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Biblioteca Breve SRIE LITERATURA

O CANCIONEIRO POPULAR EM PORTUGAL

COMISSO CONSULTIVA

JACINTO DO PRADO COELHOProf. da Universidade de Lisboa

JOO DE FREITAS BRANCO Historiador e crtico musical

JOS-AUGUSTO FRANA Prof. da Universidade Nova de Lisboa

JOS BLANC DE PORTUGALEscritor e Cientista

DIRECTOR DA PUBLICAO LVARO SALEMA

MARIA ARMINDA ZALUAR NUNES

O cancioneiro popular em Portugal

M.E.C.SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA

Ttulo

O Cancioneiro Popular em Portugal_______________________________________

Biblioteca Breve / Volume 23 _______________________________________

Instituto de Cultura Portuguesa Secretaria de Estado da Cultura Ministrio da Educao e Cultura_______________________________________

Instituto de Cultura PortuguesaDireitos de traduo, reproduo e adaptao,reservados para todos os pases ___________________________________

1. edio 1978 ___________________________________

Composto e impresso

nas Oficinas Grficas da Livraria Bertrand Venda Nova - Amadora Portugal Julho de 1978

NDICE

Pg.

NTULA SOBRE A HISTRIA DO CANCIONEIROPOPULAR EM PORTUGAL ........................................................6

CANTIGAS: POESIA, MSICA E DANA ................................16

ASPECTO FORMAL DAS CANTIGAS ........................................25

TEMAS DAS CANTIGAS ................................................................31

O amor ...............................................................................................32

O casamento, os filhos, o quotidiano familiar ..............................40

O trabalho ..........................................................................................47

Conceitos de vida ..............................................................................54

Crenas religiosas ..............................................................................59

O maravilhoso popular ....................................................................66

A stira ................................................................................................73

ECOS DE POESIA MEDIEVAL EM CANTIGASPOPULARES ....................................................................................83

REFLEXES FINAIS .......................................................................93

NOTAS...................................................................................................95

DOCUMENTRIO ANTOLGICO ............................................102

RESENHA BIBLIOGRFICA ........................................................128

NTULA SOBRE A HISTRIA DO CANCIONEIRO POPULAR

EM PORTUGAL

com o Romantismo que em Portugal surge o culto pelo folclore e, portanto, pelas composies poticaspopulares de tradio oral, amorosamente trazidas a pblico pela mo do divino Garrett, a quem devemos apublicao da primeira colectnea do Romanceiro popularportugus.

De real interesse recordar que, desde a infncia,bailavam na mente e no corao do poeta os versos desses velhos romances, de mistura com lendas, histrias e tradies vrias. Esse amor formou-se no carinho que, em criana, lhe foi dado pelo convvio com duas mulheresdo povo, suas criadas na quinta do Castelo e na doSardo, perto do Porto a velha Brgida e a mulata Rosa de Lima. A elas se referiu vrias vezes na sua obra, com grata ternura.

Assim, no poema D. Branca diz-nos:

Oh! magas iluses, oh! contos lindos, Que s longas noites de comprido InvernoNossos avs felizes entretnheisPimponices de andantes cavaleirosCapazes de brigar co mundo em peso,

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Malandrinices de Merlim barbudo,Travessuras de lpidos duendes, E vs, formosas moiras encantadas, Na noite de So Joo ao p da fonte,ureas tranas com pentes de ouro finoDescuidadas penteando enquanto o orvalhoNas esparsas madeixas arrocia E os lindos anis de perlas touca.Oh! magas iluses, porque no possoCrer-vos eu coa f viva de outra idade,Em que de boca aberta e sem respiro,Sem pestanejo um s, de olhos e orelhasNo Castelo escutava a boa Brgida Suas longas histrias recontando De almas brancas trepadas por figueiras,De expertas bruxas de unto besuntadasJ pelas chamins fazendo vspere, J indo, em dzias, em casquinha de ovo ndia de passeio numa noite 1

E, na nota L ao I acto do drama Frei Luis de Sousa,relata: Uma parda velha, a boa Rosa de Lima, de quem euera o menino bonito entre todos os rapazes, e por quem ainda choro de saudades, apesar do muito que me ralhava s vezes, era a cronista-mor da famlia Contava-me ela, entre mil bruxarias e coisas do outro mundo que piamente acreditava, que tambm naquelas coisas se mentiamuito E conclui: A poesia verdadeira esta, a que sai destas suas fontes primeiras e genunas A poesia filhada terra, como os Tits da fbula, e sua terra se deve deitar para ganhar foras novas quando se sente exausta.

No programa expresso nestas transcries revelam-sealguns dos marcantes ideais esttico-literrios de Garrett e da escola romntica: repdio dos temas clssicos, quedurante trs sculos haviam norteado a literatura,

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entusistico aproveitamento das tradies nacionais topersistentes na boca e no corao do povo foras vivas emanadas da terra natal.

O amor latente de Almeida Garrett pelo folclore nacional veio a reacender-se durante os seus exlios notempo das emigraes liberais de 1823 a 1828, sobretudo na primeira. Foi ento que se integrou na cultura europeia da poca, em especial bebida em autores anglo-germnicos. No seu primeiro exlio teve em Inglaterra, alm do entendimento perfeito da obra genial de Shakespeare 2, conhecimento das Relics of ancient English poetry, compilao do bispo de Percy, publicada em meados do sculo XVIII, e de Minstrelsy of the Scottish border, coleco formada por Walter Scott.

Destes factos nos informa o prprio Garrett em muitasdas suas obras 3. Na Autobiografia, escrita sob o nome do editor, acentua que mais tarde, quando da sua misso diplomtica em Bruxelas, se familiarizara com produesde Schiller, de Goethe e o que mais interessa para o caso presente com a obra do fillogo Depping e as recolhasfolclricas de Brger, dos famosos irmos Wilhelm e JacobGrimm e do notvel intelectual Herder, organizador da coleco Stimmen der Vlker in Liedern. Desde 1824, conforme se verifica em carta a Duarte Lessa, oacompanhava a ideia da publicao de romances colhidos da tradio oral do povo portugus.

A Almeida Garrett, que to bem sentiu e compreendeu o valor do Grande livro nacional que o povo e as suas tradies pertence a glria de ter sido o primeiro a atentar nos tesouros do folclore portugus em geral e em especialdo Romanceiro, que publicou em 1843 e 1851.

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Estava aberto o caminho para os estudiosos das tradies primitivas e populares de Portugal seguirem porto apaixonante rumo.

Relativamente poesia lrica popular coube a Tefilo Braga ter sido o entusistico e infatigvel pioneiro do seuestudo e recolha. Data de 1867 a obra Histria da Poesia Popular Portuguesa, cuja ltima edio reescrita, a 3., de 1902 quanto ao primeiro volume As origens e de 1905 quanto ao segundo Ciclos picos. Evidentemente que,passados uns trs quartos de sculo, novas investigaes vieram esclarecer e modificar vrias teorias a expostas, porvezes pouco claras ou fantasiosas, rematadas por apressadas concluses. Tambm no ano de 1867 publicouTefilo Braga o primeiro Cancioneiro Popular Portugus,coligido da tradio oral, abundante coleco de cantigas, ampliado numa segunda edio. Dois anos depois,seguindo a mesma senda, vm a lume os Cantos Populares do Arquiplago Aoriano, em que h uma parte lrica. Quando da segunda edio do Cancioneiro Popular Portugus, em 1911, de notar que Tefilo Braga, no respectivo prefcio, assinalou que o imenso material de cantigas, que vrios estudiosos j haviam publicado, impunha que se atendesseao seu aspecto esttico. Esta preocupao na realidadeassaz louvvel, porque implica um avano relativamente aatenes a dar s espcies coligidas. O apreo que sempre manifestou pelas cantigas populares revela-se ainda emalguns volumes da Revista Lusitana (II e IV) onde seencontram recolhas feitas nos Aores.

Quanto ao sbio mestre Leite de Vasconcelos, malsado da adolescncia j se entregava de alma e corao ao estudo das produes do povo, conforme atesta na introduo s Tradies Populares de Portugal: Em 1876, dos dezassete para os dezoito annos, edade em que vim para o

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Porto, comecei enthusiasmado pelo grande movimento scientfico do seculo, a ocupar-me do Folk-lore, esboando e dando a lume os meus primeiros ensaios em 1878 (na Aurora do Cavado). 4

Os primeiros ensaios de Leite de Vasconcelos coincidem, efectivamente, com o interesse que o mundo culto da poca demonstrava por esse grande movimento cientfico de manifestaes folclricas,conforme assinalou. Segundo informao dada peloerudito folclorista brasileiro Renato Almeida no seuvaliosssimo livro Inteligncia do Folclore, j em 1854 Mannhardt e Wolf haviam fundado uma sociedade visando o estudo das tradies populares. E em 1878,por iniciativa de Gomme se funda em Londres a primeira associao cientfica para o estudo de Folclore: Folklore Society, contando com figuras como Thoms, Tylor, Lang e outros cientistas. O seu objectivo era aconservao e a publicao das tradies populares,baladas lendrias, provrbios locais, ditos vulgares, supersties e antigos costumes e demais materiais concernentes a isso. 5

a partir dessa data que as obras de Leite deVasconcelos vo aparecendo em ritmo indicativo de surpreendentes qualidades de cultura, de trabalho e deamor terra ptria.

Notabilssima contribuio para o estudo da poesiapopular foi a publicao de quatro canes cantadas nas segadas de cereais e nas