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Campo Grande, 25 a 28 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 SOJA CONVENCIONAL E TRANSGÊNICA: UMA ANÁLISE DOS PARÂMETROS LEGAIS [email protected] APRESENTACAO ORAL-Economia e Gestão no Agronegócio KELLIANE DA CONSOLACAO FUSCALDI; JOSEMAR XAVIER DE MEDEIROS; MARIA JULIA PANTOJA. UNIVERSIDADE DE BRASILIA, BRASILIA - DF - BRASIL. Soja convencional e transgênica: uma análise dos parâmetros legais Grupo de Pesquisa: ECONOMIA E GESTÃO DO AGROCEGÓCIO Resumo: O sistema de produção transgênico constitui dimensão produtiva relevante no cenário mundial, não obstante constata-se que as normas para garantir a coexistência deste tipo de produto e os produtos convencionais são praticamente inexistentes. A inexistência de parâmetros legais à coexistência dos produtos convencionais e transgênicos, aliada a dificuldade de identificação e a falta de sistemas de segregação, têm contribuído para que ocorram contaminações durante as etapas do processo produtivo e de comercialização. Além disso, acarreta implicações em termos de custos elevados para empresas e produtores que desejam ter o seu produto reconhecido e certificado como produto convencional. Diante disso, o presente estudo teve como objetivos identificar, no marco jurídico vigente no Brasil, os aspectos legais relacionados aos OGMs, e, especificar os aspectos legais relacionados à coexistência entre a soja convencional e transgênica. Para tanto, foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa, na modalidade estudo de caso. Os resultados encontrados demonstram que até o presente momento, as regras estabelecidas pela legislação brasileira, embora importantes, não são suficientes para garantir a coexistência dessas duas variedades de soja. Palavras-chaves: Coexistência, soja convencional, soja transgênica, marco jurídico vigente. Abstract: The transgenic production system is productive dimension relevant on the world stage, notwithstanding it appears that the standards to ensure the coexistence of this type of product and conventional products are virtually nonexistent. The absence of legal standards to the coexistence of GM and conventional products, coupled with the difficulty of identification and lack of systems of segregation, have contributed to contamination occurring during the stages of production and marketing. Besides have implications in terms of high costs for companies and producers who want your product recognized and certified as conventional product. Therefore, this study aims to identify, in the legal framework in force in Brazil, the legal aspects related to GMOs, and specify the legal issues related to coexistence between conventional and transgenic soybean. This research

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SOJA CONVENCIONAL E TRANSGÊNICA: UMA ANÁLISE DOS PARÂMETROS LEGAIS [email protected] APRESENTACAO ORAL-Economia e Gestão no Agronegócio KELLIANE DA CONSOLACAO FUSCALDI; JOSEMAR XAVIER DE MEDEIROS; MARIA JULIA PANTOJA. UNIVERSIDADE DE BRASILIA, BRASILIA - DF - BRASIL.

Soja convencional e transgênica: uma análise dos parâmetros legais

Grupo de Pesquisa: ECONOMIA E GESTÃO DO AGROCEGÓCIO

Resumo: O sistema de produção transgênico constitui dimensão produtiva relevante no cenário mundial, não obstante constata-se que as normas para garantir a coexistência deste tipo de produto e os produtos convencionais são praticamente inexistentes. A inexistência de parâmetros legais à coexistência dos produtos convencionais e transgênicos, aliada a dificuldade de identificação e a falta de sistemas de segregação, têm contribuído para que ocorram contaminações durante as etapas do processo produtivo e de comercialização. Além disso, acarreta implicações em termos de custos elevados para empresas e produtores que desejam ter o seu produto reconhecido e certificado como produto convencional. Diante disso, o presente estudo teve como objetivos identificar, no marco jurídico vigente no Brasil, os aspectos legais relacionados aos OGMs, e, especificar os aspectos legais relacionados à coexistência entre a soja convencional e transgênica. Para tanto, foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa, na modalidade estudo de caso. Os resultados encontrados demonstram que até o presente momento, as regras estabelecidas pela legislação brasileira, embora importantes, não são suficientes para garantir a coexistência dessas duas variedades de soja. Palavras-chaves: Coexistência, soja convencional, soja transgênica, marco jurídico vigente. Abstract: The transgenic production system is productive dimension relevant on the world stage, notwithstanding it appears that the standards to ensure the coexistence of this type of product and conventional products are virtually nonexistent. The absence of legal standards to the coexistence of GM and conventional products, coupled with the difficulty of identification and lack of systems of segregation, have contributed to contamination occurring during the stages of production and marketing. Besides have implications in terms of high costs for companies and producers who want your product recognized and certified as conventional product. Therefore, this study aims to identify, in the legal framework in force in Brazil, the legal aspects related to GMOs, and specify the legal issues related to coexistence between conventional and transgenic soybean. This research

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was conducted qualitative research, in form of case studies. The results show that up to now, the rules established by Brazilian legislation while important are not sufficient to ensure the coexistence of two soybean varieties. Key Words: Coexistence, conventional soybean, transgenic soybean, the current legal framework. 1. Introdução

A produção agropecuária mundial comporta diversos sistemas de produção, dentre os quais se destacam os sistemas de produção convencional, orgânico e transgênico. Estes são bastante referenciados devido as suas naturezas de produção. Em relação à produção transgênica, ainda hoje, não há consenso entre estudiosos e profissionais se este sistema de produção causa ou não malefícios ao homem e a natureza.

No entanto, dados divulgados pelo Conselho de Informação sobre Biotecnologia (CIB, 2009) mostram que a área total com transgênicos, que era praticamente inexistente em 1996, teve um crescimento significante em todo o planeta. Em 2008, a área plantada no mundo foi de 125 milhões de hectares, representando um crescimento de 9,4 % em relação à área plantada em 2007. Deste total, 70,5 milhões de hectares estavam localizados em países industrializados e o restante, que representa aproximadamente 44 % da área total, em países em desenvolvimento. O número de países que adotam biotecnologia também aumentou, passou de 23 em 2007 para 25 em 2008.

O Brasil ocupou, em 2008, a terceira posição em relação à área plantada com transgênicos, ficando atrás dos Estados Unidos e da Argentina. O cultivo nesses três países correspondeu a uma área de 62,5; 21,0 e 15,8 milhões de hectares, respectivamente. Enquanto no Brasil e na Argentina são plantadas apenas lavouras transgênicas de milho, soja e algodão, nos Estados Unidos existe uma variação maior de cultura, dentre elas soja, milho, algodão, canola, abobrinha, papaia e alfalfa No Brasil, a área plantada (em milhões de hectares) com transgênicos está assim distribuída: 14,2 destinados à soja; 1,3 ao milho; e, 0,25 ao algodão. (CIB, 2009).

Por se tratar de uma inovação no modo de produção, o produto transgênico não possui diferenças visíveis em relação ao que é produzido de forma convencional, sendo impossível identificar se determinado produto é ou não transgênico com base em suas características morfológicas, sensoriais ou organolépticas.

A dificuldade de identificação, a falta de sistemas de segregação e a ausência de normas adequadas à coexistência dos produtos têm contribuído para que ocorram contaminações durante as etapas do processo produtivo e de comercialização, além de implicar em custos elevados para empresas e produtores que desejam ter o seu produto reconhecido e certificado como produto convencional.

Com base no que foi aqui exposto, o problema que emergiu para este estudo está formulado na seguinte questão: em que medida as normas existentes asseguram a coexistência para estes produtos, tendo em vista a possibilidade de contaminação e prejuízos para os produtores não-transgênicos?

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Dessa forma, os objetivos do presente estudo consistem em identificar, no marco jurídico vigente no Brasil, os aspectos legais relacionados aos OGMs; e, especificar os aspectos legais relacionados à coexistência entre a soja convencional e transgênica.

O artigo foi estruturado em 4 tópicos, além desta introdução. O segundo tópico contextualiza os OGMs e os aspectos relacionados à sua existência; o terceiro, descreve os procedimentos metodológicos utilizados, e o quarto, apresenta os principais resultados encontrados. As considerações finais são tecidas no tópico 5, seguidas das referências bibliográficas utilizadas.

2 Organismos Geneticamente Modificados1: contextualização

Enquanto a Lei nº 11.105, de 24-03-2005, define organismo geneticamente

modificado (OGM) como um organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética, a União Européia adotou a seguinte definição: OGM é um organismo cujo material genético não foi modificado por multiplicação e/ou recombinação natural, mas pela introdução de um gene modificado ou de um gene pertencente a outra variedade ou espécie2.

Trata-se de uma tecnologia sofisticada e de custo elevado, entretanto seus resultados são considerados imprevisíveis e ilimitados. No processo de transgenia as sequências introduzidas são, em tese, previamente conhecidas, podendo ser adicionadas, no todo ou em parte, ao genoma previamente escolhido. O fato de se conhecer o que está sendo adicionado faz com que na tecnologia de transgenia esteja embutida a possibilidade da aplicação de leis de propriedade industrial que permite o patenteamento. Dessa forma, os benefícios da transgenia são atribuídos às grandes empresas, aos grandes agricultores e aos melhoristas. (NODARI e GUERRA, 2001).

Apesar de a primeira planta transgênica ter sido criada em 19833, o início da utilização de transgênicos em larga escala se deu em 1996. Desde essa época apenas três tipos foram adotados comercialmente: os trangênicos para resistir a um determinado agrotóxico, os transgênicos criados para terem propriedades inseticidas e os transgênicos que combinam essas duas características. A característica mais usada é a tolerância ao herbicida, seguida de resistência a insetos e da combinação das duas características em uma mesma planta, respectivamente.

Devido à relevância do assunto, foram surgindo perspectivas teóricas que buscam defender suas idéias e posicionamentos. Em linhas gerais, tem-se que os OGMs surgiram com o objetivo de criar espécies mais resistentes, aumentar a produtividade e minimizar a

1 Neste estudo, parte-se do pressuposto de que a técnica de transgenia dá origem a um organismo geneticamente modificados (OGM), dessa forma, OGM será utilizado como sinônimo de transgênico. No entanto, vale ressaltar que Nodari e Guerra (2001) afirmam que não há concordância absoluta sobre esta sinonímia. 2 Disponível em < http://europa.eu/scadplus/glossary/genetically_modified_organisms_pt.htm>. Acesso em 29 de mar. de 2010. 3 “As primeiras plantas transgênicas foram desenvolvidas em 1983 quando um gene codificante para a resistência contra o antibiótico canamicina foi introduzido em plantas de fumo” (LACERDA, 2006), na Universidade de Gante, Bélgica (Disponível em <http://www.tierramerica.net/2005/0226/particulo.shtml>. Acesso em 17 de março de 2010).

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fome no mundo. No entanto, Ramos e Sanmatin (2009) ressaltam que esta é a visão da corrente de cientistas que defendem a comercialização destes produtos. Do outro lado, estão os ambientalistas e a corrente de cientistas contrária a este contexto. Estes argumentam que não existem testes suficientes para comprovar ou não os perigos causados pela manipulação genética dos alimentos na saúde das pessoas e no meio ambiente e que falta orientação aos consumidores.

Para o Greenpeace (2009), muitas pessoas acreditam que os OGMs foram criados para produzir mais, ter mais nutrientes, resistir a chuvas, secas e temperaturas extremas. No entanto, depois de mais de 10 anos da primeira plantação comercial de transgênicos, nada disso se confirmou. Nesse sentido, essa organização não-governamental (ONG) teme que os transgênicos possam causar impactos imprevisíveis, irreversíveis e incontroláveis ao meio ambiente. A organização ainda ressalta que há pouquíssimos estudos sobre o impacto destes produtos na saúde humana e animal, e que até agora os resultados obtidos em pesquisas não fornecem evidências conclusivas quanto a segurança dos mesmos. No entanto, os produtores brasileiros tem sido atraídos por este tipo de sistema de produção devido, principalmente, às facilidades de manejo (RIBEIRO, 2008).

Do ponto de vista institucional, quando um OGM é autorizado, ele é considerado tão seguro quanto sua contraparte tradicional. Dessa forma, um OGM só é liberado comercialmente se for considerado seguro para a saúde dos seres humanos, dos animais, dos vegetais e para o meio ambiente. No entanto, existe um questionamento que se refere ao aspecto mercadológico sobre a possibilidade de convivência das cultivares GM com as cultivares convencionais. (ALEXANDRE, 2008).

Com base em diversos tipos de publicações, observa-se a existência de diversas formas de disseminação dos OGMs e contaminações que vêm ocorrendo em todo o mundo. No caso da agricultura, a contaminação de sementes e de lavouras não-transgênicas pode ocorrer por vias biológicas - polinização; físicas - mistura de sementes em máquinas, caminhões, vagões e troca de sementes entre agricultores; e, por meio do mercado - dificuldades e falhas de identificação e segregação de cargas (FERNANDES et al, 2009). Esse fenômeno se traduz em uma externalidade negativa, que prejudica os agentes e setores que desejam permanecer no modo convencional e orgânico de plantio.

Apesar da possibilidade de contaminação, nos grandes países produtores de transgêncios não foram estabelecidas regras legais para garantir a coexistência, tendo em vista que isto representaria um alto custo e não traria retorno nos aspectos relacionados à saúde humana, animal, vegetal ou ambiental (ALEXANDRE, 2008).

Contudo, em países do bloco europeu, grandes consumidores do produto, foram inseridas, por meio da Comissão Européia, recomendações em seu arcabouço legal para que fossem incorporadas medidas de coexistência em complemento as regras existentes de rastreabilidade e rotulagem de alimentos. O objetivo dessa medida volta-se estritamente para aspectos mercadológicos e para o impedimento de que algum sistema de produção seja excluído na União Européia.

Para Fernandes et al (2009), uma norma de coexistência deve ter os seguintes objetivos: preservar a agricultura e a alimentação livre dos OGMs; garantir ao agricultor o direito de cultivar produtos convencionais e orgânicos, sem correr o risco de ser contaminado pelos transgênicos; e, garantir ao consumidor o direito de saber o tipo de produto consumido. Além disso, as normas devem trazer formas de prevenir a

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disseminação não intencional e os possíveis danos, antecipados ou não, causados pelos transgênicos, além de facilitar eventuais recalls ou operações de descontaminação dos produtos disponíveis nos mercados.

A Diretiva 556-03 da European Economic Community (ECC) estabelece que a coexistência significa a possibilidade efetiva, para os agricultores, de escolherem entre o modo de produção convencional, biológico ou geneticamente modificada, no respeito das obrigações legais em matéria de rotulagem ou de normas de pureza.

O que se constata é que a ausência de normas regulamentadoras da coexistência tem acarretado problemas de contaminação por OGMs em todo o mundo e essa contaminação tem um impacto econômico negativo nos setores da economia que escolhem permanecer livres deste tipo de produto. Como a maioria dos países não tem um sistema de responsabilização pelos OGMs, os custos de evitar a contaminação transgênica (custos de testes e de descontaminação) acabam sendo bancados pelos contaminados e não pelo contaminador.

No Brasil, a discussão gira principalmente em torno da soja transgênica4, já que a introdução da nova tecnologia adotada para cultivo trouxe impactos para a coordenação do sistema agroindustrial mais significativo do agronegócio brasileiro.

A adoção da soja RR deu origem a uma polarização no mercado de soja e isto está obrigando alguns agentes envolvidos no processo de produção e comercialização a desenvolverem formas de segregação de produtos, o que envolve uma série de novos custos que passam a ser inseridos no processo de produção e de comercialização. Dessa forma, as técnicas de segregação e rastreabilidade passaram a assumir um caráter estratégico para o setor agroindustrial.

Um ponto relevante que deve ser considerado neste contexto é a inexistência de parâmetros legais para regulamentar a coexistência entre as duas variedades (convencional e transgênica), fato que pode ser confirmado pela declaração de Alexandre (2008, p. 29):

(...) não se verificou a implantação de regras de coexistência nos principais países produtores durante os dez primeiros anos de difusão da tecnologia. As exigências regionais ou nacionais quanto às características de qualidade e identidade dos produtos estão sendo reguladas pelo próprio mercado.

Diante desse contexto, surge o seguinte questionamento: quais são os parâmetros legais, que constam no marco jurídico vigente, para garantir a coexistência entre a soja convencional e transgênica no Brasil?

3. Metodologia

O texto seguinte apresenta os aspectos metodológicos utilizados, descrevendo a importância do sistema agroindustrial da soja e especificando a natureza da pesquisa, os procedimentos de coleta e análise de dados adotados.

4 A soja transgênica (ou soja Roundup Ready - RR®) é um tipo de semente de soja que foi desenvolvida pela multinacional Monsanto na década de 80. Possui uma característica que a torna tolerante a herbicida à base de glifosato, usado para dessecação pré e pós-plantio. O herbicida Roundup também é de propriedade da multinacional.

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3.1 Importância do sistema agroindustrial da soja Existem no Brasil, mais de 243 mil produtores de soja e o setor gera cerca de 1,4

milhão de empregos, promovendo o desenvolvimento sustentado e a interiorização da riqueza (LOVATELLI, 2009). O valor bruto da produção da soja, em 2008, foi de R$ 47,3 bilhões, representando 5,7 % do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio, cujo valor foi R$ 764,5 bilhões (CNA, CEPEA, 2010). Estima-se que em 2010, a produção de soja no país seja de aproximadamente 65 milhões de toneladas, correspondendo a um valor bruto de produção da ordem de R$ 42 bilhões.

Na safra 2008/2009, o plantio de soja ocorreu em 45,5 % da área plantada com grãos, resultando na produção de 57 mil toneladas do produto, que correspondeu a 42,5 % da produção nacional de grãos (CONAB, 2009). Em 2009, as exportações do complexo soja totalizaram US$ 17,2 bilhões (MAPA, 2010), valor equivalente a 67,7 % do saldo positivo da balança comercial do País (MDIC, 2010). Em nível mundial, o Brasil é o segundo maior produtor e exportador, atrás apenas dos Estados Unidos nas duas categorias (USDA, 2010).

Os principais Estados produtores desta oleaginosa e a respectiva participação percentual na produção brasileira são: Mato Grosso, 31,5 %; Paraná, 16,7 %, Rio Grande do Sul, 13,9 %; Goiás, 12 %; e Mato Grosso do Sul, 7,3 %. (CONAB, 2009).

3.2 Natureza da pesquisa

Configura-se como pesquisa de natureza qualitativa na medida em que não enfoca a

enumeração e/ou a medição dos eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise de dados. Estudos qualitativos partem de questões ou focos de interesse amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve, ou seja, a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo (GODOY, 1995).

Caracteriza-se como estudo de caso, que é uma análise aprofundada de uma unidade, a qual determina suas características por meio de duas circunstâncias: a natureza e a abrangência da unidade e a complexidade do estudo, que é determinada pelos suportes teóricos que fundamentam o trabalho (TRIVIÑOS, 1987). 3.3 Instrumentos

No que tange à coleta dos dados, utilizou-se de dados primários e secundários

coletados mediante análise documental e pesquisa bibliográfica. A análise documental foi conduzida mediante consultas na legislação vigente sobre

OGM. Foram analisados os parâmetros legais, que compõe o marco jurídico, disponibilizados nos sites da CTNBio e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento5.

5 Disponível em: <http://www.ctnbio.gov.br> e <http://www.agricultura.gov.br>, respectivamente.

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Com relação ao levantamento bibliográfico, foram contemplados publicações e quadros referenciais abordando o tema estudado. Além destes instrumentos, foi realizada pesquisa na internet, pro meio do site de busca <http://www.google.academico.com> com as seguintes palavras-chave: produtos transgênicos, coexistência, organismos geneticamente modificados, modos de produção, segregação de transgênicos, soja GM, soja convencional e algumas combinações entre estas. 3.4 Análise dos dados

Para esta etapa do estudo, foi utilizada análise interpretativa, com base nos dados coletados por meio da pesquisa documental e bibliográfica. Esta análise foi realizada com base nas categorias de conteúdo, a posteriori, que emergiram ao longo da análise do marco jurídico vigente.

4. Resultados e discussão

4.1 Marco jurídico brasileiro: aspectos legais relacionados aos OGMs

Atualmente, as atividades relacionadas aos OGMs estão disciplinadas pela Lei nº 11.105, de 24-03-2005, e regulamentadas pelo Decreto nº 5.591, de 24-11-2005. No entanto, a partir da análise da legislação vigente sobre o assunto, disponibilizada nos sites da CTNBio e do Mapa6, observou-se que o marco jurídico relacionado aos OGMs aborda parâmetros legais que vigoravam antes da chegada dos produtos transgênicos no território brasileiro, e que ainda estão em vigor, e parâmetros legais que surgiram para regulamentar a atividade.

Após análise minuciosa dos instrumentos legais que compõem esse marco jurídico, foram identificadas categorias de conteúdo que emergiram ao longo do tempo. Estas categorias fazem referências a: direito à informação, convenções internacionais, direito de propriedade intelectual, regras para coexistência, política nacional de biodiversidade/biossegurança e análise de risco. Dessa forma, a análise documental da legislação vigente foi estruturada nessas categorias de análises de conteúdo, apresentadas de acordo com a ordem cronológica e relacionando a elas os instrumentos legais posteriores. a) Direito à informação

A Lei nº 8.078, de 11-09-1990, determina que o consumidor tenha informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de

6 A pesquisa foi realizada nos meses de novembro e dezembro de 2009, e, em março de 2010 foi verificado a ocorrência de novas publicações.

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quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. No caso de produto industrial, as informações necessárias e adequadas a respeito do produto devem ser disponibilizadas através de impressos apropriados que o acompanhe. Além disso, a Lei assegura os direitos decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário.

A afirmação falsa ou enganosa, ou a omissão de informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços, constitui crime contra as relações de consumo. Dessa forma, cabe ao Governo proteger o consumidor, coibindo e reprimindo os abusos praticados no mercado de consumo.

Tendo em vista que esse marco jurídico surgiu muito antes do início do plantio comercial de transgênicos e da liberação do produto no Brasil7, foi necessária a edição de um decreto para regulamentar o direito à informação, assegurado pela Lei, em relação aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contivessem ou fossem produzidos a partir de OGMs, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis.

Apenas em 2003 foi editado o Decreto nº 4.680, de 24-04-2003, o qual determinou que o consumidor deve ser informado da natureza transgênica do alimento ou ingrediente alimentar, destinado ao consumo humano ou animal, quando o limite do produto GM for maior do que 1 % (um por cento). A regra vale para alimentos que contém ou são produzidos a partir de OGMs.

Ficou estabelecido que no rótulo da embalagem ou do recipiente dos produtos (embalados, a granel ou in natura) deve constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça8, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: "(nome do produto) transgênico", "contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)" ou "produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico"9. Ficou determinado também que o consumidor seja informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.

No caso dos alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração que contém ingredientes transgênicos, o painel principal deve apresentar, em tamanho e destaque, a expressão: "(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico" ou "(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico".

Em relação aos alimentos e ingredientes alimentares que não contém ou não são produzidos a partir de OGMs ficou facultada a rotulagem "(nome do produto ou ingrediente) livre de transgênicos", desde que haja similares transgênicos no mercado brasileiro.

7 A primeira liberação para o plantio comercial de transgênicos ocorreu em 1998. Foi permitido à empresa Monsanto a comercialização da semente de soja Roundup Ready (RR) resistente ao herbicida glifosato. 8 O símbolo e suas especificações foram definidos pela Portaria MJ nº 2.658, de 22-12-2003. 9 Essa informação também deve constar do documento fiscal, de modo que acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva.

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O direito à informação também é garantido pela Lei nº 11.105, de 24-03-2005, que será apresentada neste tópico.

Tendo em vista que a primeira liberação de plantio de OGM se deu em 1998 e que a regulamentação do direito à informação só ocorreu em 2003, houve um período de quase cinco anos em que o consumidor não teve o direito à informação garantido. De acordo com Lenzi (2009), a aprovação da liberação do plantio da soja transgênica ocorreu sem que o governo apresentasse qualquer programa de rotulagem específico para os OGMs, fato que provocou uma reação imediata em organizações da sociedade civil e que será abordado no item d. Momma (2003) vê a rotulagem como forma de se cumprir o Código de Defesa do Consumidor e de fazer prevalecer a vontade do cidadão no seu processo decisório de consumo, com base em informações seguras e precisas. b) Convenções Internacionais

Existem atualmente duas convenções internacionais relacionadas aos OGMs das quais o Brasil é signatário: a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Protocolo de Cartagena.

O texto da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, assinado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi aprovado pelo Congresso Nacional em 1994, através do Decreto Legislativo nº 2, de 03-02-1994, e promulgado pelo Presidente da República em 1998, através do Decreto nº 2.519, de 16-03-1998.

A CDB definiu biotecnologia como qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica.

De acordo com a Convenção, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, segundo suas políticas ambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio-ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional. De forma que, cada parte contratante deve estabelecer procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental dos projetos que possam ter efeitos negativos na diversidade biológica, a fim de evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso, permitir a participação pública nesses procedimentos.

O texto da Convenção estabeleceu ainda que o governo nacional é a autoridade competente para determinar o acesso a recursos genéticos, estando sujeito à legislação nacional.

Apesar de ter sido aprovado que o acesso a tecnologia e sua transferência a países em desenvolvimento devem ser permitidos e/ou facilitados, o texto reconhece que, no caso de tecnologia sujeita a patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o acesso à tecnologia e sua transferência devem ser permitidos em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade intelectual.

O texto do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, celebrado em Montreal - Canadá, em 29-01-2000, foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 908, de 21-11-2003, e promulgado pelo Decreto nº 5.705, de 16-02-2006.

Através deste instrumento foi reafirmada a abordagem do princípio da precaução contida na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Baseando-se

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nessa abordagem, o Protocolo de Cartagena tem como objetivo contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados (OVM) resultantes da biotecnologia moderna, que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente os movimentos transfronteiriços.

Para alcançar este objetivo ficou determinado às partes velar para que o desenvolvimento, a manipulação, o transporte, a utilização, a transferência e a liberação de todos OVM se realizem de maneira a evitar ou a reduzir os riscos para a diversidade biológica, levando também em consideração os riscos para a saúde humana.

Ficou determinado que as partes devem estabelecer e manter mecanismos, medidas e estratégias apropriadas para regular, manejar e controlar os riscos identificados nas disposições de avaliação de risco do Protocolo associados ao uso, à manipulação e ao movimento transfronteiriço de OVM.

As avaliações de risco devem ser conduzidas de maneira transparente e cientificamente sólida, levando em conta as técnicas reconhecidas de avaliação de risco e o assessoramento especializado de organizações internacionais relevantes e as diretrizes por elas elaboradas, a fim de identificar e avaliar os possíveis efeitos adversos dos OVMs na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica e os riscos para a saúde humana.

De acordo com o Protocolo, a avaliação de risco deverá ser realizada caso a caso, sendo que a falta de conhecimentos ou de consenso científico não será necessariamente interpretada como indicativo de um nível determinado de risco, uma ausência de risco ou de um risco aceitável.

Ficou estabelecido que cada Parte deve tomar as medidas necessárias para exigir que todos os OVM, objetos de um movimento transfronteiriço, sejam manipulados, embalados e transportados sob condições de segurança, levando em consideração as regras e normas internacionais relevantes. Além disso, cada Parte deve tomar medidas para exigir que a documentação que acompanhe os OVMs, destinados para usos de alimento humano ou animal ou ao beneficiamento, identifique claramente que esses "podem conter" OVM e que não estão destinados à introdução intencional no meio ambiente, bem como um ponto de contato para maiores informações.

O Decreto nº 6.925, de 6-08-2009, dispôs sobre a aplicação de alguns artigos do Protocolo de Cartagena. Para fins deste estudo, vale ressaltar que o novo Decreto determinou que cabe ao exportador, sujeito à jurisdição brasileira, notificar, por escrito, a Parte importadora antes do primeiro movimento transfronteiriço intencional de OVM. Além disso, o exportador deve comunicar à Autoridade Nacional Competente (CTNBio, Mapa, MS, Anvisa, Ibama e SEAP) apropriada, conforme sua área de atuação, sobre a realização de notificação à Parte importadora.

Vale ressaltar que essa preocupação não está relacionada apenas aos aspectos ambientais, mas também aos aspectos econômicos, já que as consequências derivadas da importação de OGMs podem acarretar obrigações para todos os segmentos envolvidos no setor.

c) Direito de propriedade intelectual

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De acordo com a Lei nº 9.279, de 14-05-1996, qualquer invenção, que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, pode ser patenteada, sendo garantido ao autor o direito de propriedade. A Lei assegura que os microorganismos transgênicos10, que atendam aos três requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) e que não sejam mera descoberta, possam ser patenteados por um período de 20 (vinte) anos.

A Lei nº 9.456, de 25-04-1997, instituiu o direito de Proteção de Cultivares. De acordo com este instrumento jurídico, a proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar. A proteção assegura a seu titular o direito à reprodução comercial no território brasileiro, ficando vedados a terceiros, durante o prazo de proteção, a produção com fins comerciais e o oferecimento à venda ou a comercialização do material de propagação da cultivar sem sua autorização.

Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que utilizar a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica. Após o prazo de vigência do direito de proteção, a cultivar cairá em domínio público e nenhum outro direito poderá obstar sua livre utilização.

d) Regras para coexistência

Desde o final da década de 90 começaram a ser definidas regras para permitir a

existência dos OGMs no território nacional. O primeiro instrumento legal voltado para este objetivo foi a Instrução Normativa

CTNBio nº 2, de 10-09-1996. Por meio desta, foi aprovada a importação de vegetais GM e suas partes, representadas por pequenas quantidades ou amostras de sementes, plantas vivas, frutos, estacas ou gemas, bulbos, tubérculos, rizomas, plantas in vitro, ou quaisquer partes de plantas GM, com capacidade de reprodução ou multiplicação. No entanto, ficou estabelecido que todo material autorizado para importação fosse destinado apenas à pesquisa, não sendo permitida a realização de pesquisa em campo. Esta só poderia ser autorizada, mediante um parecer conclusivo da CTNBio em requerimento diferenciado e após análise de documentos específicos.

A Instrução Normativa CTNBio nº 4, de 19-12-96, estabeleceu as normas de transporte para os OGMs. Conforme a IN, a permissão para o transporte depende da classificação do OGM e de seu destino, sendo que tanto a entidade remetente quanto a receptora, localizadas em território nacional, é obrigada a ter o Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB. O transporte do material deve acontecer em embalagens firmemente fechadas ou vedadas, para prevenir o escape do mesmo, contendo a identificação do símbolo de biossegurança e de frágil, e a mensagem: "Cuidado: abertura autorizada apenas no interior do laboratório por técnico especializado".

Através da Instrução Normativa CTNBio nº 13, de 1º-06-1998, foram definidas as normas para importação de animais geneticamente modificados (AnGMs) para uso em

10 Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

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trabalho de contenção, devendo a importação ser feita por entidade que possua o Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB.

A Instrução Normativa CTNBio nº 17, de 17-11-1998, dispõe sobre as normas que regulamentam as atividades de importação, comercialização, transporte, armazenamento, manipulação, consumo, liberação e descarte de produtos derivados de OGM, definindo as competências dos órgãos de fiscalização.

Em 1998, ocorreu a primeira liberação planejada no meio ambiente e comercial de OGM. A Instrução Normativa CTNBio nº 18, de 15-12-1998, liberou o plantio da soja Roundup Ready (soja RR) e de qualquer germoplasma derivado da linhagem glyphosate tolerant soybean GTS 40-3-2 ou de suas progênies GM para tolerância ao herbicida glifosato. A partir desse momento, as atividades de cultivo, registro, uso, ensaios, testes, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, importação e descarte da soja GM tolerante ao herbicida glifosato ficaram isentas de avaliação prévia ou solicitação de novo parecer técnico da CTNBio. Contudo, as legislações específicas dos órgãos fiscalizadores competentes deveriam continuar sendo seguidas.

Ficou determinado que caberia à Monsanto do Brasil realizar o monitoramento científico dos plantios comerciais das cultivares da soja Roundup Ready por um período de cinco anos; aos órgãos fiscalizadores competentes acompanhar a atividade; e, aos técnicos especializados nomeados pela CTNBio, supervisioná-la. Ficou determinado também que mediante autorização prévia da CTNBio, a sociedade civil organizada interessada poderia realizar auditoria científica.

Essa liberação, conforme dito anteriormente, gerou uma grande polêmica. De acordo com Castro (2006), a CTNBio emitiu parecer favorável à liberação da soja RR, sem recomendar o estudo de impacto ambiental (EIA), fato que causou manifestos contrários à liberação. Esta foi contestada pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e pelo Greenpeace, organizações não governamentais em defesa do direito do consumidor e do meio ambiente, com justificativa de que deveriam ser feitas pesquisas mais rigorosas e completas sobre estes alimentos e que demonstrassem os impactos específicos no ecossistema peculiar do país.

O IDEC entrou com pedido de liminar na Justiça Federal para impedir a autorização do plantio da soja RR, fato que foi acatado pela Juíza Raquel Fernandez Perrini (11ª Vara Federal de São Paulo) proibindo a União de autorizar esse plantio enquanto não regulamentasse a comercialização de produtos GM e realizasse o prévio Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto no Meio Ambiente (EIA/RIMA). Até que houvesse uma decisão definitiva, alguns estados aprovaram legislação contra os OGMs. No entanto, a soja transgênica se difundiu ilegalmente pelo país e com o passar dos anos foram implementadas novas regras para disciplinar o plantio dos OGMs no Brasil.

A Instrução Normativa CTNBio nº 19, de 19-04-2000, trouxe a possibilidade de haver, no processo decisório de biossegurança da CTNBio relativo à liberação planejada no meio ambiente de OGMs, audiências públicas de caráter técnico-científico na fase instrutória, sempre que a Comissão julgasse necessário.

Em 2005, foram estabelecidas as primeiras zonas de exclusão para o plantio de OGM. A Portaria nº 21, de 13-01-2005, do Mapa, estabelece zonas de exclusão para o cultivo de sementes ou caroços de algodão herbáceo GM (Gossypium hirsutum) ou de algodão herbáceo convencional com traços de eventos de transformação genética.

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Através do Comunicado nº 01, de 09-08-2006, a CTNBio determina as condições de isolamento para concessão de autorização de liberação planejada no meio ambiente de milho GM. Ficou determinado que a instituição ou entidade interessada em obter autorização de liberação planejada no meio ambiente de milho GM deve adotar o isolamento espacial ou o isolamento temporal. No caso de cultivo de variedade crioula de milho nas proximidades da área experimental, deveria ser estabelecida, ao redor das parcelas experimentais, bordadura de contenção com dez linhas de milho não GM, mantida a distância de 400 metros de outros plantios com milho (isolamento espacial) e respeitado o período mínimo de 40 dias entre datas de florescimento de outros plantios de milho (isolamento temporal).

O Decreto 5.950, de 31-10-2006, estabelece as seguintes faixas limites para o plantio de OGMs nas áreas circunvizinhas às unidades de conservação, em projeção horizontal a partir do seu perímetro, até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação: 500 metros para o caso de plantio de soja tolerante ao herbicida glifosato; 800 metros para o caso de plantio de algodão resistente a insetos; e 5 km para o caso de plantio de algodão resistente a insetos, quando existir registro de ocorrência de ancestral direto ou parente silvestre na unidade de conservação.

A Lei 11.460, de 21-03-2007, veda a pesquisa e o cultivo de OGMs nas terras indígenas e nas áreas de unidades de conservação, excetos nas Áreas de Proteção Ambiental - APA. Ficou determinado que o Plano de Manejo poderia dispor sobre as atividades de liberação planejada e o cultivo de OGM nas APAs e nas zonas de amortecimento das demais categorias de unidade de conservação, observadas as seguintes informações da CTNBio sobre: - o registro de ocorrência de ancestrais diretos e parentes silvestres; as características de reprodução, dispersão e sobrevivência de OGM; o isolamento reprodutivo do OGM em relação aos seus ancestrais diretos e parentes silvestres; e, situações de risco do OGM à biodiversidade.

Ficou estabelecido que o Poder Executivo estabeleceria os limites para o plantio de OGMs nas áreas que circundassem as unidades de conservação até que fosse fixada sua zona de amortecimento e aprovado o seu respectivo Plano de Manejo.

Através do Comunicado CTNBio nº 2, de 12-07-2007, foram determinadas as condições de isolamento para autorização de liberação planejada no meio ambiente de eucalipto GM. A Resolução Normativa nº 3, de 16-08-2007, dispôs sobre as normas de monitoramento do milho GM em uso comercial, enquanto a Resolução Normativa nº 4, da mesma data, estabeleceu as distâncias mínimas entre cultivos comerciais de milho GM e não GM, visando à coexistência entre os sistemas de produção. Ficou determinado que a distância entre uma lavoura comercial de milho GM e outra de milho não GM, localizada em área vizinha, deveria ser igual ou superior a 100 metros ou, alternativamente, 20 metros, desde que acrescida de bordadura com, no mínimo, 10 fileiras de plantas de milho convencional de porte e ciclo vegetativo similar ao milho GM.

Esta determinação é absolutamente insuficiente para evitar cruzamentos, tendo em vista que com base em Nodori e Guerra (2001), o pólen de milho pode ser carregado pelo vento por até 9,6 km.

Por meio das Resoluções nº 2 e nº 3, de 5-03-2008, o CNBS ratificou os Pareceres Técnicos da CTNBio favoráveis à liberação comercial das variedades de milho GM Liberty Link e Guardian.

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A partir de 2008, a liberação comercial de OGMs e seus derivados passou a obedecer as normas constantes na Resolução Normativa nº 5, de 12-03-2008, e a autorização por escrito da CTNBio. No entanto, a autorização da CTNBio não exime nenhum requerente de cumprir as demais obrigações legais aplicáveis ao objeto do requerimento no país. À CTNBio coube a responsabilidade de suspender ou revogar, a qualquer tempo, a autorização concedia para liberação comercial de um OGM ou derivado, se forem detectados e comprovados efeitos adversos sobre o ambiente ou a saúde humana e animal.

De acordo com a Resolução, a avaliação de risco deve identificar e avaliar os efeitos adversos potenciais do OGM e seus derivados na saúde humana e animal, no ambiente e nos vegetais, mantendo a transparência, o método científico e o princípio da precaução.

Por meio do Comunicado nº 4, de 24-06-2008, a CTNBio determinou condições de isolamento para concessão de autorização de liberação planejada no meio ambiente de algodoeiro GM: - manter distância mínima de 800 metros de quaisquer outras espécies de algodoeiro, caso haja algodoeiros silvestres ou variedades locais nas proximidades; e, - manter distância mínima de 250 metros de qualquer de algodoeiro e implantar bordaduras de contenção de trinta linhas de algodoeiro convencional e de dez linhas de milho ao redor das parcelas experimentais na ausência de plantas silvestres ou variedades locais.

Por meio da Resolução nº 4, de 31-07-2008, a CNBS deu parecer favorável à liberação da variedade de milho GM Bt 11.

A Resolução Normativa nº 6, de 6-11-2008, estabelece as normas para liberação planejada no meio ambiente de OGM de origem vegetal e seus derivados, para fins de avaliações experimentais, devendo ser obedecidas as demais disposições legais vigentes no país, que incidam sobre o objeto do requerimento, bem como as autorizações decorrentes das decisões técnicas proferidas pela CTNBio.

A Resolução Normativa nº 7, de 27-04-2009, estabeleceu as normas para liberação planejada no meio ambiente de Microorganismo e AnGM de Classe de Risco I11 e seus derivados, para fins de avaliações experimentais. Enquanto que a Resolução Normativa nº 8, de 03-06-2009, dispôs sobre normas simplificadas para liberação planejada no meio ambiente de OGM da Classe de Risco I e seus derivados, que já tinham obtido aprovações anteriores da CTNBio, para fins de avaliações experimentais.

Através do Comunicado nº 6, de 18-03-2010, a CTNBio determinou que as liberações planejadas no meio ambiente de soja GM deverão estar isoladas por, no mínimo, 10 metros de outros plantios de soja, devendo utilizar dentro destes 10 metros no mínimo 5 metros de bordadura cultivada com variedade de soja autorizada para plantio comercial, observando o espaçamento entre linhas normalmente recomendado para a cultura da soja. Ficou determinado que após o término do florescimento completo das parcelas experimentais contendo as plantas GM, a bordadura de isolamento físico poderá ser destruída. Caso não tenha sido destruída após esse florescimento, ao final do experimento essa bordadura deverá ser destruída. As liberações planejadas no meio ambiente de soja

11 As classes de risco de OGM estão definidas no art. 8º da Resolução Normativa nº 2, de 27-11-2006. A Classe de Risco 1 apresenta baixo risco individual e baixo risco para a coletividade: o OGM que contém sequências de ADN/ARN de organismo doador e receptor que não causem agravos à saúde humana e animal e efeitos adversos aos vegetais e ao meio ambiente.

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GM ainda não implantadas e aquelas que se encontram em análise na CTNBio deverão ter suas condições de isolamento adequadas ao disposto neste Comunicado. e) Política Nacional de Biodiversidade / Biossegurança:

O Decreto nº 4.339, de 22-08-2002, instituiu os princípios e as diretrizes para a

implementação da Política Nacional da Biodiversidade, com a participação dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil.

De acordo com o Decreto, a regulamentação de produto GM deve ser consolidada com base na legislação vigente, no princípio da precaução e na análise de risco dos potenciais impactos sobre a biodiversidade, a saúde e o meio ambiente, devendo os diferentes segmentos da sociedade brasileira ser envolvidos no processo, garantindo a transparência e o controle social. Ficou determinado ainda que houvesse a responsabilização civil, criminal e administrativa, no caso da introdução ou difusão não autorizada de OGM que oferecesse riscos ao meio ambiente e à saúde humana.

O Decreto determinou a exigência de licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos que fizessem uso de OGM e derivados, efetiva ou potencialmente poluidores, nos termos da legislação vigente.

A Lei nº 11.105, de 24-03-2005 regulamentou os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabeleceu normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvessem OGM e seus derivados, criou o Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, reestruturou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, e dispôs sobre a Política Nacional de Biossegurança - PNB.

A Lei determina que os alimentos e ingredientes alimentares, destinados ao consumo humano ou animal, que contenham, ou sejam, produzidos a partir de OGM ou derivados, devem conter informação em seus rótulos, conforme regulamento. O Decreto nº 5.591, de 24-11-2005, regulamentou os dispositivos desta Lei. f) Análise de risco:

A análise de risco realizada no Brasil, além de seguir as normas definidas pelo Codex

Alimentarius, obedece também ao Princípio da Precaução, que torna obrigatória a análise de risco de qualquer OGM, obrigando o empreendedor a realizar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental previsto no art. 225, inciso IV, da Constituição Federal.

A Resolução Normativa CTNBio nº 2, de 27-11-2006, dispõe das regras a serem obedecidas para a classificação de risco de OGM e dos níveis de biossegurança a serem aplicados nas atividades e projetos em contenção com OGM e seus derivados que envolvam a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o armazenamento, a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico, o ensino, o controle de qualidade e o descarte. Vale ressaltar que as regras definidas por esta Resolução não se aplica à liberação planejada de OGM no meio ambiente.

De acordo com a Orientação nº 1 do CNBS, de 31-07-2008, a CTNBio, quando entender necessário, deve fazer uso não apenas de estudos apresentados pelo proponente da liberação comercial para avaliar a biossegurança do OGM e seus derivados, mas também de estudos realizados por terceiros, justificando a não-utilização destes, sempre que apenas

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os estudos apresentados pelo proponente forem considerados na referida avaliação de biossegurança.

A Orientação nº 2 do CNBS, da mesma data, aprova a realização de estudos de seguimento de médio e longo prazos dos eventuais efeitos no meio ambiente e na saúde humana dos OGM e seus derivados, cuja liberação comercial tenha sido autorizada. 4.2 Aspectos legais relacionados ao plantio da soja transgênica e à coexistência da soja convencional e transgênica

A soja Roundup Ready (ou soja RR)12 entrou no Brasil através sementes

contrabandeadas da Argentina no final da década de 90 e foi produzida ilegalmente até sua regulamentação13. Esta variedade, desenvolvida pela empresa multinacional Monsanto, foi a primeira variedade de transgênico a ser aprovada no Brasil. Trata-se de uma espécie resistente ao glifosato14, um poderoso herbicida que mata qualquer planta e que também foi desenvolvido pela mesma empresa.

Durante muitos anos a soja RR foi a única variedade de soja transgênica produzida e comercializada no Brasil. A partir do final de 2009, começaram a ser aprovadas, pela CTNBio, a liberação comercial de outras variedades de soja GM15, no entanto, vale ressaltar que essas variedades ainda não foram lançadas no mercado.

Em relação aos aspectos legais relacionados à coexistência da soja convencional e transgênica têm-se os seguintes resultados: a) Direito à informação

12 A soja Roundup Ready contém seqüências de bactérias, de vírus e da petúnia, cujos produtos não fazem parte da nossa alimentação (NODARI e GUERRA, 2000). 13 O primeiro indício da legalização da soja transgênica ocorreu em 2003, com a edição da Medida Provisória (MP) que autorizava a comercialização do produto produzido ilegalmente no Sul do país. A MP foi editada independente da existência da Lei de Biossegurança de 1995, que impedia a produção e comercialização de qualquer produto transgênico sem que fossem realizados estudos de impacto ambiental e apresentado o relatório de impacto no meio ambiente (EIA/RIMA), e do processo judicial que barrava a sua comercialização enquanto não fosse definido sobre a necessidade destas pesquisas. Em 2005, foi editada e regulamentada uma nova legislação sobre o tema, autorizando definitivamente a produção e comercialização da soja transgênica no Brasil. (CASTRO, 2006). 14 A resistência ao glifosato é uma característica que tem o objetivo de facilitar o manejo da cultura. A princípio seria necessário um menor número de aplicações de herbicida, o que acarretaria menores custos de produção. No entanto, o pagamento de royalties à empresa que detém a patente das sementes onera os custos de produção. 15 Foram autorizadas até o momento a liberação comercial das seguintes variedades: soja CV 127, tolerante aos herbicidas do grupo químico das imidazolinonas, desenvolvida pela BASF S.A. e Embrapa (Parecer Técnico CTNBio 2236/2009) e soja Liberty Link, tolerante ao glufosinato de amônio, evento de transformação A2704-12 e A5547-127, desenvolvida pela Bayer S.A. (Parecer Técnico CTNBio 2286/2010 e 2273/2010). (Disponível em: <http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/12786.html>. Acesso em 23 de mar. de 2010).

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No caso da soja GM, o consumidor deve ser informado da natureza transgênica do alimento ou ingrediente alimentar, destinado ao consumo humano ou animal, quando o limite do produto GM for maior do que 1 % (um por cento). Essa regra vale para alimentos que contém ou são produzidos a partir de OGMs. O rótulo da embalagem ou do recipiente do produto deve conter o símbolo que identifica um produto GM e uma das seguintes expressões, dependendo do caso: "soja transgênica", "contém soja transgênica" ou "produto produzido a partir de soja transgênica". Além disso, o consumidor deve ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.

No caso dos alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração que contém soja transgênica, o rótulo do produto deve apresentar a expressão: "(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico" ou "(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico".

No caso da soja convencional e seus subprodutos, está facultada a rotulagem "(nome do produto ou ingrediente) livre de transgênicos". b) Convenções Internacionais

Seguindo as determinações do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, a exportação de soja GM pelo Brasil deve ser manipulada, embalada e transportada sob condições de segurança, levando em consideração as regras e normas internacionais relevantes.

Cabe ao exportador e ao importador de soja, tomar medidas para exigir que a documentação que acompanhe a soja GM, destinada para usos de alimento humano ou animal ou ao beneficiamento, identifique claramente que o produto "pode conter" OVM e que o produto não está destinado à introdução intencional no meio ambiente, bem como um ponto de contato para maiores informações. Além disso, cabe ao exportador, sujeito à jurisdição brasileira, notificar, por escrito, ao importador, antes do primeiro movimento transfronteiriço intencional de soja GM; devendo comunicar à Autoridade Nacional Competente apropriada, conforme sua área de atuação, sobre a realização desta notificação.

c) Direito de propriedade intelectual

No caso da soja GM, a produção da semente é, até o presente momento, monopólio

da Monsanto. Os produtores rurais que optarem por esse tipo de semente se comprometem em pagar os royalties à multinacional sobre o valor de sua produção.

A empresa, detentora da tecnologia contida na semente de soja RR, começou a se organizar para cobrar pelos seus direitos de propriedade intelectual em 2003, quando o plantio da soja GM ainda não havia sido liberado. Em 2005, foi consolidado o sistema de cobrança de royalties tanto das sementes quanto dos grãos. (CASTRO, 2006).

Atualmente o produtor rural enfrenta dois principais problemas que se originaram devido à garantia do direito de propriedade intelectual:

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- mesmo que o produtor de soja produza sua própria semente para o plantio da safra seguinte, ele é obrigado a pagar os royalties para a multinacional no momento da venda do produto; - caso o produtor de soja convencional tenha sua plantação contaminada por soja GM e no momento da venda for identificado que o produto apresenta mais de 5 % de grãos transgênicos, o produtor é obrigado a pagar os royalties para a Monsanto.

Vale ressaltar ainda que a multinacional detém o direito de produção do herbicida Roundup. O herbicida fabricado pela Monsanto mata todas as ervas (daninhas ou não), no entanto, a plantação de soja permanece intocada, já que a semente GM pela Monsanto, produz plantas resistes a este agrotóxico.

d) Regras para coexistência

Até o presente momento, o governo brasileiro estabeleceu regras para a liberação

planejada no meio ambiente de variedades GM de milho, eucalipto, algodão e soja. Sendo que apenas para o milho GM foram estabelecidas regras para o plantio comercial.

No caso da soja GM, o estabelecimento de regras para a liberação planejada no meio ambiente só ocorreu em março de 2010. Dessa forma, só existem regras estabelecidas para pesquisa de variedades GM que não foram autorizadas.Em relação ao plantio comercial, a única regra estabelecida em relação à soja tolerante ao herbicida glifosato é a faixa limite de 500 metros para seu plantio nas áreas circunvizinhas às unidades de conservação, até que seja definida a zona de amortecimento e aprovado o Plano de Manejo da unidade de conservação.

e) Política Nacional de Biodiversidade / Biossegurança

A única exigência que consta na Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105) é de que alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham, ou sejam, produzidos a partir de soja GM ou derivados deverão conter informações nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento. Nesta Lei o Governo só regulamenta aspectos voltados para a pesquisa e a produção. f) Análise de risco

No caso de novas variedades de soja GM, a legislação obriga o empreendedor a realizar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e de fazer uso não apenas de estudos apresentados pelo proponente da liberação comercial para avaliar a biossegurança do produto e seus derivados, mas também de estudos realizados por terceiros.

5. Conclusão

Observa-se que as regras estabelecidas até o momento para assegurar a coexistência

entre a soja convencional e transgênica estão muito aquém do necessário. Com base nas informações coletadas, pode-se constatar que ainda não foi estabelecido instrumento legal

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visando à coexistência entre os sistemas de produção comercial de soja GM e NGM. Além disso, não foi determinada nenhuma condição de isolamento espacial e temporal, bem como, estabelecido normas para bordaduras de contenção e monitoramento, no caso dos plantios comerciais.

O direito à informação só é garantido ao consumidor final. A lei não garante ao consumidor de semente esse tipo de informação. A rotulagem também deveria ser obrigatória no rótulo das embalagens de semente.

A falta de normas que definem o isolamento espacial e temporal permite o plantio de variedade transgênica e convencional próximo e simultâneo. Essa prática aumenta a probabilidade de sincronia no florescimento e, consequentemente, as chances de contaminação.

Além disso, constata-se que a norma brasileira não leva em conta as fontes de contaminação espalhadas ao longo da cadeia produtiva; não considera as contaminações causadas pela mistura de sementes em máquinas, caminhões, silos, etc. No caso da soja, o produto convencional corre o risco de ser contaminado pela carga de outras empresas, principalmente nos terminais portuários.

Essas declarações podem ser confirmadas por Fernandes et al (2009, p. 11), que afirma que:

Apesar de cultivar legalmente Organismos Geneticamente Modificados (OGM) em escala comercial desde 2003, o Brasil nunca adotou medidas que permitissem e assegurassem de fato a coexistência das variedades transgênicas com os cultivos convencionais, agroecológicos e orgânicos.

Em complemento a esta afirmação, Aquino e Pelaez (2007) declaram que a expansão acelerada de áreas cultivadas com soja GM tende a aumentar os riscos de contaminação dos campos de cultivo da soja não-GM, bem como dos carregamentos que são transportados por empresas que utilizam os mesmos caminhões para a soja GM.

Por fim, cabe ressaltar que o presente estudo apresenta limitações relacionadas à falta de comparação entre os aspectos abordados pelo marco jurídico brasileiro e as normas adotadas por outros países, no que se refere à coexistência entre produtos convencionais e transgênicos, principalmente em relação à cultura da soja. Dessa forma, pesquisas devem ser conduzidas visando o estudo dos parâmetros legais implementados por outros países, para que possa ser possível realizar uma compraração entre as normas vigentes em ambos para poder, a partir daí, apontar as deficiências das normas brasileiras frente à legislação adotada por outros países.

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