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SP1MIN Mariana Menezes
os carros atravessam cortando passos
as luzes da cidade borram o lodo de um rio morto
são tempos de opaco
I
O meio-dia grita hora de fome
A cidade tem gosto de cansaço
Vejo muitos corpos sujos pelas calçadas
As pombas têm amarras nos pés e outras têm os pés amputados
As pombas se misturam com toda a gente
Elas atropelam as pessoas com as suas asas
E as pessoas se atropelam mutuamente
Não conseguem escapar
II
Badaladas
As balas se perdem no muro da escola
Termina a aula e uma menina corre, só
Ela corre muito, ela rasga o seu calçado no chão
Outra pessoa é rasgada de algum jeito ou de outro
A menina sabe que pode ser rasgada também
Ela gostaria de pensar na lição que tem para fazer
Mas ela não pode
III
No auge e sem sina
Os céus arranham a garganta do moço que limpa vidros
A mente aventada se contamina com a ideia de pássaro do 30° andar
Há algum murmúrio de
tum... tum-tum... tum...
...e as pernas trêmulas
IIIa.
No labirinto da cidade desaba um rodo frágil
Ele há pouco deslizava sobre uma janela que encobria
Estímulos falidos
IV
As pessoas caminham em passos vagos
Não há permeabilidade no espaço
A fome é tanta para o que é escasso
Só o que eu tenho a oferecer são os meus olhos de fuga
Um sorriso escapa àqueles que me pedem dinheiro
Não posso
Saio correndo
Mas tropeço no real e ofendo os meus sentidos
Ofereço meus restos apenas ao cão magro
É pouco o que tenho
Mas o cão quer devorar a minha mão
Ele quer a carne dos meus dedos
Eu preciso arrancar os seus dentes
Ele é mais forte
Ele arranca de mim as ruas
Ele me engole
E eu não posso afogar aquela vida
Então eu me afogo no ar enquanto corro
É o que faço
Em outro lugar as palavras atravessam o eco estomacal daquilo que falta
São tantos os ruídos das vozes
V
Claridade plena onde o sol não projeta sombra
- Eu invento esperas todos os dias. Minha sociabilidade gastronômica é
sempre afetada por ausências. Como todos os dias os pratos mais fartos
do meu intervalo vazio.
(...)
- Man!
O mendigo diz como se fosse poesia: - Man, alelu... (o carro cospe seus gritos na buzina. Precisa passar. É a sua vez. O mendigo permanece na rua).
O mendigo insiste em chamar por alguém que não está ali
- Man, man, man! Ele esmola uma tragada do cigarro de um homem de terno
O homem dá o seu cigarro como se fosse compassivo de um desejo abjeto
O homem perde a fome e vai saldar suas dívidas
É o horário possível
É o tempo em que pode
VI
Amontoados de lixos nas esquinas
As moscas batem as asas no meu estômago
Elas têm uma vida eterna
Quero afastar todos os insetos que me mordem
Mas eles entram nos meus olhos
Quero desaguar nas poças de chuva no asfalto
Mas sinto o gosto da urina que violenta minha respiração
Um ratinho não teme o dia e ali naqueles lixos se esconde
Ele passa por mim e se enfia nos escombros escuros do dia
Ele tem a cor da cidade
E ele é assustado como as pessoas da cidade
As pessoas não podem se esconder nos escombros do dia
Elas têm outros escombros íntimos
Mas o rato pode se esconder ali
E talvez ele queira descansar
Como só ele pode
Até antes de ser abocanhado
Ou esmagado
Ou envenenado
Como as pessoas
VII
Alguém tem tatuado o símbolo de infinito no pulso
Alguém que diz
- Amo você, pra sempre... Alguém que responde em outro espaço no mesmo tempo
E que não acredita no que fala
- Eu também
VIII
- Não consigo te ouv| (ligação caída)
IX
As crianças das ruas
11, 12, 13 anos sem prato sem corpo só osso só pó só só
– Me arranja... (ignorado)
- Tia, me dá uma moe... - Não, não tenho! (anda apressada, tropeça)
Debaixo de cobertor é quente
Tecido adiposo é pouco
– Dá um pouco, tio? Ele oferece, entrega rendido, mas dá
Nem olha nos olhos do moleque onze anos, doze, treze
Alguns passam e é medo é tu-tu-tu 11, 12, 13x de batimentos acelerados
de NÃO ME TOQUE NÃO ME PEÇA NADA NÃO ME FAÇA CÚMPLICE DE SUA MISÉRIA
Igreja sem fé emite seus toques
X
Cidade treva de meio dia já começa a travar
Alguém fala muito ao dispositivo
E diz no final
- Não me procure mais
XI
- A aula está quase terminando
A gramática é imposição política
Não importa se vocês disserem (o alarme toca)
- Qualquer inadequação que vocês disserem
XII
-Não posso ir hoje. Ok. Outro.
Postado por No Body às 12:00 0 Comentários