Soiedade De Massa E Cultura

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SOCIEDADE DE MASSA: UMA INTERPRETAÇÃO DA CULTURADOMINANTE

Eduardo Henrique Martins Lopes de Scovile*

RESUMO

Este artigo apresenta uma breve análise do surgimento da sociedade de massa norte-americana navisão do sociólogo Charles Wright Mills e aborda também o conceito de ideologia e hegemonia,apontado por Gramsci e Adorno. Wright Mills descreveu a sociedade norte-americana e os processosde sua formação na segunda metade do século XX. O conteúdo de sua teoria revela uma análisepioneira e intrigante, apresentando elementos fundamentais para uma maior compreensão dasociedade de massa. Wright Mills destacou a importância do surgimento de classes e esclareceualguns aspectos fundamentais da sociedade norte-americana. No entanto, Wright Mills não analisouos conceitos de ideologia e hegemonia em suas contribuições. Tais conceitos são primordiais para acompreensão da sociedade de massa capitalista dos Estados Unidos.

Palavras-chave: sociedade, massa, Estados Unidos, Wright Mills, ideologia, hegemonia, Adorno.

ABSTRACT

This article presents a brief analysis of the American mass-society in its first stages of development,based in the conceptions of the American sociologist Charles Wright Mills. It also tries to access theconcepts of hegemony and ideology as conceived by Gramsci and Adorno. Wright Mills described theAmerican society and its development process in the second half of the Twentieth Century. Thecontent of his theory reveals a pioneering and intriguing analysis, offering fundamental insights fora better comprehension of the mass-society. Mills brought into focus the importance of the develop-ment of the classes and cleared some fundamental aspects of the American society. Nevertheless, hedid not access the concepts of ideology and hegemony in his works. Such concepts are of utmostimportance for the comprehension of the capitalist mass-society in the United States.

Key Words: society, mass, United States, Wright Mills, ideology, hegemony, Adorno.

* Economista e Mestrando em Sociologia, área de concentração em Sociologia das Organizaçôes (UFPR);Professor da Business School FAE, em Curitiba (PR). E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

Esse artigo pretende abordar de uma formageral algumas idéias do sociólogonorte-americano Charles Wright Mills acerca dosurgimento de uma sociedade de massa ecomo o sociólogo concebeu a sua formação,de forma independente das formulaçõesexpressas na escola da teoria crítica de Adornoe Marcuse.

No primeiro momento serão analisadosalguns aspectos da teoria de Mills:a sua concepção de sociologia, o indi-víduo como limite à noção de classe, adiferença entre público e massa; estruturada elite do poder e como a comunicaçãode massa permitiu o surgimento de umanova classe média como ela conse-guiu reestruturar a sociedade americana nopós-45.

Na seqüência, será abordado o conceitode ideologia, inserida na noção de hegemoniade Gramsci e como Adorno, Benjamin e Marcusetrataram a questão.

A inclusão dos autores mencionados noparágrafo anterior é justificada pelo fato de queMills jamais se questionou sobre a lógica do modode produção e como a ideologia dominante oreproduz.

Pode surgir a dúvida sobre a possibilidadede um debate entre Gramsci, Adorno e Benjaminem relação às concepções de Mills, devido a suasposições metodológicas. No entanto não é nossaintenção confrontá-los metodologicamente e similustrar dois pontos de vista completamentedíspares.

O rigor metodológico com que Adorno, porexemplo, trata suas categorias jamais poderiaser contrastado com a sociologia de Mills, queprima por uma independência metodológica(crítica ao pragmatismo) e que busca umapraticidade política (política da verdade).

Talvez a independência de Mil lsmetodológica, onde �o sociólogo é seu próprioteórico e metodologista�, transforme em muitoas observações do pensador norte-americano emdiscursos inflamados mas questionáveiscientificamente.

2 WRIGHT MILLS E A VISÃO DE UMASOCIEDADE DE MASSA.

Em uma visão contrária a autores comoGramsci (1985), Adorno (1999) e Marcuse(1982), o sociólogo norte-americano CharlesWright Mills discordaria da idéia de ideologia edas contradições materiais como formadora daconsciência e das ações do sujeito. Mills, comoapontou Fernandes (1985, p. 19), era um norte-americano até a medula e isso certamenteinfluenciou a sociologia do autor.

No entanto, Mills (1985) ao verificar a saídados E.U.A da grande depressão que assolara opaís na década de 30, o New Deal, a ascensãode uma política militarista e de uma sociedadepróspera e do bem-estar, buscou criticar oconformismo e analisar o �homem e a suaalienação�.

A sociologia americana, embevecida como american way of life ,deixou de ser crítica,segundo Mills (1985). A crítica é a base doquestionamento sociológico do autor e aliberdade (no sentido jeffersoniano) e a razão(iluminista mas não pragmática) o cerne dos seusprincípios teóricos.

A sociologia de Mills, segundo Fernandes(1985, p.21), buscava uma praticidade ou seja,a busca de um conhecimento que pudesseintervir e modificar o processo histórico. Esseconhecimento deveria ser um instrumentoprático de mudanças políticas e não uma meradescoberta que não possui eficácia na realidadesocial. Para isso o autor, sempre mantendo umavisão crítica, buscava compreender os grupossociais que detinham o poder e suas relaçõescom a sociedade.

A racionalidade na visão de Mills (1985, P.21), está localizada no indivíduo mas ele estáinserido no social, ou seja, reconhece que ainfluência social atua na pessoa. Portanto a classesocial indica o meio social onde o indivíduo seconstitui.

Os objetos de atenção, o lugar, o tempo eas condições sociais e culturais influem naracionalidade do indivíduo. Mas Mills (1985) alertatambém que a nação, família, escola eprincipalmente os meios de comunicaçãotambém são meios sociais de peso.

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Segundo Fernandes (1985, p.20), Millsacreditava que o indivíduo é o único agente demudança histórica e o desaparecimento dasclasses sociais uma determinação social. Para issoo fator econômico deveria ser relativizado (emcontraposição ao marxismo) e deveríamosconsiderar a sociedade como um conjunto deinstituições; analisar a sociedade como umainteração entre os componentes da naturezahumana de um lado e as condições culturais deoutro.

A análise das instituições sociais deve recairsobre os efeitos que elas possuem nas vidas daspessoas. Portanto a investigação deve partir daformação da racionalidade, do estilo de vida edo tipo de homem que o meio social produz.

O indivíduo, como já dito, é o centro dainteligência e o único ator que buscará se libertar,transformando as instituições sociais e com issoo processo histórico. A sociedade e o indivíduopossuem uma relação tensa e, segundoFernandes (1985, p. 21), para melhorcompreendermos essa tensão, devemos analisar3 categorias básicas: hábito, impulso e intelecto.O autor acreditava que sempre haveria forçasque tentariam se libertar mas que seriamalgumas vezes sufocadas pelo meio social:

É a tensão entre o indivíduo e meio social(hábito) que gera o impulso para atransformação do meio social. Mas o meroimpulso é tão irracional quanto o hábito. Ainteligência é a calibradora do impulsotransformador. Cabe-lhe observar, buscar,pesquisar e permitir a deliberação entre ospossíveis (Fernandes, 1985, p.21).

por ser o mediador das mudanças sociais. Eleque nos afastará das arbitrariedades dasnecessidades imediatas, da abstração estéril (sempraticidade) e do individualismo (Fernandes,1985, p.22).

Quando o impulso é entorpecido, o homemé destituído de uma de suas características. Oimpulso transformador é anulado não pelaexploração econômica e dominação como nateoria marxista, e sim pela opressão de umasociedade e de suas instituições. Ocorre umprocesso de apatia e desinteresse político criadopelo próprio meio.

De forma alguma há uma aproximação deMills (1985) com o marxismo ao vislumbrar essedesvio, pois ele próprio desconsidera a existênciamaterial como o único determinante daconsciência.

Nem a noção de classe social aproxima Millsdo marxismo, pois a consciência individualsempre foi, segundo o autor, um limite para anoção de classe. Mills (1985) recorre à apatiadas classes pouco privilegiadas como umaespécie de ausência de impulso para ousar. Asclasses pouco privilegiadas, assim como todaclasse, geram homens de determinado tipo e osdas classes mais baixas são homens que �nuncatentaram� Fernandes (1985, p. 23).

A alienação agora substituirá, segundo Mills(1985, p. 143), a exploração de classes. Nãohaveria mais o conflito entre pessoas de classesdiferentes, como o marxismo apregoa e sim umprocesso de congelamento do impulso humano.

Criaria-se uma elite que deteria o poder, acultura e os bens materiais, que se manteriaatravés da destituição da capacidade de visão dohomem e sua racionalidade. Esse homem quedetinha a capacidade crítica agora se dissolvena massa e a comunicação de massa teria umimportante papel como formadora da consciênciadesse homem.

A formação da estrutura social norte-americana está condicionada aos efeitos dacomunicação de massa. A comunicaçãoproporcionou condições de apatia política devidoao seu próprio conteúdo não político. Osmembros da elite são os que ocupam os postosde chefia das instituições, no caso dos

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As tensões entre o indivíduo e o meiopodem deter inúmeras facetas e possibilidades.O homem naturalmente possui o impulso masele pode ser descontrolado ou simplesmentereprimido. Ou seja, o impulso é inerente ánatureza humana, no entanto ele pode tomarrumos independentes do intelecto ousimplesmente pode ficar detido ou entorpecido.O impulso deve estar relacionado ao intelecto. Aação do indivíduo deve ser regida pelo intelectoe esse deve ser norteado pela ciência. Novamenterecaímos na ciência práticaou na ação política. O intelecto acaba

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EUA, o exército, o estado burocrático e asinstituições financeiras, e eles se perpetuarãoatravés de um sistema construído a partir dodesinteresse pela política (Mills, 1981). O autorconstata esse fenômeno a partir do surgimentode uma nova classe média no pós-45 compostapor trabalhadores assalariados � white collars.

A sociedade americana, segundo Mills(1976, p. 345), a partir da segunda metade doséculo XX, apresenta um número crescente deindivíduos indiferentes à política que superamaos leais ao sistema (liberais) e aos revoltosos(no sentido marxista). Observa também umafastamento desses indivíduos das fidelidadespolíticas dominantes, sem que esses adquiramnovas.

O desinteresse é acompanhado, segundoo autor, de um descontentamento esimultaneamente de otimismo esperançoso porparte dos indivíduos. Esse otimismo edescontentamento nunca são de caráter político,e sim voltado para situações cotidianasirrelevantes. Essa �despolitização� da socie-dadefoi promovida não somente pela comunicaçãode massa como pela própria estrutura social epolítica e pelas instituições americanas.

A estrutura social americana foifundamental para o processo de despolitizaçãopois a sociedade americana possui umareceptividade fantástica e entusiasta com relaçãoao conteúdo que a comunicação de massaproporciona (Mills, 1976, p. 357). Ou seja, aestrutura social cria e mantém sistematicamentea alienação.

A alienação e a receptividade sãodecorrentes de um aumento progressivo e realda renda, estimulada pelo desenvolvimento daindústria e de sua prosperidade econômicaprovinda de um crescimento acelerado deextensão dos mercados internos e externos.

Os longos períodos de paz e abundância,com satisfações materiais crescentes eininterruptas, não criaram descontentamentoseconômicos.

O período de crise dos 30 serviu parareforçar tal perfil pois, almejar e recuperar umaprosperidade já vivida e com um amparo dasinstituições políticas, torna-se muito mais fácil.

Além dos fatores econômicos e do altopadrão de vida, outro elemento analisado peloautor foi a mobilidade e diversificação de ummercado de prestígio em plena expansão. Aimigração teve um papel fundamental nesseestágio, pois os imigrantes vinham de países quepossuíam um padrão de vida menor do o donorte-americano. Esses imigrantes tinhamreligiões, culturas e línguas diferentes.

Ocorre nesse processo, uma crescentetentativa de adaptação, ou leia-se americanizaçãopor parte dos imigrantes, de sua cultura. Essatentativa buscava uma melhor forma de seadaptarem a um país geograficamente imenso eainda por ser ocupado e também para facilitar aentrada em um mercado com um número deindústrias e profissões cada vez maiores. Assim,a ocupação lenta e esparsa do território, adiversidade cultural dos imigrantes e a nãofixação profissional e comunitária permitiu umamenor integração dos indivíduos.

Portanto, segundo Mills (1976, p. 358), astendências históricas criaram uma mentalidadeindiferente à consciência política.

A rapidez da mudança, criada pelo progressotecnológico, num território aberto, contribuiupara a extrema mobilidade, expansão ediversidade. Os homens não estiveramenraizados ou fixados em uma tradição eportanto estiveram alienados desde o seuaparecimento na estrutura social. A corrida, oprestígio e a égide do bom vendedor semdúvida alguma aumentaram esse processo defixação e afastaram ainda mais o indivíduo dasdemandas e ações políticas, assim como de simesmos (Mills, 1976, p. 359).

Outro fator inerente à sociedade norte-americana é que suas instituições econômicasestiveram sempre à frente das instituiçõespolíticas. A política interliga-se com a economiaa fim de obter vantagens e garantir práticaseconômicas. Essa ligação é tão forte que, perantea sociedade norte-americana, as instituiçõespolíticas e econômicas não se alinham mas elasse tornam uma única coisa. A satisfação materialé o objetivo a ser alcançado, e o que torna issopossível é o melhor instrumento a ser utilizado.

Raramente a política americana tem sidoautônoma. Sempre esteve ancorada no setor

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setor econômico, e os meios políticos sãoempregados para obter e garantir finseconômicos limitados. Assim, se ela chegou adespertar interesse, raramente esse interesseconvergiu para fins políticos, quase sempre nãoultrapassava os lucros e as perdas materiais(Mills, 1976, p. 360).

Assim, Mills (1985, p. 140), associa osurgimento de uma nova classe média, diferenteda sociedade clássica, pois se abstem de seupoder crítico, com uma estrutura de poderbaseado em uma elite que detém o comandodas instituições e que acaba por transformar asociedade pública em sociedade de massa. 1

Primeiramente, devemos esclarecer,segundo a visão do autor o que seja público eque é massa. A distinção dos dois termos estáintimamente relacionada com a comunicação quetambém é uma formadora de consciência. Algunsproblemas são apontados pelo autorprincipalmente no que diz respeito à estruturado poder e da emissão de opinião. Quando háum número proporcional de emissores ereceptores de opinião há a possibilidade dedebate e de manifestação (Mills, 1985, p. 135).Quando há uma desproporção entre emissorese receptores, no caso um número reduzido deemissores, o processo democrático, que paraMills (1985) é a idéia central da vida comunitária,torna-se impossível. Na organização dacomunicação a opinião é emitida por um númerodeduzido de emissores e normalmente não hárepresálias. Esses emissores são condicionadospela própria estrutura do poder que regula o quepode ser �dito� ou não. Assim, a organização dacomunicação e seu processo de difusão sãoinstitucionalizados com os auspícios da mídiapacificados ou impedidos de omitirem suasopiniões.

Assim, Mills (1985, p. 136) definiu que asociedade pública possui tantos emissores quantoreceptores de opinião. Na sociedade de massa,as pessoas expressam muito pouco e recebemmuito mais opiniões dos meios de

1 A concepção de opinião pública clássica seassemelha a de iluministas como Rosseau, mas comalgumas sérias modificações.

comunicação. Torna-se uma comunidadeabstrata onde as opiniões individuais são diluídase a opinião da mídia é regulada pelas instituições.O total controle dos meios de comunicação fazemcom que a massa não tenha autonomia frenteàs instituições e reduz qualquer possibilidade deformação de opinião.

A ascensão da sociedade de massa emdetrimento do público é explicada pelacentralização do poder pelas instituições e pelaestrutura burocrática que assume as esferaspolíticas, econômicas e militares. Essas esferasperderam suas funções originais, inclusivepolíticas e se tornaram mais administrativas.

O poder individual e comunitário tambémsofreria modificações em grande escala e é cadavez mais subordinado a associações organizadasem partidos de massa. Esses partidos, sempredivididos em dois (no caso E.U.A)monopolizariam a opinião e relegariam a umsegundo plano uma argumentação racional eprática (Mills, 1985, p.140). O processo eleitoralseria regido por um populismo e por técnicas depropaganda. Nesse ponto, os meios decomunicação atuam de forma a desviar a atençãodo indivíduo da realidade social econseqüentemente da sua.

A comunicação seria na opinião de Mills(1985, p. 142) o veículo transformador do públicoem massa. Os meios de comunicação retirarama discussão e a tensão entre o indivíduo e asociedade em favor de uma distração; de umaalienação que suspende a atenção do indivíduo.A tensão existiria apenas em caráter puramentemercadológico: ter ou não um produto. Oindivíduo é desabilitado de uma visão de mundoe é simultaneamente desconectado de suaprópria realidade. Portanto, o indivíduo não sevincula ao que acontece a sua volta pois nãorelaciona o que acontece consigo mesmo; nãose desprende do seu estreito cotidiano. 2 Aspessoas acabam por optar por meios decomunicação que reflitam os seus gostos e suasrotinas além de selecionarem opiniões que sejam

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2 Mills define esse espaço e essa rotina comomilieux.. Nestes milieux as pessoas ficam separadas sempossuir um conhecimento da estrutura da sociedade.

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delas. Opiniões diferentes acabam por sertratadas com menosprezo, pois estão imersas emsuas rotinas, cada vez mais estreitas e confinadas(MILLS, 1985, p. 145).

O indivíduo agora se relaciona porestereótipos e por pseudomundos que acomunicação de massa pode criar ou mesmodestruir.

Passa a ter o indivíduo pré-noções darealidade e das coisas que presume que estãocertas e que devem ser seguidas. Ele acaba porperder a sua autonomia e, conseqüentementesua autoconfiança. Torna-se impotente peranteas estruturas burocráticas; anônimo nasmegalópoles (típicas das sociedades de massa)e ausente nas decisões políticas (Mills, 1985, p.146).

Mills busca em suas análises, se abster dosconceitos de ideologia e hegemonia, presentesnas formulações teóricas de Marx, Gramsci e daescola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer et al).

A estrutura social norte-americana seriaconstruída a partir de um desinteresse político ede uma comunicação de massa extremamenteeficaz. O modo de produção e a carga ideológicaque ele carrega não são objetos da análise deMills (1985). Cabe aqui uma breve análise doconceito de ideologia e hegemonia para maioresesclarecimentos.

2 A IDEOLOGIA COMO FORMADORA DACONSCIÊNCIA

É comum afirmar que os Estados Unidos,no período pós-guerra, apresentou umahegemonia que atingiu o seu ápice na décadade 60. Cabe ressaltar que essa hegemonia écaracterizada pelo domínio e liderança política eeconômica.

Inúmeras vezes o conceito de hegemoniafoi utilizado para descrever o poder político,cultural e econômico dos E.U.A . na década de50 e 60. No entanto, o conceito é utilizado semo devido rigor. O desenvolvimento do conceito éatribuído por inúmeros críticos a GRAMSCI(1985). Segundo o autor, uma classe mantém oseu domínio não somente através daorganização de forças mas inclusive na

liderança moral e intelectual. O conceito de classedominante refere-se a uma classe que dispõedos meios de produção material e intelectual.Essa classe para manter e reproduzir o modo deprodução, deve exercer o poder político, ou seja,deve pertencer ao Estado.

Marx (1989) atribuiu à burguesia a classeque detém esse domínio e o Estado como o meiode administrar os seus interesses. No entanto,Gramsci (1985, p. 117-129) visualizou no domínioda sociedade civil e da política os dois níveisprincipais da hegemonia

A sociedade civil é um conjunto deorganismos privados que se combinam como Estado a fim de exercerem o domínio sobrea sociedade. Portanto, a função da hegemoniaé a reprodução da dominação de classe.Essa classe economicamente dominantefaz concessões dentro de certos limites comaliados que juntos, formam um bloco de forçasou bloco histórico como definiu Gramsci (1985,p.19-24).

Esses blocos organizam a sociedadeatravés de suas instituições sociais e produtivasnas quais a ideologia da classe dominante écriada e recriada através dos intelectuais e dosaparelhos ideológicos. Gramsci atribui aosintelectuais não realizadores, ou seja, os que nãovoltam suas atenções para a sociedade comoreprodutores da hegemonia da classe dominante.Acreditava o autor que somente os intelectuaisvindos de uma classe menos abastada são os�edificadores práticos da sociedade�. Através dosaparelhos ideológicos, caracterizados por Gramscina educação e nos meios de comunicação, osintelectuais reafirmam a dominação de classe(Gramsci, 1985, p.117).

O Estado portanto, constitui uminstrumento de dominação e o autor constataque a hegemonia é exercida através da ideologiae pela ideologia. O conceito de �ideologia� deGramsci (1985) parte da concepção de Marx(1989).

Constitui ideologia, na visão de Marx(1989), as representações que um grupo socialdá a si mesmo em relação a outros grupos nasociedade. Através da ideologia, umaclasse exprime os seu interesse. Emcontrapartida, a ideologia oculta e deforma

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iguais às relações sociais e as contradiçõesdo modo de produção. Por fim, deduzque a representação ideológica dominanteé a da classe dominante e esta, dissimulaas relações de dominação (Marx, 1989).

Resumindo, a ideologia constituía uma falsaconsciência ou uma falsa representaçãoque as classes sociais possuem de sua própriacondição.

Para Gramsci (1985, p.119), a ideologiaé uma concepção do mundo e está relacio-nada com as idéias e atitudese, fundamentalmente, em orientar e conduziratravés de regras.

A ideologia se manifesta nas artes, nasrelações políticas e econômicas e sobretudo nasmanifestações coletivas e individuais. Através daideologia que os homens atuam e adquiremconsciência.

A ideologia �hegemônica� não somentereflete os interesses econômicos como propiciauma visão sistemática que influencia a sociedadeservindo como princípio de organização dasinstituições sociais e econômicas.

Conclui-se que a ideologia é o ponto centralda hegemonia e é nela em que se fundamentatodo o processo de organização social e produtivae é a partir dela que a estrutura da sociedadecapitalista e as supremacias econômicas,notadamente a norte-americana, baseiam-se.

Adorno, como aponta Cohn (1986, p.12),ao analisar as práticas sociais através da realidadedistorcida, em que as relações de poder e ascontradições do modo de produção se escondem,recorreram também à análise da ideologia combase nas concepções de Marx.

A teoria crítica basicamente se tornou umacrítica à ideologia. A ideologia, não é algo que éimposto a um sujeito passivo pois ela nãosomente submete ou o ilude e sim o coloca aosseus serviços segundo Adorno (1999).

A indústria cultural permitiria que todos ossetores, principalmente a comunicação,reproduzissem a ideologia dominante. TantoAdorno (1978) como Mills (1985) atribuem umpapel fundamental da comunicação de massa naformação da sociedade.3

Os interesses, conflitos e contradiçõessociais se reproduzem em um sistema demanipulação e sua análise permite romper comas ideologias e com isso abrir o caminho paranovas transformações no campo social (Assoun,1991, p.35).

Para Benjamin, como afirma Kothe (1976),em uma visão ainda mais próxima de Marx de�falsa consciência�, a ideologia pode ser uminstrumento utilizado nos conflitos entre ascamadas sociais.

Como Kothe (1976, p. 109) afirmou: �(...)um termo que não guarda apenas o sentidobásico de falsa consciência...podia ter um sentidopositivo (...) como parte da luta de classes (...)Ao dizer o outro �, a literatura tinha o seumomento de verdade, mas sendo espólioarrastado no cortejo dos vencedores edominadores da história, assumia o caráternegativo da ideologia. Combatendo-o, assumiao caráter positivo desta.�

Cabe ressaltar que a teoria crítica deAdorno (1978) e Marcuse (1982) foi além doponto central das concepções de Gramsci (1985)pois o alvo das observações desses autoressempre foi a racionalidade instrumental ou seja,abrigava uma subjetividade não encontrada noautor italiano.

A razão instrumental transformaria asociedade e os meios técnicos acabaram porimpedir o desenvolvimento da capacidadecriadora humana.

O progresso técnico vindo da racionalidadeinstrumental, herança da era das luzes, atenderiaa lógica do capital e não às necessidadeshumanas. A emancipação política e a reflexãoestariam paralisadas e a racionalidade científicaseria vítima dos seus próprios métodos,tornando-se irracional.

Marcuse (1982) atribui ao progressotécnico a �chave� da ideologia da sociedadeindustrial. O progresso técnico permitiu osurgimento de um sistema de dominação ecoordenação que reconcilia qualquer sistema

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3 Maiores detalhes sobre o conceito de indústriacultural ver: Adorno, 1978

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de força que se opõe à ideologia (Marcuse, 1982,p. 23-37). Não nos prolongaremos nessadiscussão pois para os frankfurtianos a base seriaa própria racionalidade que aprisionaria odesenvolvimento e �libertação� como Marcuse(1982) argumenta. Mas a argumentação deGramsci (1985) acerca da hegemonia esupremacia de uma classe em relação a outraou a formação de blocos econômicos retém umalógica interessante, sendo oposta a de Mills(1985). As noções de classe e de movimentohistóricas são díspares entre Adorno e Gramsci.O sujeito torna-se a figura central de análise paraAdorno (1999) e Marcuse (1982), enquanto aclasse social seria a base para o pensamento deGramsci (1985).

CONCLUSÃO

Segundo Mills, a formação da consciênciana sociedade ficou independente do conflito deinteresses entre as camadas sociais, da ideologiae do modo de produção. Ocorre, segundo o autornorte-americano, um processo de enrijecimentode um estado burocrático cada vez maisadministrado (concepção teórica notadamentevinda de Max Weber) e uma estratificação socialque gerou uma elite e uma classe média quesofre mas nunca reage. Surge uma sociedadede massa que é homogênea, apática, sem umdebate lógico e que �navega� em problemasimaginários. A comunicação de massa produziuum indivíduo ausente politicamente e limitadoem seus horizontes.

No entanto, Mills não releva que a ideologiada camada econômica dominante, presente emGramsci e Adorno, reproduz o modo de produção.A rigor, a relevância de Mills recai sobre seusapontamentos a cerca da sociedade norte-americana do pós-45 e o papel que acomunicação de massa possui como�desmobilizadora� das atividades políticas e daopinião pública.

A busca de Mills por uma �verdade� quepossa ser praticada como instrumento parasolidificação de uma sociedade puramentedemocrática e a sua análise das estruturas dopoder e sua elite acabam por sersimultaneamente instigantes e intrigantes.

E novamente devemos atentar que tanto Adornoquanto Mills, observaram a importância dacomunicação de massa como instrumento deformação de consciência e de classe.

No que concerne à análise das classessociais (e a questão do indivíduo), Mills énotadamente um sociólogo que admitiu a suainfluência norte-americana e todos os seus mitosde liberdade. Claramente um entusiasta doiluminismo, buscou questionar autores comoGramsci, pela existência do estado totalitáriostalinista. Os frankfurtianos (Adorno e Marcuse)também questionaram os estados totalitários, anoção de classe e, principalmente buscaramverificar se o iluminismo cumpriu sua promessa.

Contudo, a teoria de Mills constitui umarcabouço fundamental na análise dosurgimento do Estado normatizador norte-americano. A associação entre a sociedade deconsumo de massa e o intervencionismo baseadonas concepções keynesianas (Estadonormatizador) permitiu a consolidação de umasociedade de bem-estar social e, parale-lamente,a hegemonia dos E.U.A no período que se segueao término da Segunda Grande Guerra.

Apesar das críticas que apontam parauma fragilidade metodológica e da ausência emsuas análises dos conceitos de ideologia ehegemonia, Mills é o primeiro sociólogo críticonorte-americano e sua contribuição para umaanálise da sociedade de massa norte-americanapermanece como um instrumento eficaz naanálise da formação da classe média norte-americana.

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