Soldados Da Borracha

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História/ CartaCapital – 775 FOTOS: IBGE, RONI CARVALHO E PARÁ HISTÓRICO “o nosso navio teve de ir para as águas rasas, quase encalhando, e só consegui- mos seguir adiante depois de um avião dos Estados Unidos bombardear o submari- no alemão”, lembra o seringueiro Antô- nio Barbosa, cearense de 90 anos. Barbo- sa não esteve no campo de batalha, mas sua experiência no meio da Amazônia en- tre 1942 e 1945 deixaria qualquer praça de cabelos em pé. Muitas vidas se perde- ram no “esforço de guerra” de 60 mil se- ringueiros para fornecer aos aliados em luta na Europa o látex usado na fabrica- ção de pneus. Mas, ao contrário dos expe- dicionários enviados à Itália, os “soldados da borracha” nunca foram tratados como heróis. A eles restou o esquecimento. Mais da metade, 35 mil para ser pre- ciso, perderam a vida em três anos na floresta, recorda José Romão Grande, piauiense de 91 anos. Um número espan- toso diante das quase 500 vidas ceifadas durante a campanha italiana. Foram víti- mas de doenças, das péssimas condições de trabalho, de brigas, de animais. Os seringueiros ainda vivos sobrevi- vem atualmente com uma pensão de pou- co mais de 1,3 mil reais. Em novembro de 2013, a Câmara dos Deputados perdeu a chance de reparar essa injustiça históri- ca. Os deputados aprovaram em dois tur- nos a Proposta de Emenda à Constitui- Restam vivos 6 mil dos 60 mil trabalhadores recrutados entre 1942 e 1945. Uma indenização enviada pelos EUA foi extraviada ção que reajusta a pensão dos soldados da borracha para 1,5 mil. A versão original, da senadora Vanessa Grazziotin, deputa- da federal à época do lançamento do pro- jeto, pedia a equiparação aos vencimen- tos dos ex-voluntários da Força Expedi- cionária Brasileira, cerca de 4,5 mil reais. Relatado pela deputada Perpétua de Almeida, o texto final, além de dispen- sar a equiparação, estabelece uma inde- nização de 25 mil reais aos seringueiros, viúvas e dependentes. “Essa PEC é o re- sultado de um acordo possível”, afirma a parlamentar. “Não tínhamos a menor chance, nunca teve acordo. Para mim, a grande injustiça foi lá atrás, logo após a guerra, quando os pracinhas foram rece- bidos como heróis e os soldados da bor- racha, esquecidos. Nem sequer foram in- formados do fim da guerra, e ficaram lá na floresta sendo explorados.” Segundo o advogado Antônio Augus- to Souza Dias, do Sindicato dos Soldados da Borracha do Estado de Rondônia, a in- denização deveria ser maior: 650 mil re- ais. Os EUA destinaram, dizem os regis- tros históricos, uma indenização no fim da guerra para retribuir o esforço dos bra- sileiros enviados à floresta e garantir o re- torno dos trabalhadores às suas casas. “O dinheiro nunca chegou às mãos devidas”, do governo de aprovar a PEC conforme o texto da Câmara, sem novas alterações. Grande parte dos corpos dos 35 mil seringueiros, diz Romão, foi sepultada em covas rasas na Amazônia. “A gente cavava buracos debaixo das redes onde os homens morriam. Depois era só cor- tar as cordas e tapar”, relata o voluntá- rio número 11.035 do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores pa- ra a Amazônia. “Saímos 48 homens de Manaus, em outubro de 1943, para o se- ringal na floresta. Em dezembro éramos apenas 18.” Romão não se lembra quan- tas vezes contraiu malária nos três anos de trabalho intenso. Pouco mais de 6 mil soldados da borra- cha ainda estão vivos. Barbosa, que faz questão de sempre usar um boné da FEB, é figura conhecida no Congresso Nacio- Na campanha militar na Itália morreram menos de 500. Na selva, perto de 35 mil Batalha. José Romão Grande e Antônio Barbosa, sobreviventes da aventura na floresta, lutam por uma aposentadoria equivalente àquela dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira Os soldados da borracha Seringueiros que abasteceram os aliados na Segunda Guerra com látex da Amazônia querem equiparação com os praças da FEB POR ROBINSON PEREIRA nal. O cearense escapou do beribéri – do- ença causada pela falta de vitamina B1 que causa fraqueza muscular e dificulda- des respiratórias –, da malária, das onças e sucuris. Livrou-se até de um chefe em- penhado em embolsar seu soldo mirrado. “Eu e mais dois pedimos para sair do Se- ringal Oco do Mundo, no Acre, e o chefe nos liberou. Um cidadão no porto onde a gente ia pegar um barco para Rio Branco avisou: ‘Vão tocaiar vocês três’.” Prepa- rados, Barbosa e os outros seringueiros surpreenderam os dois jagunços. “Le- vamos os dois amarrados para o serin- gal e acertamos a conta com o chefe”, re- memora. Ninguém morreu naquele dia. Igualmente sobrevive a esperança dos seringueiros. A maioria ainda sonha em viver até o momento em que o Brasil irá tratá-los como verdadeiros soldados. relata Souza Dias. Um processo de viola- ção dos direitos humanos e irresponsabi- lidade da administração pública duran- te a ditadura de Getúlio Vargas tramita no Tribunal Regional Federal de Brasília. A PEC chegou ao Senado na quinta-fei- ra 7 de novembro de 2013 e já enfrenta re- sistência da bancada da Amazônia. Na mes- ma hora em que o texto era encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, o se- nador Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia, criticou em discurso a mudança no teor ori- ginal. “Não adianta nada o Congresso apro- var uma lei que não atenda aos anseios dos envolvidos. Vou pedir uma audiência pú- blica para debater o assunto.” O acriano Sérgio Petecão, do PSD, aproveitou o dis- curso do colega e afirmou não aceitar a in- justiça com os soldados da borracha. “Nós temos uma bandeira, e essa é fazer justiça a esses heróis que não recebem o tratamen- to que deveriam receber.” A senadora Grazziotin se diz satisfei- ta com o aumento de pouco mais de cem reais na aposentadoria dos seringueiros. “Muitos não sobreviveram para ver essa vitória, mas os que estão vivos vão poder aproveitar um pouco mais.” No seu per- fil no Facebook, Perpétua Almeida afir- ma que a escolha do senador petista Ani- bal Diniz para relator indica a intenção CARTA NA ESCOLA 45 44 WWW.CARTANAESCOLA.COM.BR

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Estudo sobre os soldados da borracha na Amazônia no século XX

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História/CartaCapital – 775

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“o nosso navio teve de ir para as águas rasas, quase encalhando, e só consegui-mos seguir adiante depois de um avião dos Estados Unidos bombardear o submari-no alemão”, lembra o seringueiro Antô-nio Barbosa, cearense de 90 anos. Barbo-sa não esteve no campo de batalha, mas sua experiência no meio da Amazônia en-tre 1942 e 1945 deixaria qualquer praça de cabelos em pé. Muitas vidas se perde-ram no “esforço de guerra” de 60 mil se-ringueiros para fornecer aos aliados em luta na Europa o látex usado na fabrica-ção de pneus. Mas, ao contrário dos expe-dicionários enviados à Itália, os “soldados da borracha” nunca foram tratados como heróis. A eles restou o esquecimento.

Mais da metade, 35 mil para ser pre-ciso, perderam a vida em três anos na floresta, recorda José Romão Grande, piauiense de 91 anos. Um número espan-toso diante das quase 500 vidas ceifadas durante a campanha italiana. Foram víti-mas de doenças, das péssimas condições de trabalho, de brigas, de animais.

Os seringueiros ainda vivos sobrevi-vem atualmente com uma pensão de pou-co mais de 1,3 mil reais. Em novembro de 2013, a Câmara dos Deputados perdeu a chance de reparar essa injustiça históri-ca. Os deputados aprovaram em dois tur-nos a Proposta de Emenda à Constitui-

Restam vivos 6 mil dos 60 mil trabalhadores recrutados entre

1942 e 1945. Uma indenização enviada pelos EUA foi extraviada

ção que reajusta a pensão dos soldados da borracha para 1,5 mil. A versão original, da senadora Vanessa Grazziotin, deputa-da federal à época do lançamento do pro-jeto, pedia a equiparação aos vencimen-tos dos ex-voluntários da Força Expedi-cionária Brasileira, cerca de 4,5 mil reais.

Relatado pela deputada Perpétua de Almeida, o texto final, além de dispen-sar a equiparação, estabelece uma inde-nização de 25 mil reais aos seringueiros, viúvas e dependentes. “Essa PEC é o re-sultado de um acordo possível”, afirma a parlamentar. “Não tínhamos a menor chance, nunca teve acordo. Para mim, a grande injustiça foi lá atrás, logo após a guerra, quando os pracinhas foram rece-bidos como heróis e os soldados da bor-racha, esquecidos. Nem sequer foram in-formados do fim da guerra, e ficaram lá na floresta sendo explorados.”

Segundo o advogado Antônio Augus-to Souza Dias, do Sindicato dos Soldados da Borracha do Estado de Rondônia, a in-denização deveria ser maior: 650 mil re-ais. Os EUA destinaram, dizem os regis-tros históricos, uma indenização no fim da guerra para retribuir o esforço dos bra-sileiros enviados à floresta e garantir o re-torno dos trabalhadores às suas casas. “O dinheiro nunca chegou às mãos devidas”,

do governo de aprovar a PEC conforme o texto da Câmara, sem novas alterações.

Grande parte dos corpos dos 35 mil seringueiros, diz Romão, foi sepultada em covas rasas na Amazônia. “A gente cavava buracos debaixo das redes onde os homens morriam. Depois era só cor-tar as cordas e tapar”, relata o voluntá-rio número 11.035 do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores pa-ra a Amazônia. “Saímos 48 homens de Manaus, em outubro de 1943, para o se-ringal na floresta. Em dezembro éramos apenas 18.” Romão não se lembra quan-tas vezes contraiu malária nos três anos de trabalho intenso.

Pouco mais de 6 mil soldados da borra-cha ainda estão vivos. Barbosa, que faz questão de sempre usar um boné da FEB, é figura conhecida no Congresso Nacio-

Na campanha militar na Itália morreram menos de 500. Na selva, perto de 35 mil

Batalha. José Romão Grande e Antônio Barbosa, sobreviventes da aventura na floresta, lutam por uma aposentadoria equivalente àquela dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira

Os soldados da borrachaSeringueiros que abasteceram os aliados na Segunda Guerra com látex da Amazônia querem equiparação com os praças da FEB por robinson pereira

nal. O cearense escapou do beribéri – do-ença causada pela falta de vitamina B1 que causa fraqueza muscular e dificulda-des respiratórias –, da malária, das onças e sucuris. Livrou-se até de um chefe em-penhado em embolsar seu soldo mirrado. “Eu e mais dois pedimos para sair do Se-ringal Oco do Mundo, no Acre, e o chefe nos liberou. Um cidadão no porto onde a gente ia pegar um barco para Rio Branco avisou: ‘Vão tocaiar vocês três’.” Prepa-rados, Barbosa e os outros seringueiros surpreenderam os dois jagunços. “Le-vamos os dois amarrados para o serin-gal e acertamos a conta com o chefe”, re-memora. Ninguém morreu naquele dia.

Igualmente sobrevive a esperança dos seringueiros. A maioria ainda sonha em viver até o momento em que o Brasil irá tratá-los como verdadeiros soldados. •

relata Souza Dias. Um processo de viola-ção dos direitos humanos e irresponsabi-lidade da administração pública duran-te a ditadura de Getúlio Vargas tramita no Tribunal Regional Federal de Brasília.

A PEC chegou ao Senado na quinta-fei-ra 7 de novembro de 2013 e já enfrenta re-sistência da bancada da Amazônia. Na mes-ma hora em que o texto era encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, o se-

nador Acir Gurgacz, do PDT de Rondônia, criticou em discurso a mudança no teor ori-ginal. “Não adianta nada o Congresso apro-var uma lei que não atenda aos anseios dos envolvidos. Vou pedir uma audiência pú-blica para debater o assunto.” O acriano Sérgio Petecão, do PSD, aproveitou o dis-curso do colega e afirmou não aceitar a in-justiça com os soldados da borracha. “Nós temos uma bandeira, e essa é fazer justiça a esses heróis que não recebem o tratamen-to que deveriam receber.”

A senadora Grazziotin se diz satisfei-ta com o aumento de pouco mais de cem reais na aposentadoria dos seringueiros. “Muitos não sobreviveram para ver essa vitória, mas os que estão vivos vão poder aproveitar um pouco mais.” No seu per-fil no Facebook, Perpétua Almeida afir-ma que a escolha do senador petista Ani-bal Diniz para relator indica a intenção

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Esforço de guerraEssenciais para a vitória contra o nazismo, seringueiros enviados à Amazônia exigem reparação após décadas de abandono por william gaia Farias*

Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, as possessões inglesas e holandesas na Ásia foram tomadas pelo Japão, após uma invasão. Naquele

contexto, o país asiático encontrava-se em processo de expansão do seu domínio. Com a conquista das colônias asiáticas, o fornecimento de látex aos países europeus e aos Estados Unidos foi interrompido, em vista das plantações de seringueiras da Ásia terem passado ao domínio dos japo-neses, que, naquele conflito, compunham o Eixo e, juntamente com a Alemanha e a Itália, combatiam os Aliados.

Na tentativa de resolver os problemas gerados pelo falta do látex para as indús-trias norte-americanas, os EUA volta-ram-se à Amazônia brasileira com o ob-jetivo de intensificar a produção do ma-terial. Eles sabiam que a borracha nativa fora expressivamente explorada no fim do século XIX e no início do XX.

O governo norte-americano logo pas-sou a negociar com o governo brasileiro, o que resultou nos chamados Acordos de Washington (1942), por meio dos quais se estabeleceram medidas que garantiriam aos Estados Unidos quase a totalidade da produção gomífera amazônica. Instituiu-se também por meio desse o tabelamento dos preços do látex durante determina-dos períodos de vigência do acordo.

Muitos seringueiros morreram já nos longos percursos por febres, doenças ou ataques de animais. Com o fim da guerra, a maioria faliu

Os Estados Unidos tentaram desen-volver, com governo brasileiro, medidas para intensificar a produção da goma elástica, objetivando diminuir o custo do produto. Nesse intuito, desenvolveram campanhas de incentivo aos trabalhado-res locais e, principalmente, aos nordes-tinos, a fim de obter uma produção esti-mada em 100 mil toneladas do produto.

Partiram do nordeste para a Amazô-nia aproximadamente 55 mil trabalha-dores, e diversas foram as formas de in-centivos pensadas pelos norte-america-nos para motivar a migração aos serin-gais. Os Estados Unidos propunham uma negociação direta com os seringueiros, pois acreditavam que esses teriam mais empenho em seu trabalho. Todavia, para atuar nos seringais, eles necessitavam de ferramentas e alimentos, já que tinham de garantir sua sobrevivência na floresta.

Nesse sentido, em 1942, foram instala-dos os armazéns da empresa norte-ame-ricana Rubber Development Corporation (Corporação de Desenvolvimento da Borracha, em português), que estava fe-chada desde o término da Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de garantir as condições sanitárias aos trabalhadores e prover-lhes gêneros destinados ao consu-mo durante a extração do látex mata aden-tro. Nesse mesmo ano foi criado também o

de aviamento, sustentado na relação en-tre casas aviadoras, seringalistas e serin-gueiros, pois a empresa atenderia às ne-cessidades dos seringueiros.

O banco teve grande expressividade durante a chamada Batalha da Borracha, visto que dispunha da exclusividade na comercialização do produto, indepen-dentemente dos locais de que provinha e para onde se destinaria. A entidade ti-nha também a finalidade de dar auxí-lio financeiro àqueles que se mostra-vam interessados em investir na produ-ção da borracha. Desse modo, quebra-va a importância da atuação das casas aviadoras, tornando mais monetária a relação entre seringueiros e seringalis-tas, o que não significa dizer que os pri-meiros tenham tido melhores condições de trabalho e maiores lucros dentro do sistema. Os trabalhadores nordestinos que seguiram para os seringais foram

Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), que em certa medida complementava a atuação da empresa citada.

Propunha-se também a ampliação da atuação do Banco da Borracha, cria-do em 1914, com o nome de Banco de Crédito da Borracha (que originou o atual Basa), e a reativação da empresa Rubber Development Corporation, com intuito de impedir a retomada do sistema

pejorativamente chamados de “arigós”. A presença nordestina foi intensa em to-dos os estados do Norte, sendo o Acre o que mais recebeu trabalhadores.

a preocupação em estimular a produ-ção de borracha levou o governo à criação de outras instituições voltadas ao aten-dimento das necessidades dos negó-cios da borracha. Para garantir melho-res condições de abastecimento na re-gião, o governo criou a Superintendência para o Abastecimento do Vale da Amazônia (Sava). No que se refere ao escoamento da produção, foi criado o Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará (Snapp).

Os Estados Unidos buscaram cen-tralizar o controle da extração do látex e intensificar seu lucro na produção e, em consonância com os interesses do governo brasileiro, que desejava selar

acordos econômicos, ofereceram inves-timentos ao País. No entanto, passaram a pressionar o Brasil a declarar guer-ra contra o Eixo. Na época os Estados Unidos eram governados pelo presiden-te Franklin Delano Roosevelt e o Brasil, por Getúlio Vargas. Ambos se reuniram várias vezes para negociações interna-cionais, chegando, por fim, aos citados Acordos de Washington.

a Batalha da Borracha, na qual o go-verno brasileiro entrou na tentativa de restabelecer a produção gomífera para novamente lançá-la no mercado mun-dial, ofereceu inúmeros investimentos no campo econômico. Contudo, com longos percursos a cumprir, muitos tra-balhadores morreram de febres palus-tres, beribéri, malária, febre amarela e cólera, além de outras doenças, adquiri-das graças às péssimas condições de vi-da nas matas ou a picadas de animais pe-çonhentos e a ataques de animais fero-zes da fauna amazônica. Todos esses fa-tores contribuíram para elevar o núme-ro de mortos nos seringais nativos. Esses homens e mulheres que chegaram para o trabalho nos seringais amazônicos fo-ram denominados pelo discurso do go-verno como Soldados da Borracha, uma vez que tinham uma batalha a vencer: a de extrair a maior quantidade possível de látex para atender o beligerante mer-cado internacional.

Preocupado em cumprir os acordos firmados com os norte-americanos, o governo, em 1943, estabeleceu o alista-mento compulsório e, para isso, criou o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta).

Usados. Após alimentarem a indústria bélica americana, trabalhadores foram entregues à miséria pelo governo do País

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Na realidade, o governo Vargas recorreu à mão de obra nordestina por saber da existência de homens em difíceis con-dições de vida devido à seca e à própria falta de políticas públicas voltadas pa-ra a resolução dos problemas. Por isso, a sede da Semta se localizava na cidade de Fortaleza. Essa instituição fazia os pri-meiros acertos com o migrante, não che-gando nem mesmo a garantir condições adequadas para que chegassem saudá-veis aos seringais amazônicos.

Nessa nova etapa de intensa explora-ção do látex, novas relações entre os di-ferentes sujeitos envolvidos nos negócios da borracha foram estabelecidas. Porém, a atuação do Banco da Borracha não ge-rou os resultados esperados na produ-ção e, assim, o tradicional sistema de aviamento não foi totalmente elimina-do. Além disso, com o término da guer-ra a produção de borracha amazônica en-trou em crise novamente. Os EUA não re-novaram os acordos e o governo brasi-leiro ficou desprovido de mercado con-sumidor, uma vez que a indústria nacio-nal não absorvia toda aquela produção. Apesar do baixo preço, a borracha conti-nuou sendo alternativa complementar de sustentação para seringueiros nordesti-nos ou nativos da Amazônia. Com a des-valorização do látex, contudo, a maioria dos seringalistas faliu e muitos trabalha-dores ficaram na área como extrativis-tas e agricultores, apesar das grandes di-ficuldades e da falta de apoio do Estado.

as movimentações e os investimen-tos na criação de órgãos e no transpor-te de mão de obra não foram suficientes para garantir os objetivos esperados. As marcas da exploração da borracha na Amazônia são bem perceptíveis, em es-pecial no que tange à presença de nordes-tinos, que nos dois momentos de intensi-ficação trabalhista foram protagonistas. A atividade de extração é exercida até ho-je porque a borracha é um dos produtos que garante a sobrevivência dos homens

da floresta, que também coletam casta-nha-do-pará, extraem madeira, pescam, caçam e plantam.

Durante muito tempo, os chamados Soldados da Borracha reivindicaram os mesmos direitos concedidos aos ex--combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Somente a partir da Constituição de 1988, porém, o governo federal decidiu pelo pagamento de apo-sentadorias e pensões aos Soldados da

Borracha. Essas, contudo, foram fixadas em valores irrisórios quando compara-dos às dos pracinhas da FEB. Nivelar os ressarcimentos é um pedido ainda em pauta no Congresso Nacional, principal-mente por meio do Projeto de Emenda Constitucional 556, de 2002. •

*Professor efetivo da Universidade Federal do Pará (UFPA), na Faculdade de História (FAHIS) e no Programa de Pós-graduação em História da Amazônia (PPHIST).

Atividades Didáticas Baseadas na matriz do EnemCompetênciasCompreender as transformações dos espa-ços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de poder

Habilidades Identificar significados histórico-geográficos de relações entre nações e analisar a ação dos estados nacionais na dinâmica dos fluxos populacionais e no trato de problemas sociais

1Utilizando o filme Soldados da Borracha e elementos do texto, como o contexto

de guerra mundial, os massivos deslocamen-tos de populações e o abandono à miséria, preparar pequena redação abordando a atua-ção dos seringueiros na década de 1940.

2Explicar aos estudantes por que os serin-gueiros reivindicam atualmente a revisão

de suas pensões e aposentadorias ao gover-no federal, solicitando a equiparação ao nível das que os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira e seus herdeiros recebem.

Em Sala/ Atividades

Despedida de trabalhadores nordestinos rumo à amazônia