Sousa - 2011 - A Vereação do Município do Funchal na Segunda Metade de Setecentos Perfil Sócio...
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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Imprios Ibricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1
A Vereao do Municpio do Funchal na Segunda Metade de Setecentos:
Perfil Scio Econmico de uma Elite
Ana Madalena Trigo de SOUSA
Centro de Estudos de Histria do Atlntico
1. Introduo
No processo de construo das sociedades dos Imprios Ibricos, a instituio
municipal desempenhou um papel fundamental na organizao de funes administrativas e
jurdicas, semelhana do que acontecia no Reino, e na estruturao da vida das comunidades
coloniais. A sua influncia seria, igualmente, notria no funcionamento de outras instituies
de grande relevncia local, articuladas institucionalmente com o municpio, designadamente,
os Mesteres, as Ordenanas, as Misericrdias e as Confrarias1. No caso do arquiplago da
Madeira, a criao dos municpios foi o reflexo de um rpido povoamento, iniciado na dcada
de vinte do sculo XV, e da valorizao econmica deste espao insular associada ao cultivo
da cana sacarina e da exportao do acar.
A investigao realizada por Miguel Jasmins Rodrigues demonstrou que no governo e
controlo da instituio municipal funchalense se tornou visvel, a partir de finais do sculo
XV, a presena de alguns grupos familiares com uma forte ligao actividade econmica
gerada pela cana sacarina2. Com efeito, o Autor concluiu que esse conjunto de homens,
ligados entre si por laos de parentesco, e proprietrios das melhores terras, procurou ligar-se
s estruturas de poder da Ilha da Madeira, nomeadamente o municpio do Funchal, onde
obtm o monoplio da sua governao, a partir do primeiro quartel do sculo XVI 3. A
consolidao do poder desta elite, ao longo dos sculos posteriores, foi uma realidade. Oestudo de Nelson Verssimo dedicado s relaes de poder na sociedade madeirense do sculo
XVII, afirma que a principal nobreza da Ilha da Madeira residia na cidade do Funchal onde
detinha o governo da sua cmara municipal, sendo um grupo composto por fidalgos do rei,
cavaleiros fidalgos, cavaleiros com o hbito da Ordem de Cristo, escudeiros, moos
1Jos Viriato Capela, Rogrio Borralheiro, As Elites do Norte de Portugal na Administrao Municipal (1750-1834) in O Municpio no Mundo Portugus. Seminrio Internacional, Funchal, Centro de Estudos de Histriado Atlntico, 1998, pp.91-115.2
Miguel Jasmins Rodrigues, Organizao de Poderes e Estrutura Social. A Ilha da Madeira: 1460-1521 ,Cascais, Patrimnia Histrica, 1996.3 Miguel Jasmins Rodrigues, Organizaocit., pp.64-66.
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fidalgos, homens da governana, vivendo lei da nobreza e constituindo um grupo assaz
heterogneo4. semelhana dos seus ascendentes, que tinham alicerado o seu poderio
econmico e social na posse da terra produtora de cana-de-acar, a elite de Seiscentos viu o
seu poder desenvolver-se graas progressiva substituio da cultura da cana sacarina pelos
vinhedos. Assim, a produo de vinho e a sua exportao, propiciadora de elevados lucros,
transformou-se no principal foco de interesse deste grupo profundamente identificado com a
instituio vincular. Tal atestado pela investigao de Jorge Freitas Branco que nos
demonstra, de igual modo, como o morgadio estruturou toda uma rede de relaes sociais,
assente no dualismo da sociedade insular: de um lado, os morgados, monopolizadores da
terra, do outro, aqueles trabalhavam essa terra, cuja produo o vinho -, consolidou a
posio social de domnio dos senhores e a capacidade de perpetuao do sistema5. Para a
elite de Seiscentos, assegurar o controlo do municpio funchalense, assim como da
Misericrdia e das Companhias de Ordenanas, era algo fundamental e, simultaneamente,
algo natural, na medida em que se tratava de uma realidade decorrente do sistema eleitoral do
Antigo Regime, cristalizado no sculo XVII, e que, com um conjunto de caractersticas
fortemente restritivas, acabaria por moldar a elite poltica municipal funchalense,
semelhana de outros espaos insulares. O caso dos Aores, designadamente Ponta Delgada,
na Ilha de So Miguel, alvo da anlise de Jos Damio Rodrigues, revelou-nos a existncia de
um municpio governado por uma qualificada e rica nobreza associada instituio vincular6.
Quando chegamos ao sculo XVIII, encontramos o municpio do Funchal governado
por um conjunto de indivduos, ligados entre si por laos de parentesco, que exercem o poder
ao servio do rei e do bem comum da respublica. A segunda metade de Setecentos , em
nosso entender, uma poca fulcral para o estudo das elites que controlaram os rgos locais de
poder. Tal deve-se, essencialmente, existncia de uma fonte documental muito precisa e da
maior importncia: os cadernos de nobreza ou de arrolamento da gente da governana, da
autoria dos corregedores, e que s se tornaram profusos a partir desta poca. uma fonte deum enorme valor informativo porque fornecedora de uma radiografia da elite social e poltica,
a nvel local7. Assim, a presente comunicao tem por objectivo, a partir do estudo dos
cadernos de nobreza ou de arrolamento da gente da governana, elaborar um perfil social e
4 Nelson Verssimo, Relaes de Poder na Sociedade Madeirense do Sculo XVII, Funchal, Direco Regionaldos Assuntos Culturais, 2000, pp.49-63.5 Jorge Freitas Branco, Camponeses da Madeira. As Bases Materiais do Quotidiano do Arquiplago (1750-1900), Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1987, pp.153-159.6 Jos Damio Rodrigues, Poder Municipal e Oligarquias Urbanas. Ponta Delgada no Sculo XVII, Ponta
Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1994.7 Nuno Monteiro,Elites e Poder. Entre o Antigo Regime e o Liberalismo, Lisboa, Imprensa de Cincias Sociais,2007, pp.51-74.
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econmico do grupo de homens que governou o municpio do Funchal na segunda metade do
sculo XVIII e, pela anlise dos Livros de Vereaes e demais documentao depositada no
Arquivo Regional da Madeira, perceber qual a dimenso do poder e influncia exercidos por
estes homens.
2. A Vereao do Municpio do Funchal na Segunda Metade de Setecentos
2.1. Um Grupo Moldado pela Lei do Reino
O processo de formao da elite municipal funchalense esteve intimamente associado
ao sistema eleitoral de Antigo Regime, semelhana dos outros municpios do Reino. Ou
seja, h que ter em considerao as leis emanadas pela monarquia portuguesa que
reconheciam, no seu articulado, que a liderana dos rgos de poder local cabia s pessoas
mais antigas e honradas da terra, zelosas do bem pblico e de s conscincia8. Foi no decurso
do sculo XVII que assistimos produo de um conjunto de diplomas, fundamentais na
regulamentao do processo eleitoral municipal, e que consagram duas importantes
realidades: a interveno rgia e o carcter elitista da escolha dos eleitores e dos elegveis.
Esses diplomas, promulgados entre 1611 e 1670, retomam o articulado das Ordenaes
Filipinas (1603), contudo, expressam uma verdadeira elitizao do processo eleitoral
municipal. Ou seja, se com as Ordenaes Filipinas, o povo era chamado a votar, juntamente
com os homens bons, isto , os cidados que costumavam ocupar os cargos do municpio,
estas leis restringem, com preciso, o universo dos eleitores e dos elegveis: tinham de ser
naturais da terra, filhos e netos de vereadores e cristos - velhos9. A interveno rgia no
processo eleitoral fica patente, nos diplomas posteriores a 1640, atravs do reforo do papel
do corregedor e na exigncia do envio da documentao eleitoral para o Desembargo do Pao
onde o rei, pela leitura da pauta respectiva, fazia a escolha do elenco do municpio. Estesistema era aplicado aos municpios presididos por um juiz de fora, uma realidade que se
verificava nas principais cidades e vilas do reino10.
8 Maria Helena Coelho, Joaquim Romero de Magalhes, O Poder Concelhio. Das Origens s CortesConstituintes. Notas de Histria Social, Coimbra, Centro de Estudos e Formao Autrquica, 1986, pp.41-56.9 Veja-se os Regimentos de 12 de Novembro de 1611, de 10 de Maio de 1640, de 22 de Maro de 1656 e de 8 deJaneiro de 1670 in Jos Justino de Andrade e Silva, Coleco Cronolgica de Legislao Portuguesa (1603-1619), Lisboa, 1854, pp.314-316; Ibidem (1634-1640), Lisboa, 1855, pp.228-230; Ibidem (1648-1674), Lisboa,
1856, pp.176-177; pp.385-386.10 Jos Viriato Capela, O Processo Eleitoral e a Constituio da Elite Dirigente in Vila Nova de Cerveira.Elites, Poder e Governo Municipal (1753-1834), Braga, Universidade do Minho, 2000, pp.29-32.
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grupos sociais14. Uma vez instituda esta elite, ela ficava incumbida de exercer o poder local
ao servio do rei e da causa pblica. esta a terminologia que encontramos na documentao
do municpio do Funchal, quando uma vereao camarria tomava posse, jurando sobre os
Santos Evangelhos o cumprimento das suas obrigaes: o servio do rei, o direito das partes,
com o segredo da justia, e o servio da respublica15.
2.2. O Perfil ScioEconmico de uma Elite Municipal
Os elementos que possumos para estabelecer o perfil scio econmico da vereao
do municpio do Funchal, na segunda metade do sculo XVIII, reportam-se aos cadernos de
nobreza ou arrolamentos elaborados pelos informadores, no decurso do processo eleitoral, sob
a tutela do corregedor, onde consta o nome e outros aspectos identificadores dos indivduos
considerados aptos para o exerccio do governo municipal. Localizmos, entre a
documentao do Desembargo do Pao, os arrolamentos efectuados nos anos de 1779, 1783 e
178716. Para alm desta fonte, fornecedora de uma informao assaz detalhada, coligimos
outros dados, mais escassos e dispersos, a partir dos livros de Vereaes e do Registo Geral
da Cmara Municipal do Funchal, dos livros do Finto e de alguns testamentos que foram
possveis localizar no Juzo dos Resduos e Capelas.
Para uma definio do perfil social e econmico da elite municipal funchalense,
procedemos a uma anlise qualitativa das caractersticas essenciais do grupo que exerceu o
poder neste municpio, no decurso da segunda metade de Setecentos, articulada na seguinte
metodologia:
1- Apuramento da composio da Cmara Municipal do Funchal, a partir dos livrosde Vereaes;
2- Cruzamento dos nomes que constam nos elencos municipais com o rol deindivduos arrolados, como eleitores e elegveis, em 1779, em 1783 e em 1787;
3- Elaborao de uma ficha individual dos sujeitos identificados, onde consta umconjunto de elementos, retirados dos arrolamentos, a saber; o nome e a idade; a
indicao social; a naturalidade e morada; os bens possudos; as relaes de
parentesco existentes entre eles;
14 Nuno Monteiro,Elitescit., pp.43-47.15 Arquivo Regional da Madeira (em diante ARM), Cmara Municipal do Funchal (em diante CMF), Vereaes,
Livro 1353, fl.37-39.16 Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (em diante ANTT), Desembargo do Pao, Repartio da Corte,Estremadura e Ilhas, Mao 1659, Documento n 38; Mao 1661, Documento n 9; Mao 1671, Documento n 6.
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4- Verificao da presena destes sujeitos noutros rgos de poder local,designadamente, a Misericrdia e as Companhias de Ordenanas;
5- Verificao da existncia de outros elementos de carcter relevante,nomeadamente, a opinio do corregedor sobre estes homens, assim como as
ligaes, supostamente existentes, entre alguns membros desta elite e a primeira
loja manica da Madeira;
6- Verificao da existncia de situaes de concentrao de mandatos por parte dealguns membros da elite municipal funchalense.
No decurso da segunda metade do sculo XVIII, a vereao do municpio do Funchal
foi integrada por um total de 48 indivduos, dos quais foi possvel, do cruzamento com o rol
de nomes identificados nos arrolamentos de eleitores e elegveis, reunir elementos
relativamente a 34 sujeitos17. Para uma elaborao do perfil scio econmico da elite
funchalense, o primeiro elemento a ter em considerao a naturalidade. Com efeito, e tal
como determinava a legislao em vigor, quase todos os sujeitos em apreo eram naturais e
moradores na cidade, com excepo de Bento Joo de Freitas Esmeraldo que nascera em So
Paulo, no Brasil, mas sendo filho de funchalense. Relativamente indicao social18,
constatamos que as designaes utilizadas eram abrangentes, a saber: ser filho e neto de
vereador, possuir foro de moo fidalgo, de fidalgo escudeiro, de fidalgo cavaleiro, ser
cavaleiro professo na Ordem de Cristo e/oufamiliar do Santo Ofcio19. Ser filho e neto de
vereador traduz a aplicao das leis eleitorais, j mencionadas, que estipulavam como
caracterstica fundamental dos eleitores e dos elegveis, a descendncia daqueles que tivessem
ocupado os cargos de governao do municpio. Possuir forode moo fidalgo, de fidalgo
escudeiro ou de fidalgo cavaleiro, revela a existncia de um relacionamento entre os
homens que governavam o municpio do Funchal e o monarca. Ou seja, referimo-nos
concesso, por parte do rei, de uma honra, de uma qualidade a um conjunto de indivduos que
lhe seriam leais. Verificamos que a concesso de qualquer uma destas mercs tinha, emcomum, o facto de os pais e os avs dos destinatrios terem sido fidalgos del Rei, logo,
estamos perante uma situao em que o rei confirma um estatuto honorfico outorgado h,
17 Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.104-107. Os resultados da elaborao dasfichas individuais esto patentes no quadro que se encontra nestas pginas. Devido sua extenso, aapresentao deste quadro, no se revelou possvel devido s normas de redaco solicitadas no presente
Congresso, nomeadamente, o limite de caracteres.18 Refira-se que indicao social o termo encontrado nos arrolamentos consultados.19 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n 6.
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pelo menos, duas geraes, revelando o seu carcter hereditrio20. A qualidade de cavaleiro
professo na Ordem de Cristo encontra-se associada a trs indivduos: Antnio Betencourt
Henriques, Bartolomeu de Freitas Esmeraldo e Mendo de Brito de Oliveira. Tal honra exigia
limpeza de sangue e a sua demonstrao at gerao dos avs. Idnticas exigncias esto
presentes no caso dosfamiliares do Santo Ofcio. No caso de Tristo Joaquim de Frana Neto,
vemos que obteve a sua Carta de Familiar do Santo Ofcio pela boa informao da gerao,
vida e costumes21. Apesar da ligao que existia entre estes fidalgos madeirenses e o
monarca, fundamental sublinhar que esta elite insular vivia excluda da corte, ao contrrio
da principal nobreza titulada do reino, no tendo qualquer tipo de influncia na vida poltica
nacional22. Por outro lado, h que questionar o uso do termo fidalgo quando surge aplicado s
elites municipais. Quando o rei D. Manuel ordenava, em 16 de Agosto de 1508, que fossem
os fidalgos a governar o municpio do Funchal23, poder colocar-se o problema da
terminologia utilizada na documentao antiga. Aqui, podemos ficar com a noo de que
fidalgo seria o termo usado pelo monarca com uma suposta finalidade de distinguir um grupo
social emergente, grupo que se queria afirmar perante os demais estratos populares, mas sem
que os seus membros tivessem quaisquer ttulos concedidos pelo rei. Face realidade que
encontramos em pleno sculo XVIII e tomando como referncia os indicadores sociais
expressos nos arrolamentos, podemos afirmar que existe uma ligao entre estes fidalgos e o
rei, traduzida na concesso de uma qualidade ou honra, a par de algo mais abrangente e,
sobretudo, relacionado com a percepo que a restante sociedade funchalense teria sobre estes
indivduos, em funo do seu modo de vida e do seu desempenho no governo municipal. As
palavras do cronista Henrique Henriques de Noronha, na sua descrio da cidade do Funchal,
em 1722, so reveladoras do estatuto deste grupo social: Nas casas e edifcios seculares, se
20 A ttulo de exemplo, veja-se, ARM, CMF, Registo Geral, Livro 1220, fl.220; Idem, Livro 1221, fl.8v; Idem,Livro 1222, fl.52v-53; Idem, Livro 1223, fl.143v-144.21 ARM, CMF, Registo Geral, Livro 1223, fl.137-137v.22 No caso do Funchal, a nica situao de integrao na nobreza titulada do reino e, essa por via, no crculo domonarca, prende-se com o sucedido na sequncia da morte, sem descendncia, do oitavo capito do Funchal,Joo Gonalves da Cmara, em 1656. Foi a sua irm mais velha, D. Mariana de Alencastre, que ficou com osenhorio da capitania do Funchal e com o ttulo de Conde da Calheta, depois de um longo pleito com os seus
parentes mais prximos que reclamavam para si aquele privilgio. Por ser casada com o conde de CasteloMelhor, Joo de Vasconcelos e Sousa, D. Mariana levou, para a primogenitura varonil da Casa de CasteloMelhor, a capitania do Funchal e o ttulo de Conde da Calheta. Veja-se Nelson Ver ssimo, A Capitoa Donatria inRevista Islenha. Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlnticas, Funchal, Direco Regionaldos Assuntos Culturais, n 3 JulhoDezembro 1988, pp.74-89.23
Henrique Henriques de Noronha, Memrias Seculares e Eclesisticas para a Composio da Histria daDiocese do Funchal na Ilha da Madeira, Funchal, Centro de Estudos de Histria do Atlntico, 1996, pp.491-492: Documento XXII.
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v a opulncia dos moradores: porque uns pela grossa renda de seus morgados e outros pelo
crescido cabedal de seus negcios, constituem todos uma vistosa corte no trato24.
Salientamos, de igual modo, a presena de dois indivduos possuidores de um grau
acadmico, em concreto, Filipe Betencourt Albuquerque Freitas e Joo Afonso Henriques,
ambos bacharis formados nos Sagrados Cnones, pela Universidade de Coimbra25. Em
relao aos outros membros, pensamos que teriam tido uma instruo de base, isto , o
conhecimento das primeiras letras, de algum latim e gramtica, alm da aritmtica, ou seja, o
adequado para os indivduos nascidos num meio privilegiado. Por outro lado, os Livros de
Vereaes, alm de no revelarem a existncia de casos de analfabetismo entre os eleitos,
mostram-nos as assinaturas de homens que escreviam o seu nome com perfeio e estilo26.
Entre os membros da elite do municpio do Funchal, a situao de fidalgo esteve, em
praticamente todos os casos, associada posse de bens. As excepes encontradas prendem-
se com os filhos secundognitos: Francisco Correia Betencourt, moo fidalgo, que aos 48
anos vivia dos alimentos do seu irmo, Jorge Correia Betencourt; Francisco de Ornelas
Frazo, com 58 anos, irmo do morgado Agostinho Ornelas e Vasconcelos; e os dois mais
jovens da governana, Lus Dria Atouguia e Lus Correia Acciaioly, ambos dependentes dos
respectivos irmos mais velhos27. No que concerne fortuna, em bens de raiz, e aos
rendimentos auferidos por este conjunto de sujeitos, devemos mencionar que estamos perante
as impresses e opinies dos informantes, na base do arrolamento, as quais, sendo credveis,
foram completadas, quando se revelou possvel, com outros elementos, designadamente, com
os testamentos desses sujeitos e com os valores do finto, ou imposto do quatro e meio por
cento, devido ao monarca. Com excepo dos filhos segundos, as expresses utilizadas na
indicao de bens so: abastado de bens; administrador de morgadios;senhor de uma grande
casa;sucessor dos vnculos da casa de seu pai; competentemente estabelecido de rendimentos
de bens vinculados; vive de suas fazendas; com bens suficientes. Constata-se, desde logo, a
estrita identificao desta elite com a instituio vincular que assumiu uma grandeimportncia na Madeira. O morgadio foi a forma institucional e jurdica estabelecida, no
sculo XVI, com a finalidade de assegurar uma base territorial e econmica de um grupo
24 Henrique Henriques de Noronha,Memrias Secularescit., p.43.25 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n6.26 Devemos salientar que, no caso do municpio do Funchal, os motivos apresentados para haver substituio dealgum vereador escolhido pelo rei eram o falecimento ou doena incapacitante, a ausncia da cidade e aexistncia de relaes de parentesco, at ao 4 grau, entre os nomeados. No foi encontrado um nico caso deanalfabetismo. Alis, era indispensvel que um oficial camarrio tivesse os meios mnimos para se apresentar,
com decncia, nas ocasies e funes pblicas, alm de que o conhecimento da leitura e da escrita era umacondio essencial para o exerccio dos ofcios da respublica.27 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n 6.
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social minoritrio destinado a exercer o poder. Foi predominante na vertente sul da Madeira
onde estavam localizadas as terras mais frteis, primeiro com a cultura da cana sacarina,
posteriormente com a vinha. Na poca a que se reporta esta nossa anlise, a economia da
Madeira foi marcada pela preponderncia da produo vincola que proporcionou aos
morgados, na qualidade de proprietrios da terra, a obteno de avultados rendimentos 28.
Pelos testamentos de trs sujeitos identificados com a instituio vincular, podemos
concretizar algumas das expresses utilizadas no arrolamento, no mbito da indicao dos
bens: Antnio Joo Betencourt Henriques, abastado de bens e administrador de morgadios,
segundo o arrolamento, declara, no seu testamento, ter bens livre e vinculados, por si
administrados, cujo sucessor o seu sobrinho, Pedro Jlio da Cmara Leme, tambm
membros da governana funchalense, visto no ter descendncia directa. Para uma maior
clareza, apresentamos o rol de bens no quadro I:
Quadro I: Bens de Antnio Joo Betencourt Henriques
Bens Livres Bens Vinculados
Trs fazendas na freguesia de Cmara de
Lobos, com um rendimento anual de 7 mil
ris.
Umas casas grandes, situadas na Rua das
Pretas, Funchal, das quais lhe coube, por
carta de partilhas, a quantia de 238 mil e 430
ris.
Na mesma freguesia, trs barris de vinho de
tero em fazenda das religiosas de S. Clara,
pagos por contrato antigo.
Uma benfeitora, na quinta da Boa Vista,
Caminho do Meio, termo do Funchal, no
valor de 142 mil ris.
Mveis e objectos de ouro e prata. Outra benfeitoria, no mesmo local, no valor
de 102 mil e 800 ris.
FonteARM, Juzo dos Resduos e Capelas, Mao 13, Processo n 1008.
No caso de Diogo Antnio Betencourt e S, considerado abastado de bens na
perspectiva dos informantes, o seu testamento revela-nos, semelhana do anterior, um
conjunto de bens livres e vinculados, conforme se observa no quadro II:
28 Jorge Freitas Branco, Camponeses cit., pp.153-159.
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Quadro II: Bens de Diogo Antnio Betencourt e S
Bens Livres Bens Vinculados
150 mil ris, mais uma quartola de vinho
velho, destinado sua irm, a abadessa do
Convento de N.S. da Encarnao, do
Funchal.
Uma fazenda na freguesia da Serra de gua,
com o valor de 600 mil ris.
10 mil ris a cada uma das suas irms
religiosas enquanto forem vivas.
Uma fazenda, na mesma freguesia, do
vnculo institudo pelo seu av.
160 mil ris a distribuir pelos criados de sua
casa.
Um foro, na freguesia do Porto do Moniz,
pago em trigo.
FonteARM, JRC, Mao 25, Processo n 2238.
Finalmente, o caso de Mendo de Brito de Oliveira, tido por competentemente
estabelecido com bens vinculados, cujos bens esto sintetizados no quadro III:
Quadro III: Bens de Mendo de Brito de Oliveira
Bens Livres Bens Vinculados
Uma casa na freguesia da Ribeira Brava. Fazendas na freguesia da Ribeira Brava, no
valor de 600 mil ris.
135 mil ris em legados pios.
Um retbulo com invocao de N.S. da
Graa
FonteARM, JRC, Caixa 53, Processo n 40.
Gostaramos de fazer uma referncia a Agostinho de Ornelas e Vasconcelos, 10
morgado do Canio, cujos bens vinculados compreendiam um vasto conjunto de
propriedades, fazendas e foros em quase toda a ilha da Madeira, com um avultado
rendimento, amplamente descritos num inventrio, com data de 186329. Destacam-se o
morgadio do Canio, constitudo por duas importantes propriedades vinculadas,
29 Maria Ftima Barros Ferreira, Arquivo da Famlia Ornelas e Vasconcelos. Instrumentos Descritivos. Boletimdo Arquivo Regional da Madeira, Volume XXI, Funchal, Direco Regional dos Assuntos Culturais, 1998, 48-
91. A Autora refere ainda um vasto conjunto de outras propriedades da casa Ornelas e Vasconcelos, fazendas eforos em vrios pontos da Ilha da Madeira, inventariadas em 1863. Desconhecemos se j estariam na posse do10 morgado do Canio.
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designadamente, o Stio da Quinta, freguesia do Canio, e o palcio na rua do Bispo, no
Funchal; e o morgadio do Vale da Bica, na Ponta do Sol, ambos com elevados rendimentos,
segundo o inventrio e avaliao datados de 26 de Fevereiro de 186330.
Os valores do imposto do finto, ou quatro e meio por cento, que conseguimos apurar
em relao a alguns destes sujeitos, constituem um indicador interessante relativamente aos
rendimentos que auferiam. Assim, e continuando a ter em considerao a descrio contida
nos arrolamentos, vemos que Lus Carvalhal Esmeraldo, descrito como algum com falta de
bens, apresentava valores do finto entre 700 e 900 ris31. Por seu turno, ter bens
suficientes, casos de Bento Joo de Freitas Esmeraldo ou de Francisco Betencourt Henriques,
revela quantias entre 3 mil e 7 mil ris32. Ser competentemente estabelecido de
rendimentos, designao aplicada a Joaquim Sanches de Baena Henriques, traduz um valor
de finto na ordem dos 8 mil ris33. Os indivduos considerados abastados ou abundantes de
bens apresentam valores superiores a 10 mil ris, visvel nos casos de Diogo Ornelas Frazo,
de Francisco Betencourt S e de Francisco Xavier de Ornelas e Vasconcelos, chegando a 28
mil ris com Nuno de Freitas da Silva34. Finalmente, mencionamos os dois sujeitos, cujos
valores do imposto do finto ascendem a 50 mil ris: Joo Carvalhal Esmeraldo e Francisco da
Cmara Leme, este ltimo descrito nos arrolamentos como senhor de uma grande casa35.
A existncia de relaes de parentesco entre os membros da elite municipal do
Funchal foi uma realidade apontada, com preciso, pelo governador D. Diogo Pereira Forjaz
Coutinho, em 1783, ao afirmar que entre as pessoas da Nobreza de que devem sair os
Vereadores quase geral o parentesco36. De facto, tal encontra-se atestado nos arrolamentos
estudados, conforme podemos verificar no quadro IV:
Quadro IV: Relaes de Parentesco entre os Membros da Elite Municipal do Funchal
Nome Relao de Parentesco Nome
Agostinho Ornelas Vasconcelos Irmo--------------------Irmo--------------------
Pai-----------------------
Diogo Ornelas FrazoFrancisco Ornelas Frazo
Francisco Ornelas Vasconcelos
Antnio Betencourt Henriques Tio----------------------- Pedro Jlio da Cmara Leme
30 Maria Ftima Barros Ferreira,Arquivo da Famliacit., pp.50-56.31 ARM, CMF, Finto, Livro 397, Rol de 1769-1770.32 Idem, Ibidem.33 Idem, Ibidem.34
Idem, Ibidem; Idem, Livro 582, Rol de 1782.35 ARM, CMF, Finto, Livro 397, Rol de 1769-1770; Idem, Livro 582, Rol de 1782.36 ARM, Governo Civil, Livro 521, fl.106v-108v.
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Cunhado---------------- Antnio Brando Henriques
Bartolomeu Freitas Esmeraldo Pai----------------------- Bento de Freitas Esmeraldo
Francisco da Cmara Leme Primo - Irmo---------- Pedro Jlio da Cmara Leme
Francisco da Cmara Leme Irmo-------------------- Jorge Correia Betencourt
Francisco Esmeraldo Henriques Sogro-------------------- Bento de Freitas Esmeraldo
Francisco Carvalhal Esmeraldo Irmo-------------------- Joo Carvalhal Esmeraldo
Manuel de Brito Betencourt Irmo-------------------- Toms de Brito Betencourt
Nuno de Freitas da Silva Pai-----------------------
Pai------------------------
Sogro--------------------
Nuno de Freitas da Silva, jnior
Jacinto de Freitas da Silva
Tristo de Frana Neto
FonteANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao
1659, Documento n 38; Mao 1661, Documento n 9; Mao 1671, Documento n6.
Da anlise deste quadro, podemos verificar como era significativa a teia de relaes de
parentesco que existia entre os homens que exerceram o poder no municpio do Funchal nesta
poca. Para alm dos laos mais directos, constitudos por pais, filhos ou irmos,
exemplificados no quadro IV, constatamos a existncia de um relacionamento de 3 e 4 grau
entre membros de vrias famlias. Assim, os Carvalhal Esmeraldo eram parentes em 3 grau
com os Ornelas Frazo, os Sauvaire revelaram um parentesco de 4 grau com a famlia
Cmara Leme que, por seu turno, tinha uma ligao em 3 grau com os Betencourt
Albuquerque Freitas, a mesma que estes tinham com os Freitas da Silva. Mencionamos,
ainda, o caso da famlia Teixeira Dria, parente em 3 grau com os Dria Atouguia, e dos
Baena Henriques, primos em 4 grau com os Brito de Oliveira. Em suma, do total dos 34
indivduos analisados, verificou-se a existncia de relaes de parentesco em 28 casos, o que
deveras ilustrativo37. O parentesco era, sem dvida, um factor decisivo no acesso ao
exerccio e manuteno do poder no municpio funchalense.
Alm do desempenho dos cargos no rgo de poder municipal, designadamente,
vereador, procurador do concelho, almotac e guarda mor da sade, estes dois ltimos
reservados, tambm, nica e exclusivamente, aos membros da elite municipal, por via das
determinaes legislativas vigentes38, vemos que foram vrios os elementos que estiveram
37 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 1671, Documento n 6.38
Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.122-126. Era condio fundamental para oexerccio do cargo de almotac, ou seja, de fiscal e executor das posturas municipais, ser filho e neto devereador. Relativamente ao cargo de guardamor da sade, responsvel pela inspeco sanitria das tripulaes
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presentes noutros dois rgos de poder local da maior importncia, em concreto, a
Misericrdia do Funchal e algumas Companhias de Ordenanas da Madeira. A Santa Casa da
Misericrdia do Funchal, fundada por carta rgia de 27 de Julho de 1508, era uma instituio
cuja liderana, isto , o cargo de provedor, devia pertencer, nos termos do Compromisso de
1631, a homem fidalgo, de autoridade, prudncia, virtude, reputao e idade, de maneira
que os outros irmos o possam reconhecer por cabea, por seu turno, o escrivo da mesa
deveria ser, segundo o mesmo texto, homem nobre, de tal prudncia e condio,
finalmente, o seu tesoureiro seria pessoa nobre, honrada e abastada39. Para se aceder ao
estatuto de irmo da Misericrdia do Funchal era necessrio possuir uma srie de qualidades,
a saber: boa conscincia e fama, temor a Deus, modstia, caridade e humildade para o servio
de Deus e dos mais pobres. Para alm destas qualidades, eram exigidas outras condies,
perfeitamente inseridas no esprito da poca, como a limpeza de sangue, quer do candidato
quer da sua mulher, um bom comportamento social e civil e, por ltimo, uma idade superior a
25 anos40. Do conjunto dos sujeitos que desempenhou funes municipais, vemos que 9 deles
exerceram o cargo de provedor da Misericrdia do Funchal, exercendo-o uma nica vez:
Antnio Betencourt Henriques (1750), Diogo Ornelas Frazo (1771), Francisco da Cmara
Leme (1781), Francisco de Ornelas Frazo (1770), Henrique Flix de Freitas da Silva (1761),
Joo Afonso Henriques (1752), Jorge Correia Vasconcelos Betencourt (1755), Mendo de
Brito de Oliveira (1762) e Nuno de Freitas da Silva (1747). Relativamente aos cargos de
escrivo e de tesoureiro, constatou-se uma realidade idntica: 9 foram escrives e 6 foram
tesoureiros da mencionada instituio41. Para alm do servio de Deus e dos mais
necessitados, o papel da elite municipal esteve, de igual modo, associado funo militar. De
acordo com as determinaes da poca, visveis no articulado do Alvar Rgio sobre as
Nomeaes dos Capites, os postos militares deviam ser preenchidos, somente, por pessoas
dignas e no por aqueles que com maior poder e sequito sem merecimento ou capacidade os
usurpam para as suas vinganas. Assim, segundo o monarca, a escolha deveria recair sobreas pessoas de melhor nobreza, cristandade e desinteresse, do limite do mesmo concelho, vila
ou cidade42. Nobreza, cristandade e desinteresse, eis os atributos fundamentais para se aceder
e mercadorias das embarcaes que faziam escala no porto do Funchal, era tambm desempenhado por homensdo crculo da governana.39 Maria Dina Jardim, A Santa Casa da Misericrdia do Funchal. Sculo XVIII, Funchal, Centro de Estudos deHistria do Atlntico, 1996, pp.25, 32, 37.40 Maria Dina Jardim,A Santa Casacit., pp.21-22.41 Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.104-107.42
Alvar Rgio de 20 de Julho de 1709, in Ftima Freitas Gomes, Machico. A Vila e o Termo. Formas doExerccio do Poder Municipal (Fins do Sculo XVII a 1750), Funchal, Direco Regional dos AssuntosCulturais, 2002, pp.226-227.
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a um posto de ordenanas. Efectivamente, verificou-se, em alguns casos, que os membros da
elite municipal desempenharam funes de ndole militar ou, pelo menos, tm esse atributo,
segundo os arrolamentos. Podemos dar os exemplos de Antnio Bentencourt Henriques,
capito do Forte Novo, de Antnio Leandro da Cmara Leme, capito de ordenanas do
distrito do Campanrio, de Francisco Xavier de Ornelas e Vasconcelos, capito de ordenanas
da Ribeira Brava e do Canio, e de Jacinto de Freitas da Silva, sargento de ordenanas da
Madalena e dos Canhas43. Estas funes militares seriam exercidas, em princpio, fora da
cidade do Funchal. Contudo, temos informao que os eleitos raramente abandonavam as suas
casas e fazendas, acabando por delegar o comando das ordenanas em elementos subalternos,
uma situao que causaria desagrado ao governador e capito general da Madeira que, em
1783, entendia que, no domnio da escolha das Ordenanas, no se devia consentir que com
a respeitvel capa do mesmo Alvar [refere-se ao de 20 de Julho de 1709, j citado] se
cubram as paixes e parcialidades de que os Camaristas so dominados, pois em lugar de s
consultarem a utilidade do Real Servio se deixam guiar dos particulares caprichos44.
Obviamente que desconhecemos os caprichos mencionados pelo governador Forjaz
Coutinho. Todavia, podemos constatar como a honra, noo bem patente no Alvar de 20 de
Julho de 1709, podia colidir com a perspectiva do governador e capito general da Madeira
que, possuindo o comando militar do arquiplago, entendia que, a propsito da proposta de
nomeao das ordenanas e das qualidades dos candidatos, devia ser alvo de consulta por
parte do poder municipal para, posteriormente, solicitar a competente confirmao do
Conselho de Guerra45.
A questo da ligao, supostamente existente, entre alguns dos membros da elite
municipal funchalense e a primeira loja manica da Madeira reveste-se de alguma
singularidade. Quando o governador e capito general Joo Antnio de S Pereira fez
denncia ao Marqus de Pombal, em 1770, da existncia de pedreiros livres na Madeira,
refere o facto de estes serem alguns dos principais desta Ilha46. Quem eram eles? Destacou-se, dentro deste grupo, Aires de Ornelas Frazo, irmo de Agostinho de Ornelas e
Vasconcelos, 10 morgado do Canio, e que, em 1767, desempenhava o cargo de escrivo da
Mesa Grande da Alfndega do Funchal. Referidos, em 1770, pelo ento governador Joo
Antnio de S Pereira, como os espritos inquietos, livres, soberbos e indomveis da
43 Ana Madalena Trigo de Sousa, O Exerccio do Podercit., pp.104-107.44 ARM, Governo Civil, Livro 517, fl.18-19v.45
ARM, Governo Civil, Livro 526, fl.7v.46 Antnio Loja,A Luta do Poder contra a Maonaria. Quatro Perseguies no Sculo XVIII, Lisboa, ImprensaNacional, 1986, p.247 e segs.
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Henrique Flix de Freitas da Silva, apontado como prudente e de gnio tranquilo52. O
corregedor Bernardino Barreto, responsvel pelo arrolamento de 1783, ao anotar os votos dos
eleitores com as informaes a que s o monarca teria acesso, usa designaes como bom e
inteligente, bom, tem capacidade, bom e gil, bom com capacidade por ser letrado
(caso de Filipe Betencourt Albuquerque e Freitas, possuidor de um grau acadmico) 53.
Relativamente s opinies de Antnio Veloso de Oliveira, condutor do processo eleitoral em
1787, vemos as expresses muito bom e bom aplicadas, na generalidade, aos membros da
elite municipal. Contudo, Diogo Betencourt e S e considerado muito demandista e
orgulhoso e indica como bices a idade avanada de Jorge Correia Betencourt e a inimizade
existente entre Pedro Jlio da Cmara Leme e Filipe Betencourt Albuquerque Freitas54. Qual
o valor que se pode atribuir s expresses usadas pelos corregedores nas anotaes enviadas
ao monarca? Teria esta classificao algo a ver com alguma situao efectiva? Cremos que tal
poder ser aplicado aos casos que surgem mais especificados, ou seja, a idade avanada de um
sujeito ou a inimizade existente entre alguns. No entanto, esta classificao dos membros da
elite municipal, feita de uma forma pacfica e convencional, poder revelar uma necessidade
de manuteno de uma certa ordem poltica e social que, por via da legislao rgia,
reconhecia, quase de forma rotineira, a primazia dosprincipais da terra55. Pela documentao
existente muito difcil, ou quase impossvel, definir as qualidades reais destes sujeitos, de
acordo com as concepes da poca, em termos da sua aptido para o exerccio do poder
municipal. Mesmo assim, lcito colocar a questo sobre qual o significado que teria o acesso
aos rgos de poder local, designadamente o municpio, a misericrdia ou as companhias de
ordenanas. Neste ponto, a afirmao proferida por Joo Afonso Betencourt Henriques de que
as obrigaes na vida pblica eram filhas do seu distinto nascimento56, revela uma
concepo do exerccio do poder associado honra e a um esprito de sacrifcio em prol do
bem pblico e do servio do rei, apangio e virtude de um grupo: os filhos e netos de
vereadores, os que costumam andar na governana, os principais da terra. Devemos referir,igualmente, que os vereadores funchalenses entendiam a instituio municipal como
52 Idem, Ibidem.53 Idem, Mao 1659, Documento n 38.54 Idem, Mao 1661, Documento n 9.55 Veja-se Jos Viriato Capela e Rogrio Borralheiro, As Elites do Norte de Portugalcit., pp.112 -113. Alegamos Autores que a qualificao feita pelos corregedores para o exerccio do cargo de vereador, pouco ou nada teriaa ver com uma situao ou realidade efectiva. Com efeito, seriam na maior parte dos casos esteretipos, fixados
pelos cdigos sociais de longa data, destinados a promover um certo ordenamento poltico e social, e usados
rotineiramente pelos corregedores que serviam a manuteno do sistema, compondo um cdigo e uma gramticaque os juzes do Desembargo do Pao descodificam.56 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1356, fl.15-16.
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representante da pessoa rgia na Madeira, ou seja, a jurisdio que detinham fora conferida
pelo rei sendo imanada imediatamente do Rgio trono, logo, no se encontrando
subordinada aos governadores e capites - generais57. Alis, o municpio do Funchal, na
qualidade de cidade, nica em todo o arquiplago, detinha duas importantes prerrogativas:
tinha direito ao tratamento de Senhoria em virtude de possuir as mesmas regalias e jurisdies
do Senado de Lisboa58, por outro lado, era nas suas instalaes e perante a vereao que os
governadores e capites generais exibiam as suas cartas patentes, ficando estas registadas
nos tombos do municpio, e tomavam posse do dito cargo59. Um outro momento, da maior
importncia para a elite municipal, atendendo sua carga simblica, era a festa processional
do Corpo de Deus que tinha a particularidade de projectar, junto da comunidade, o prestgio e
o poder desta elite. Da o confronto latente com outras instituies de poder, ou seja, o
governador e capito general, o corregedor ou o bispo da diocese. A grande questo era,
precisamente, quem tinha a prerrogativa de se posicionar logo atrs do palio. Com efeito, e na
sequncia do pedido de parecer rgio solicitado pelo senado do Funchal, determinou D. Jos,
por proviso de 11 de Maio de 1763, que aos oficiais da Cmara e Corpo dela que toca na
funo do Corpo de Deus o lugar imediato atrs do Palio sem outra pessoa que lhe aja de
por de premeio, por fazerem a sua Real Representao60. Com esta exposio, dirigida ao
rei, a elite municipal pretendia demonstrar que os vereadores do Funchal no estavam
dispostos a ceder dapose, honra e respeito com que entendiam ser, publicamente, tratados61.
Contudo, logo em 1764, a procisso do Corpo de Deus foi marcada pelo conflito com o bispo
da diocese que, segundo os vereadores, tinha tratado o corpo de cmara com a menor
ateno, mandando posicionar, frente do senado, um clrigo que teria assumido uma
57 Idem, Livro 1361, fl.25v-26; Idem, Livro 1362, fl.32v-35v. Na perspectiva da vereao funchalense, omunicpio era o representante do rei na Madeira, em virtude do disposto numa ordem rgia dirigida ao entogovernador Tristo Vaz da Veiga, com data de 24 de Julho de 1586. Tratar-se-ia de uma proviso em que o rei
declarou representar esta Cmara a sua Real Pessoa. A questo do municpio ser o representante do monarcana esfera do poder local foi levantada por Romero de Magalhes que chama a ateno para o facto de, aotransferir e delegar tantas competncias no poder municipal, a monarquia estar a utilizar uma importante rede detransmisso de ordens por si emanadas, ao mesmo tempo que fortalecia o grupo que dominava a vida municipale que exercia o poder em nome do rei. Na prtica, a elite constituda por via da legislao eleitoral, fortementerestritiva, representava, em simultneo, a autonomia da comunidade e a jurisdio rgia. Joaquim Romero deMagalhes, Os Concelhos in Jos Mattoso, Histria de Portugal, Volume III, Lisboa, Estampa, 1997, pp.161-169.58 ARM, Correies, Livro 168, fl.2-20.59 Se at ao governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho estes oficiais tomavam posse nas instalaesmunicipais, com D. Jos Manuel da Cmara exigida a deslocao da vereao funchalense ao palcio de SoLoureno para assistir posse do dito cargo. Perante tal exigncia, a vereao reagiu exigindo ao novogovernador a apresentao do documento justificador de tal procedimento. ARM, CMF, Vereaes, Livro 1365,
fl46v-49.60 ANTT, Desembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas, Mao 999, Documento n 21.61 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1357, fl.18v-20.
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postura ufana62. Em relao ao corregedor, o relacionamento tambm no se teria revelado
fcil, por ocasio desta festa processional. Na celebrao realizada no dia 14 de Junho de
1770, o ento corregedor, Francisco Moreira de Matos, introduzira-se no lugar de preferncia,
isto , entre o palio e a vereao e ignorara, ostensivamente, o reparo feito pelo juiz de fora. E,
para culminar episdio to pouco diplomtico, o corregedor no cumprimentara o corpo de
cmara com o protocolo necessrio: no o cortejando ao entrar para o lugar que tomou,
nem ao despedir() saindo quando ainda estava presente a Cmara formada63.
A vereao funchalense revela-se, de igual modo, profundamente zelosa dos seus
privilgios e prerrogativas num outro contexto, no qual se revelou mais fcil assumir essa
postura defensiva. Tal aconteceu quando os procuradores dos mesteres tentaram reivindicar o
direito de assinar, juntamente com os vereadores, os despachos emitidos pela vereao. A
resposta do senado foi contundente: os procuradores dos mesteres s iam s reunies
unicamente para requererem a bem dos povos, pois nunca houve nenhuma ordem rgia que
justificasse semelhante pretenso. Na perspectiva da cmara do Funchal, a reivindicao dos
mesteres seria dirigida por alguma outra entidade que pretenderia, desta forma, imiscuir-se
nos segredos da governana64. Os vereadores do Funchal, ao recusarem linearmente as
pretenses dos mesteres, afirmaram a defesa da sua jurisdio de uma eventual usurpao por
parte dos governadores ou do bispo da diocese, descrevendo um sentimento deveras negativo
face Casa dos Vinte e Quatro: Os Homens de que se compe a Casa dos vinte e quatro so
pobrssimos e do mais inferior trato () motivos que os fazem inconstantes e por isso fceis
para a revelao dos segredos mais importantes s pessoas de maior poder65.
Revela-se importante perceber se houve concentrao do poder municipal por parte de
um nmero restrito de sujeitos, ao longo da segunda metade de Setecentos. Os dados expostos
no quadro V reportam-se aos indivduos que conseguiram totalizar 20 ou mais mandatos no
mbito dos vrios cargos municipais, vereador, procurador do concelho, almotac, e guarda
mor da sade.
62 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1357, fl.18v-20.63
ARM, CMF, Vereaes, Livro 1359, fl.29-30v.64 ARM, CMF, Correspondncia do Senado, Livro 167, fl.93v-94v.65 Idem, Ibidem.
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Quadro V: Membros da Elite Municipal do Funchal com Maior Nmero de Mandatos
(1750-1799)
Nome V. P.C. A. G.M.S. Total
Antnio Joo Betencourt Henriques 10 5 5 26 46
Henrique Flix de Freitas da Silva 5 - 7 22 34
Francisco de Ornelas e Vasconcelos 3 2 20 4 29
Tristo Joaquim de Frana Neto 4 3 20 1 28
Mendo de Brito de Oliveira 6 - 1 20 27
Pedro Jlio da Cmara Leme 5 - 11 10 26
Francisco da Cmara Leme 6 3 3 12 24
Francisco de Ornelas Frazo 2 - 11 11 24
Jorge Correia Betencourt 11 3 7 2 23
Bento Joo de Freitas Esmeraldo 2 2 6 10 20
Joo Carvalhal Esmeraldo 2 - 4 14 20
LegendaV. Vereador; P.C. Procurador do Concelho; A. Almotac; G.M.S. Guarda
Mor da Sade.
FonteARM, CMF, Vereaes, Livros 1353 a 1365.
Do total de 48 indivduos que integraram os elencos do municpio do Funchal, entre
1750 e 1799, verifica-se que 11 deles conseguiram totalizar 20 ou mais mandatos no conjunto
dos cargos concelhios. Houve, portanto, uma verdadeira concentrao do poder municipal
num ncleo restrito de indivduos donde se destacam Antnio Joo Betencourt Henriques e
Henrique Flix de Freitas da Silva, com 46 e 34 mandatos, respectivamente. Focalizando a
nossa ateno em cada um dos cargos, podemos ver que, no mbito do cargo de vereador,
Antnio Betencourt Henriques totaliza 10 mandatos, sendo superado por Jorge Correia
Betencourt que atingiu 11. Portanto, dois indivduos que, por uma dezena de vezes, foram
alvo da escolha do rei. O cargo de procurador do concelho surge menos representado. No
nos esqueamos que era, por norma, o vereador mais novo em idade, da vereao cessante,
logo, trata-se de uma situao que implicava o cumprimento de uma norma pr - definida66.
Relativamente aos outros dois cargos da administrao municipal, almotac e guardamor da
sade, o elevado nmero de desempenhos observado em vrios casos pode ser indicador de
uma maior aptido desses indivduos pelos ditos cargos, certamente com a anuncia e/ou
66 Jos Justino de Andrade e Silva, Coleco Cronolgica [] (1603-1619), cit., p.393.
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conivncia da restante vereao, na medida em que a respectiva eleio era da sua
responsabilidade67.
3. Consideraes Finais
O municpio do Funchal foi, no decurso da segunda metade de Setecentos, governado
por uma elite caracterizada, do ponto de vista social e econmico, como fidalga, abastada, em
estreita identificao com a instituio vincular e ligada, entre si, por laos de parentesco. A
sua condio de fidalguia expressa uma ligao com o monarca, reflexo da legislao da
poca que determinava a governao do municpio como prerrogativa das pessoas principais
da terra. Acrescente-se que se trata de um grupo de fidalgos que vivem excludos da Corte, ao
contrrio da grande nobreza titulada, no tendo qualquer peso ou influncia na vida poltica
do reino ou nas decises do monarca. A sua condio de abastana uma consequncia
directa da sua identificao com a instituio vincular. Trata-se de um grupo que detm, em
exclusivo, as melhores terras da ilha, um monoplio que assegura uma posio social e
econmica de domnio sobre a restante populao: social porque assente num sistema de
transmisso de propriedade o morgadio que perpetua a posio privilegiada no topo da
hierarquia social; o domnio econmico estrutura-se em torno da posse das terras de
viticultura, geradoras de lucros avultados devido exportao do vinho, que sustenta toda
uma vivncia, nos seus smbolos e modos de vida, que projecta, no contexto insular, o poderio
destes fidalgos. A ligao de parentesco visvel entre os membros da elite municipal, nalguns
casos revelando uma ligao em primeiro grau, traduz a necessidade de manter e aumentar o
patrimnio das famlias, atravs de alianas matrimoniais. A consequncia directa desta
realidade foi expressa pelo governador Forjaz Coutinho ao afirmar que entre as pessoas da
nobreza era quase geral o parentesco. Logo, uma inevitabilidade no mbito do acesso ao
governo municipal. Mas o exerccio do poder, seja no municpio, seja na misericrdia ou nascompanhias de ordenanas, esteve intimamente associado ao dever e honra. Assim, esse
exerccio, revelou-se uma honra e um dever pblico, ao servio do rei, do direito das partes e
do bem comum da respublica. Como tal, a elite funchalense no cedia na pose, honra e
respeito com que exigia ser publicamente tratada pelos restantes poderes insulares. A suposta
ligao de alguns membros da elite municipal primeira loja manica da Madeira revela-se
67 ARM, CMF, Vereaes, Livro 1357, fl.4-7. O processo eleitoral na origem da escolha trimestral dos almotacs
do Funchal no estaria isento de alguma irregularidade. Assim o atesta a acusao feita pelo Juiz de Fora vereao funchalense, em 1765, no sentido de haver divulgao dos nomes dos escolhidos, antes de se proceder eleio.
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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Imprios Ibricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 21
singular. A frase proferida pelo governador S Pereira, em 1770, fala-nos de pessoas de
esprito inquieto, livre, soberbo e indomvel, num interessante contraste com as opinies dos
corregedores expressas nos arrolamentos. O seu carcter pacfico e convencional poder ser o
indicador da necessidade de manuteno de uma certa ordem poltica e social que, em virtude
da lei da monarquia, reconhecia a primazia dos principais da terra no desempenho dos cargos
nos rgos de poder local.
4. Fontes e Bibliografia
Fontes Manuscritas
Arquivo Regional da Madeira
Cmara Municipal do Funchal: Correspondncia do Senado, Livro 167; Correies, Livro
168; Finto, Livros 397 e 582; Registo Geral, Livros 1220 a 1223; Vereaes, Livros 1353 a
1365.
Governo Civil, Livros 517, 521, 526.
Juzo dos Resduos e Capelas, Mao 13, Processo n 1008; Mao 25, Processo n 2238; Caixa 53,
Processo n 40.
Arquivos Nacionais / Torre do TomboDesembargo do Pao, Repartio da Corte, Estremadura e Ilhas: Mao 999, Documento n 21; Mao
1659, Documento n 38; Mao 1661, Documento n 9; Mao 1671, Documento n 6.
Fontes Impressas
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Histria da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira, Transcrio e Notas de Alberto Vieira, Funchal,
Centro de Estudos de Histria do Atlntico, 1996.SILVA, Jos Justino de Andrade e, Coleco Cronolgica de Legislao Portuguesa: 1603-1674,
Lisboa, Imprensa de J.A. Silva e F.X. Sousa, 1854-1856.
Bibliografia
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