Sou muito CARENTE - · PDF fileamor por um filho. Sempre disse que não lhe interessava...
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Sou muito CARENTEFoi a protagonista de Sangue do meu Sangue, de João Canijo, ofilme português mais visto de 2011, mas agora teme que asdecisões políticas condenem o cinema português. Com aslágrimas e o riso como companheiros, Rita Blanco fala do que éser actriz, do suicídio do pai, e da filha, que a ensinou a amarEntrevista de RAQUEL CARRILHO Fotografias actuais de JOÃO FRANCISCO VILHENA
APESAR
DE APENAS terestreado em Outubro,Sangue do Meu San-
gue, de João Canijo foi o
filme português mais
visto de 2011, com 20.953 espectado-res. Esperava este sucesso?
Não esperava nada, nem sucesso nemfalta dele, porque quando faço um fil-
me não espero nada. Faço o melhor
que posso e sei e depois fico muito atra-
palhada. Não tenho essa distância so-
bre os objectos em que participo. E se
fosse possível esperar alguma coisa, se-
ria sempre negativa, porque tenho, re-
lativamente a mim, uma enorme inse-
gurança de pensar que não fiz o quequeria e que as pessoas não vão gostar.
A opinião dos outros é importantepara si?
Todas as críticas são importantes,mas só há uma à qual posso dar aten-
ção: a minha. E nessa tenho chumba-do. Mas com gosto. Ou seja: há coisas
que gostei muito de fazer e este filmefoi uma delas. Goste-se ou não, o João
é seriissimo a trabalhar, vai até ao
cerne das questões e isso implica, de
alguma forma, qualidade. Fico encan-tada por a obra dele ter este sucesso.
Este filme partiu do seu desejo defalar sobre amor incondicional. Foi
uma lição que aprendeu quando foimãe?
Eu e o João já tínhamos um caminhode trabalho neste sentido, este foi o de-
grau seguinte. Mas sim, quando tive aminha filha pensei que não ia resistir.Doía tanto que pensei 'se isto é ser
mãe, é horrível!'. De cinco em cinco se-
gundos ia ver se ela estava viva, tal era
o desespero de a perder. Mas temos ar-
mas escondidas que nos protegem de
nós e um dia acordei e percebi que não
podia continuar assim senão morriade sofrimento. E comecei a desfrutarde ser mãe. Antes pensava que amava
imenso, mas amor incondicional é o
amor por um filho.
Sempre disse que não lhe interessava
uma carreira internacional, mas fez
agora Amour, de Michael Haneke, e emAbril vai filmar em França.
Tenho um problema: gosto muito da
língua portuguesa - e sim, sou contra o
acordo ortográfico. Sou actriz pela pala-
vra e só consigo alguma plenitude naminha língua. Se calhar é medo. Alémde que não quis ter uma filha para de-
pois não estar presente. Obviamente
que isto não invalida alguns trabalhos
como o filme que vou fazer em Abril. É
um filme francês, sou protagonista, mas
faço de portuguesa. Agrada-me porquefala de uma realidade próxima, o ser
português.O que a motiva para aceitar um pro-jecto?
Gostar das pessoas.Mesmo que o projecto seja mau?
Se for com pessoas de quem eu gosto,não será de certeza absoluta. Só consi-
go gostar de pessoas que admiro. É
uma das minhas intransigências. Se o
Luís Miguel [Cintra] me convidar
para fazer uma peça, não me perguntose o texto é bom. Sei que é. Mas ainda
que não fosse, vou ganhar só em traba-
lhar com ele. Hoje em dia interessa-me
mais o projecto e o pensamento do quepropriamente a actriz. Ser actriz já não
me preenche. Gosto da ideia de traba-
lhar com crianças e pessoas mais velhas.
Não queria ter uma escola de actores,
mas algo que promovesse o acesso à li te-
ratura. Acredito na liberdade para pen-sar e essa vem da cultura.
A cultura já viveu dias mais felizes..Estão a acabar
com tudo. Neste
momento, em
Portuga], as pes-
soas mais penali-zadas são as quetrabalham. Eisso é profunda-mente injusto.Estamos na sen-da do erro emvez de pararmospara pensar. Um
país sem educação? Jã estávamos sem
perninhas, agora Ficamos sem cabeça!O futuro é a barbárie.Há quem defenda que não se podereivindicar fundos para o cinema, sehá portugueses sem comida no prato.
Não tem nada a ver uma coisa com aoutra. Isso é uma demagogia bacoca e
de gente muito ignorante que basica-
mente é o que os nossos políticos fize-
ram de Portugal: um povo ignorante.O cinema português não é, à partida,subsidiado pelo Estado. Há percenta-
gens da RTP, mas os subsídios do ICAvêm da publicidade dos outros canais.
As pessoas não podem viver só com ¦»
«Hoje em diainteressa-memais o projectoDO QUE AACTRIZ. Seractrizjánãomepreenche»
batatas e cebolas, E o Francisco José Viegasé o pior secretário de Estado que podíamos
ter neste momento, porque não fez frente. É
um yes man. Queixa-se, mas não procurasoluções. Se não pode fazer nada, como diz,então demite-se.
Acabou de fazer 49 anos. Que recorda-
ções mais fortes guarda da infância?
Acho que as infâncias com muitas recorda-
ções é porque foram marcadas por coisas ter-
ríveis. A minha não foi. Tenho pequenas me-
mórias como estar numa piscina no Vimeiro,de férias, e atirar-me de uma prancha muito
alta, quando nem sabia nadar e tinha sido
avisada que não podia su-
bir. E lembro-me vaga-mente de os meus pais se
terem separado
Que idade tinha?Seis anos. A minha mãe
estava grávida. Separa-ram-se antes de o meu ir-
mão nascer.
Ate essas memórias saocor-de-rosa?
Sim. A minha vida foi fá-
cil. No liceu é que tenho ideia que era muito
nervosa e ansiosa e tinha vergonha de tudo e
mais alguma coisa. Até tomei comprimidos
porque tinha dores horríveis e gases! Mas ao
mesmo tempo adorava ir para a escola. É
como o teatro! Adoro fazer teatro, mas antes
vomito e tenho diarreia. Devo ser maluca ou
masoquista.O que faziam os seus pais?
A minha mãe foi uma das fundadoras da es-
cola Fernão Mendes Pinto, do movimento de
escola moderna. Mas nunca foi professora lá,era professora do Liceu Francês, onde andei
toda a vida. O meu pai morreu há muitosanos e era director comercial ou de publici-dade, não sei bem. E escrevia, mas nunca pu-blicou. Tenho esses textos guardados. Nuncative coragem de os ver.
Porquê?Tenho medo que não sejam bons.
Mas não acha que, aos seus olhos, serão
sempre bons?
Não. Sou hipercritica. Quando a minha filhafaz coisas de que não gosto, sou incapaz de
dourar a pílula. Se calhar os textos são mara-
vilhosos, e eu não sei. Ele era um homem en-
graçado. Vestia-se de uma maneira que não
era tradicional - lembro-me uma vez que foi
ao Liceu Francês com um casaco de peles até
aos pés, óculos redondos e socas. Nem queriaacreditar e escondi-me na casa de banho. Dis-
se às minhas amigas para dizerem que eu não
estava lá. E eu adorava o
meu pai! Mas desapareciaimenso tempo, porque iatrabalhar para outros paí-
ses. Quem tomava conta
de nós era a minha mãe. E
o meu padrasto. Tive um
padrasto mágico, um ho-
mem extraordinário. Eujá era de ler, mas ele deu-
-me livros que nunca me
chegariam às mãos na-
quelas idades. Nunca quis substituir nin-
guém, nunca se impôs e esteve lá sempre.
[Chora] Estou tão maricas. . . Já não sou boni-
ta, a chorar pareço um rato morto.
Que livros foram esses?
Li tudo antes do tempo. Ia às prateleirasdo meu padrasto e tirava livros como As Li-
gações Perigosas. . . Quando o li nem queriaacreditar! Tinha 13 ou 14 anos! Desde peque-na que vivia com muitas culpas e, de repen-te, percebi que não era só eu que era perver-sa. Aqueles senhores eram piores! Fui-me
desculpabilizando. Chupei no dedo até aos
18 anos e o que eu queria era ficar em casa
a chupar no dedo e a ler. Era um vício. E tor-nou-se um refúgio. Era muito tímida.A timidez minou-lhe a adolescência?
Acha? Adorava rapazes!
«O Francisco^José Viegas É
UM YES MAN.Se não podefazer nada, comodiz, demite-se»
Mas não era tímida?
Era, mas adorava na mesma! Não namo-
rava, mas aflorava a ideia. Apaixonava-meimenso. Uma vez tive uma paixão tão gran-de por um rapaz e ele não me achava graçanenhuma. Namorou ligeiramente comi-
go. . . Deu-me um beijo.
Nessa altura pensava ser escritora' 1
Nunca tal me passou pela cabeça. As pou-cas coisas que me passaram pela cabeç; , foi
ser actriz e professora de ginástica. Por umlado, fazia muito desporto, natação e ginás-tica desportiva. Por outro, tinha um baúcom roupas para me mascarar e passava o
dia no espelho, a vestir e despir, a fazer per-
sonagens.Ia muito ao teatro e ao cinema?
Sim. Tinha a sorte de ter uma família dis-
ponível. Fizeram parte do Coro Lopes-Gra-
ça, e estava habituada a ver espectáculosconstantemente. Ia com eles na camioneta,tudo a cantar. Mais tarde tive um cartão
para ir ao Quarteto porque o meu pai era
amigo do Pedro Bandeira Freire e vi mui-tos filmes fora de época, como aconte :eucom os livros. Era muito nova, mas fui àantestreia do Voando Sobre um Ninho deCucos com o meu pai.A política esteve sempre presente, So-bretudo através do seu padrasto?
Sim. O meu padrasto esteve uns aninhos
preso. . . Oito, salvo erro. Foi libertado í in-
da antes do 25 de Abril. Tive a sorte de es-
tar numa escola privilegiada, mas sabia o
que existia. Fui educada no sentido daconsciência política, mas nunca me im m-seram naria.
Sabia que havia censura?Claro! Sabia que havia coisas que não
podia ler, apesar de ter acesso a tudo. Sen-
do que eu, nessa altura, não me entregavaa leituras políticas. Nos concertos encon-trava o Zeca Afonso, o Zé Mário Branco,mas nunca assisti a confrontos. O Coro ¦»
Lopes-Graça tinha direitos, não entravam
por ali adentro. Mas quando aparecia o
Américo Tomás na televisão eu e o meu ir-
mão dizíamos 'Olha o cabeça de vaca!'. Em
casa podíamos dizer isto. Lembro-me que,
depois do 25 de Abril, a minha consciência
política atormentou-me pela primeira vez.
Em que sentido?Morria de medo que aquilo voltasse. Pen-
sava: agora temos cartazes e autocolantes
do MDP/CDE na parede e está tudo à vonta-
de. Mas um dia eles voltam e vêem logo que
somos de esquerda! Era horrível.
E onde estava no 25 de
Abril?
Tinha ido dormir a casa da
minha avó, eu e o meu ir-mão. O telefone tocou ainda
de madrugada. Era a minha
mãe, a chorar de alegria, a
dizer 'Já está! Já está!'. Não
estava a perceber nada, mas
a minha mãe disse que não
íamos à escola porque ia ha-
ver uma revolução. Não fo-
mos à escola durante uns dias, apesar de o
liceu ser território francês. A minha mãe,
apesar de ter envolvimento político, nunca
nos deixou aproximar. Nem sabíamos que o
nosso padrasto era do Partido Comunista
Português.Com toda essa protecção, quando é quedecide que realmente quer ser actriz?
Não sabia como é que havia de ser actriz,
era tão estúpida, vivia de tal maneira numa
bolha! Pus a hipótese de ir para Filosofia ou
Motricidade. Até que o meu pai me disse: 'Se
queres ser actriz por que não vais para o
Conservatório?'. Nem sabia o que era! Os
meus avós, ultra-católicos e conservadores,
não acharam graça nenhuma! A minha avó
chorava sempre que me via!
No Conservatório encontrou um mundo
novo?
Não. A minha vida foi toda de guetos, no
bom sentido. Nunca vivi a vida real. O Li-
ceu Francês era uma zona especial, o Con-
servatório também não era normal, era o
mundo das pessoas 'fora'.
E onde não havia espaço para continuar a
ser tímida?Claro que havia! Mas gostava daquilo e
fui educada que nenhuma pessoa inteligen-
te recua perante o medo. Foi o que fiz sem-
pre. Não me passa pela cabeça desistir.
O seu pai não chegou a vê-la actriz?Tinha 20 e poucos quando ele se suicidou.
Ainda fiz o Conservatório com ele vivo, mas
não me chegou a ver já a trabalhar mesmo.
E ele era o meu grande admirador. Até me
irritava, mas ele achava que eu era muitotalentosa. Numa altura até achou que eu po-dia ir aos Jogos Olímpicos como nadadora.
O suicídio de um pai não se esquece?
O meu pai era anarquista. Era um homem
que sempre me falou no sentido da liberdade
e do espaço de pensamento. Tinha a ver com
os surrealistas e com uma determinada épo-
ca em que o suicídio era visto de maneira di-
ferente, era uma coisa literária. Quem sou
eu para julgar uma decisão de liberdade?
Isso é a análise que faz hoje, mas na altu-
ra imagino que não terá sido capaz de
pensar assim.
Por mais que racionalizasse, era fáha e
achei que, se calhar, ele não gostava assim
tanto de mim. Havia uma dor egoísta que me
fazia pensar: 'Porque é
que ele dizia que gostava
tanto de mim e deixou-
-me?'. Mas o cérebro ser-
ve para alguma coisa.
Estreia-se como actrizainda a estudar?
Sim. No Conservatório
íamos às produtoras
com as nossas fotogra-fias darmo-nos como fi-
gurantes. Numa delas,
estava lá um homem que me disse: 'Tu aí, fa-
las francês?'. Disse que sim, ele fez-me um tes-
te e eu fui escolhida para uma participação
num filme com o Giuliano Gemma e a As-
sumpta Serna, o Le Cercle des Passions. O
João Canijo era assistente de realização. Logo
depois fiz um filme com o Jorge Silva Melo, o
Ninguém Duas Vezes, em que o João também
era assistente, e contracenava com o Luís Mi-
guel Cintra, que nem sabia quem era! Três
dias depois, o Luís Miguel liga-me a perguntar
se quero fazer Mariana Espera Casamento.
Foi a primeira vez que trabalhei num teatro.
O Luís Miguel Cintra, juntamente com o João
Canijo e depois o João
Botelho, formam umtriunvirato que faz parteda sua vida?
E o Jorge Silva Melotambém. Estive semprerodeada pelos melhores.
E eu era uma miúda quenão sabia nada. Deram-
¦me acesso a livros, a
obras... Fiz uma viagem
numa 4L com o pintorAntónio Charrua, o João Canijo e o Jorge
Silva Melo para Paris, da qual não me es-
queço. Era a menina nas mãos dos mons-
tros - no bom sentido, claro.
Foram anos loucos em que o processo cria-
tivo estava acima de tudo. No final dos anos
80, para se preparar para um filme, chegou
a viver com uma porca?No Filha da Mãe, do João, tinha uma leitoa
que me seguia como um cão. E pode-se habi-
tuar um porco a fazer isso, mas para tal ela
veio para minha casa dois meses. Mas erauma chata. Na primeira noite dormiu ao
meu colo e a partir daí já não foi possível de
outra maneira, se não. . . Não dá para ter um
porco a guinchar num apartamento à noite.
Mas era muito limpinha, tomava banho to-
dos os dias.
A determinada altura, o facto de ter uma
relação pessoal com o João Canijo minou a
ligação entre o realizador e a actriz?
Não. Nessa altura estava mais disponível
para trabalhar com ele, discutíamos as his-
tórias, as razões por que trabalhávamos em
cinema. Acho que, não é que o João me te-
nha usado como cobaia de actriz, mas com-
preendeu alguma coisa comigo, no sentido
do que é que pode ser o ser actor.
Mas chegaram a um ponto de sufoco em
que lhe atirou uma cadeira à cabeça...Não quero falar muito sobre isso, as coi-
sas pessoais são pessoais. Cada um tinhade trabalhar com pessoas diferentes parase enriquecer. Depois pudemos voltar a tra-
balhar juntos.Como chegou à televisão?
Fiz pouca televisão, mas fiz desde muito
nova. Lembro-me de quase morrer de medo
quando fui dizer um poema em directo, era
muito novinha. Mas a grande entrada na te-
levisão foi pela mão do Herman [José]. Um
dia ele foi ver uma peça chamada Perver-
sões, do David Mamet, com o Miguel Gui-
lherme, o José Pedro Gomes, eu e a Alexan-
dra Rosa, e convidou-me para trabalhar.Tinha uma enorme admiração por ele.
O registo dele não ia contra a imagem de
'actriz séria' que vinha a construir?
Sim, mas eu não tenho partis pris nen-
huns!
E os outros tiveram?Talvez. Fiz muita televisão, coisas muito
más e lembro-me que, nessa
altura, fui muito pouco cha-
mada. Não trabalhava com
certas pessoas. Mas não foi
em relação ao Herman!Adorei trabalhar com ele e
fartei-me de aprender.Foi em relação à Caça aoTesouro e outros concur-sos que apresentou?
Pois... As pessoas, cora ra-
zão, diziam-me que me esta-
va a enterrar, mas estive a ganhar enduran-
ce, a vários níveis.
Mas a televisão também lhe trouxe ale-
grias, como a série da RTP Conta-meComo Foi.
Adorei! Foi um regresso ao passado, às ori-
gens. Aquela coisa de a minha personagem, a
Margarida, dizer 'Oh minha mãe', vem da mi-
nha mãe que tratava assim a minha avó. Usei
a maneira de falar da minha avó que tinha ex-
pressões da Beira, e também coisas da litera-
tura portuguesa.
Surpreendeu-a o carinho com que pas-
«Tinha umaleitoa que meSEGUIA COMOUM CÃO E
tomava banhotodos os dias»
«Achei que ele
não GOSTAVAASSIM TANTOde mim», dizsobre o suicídio
dopai
«Na altura daNoiiedaMáLíngua ATÉ MEATIRARAMuma pedra da
calçada»
sou a ser vista pelosportugueses? Porqueantes não era vista as-sim...
Nao, não era. A serie ti-
nha um lado muito emo-
cional, também da mi-nha parte. Aconteceu-me
ir na rua, virem-me dizer
alguma coisa e ter de mecontrolar e depois chorarde comoção, de gratidão. Tive a sorte! de ter
aquele papel.E também mudou a opinião que tinha datelevisão?
Continuo a achar que se faz televi ião de
muito má qualidade. O Conta-me foi um oá-
sis. Esporadicamente tenho feito comas vá-
lidas, como a série Maternidade, que estoua fazer agora. As telenovelas são unia má-
quina de transformar o cérebro em papa.Acho bem que se faça, dá trabalho ao 3 acto-
res, mas a mirn não me interessa. Se i izesse
uma telenovela, 200 cenas a dizer a riesmacoisa, todos os dias, das sete da manhã às
oito da noite, morria.Morreu um bocadinho quando foi abriga-da a fazer Tempo de Viver, na TVP.
O papel era pequeno e até me diverti por-
que gostava da equipa.Mas foi obrigada a fazer essa telenovela.
Foi um acordo com o tribunal. Ia entrarnuma série e pus algumas condições que fo-
ram alteradas. Tinha umafilha pequena e tinha dito
que não queria trabalharmais do que três dias porsemana. Dez dias antes de
começarmos, já ia ter de
gravar quase todos os dias.
Passei-me e vim-me embo-
ra. Foram não sei quantosanos de processo e acabou
por haver um acordo: fazer
a tal telenovela.
Ainda na televisão, é impossível esquecera passagem pela Noite da Má-Ungua, naS/C. Sente que revelou aí o seu lado mais
'palhaça'?Adoro dizer mal das coisas, mas na altura
era uma miúda. Foi o Rangel que me convi-dou e eu gostava muito dele, era muito es-
perto. Em certa altura aquilo foi muito di-vertido! Mas as pessoas não gostavam nadade mim! Até me atiraram uma pedra da cal-
çada que 'felizmente' acertou num amigo.É para isto que servem os amigos. [Risos]Nunca sai desse registo da actriz, da mu-lher que está sempre a brincar?
Não somos todos uma grandessíssimaconstrução? Adoro brincar, faz parte de
mim.Em contraponto à Rita brincalhona há umlado seu muito explosivo?
Muito. Nado muito, é o meu psiquiatra, se-
não já tinha morto a minha família. Às vezes,
cá em casa, dizem-me 'Rita, caiu uma colher,
não foi a bomba de Hiroshima'. Quando dou
por mim, já foi. Mas peço desculpa. Quase to-
dos os dias peço desculpa à minha filha. Se
lhe levanto a voz ou se fui fria. Sou uma cha-
ta do caraças com os horários, mas fui educa-
da assim. Sou um monstro. A minha filha jáme diz: 'Não precisas de me dizer todos os
dias a mesma coisa!'.
Costuma dizer que ela é mais inteligente.É. Tem uma inteligência afectiva, que é
uma coisa em que eu sou um bocadinhonéscia. Ela é muito boa nisso. Fico parva a
pensar que aquilo saiu de dentro de mim.Por vezes sente que ela é que é a adulta?Ela tem uma inteligência afectiva inacre-
ditável. Também tem um lado infantil, mas
consegue discernir, verbalizar, ser amável.Fico impressionada. Não é dependente. Vaiser afectivamente muito esperta.E a Rita não é?
Eu não sou. Não calhou.
Isso atormenta-a?Já me atormentou mais. Talvez tenha a
ver com insegurança. Sou muito insegura,afectivamente dependente e muito carente,Em tempos disse que viveu sempre apavo-rada com a ideia de não amar o suficiente.Com a sua filha encontrou a excepção?
Entre amar e saber amar vai um caminhotão grande... Amo-a profundamente. Mas não
sei amá-la bem. Disso tenho a certeza. [email protected]