Sociologia / Antropologia
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Transcript of Sociologia / Antropologia
A cidade através de olhos mecânicos |
São Paulo, 2011
Introdução |
As imagens apresentadas no decorrer do trabalho são
representações de citações retiradas dos textos “O Flâneur, a cidade
e a vida pública virtual”; “Máquinas de vigiar”, de Arlindo Machado e
“Cidade infiltrada, espaço ampliado: As tecnologias de informação e
comunicação e as representações das espacialidades contemporâneas”,
de Rodrigo Firmino e Fábio Duarte.
A leitura dos textos nos influencia a conectar conceitos antigos e
novos sobre comportamentos humanos e reforça a adaptação pela qual
passam conforme as alterações de tendências e evolução tecnológica.
Há a apresentação do conceito de “Flâneur”, pessoa observadora
que pontuava a posição atual das alterações na vida social, desenvolvendo
novas percepções enquanto mesclava a paisagem urbana e suas multidões.
Foi essencial para entender os costumes e perfis urbanos e vê sua
importância cair com a substituição dos olhos humanos por máquinas,
porém ambas as ideias se complementam quando afirmam que os dois
estão sempre a observar e vigiar o mundo ao seu redor.
A cidade moderna e os novos meios de comunicação de massa
ajudaram a mudar o olhar estético da contemplação para o de distração.
Assim, as novas experiências do flâneur não precisam, necessariamente,
se basear na mobilidade física, pode depender igualmente da mobilidade
do olhar. Seu declínio coincide com o declínio de espaço público nas
cidades contemporâneas.
No século XXI a sensação de estar sempre sendo vigiado, é
angustiante ao mesmo tempo que reconfortante ao se discutir segurança,
porém ela ultrapassa o limite das câmeras, tornando-se raros os momentos
em que não há algum sistema de vigilância apontado para nós.
O sentimento natural do homem pós-moderno, o desejo por
segurança e ordem, o fez criar um ambiente observado para que pudesse
ter controle de tudo ao seu redor, porém não saiu exatamente como o
planejado e o vigiado, por sua vez, desenvolveu uma síndrome paranoica
onde se imagina estar sendo vigiado em todos os lugares que frequenta.
O resultado é estar constantemente preocupado com seu comportamento
para tentar evitar a punição ou julgamentos.
Em um dos textos há uma comparação entre a nossa realidade
sempre observada como se estivéssemos em um dispositivo Panóptico -
prisão modelar criada pelo jurista britânico Jeremy Bentham com uma
janela atrás, para o exterior, e uma na frente, para refletir o preso; e no
centro estaria uma torre, onde estão, ou não, os vigias, que não são vistos.
O sistema panóptico, portanto, pode ser compreendido como um
modelo universal de máquina disciplinadora. O que ele faz é nada mais
que prevenir e punir qualquer ação quanto à ordem, mas sempre longe de
ser um sistema perfeito.
Essa ideia se da pela possibilidade da observação utilizando-se da
tecnologia, o que temos hoje é uma cidade interligada por tecnologias de
informação e comunicação que trazem mudanças significativas à pessoa
urbanizada e apontam para uma mudança radical no que entendemos
por cidade.
Pensando no conceito de espaço ampliado, vemos que os
dispositivos de vigilância permitem a extensão do espaço ao seu redor,
pois você pode estar na sua casa assistindo a um jogo na Argentina. As
distâncias geográficas perderam seus valores, o mercado globalizado
com interdependência de ações baseadas em tecnologias de informação
e comunicação que ocorrem em tempo real que fazem com que os laços
entre centros urbanos em diferentes continentes sejam mais fortes que
com localidades geograficamente vizinhas. A tecnologia permite estar
ao mesmo tempo em dois lugares, desafiando as clássicas questões do
tempo e espaço.
Porém, o conceito principal de flâneur não morre com tanta
informação, pelo contrário, se antes ele combinava as perspectivas de
andarilho buscando sensações estéticas e a estranheza dos lugares e das
multidões, hoje, virtualmente, ele é capaz de adotar os dois modos de
observação.
O ponto chave entre as abordagens dos três textos é o
desenvolvimento das mídias e tecnologia, estamos ao mesmo tempo em
diversos lugares quebrando a barreira do espaço e com a capacidade de
observarmos tudo o que acontece, por conta da velocidade da troca de
informações. A contemporaneidade alterou o conceito de privacidade
deixando-o público.
O flaneur, a cidade e a vida pública virtual |
‘‘“A flaneurie será possível de dentro de um veículo
em movimento, com graus variados de privação
sensorial? Rodar de carro ou ficar preso num
engarrafamento, em Los Angeles ou São Paulo,
pode, em algum sentido, ser considerado uma
forma de flanerie?”
‘‘É a cidade descrita por Raymond Williams (1973)
como cheia de excitação palpável, com as pessoas
movimentando-se por livrarias, praças, teatros,
ruas e encontrando-se em incontáveis lugares de
reunião para compartilhar experiências e discutir
as questões do momento.”
‘‘“Na trilha de Bataile, é possível ver a cidade como
uma alegoria dos mortos, com os prédios servindo de
monumentos com faces vazias a serem preenchidas
por aqueles que viveram.”
‘‘“Contam-nos que o flaneur movia-se em meio à
multidão com um alto senso de invisibilidade, que de
fato andava mascarado e que adorava a patomima
de estar incógnito.”
‘‘“Enquanto para os pobres a rua era um interior, o
lugar onde os sem-teto tinham de morar...”
“...para os ricos, o interior tornou-se uma rua, com
toda a variedade de mercadorias, lojas e experiências
urbanas exóticas reunidas em cenários artificiais.”
‘‘“Os lugares comuns, com gente comum, enfadonha,
os subúrbios, os shopping centers, eram também
antros de massas que deveriam, na verdade,
ocupar-se por atividades mais
produtivas e elevadas. “
‘‘“Ao mesmo tempo, em um certo sentido, a diferença
é uma questão de grau: a cidade industrial estava
sempre expandindo seu traçado físico, com prédios
sendo derrubados e reconstruídos. Era também
uma cidade da informação, no sentido de que a
paisagem urbana era continuamente inscrita
e reinscrita com informações, com significados
culturais nas fachadas estetizadas dos edifícios,
anúncios, letreiros de neon, outdoors.”
Máquinas de Vigiar |
‘‘“As câmeras de vigilância se distribuem como uma
rede sobre a paisagem social, ocupando todos os
espaços e os submetendo ao seu poder de invasão
branca, à sua penetração invisível e indolor.”
‘‘“Sento-me numa poltrona e, enquanto observo o
movimento, noto que há uma câmera, vasculhando
todas as minhas ações. Aliás, não há só uma; são
várias, espalhadas estrategicamente por todo o
saguão, de modo a não deixar um único espaço livre
do escrutínio desse olhar anônimo e onividente.”
‘‘“Com a expansão do modelo do observatório
central, a vigilância eletrônica se transforma
também num sistema abstrato de disciplinamento,
já que na prática, é inviável exercer uma vigilância
direta sobre instituições sociais, dada a magnitude
estática dos observados.”
‘‘“É preciso que vivamos permanentemente sob
a suspeita de estarmos sendo vigiados, numa
atmosfera de paranóia artificialmente produzida,
para que a ação transgressiva possa ser coibida antes
mesmo de praticada, para que o efeito de coerção
seja permanente; mesmo que, na prática, a vigilância
seja descontínua ou até mesmo inexistente.”
‘‘“Virilio nos sugere que há algo de muito significante
no fato dos aparelhos receptores de televisão serem
agora instalados nas celas dos prisioneiros em
unidade individuais e não mais, como ocorria antes,
em salas públicas destinadas a um coletivo.”
‘‘“Não havendo intenção significante, o olho mecânico
não transmite, a princípio, qualquer informação.
Eles se contenta apenas em ficar permanentemente
funcionando, registrando em tempo real a
banalidade de um cotidiano anódino.”
‘‘“Já houve quem fizesse uma aproximação conceitual
entre o sistema eletrônico de vigilância e a estrutura
de funcionamento da televisão (...) na televisão, os
apresentadores se endereçarem diretamente à câmera,
dando aos espectadores a impressão de estarem sendo
senão vigiados, pelo menos interprelados por um olhar. “
Cidade infiltrada, espaço ampliado |
‘‘“A religião, a magia, a metafísica e a arte, por
exemplo, sempre proveram de meios para a
ampliação dos mundos materiais. O que são os
momentos de reza e meditação senão uma ampliação
da realidade cotidiana?”
‘‘“Uma porção do espaço urbano é selecionada - eis
o objeto. Artistas das mais diferentes áreas são
chamados para expressar sua leitura urbana agindo
diretamente sobre o objeto, atribuindo-lhe signos,
modificando-o de tal modo que um novo emirja. Este
objeto-signo (termo usado por falta completa de
melhor definição e para que o encadeamento de ideias
seja claro) é evidenciado à cidade do qual faz parte.”
‘‘“Hoje o que temos é uma cidade infiltrada por
tecnologias de informação e comunicação que trazem
mudanças epistemológicas e sensoriais à vivência
urbana e apontam para uma mudança radical no que
entendemos por cidade.”
‘‘“Tradicionalmente arquitetura foi dependente
do lugar, ligada à condição da experiência.
Hoje, ambientes midiatizados desafiam os dados
do tempo clássico, o tempo da experiência [...]
Arquitetura não pode mais continuar limitada pelas
condições estáticos de espaço e lugar, aqui e ali.”
‘‘“O primeiro argumento vem ao colocar que a cidade
é composta por elementos heterogêneos - os seus
lugares; a partir disso, temos que se a cidade pode-
se dar à leitura por referentes emblemáticos (os
lugares) para que serem entendidos exigem um
embate com a dinâmica do cotidiano, onde ocorrem
“cisões e imprevistos que indicam o jeito de ser de
uma cidade.”
‘‘“No principio dos tempos, a natureza era formada
essencialmente por coisas (formas naturais). Mas
hoje, e cada vez mais, os objetos (formas artificiais,
intencionais) tomam o lugar das coisas.”
‘‘“Estes novos modos de percepção iniciam um processo
de desmaterialização que conduz à desaparição da
cidade. A realidade urbana é captada de uma maneira
cada vez mais instável, cada vez menos definida pela
arquitetura e mais pelo efêmero das imagens a que
reduzimos os fatos urbanos.”
Territórios urbanos e seus personagens |
Rua Frei Caneca |
Usando como referência o texto “Quando o campo é a cidade:
fazendo antropologia na metrópole”, onde a análise antropológica se
vale de três perguntas básicas: “Quem são?”, “Onde moram?” e “Em que
acreditam?”, focamos em um grupo atualmente em evidência na mídia,
pela demonstração constante de preconceito pelo qual tem passado e
abordaremos a ideia da apropriação da Rua Frei Caneca na cidade de São
Paulo por eles.
O grupo em questão
são os homossexuais.
Muito amplo, engloba
diversos subgrupos como
gays, transexuais, lésbicas,
travestis e simpatizantes.
Aproveitamos para destacar
o projeto de tornar a Frei
Caneca a primeira rua gay do
país, apresentando diversos pontos de vista a respeito do assunto. Para
isso, realizamos uma profunda pesquisa na internet, porém mantivemos
o foco em nossa pesquisa de campo, onde tivemos a oportunidade de
conversar com frequentadores do local e também moradores novos e
antigos, agregando informações e experiências ao nosso trabalho.
Avaliamos durante a visita em campo as vestimentas dos
frequentadores para identificar se há peculiaridades. Há uma alta
gama de estilos dentro das vestimentas homossexuais: as preferências
masculinas por roupas mais
apertadas e regatas; pelo
aspecto feminino existem
as mulheres que optaram
em manter um perfil
mais masculinizado de
vestimenta, porém as mais
femininas variam entre
saltos altos e All Star (marca específica de tênis). Apesar de haverem
estilos distintos pela rua, também encontramos estilos comuns e roupas
acompanhadas de acessórios que caracterizamos como de “roqueiros”.
Apesar da predominância gay, o público frequentador, fora desse grupo,
é de sua maioria casual, moderno e bem vestido.
Observamos que há um grande respeito dos heterossexuais
pelos frequentadores homossexuais. É como uma regra entre eles, o
respeito pelas diferenças é muito presado apesar de pessoas, talvez que
desconheçam a fama da rua, desrespeitarem esse segmento. É comum
casais do mesmo sexo caminharem de mãos dadas e terem uma maior
liberdade de expressão, diferente da maioria das ruas de São Paulo.
Vimos que a Avenida Paulista, frequentada por muitas tribos, mas
símbolo comercial e representada por executivos, ganha um pouco da
característica da Rua Frei Caneca, que atualmente abrange toda suas
travessas e paralelas.
Em 1980, uma época rígida, o pensamento vigente se baseava
no conceito de que o lazer não era tão importante quanto o trabalho e a
política, em contradição a rua era composta em sua maioria por casarões
velhos e cortiços e após o
estopim da presença gay ela
mudou seus conceitos e se
tornou mais comercial e os
cortiços foram substituídos
por prédios de alto padrão.
O início dessa apropriação
ocorreu em 2003, quando
um casal de homossexuais se beijou dentro do Shopping Frei Caneca e
sofreram discriminação por um funcionário do local.
Após esse episódio, militantes gays organizaram um protesto, onde mais
de 2000 homossexuais protagonizaram um beijo coletivo conhecido
como “beijaço”. A partir desse momento, uma barreira foi quebrada
diversos integrantes do grupo passaram a frequentar o Shopping e com o
tempo expandindo-se pela rua.
Avaliando a arquitetura desde seu surgimento, percebemos uma
nítida evolução, pois era dominada pelos cortiços, assim como uma de
suas paralelas, a Rua Augusta, e era reconhecida como uma rua perigosa
do centro de São Paulo. Ao entrevistarmos uma mulher chamada Rosa,
46, proprietária de uma lavanderia, ficou clara a antiga situação. Em seu
depoimento ela declara que sentia medo de andar pela região sozinha
após o anoitecer, segundo ela haviam muitos casarões em ruínas.
Após a manifestação descrita acima, o aumento de estabelecimentos
comerciais disparou e sua imagem decaída foi substituída por prédios
de alto padrão. Essa teoria foi confirmada por um casal de entrevistados
que mora na região há 30 anos e reafirma a presença de cortiços e suas
substituições, mas acrescentam: para dona Maria, 60, essa evolução foi
natural e independe da presença dos homossexuais na região, porém para
senhor Aurélio, 65, os gays estão diretamente ligados a essa evolução,
segundo ele, esse público é refinado e tem um poder aquisitivo elevado.
Assim como a aparência, o público também melhorou. É comum
ouvir de moradores e proprietários de estabelecimentos, em sua maioria
destinados aos homossexuais, que a rua é habitada por um grupo de alto
poder aquisitivo, educado e que foi extremamente benéfico para a região.
Esse benefício é afirmado por todos que descrevem sua presença como a
principal causa para o crescimento comercial.
A presença do público gay na Frei Caneca é tão forte que a
Associação GLS Casarão Brasil enviou um projeto à Câmara para tornar a
rua a primeira via pública gay do país, revitalizando as calçadas e trocando
a iluminação, colocando luzes coloridas, tornando o lugar especial para a
manifestação desse grupo.
O projeto foi cancelado nesse ano por uma falta de assistência dos
próprios moradores e frequentadores que não se manifestaram a favor.
Sobre esse tema há
várias opiniões, baseadas
ou não na declaração de
Paulo Stocker, morador
da região e cartunista, que
realizou um trabalho em
um bar localizado na rua
que simbolizou todos os
tipos de frequentadores do local. Paulo é heterossexual, porém é um
simpatizante da causa gay e se intitula um “machofóbico”. Para ele, essa
suposta transformação da rua é no mínimo equivocada, seria uma forma
de segregação que em nada ajudaria os homossexuais frequentadores
da região, pois um gueto só isolaria esse grupo e faria da rua um alvo
fácil para os homofóbicos, como o grupo de Skinheads. Contradizendo
a opinião de Paulo, indagou-se quanto ao enriquecimento econômico e
comercial da rua após o seu “isolamento”.
A antiga igreja localizada
na rua teve um perfil
atípico revelado em uma
das entrevistas realizadas,
onde o produtor da Aloca,
conhecido clube noturno
na rua, declara que em
dias de quermesse, a igreja
convida os produtores
para a organização e as Drag Queens para atenderem nas barraquinhas.
Ele também disse que a partir de sua criação, muitos outros bares e
baladas homossexuais foram inaugurados na rua e por toda a região,
reforçando a teoria exposta no texto de como o lazer serve para unir
determinada comunidade e também para criar uma identidade comum
entre seus membros.
Um bom exemplo da influência homossexual com a mudança de
perfil da rua é um empreendimento imobiliário que pretende conquistar
moradores de 25 a 35 anos. A aposta em apartamentos menores deve-se
à predominância desse público na região. Seus hábitos de vida e consumo
determinam as características dos projetos. “Piscina e sala de ginástica
são fundamentais”, afirma Luiz Cutait, arquiteto responsável pelo
condomínio Frei Caneca New Life. Também é comum haver quadra de
squash, cyber room, fitness e spacegrill (salão de informática, academia
e churrasqueira). Esse e outros edifícios em construção mostram a
lucratividade adquirida pela região, não só para os comerciantes, mas
também para toda uma gama de serviços capazes de mudar o perfil de
um local e de impulsionar o seu crescimento financeiro.
A apropriação da Rua Frei Caneca, pelo público homossexual,
aconteceu de maneira gradativa e ainda está em crescimento. Apesar de
benéfica para a região ela gerou resistência perante a vizinhança mais
conservadora, porém essa resistência aos poucos vem sendo quebrada,
isso pode ser notado nos depoimentos descritos no decorrer do texto.
Com esse trabalho foi possível aprender o quão mutável é o espaço
de uma cidade e principalmente como é poderosa a entrada de um grupo
específico em uma região. Os gays mudaram completamente o perfil da
Rua Frei Caneca e fizeram de um lugar acanhado e pobre uma região
cosmopolita e conhecida em toda a cidade de São Paulo.
Todas as fotografias apresentadas nesse trabalho foram produdizdas pelos integrantes do grupo.
Andressa Yamamoto Secanechia
Erick Garcia Ramalho
Fernando Souza Xavier
Gabriella Marcatto de Oliveira
Ivan Vitório Graça
Marina Castilho Barberino
Mariana Casminatto Souza
Nathalie Sarti Feitosa Saraiva
1 PPC
Sociologia | Antropologia
Liraucio Girard Junior e Sandra Goulart
Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero