar os seus bens, no que foi atendida. Agora, diante do esvaziam ento do seu patrimônio e por estarem suas em presas - ao que consta- em d if ic u ld a d e s , a lg u m a s d e la s em concordata, passou a exigir dos pais, sem o m enor apoio na m oral e no direito, que estes se despojem do seu patrim ônio e lhe entre­guem , incondicionalm ente, m ais bens. D e- satendida, adquiriu a minúscula participação de 0 ,0 0 1 8 % da Tigre Partic ipações S .A ., e passou a participar p raticam ente de todas a s assem bléias d a com panhia , onde procura de todas as form as tum ultuá-las, e onde faz as acusações m ais ab surdas inveríd icas contra seus irm ãos, C arlos - já falecido - e João Neto, num a conduta abusiva, pois não visa o interesse da em presa ou dos dem ais acionistas. Os pais, o irm ão e a cunhada - bem como os adm inistradores - lam entam profundam ente as atitudes precipitadas e in­justas de Eliseth Hansen Batschauer e res­ponderão a todos os atos e ações judiciais que ela diz haver proposto, na m edida em que venham a saber dos m esm os por cita­ção, notificação ou outra form a, confiantes de que a m elhor resposta a essas acusações descabidas será dada pelo Poder Judiciário.

4. É importante esclarecer que as infunda­das acusações em nada afetaram e nem afe­tarão as atividades da em presa, que continua seguindo as orientações dos controladores abaixo assinados e que atuam em perfeita harmonia. Joinville, 11 .10 .1994 . João Hansen Júnior. João H ansen Neto. R osane M aria Fausto Hansen.

COMPANHIAS FAMILIARES 429

Evidentemente, competirá ao Poder Judiciário decidir sobre cada um dos atos e ações judiciais aludidos nos textos acima.

Embutida na problemática jurídica, um olhar mais perspicaz percebe o complexo emaranhado de natureza psicológica. Um olhar menos perspicaz não deixa de pressenti-lo.

Até que ponto as dificuldades de natureza psicológica poderão, even­tualmente, influir no julgamento? Relembre-se o autor, neste ponto, do primeiro voto transcrito no caso Leblon (Capítulo 11), proferido em ação envolvendo mãe e filha.

Até que ponto a divulgação desse tipo de problema pelos órgãos de comunicação pode comprometer a imagem ou afetar o conceito das empresas envolvidas?

Até que ponto o recurso à imprensa denota descrédito no Poder Judiciário?

3. QUESTÕES

4. CASO SCHLOESSER

(Análise de uma reportagem jornalística)A Gazeta M ercantil de sexta-feira, dia 8, e fim-de-semana, 9 e

10.12.1995, publicou, na p. A-11, a notícia abaixo transcrita.As notas que se seguem foram inseridas pelo autor deste livro.Leia atentamente a notícia, sem olhar as notas do comentário. Em seguida,

releia o texto lendo as notas.

ACIONISTAS CONSEGUEM ANULAR ASSEM BLÉIA DA SCHLOESSERpor Ubirajara Alves

de Florianópolis

O juiz da primeira Vara de Brusque (SC ), José Carlos Carsten Kohler, anulou a assem ­bléia-geral e a eleição do atual Conselho de A d m in is tra ç ã o da C o m p a n h ia Indu stria l Schloesser S .A ., realizada em abril de 1993.(1) A sentença atende à ação movida pelos acionistas minoritários, que pleiteiam assento no conselho da companhia. A empresa, tercei­ra colocada entre as indústrias de fiação, tece­lagem e confecções, segundo a revista Balan­ço Anual, enfrenta disputas internas entre acionistas desde 1990. (2)

Em seu parecer, (3) 0 juiz considera que hou­ve “clara” desrespeito à legislação. Isso porque o grupo majoritário teria convocado uma assem­bléia sem notificar que nela seria realizada nova eleição do conselho, procedendo 0 pleito pelo sistema de voto majoritário, que não permite a participação dos acionistas minoritários. (4)

O voto múltiplo, que daria este direito, pre­cisaria ter sido solicitado 4 8 horas antes.

“Não havia como pleitear 0 voto múltiplo pela ausência de lapso de temporal”, escreveu

430 SOCIEDADE ANÔNIMA

o juiz. (5) Segundo o advogado Haroldo Pabst, tam bém não conseguiu ainda a aprovaçãoagora, os minoritários estão solicitando via ju- das contas do ano de 1994. (11 ) “As duasdicial a nulidade de todos os atos praticados assem bléias m arcadas para isso em 1995pelo conselho que está sendo destituído. A foram anuladas pela justiça pelo m esm o mo-sentença do juiz está sujeita a recurso. (6) tivo, ou seja, despachos anteriores já indica-

Os desentendimentos internos da Schloes- vam a ilegitim idade do conselho , comentouser vêm desde 1990, após o falecimento do 0 advogado.então v ice-p residente da em presa Horst Com a decisão da justiça, a direção da Schloesser. Seu espólio, representado por Companhia publicou no último dia primeiro um sua esposa Dorly, seu filho Marcus e irmã edital de convocação chamando os acionistasOlga, detém 40% das ações ordinárias e para uma nova assembléia-geral extraordiná-compõem o grupo minoritário. Outros 40% na, marcada para o próximo dia 12. “Parap e rte n ce m ao g ru p o de W a ld e m a r eleição, posse e reunião do Conselho de Ad-Schloesser (primo de Horst), que tem ao seu ministração”. Procurado por este jornal o ad­iado o acionista minoritário (15% ) Henrique vogado José Carlos Muller, representante dosBrenner, de São Paulo. (7 ) “majoritários” não foi localizado. Quanto à di-

Após a morte de Horst a vice-presidência reção da empresa, esta limitou-se a fazer refe-(8) foi ocupada pela filha de W aldemar, quan- rência à publicação do edital,do a expectativa dos chamados “minoritários” Hoje m esm 0i segundo Pabst dará en tra . era de que Marcus ocupasse o cargo. (9) Com ^ form a| ao pedido de eleição pelo sistem ao litígio formado, Marcus e Olga foram desti- de voto múitjpio, tendo em vista a existênciatuídos de seus cargos no conselho de admi- de prgzo |egg| (12 ) E ,e preferju nãQ fazernistração. (10) Desde então, várias ações judi- com entários sobre o que teria levado a dire-ciais foram impetradas por ambas as partes. çãQ g convocar ym g nQva assem b|éiai tam .

Segundo Pabst, a em presa não paga di- pouco se haverá recurso contra a decisãovidendos aos seus acionistas há 3 anos e judicial.

Comentário

(í) A reportagem data de g e 10.12.1995. A ação para anular deliberação de assembléia-geral prescreve em dois anos, contados da deliberação (LSA, art. 286). Supondo-se que a ação tenha sido ajuizada em abril de 1993, a sentença de primeiro grau terá sido proferida dois anos e oito meses depois. Um prazo razoável, segundo os padrões do Poder Judiciá­rio brasileiro, mas muito longo e inconveniente para a segurança e a estabilidade de uma empresa.

(2) Disputas internas são comuns... em famílias, em sociedades, em companhias abertas, fechadas e familiares... Disputas internas costu­mam minar a companhia e, não raro, comprometem a sua estabilidade e a sua saúde financeira. A melhor maneira de resolvê-las é pelo diálogo. Havendo muita dificuldade no diálogo, o recomendável seria o recurso a um mediador competente. A propositura de ações judiciais radicaliza as opiniões, mobiliza a paranóia das pessoas e dificulta o acordo amigável;

COMPANHIAS FAMILIARES 431

haverá um vencedor e um vencido, mas a sociedade, certamente, sairá perdendo, em poder, dinheiro e prestígio.

(3) Juiz não profere parecer. Profere sentença.

(4) Certamente, a sentença do juiz terá se baseado em provas cons­tantes dos autos. Contudo, a reportagem não fornece elementos pre­cisos para que se possa concluir, com certeza se, realmente, houve, in casu, “claro desrespeito à legislação”. O edital de convocação da as- sembléia-geral (ordinária ou extraordinária) para eleição do conselho de administração não precisa mencionar se se procederá ao pleito pelo sistema de voto majoritário ou pelo sistema de voto múltiplo. Ainda que não previsto no estatuto social, o sistema do voto múltiplo será sempre obrigatório, desde que preenchidas as duas condições do art. 141 da LSA: Io) requerimento até 48 horas antes da assembléia- geral, 2o) por acionistas que representem, no mínimo, 10% do capital social com direito a voto.

(5) A frase “Não havia como pleitear o voto múltiplo pela ausência de lapso temporal”, fora do contexto da sentença, mostra-se ambígua. Poderia significar duas coisas completamente diferentes: Ia) os minoritários requereram a aplicação do sistema de voto múltiplo com menos de 48 horas de antecedência; 2a) a assembléia-geral em ques­tão foi convocada com desrespeito à norma do art. 124, § i°, da LSA (“§ i° A primeira convocação da assembléia-geral deverá ser feita: I - na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no míni­mo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não se reali­zando a assembléia, será publicado novo anúncio, de segunda convo­cação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias; II - na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias”). Como o juiz anulou a assembléia-geral, supõe-se que a companhia desrespei­tou o § 1° do art. 124 da LSA.

(6) A nulidade, in casu, é relativa. A sentença judicial surte efeitos “ex nuncT (desde agora), ou seja, não tem efeito retroativo. “A sentença do juiz está sujeita a recurso”. O recurso, de apelação, tem efeito suspensivo (CPC, art; 520). Isso significa que a sentença somente pode­rá ser executada se vier a ser confirmada pelo Tribunal. Provavelmente, por ocasião da sentença, já estava vencido o prazo de gestão dos conse­lheiros... O prazo de gestão, certamente, já estará vencido quando transitar em julgado 0 acórdão que, eventualmente, vier a confirmar a sentença. O advogado Haroldo Pabst informa que “agora, os mino­ritários estão solicitando via judicial a nulidade de todos os atos

4 3 2 SOCIEDADE ANÔNIMA

praticados pelo conselho" destituído. Pode-se imaginar a dificuldade para se desconstituir atos consumados praticados pelo conselho, cuja eleição foi anulada...

(7) Nenhum dos dois grupos antagônicos sozinhos detêm o controle da companhia. O grupo de Waldemar Schloesser aparece como “curinga” entre os outros dois grupos antagônicos. Com apenas 15%, ele faz a diferença. Precisa ser “seduzido” por um dos grupos antagônicos.

(8) Curiosamente, a reportagem não faz referência à Presidência da companhia. Apenas à Vice-Presidência. Regra geral, o estatuto social atribui ao Presidente a representação da companhia. Provavelmente, 0 Presidente é um aliado dos grupos de Waldemar Schloesser e de Henrique Brenner. É também possível que o Presidente seja um outsider. um profissional não-acionista, eleito pela assembléia-geral e contratado pela companhia. Muito freqüentemente, após o luto decorrente do falecimento do patriarca da empresa, os conflitos latentes se manifestam mais claramente. Os patriarcas só agora estão começando a se preocupar com 0 preparo da sua sucessão. Não raro, depois da morte do patriarca, os conflitos levam a empresa à falência; ou então ela é vendida para outro grupo; muitas vezes, um grupo multinacional.

(9) Por razões óbvias, o autor da reportagem não ápresenta dados sobre a personalidade de Marcus e Ólga. Nem sempre os filhos do patriarca se acham preparados para assumir o lugar do pai. O talento administrativo do pai nem sempre é herdado pelo filho. Em outras palavras, a herança de ações ou cotas não implica a herança de compe­tência gerencial. Só um acompanhamento acurado das ações de Marcus e Olga poderia revelar, ao bom observador, se eles foram ou poderiam ser bons administradores.

(10) Os membros do conselho de administração são demissíveis ad nutum pela assembléia-geral. Mas, sempre que a eleição tiver sido realizada pelo sistema do voto múltiplo, a destituição de qualquer membro do conselho de administração pela assembléia-geral impor­tará destituição dos demais membros, procedendo-se a nova eleição (LSA, art. 141, § 30).

(11) A falta de pagamento do dividendo obrigatório pór um longo período sem justificativa plausível é indício de insolvência da companhia. E significa que ela não está atingindo o seu fim, justificando-se a sua dissolução, com base no art. 206, II, b, da LSA (“Art. 206. Dissolve-se a companhia: [...] II - por decisão judicial: [...] b) quando provado que não

COMPANHIAS FAMILIARES 4 3 3

pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que represen­tem cinco por cento ou mais do capital social [...]”)•

(12)0 grupo representado pelo advogado Pabst detém 40% do capital votante. Assim, desde que requeira a aplicação do voto múltiplo até 48 antes da assembléia-geral, esse sistema de eleição será obrigatório. A reportagem não informa qual 0 número de membros do conselho de administração da companhia. Essa informação era importante à luz da redação do § 40 do art. 141, vigente à época.2 Hoje, a nova redação do § 4o diz o seguinte: “§ 40. Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente: I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido 0 direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18.”

5. CASO KIRSHNER

(STJ, REsp. 419.174 - São Paulo)

O espólio de Ludwig Kirshner e os acionistas Bárbara e Luiz Felipe ajuizaram contra a Kirshner S A . uma ação de dissolução parcial de sociedade empresária com pedido de apuração de haveres.

Na petição inicial, alegam o seguinte:

1. Em 1960, Luiz Kirshner constituiu com seus filhos Otto e Ludwig a Luiz Kirshner Ltda. - Indústria de Borracha.

2. Posteriormente, essa sociedade transformou-se em companhia, com a denominação Luiz Kirshner S.A. - Indústria de Borracha e continuou controlada pela família Kirshner.

3. O filho Ludwig faleceu.4. O pai, Luiz, está com idade avançada e não tem condições de exercer

qualquer atividade.

2 Redação do § 40 do art. 141 à época em que foi redigida a reportagem sobre o Caso Schloesser: “§ 40 Se o número de membros do conselho de administração for inférior a5 (cinco), é facultado aos acionistas que representem 20%, no mínimo, do capital com direito a voto, a eleição de um dos membros do conselho, observado o disposto no § i°.”.

4 3 4 SOCIEDADE ANÔNIMA

5. O irmão Otto passou a deter 0 controle de fato da Kirshner S.A.

6. Os filhos maiores de Ludwig, após a morte do pai deles, tentaram

participar dos negócios sociais, mas foram impedidos pelo tio Otto.

7. Não mais existe affectio societatis entre os autores da ação e os

demais sócios.

8. A doutrina e a jurisprudência admitem a dissolução parcial de socie­dade anônima familiar.

O juiz de Direito julgou procedente o pedido. Declarou parcialmente

dissolvida a Kirshner S A ., com a retirada dos autores da ação e apuração dos

respectivos haveres, devidamente atualizados, tomando por base as respec­

tivas participações no capital social.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, manteve a sentença.

Segundo a Corte bandeirante, “a doutrina e jurisprudência [...] admitem a

dissolução parcial [...] especialmente em decorrência da quebra da affectio societatis.

A Kirshner S.A. recorreu para o Superior Tribunal de Justiça e este, por

unanimidade, deu provimento ao recurso.

Seguem excertos do voto do relator:

“O que se vai examinar, apenas, é a possibilidade da dissolução parcial da sociedade por ações, este, sim, o ponto nevrálgico do [recurso] especial, apoiado na disciplina da Lei n. 6.404/76.A questão, como de sabença comum, não é tranqüila na doutrina. Na Corte, os precedentes têm levado em consideração os casos con­cretos. Há precedente da Terceira Turma, Relator o [...] Ministro Waldemar Zveiter, entendendo ser juridicamente impossível o pe­dido de dissolução de sociedade anônima ‘p ois a espécie societária admite o direito de recesso do sócio descontente’(REsp. n. 171.354/ SP, DJàe 5.2.2001).

[-.]Na Quarta Turma, [...] 0 [...] Ministro César Asfor Rocha (REsp. n.111.294/PR, DJà& 28.5.2001), há precedente, considerando as peculiari­dades da espécie, admitindo a dissolução. Considerou 0 voto condutor do Acórdão a circunstância de ser sociedade envolvendo pequeno grupo familiar, sendo a afeição pessoal reinante entre eles o elemento prepon­derante para o recrutamento dos sócios, com o que possível a quebra da affectio societatis, relevando, também o fato de não haver distribuição de dividendos, por longos anos.

COMPANHIAS FAMILIARES 4 3 5

Na minha compreensão, não é possível a dissolução de sociedade anôni­ma, pouco importando as peculiaridades de cada caso. O que se deve levar em conta é a natureza jurídica da sociedade. Se sociedade anônima está submetida ao disposto em lei especial, que não agasalha a dissolução parcial, com a apuração de haveres dos sócios retirantes. A dissolução é própria do tipo de sociedade de pessoas, como a sociedade [...] limitada, que está subordinada ao contrato social [...]. Não é possível construir para desqualificar o tipo de sociedade, transplantando regras próprias de um tipo para o outro.Como mostra Cristiano Gomes de B rito,' ta l instituto não poderá ser utilizado nas sociedades anônimas, haja vista que violará disposi­ção literal de lei, criará nova modalidade de direito de recesso, possibilitará a exclusão de acionista, bem como causará instabili­dade nas relações de poder nas companhias. Ademais, tais circuns­tâncias não ensejariam pedido de dissolução da sociedade, previsto estritamente no art. 206 da L ei de Sociedades Anônimas’. E, arrima- do no magistério de Celso Barbi Filho, assinalou que 'em se admitin­do a dissolução parcial da sociedade anônima, quando pedida a dissolução total, poderá surgir a indústria especulativa entre os acionistas ditos profissionais de mercado, que passariam sistem ati­camente, sempre que possível, a form ular pedidos de dissolução total de companhias prósperas, como form a de auferir significati­vos e indevidos ganhos’. E, ainda, especificamente sobre a quebra da affectio societatis, mostra que ao ‘se perm itir a dissolução parcial de uma companhia por sim ples quebra da affectio societatis, abrir-se-á um precedente perigoso nas estruturas da sociedade anônima. Isto porque serão inseridos em seu arquétipo aspectos de natureza subje­tiva (affectio societatis) nas relações entre os acionistas. Em assim sendo, perm itir-se-á que o acionista minoritário requeira a dissolu­ção parcial da companhia, pela quebra da affectio societatis. (...) Considerando que há affectio societatis entre os acionistas, isso per­m itirá também que o acionista m ajoritário - e a í reside o perigo, principalm ente nas sociedades fechadas, de caráter fam iliar, com restrição na circulação de ações - exclua o acionista minoritário por quebra da affectio societatis, igualmente ao que ocorre nas sociedades por quotas’{Revista de Direito Privado, RT, n. 7/23 e 27).

[...]Em suma, tratando-se de sociedade anônima, não se deve estender-lhe, por incompatibilidade, o regime da dissolução parcial. Uma vez que preenchidos os pressupostos insertos no art. 206, II, ‘b ’, da Lei n. 6.404, de 1976, ou seja, desde que evidenciado que a ‘S.A’ não pode preencher o fim para o qual foi instituída, a única forma de admitir-se a dissolução é a

SOCIEDADE ANÔNIMA

total, mesmo porque, diante da previsão legal, estará comprometida por inteiro a sua própria atividade negociai. Para os acionistas minoritários fica assegurado, na forma da lei das sociedades anônimas, o exercício do direito de recesso e o respectivo reembolso'.Anote-se que; neste feito, a sociedade foi primeiro constituída como sociedade [...] limitada e, depois, pela vontade dos sócios, foi transformada em sociedade anônima. Com isso, hou ve uma expressa manifestação dos sócios por outro tipo de sociedade [empresária], regido por lei especial, que não prevê a dissolução parcial. [...] Nas sociedades anônimas, sob todas as luzes, é impertinente o pedido de dissolução parcial”.

B ib l io g r a f ia

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446 SOCIEDADE ANÔNIMA

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A

Abuso de direito e desvio de poder, 226

Abuso do poder econômico, 372

Ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores do mercado de valores mobiliários, 410

Ação da espécie ordinária, 32 Ação da espécie preferencial, 33

Ação de responsabilidade civil contra administradores, 195

Ação dourada (golden share), 76,77

Acionista controlador, 274

Acionista remisso, 259,273

Acionista residente ou domiciliado no exterior, 235

Ações de fruição e amortização, 33

Ações e prazos de prescrição, 403

Ações em tesouraria e metáfora da garrafa, 259

Ações não integralizadas e negociação, 83

Ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos e voto contingente, 52

Ações preferenciais e direito de voto, 52

Ações preferenciais sem direito a voto e acionistas minoritários na constituição do conselho fiscal, 316

Acordo de acionistas e voting trust, 282 Administradores e desconsideração da

personalidade jurídica, 210

ÍNDICE REMISSIVO

Agente emissor de certificados, 79

Alienação de controle, 193, 278

Alienação de controle sob condição resolutiva, 278

Alienação de controle sob condição suspensiva, 278

Alienação fíduciária em garantia de

ações, 97

Alternativas quanto às ações preferenciais com prioridade na

distribuição de dividendos, 43

Amicus curiae, 408

Amortização e ações de fruição, 33

Amortização e resgate, 90

Análise do art. 223,349

Análise do art. 264,343

Aplicabilidade da Lei das Sociedades à

sociedade limitada, 411

Aprovação do laudo de avaliação da companhia, 258

Artigo 17, § i°, 53

Artigo 17, § 5° 69

Artigo 17, § 6°, 75

Artigo 17, § 7o, 75

Artigo 17 § 7o, e o Caso Cemig, 76

Artigo 45,50, 84, 86,91

Artigo 45 da LSA e art. 51 da Lei de Falências, 261

Artigo 118, § 6o, 7o, 8o, 90, 10 e 11,292, 293, 294, 295

448 SOCIEDADE ANÔNIMA

Artigos 123 e 161,311Artigo 123 e artigo 161 confrontados, 308Artigo 137,240Artigo 141,156,163Artigo 163, § 5o, e artigo 172 do revogado

Decreto-lei n. 2627/40,307

Artigo 17, § Io, 1, 53Artigo 177 do Código Penal brasileiro, 416

Artigo 223: análise, 349

Artigo 229,247,341,349

Artigo 233,348,371

Artigo 250, § i°: crítica, 275

Artigo 254-A, 193,277,278

Artigo 264,342

Artigo 264: análise, 343

Assembléia-geral, 125

Assuntos de interesse geral e assembléia-geral, 128

Ata da assembléia-geral, 141

Atos ultra vires, 8,10

Auditoria externa, 319

Aumento de capital e bônus de subscrição, 336

Aumento de capital medianteincorporação de lucros e reservas, 333

Aumento de capital por conversão de debêntures em ações, 336

Aumento de capital por conversão de partes beneficiárias em ações, 336

Aumento de capital por conversão de passivo em ações, 337

Aumento de capital por correção monetária, 333

Aumento de capital por subscrição de novas ações, 324

Aumento de capital por subscrição de novas ações numa única assembléia- geral extraordinária, 328

Aumentos de capital, 324

Avaliação da companhia, 27

B

Boa-fé, 378Bonificação de ações, 83,99,140,334

Bônus de subscrição, 108 Bônus de subscrição e aumento de

capital, 336

Business judgment rule, 200

C

Capital social: moeda e localização no balanço social, 24

Características da sociedade anônima, 4

Caso Adhemar de Barros, 86

Caso Agro Pecuária Cravari, 197 Caso Arapiara, 175

Caso Araraquara, 211

Caso Bateau Mouche, 303

Caso Bracisa, 197 Caso Braspérola, 151

Caso Caetano Branco, 189 Caso Camponesa, 176

Caso Caravellas, 142

Caso Cemig, 286

Caso Cemig e o § 70 do art. 17,76 Caso Clark, 335Caso Companhia Sertaneja, 300Caso Crepaldi-Malavazi, 9Caso Dourado, 18Caso Ebsa, 17Caso Embraer, 110Caso Fiorante, 322Caso Fujiminas, 321Caso Galant, 191Caso Guaricanga, 299Caso Hotéis Ribas, 171Caso Howa, 213Caso Icaraí, 196Caso Ipiranga, 360

ÍNDICE REMISSIVO 449

Caso Jaú, 270

Caso Kirshner, 433

Caso Leblon, 227

Caso Leite Barreiros, 149

Caso Lindóia, 331

Caso M. Roscoe, 264

Caso Máster, 104

Caso Mofarrej, 17

Caso Orwec, 340

Caso Pais e Filhos, 177

Caso Resa Pirapora, 112

Caso Rohr, 319Caso São Bernardo do Campo, 145Caso Schloesser, 429Caso See vs. Heppenheimer, 26Caso Sintaryc, 368Caso Tecomil, 147Caso Telepar, 144Caso Tigre, 427Caso Triunfo, 296Caso Trussardi, 198Caso Ughini, 266Caso Veta, 326Cautelas e certificados, 78Certificados de propriedade de ações, 78Certificados e cautelas, 78Cisão, 342Cisão, incorporação e fusão como

modalidades de concentração de empresas, 372

Cisão: normas específicas, 349

Classes de ações, 33

Código de Propriedade Industrial, 420

Companhia aberta e companhia fechada, 12

Companhia unipessoal, 386

Companhias familiares, 425

Competência para convocação da assembléia-geral, 128

Conceitos vagos empregados na legislação das sociedades por ações, 376

Concepção da companhia, 116 Conjugação do artigo 123 com o artigo

161,308Conselho de administração e voto

múltiplo, 154 Conselho fiscal, 305 Conselho fiscal de funcionamento não

permanente, 308 Conselho fiscal e ações preferências sem

direito a voto, 316

Consórcio, 396

Consórcios e grupos, 391 Constituição da companhia, 118

Constituição da companhia por assembléia-geral, 119

Constituição da companhia por escritura pública, 120

Contemporaneous-share-ownership- requirement; 150,363

Conversão de ações preferenciais em ações ordinárias, 150

Conversão de debêntures em ações preferenciais, 111

Conversão de debêntures em ações e aumento de capital, 336

Conversão de partes beneficiárias em ações e aumento de capital, 336

Conversão de passivo em ações e aumento de capital, 337

Convocação da assembléia-geral, 126 Convocação da assembléia-geral pelo

conselho fiscal, 128 Convocação da assembléia-geral por

acionistas, 128 Corolários do dever de lealdade, 181

Correção monetária do capital, 333 Criação de ações preferenciais:

necessidade de aprovação pelos acionistas interessados, em assembléia-geral, 134

448 SOCIEDADE ANÔNIMA

Artigos 123 e 161,311Artigo 123 e artigo 161 confrontados, 308Artigo 137, 240Artigo 141,156,163Artigo 163, § 5o, e artigo 172 do revogado

Decreto-lei n. 2627/40,307 Artigo 17, § i°, 1, 53Artigo 177 do Código Penal brasileiro, 416

Artigò 223: análise, 349

Artigo 229, 247,341,349

Artigo 233,348,371

Artigo 250, § Io: crítica, 275

Artigo 254-A, 193,277,278

Artigo 264,342

Artigo 264: análise, 343

Assembléia-geral, 125 Assuntos de interesse geral ê

assembléia-geral, 128

Ata da assembléia-geral, 141 Atos ultra vires, 8,10

Auditoria externa, 319

Aumento de capital e bônus de subscrição, 336

Aumento de capital medianteincorporação de lucros e reservas, 333

Aumento de capital por conversão de debêntures em ações, 336

Aumento de capital por conversão de partes beneficiárias em ações, 336

Aumento de capital por conversão de passivo em ações, 337

Aumento de capital por correção monetária, 333

Aumento de capital por subscrição de novas ações, 324

Aumento de capital por subscrição de novas ações numa única assembléia- geral extraordinária, 328

Aumentos de capital, 324

Avaliação da companhia, 27

B

Boa-fé, 378Bonificação de ações, 83,99,140,334

Bônus de subscrição, 108 Bônus de subscrição e aumento de

capital, 336 Business judgment rule, 200

C

Capital social: moeda e localização no balanço social, 24

Características da sociedade anônima, 4 Caso Adhemar dé Barros, 86

Caso Agro Pecuária Cravari, 197 Caso Arapiara, 175 Caso Araraquara, 211 Caso Bateau Mouche, 303

Caso Bracisa, 197 Caso Braspérola, 151 Caso Caetano Branco, 189

Caso Camponesa, 176 Caso Caravellas, 142 Caso Cemig, 286 Caso Cemig e 0 § 70 do art. 17,76 Caso Clark, 335Caso Companhia Sertaneja, 300Caso Crepaldi-Malavazi, 9Caso Dourado, 18Caso Ebsa, 17Caso Embraer, noCaso Fiorante, 322Caso Fujiminas, 321Caso Galant, 191Caso Guaricanga, 299Caso Hotéis Ribas, 171Caso Howa, 213Caso Icaraí, 196Caso Ipiranga, 360

ÍNDICE REMISSTVO 449

Caso Jaú, 270

Caso Kirshner, 433

Caso Leblon, 227

Caso Leite Barreiros, 149

Caso Lindóia, 331 Caso M. Roscoe, 264

Caso Máster, 104

Caso Mofarrej, 17

Caso Orwec, 340

Caso Pais e Filhos, 177

Caso Resa Pirapora, 112

Caso Rohr, 319Caso São Bernardo do Campo, 145Caso Schloesser, 429Caso See vs. Heppenheimer, 26Caso Sintaiyc, 368Caso Tecomil, 147Caso Telepar, 144Caso Tigre, 427Caso Triunfo, 296Caso Trussardi, 198Caso Ughini, 266Caso Veta, 326Cautelas e certificados, 78Certificados de propriedade de ações, 78Certificados e cautelas, 78Cisão, 342Cisão, incorporação e fusão como

modalidades de concentração de empresas, 372

Cisão: normas específicas, 349

Classes de ações, 33

Código de Propriedade Industrial, 420

Companhia aberta e companhia fechada, 12

Companhia unipessoal, 386

Companhias familiares, 425

Competência para convocação da assembléia-geral, 128

Conceitos vagos empregados na legislação das sociedades por ações, 376

Concepção da companhia, 116 Conjugação do artigo 123 com o artigo

161,308Conselho de administração e voto

múltiplo, 154 Conselho fiscal, 305 Conselho fiscal de funcionamento não

permanente, 308 Conselho fiscal e ações preferências sem

direito a voto, 316 Consórcio, 396 Consórcios e grupos, 391

Constituição da companhia, 118 Constituição da companhia por

assembléia-geral, 119 Constituição da companhia por

escritura pública, 120 Contemporaneous-share-ownership-

requirement, 150,363 Conversão de ações preferenciais em

ações ordinárias, 150 Conversão de debêntures em ações

preferenciais, 111 Conversão de debêntures em ações e

aumento de capital, 336

Conversão de partes beneficiárias em ações e aumento de capital, 336

Conversão de passivo em ações e aumento de capital, 337

Convocação da assembléia-geral, 126 Convocação da assembléia-geral pelo

conselho fiscal, 128 Convocação da assembléia-geral por

acionistas, 128 Corolários do dever de lealdade, 181 Correção monetária do capital, 333 Criação de ações preferenciais:

necessidade de aprovação pelos acionistas interessados, em assembléia-geral, 134

450 SOCIEDADE ANÔNIMA

Crimes contra a economia popular, 422 Crimes contra a ordem econômica, 420 Crimes contra a ordem tributária, 421 Crimes contra as relações de

consumo, 423 , Crimes contra o meio ambiente, 424 Crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional, 421 Crimes de sonegação fiscal, 421 Crimes falimentares, 418 Critérios para avaliação da

companhia, 256 Crítica ao § i° do artigo 250, 275 Custódia de ações fungíveis, 79 CVM: função de amicus curíae, 408

D

Debêntures, 102Denominação social e sua proteção, 10 Desconsideração da personalidade

jurídica, 301 Desconsideração da personalidade

jurídica e responsabilização do acionista, 298

Desvio de poder e abuso de direito, 226 Dever de diligência, 181 Dever de lealdade, 181 Dever de obediência, 181 Deveres e responsabilidade do acionista

controlador, 150,274 Deveres e responsabilidade dos

conselheiros fiscais, 318 Deveres e responsabilidades dos

administradores, 180 Diluição injustificada, 329,377 Direito ao reembolso, 253 Direito de fiscalizar a gestão dos

negócios sociais, 238 Direito de participar do acervo da

companhia, em caso de liquidação, 238

Direito de preferência, 238 Direito de retirada, 239

Direito de retirada na hipótese de incorporação da companhia em outra, com objeto diferente, 253

Direito de voto, 271Direito de voto das ações gravadas com

ônus, 99Direito de voto e ações preferenciais, 52

Direito Penal societário, 415

Direitos do acionista, 235

Direitos essenciais do acionista, 235

Direitos reais e outros ônus sobre as ações, 97

Diretor de fato e teoria da aparência, 196

Diretores e direito do trabalho, 185

Diretoria, 176

Dispersão no mercado, 246

Dissolução da companhia, 48

Dividendo obrigatório: normas, 236

Dividendo prioritário cumulativo ou não-cumulativo, 41

Dividendo prioritário fixo ou mínimo, 41

Dividendo prioritário: breve informação, 46

E

e outros assuntos de interesse geral, 128

Efeito da introdução da alínea a na redação original do art. 123, pela Lei n. 9-457/97,309

Efeito da introdução da alínea d na - =redação original do art. 123, pela Lei n. 9-457/97,309

Empate nas deliberações da assembléia-geral, 132

Empresa pública, 389

ÍNDICE REMISSIVO 4 5 1

Espécies, classes e formas de ações, 31 Estrutura administrativa da

companhia, 154 Estruturação do § i° do art. 17,55 Exclusão de acionista, 272 Execução específica do acordo de

acionistas, 283 Exegese do § i° do art. 17, 56,63 Exegese do art. 137,244 Exegese do art. 45, 254 Exegeses alternativas do Inciso I do § Io

do art. 17, 63 Exibição de livros, 319 Extensão dos ônus sobre ações

desdobradas e bonificadas, 99 Extinção da companhia, 48 Extinção da companhia e falência, 401

F

Falência e extinção da companhia, 401 Fídeicomisso de ações, 97 Fim e objeto sociais, 16 Fiscalização da companhia, 305 Forma de circulação das ações, 34 Forma prescrita em lei para a

convocação da assembléia-geral, 126 Formação do capital e avaliação de

bens, 25 Formalidades complementares à

constituição da companhia, 121 Fórmula para aplicação do voto

múltiplo, 157 Fringe benefits, 3x8 Função de amicus curiae da CVM, 408 Fusão, 341Fusão, incorporação e cisão como

modalidades de concentração de empresas, 372

G

Gestação da companhia, 117 Golden share (ação dourada), 77 Governança corporativa, 396 Grupos de sociedades, 392 Grupos e consórcios, 391

H

Hermenêutica do direito de retirada, 241

Hipóteses ensejadoras do direito de retirada não previstas no art. 137,243

Hipóteses ensejadoras do direito de retirada previstas no art. 137, 242

Holding pura e holding mista, 7

I

Impedimentos e suspeição dos avaliadores, 257

Incorporação, 341 Incorporação de companhia

controlada, 342 Incorporação de imóveis para formação

do capital social: formalidades e tributação, 121

Incorporação, fusão e cisão como modalidades de concentração de empresas, 372

Incorporação, fusão e cisão envolvendo companhia aberta, 350

Indivisibilidade das ações, 83 Instalação da assembléia-geral

independentemente de convocação regular, 127

Interesse, 376

452 SOCIEDADE ANÔNIMA

L

Legitimação e representação na assembléia-geral, 131

Lei de Mercado de Capitais (Lei n.4.728, de 14.07.1965), 421

Lei de Reforma Bancária, 421 Lei n. 1.521/1951 (crimes contra a

economia popular), 420 Lei n. 4.729/1965 (crimes de sonegação

fiscal), 421 Lei n. 7.279/1996 (crimes contra a

propriedade industrial), 420 Lei n. 7.492/1986 (crimes contra 0

Sistema Financeiro Nacional), 421 Lei n. 9.841/1999 (sociedade de

garantia solidária), 19 - - ■ ■■ -Limitações à circulação de ações, 34 Limite de responsabilidade dos sócios

de responsabilidade limitada, 263 Liquidação da companhia, 49 Liquidez no mercado, 246 Local de realização da assembléia-

geral, 130

M

Maioria nas deliberações da assembléia-geral, 132

Mecanismo da alienação fiduciária em garantia, 98

Metáfora da garrafa e ações em tesouraria, 259

Modificação do capital social, 324

N

Nacionalidade da companhia, 382 Natureza jurídica do acordo de

acionistas, 282

Necessidade de prévia aprovação ou de ratificação para eficácia de deliberação da assembléia-geral, 133

Negociação da companhia com as suas próprias ações, 83

Negociação de ações não integralizadas, 83

Negociação no mercado, 69 Normas comuns a conselheiros e

diretores, 180 Normas específicas sobre cisão, 349 Normas sobre 0 dividendo

obrigatório, 236 Nova modalidade do direito de

retirada, 355 'Nova redação do art. 17,39 Nulidade no Direito Comum e no ~

Direito Societário, 403

O

Objeto e fim sociais, 16 Objeto social, 7,16 Obrigação de pagar 0 preço das

ações, 234 Obrigações do acionista, 225 Oferta pública como condição da

alienação de controle da companhia aberta, 279

Oferta pública para a aquisição de controle, 281

Opção de compra de ações e aumento de capital, 336

Oponibilidade do acordo de acionistas a terceiros, 283

P

Parecer CVM/SJU, 161 de 19/12/1979,134 Partes beneficiárias, 101

ÍNDICE REMISSIVO 4 5 3

Pedido de instalação do conselho fiscal de funcionamento não permanente, 311

Penhor de ações, 97 Penhora de ações, 98 Prazo para 0 exercício do direito de

preferência,'325 Prazo para o exercício do direito de

retirada, 244 Preço de emissão das ações e ágio, 31 Preço de subscrição na hipótese de

aumento de capital por subscrição de novas ações, 329

Prévia aprovação ou ratificação de deliberação da assembléia-geral, 51,133

Prioridade na distribuição de dividendos, 41

Prioridade no reembolso do capital, 48 Proteção ao nome, 12 Prova de propriedade de ações, 78 Publicação de atas das assembléias-

gerais sobre aumento de capital por subscrição de novas ações, 325

Q

Quadro estatístico do Departamento Nacional do Registro do Comércio, 2

Quanto vale uma empresa, 27 Quorum de instalação da assembléia-

geral, 130 Quorum deliberativo da assembléia-

geral e empate nas deliberações, 130

R

Ratificação ou prévia aprovação dedeliberação da assembléia-geral, 51,133

Redução do capital, 324 Reembolso e critérios de avaliação, 255

Reembolso e direito de retirada, 253 Reembolso e resgate, 91 Remuneração do administrador: parte

fixa e parte variável, 188 Remuneração dos conselheiros

fiscais, 317 Representação e legitimação na

assembléia-geral, 131 Requisitos preliminares à constituição

da companhia, 118 Resgate de ações, 84 Resgate de ações preferenciais, 84 Resgate e amortização, 90 Resgate e redução do capital, 91 Resgate e reembolso, 91 Resgate não previsto no Estatuto, 92 Resgate: para que serve?, 95 Responsabilidade dos avaliadores da

companhia, 256 Responsabilização do acionista por

aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, 298

Restrições às ações preferenciais, 52 Revogação, ab-rogação e derrogação, 309 Rodízio nas eleições para o conselho de

administração e voto múltiplo, 174

S

Sistema de vasos comunicantes do mercado de valores mobiliários, 16

Sociedade anônima e cidadania, 375 Sociedade anônima sem finalidade

lucrativa, 16 Sociedade de economia mista, 390 Sociedade de garantia solidária, 19 Sociedade nacional e sociedade

estrangeira no Código Civil de2002, 383

4 5 4 SOCIEDADE ANÔNIMA

Sociedades coligadas, controladoras e controladas, 392

Sociedades sucessoras na incorporação, na fusão e na cisão, 350

Solicitação de procuração por acionista, 131

Subsidiária integral, 389 Suspeição e impedimento dos

avaliadores, 257 Suspensão dos direitos do acionista, 272

T

Tag along, 278 Takeover, 281 Tender offer, 281Teoria da aparência e diretor de fato, 196 Teoria da desconsideração da

personalidade jurídica e responsabilização do acionista, 298

Topografia da sociedade anônima no Código Civil brasileiro instituído pela Lei n. 10.406, de 10.01.2002,1

Transferência de ações, 83 Transferência de ações não

integralizadas, 234

Transformação, 339 Troca de riquezas entre empresas do

mesmo grupo, 393

V

Valor do resgate, 91 Valor nominal das ações, 30 Vantagens estatutárias das ações

preferenciais, 51,55, 65,69 Vantagens legais das ações

preferenciais, 41 Vantagens políticas das ações

preferenciais, 51 Várias faces da sociedade anônima, 19 Voting truste. acordo de

- - acionistas, 282 Voto contingente das ações

preferenciais, 52 Voto de confiança no Poder Judiciário e

responsabilidade deste, 375 Voto múltiplo e conselho de

administração, 154 Voto múltiplo e rodízio nas eleições

para 0 conselho de administração, 174

i