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    Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Imprios Ibricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1

    A Vereao do Municpio do Funchal na Segunda Metade de Setecentos:

    Perfil Scio Econmico de uma Elite

    Ana Madalena Trigo de SOUSA

    Centro de Estudos de Histria do Atlntico

    [email protected]

    1. Introduo

    No processo de construo das sociedades dos Imprios Ibricos, a instituio

    municipal desempenhou um papel fundamental na organizao de funes administrativas e

    jurdicas, semelhana do que acontecia no Reino, e na estruturao da vida das comunidades

    coloniais. A sua influncia seria, igualmente, notria no funcionamento de outras instituies

    de grande relevncia local, articuladas institucionalmente com o municpio, designadamente,

    os Mesteres, as Ordenanas, as Misericrdias e as Confrarias1. No caso do arquiplago da

    Madeira, a criao dos municpios foi o reflexo de um rpido povoamento, iniciado na dcada

    de vinte do sculo XV, e da valorizao econmica deste espao insular associada ao cultivo

    da cana sacarina e da exportao do acar.

    A investigao realizada por Miguel Jasmins Rodrigues demonstrou que no governo e

    controlo da instituio municipal funchalense se tornou visvel, a partir de finais do sculo

    XV, a presena de alguns grupos familiares com uma forte ligao actividade econmica

    gerada pela cana sacarina2. Com efeito, o Autor concluiu que esse conjunto de homens,

    ligados entre si por laos de parentesco, e proprietrios das melhores terras, procurou ligar-se

    s estruturas de poder da Ilha da Madeira, nomeadamente o municpio do Funchal, onde

    obtm o monoplio da sua governao, a partir do primeiro quartel do sculo XVI 3. A

    consolidao do poder desta elite, ao longo dos sculos posteriores, foi uma realidade. Oestudo de Nelson Verssimo dedicado s relaes de poder na sociedade madeirense do sculo

    XVII, afirma que a principal nobreza da Ilha da Madeira residia na cidade do Funchal onde

    detinha o governo da sua cmara municipal, sendo um grupo composto por fidalgos do rei,

    cavaleiros fidalgos, cavaleiros com o hbito da Ordem de Cristo, escudeiros, moos

    1Jos Viriato Capela, Rogrio Borralheiro, As Elites do Norte de Portugal na Administrao Municipal (1750-1834) in O Municpio no Mundo Portugus. Seminrio Internacional, Funchal, Centro de Estudos de Histriado Atlntico, 1998, pp.91-115.2

    Miguel Jasmins Rodrigues, Organizao de Poderes e Estrutura Social. A Ilha da Madeira: 1460-1521 ,Cascais, Patrimnia Histrica, 1996.3 Miguel Jasmins Rodrigues, Organizaocit., pp.64-66.

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    fidalgos, homens da governana, vivendo lei da nobreza e constituindo um grupo assaz

    heterogneo4. semelhana dos seus ascendentes, que tinham alicerado o seu poderio

    econmico e social na posse da terra produtora de cana-de-acar, a elite de Seiscentos viu o

    seu poder desenvolver-se graas progressiva substituio da cultura da cana sacarina pelos

    vinhedos. Assim, a produo de vinho e a sua exportao, propiciadora de elevados lucros,

    transformou-se no principal foco de interesse deste grupo profundamente identificado com a

    instituio vincular. Tal atestado pela investigao de Jorge Freitas Branco que nos

    demonstra, de igual modo, como o morgadio estruturou toda uma rede de relaes sociais,

    assente no dualismo da sociedade insular: de um lado, os morgados, monopolizadores da

    terra, do outro, aqueles trabalhavam essa terra, cuja produo o vinho -, consolidou a

    posio social de domnio dos senhores e a capacidade de perpetuao do sistema5. Para a

    elite de Seiscentos, assegurar o controlo do municpio funchalense, assim como da

    Misericrdia e das Companhias de Ordenanas, era algo fundamental e, simultaneamente,

    algo natural, na medida em que se tratava de uma realidade decorrente do sistema eleitoral do

    Antigo Regime, cristalizado no sculo XVII, e que, com um conjunto de caractersticas

    fortemente restritivas, acabaria por moldar a elite poltica municipal funchalense,

    semelhana de outros espaos insulares. O caso dos Aores, designadamente Ponta Delgada,

    na Ilha de So Miguel, alvo da anlise de Jos Damio Rodrigues, revelou-nos a existncia de

    um municpio governado por uma qualificada e rica nobreza associada instituio vincular6.

    Quando chegamos ao sculo XVIII, encontramos o municpio do Funchal governado

    por um conjunto de indivduos, ligados entre si por laos de parentesco, que exercem o poder

    ao servio do rei e do bem comum da respublica. A segunda metade de Setecentos , em

    nosso entender, uma poca fulcral para o estudo das elites que controlaram os rgos locais de

    poder. Tal deve-se, essencialmente, existncia de uma fonte documental muito precisa e da

    maior importncia: os cadernos de nobreza ou de arrolamento da gente da governana, da

    autoria dos corregedores, e que s se tornaram profusos a partir desta poca. uma fonte deum enorme valor informativo porque fornecedora de uma radiografia da elite social e poltica,

    a nvel local7. Assim, a presente comunicao tem por objectivo, a partir do estudo dos

    cadernos de nobreza ou de arrolamento da gente da governana, elaborar um perfil social e

    4 Nelson Verssimo, Relaes de Poder na Sociedade Madeirense do Sculo XVII, Funchal, Direco Regionaldos Assuntos Culturais, 2000, pp.49-63.5 Jorge Freitas Branco, Camponeses da Madeira. As Bases Materiais do Quotidiano do Arquiplago (1750-1900), Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1987, pp.153-159.6 Jos Damio Rodrigues, Poder Municipal e Oligarquias Urbanas. Ponta Delgada no Sculo XVII, Ponta

    Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1994.7 Nuno Monteiro,Elites e Poder. Entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa, Imprensa de Cincias Sociais,2007, pp.51-74.

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    econmico do grupo de homens que governou o municpio do Funchal na segunda metade do

    sculo XVIII e, pela anlise dos Livros de Vereaes e demais documentao depositada no

    Arquivo Regional da Madeira, perceber qual a dimenso do poder e influncia exercidos por

    estes homens.

    2. A Vereao do Municpio do Funchal na Segunda Metade de Setecentos

    2.1. Um Grupo Moldado pela Lei do Reino

    O processo de formao da elite municipal funchalense esteve intimamente associado

    ao sistema eleitoral de Antigo Regime, semelhana dos outros municpios do Reino. Ou

    seja, h que ter em considerao as leis emanadas pela monarquia portuguesa que

    reconheciam, no seu articulado, que a liderana dos rgos de poder local cabia s pessoas

    mais antigas e honradas da terra, zelosas do bem pblico e de s conscincia8. Foi no decurso

    do sculo XVII que assistimos produo de um conjunto de diplomas, fundamentais na

    regulamentao do processo eleitoral municipal, e que consagram duas importantes

    realidades: a interveno rgia e o carcter elitista da escolha dos eleitores e dos elegveis.

    Esses diplomas, promulgados entre 1611 e 1670, retomam o articulado das Ordenaes

    Filipinas (1603), contudo, expressam uma verdadeira elitizao do processo eleitoral

    municipal. Ou seja, se com as Ordenaes Filipinas, o povo era chamado a votar, juntamente

    com os homens bons, isto , os cidados que costumavam ocupar os cargos do municpio,

    estas leis restringem, com preciso, o universo dos eleitores e dos elegveis: tinham de ser

    naturais da terra, filhos e netos de vereadores e cristos - velhos9. A interveno rgia no

    processo eleitoral fica patente, nos diplomas posteriores a 1640, atravs do reforo do papel

    do corregedor e na exigncia do envio da documentao eleitoral para o Desembargo do Pao

    onde o rei, pela leitura da pauta respectiva, fazia a escolha do elenco do municpio. Estesistema era aplicado aos municpios presididos por um juiz de fora, uma realidade que se

    verificava nas principais cidades e vilas do reino10.

    8 Maria Helena Coelho, Joaquim Romero de Magalhes, O Poder Concelhio. Das Origens s CortesConstituintes. Notas de Histria Social, Coimbra, Centro de Estudos e Formao Autrquica, 1986, pp.41-56.9 Veja-se os Regimentos de 12 de Novembro de 1611, de 10 de Maio de 1640, de 22 de Maro de 1656 e de 8 deJaneiro de 1670 in Jos Justino de Andrade e Silva, Coleco Cronolgica de Legislao Portuguesa (1603-1619), Lisboa, 1854, pp.314-316; Ibidem (1634-1640), Lisboa, 1855, pp.228-230; Ibidem (1648-1674), Lisboa,

    1856, pp.176-177; pp.385-386.10 Jos Viriato Capela, O Processo Eleitoral e a Constituio da Elite Dirigente in Vila Nova de Cerveira.Elites, Poder e Governo Municipal (1753-1834), Braga, Universidade do Minho, 2000, pp.29-32.

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    grupos sociais14. Uma vez instituda esta elite, ela ficava incumbida de exercer o poder local

    ao servio do rei e da causa pblica. esta a terminologia que encontramos na documentao

    do municpio do Funchal, quando uma vereao camarria tomava posse, jurando sobre os

    Santos Evangelhos o cumprimento das suas obrigaes: o servio do rei, o direito das partes,

    com o segredo da justia, e o servio da respublica15.

    2.2. O Perfil ScioEconmico de uma Elite Municipal

    Os elementos que possumos para estabelecer o perfil scio econmico da vereao

    do municpio do Funchal, na segunda metade do sculo XVIII, reportam-se aos cadernos de

    nobreza ou arrolamentos elaborados pelos informadores, no decurso do processo eleitoral, sob

    a tutela do corregedor, onde consta o nome e outros aspectos identificadores dos indivduos

    considerados aptos para o exerccio do governo municipal. Localizmos, entre a

    documentao do Desembargo do Pao, os arrolamentos efectuados nos anos de 1779, 1783 e

    178716. Para alm desta fonte, fornecedora de uma informao assaz detalhada, coligimos

    outros dados, mais escassos e dispersos, a partir dos livros de Vereaes e do Registo Geral

    da Cmara Municipal do Funchal, dos livros do Finto e de alguns testamentos que foram

    possveis localizar no Juzo dos Resduos e Capelas.

    Para uma definio do perfil social e econmico da elite municipal funchalense,

    procedemos a uma anlise qualitativa das caractersticas essenciais do grupo que exerceu o

    poder neste municpio, no decurso da segunda metade de Setecentos, articulada na seguinte

    metodologia:

    1- Apuramento da composio da Cmara Municipal do Funchal, a partir dos livrosde Vereaes;

    2- Cruzamento dos nomes que constam nos elencos municipais com o rol deindivduos arrolados, como eleitores e elegveis, em 1779, em 1783 e em 1787;

    3- Elaborao de uma ficha individual dos sujeitos identificados, onde consta umconjunto de elementos, retirados dos arrolamentos, a saber; o nome e a idade; a

    indicao social; a naturalidade e morada; os bens possudos; as relaes de

    parentesco existentes entre eles;

    14 Nuno Monteiro,Elitescit., pp.43-47.15 Arquivo Regional da Madeira (em diante ARM), Cmara Municipal do Funchal (em diante CMF), Vereaes,

    Livro 1353, fl.37-39.16 Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (em diante ANTT), Desembargo do Pao, Repartio da Corte,Estremadura e Ilhas, Mao 1659, Documento n 38; Mao 1661, Documento n 9; Mao 1671, Documento n 6.

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    4- Verificao da presena destes sujeitos noutros rgos de poder local,designadamente, a Misericrdia e as Companhias de Ordenanas;

    5- Verificao da existncia de outros elementos de carcter relevante,nomeadamente, a opinio do corregedor sobre estes homens, assim como as

    ligaes, supostamente existentes, entre alguns membros desta elite e a primeira

    loja manica da Madeira;

    6- Verificao da existncia de situaes de concentrao de mandatos por parte dealguns membros da elite municipal funchalense.

    No decurso da segunda metade do sculo XVIII, a vereao do municpio do Funchal

    foi integrada por um total de 48 indivduos, dos quais foi possvel, do cruzamento com o rol

    de nomes identificados nos arrolamentos de eleitores e elegveis, reunir elementos

    relativamente a 34 sujeitos17. Para uma elaborao do perfil scio econmico da elite

    funchalense, o primeiro elemento a ter em considerao a naturalidade. Com efeito, e tal

    como determinava a legislao em vigor, quase todos os sujeitos em apreo eram naturais e

    moradores na cidade, com excepo de Bento Joo de Freitas Esmeraldo que nascera em So

    Paulo, no Brasil, mas sendo filho de funchalense. Relativamente indicao social18,

    constatamos que as designaes utilizadas eram abrangentes, a saber: ser filho e neto de

    vereador, possuir foro de moo fidalgo, de fidalgo escudeiro, de fidalgo cavaleiro, ser

    cavaleiro professo na Ordem de Cristo e/oufamiliar do Santo Ofcio19. Ser filho e neto de

    vereador traduz a aplicao das leis eleitorais, j mencionadas, que estipulavam como

    caracterstica fundamental dos eleitores e dos elegveis, a descendncia daqueles que tivessem

    ocupado os cargos de governao do municpio. Possuir forode moo fidalgo, de fidalgo

    escudeiro ou de fidalgo cavaleiro, revela a existncia de um relacionamento entre os

    homens que governavam o municpio do Funchal e o monarca. Ou seja, referimo-nos

    concesso, por parte do rei, de uma honra, de uma qualidade a um conjunto de indivduos que

    lhe seriam leais. Verificamos que a concesso de qualquer uma destas mercs tinha, emcomum, o facto de os pais e os avs dos destinatrios terem sido fidalgos del Rei, logo,

    estamos perante uma situao em que o rei confirma um estatuto honorfico outorgado h,

    17 Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.104-107. Os resultados da elaborao dasfichas individuais esto patentes no quadro que se encontra nestas pginas. Devido sua extenso, aapresentao deste quadro, no se revelou possvel devido s normas de redaco solicitadas no presente

    Congresso, nomeadamente, o limite de caracteres.18 Refira-se que indicao social o termo encontrado nos arrolamentos consultados.19 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n 6.

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    pelo menos, duas geraes, revelando o seu carcter hereditrio20. A qualidade de cavaleiro

    professo na Ordem de Cristo encontra-se associada a trs indivduos: Antnio Betencourt

    Henriques, Bartolomeu de Freitas Esmeraldo e Mendo de Brito de Oliveira. Tal honra exigia

    limpeza de sangue e a sua demonstrao at gerao dos avs. Idnticas exigncias esto

    presentes no caso dosfamiliares do Santo Ofcio. No caso de Tristo Joaquim de Frana Neto,

    vemos que obteve a sua Carta de Familiar do Santo Ofcio pela boa informao da gerao,

    vida e costumes21. Apesar da ligao que existia entre estes fidalgos madeirenses e o

    monarca, fundamental sublinhar que esta elite insular vivia excluda da corte, ao contrrio

    da principal nobreza titulada do reino, no tendo qualquer tipo de influncia na vida poltica

    nacional22. Por outro lado, h que questionar o uso do termo fidalgo quando surge aplicado s

    elites municipais. Quando o rei D. Manuel ordenava, em 16 de Agosto de 1508, que fossem

    os fidalgos a governar o municpio do Funchal23, poder colocar-se o problema da

    terminologia utilizada na documentao antiga. Aqui, podemos ficar com a noo de que

    fidalgo seria o termo usado pelo monarca com uma suposta finalidade de distinguir um grupo

    social emergente, grupo que se queria afirmar perante os demais estratos populares, mas sem

    que os seus membros tivessem quaisquer ttulos concedidos pelo rei. Face realidade que

    encontramos em pleno sculo XVIII e tomando como referncia os indicadores sociais

    expressos nos arrolamentos, podemos afirmar que existe uma ligao entre estes fidalgos e o

    rei, traduzida na concesso de uma qualidade ou honra, a par de algo mais abrangente e,

    sobretudo, relacionado com a percepo que a restante sociedade funchalense teria sobre estes

    indivduos, em funo do seu modo de vida e do seu desempenho no governo municipal. As

    palavras do cronista Henrique Henriques de Noronha, na sua descrio da cidade do Funchal,

    em 1722, so reveladoras do estatuto deste grupo social: Nas casas e edifcios seculares, se

    20 A ttulo de exemplo, veja-se, ARM, CMF, Registo Geral, Livro 1220, fl.220; Idem, Livro 1221, fl.8v; Idem,Livro 1222, fl.52v-53; Idem, Livro 1223, fl.143v-144.21 ARM, CMF, Registo Geral, Livro 1223, fl.137-137v.22 No caso do Funchal, a nica situao de integrao na nobreza titulada do reino e, essa por via, no crculo domonarca, prende-se com o sucedido na sequncia da morte, sem descendncia, do oitavo capito do Funchal,Joo Gonalves da Cmara, em 1656. Foi a sua irm mais velha, D. Mariana de Alencastre, que ficou com osenhorio da capitania do Funchal e com o ttulo de Conde da Calheta, depois de um longo pleito com os seus

    parentes mais prximos que reclamavam para si aquele privilgio. Por ser casada com o conde de CasteloMelhor, Joo de Vasconcelos e Sousa, D. Mariana levou, para a primogenitura varonil da Casa de CasteloMelhor, a capitania do Funchal e o ttulo de Conde da Calheta. Veja-se Nelson Ver ssimo, A Capitoa Donatria inRevista Islenha. Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlnticas, Funchal, Direco Regionaldos Assuntos Culturais, n 3 JulhoDezembro 1988, pp.74-89.23

    Henrique Henriques de Noronha, Memrias Seculares e Eclesisticas para a Composio da Histria daDiocese do Funchal na Ilha da Madeira, Funchal, Centro de Estudos de Histria do Atlntico, 1996, pp.491-492: Documento XXII.

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    v a opulncia dos moradores: porque uns pela grossa renda de seus morgados e outros pelo

    crescido cabedal de seus negcios, constituem todos uma vistosa corte no trato24.

    Salientamos, de igual modo, a presena de dois indivduos possuidores de um grau

    acadmico, em concreto, Filipe Betencourt Albuquerque Freitas e Joo Afonso Henriques,

    ambos bacharis formados nos Sagrados Cnones, pela Universidade de Coimbra25. Em

    relao aos outros membros, pensamos que teriam tido uma instruo de base, isto , o

    conhecimento das primeiras letras, de algum latim e gramtica, alm da aritmtica, ou seja, o

    adequado para os indivduos nascidos num meio privilegiado. Por outro lado, os Livros de

    Vereaes, alm de no revelarem a existncia de casos de analfabetismo entre os eleitos,

    mostram-nos as assinaturas de homens que escreviam o seu nome com perfeio e estilo26.

    Entre os membros da elite do municpio do Funchal, a situao de fidalgo esteve, em

    praticamente todos os casos, associada posse de bens. As excepes encontradas prendem-

    se com os filhos secundognitos: Francisco Correia Betencourt, moo fidalgo, que aos 48

    anos vivia dos alimentos do seu irmo, Jorge Correia Betencourt; Francisco de Ornelas

    Frazo, com 58 anos, irmo do morgado Agostinho Ornelas e Vasconcelos; e os dois mais

    jovens da governana, Lus Dria Atouguia e Lus Correia Acciaioly, ambos dependentes dos

    respectivos irmos mais velhos27. No que concerne fortuna, em bens de raiz, e aos

    rendimentos auferidos por este conjunto de sujeitos, devemos mencionar que estamos perante

    as impresses e opinies dos informantes, na base do arrolamento, as quais, sendo credveis,

    foram completadas, quando se revelou possvel, com outros elementos, designadamente, com

    os testamentos desses sujeitos e com os valores do finto, ou imposto do quatro e meio por

    cento, devido ao monarca. Com excepo dos filhos segundos, as expresses utilizadas na

    indicao de bens so: abastado de bens; administrador de morgadios;senhor de uma grande

    casa;sucessor dos vnculos da casa de seu pai; competentemente estabelecido de rendimentos

    de bens vinculados; vive de suas fazendas; com bens suficientes. Constata-se, desde logo, a

    estrita identificao desta elite com a instituio vincular que assumiu uma grandeimportncia na Madeira. O morgadio foi a forma institucional e jurdica estabelecida, no

    sculo XVI, com a finalidade de assegurar uma base territorial e econmica de um grupo

    24 Henrique Henriques de Noronha,Memrias Secularescit., p.43.25 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n6.26 Devemos salientar que, no caso do municpio do Funchal, os motivos apresentados para haver substituio dealgum vereador escolhido pelo rei eram o falecimento ou doena incapacitante, a ausncia da cidade e aexistncia de relaes de parentesco, at ao 4 grau, entre os nomeados. No foi encontrado um nico caso deanalfabetismo. Alis, era indispensvel que um oficial camarrio tivesse os meios mnimos para se apresentar,

    com decncia, nas ocasies e funes pblicas, alm de que o conhecimento da leitura e da escrita era umacondio essencial para o exerccio dos ofcios da respublica.27 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n 6.

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    social minoritrio destinado a exercer o poder. Foi predominante na vertente sul da Madeira

    onde estavam localizadas as terras mais frteis, primeiro com a cultura da cana sacarina,

    posteriormente com a vinha. Na poca a que se reporta esta nossa anlise, a economia da

    Madeira foi marcada pela preponderncia da produo vincola que proporcionou aos

    morgados, na qualidade de proprietrios da terra, a obteno de avultados rendimentos 28.

    Pelos testamentos de trs sujeitos identificados com a instituio vincular, podemos

    concretizar algumas das expresses utilizadas no arrolamento, no mbito da indicao dos

    bens: Antnio Joo Betencourt Henriques, abastado de bens e administrador de morgadios,

    segundo o arrolamento, declara, no seu testamento, ter bens livre e vinculados, por si

    administrados, cujo sucessor o seu sobrinho, Pedro Jlio da Cmara Leme, tambm

    membros da governana funchalense, visto no ter descendncia directa. Para uma maior

    clareza, apresentamos o rol de bens no quadro I:

    Quadro I: Bens de Antnio Joo Betencourt Henriques

    Bens Livres Bens Vinculados

    Trs fazendas na freguesia de Cmara de

    Lobos, com um rendimento anual de 7 mil

    ris.

    Umas casas grandes, situadas na Rua das

    Pretas, Funchal, das quais lhe coube, por

    carta de partilhas, a quantia de 238 mil e 430

    ris.

    Na mesma freguesia, trs barris de vinho de

    tero em fazenda das religiosas de S. Clara,

    pagos por contrato antigo.

    Uma benfeitora, na quinta da Boa Vista,

    Caminho do Meio, termo do Funchal, no

    valor de 142 mil ris.

    Mveis e objectos de ouro e prata. Outra benfeitoria, no mesmo local, no valor

    de 102 mil e 800 ris.

    FonteARM, Juzo dos Resduos e Capelas, Mao 13, Processo n 1008.

    No caso de Diogo Antnio Betencourt e S, considerado abastado de bens na

    perspectiva dos informantes, o seu testamento revela-nos, semelhana do anterior, um

    conjunto de bens livres e vinculados, conforme se observa no quadro II:

    28 Jorge Freitas Branco, Camponeses cit., pp.153-159.

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    Ana Madalena Trigo de Sousa

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    Quadro II: Bens de Diogo Antnio Betencourt e S

    Bens Livres Bens Vinculados

    150 mil ris, mais uma quartola de vinho

    velho, destinado sua irm, a abadessa do

    Convento de N.S. da Encarnao, do

    Funchal.

    Uma fazenda na freguesia da Serra de gua,

    com o valor de 600 mil ris.

    10 mil ris a cada uma das suas irms

    religiosas enquanto forem vivas.

    Uma fazenda, na mesma freguesia, do

    vnculo institudo pelo seu av.

    160 mil ris a distribuir pelos criados de sua

    casa.

    Um foro, na freguesia do Porto do Moniz,

    pago em trigo.

    FonteARM, JRC, Mao 25, Processo n 2238.

    Finalmente, o caso de Mendo de Brito de Oliveira, tido por competentemente

    estabelecido com bens vinculados, cujos bens esto sintetizados no quadro III:

    Quadro III: Bens de Mendo de Brito de Oliveira

    Bens Livres Bens Vinculados

    Uma casa na freguesia da Ribeira Brava. Fazendas na freguesia da Ribeira Brava, no

    valor de 600 mil ris.

    135 mil ris em legados pios.

    Um retbulo com invocao de N.S. da

    Graa

    FonteARM, JRC, Caixa 53, Processo n 40.

    Gostaramos de fazer uma referncia a Agostinho de Ornelas e Vasconcelos, 10

    morgado do Canio, cujos bens vinculados compreendiam um vasto conjunto de

    propriedades, fazendas e foros em quase toda a ilha da Madeira, com um avultado

    rendimento, amplamente descritos num inventrio, com data de 186329. Destacam-se o

    morgadio do Canio, constitudo por duas importantes propriedades vinculadas,

    29 Maria Ftima Barros Ferreira, Arquivo da Famlia Ornelas e Vasconcelos. Instrumentos Descritivos. Boletimdo Arquivo Regional da Madeira, Volume XXI, Funchal, Direco Regional dos Assuntos Culturais, 1998, 48-

    91. A Autora refere ainda um vasto conjunto de outras propriedades da casa Ornelas e Vasconcelos, fazendas eforos em vrios pontos da Ilha da Madeira, inventariadas em 1863. Desconhecemos se j estariam na posse do10 morgado do Canio.

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    Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Imprios Ibricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 11

    designadamente, o Stio da Quinta, freguesia do Canio, e o palcio na rua do Bispo, no

    Funchal; e o morgadio do Vale da Bica, na Ponta do Sol, ambos com elevados rendimentos,

    segundo o inventrio e avaliao datados de 26 de Fevereiro de 186330.

    Os valores do imposto do finto, ou quatro e meio por cento, que conseguimos apurar

    em relao a alguns destes sujeitos, constituem um indicador interessante relativamente aos

    rendimentos que auferiam. Assim, e continuando a ter em considerao a descrio contida

    nos arrolamentos, vemos que Lus Carvalhal Esmeraldo, descrito como algum com falta de

    bens, apresentava valores do finto entre 700 e 900 ris31. Por seu turno, ter bens

    suficientes, casos de Bento Joo de Freitas Esmeraldo ou de Francisco Betencourt Henriques,

    revela quantias entre 3 mil e 7 mil ris32. Ser competentemente estabelecido de

    rendimentos, designao aplicada a Joaquim Sanches de Baena Henriques, traduz um valor

    de finto na ordem dos 8 mil ris33. Os indivduos considerados abastados ou abundantes de

    bens apresentam valores superiores a 10 mil ris, visvel nos casos de Diogo Ornelas Frazo,

    de Francisco Betencourt S e de Francisco Xavier de Ornelas e Vasconcelos, chegando a 28

    mil ris com Nuno de Freitas da Silva34. Finalmente, mencionamos os dois sujeitos, cujos

    valores do imposto do finto ascendem a 50 mil ris: Joo Carvalhal Esmeraldo e Francisco da

    Cmara Leme, este ltimo descrito nos arrolamentos como senhor de uma grande casa35.

    A existncia de relaes de parentesco entre os membros da elite municipal do

    Funchal foi uma realidade apontada, com preciso, pelo governador D. Diogo Pereira Forjaz

    Coutinho, em 1783, ao afirmar que entre as pessoas da Nobreza de que devem sair os

    Vereadores quase geral o parentesco36. De facto, tal encontra-se atestado nos arrolamentos

    estudados, conforme podemos verificar no quadro IV:

    Quadro IV: Relaes de Parentesco entre os Membros da Elite Municipal do Funchal

    Nome Relao de Parentesco Nome

    Agostinho Ornelas Vasconcelos Irmo--------------------Irmo--------------------

    Pai-----------------------

    Diogo Ornelas FrazoFrancisco Ornelas Frazo

    Francisco Ornelas Vasconcelos

    Antnio Betencourt Henriques Tio----------------------- Pedro Jlio da Cmara Leme

    30 Maria Ftima Barros Ferreira,Arquivo da Famliacit., pp.50-56.31 ARM, CMF, Finto, Livro 397, Rol de 1769-1770.32 Idem, Ibidem.33 Idem, Ibidem.34

    Idem, Ibidem; Idem, Livro 582, Rol de 1782.35 ARM, CMF, Finto, Livro 397, Rol de 1769-1770; Idem, Livro 582, Rol de 1782.36 ARM, Governo Civil, Livro 521, fl.106v-108v.

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    Cunhado---------------- Antnio Brando Henriques

    Bartolomeu Freitas Esmeraldo Pai----------------------- Bento de Freitas Esmeraldo

    Francisco da Cmara Leme Primo - Irmo---------- Pedro Jlio da Cmara Leme

    Francisco da Cmara Leme Irmo-------------------- Jorge Correia Betencourt

    Francisco Esmeraldo Henriques Sogro-------------------- Bento de Freitas Esmeraldo

    Francisco Carvalhal Esmeraldo Irmo-------------------- Joo Carvalhal Esmeraldo

    Manuel de Brito Betencourt Irmo-------------------- Toms de Brito Betencourt

    Nuno de Freitas da Silva Pai-----------------------

    Pai------------------------

    Sogro--------------------

    Nuno de Freitas da Silva, jnior

    Jacinto de Freitas da Silva

    Tristo de Frana Neto

    FonteANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao

    1659, Documento n 38; Mao 1661, Documento n 9; Mao 1671, Documento n6.

    Da anlise deste quadro, podemos verificar como era significativa a teia de relaes de

    parentesco que existia entre os homens que exerceram o poder no municpio do Funchal nesta

    poca. Para alm dos laos mais directos, constitudos por pais, filhos ou irmos,

    exemplificados no quadro IV, constatamos a existncia de um relacionamento de 3 e 4 grau

    entre membros de vrias famlias. Assim, os Carvalhal Esmeraldo eram parentes em 3 grau

    com os Ornelas Frazo, os Sauvaire revelaram um parentesco de 4 grau com a famlia

    Cmara Leme que, por seu turno, tinha uma ligao em 3 grau com os Betencourt

    Albuquerque Freitas, a mesma que estes tinham com os Freitas da Silva. Mencionamos,

    ainda, o caso da famlia Teixeira Dria, parente em 3 grau com os Dria Atouguia, e dos

    Baena Henriques, primos em 4 grau com os Brito de Oliveira. Em suma, do total dos 34

    indivduos analisados, verificou-se a existncia de relaes de parentesco em 28 casos, o que

    deveras ilustrativo37. O parentesco era, sem dvida, um factor decisivo no acesso ao

    exerccio e manuteno do poder no municpio funchalense.

    Alm do desempenho dos cargos no rgo de poder municipal, designadamente,

    vereador, procurador do concelho, almotac e guarda mor da sade, estes dois ltimos

    reservados, tambm, nica e exclusivamente, aos membros da elite municipal, por via das

    determinaes legislativas vigentes38, vemos que foram vrios os elementos que estiveram

    37 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n 6.38

    Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.122-126. Era condio fundamental para oexerccio do cargo de almotac, ou seja, de fiscal e executor das posturas municipais, ser filho e neto devereador. Relativamente ao cargo de guardamor da sade, responsvel pela inspeco sanitria das tripulaes

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    presentes noutros dois rgos de poder local da maior importncia, em concreto, a

    Misericrdia do Funchal e algumas Companhias de Ordenanas da Madeira. A Santa Casa da

    Misericrdia do Funchal, fundada por carta rgia de 27 de Julho de 1508, era uma instituio

    cuja liderana, isto , o cargo de provedor, devia pertencer, nos termos do Compromisso de

    1631, a homem fidalgo, de autoridade, prudncia, virtude, reputao e idade, de maneira

    que os outros irmos o possam reconhecer por cabea, por seu turno, o escrivo da mesa

    deveria ser, segundo o mesmo texto, homem nobre, de tal prudncia e condio,

    finalmente, o seu tesoureiro seria pessoa nobre, honrada e abastada39. Para se aceder ao

    estatuto de irmo da Misericrdia do Funchal era necessrio possuir uma srie de qualidades,

    a saber: boa conscincia e fama, temor a Deus, modstia, caridade e humildade para o servio

    de Deus e dos mais pobres. Para alm destas qualidades, eram exigidas outras condies,

    perfeitamente inseridas no esprito da poca, como a limpeza de sangue, quer do candidato

    quer da sua mulher, um bom comportamento social e civil e, por ltimo, uma idade superior a

    25 anos40. Do conjunto dos sujeitos que desempenhou funes municipais, vemos que 9 deles

    exerceram o cargo de provedor da Misericrdia do Funchal, exercendo-o uma nica vez:

    Antnio Betencourt Henriques (1750), Diogo Ornelas Frazo (1771), Francisco da Cmara

    Leme (1781), Francisco de Ornelas Frazo (1770), Henrique Flix de Freitas da Silva (1761),

    Joo Afonso Henriques (1752), Jorge Correia Vasconcelos Betencourt (1755), Mendo de

    Brito de Oliveira (1762) e Nuno de Freitas da Silva (1747). Relativamente aos cargos de

    escrivo e de tesoureiro, constatou-se uma realidade idntica: 9 foram escrives e 6 foram

    tesoureiros da mencionada instituio41. Para alm do servio de Deus e dos mais

    necessitados, o papel da elite municipal esteve, de igual modo, associado funo militar. De

    acordo com as determinaes da poca, visveis no articulado do Alvar Rgio sobre as

    Nomeaes dos Capites, os postos militares deviam ser preenchidos, somente, por pessoas

    dignas e no por aqueles que com maior poder e sequito sem merecimento ou capacidade os

    usurpam para as suas vinganas. Assim, segundo o monarca, a escolha deveria recair sobreas pessoas de melhor nobreza, cristandade e desinteresse, do limite do mesmo concelho, vila

    ou cidade42. Nobreza, cristandade e desinteresse, eis os atributos fundamentais para se aceder

    e mercadorias das embarcaes que faziam escala no porto do Funchal, era tambm desempenhado por homensdo crculo da governana.39 Maria Dina Jardim, A Santa Casa da Misericrdia do Funchal. Sculo XVIII, Funchal, Centro de Estudos deHistria do Atlntico, 1996, pp.25, 32, 37.40 Maria Dina Jardim,A Santa Casacit., pp.21-22.41 Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.104-107.42

    Alvar Rgio de 20 de Julho de 1709, in Ftima Freitas Gomes, Machico. A Vila e o Termo. Formas doExerccio do Poder Municipal (Fins do Sculo XVII a 1750), Funchal, Direco Regional dos AssuntosCulturais, 2002, pp.226-227.

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    a um posto de ordenanas. Efectivamente, verificou-se, em alguns casos, que os membros da

    elite municipal desempenharam funes de ndole militar ou, pelo menos, tm esse atributo,

    segundo os arrolamentos. Podemos dar os exemplos de Antnio Bentencourt Henriques,

    capito do Forte Novo, de Antnio Leandro da Cmara Leme, capito de ordenanas do

    distrito do Campanrio, de Francisco Xavier de Ornelas e Vasconcelos, capito de ordenanas

    da Ribeira Brava e do Canio, e de Jacinto de Freitas da Silva, sargento de ordenanas da

    Madalena e dos Canhas43. Estas funes militares seriam exercidas, em princpio, fora da

    cidade do Funchal. Contudo, temos informao que os eleitos raramente abandonavam as suas

    casas e fazendas, acabando por delegar o comando das ordenanas em elementos subalternos,

    uma situao que causaria desagrado ao governador e capito general da Madeira que, em

    1783, entendia que, no domnio da escolha das Ordenanas, no se devia consentir que com

    a respeitvel capa do mesmo Alvar [refere-se ao de 20 de Julho de 1709, j citado] se

    cubram as paixes e parcialidades de que os Camaristas so dominados, pois em lugar de s

    consultarem a utilidade do Real Servio se deixam guiar dos particulares caprichos44.

    Obviamente que desconhecemos os caprichos mencionados pelo governador Forjaz

    Coutinho. Todavia, podemos constatar como a honra, noo bem patente no Alvar de 20 de

    Julho de 1709, podia colidir com a perspectiva do governador e capito general da Madeira

    que, possuindo o comando militar do arquiplago, entendia que, a propsito da proposta de

    nomeao das ordenanas e das qualidades dos candidatos, devia ser alvo de consulta por

    parte do poder municipal para, posteriormente, solicitar a competente confirmao do

    Conselho de Guerra45.

    A questo da ligao, supostamente existente, entre alguns dos membros da elite

    municipal funchalense e a primeira loja manica da Madeira reveste-se de alguma

    singularidade. Quando o governador e capito general Joo Antnio de S Pereira fez

    denncia ao Marqus de Pombal, em 1770, da existncia de pedreiros livres na Madeira,

    refere o facto de estes serem alguns dos principais desta Ilha46. Quem eram eles? Destacou-se, dentro deste grupo, Aires de Ornelas Frazo, irmo de Agostinho de Ornelas e

    Vasconcelos, 10 morgado do Canio, e que, em 1767, desempenhava o cargo de escrivo da

    Mesa Grande da Alfndega do Funchal. Referidos, em 1770, pelo ento governador Joo

    Antnio de S Pereira, como os espritos inquietos, livres, soberbos e indomveis da

    43 Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.104-107.44 ARM, Governo Civil, Livro 517, fl.18-19v.45

    ARM, Governo Civil, Livro 526, fl.7v.46 Antnio Loja,A Luta do Poder contra a Maonaria. Quatro Perseguies no Sculo XVIII, Lisboa, ImprensaNacional, 1986, p.247 e segs.

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    Henrique Flix de Freitas da Silva, apontado como prudente e de gnio tranquilo52. O

    corregedor Bernardino Barreto, responsvel pelo arrolamento de 1783, ao anotar os votos dos

    eleitores com as informaes a que s o monarca teria acesso, usa designaes como bom e

    inteligente, bom, tem capacidade, bom e gil, bom com capacidade por ser letrado

    (caso de Filipe Betencourt Albuquerque e Freitas, possuidor de um grau acadmico) 53.

    Relativamente s opinies de Antnio Veloso de Oliveira, condutor do processo eleitoral em

    1787, vemos as expresses muito bom e bom aplicadas, na generalidade, aos membros da

    elite municipal. Contudo, Diogo Betencourt e S e considerado muito demandista e

    orgulhoso e indica como bices a idade avanada de Jorge Correia Betencourt e a inimizade

    existente entre Pedro Jlio da Cmara Leme e Filipe Betencourt Albuquerque Freitas54. Qual

    o valor que se pode atribuir s expresses usadas pelos corregedores nas anotaes enviadas

    ao monarca? Teria esta classificao algo a ver com alguma situao efectiva? Cremos que tal

    poder ser aplicado aos casos que surgem mais especificados, ou seja, a idade avanada de um

    sujeito ou a inimizade existente entre alguns. No entanto, esta classificao dos membros da

    elite municipal, feita de uma forma pacfica e convencional, poder revelar uma necessidade

    de manuteno de uma certa ordem poltica e social que, por via da legislao rgia,

    reconhecia, quase de forma rotineira, a primazia dosprincipais da terra55. Pela documentao

    existente muito difcil, ou quase impossvel, definir as qualidades reais destes sujeitos, de

    acordo com as concepes da poca, em termos da sua aptido para o exerccio do poder

    municipal. Mesmo assim, lcito colocar a questo sobre qual o significado que teria o acesso

    aos rgos de poder local, designadamente o municpio, a misericrdia ou as companhias de

    ordenanas. Neste ponto, a afirmao proferida por Joo Afonso Betencourt Henriques de que

    as obrigaes na vida pblica eram filhas do seu distinto nascimento56, revela uma

    concepo do exerccio do poder associado honra e a um esprito de sacrifcio em prol do

    bem pblico e do servio do rei, apangio e virtude de um grupo: os filhos e netos de

    vereadores, os que costumam andar na governana, os principais da terra. Devemos referir,igualmente, que os vereadores funchalenses entendiam a instituio municipal como

    52 Idem, Ibidem.53 Idem, Mao 1659, Documento n 38.54 Idem, Mao 1661, Documento n 9.55 Veja-se Jos Viriato Capela e Rogrio Borralheiro, As Elites do Norte de Portugalcit., pp.112 -113. Alegamos Autores que a qualificao feita pelos corregedores para o exerccio do cargo de vereador, pouco ou nada teriaa ver com uma situao ou realidade efectiva. Com efeito, seriam na maior parte dos casos esteretipos, fixados

    pelos cdigos sociais de longa data, destinados a promover um certo ordenamento poltico e social, e usados

    rotineiramente pelos corregedores que serviam a manuteno do sistema, compondo um cdigo e uma gramticaque os juzes do Desembargo do Pao descodificam.56 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1356, fl.15-16.

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    representante da pessoa rgia na Madeira, ou seja, a jurisdio que detinham fora conferida

    pelo rei sendo imanada imediatamente do Rgio trono, logo, no se encontrando

    subordinada aos governadores e capites - generais57. Alis, o municpio do Funchal, na

    qualidade de cidade, nica em todo o arquiplago, detinha duas importantes prerrogativas:

    tinha direito ao tratamento de Senhoria em virtude de possuir as mesmas regalias e jurisdies

    do Senado de Lisboa58, por outro lado, era nas suas instalaes e perante a vereao que os

    governadores e capites generais exibiam as suas cartas patentes, ficando estas registadas

    nos tombos do municpio, e tomavam posse do dito cargo59. Um outro momento, da maior

    importncia para a elite municipal, atendendo sua carga simblica, era a festa processional

    do Corpo de Deus que tinha a particularidade de projectar, junto da comunidade, o prestgio e

    o poder desta elite. Da o confronto latente com outras instituies de poder, ou seja, o

    governador e capito general, o corregedor ou o bispo da diocese. A grande questo era,

    precisamente, quem tinha a prerrogativa de se posicionar logo atrs do palio. Com efeito, e na

    sequncia do pedido de parecer rgio solicitado pelo senado do Funchal, determinou D. Jos,

    por proviso de 11 de Maio de 1763, que aos oficiais da Cmara e Corpo dela que toca na

    funo do Corpo de Deus o lugar imediato atrs do Palio sem outra pessoa que lhe aja de

    por de premeio, por fazerem a sua Real Representao60. Com esta exposio, dirigida ao

    rei, a elite municipal pretendia demonstrar que os vereadores do Funchal no estavam

    dispostos a ceder dapose, honra e respeito com que entendiam ser, publicamente, tratados61.

    Contudo, logo em 1764, a procisso do Corpo de Deus foi marcada pelo conflito com o bispo

    da diocese que, segundo os vereadores, tinha tratado o corpo de cmara com a menor

    ateno, mandando posicionar, frente do senado, um clrigo que teria assumido uma

    57 Idem, Livro 1361, fl.25v-26; Idem, Livro 1362, fl.32v-35v. Na perspectiva da vereao funchalense, omunicpio era o representante do rei na Madeira, em virtude do disposto numa ordem rgia dirigida ao entogovernador Tristo Vaz da Veiga, com data de 24 de Julho de 1586. Tratar-se-ia de uma proviso em que o rei

    declarou representar esta Cmara a sua Real Pessoa. A questo do municpio ser o representante do monarcana esfera do poder local foi levantada por Romero de Magalhes que chama a ateno para o facto de, aotransferir e delegar tantas competncias no poder municipal, a monarquia estar a utilizar uma importante rede detransmisso de ordens por si emanadas, ao mesmo tempo que fortalecia o grupo que dominava a vida municipale que exercia o poder em nome do rei. Na prtica, a elite constituda por via da legislao eleitoral, fortementerestritiva, representava, em simultneo, a autonomia da comunidade e a jurisdio rgia. Joaquim Romero deMagalhes, Os Concelhos in Jos Mattoso, Histria de Portugal, Volume III, Lisboa, Estampa, 1997, pp.161-169.58 ARM, Correies, Livro 168, fl.2-20.59 Se at ao governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho estes oficiais tomavam posse nas instalaesmunicipais, com D. Jos Manuel da Cmara exigida a deslocao da vereao funchalense ao palcio de SoLoureno para assistir posse do dito cargo. Perante tal exigncia, a vereao reagiu exigindo ao novogovernador a apresentao do documento justificador de tal procedimento. ARM, CMF, Vereaes, Livro 1365,

    fl46v-49.60 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 999, Documento n 21.61 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1357, fl.18v-20.

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    postura ufana62. Em relao ao corregedor, o relacionamento tambm no se teria revelado

    fcil, por ocasio desta festa processional. Na celebrao realizada no dia 14 de Junho de

    1770, o ento corregedor, Francisco Moreira de Matos, introduzira-se no lugar de preferncia,

    isto , entre o palio e a vereao e ignorara, ostensivamente, o reparo feito pelo juiz de fora. E,

    para culminar episdio to pouco diplomtico, o corregedor no cumprimentara o corpo de

    cmara com o protocolo necessrio: no o cortejando ao entrar para o lugar que tomou,

    nem ao despedir() saindo quando ainda estava presente a Cmara formada63.

    A vereao funchalense revela-se, de igual modo, profundamente zelosa dos seus

    privilgios e prerrogativas num outro contexto, no qual se revelou mais fcil assumir essa

    postura defensiva. Tal aconteceu quando os procuradores dos mesteres tentaram reivindicar o

    direito de assinar, juntamente com os vereadores, os despachos emitidos pela vereao. A

    resposta do senado foi contundente: os procuradores dos mesteres s iam s reunies

    unicamente para requererem a bem dos povos, pois nunca houve nenhuma ordem rgia que

    justificasse semelhante pretenso. Na perspectiva da cmara do Funchal, a reivindicao dos

    mesteres seria dirigida por alguma outra entidade que pretenderia, desta forma, imiscuir-se

    nos segredos da governana64. Os vereadores do Funchal, ao recusarem linearmente as

    pretenses dos mesteres, afirmaram a defesa da sua jurisdio de uma eventual usurpao por

    parte dos governadores ou do bispo da diocese, descrevendo um sentimento deveras negativo

    face Casa dos Vinte e Quatro: Os Homens de que se compe a Casa dos vinte e quatro so

    pobrssimos e do mais inferior trato () motivos que os fazem inconstantes e por isso fceis

    para a revelao dos segredos mais importantes s pessoas de maior poder65.

    Revela-se importante perceber se houve concentrao do poder municipal por parte de

    um nmero restrito de sujeitos, ao longo da segunda metade de Setecentos. Os dados expostos

    no quadro V reportam-se aos indivduos que conseguiram totalizar 20 ou mais mandatos no

    mbito dos vrios cargos municipais, vereador, procurador do concelho, almotac, e guarda

    mor da sade.

    62 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1357, fl.18v-20.63

    ARM, CMF, Vereaes, Livro 1359, fl.29-30v.64 ARM, CMF, Correspondncia do Senado, Livro 167, fl.93v-94v.65 Idem, Ibidem.

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    Quadro V: Membros da Elite Municipal do Funchal com Maior Nmero de Mandatos

    (1750-1799)

    Nome V. P.C. A. G.M.S. Total

    Antnio Joo Betencourt Henriques 10 5 5 26 46

    Henrique Flix de Freitas da Silva 5 - 7 22 34

    Francisco de Ornelas e Vasconcelos 3 2 20 4 29

    Tristo Joaquim de Frana Neto 4 3 20 1 28

    Mendo de Brito de Oliveira 6 - 1 20 27

    Pedro Jlio da Cmara Leme 5 - 11 10 26

    Francisco da Cmara Leme 6 3 3 12 24

    Francisco de Ornelas Frazo 2 - 11 11 24

    Jorge Correia Betencourt 11 3 7 2 23

    Bento Joo de Freitas Esmeraldo 2 2 6 10 20

    Joo Carvalhal Esmeraldo 2 - 4 14 20

    LegendaV. Vereador; P.C. Procurador do Concelho; A. Almotac; G.M.S. Guarda

    Mor da Sade.

    FonteARM, CMF, Vereaes, Livros 1353 a 1365.

    Do total de 48 indivduos que integraram os elencos do municpio do Funchal, entre

    1750 e 1799, verifica-se que 11 deles conseguiram totalizar 20 ou mais mandatos no conjunto

    dos cargos concelhios. Houve, portanto, uma verdadeira concentrao do poder municipal

    num ncleo restrito de indivduos donde se destacam Antnio Joo Betencourt Henriques e

    Henrique Flix de Freitas da Silva, com 46 e 34 mandatos, respectivamente. Focalizando a

    nossa ateno em cada um dos cargos, podemos ver que, no mbito do cargo de vereador,

    Antnio Betencourt Henriques totaliza 10 mandatos, sendo superado por Jorge Correia

    Betencourt que atingiu 11. Portanto, dois indivduos que, por uma dezena de vezes, foram

    alvo da escolha do rei. O cargo de procurador do concelho surge menos representado. No

    nos esqueamos que era, por norma, o vereador mais novo em idade, da vereao cessante,

    logo, trata-se de uma situao que implicava o cumprimento de uma norma pr - definida66.

    Relativamente aos outros dois cargos da administrao municipal, almotac e guardamor da

    sade, o elevado nmero de desempenhos observado em vrios casos pode ser indicador de

    uma maior aptido desses indivduos pelos ditos cargos, certamente com a anuncia e/ou

    66 Jos Justino de Andrade e Silva, Coleco Cronolgica [] (1603-1619), cit., p.393.

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    conivncia da restante vereao, na medida em que a respectiva eleio era da sua

    responsabilidade67.

    3. Consideraes Finais

    O municpio do Funchal foi, no decurso da segunda metade de Setecentos, governado

    por uma elite caracterizada, do ponto de vista social e econmico, como fidalga, abastada, em

    estreita identificao com a instituio vincular e ligada, entre si, por laos de parentesco. A

    sua condio de fidalguia expressa uma ligao com o monarca, reflexo da legislao da

    poca que determinava a governao do municpio como prerrogativa das pessoas principais

    da terra. Acrescente-se que se trata de um grupo de fidalgos que vivem excludos da Corte, ao

    contrrio da grande nobreza titulada, no tendo qualquer peso ou influncia na vida poltica

    do reino ou nas decises do monarca. A sua condio de abastana uma consequncia

    directa da sua identificao com a instituio vincular. Trata-se de um grupo que detm, em

    exclusivo, as melhores terras da ilha, um monoplio que assegura uma posio social e

    econmica de domnio sobre a restante populao: social porque assente num sistema de

    transmisso de propriedade o morgadio que perpetua a posio privilegiada no topo da

    hierarquia social; o domnio econmico estrutura-se em torno da posse das terras de

    viticultura, geradoras de lucros avultados devido exportao do vinho, que sustenta toda

    uma vivncia, nos seus smbolos e modos de vida, que projecta, no contexto insular, o poderio

    destes fidalgos. A ligao de parentesco visvel entre os membros da elite municipal, nalguns

    casos revelando uma ligao em primeiro grau, traduz a necessidade de manter e aumentar o

    patrimnio das famlias, atravs de alianas matrimoniais. A consequncia directa desta

    realidade foi expressa pelo governador Forjaz Coutinho ao afirmar que entre as pessoas da

    nobreza era quase geral o parentesco. Logo, uma inevitabilidade no mbito do acesso ao

    governo municipal. Mas o exerccio do poder, seja no municpio, seja na misericrdia ou nascompanhias de ordenanas, esteve intimamente associado ao dever e honra. Assim, esse

    exerccio, revelou-se uma honra e um dever pblico, ao servio do rei, do direito das partes e

    do bem comum da respublica. Como tal, a elite funchalense no cedia na pose, honra e

    respeito com que exigia ser publicamente tratada pelos restantes poderes insulares. A suposta

    ligao de alguns membros da elite municipal primeira loja manica da Madeira revela-se

    67 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1357, fl.4-7. O processo eleitoral na origem da escolha trimestral dos almotacs

    do Funchal no estaria isento de alguma irregularidade. Assim o atesta a acusao feita pelo Juiz de Fora vereao funchalense, em 1765, no sentido de haver divulgao dos nomes dos escolhidos, antes de se proceder eleio.

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    singular. A frase proferida pelo governador S Pereira, em 1770, fala-nos de pessoas de

    esprito inquieto, livre, soberbo e indomvel, num interessante contraste com as opinies dos

    corregedores expressas nos arrolamentos. O seu carcter pacfico e convencional poder ser o

    indicador da necessidade de manuteno de uma certa ordem poltica e social que, em virtude

    da lei da monarquia, reconhecia a primazia dos principais da terra no desempenho dos cargos

    nos rgos de poder local.

    4. Fontes e Bibliografia

    Fontes Manuscritas

    Arquivo Regional da Madeira

    Cmara Municipal do Funchal: Correspondncia do Senado, Livro 167; Correies, Livro

    168; Finto, Livros 397 e 582; Registo Geral, Livros 1220 a 1223; Vereaes, Livros 1353 a

    1365.

    Governo Civil, Livros 517, 521, 526.

    Juzo dos Resduos e Capelas, Mao 13, Processo n 1008; Mao 25, Processo n 2238; Caixa 53,

    Processo n 40.

    Arquivos Nacionais / Torre do TomboDesembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas: Mao 999, Documento n 21; Mao

    1659, Documento n 38; Mao 1661, Documento n 9; Mao 1671, Documento n 6.

    Fontes Impressas

    NORONHA, Henrique Henriques de, Memrias Seculares e Eclesisticas para a Composio da

    Histria da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira, Transcrio e Notas de Alberto Vieira, Funchal,

    Centro de Estudos de Histria do Atlntico, 1996.SILVA, Jos Justino de Andrade e, Coleco Cronolgica de Legislao Portuguesa: 1603-1674,

    Lisboa, Imprensa de J.A. Silva e F.X. Sousa, 1854-1856.

    Bibliografia

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