Série Selena 7 Abra Seu Coração · Selena sentiu o coração bater forte no peito e percebeu um...

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Série Selena 7 Abra Seu Coração Robin Jones Gunn Título original: Open Your Heart Tradução de Myrian Talitha Lins Editora Betânia, 2001 Digitalizado por deisemat Revisado por deisemat

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Série Selena 7

Abra Seu Coração

Robin Jones Gunn

Título original: Open Your Heart Tradução de Myrian Talitha Lins

Editora Betânia, 2001 Digitalizado por deisemat Revisado por deisemat

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Digitalizado por deisemat

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SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos

Aos meus amigos da editora Focus on the Family.

Muito obrigada a todos vocês que cooperaram para qu e “Selena” e “Cris”

passassem bons momentos na companhia uma da outra e de suas amigas da vida

real – as jovens de várias partes do mundo.

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Capítulo Um

Selena sentiu o coração bater forte no peito e percebeu um latejamento nos ouvidos.

Agarrou os braços da poltrona do avião e tentou gritar, mas não conseguiu.

Vamos cair! pensou. Este avião vai mergulhar de ponta nesse mar gelado! Vamos

morrer!

Entretanto, em vez de ver toda a sua vida “passando” como um filme em sua memória,

ela se recordou dos acontecimentos dos últimos dias. Estivera no casamento de seus amigos

Douglas e Trícia, na Caifórnia. Aliás, fora Tânia, sua irmã, quem pegara o buquê atirado pela

noiva. Instantes depois, vira a amiga Cris, ao lado de Marta, tia dela. Dali a pouco, as duas a

convidavam para esta viagem, para vir com elas à Suíça.

A cena que viu a seguir foi ainda na Califórnia. Estava telefonando para os pais, em

Portland, pedindo-lhes que procurassem seu passaporte, naquele seu quarto bagunçado.

- Olhem na escrivaninha, disse. Talvez esteja na última gaveta.

Em seguida, viu-se embarcando no avião, bem cedo de manhã, com o documento na

mão. Agora estava ali, dentro da aeronave que caia em direção ao mar. Soltou um grito, mas

apenas em pensamento. Ao longe, ouviu uma voz conhecida que a chamava.

- Selena! Algum problema?

Sentiu um toque de leve no braço tenso. A voz chegou mais perto. A garota abriu os

olhos ofegando.

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- Já vamos aterrissar, disse Cris, que se achava ao lado. Está com algum problema?

Você estava falando enquanto dormia!

Selena piscou e deu uma olhada a sua volta. Espiou lá para fora e viu o céu azul-claro.

O avião não estava caindo; seguia seu curso firmemente. Nos assentos próximos ao seu, Cris e

Marta calmamente se preparavam para a descida.

- Tive um pesadelo horrível, explicou ela, aprumando-se na poltrona, passando a língua

pelos lábios e recobrando o fôlego. Pensei que o avião ia cair.

Seu tom era de quem achava tudo aquilo muito engraçado, mas ainda sentia o terror que

o sonho inspirara. Afinal de contas, o contexto todo era muito real.

Na verdade, porém, estava de viagem para a Alemanhã. Nesse país, ela, Cris e Marta

iriam pegar um trem para a Suíça. E realmente haviam se passado apenas poucos dias - aliás,

todos muito agitados - desde que assistira ao casamento de Douglas e Trícia, em Newport

Beach. Após a cerimônia, recebera um convite de última hora para fazer esta viagem. Então, o

sonho era real, a não ser a parte em que o avião estava caindo no mar.

- Quer um lencinho úmido? indagou Cris. Peguei um pra você quando as comissárias

passaram distribuindo. Agora ele já deve estar frio.

Selena rasgou o pacotinho e pegou o lenço que de fato havia esfriado. Desdobrou-o e

colocou-o sobre o rosto, aspirando o leve aroma de limão. Com uma das mãos, pegou o

cabelo louro e encaracolado e ergueu-o. Em seguida, passou o lencinho no pescoço. Abaixou

a cabeça e olhou para a calça jeans que usava. Perto do joelho direito, havia uma mancha de

mostarda, no fomato de uma folha. Ela deixara cair o condimento na roupa, no momento em

que sobrevoavam o Canadá. Estava comendo um sanduíche e, ao rasgar o invólucro de

mostarda com os dentes, uma gota respingara na calça. Passou o lencinho úmido naquele

ponto, mas não adiantou. Provávelmente, ela ficaria manchada até o fim da viagem.

Elas haviam partido da Caifórnia e, por isso, Selena não pudera ir em casa pegar roupas

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mais adequadas para o clima da Suíça nessa época do ano. Também não pudera ajudar muito

os pais que, aflitos, procuravam seu passaporte. Felizmente, o Kevin, seu irmão mais novo,

conseguira encontrá-lo caído atrás da cômoda. Em seguida, os pais dela o haviam remetido

pelo correio pelo sistema de encomendas rápidas. Agora Selena pensou que deveria ter

aproveitado para pedir outras peças, como uma calça jeans, por exemplo.

Tudo se passara rápido demais. Ela ligara aos pais para falar-lhes do convite para a

viagem, e eles lhe haviam dado todo o apoio. O casal era muito flexível com os seis filhos e,

como Selena era a quarta filha, eles se sentiam muito tranquilos com as aventuras dela.

Contudo, a essa altura, nem a garota sabia direito em que ela fora se meter.

Cris remexeu-se no assento. Pegou o cabelo castanho-claro e prendeu-o com uma

“xuxinha”. Em seguida, cruzou as pernas longas e elegantes. Selena percebeu que a amiga

também se achava um pouco desinquieta. Talvez estivesse apenas com o corpo dolorido pela

longa viagem de doze horas. Ou, quem sabe, já estivesse começando a irritar-se com a Tia

Marta, como Selena estava.

- A que horas vamos aterrissar? indagou.

- Às 8:27h, replicou Marta. Lembre-se de que aqui agora já é de manhã. E teremos

apenas uma hora de prazo para passar na alfândega, recolher a bagagem e pegar o trem para

Basiléia. Vamos ter de andar rápido.

A tia de Cris era a eficiência em pessoa - o tempo todo. Selena não “morria de amores”

por aquela mulher baixinha, muito refinada e dominadora. Fora ela que ajudara a Tânia, irmã

de Selena, a arranjar um emprego como modelo, na Caifórnia. E, exatamente por isso, os pais

da garota não haviam tido nenhum temor de deixá-la fazer essa viagem repentina para a

Europa. Em qualquer outra pessoa, uma despesa desse tipo causaria estranheza. Não, porém, a

Tia Marta. Para esta, o dinheiro era apenas um “meio” pelo qual ela atingia seus objetivos. E

nesse momento, seu objetivo era levar Cris para a Suíça, onde a jovem iria visitar uma

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faculdade para a qual ganhara uma bolsa de estudos.

- Olha aqui, disse Marta, pegando um bloquinho de gomas de mascar e dando a cada

uma das meninas. É para “desentupir” o ouvido. O avião ja começou a descer.

- Não precisa me dar um pacotinho inteiro, não, interveio Selena. Basta meio tablete.

Uma expressão de irritação estampou-se no rosto bem maquiado da mulher. Aliás, ela

estava totalmente impecável. Não se via um só fio de cabelo fora do lugar. Sua roupa elegante

não estava nem amarrotada. Como será que ela conseguia manter uma aparencia assim após

um vôo tão demorado? Cris fitou a amiga com seus olhos azul-esverdeados. Sua expressão

parecia querer dizer-lhe que pegasse o chiclete e ficasse calada.

- Ah, ‘ta bom, obrigada, replicou ela prontamente. Eu guardo o resto pra depois.

Enfiou na boca metade da goma de mascar, sabor hortelã, e se pôs a pensar na

misteriosa razão de ter sido chamada para aquela viagem. O que ela explicara aos pais fora

que Marta tinha três vouchers para passagens. Um seria para ela, outro para Cris e o terceiro

para Ted, o namorado desta. Contudo o rapaz não pudera tirar uma folga no serviço. Katie, a

melhor amiga de Cris, quebrara o pé alguns dias antes e estava impossibilitada de viajar.

Marta nem mencionara a possibilidade de chamar seu marido, o Bob, o que Selena achou

estranhíssimo. A mãe de Cris também não quis ir. Disse que não aguentaria uma viagem tão

longa. Só restava Selena. Entretanto a garota nem se importou de ter sido lembrada como um

“tapa-buraco”. Estava empolgada com a idéia de fazer aquela viagem.

- Deu pra descansar um pouco? quis saber Cris.

- Um pouquinho; e você?

- Acho que dormi umas duas horas. Você se lembra de como foi difícil superar esse

problema da “ressaca” de viagem quando viemos à Inglaterra em Janeiro?

- Lembro, replicou Selena. Ouvi dizer que o melhor a fazer é ficar o dia inteiro acordada

para poder dormir à noite.

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- E é exatamente o que vamos fazer, interveio Marta, olhando para o cinto de segurança

das duas garotas para ver se estava tudo em ordem. Vamos pegar um trem no aeroporto que

vai direto para Basiléia. Assim que nos registrarmos no hotel, vamos à faculdade. Marquei

uma entrevista com o diretor para hoje às 2:30h da tarde, concluiu ela, mascando o chiclete

com ar pensativo.

- É, e assim não vai sobrar tempo pra nada, comentou Cris. Isto é, pra rodar por aí.

Marta ergueu um pouco as sobrancelhas e fitou a sobrinha demoradamente.

- Não temos nenhum plano de ficar “rodando por aí”, disse ela. E mastigue de boca

fechada, meu bem.

- O que estou querendo dizer, insistiu a jovem, é que já viajei de trem pela Europa e...

- ... e eu ainda não? indagou a tia.

- E quando é que vamos almoçar? interveio Selena, procurando quebrar um pouco a

tensao que se formava. Ainda não conversamos sobre isso.

- Vamos almoçar no trem, explicou Marta. Pelo menos, vamos viajar de primeira classe.

Selena compreendeu que a tia de Cris ainda estava chateada pelo fato de seus lugares no

avião não serem na primeira classe, como ela queria. Marta discutira com o atendente no

balcão da companhia no aeroporto, mas não conseguira nada. A única vantagem que lhe

haviam prometido era que na volta estariam nessa classe.

- Parece que o dia está muito bonito, comentou Cris, fazendo um aceno de cabeça para

os prédios, estradas e campos que já começavam a avistar da janelinha do avião. Daqui tudo

parece tão bonito, né? Tudo limpo e certinho.

- E você acha que não e assim, não? perguntou Selena, que nesse momento avistou a

pista de pouso.

- Bom, disse Cris, nunca estive na Alemanhã nem na Suíça, mas as paisagens que vi na

Espanha e na França não eram própriamente iguais as de um postal, não.

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No momento em que ela terminou de dizer isso, as rodas do aparelho tocaram o chão, e

a gigantesca aeronave foi diminuindo a velocidade.

Selena agarrou no braço da poltrona e cerrou os dentes, à espera de que o avião parasse.

Ainda hem que não caiu, pensou. Chegamos! Foi só um terrível pesadelo. E

provávelmente foi por causa daquela correria pra arrumar tudo. Ou talvez por causa dos

picles que comi no sanduíche.

- Tudo pronto, meninas? indagou Marta. Não se esqueçam da bagagem de mão.

As duas jovens se entreolharam, enquanto soltavam o cinto de segurança e pegavam as

bolsas de viagem que se achavam embaixo do assento à frente delas. Selena logo imaginou se

Cris estaria pensando o mesmo que ela: passar uma semana ali em companhia da Marta

poderia ser mais dificil do que haviam imaginado.

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Capítulo Dois

As viajantes passaram pela alfândega e recolheram a bagagem sem nenhum atraso, para

satisfação de Marta. Pouco depois, embarcavam no trem de ferro e iam para seus lugares, uma

cabine reservada na primeira classe. As garotas se deixaram cair na poltrona com suspiros de

alívio.

- Acho que batemos um novo recorde, comentou Cris.

- Isso demonstra que tenho razão, replicou Marta, com uma expressão de satisfação. Se

fizermos tudo certinho e agirmos de forma organizada, não vamos perder a hora para nada.

- Estou morrendo de fome! exclamou Selena, guardando a mochila no compartimento

de bagagem ao alto. Vou dar uma chegada no carro-restaurante. Alguém quer ir comigo?

Nesse momento, o trem começou a movimentar-se.

- Não precisa, interveio Marta, acomodando-se mais no assento e olhando pela janela.

Na primeira classe, eles vem servir a gente aqui.

A garota olhou para a amiga e em seguida para a tia.

- A senhora se importaria se eu fosse ao carro-restaurante pra comer algo? insistiu ela.

Estou mesmo com muita fome.

A verdade e que estava sentindo o estoômago vazio e começando a enjoar. Não sabia se

aquilo era consequêencia do vôo ou do terrível pesadelo que tivera. Contudo sabia que, se

tomasse um copo de leite, logo se sentiria melhor.

- Ah, vai! replicou Marta. Vão as duas. Mas fiquem juntas e não conversem com

desconhecidos. Aqui, levem este dinheiro!

- Quer que a gente traga algo pra você, tia? indagou Cris.

- Não, obrigada. Eu espero.

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Selena abriu a porta deslizante da cabine, saindo para o corredor estreito. Cris seguia

logo atrás dela, as duas andando em fila. O trem ia ganhando mais velocidade e balançando

um pouco. Chegaram ao fim do seu carro e abriram a porta, passando ao vagão seguinte.

Continuaram caminhando até chegar ao setor de refeições. Selena foi a primeira a entrar no

restaurante e logo se acomodou no assento estofado da primeira mesa vazia que avistou. A

mesa estava recoberta com uma toalha branca. No canto, junto a janela, havia um pequeno

vaso com um botão de rosa amarela. A flor tinha a “cabecinha” inclinada, como que a

cumprimentá-las. Cris sentou-se do outro lado, à frente de Selena.

- Como e que você está? indagou Cris, aproximando-se um pouco da amiga.

- Estou sentindo um mal-estar no estômago, explicou Selena. Mas acho que, assim que

comer, vou melhorar. E você, como está?

- Estou bem. Minha tia está te deixando irritada, né?

- Não, não. Ainda não! respondeu ela erguendo os olhos.

Um rapaz alto, usando um blusão de moletom grosso, aproximava-se da mesa delas. A

princípio, Selena achou que era o garçom. Logo em seguida, porém, deu-se conta de que não.

Usava roupas comuns, e não o traje característico dos garçons. Para seu espanto, o jovem

parou junto a mesa delas, fez um educado aceno de cabeça e perguntou:

- Sprenchen SieDeutsch? (Falam alemão?)

Cria abanou a cabeça.

- Somos americanas, explicou.

- Ah! disse o moço, com os olhos fitos em Selena. Claro! São americanas! Que bom!

- Ele tinha, um sotaque engraçadinho, uma expressão muito agradável. De repente,

Selena sentiu que de fato estava do outro lado do mundo.

- Acho que esqueci um embrulho aí no seu banco, disse o rapaz.

Selena baixou os olhos para o assento que ocupava e, realmente, bem no cantinho, junto

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a janela, havia um pacote, envolto em papel pardo e amarrado com um barbante. Pegou-o.

- Aqui, disse, estendendo o objeto para o recem-chegado.

O rapaz levou a mão ao peito.

- Graças a Deus! exclamou. É um presente que estou levando para uns amigos. Estou de

férias. E vocês?

As duas garotas se entreolharam, mas nenhuma respondeu imediatamente.

- Ah, desculpe! interveio o desconhecido. Interrompi a conversa de vocês. Querem que

eu vá embora?

- Oh, não! Tudo bem! falou Selena. Acabamos de chegar agorinha mesmo. Ainda não

estamos bem “sintonizadas” com o fuso horário e tudo o mais.

Nesse momento, sentiu que Cris lhe dava um chute na perna por baixo da mesa.

Contudo o rapaz lhe parecia completamente inofensivo. Era simpático, tinha o rosto

comprido, o queixo fino e as maçãs da face salientes. O cabelo era bem escuro, todo penteado

para trás, com exceção de uma mechinha em forma de quarto crescente, que lhe caíra na testa.

Tinha olhos castanho-escuros, mas um olhar luminoso, cheio de vitalidade. Parecia ter uma

personalidade muito interessante.

- Meu nome é Alexander, disse ele, apresentando-se e estendendo a mão para Selena.

A garota correspondeu ao cumprimento e recebeu um aperto de mão firme e decidido.

- Selena, disse ela.

- “Sa-le-na”? repetiu ele.

- Não. Selena, replicou a garota. É um nome bem comum na Caifórnia.

- Ah, você mora na Caifórnia? quis saber Alexander.

- Não, explicou ela. Já morei. Atualmente moro numa cidade chamada Portland, no

Oregon. Sabe onde fica?

- Claro, disse o rapaz. E você? continuou ele, virando-se para Cris.

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A jovem hesitou por um instante, mas depois se apresentou.

- Meu nome é Cris.

- Cris! repetiu Alexander, pronunciando o “r” sem nenhum problema. Também mora na

chuvosa Portland?

- É, interveio Selena, já vi que sabe tudo sobre Portland.

A garota sorriu para o rapaz e em seguida para a amiga, tentando fazer com que ela se

descontraisse. Entretanto a jovem permaneceu com os lábios cerrados, olhando para as mãos.

Selena calculou que ela estava se lembrando da recomendação da Tia Marta, no sentido de

não conversarem com desconhecidos. Contudo agora estavam na Europa. E numa viagem de

trem, era normal os passageiros travarem contato uns com os outros. O que poderia

acontecer? Achava que Alexander não representava o menor perigo. Parecia totalmente

inofensivo e bastante interessante.

- Eu moro na Caifórnia, explicou Cris, após uma pausa meio constrangedora.

Nesse momento, o garçom aproximou-se da mesa delas e, falando em alemão, indagou

o que elas iam querer.

- Com licença, interveio Alexander.

Num tom de voz grave, ele se dirigiu primeiro ao garçom e depois às moças.

- Voçês vão pedir o café da manhã? indagou ele.

- Bom, a gente só queria um sanduíche, replicou Selena. E leite.

Alexander dirigiu-se ao garçom falando em alemão e, afmal, fez um aceno de cabeça e

concluiu:

- Danke! (Obrigado!)

Selena deslizou no banco, chegando mais para o canto, dando lugar para o rapaz.

- Quer se sentar conosco? indagou.

- Se as duas permitirem, quero, respondeu ele, sentando-se perto de Selena.

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A garota notou que o blusão de moletom dele era de um tecido bem grosso. Não parecia

nada com os dos Estados Unidos.

- Você é daqui mesmo? indagou Selena, resolvendo que estava na hora de tomar a

iniciativa das perguntas.

- Não, estou a passeio. Vou visitar alguns amigos em Basiléia. Minha mãe é de lá, e

tenho muitos parentes nessa cidade. Meu pai é russo. Moro em Moscou há sete anos. Antes eu

morava em Basiléia.

Alexander recostou-se mais no banco e fitou Selena, dando um sorriso suave.

- Se uma mora num estado e a outra, no outro, como é que se tornaram amigas?

- Ficamos nos conhecendo em Janeiro, na Inglaterra, quando estavamos fazendo uma...

principiou Selena, mas aqui ela parou. Nós somos crentes, prosseguiu. Estavamos fazendo

uma viagem missionária.

Um sorriso cálido estampou-se no rosto forte do rapaz. Ele deu uma risadinha amistosa

e em seguida falou:

- Vocês nem vão acreditar, disse ele rindo. Também sou crente. Faz quatro anos.

Selena sentiu-se aliviada e ao mesmo tempo muito satisfeita. As duas logo se puseram a

acompanhar Alexander na risada.

- Ei! exclamou Cris. Eu diria que isso e uma “coisa de Deus”, Alexander!

- É mesmo! disse ele. Mas, por favor, pode me tratar por “Alex”. Que beleza! Sendo

crentes, a conversa fica bem melhor, não é?

- É sim, concordou Selena.

Ela percebeu, com satisfação, que Cris relaxara a tensão. Não precisavam ficar

preocupadas com relação ao rapaz. Ela já notara que, quando se achava longe de casa, fora do

contexto familiar, aprendia a confiar mais em Deus. Já vivera muitas situações, em ambientes

estranhos, em que o Senhor a protegera e cuidara dela. Agora Deus mandara ali um rapaz

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crente, com quem ela e Cris partilhariam sua primeira refeição na Alemanha.

O garçom chegou à mesa deles e parou para servi-los. O homem “dançava” um pouco,

devido ao balanco do trem. Com gestos lentos, colocou no centro uma cesta com alguns

pãezinhos de casca crocante. Ao lado, pôs uma travessa com fatias finas de presunto e queijo,

e uma tigela com várias embalagens individuais de manteiga e geléia. Em seguida, à frente de

cada um deles, colocou um bulezinho de café e, para Selena, deu também uma vasilhinha com

leite.

- Foi isso que você pediu? indagou a garota a Alex.

- Foi, respondeu ele. Não era isso que queriam? Você disse que queria leite, mas não era

para por no café.

- Está muito bom, interveio Cris prontamente.

- É, está bom, sim, concordou Selena.

Pensou se seria falta de educação derramar o leite na xícara onde deveria tomar o café e

beber todo ele puro.

- Quero lhes dizer algo, principiou Alex, servindo-se de café e olhando longamente para

Selena. Você tem um ar de pureza que acho lindo, aliás, as duas tem. Tenho a sensação de que

estou vendo as primeiras tulipas que brotaram na primavera.

Selena tentou conter o riso, mas não conseguiu. Caiu na gargalhada. Teve a impressão

de que, em sua testa, devia haver um plaquinha com os dizeres: “Tenho dezesseis anos e ainda

não fui beijada”.

- Será que ofendi vocês? indagou o rapaz, olhando para Cris.

- Não, replicou a jovem. Foi muito legal o que você disse. Só que a gente não estava

esperando isso.

Selena procurou controlar-se.

- Você é sempre sincero assim? indagou. Até com quem conhece há pouco tempo?

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- Sou, respondeu o rapaz em tom sério.

Selena reprimiu a vontade de rir.

- É, creio que é mesmo, disse. Desculpe por eu ter rido. É que não estou acostumada a

ver rapazes iguais a você.

- E eu também não estou acostumado a ver garotas como vocês. E isso é um elogio, viu?

Selena tomou um golinho de seu café, que na verdade era mais leite do que café.

- As duas devem ter uma porção de admiradores, que fazem uma fila comprida, cada um

aguardando sua vez. É assim? Eles fazem fila na porta da sua casa?

Quando Alex disse isso, Selena estava com a boca cheia de café e quase cuspiu tudo,

pela vontade de rir. Contudo engoliu rapidamente o liquido morno e replicou:

- Cris ja encontrou o amor da vida dela. Mas eu ainda estou entrevistando os candidatos

da minha fila.

O rapaz endireitou-se no banco e ergueu o queixo. Afastou a mecha de cabelo que lhe

caíra na testa e disse:

- Então vou entrar na fila. E já estou preparado para a entrevista. Qual é a primeira

pergunta?

Selena nunca se sentira tão encantada. Tapou a boca coma mão para não disparar a rir

de novo.

- Está bom, disse. A primeira pergunta e a seguinte: o que é isto? indagou, pegando um

dos pacotinhos que estavam perto da geléia.

- Ah, como é que chama isso? falou ele meio gaguejante. Ah, não sei o nome disso na

sua língua.

Selena abanou a cabeça, dando estalidos com a língua.

- Tsk, tsk! fez ela. Sinto muito. Terá de voltar para o fim da fila.

Alex soltou uma risada.

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- Pra saber, tera de experimentar, explicou o rapaz. Passe um pouco no pão.

As duas garotas provaram um pouco.

- Parece queijo cremoso, comentou Cris.

- Creme de queijo, isso mesmo! exclamou o rapaz. Agora sou eu quem vai fazer uma

pergunta.

Selena lambeu um pouquinho do creme adocicado que lhe ficara no lábio.

- Claro, disse, pode perguntar.

- Como você faz para o seu cabelo ficar assim?

- Assim... como?

- Nunca vi um cabelo assim... tão bonito!

Novamente a garota abanou a cabeça. Em seguida olhou para Cris e comentou:

- Tem cara que faz qualquer coisa pra entrar na frente da fila!

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Capítulo Três

Selena abriu a porta deslizante da cabine. As duas garotas entraram juntamente com

Alex, que teve de abaixar a cabeça para passar na porta.

- Marta! disse a garota. Este aqui e o Alex.

- Prazer em conhecê-la, disse o rapaz, estendendo a mão na direção dela.

Marta ignorou o gesto dele.

- Onde vocês conheceram este rapaz? indagou ela para as jovens.

- No carro-restaurante, explicou Selena, com ar tranquilo. Ele tomou café conosco.

A tia de Cris fez uma expressão de espanto. Alex abaixou a mão.

- Desculpe, interveio ele. Não queria incomodar. Vou embora. Tive muito prazer em

conhecê-la, “Salena!.

Ele pegou a mão da garota, mas, em vez de dar-lhe um cumprimento, ficou a segurá-la.

- E você também, Cris, continuou ele, fazendo um aceno de cabeça para a outra, sem

largar a mão de Selena. Talvez a gente possa se ver de novo muito breve.

- É pouco provável, replicou Marta friamente.

O rapaz sorriu. Lentamente foi soltando a mão da garota, fez um amistoso aceno de

cabeça para todas e em seguida saiu.

- A senhora não precisava “espantá-lo” desse jeito, comentou Selena, sentando-se na

poltrona logo a frente de Marta.

Ainda sentia na mão o calor da de Alex. A tia de Cris olhou-a com uma expressão de

irritação e de espanto ao mesmo tempo.

- Espere aí, replicou. Não entendi. Eu disse a vocês para não conversarem com

estranhos, e agora me aparecem aqui com um alemãozinho malvestido e ainda querem que eu

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fique contente com o que fizeram?

- Ele não é alemão; é russo, apressou-se a explicar Selena, falando meio entre os dentes.

- Russo!? exclamou Marta, com expressão de choque rosto. Que é isso, gente? Vocês

foram conversar logo com um russo?

- Tia Marta, interveio Cris em tom calmo, pode até parecer que desobedecemos a

senhora, mas não. Nós ficamos conhecendo o Alex no carro-restaurante. Ele tinha esquecido

um embrulho no banco.

- Bem de propósito! comentou Marta.

- Não, tia, respondeu Cris. Não foi de propósito, não. Ele é um cara muito legal. E

crente também. Nós nos sentimos muito bem na companhia dele. Se a senhora tivesse

conversado um pouco com ele, também teria gostado. Na verdade, não fizemos nada que

fosse contra as suas ordens.

- Eu falei para não conversarem com desconhecidos. Vocês me desobedeceram

deliberadamente. Como é que vai ser nossa viagem se as duas não fizerem o que quero?

Selena mordeu o lábio para não responder. Cris estava sentada ao lado dela.

- Olhe aqui, Tia Marta, principiou a jovem, nós duas ficamos muito alegres por ter

vindo fazer esta viagem com a senhora. Mas a verdade é que já tenho dezenove anos e já

viajei pela Europa de trem, sozinha. Acho que a senhora sabe que pode confiar em mim. E se

não tratar a mim e a Selena como adultas, esta viagem vai ficar insuportável.

- Vou tratá-las como adultas assim que começarem a agir como tal. Quem age como

adulto não vai logo conversando com um desconhecido russo.

- Ele é russo só por parte de pai, afirmou Cris. A mãe dele é suíça. Aliás, ele foi criado

aqui em Basiléia.

- Ah, quer dizer que assim está tudo certo! disse Marta em tom de ironia. Não quero

vocês duas conversando com desconhecidos. Entenderam?

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Cris e Selena se entreolharam e depois fizeram que sim.

- ‘Tá bom, tia, replicou Cris. Vamos obedecer.

A jovem recostou-se na poltrona, soltando um suspiro ruidoso e cruzando os braços.

Selena olhou para a amiga e viu que ela fechara os olhos. Parecia que esse era o único jeito de

se “desligar” das implicâncias de Marta. Selena seguiu o exemplo de Cris.

Alexander! pensou a garota sorrindo. Por que Marta teve de espantá-lo? Quero vê-lo

outra vez! Esse rapaz tem algo de muito especial. Certamente vamos vê-lo quando

desembarcarmos, já que ele também está indo para Basiléia. E já lhe dissemos onde vamos

ficar hospedadas, portanto ele pode vir me procurar. Tenho certeza de que virá.

- Quando será que vão trazer o café? indagou Marta. Estou morrendo de fome. O

serviço de bordo nestes países é péssimo, comparado com o nosso. Aliás, é horrível!

- Quer que a gente vá buscar algo para a senhora, tia? perguntou Cris.

- Não, Cristina. Sei muito bem o que estão querendo fazer, respondeu a tia. Não; não vai

sair para se encontrar com aquele amigo estrangeiro, não. Fiquem aqui na cabine, as duas.

Estão de castigo agora; e não vão sair.

Selena compreendeu que não saberia calcular o quanto Cris devia estar se sentindo

humilhada. Já era horrível a tia dizer, na presença da amiga, que elas estavam “de castigo”. E

ainda por cima, Marta o fizera justamente quando Cris estava querendo prestar um favor à tia.

O trem começou a diminuir a marcha. Selena olhou para fora e viu que estavam

chegando a uma estação. Avistou uma placa com o nome da cidade, mas não conseguiu lê-la

direito. De um lado e outro da estação, viam-se vários trilhos. Passageiros apressados corriam

pelas plataformas. Em diversos pontos, havia as costumeiras placas publicitárias, com

propaganda de refrigerantes, chocolates e cigarros - tudo em alemão, claro. Selena tentou

decifrar algumas palavras para ver se entendia algo. Pensou em como gostaria de saber outras

línguas. Estudara espanhol nos primeiros anos do segundo grau, mas não tinha certeza se

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saberia conversar nesse idioma, caso precisasse. Ficara admirada com Alex, ao saber que ele

falava várias línguas. E se expressava muito bem em inglês, inclusive. Era um rapaz tão legal!

Nesse momento, a porta da cabine se abriu. Por um instante, Selena teve esperanças de

que fosse Alex. Achou que talvez ele houvesse tido coragem de voltar, apesar da fria recepção

de Marta. Não. Era um senhor de cabelo grisalho, que carregava uma pasta preta. Ele pegou

sua passagem, para verificar o número da poltrona, e em seguida guardou-a novamente no

bolso do paletó. Ainda parado à entrada, cumprimentou-as em alemão.

Marta deu um sorriso meio tenso e ficou a olhá-lo. O homem correu os olhos pela

cabine, dando um educado aceno de cabeça para cada uma. Afinal, dirigiu-se a Marta, ainda

em alemão, apontando para o assento junto a janela. Ela não respondeu.

- Acho que a senhora está no lugar dele, disse Selena.

- Isso mesmo, interveio o recém-chegado, falando na língua delas. Essa poltrona é a

minha, mas não tem importância. Eu sento aqui.

A tia de Cris fez um aceno agradecendo.

- Acredito que as três são irmãs e estão viajando juntas, principiou o homem.

- Não! Não somos irmãs, não, explicou Marta com uma risada. Esta aqui é minha

sobrinha e a outra jovem é amiga dela.

- Pois as três parecem irmãs, insistiu ele.

O homem tinha uma voz melosa e um olhar insinuante. O aroma de sua loção após

barba era forte demais; chegava a ser enjoativo.

Oh, não pensou Selena, girando os olhos. Será que esse cara pensa que é um galã

irresistível? Não acredito que a Marta esteja praticamente entrando nojogo de galanteios

dele! Eu e a Cris pelo menos não ficamos de palavrinhas melosas com Alex. Nossa conversa

com ele foi até profunda. Como é que a Marta pode achar ruim conosco se ela própria está

agindo assim com um desconhecido?

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- Vamos para Basiléia, disse a tia de Cris. Talvez você possa indicar-nos um bom

restaurante. Os comissarios ainda não trouxeram a refeição para nós até agora. E estamos

todas com fome.

- É; nesta parte do trajeto o serviço de bordo não e muito bom, explicou o homem.

Aliás, eu até já ia lá tomar um café. Quer que eu traga para todas vocês?

- Pra mim não precisa, não, disse Cris.

- Nem pra mim, ajuntou Selena.

- Seria muita bondade sua, Sr...., falou Marta, fazendo uma pausa e esperando que o

homem se apresentasse.

- Gernt, respondeu ele prontamente. E você é...?

- Marta, disse ela, falando devagar e com bastante clareza, acgando que, sendo ele

estrangeiro, talvez não conseguisse compreender seu nome.

Antes, porém, que Gemot se levantasse para ir buscar o café, apareceu um garçom a

porta, empurrando o carrinho de refeições. O desconhecido pegou um café e um pãozinho

para Marta, insistindo em pagar. Depois, comprou tabletes de chocolate para todas elas.

E a viagem prosseguiu. Durante algum tempo, cerca de uma hora, Selena ficou sentada

quieta, fingindo que dormia. Na realidade, chegou a cochilar, mas continuava ouvindo o

diálogo adocicado de Marta com Gernot e, por isso, não caiu no sono.

Isso é muito engraçado! pensou. Marta pôs a gente de castigo aqui, só porque

conversamos com Alex no restaurante. E foi um papo sem nenhuma maldade. Agora ficamos

fechadas aqui dentro desta cabine ouvindo essa mulher de meia-idade mantendo um diálogo

meloso com esse sujeito de “fala macia”, de loção malcheirosa!

Pensando no que poderia acontecer em seguida, a garota começou a ficar tensa. Não

tinha a menor idéia do que Cris estaria pensando e sentindo. Não via a hora de o trem parar

para as duas poderem conversar sobre aquilo tudo. Aliás, já deviam estar quase chegando a

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Basiléia.

Olhando para fora, Selena via colinas verdejantes e, vez por outra, uma casinha em

estilo antigo, com detalhes de madeira na fachada. Para o sul, via-se uma imensa floresta de

pinheiros altos. Devia ser a Floresta Negra. Se fosse, isso significava que já se achavam bem

perto de seu destino, pois a cidade de Basiléia ficava nos limites dessa região.

Pensou se Alex também estaria olhando a paisagem nesse momento. Será que se achava

do mesmo lado do trem? Será que estava vendo aquelas serras maravilhosas e pensando nela,

assim como ela pensava nele?

Repassou toda a conversa que haviam tido no carro-restaurante, e o que falaram depois

que pararam com as piadinhas. Alex dissera que estudara inglês sozinho, para melhorar o

conhecimento da língua, e depois aprendera francês também. Além disso, falava russo,

alemão e um pouco de italiano. Ele ja concluíra o segundo grau e estava se preparando para

entrar numa faculdade. Pretendia fazer Economia. Selena suspirou. O rapaz parecia ser muito

inteligente e, ao mesmo tempo, muito legal.

A paisagem tranquila continuava passando diante de seus olhos. A garota ficou a

contemplar a relva verde, os animais pastando na encosta das colinas, os arbustos com

frutinhas silvestres. Todas as casas tinham telhados vermelhos. À frente delas, crianças

brincavam alegremente. Tudo parecia perfeito naquele mundo que lembrava um local

cenográfico. Se ela pudesse ver o Alex e conversar com ele mais uma vez, pensou, o seu

mundo particular também seria perfeito.

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Capítulo Quatro

Quando já estavam entrando em Basiléia, Gernot com seu “maravilhoso” perfume,

ofereceu-se par levar Marta e as garotas de carro até o hotel, convidou-as também para

almoçarem com ele no seu restaurante preferido. A tia de Cris recusou explicando que já

tinham outros compromissos agendados. Até esse momento, ela havia conversado

animadamente com o estrangeiro. Contudo, ao ouvir a oferta dele, rejeitou-a imediatamente.

Depois que desembarcaram, Gernot ainda permaneceu uns minutos ao lado delas, ajudando-as

a recolher toda a bagagem e orientando-as sobre a direção que deveriam tomar.

Tudo resolvido, Marta agradeceu-lhe e logo saiu caminhando em passos firmes pela

plataforma superlotada. Selena fez o possível para se concentrar em acompanhá-la, mas de

tempos em tempos virava-se para trás à procura de Alex. Tinha a certeza de que, se o

encontrasse, seu coração iria dar um salto. Contudo ficaria contente se pudesse apenas vê-lo,

ainda que à distância, dando-lhe um sorriso e um aceno.

Entretanto não havia nem sinal de Alexander. Não o viu na plataforma, nem no interior

da estação, nem na fila da alfândega, nem na rua onde foram pegar um táxi. Gernot também

parecia ter evaporado.

Sentada no banco traseno, a garota ainda deu uma olhada para trás. Examinou o enxame

de gente que circulava nas proximidades da estação. Nada de Alex.

Talvez ele telefone para o hotel, cochichou-lhe Cris, inclinando-se para ela e

interrompendo sua linha de pensamento.

- Puxa! Estou dando tanto na vista assim? indagou Selena.

- Parece que ele gostou muito de você, não foi? perguntou a amiga.

Selena sorriu timidamente.

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- Ele sabe em que hotel vamos ficar, continuou Cris, procurando consolá-la. Sabe o que

pretendemos fazer durante o resto da semana. Ele vai telefonar. Você vai ver.

A poucos quilômetros da estação, o táxi diminuiu a marcha e parou.

- Quanto é? indagou Marta assim que desembarcaram.

Enquanto ela contava o dinheiro, as duas garotas pegaram as malas. Alguns minutos

depois, já no quarto, a tia de Cris ainda reclamava do valor da corrida.

- Nunca em minha vida peguei um táxi tão caro! disse ela.

Consultou o relógio de pulso e fez um gesto para que as garotas fossem para o quarto

delas, que era contíguo ao seu.

- Meninas, daqui a quarenta e conco minutos temos a entrevista com o diretor da escola.

Rápido, vão se aprontar! Também vou me arrumar!

Selena jogou-se na cama larga, coberta com uma colcha branca muito macia.

- Arrumar! resmungou ela. Quero mais é dar uma boa dormida!

- Não! interveio Cris prontamente. Temos de ficar acordadas, lembra? Vá tomar um

banho que você desperta.

- Pode ir você, respondeu a garota. Vou tirar um cochilo!

Cris foi para o banheiro e Selena relaxou na cama sofá, sentindo-se como que flutuando.

Recordou a sensação que experimentara quando Alex a olhara com admiração e como fora

agradável o contato da mão quente do rapaz.

- Pronto! Agora é sua vez! falou Cris, dando um tapinha no pé de Selena e

interrompendo seus sonhos.

- Como você é cruel! Eu estava chegando na melhor parte do sonho, comentou a garota,

virando-se na cama.

Olhando a amiga com os olhos meio fechados, pegou uma almofada e atirou nela.

- Errou! disse Cris. Vamos lá! O banho foi ótimo, e quando você vestir uma roupa

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fresquinha vai se sentir melhor.

Selena se levantou com gestos lentos e demorados e foi caminhando para o banheiro

meio tropegamente.

- Não vou conseguir ficar acordada, falou.

- Vai sim, insistiu Cris. E se você tiver juízo, estará pronta dentro de cinco minutos.

- ‘Ta bom!

Selena esforçou-se para sair daquele estado de sonolência em que se achava. A última

coisa que queria na vida era irritar Marta. Entrou no boxe, guarnecido de azulejos brancos e

azuis. E afinal conseguiu tomar uma chuveirada rápida, pois não lavou a cabeça. Segurou o

cabelo com uma das mãos para que não molhasse. Deu menos trabalho do que teria se o

lavasse e depois tentasse arrumá-lo. Sorriu consigo mesma ao se lembrar de que Alex dissera

que seu cabelo era lindo. Ele era um cara diferente de todo mundo. Selena virou-se de frente

para o jato d’agua, deixando-a escorrer pelo rosto. E, realmente, Cris tinha razão. Quando saiu

do banho, sentia-se bem melhor.

Vestiu um short e uma blusa de malha. Abriu a porta do banheiro e saiu soltando uma

exclamação:

- Pronto!

Cris estava no meio do quarto, enxugando o cabelo com uma toalha. E tinha posto um

vestido.

- Será que eu também tenho de por um vestido? Indagou Selena.

- Não; tudo bem. Você pode usar o que quiser, replicou Cris. Mas como já sei o que

minha tia quer que eu vista...

- É, desta vez acho que posso ir de short, continuou a garota, atirando as roupas usadas

na cadeira que se achava perto da mesa. Mas, se tivermos de ir a algum lugar onde eu precise

usar roupas mais elegantes, não vou ter o que vestir. Não trouxe nem minha saia “indiana”.

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Ela rasgou, lembra? Foi por isso que tive de pegar seu vestido amarelo emprestado para o

casamento de Trícia.

- Não se preocupe. Você está ótima assim. Tenho certeza de que iremos fazer algumas

compras aqui em Basiléia.

Cris remexeu em sua sacola de viagem e retirou dela uma bolsa de couro com alça

tiracolo.

- Você está com seu passaporte aí, e tudo o mais? continuou a jovem. A escola fica

perto da fronteira, na Floresta Negra. Talvez precisemos apresentar os documentos.

- Vou pegar o meu, disse Selena.

Nesse instante, ouviram Marta batendo a porta com suas longas unhas. A garota calocou

o sapato baixo e pegou a mochila.

- Estão prontas, meninas? indagou a tia de Cris, abrindo a porta e entrando.

Uma onda de um perfume forte veio junto com ela.

- Selena, você ainda não se aprontou? continuou a tia.

- Eu falei com ela que pode ir assim, tia, explicou Cris prontamente. Ela não tem

nenhum vestido. Só shorts e jeans. A gente vai precisar fazer umas compras aqui.

Imediatamente os olhos de Marta brilharam.

- Excelente idéia! exclamou. Quando voltarmos da escola, podemos talvez passar em

algumas lojas.

Na mesma hora, Selena entendeu algo. Quando tivesse conflitos com Marta, era só

dizer-lhe que queria sair para fazer compras!

- Cris, disse Marta, concentrando a atenção na obediente sobrinha, você não vai sair

com esse cabelo molhado, vai?

- Ele acaba de secar no caminho, tia. Selena, esta com a chave do nosso quarto?

E a jovem foi caminhando em direção ao elevador. Marta e Selena a seguiram.

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- É um hotel muito bom, comentou Cris, enquanto aguardavam que o elevador chegasse

ao andar delas.

- Não é ruim, não, concordou a tia. É simples, mas bem limpo. Tudo muito certo e

eficiente, como a maioria dos hoteis europeus. Mas, pelo preço, esperava que os quartos

fossem um pouco maiores.

- Pra mim, esta ótimo, insistiu Cris, jogando o cabelo para as costas.

Seu gesto irritou a tia.

- Você, com essa mania de ter cabelo comprido... Não sei como vai sair com esse cabelo

ensopado. Por que esse elevador está demorando tanto? indagou ela, batendo a ponta do pé

impacientemente.

Nesse instante, soou a campainha que havia no alto da porta e ela se abriu. Uma pessoa

saiu do elevador: Alex.

- Ola! disse ele. Eu já ia procurar vocês!

Selena sorriu para o rapaz e em seguida olhou para Marta. O rosto da tia de Cris ficara

vermelho. Ela parecia furiosa!

- Foi muita bondade sua, disse a tia, mas estamos de saída. E com pressa.

Com isso, ela passou pelo rapaz e entrou na cabine, logo apertando o botão do térreo.

- Vamos, meninas! ordenou ela.

Selena foi andando lentamente e passou ao lado de Alex.

- Oi! disse para ele.

O rapaz estendeu a mão e rapidamente tocou de leve nosdedos dela.

- Desculpe, Alex. Estamos de saída, explicou Cris, procurando amenizar a situação.

- É, eu sei, replicou o rapaz. Vocês vão a Schwarzwald Volkschule, quero dizer, a

Escola Popular da Floresta Negra. Meu primo me emprestou o carro dele. Pensei em levá-las

lá.

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Ele permaneceu do lado de fora do elevador, e as três, dentro. Com um movimento

brusco, Marta apertou o botão de fechar a porta.

- Não é preciso, obrigada, falou ela no momento em que a porta se fechava.

Quase sem acreditar no que estava acontecendo, Selena desviou os olhos da tia de Cris e

fitou o rapaz.

- Sinto muito, falou ela no instante que a porta acabou de se fechar com um ruído surdo.

- Sente muito? interveio Marta, olhando para a garota com expressão de espanto. Sente

muito de quê? De ter dito a um desconhecido aonde vamos? É, você deve estar mesmo muito

sentida! Não entendo como vocês puderam ser tão insensatas! E você, continuou ela, olhando

para Cris e apontando-lhe o dedo, você sabe muito bem que não deveria ter uma atitude

dessas. Por que deixou que sua amiga contasse para ele o que vamos fazer?

- Fui eu que contei, respondeu a jovem em tom firme. Isso não é justo, Tia Marta. Alex

é um rapaz muito legal. Estava apenas querendo nos ajudar. A senhora mesmo já disse que os

táxis aqui são muito caros. De que outro jeito podemos ir à escola?

- É, mas nos vamos de táxi, claro. Pago qualquer preço pela nossa segurança. Seria

loucura aceitar a ajuda de um rapaz totalmente desconhecido, quando estamos tão longe de

casa. Olha, se o Alex estiver no saguão quando o elevador abrir, vocês duas façam o favor de

não conversar com ele. Se ele insistir, vou dar queixa à gerência do hotel, concluiu ela,

bufando.

Nesse momento, a porta do elevador se abriu. Alex não estava por ali. Selena ficou

alegre por isso. Receava que ele tivesse algum problema se Marta desse queixa dele. Ao

mesmo tempo, porém, sentiu tristeza. Certamente o rapaz não iria ter coragem de aparecer

mais uma vez, correndo o risco de irritar a tia de Cris de novo. Então, era bem provável que

Selena nunca mais o visse. A não ser que...

Não, fez Selena mentalmente para afastar o pensamento que lhe ocorrera. Não seria

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certo sair escondido para se encontrar com ele. Entretanto o rapaz deixara claro que desejava

vê-la novamente. Tinha dado uns olhares significativos para ela. Passara a mão nos dedos

dela, e aquele contato fora maravilhoso!

Talvez eu possa descer hoje à noite para o saguão e dar um jeito de mandar um recado

pra ele vir se encontrar comigo aqui, pensou ela. Poderíamos conversar aqui mesmo. Assim

não estaria exatamente saindo escondida.

Antes, porém, que seu pensamento fosse mais longe, ela se recordou de que estava ali

sob a responsabilidade de Marta, como convidada desta. Os pais dela haviam dado muitas

recomendações pelo telefone, antes da viagem. Relembraram-lhe de que deveria sempre

respeitar Marta e falar a verdade com ela.

“Esperamos que, quando tiver de tomar alguma decisão, você aja com a Marta da

mesma forma como age conosco”, disseram eles. “Não pense, Selena, que nessa viagem você

já poderá agir com toda independencia. Não.”

É, mas se meus pais estivessem aqui, pensou ela, racionalizando, eles não se

importariam de eu me encontrar com Alex. Iriam gostar dele.

Marta fez sinal para um táxi que passava e elas o tomaram. As três ficaram em silêncio

durante todo o trajeto até a escola, que distava uns dezoito quilômetros dali. Entretanto o

coração e a cabeça de Selena não estavam calados. Por que ela deveria obedecer quando a

pessoa que tinha de respeitar não estava sendo justa?

Selena tinha certeza de que, se estivesse na companhia de sua mãe, e não na da tia de

Cris, aquela cena tão constrangedora não teria acontecido. A mãe dela teria gostado do Alex

imediatamente. A garota sabia que sua mãe compreenderia se ela tivesse de desobedecer a

Marta, já que esta se mostrava tão severa. Isto é, se ela conseguisse desobedecer.

A cabeça dela estava a mil, pensando no que poderia fazer. Ela e Cris ocupavam um

quarto separado. Talvez Alex tentasse ligar para elas. Tinha a impressão de que o rapaz não

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iria desistir com facilidade. E Cris certamente ficaria do lado da amiga. Rapidamente Selena

arquitetou um plano. Era meio arriscado, mas tinha de correr certos riscos.

Queria ver Alex de novo a qualquer custo.

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Capítulo Cinco

- E aqui é a sala dos computadores, disse o Sr. Pratt, o diretor da escola, ao final da

visita que faziam pelas dependências dela.

Era um homem grandalhão, de modos amistosos, e Selena gostou dele assim que o viu.

Tinha a sensação de que Cris também gostara, o que era muito bom. Como a jovem teria de

tomar uma decisão em pouco tempo, aquela primeira impressão iria pesar bastante. Pelo fato

de o diretor ser um homem tão agradável, Cris estaria mais inclinada a gostar da escola.

- Os alunos têm de entregar todas as tarefas em disquetes, continuou ele. Obviamente,

aqueles que possuem um laptop podem utilizá-lo. Mas nosso equipamento aqui se acha ao

dispor de todos.

- Excelente! exclamou Marta, admirando as fileiras de mesinhas com os aparelhos. Não

há dúvida de que se trata de uma ótima instituição. Tenho de confessar que não esperava que

fosse tão moderna.

- É, replicou o diretor, aqui na Europa noós demoramos um pouco para aceitar a idéia de

cada um ter o próprio computador. Mas nossa escola tem tido a bênção de contar com

diversos mantenedores generosos. E eles se empenham para que estejamos modernizados e

possamos atingir adequadamente nossos objetivos educacionais. Nossos cursos, todos de nível

superior, são reconhecidos, e precisamos ter situações de aplicação prática do aprendizado.

Nesse momento, o Sr. Pratt consultou o relogio.

- Por favor, me dêem licença um momentinho. Tenho de ir ao meu gabinete. Estou

esperando uma outra pessoa hoje, e ela deve estar me aguardando lá.

- Não vamos tomar mais do seu tempo, interveio Marta. Aliás, o senhor foi muito gentil

em nos conceder sua atenção até agora. Mas tenho certeza de que a Cris deve querer conhecer

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os dormitórios. Será que podemos marcar uma outra hora para visitar os alojamentos?

- Não será preciso, não, respondeu o homem, podemos ir agora mesmo, se desejarem.

Só quero dar uma passadinha no meu gabinete enquanto estivermos indo para lá.

O diretor apagou a luz da sala e foi saindo com elas, conduzindo-as pelo longo corredor.

- Quantos alunos vocês têm este ano? quis saber Cris.

- No presente momento, estamos com cerca de oitocentos matriculados, explicou ele. É

o maior grupo que já tivemos. É claro que, para muitos deles, esta escola é apenas um órgão

central, onde mantêm seus registros.

- Como assim? indagou Marta.

Temos várias unidades, explicou ele, que chamamos de cursos “localizados”. Os alunos

se matriculam aqui, mas o ensino e o trabalho acadêmico se desenvolvem em diversos lugares

do mundo. Nós temos, por exemplo, cinquenta matrículados em nosso curso de Israel. Temos

outros cem na Austrália, que fazem Antropologia. Mais de um terço de nosso corpo estudantil

se encontra nesses centros.

- Eu não sabia disso, comentou Cris. O senhor pode me dizer algo sobre o orfanato de

Basiléia?

- Claro. Aliás, vocês pretendem ir lá amanhã, não é? Acho que eles as esperam por volta

de 10:00h.

Nesse instante, chegavam ao gabinete do diretor, e ele abriu a porta. Era um aposento

pintado de cores brilhantes. O Sr. Pratt fez sinal para que entrassem.

- Precisamos saber direitinho onde fica, interveio Marta, entrando na sala, para

orientarmos o motorista do táxi.

Com o canto do olho, Selena notou que havia alguém sentado num sofá, junto a parede.

Ele se levantou para cumprimentá-las.

- Eu posso levá-las, disse uma voz grave.

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- Alexander! exclamou o Sr. Pratt.

O homem adiantou-se rápidamente para o rapaz e se pôs a conversar com ele em

alemão, falando bem depressa. Pareciam estar trocando cumprimentos calorosos.

Selena sentiu o coração bater forte. Imediatamente olhou para Marta e viu que a tia de

Cris tinha uma expressão de quem sofrera um forte abalo.

- Ah, me desculpem! pediu o Sr. Pratt. Fazia muitos anos que eu não via este rapaz. Ele

esta morando em Moscou agora. Alex, eu gostaria de lhe apresentar...

Antes, porém, que ele concluisse a apresentação, o rapaz o interrompeu.

- Já nos conhecemos, disse ele, os olhos fixos em Selena. Talvez o senhor possa

tranquilizar a tia de Cris. Diga para ela que não sou nenhum malfeitor.

- Ah, eu não... principiou Marta gaguejante. Quero dizer, era uma situação meio

estranha, era só isso. Hoje em dia, por mais cuidado que a gente tenha com a segurança, ainda

é pouco, não é?

O Sr. Pratt passou um braço pelo ombro do Alex e em seguida falou:

- Eu lhe garanto que este rapaz é uma pessoa correta e altamente confiável. Não precisa

ter o menor receio com relação a ele. Aliás, vamos fazer o seguinte. Iremos visitar o

dormitório e depois vocês virão tomar café conosco.

- Oh, não! Tudo bem! Não é preciso, replicou Marta imediatamente.

- Faço questão! insistiu o diretor. Gostaria muito que viessem à minha casa.

- Obrigada! respondeu Cris tranquilamente.

Ainda bem que uma delas estava com a cabeça no lugar para aceitar educadamente o

convite do Sr. Pratt. Selena não conseguia nem falar nada. Estava feliz demais. Não parava de

sorrir.

Alex também parecia muito satisfeito. Assim que eles foram para o corredor, ele deu um

jeito de se emparelhar com a garota. Saíram pela porta principal e se dirigiram para o

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dormitório. O Sr. Pratt explicou que aquela era uma das cinco grandes construções

administradas pela escola. Havia um grande refeitório onde os alunos faziam as refeições

juntos. Aos sábados pela manhã, todos eles tinham tarefas no cuidado da casa.

Durante a visita ao prédio, Alex ficou o tempo todo ao lado de Selena, cheio de

perguntas, como que fazendo uma “visita” a vida dela. Os dois ficaram um pouquinho atrás

dos outros, e ele lhe indagou a respeito de sua familia, de seus estudos, de seu trabalho na

confeitaria Mother Bear e, por fim, dos seus hobbies, que ele pronunciou “hobbits”.

- Meus o que? indagou a garota, dando uma risadinha.

- Seus divertimentos. O que você faz para se divertir? explicou ele. Você sabe esquiar,

por exemplo?

- Sei, respondeu ela.

- Então esquiar é um divertimento pra você.

- Ah, sei. Um passatempo. É, gosto de esquiar, sim. Aliás, gosto de esportes em geral,

graças ao meu pai e a meus quatro irmãos.

- E quais sao os que você gosta mais? disse ele, abrindo a porta para Selena, pois nesse

momento estavam saindo do prédio.

A garota adorava ser tratada com cavalheirismo.

- Meus esportes prediletos? repetiu. Gosto de fazer caminhadas e de acampar.

- Ah, então você vai adorar a Suíça. Temos de programar uma caminhada aqui.

Selena ergueu os olhos para ele. Uma mecha rebelde do seu cabelo escuro estava se

soltando do restante e se enroscando.

Ele me lembra o Paul, pensou. Não na aparência, mas no jeito de ser. Ambos tinham

personalidade forte. E Alex a fitava do mesmo jeito que Paul a olhara no dia em que se

conheceram. Só que Paul era mais velho. Aliás, era muito velho para Selena. E se achava bem

longe dali, na Escócia. Selena se encontrava na Suíça, ao lado de Alex. Por que então ficava

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pensando em Paul? E por que tinha de estar comparando Alex com alguém? Era um rapaz

maravilhoso, com um modo próprio de ser, e ela estava adorando receber as atenções dele.

O Sr. Pratt foi conduzindo-os estradinha abaixo. Andaram quatro quadras pequenas.

Passaram por uma horta muito bem cuidada, abarrotada de hortaliças como ervilhas, alfaces,

repolhos, etc. Havia até um pe de tomate-cereja amarrado a uma cerca baixa. Chegaram a uma

casa alta e estreita, com estrutura típica dos Alpes. Pararam à porta de entrada e ele disse:

- Por favor, fiquem a vontade. A casa é de vocês.

Em seguida, abriu a porta e gritou algo em alemão. Instantes depois, surgia uma senhora

gorda, de aspecto severo, usando uma roupa simples e um avental. O diretor continuou

conversando com ela em alemão, e Selena teve a impressão de que a mulher os fitava de

modo significativo.

- É a esposa dele? cochichou para Alex.

- Não, replicou o rapaz também cochichando. A mulher dele morreu uns anos atrás. Esta

deve ser a empregada. Ele está lhe pedindo que prepare um lanche para nós. Ela esta dizendo

que ele não avisou com antecedência. Ele vai ver o que tem aí para se comer.

A garota teve vontade de rir, mas se conteve. Era tão legal ter um tradutor só para ela! E

mais legal ainda era o fato de ele estar cochichando ao seu ouvido!

O Sr Pratt os conduziu para a sala de visitas, dizendo que voltaria daí a alguns instantes.

Os quatro se sentaram. Alex, Selena e Cris se acomodaram num sofá, enquanto Marta preferiu

uma poltrona de encosto alto. A sala era pequena, mas estava bem arrumadinha. Na parede,

acima da lareira, havia um quadro retratando um braço de mar sobre o qual se via uma ponte

muito bonita e elaborada. A moldura do quadro, em tom dourado, também era belíssima.

Selena se pôs a examinar a tela demoradamente, e Alex se inclinou para ela e disse:

- É a “Ponte dos Suspiros”, de Veneza. Você sabe, né? Já esteve lá?

- Não, respondeu.

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- Eu já, interveio Marta. Eu e o Robert estivemos lá muitos anos atrás. É uma cidade

linda, não é, Alex? Tudo ali é muito caro, é óbvio. Mas a comida é muito boa, não acha?

Ninguém respondeu. Parecia que os três jovens se achavam abismados pela súbita

mudança no modo como a tia de Cris tratava o rapaz.

- É claro que gosto mais de Paris, continuou Marta. Não existe outra cidade na Europa

que se compare a ela. A comida, as lojas, os museus...

- Então a senhora iria gostar muito de Moscou, comentou Alex. A cidade é uma obra-

prima. E falando de museu, não existe nada igual ao Hermitage, de São Petersburgo. A

senhora precisa ir lá para ver.

Selena teve a impressão de que Marta ficou um pouco tensa. Sua expressão era clara.

Dava para perceber que a idéia de visitar a antiga União Soviética não lhe agradava nem um

pouco. Felizmente, nesse momento, o Sr. Pratt voltou trazendo um prato com biscoitos. Seu

rosto estava avermelhado. Ao que parecia, o comando de sua própria casa não estava em suas

mãos, como o da escola estava.

- Desculpem-me por tê-los deixado sozinhos aqui, disse ele. Frau Weber já vai trazer o

café. Todos aqui tomam café, não tomam?

Eles fizeram que sim, e Selena os acompanhou. A verdade era que não gostava muito de

café. No que dizia respeito a bebidas quentes, preferia chá, principalmente os de ervas com

sabor de frutas. Ao que parecia, todo mundo na Alemanha tomava café. O pai dela iria se dar

muito bem ali.

Afinal Frau Weber, ainda com expressão meio carrancuda, surgiu trazendo uma bandeja

com o café. Era um café forte e escuro, servido em xícaras de porcelana. A mulher colocou a

bandeja sobre a mesinha do centro e em seguida saiu, soltando um bufo de raiva.

- Por favor, pessoal, disse o Sr. Pratt, recuperando a calma, sirvam-se. E então, Alex,

como vai sua família?

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Selena estava adorando ficar ali sentada ouvindo o rapaz falar. Com movimentos

cuidadosos, ela colocou a xícara no colo e em seguida tomou um golinho. Apesar de ter

misturado muito leite e de ter adoçado bem, ele ainda lhe pareceu muito forte.

O quente Sol de verão, entrando pela janela aberta, criava a sensação de que a sala era

minúscula. Selena se achava sentada entre Alex e Cris. Apesar de estar adorando ficar ali

escutando o rapaz falar sobre a familia dele, ela daria tudo por um copo de água gelada e um

lugar mais perto da janela.

E Alex continuava falando com muito carinho a respeito dos pais. Quando ele não sabia

uma palavra na língua das três visitas, ele introduzia um termo em alemão. Em seguida, o Sr.

Pratt o traduzia para que Marta, Cris e Selena não ficassem fora da conversa.

Marta estava muito à vontade; voltara a ser a mulher agradável e educada de sempre.

Houve um momento em que ela até riu de um caso que o rapaz contou sobre sua irmãzinha de

seis anos. Selena se admirou tanto que deu uma cutucada em Cris, que, por sua vez, também

lhe deu outra. Pelo visto, a tia de Cris estava vendo o rapaz com outros olhos, e isso

significava que Selena poderia esperar o melhor.

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Capítulo Seis

Nquela noite, porém, já de volta ao hotel, Marta derrubou todas as esperanças de Selena.

- Não precisa começar a achar, disse ela para a garota, que concordo com a idéia de

você ter um namorinho com esse russo, não, ouviu, Selena? O que os seus pais iriam pensar?

A garota sabia muito bem o que os pais iriam pensar. Tinha certeza de que eles a

consideravam uma garota madura e com idade suficiente para tomar decisões a respeito de

seus namoros. E eles sempre gostavam dos amigos dela. De todos eles. Gostariam do Alex

também.

Antes, porém, que abrisse a boca para se defender, Cris saiu do banheiro e aproximou-

se das duas. Estava de pijama e com a escova de dentes na mão.

- Tia Marta, interveio ela, a senhora mesma viu que o Alex é um cara sensacional. Ele

nos trouxe de volta ao hotel; levou-nos pra jantar e pagou tudo. Esse rapaz é legal demais!

Não tem problema nenhum a Selena fazer amizade com ele. Sou totalmente a favor, concluiu

a jovem.

- Vá escovar os dentes, Cristina, replicou Marta bruscamente. Essa conversa é entre

mim e Selena.

Em vez de obedecer, Cris adiantou-se e parou perto da amiga, que se achava sentada na

cama. A tia estava em pé, de frente para Selena. Assim Cris se posicionou entre as duas, como

um “amortecedor”.

- Na verdade, é entre nós três, insistiu ela. Selena é minha amiga e fui eu quem a

convidou para vir conosco. Eu também estou gostando muito do Alex, tanto quanto ela. E

amanhã, quando ele vier nos pegar para nos levar ao orfanato, essa questão toda vai envolver

nós quatro.

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Selena teve a impressão de que a escova que a amiga segurava estava ligeiramente

trêmula. Será que Cris enfrentava a tia assim muitas vezes, ou não? Ou quem sabe, nesse

momento, ela estava apenas dando a impressão de ser firme e corajosa?

- Se a senhora concordar, tia, continuou Cris, eu gostaria que chegássemos a um acordo

a respeito do Alex agora, para que amanhã não tenhamos mais situações constrangedoras.

Esse rapaz é um crente firme. Parece que ele gostou da gente e não se importa nem um pouco

de nos servir de “guia turístico”. Eu gostaria muito que a senhora aprovasse nossa amizade

com ele. Por favor, confie em nós e trate bem o Alex.

- Eu o tenho tratado muito bem! exclamou Marta, caindo na defensiva.

- Só depois que a senhora ficou sabendo que o Sr. Pratt o conhecia e gostava dele,

interveio Selena, falando com certa cautela.

Contudo assim que ela acabou de falar, reconheceu que devia ter ficado calada,

deixando que só a Cris tentasse acalmar a tia.

- Você não entendeu nada! respondeu Marta, virando-se bruscamente para Selena.

Gente, por favor, entendam, vocês o conheceram no trem. Como é que poderiam saber que

não corriam perigo com ele?

Selena pensou um instante e depois respondeu tranquilamente:

- Ele é crente!

A tia de Cris ergueu os braços e olhou para o teto.

- Por que será que não consigo mostrar para essas duas sonhadoras inocentes como é

que os homens são? Gente, não se pode confiar nos homens, não, independentemente do que

eles disserem! E quanto mais depressa as duas “crescerem” e acreditarem no que estou

dizendo, melhor para nós todas! concluiu ela, abanando a cabeça e apertando os lábios com

raiva.

Parecia que ela estava querendo dizer mais alguma coisa, mas se conteve para não fazê-

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lo.

- Vocês não sabem de nada! soltou ela afinal. Vocês duas simplesmente não entendem

nada!

Em seguida, ela se virou e foi para o seu quarto, fechando firmemente a porta de

comunicação que havia entre os dois aposentos. As duas garotas se entreolharam sem falar

nada.

- Que será que ela queria dizer? indagou Selena. Será que, quando ela era jovem, teve

uma decepção amorosa com um rapaz e agora acha que tem de proteger a você e suas amigas

para que não cometam o mesmo erro dela?

- Puxa! exclamou Cris devagar, jogando-se na cama com os olhos fitos na porta de

comunicação.

Ela ficou uns momentos em silêncio e depois continuou:

- É, talvez você tenha razão. Nunca tinha pensado nisso.

- Seu tio parece ser muito legal, comentou Selena. Não consigo imaginá-lo causando

sofrimento a sua tia. Deve ter sido algum outro namorado que ela teve antes dele. É, pode ter

sido um cara lindão da escola, que deu o fora nela.

- Que imaginação você tem! exclamou Cris.

- Isso pode ter acontecido, sim, insistiu Selena. Ela já lhe contou algo assim?

Cris encolheu as pernas, sentando-se sobre elas.

- Houve uma época em que achei que Tia Marta guardava algum segredo. Aí fiquei

sabendo que ela tinha tido uma filha, pouco antes de eu nascer.

- Está brincando! disse Selena, procurando uma posição mais confortável na cama

macia. E o que aconteceu?

- A criaça era prematura e teve paralisia cerebral, ou algo assim. Morreu um dia antes de

eu nascer.

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- Que pena! comentou Selena em voz suave.

- É mesmo! concordou Cris. É por isso que minha tia me trata desse jeito. Um tempo

atrás, minha mãe disse que ela faz por mim o que gostaria de ter feito pela filha.

- E a Marta já conversou com você sobre isso? quis saber a garota.

- Nunca. Mamãe disse que ela não conversa sobre isso com ninguém. Ela me contou

algo, dizendo que eles não podem ter filhos, mas esqueci o que foi. Aliás, conversamos sobre

isso uma vez só, explicou Cris, jogando para trás o cabelo sedoso. Mas en nunca havia

pensado no que você disse agora a pouco. É, pode ser, sim, que ela tenha sofrido alguma

decepção com um cara, quando era jovem. E depois, ainda por cima, perdeu a única filha que

teve. Deve ser por isso que ela resiste tanto quando se fala de Deus.

- Isso mesmo, concordou Selena. Acho que seria muito difícil confiar num Deus que

deixa acontecer essas tragédias com a gente.

Cris acenou afirmativamente com ar pensativo.

- Mas também, principiou ela, muito do que acontece conosco é consequência de nossos

atos, e não de Deus deixar que nos sobrevenham tragédias.

- Você acha que foi isso que se passou com sua tia? indagou Selena, surpresa com o

comentário que a amiga acabara de fazer.

- Bom, replicou Cris, com uma expressão seria nos olhos verde-azulados, todos nós

erramos. Mesmo depois que entregamos a vida para Jesus, ainda continuamos com a

tendência de “seguir nosso próprio caminho”. E se Tia Marta cometeu muitos erros no

passado, grande parte do sofrimento e da raiva que ela carrega agora provávelmente é

consequência das decisões que tomou na vida, e não atos de Deus.

Selena apoiou o travesseiro na cabeceira da cama e encostou-se nele.

- Estou curiosa pra saber o que foi, disse.

- Não tenha muita esperança, replicou Cris, levantando-se ainda com a escova de dentes

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na mão. Minha tia não se abre com ninguém. Nunca.

Enquanto a amiga escovava os dentes, Selena ficou a olhar para o teto, pensando. O que

Cris acabara de dizer era como um desafio para ela. Havia muitos jeitos de fazer com que

alguém se abrisse. Um deles era provocar. Se Selena tivesse oportunidade, iria exercitar em

Marta sua grande habilidade para discutir. Ninguém deveria passar a vida toda tão fechada

assim. A tia de Cris precisava desabafar.

Então ocorreu-lhe um pensamento um tanto presunçoso! E se Deus a tivesse trazido

nessa viagem justamente para fazer Marta se abrir e remover a couraça de proteção que usava

em torno dela mesma? E se ela, Selena, estivesse ali com a missão de ajudar Marta a conhecer

o amor divino? Agradava-lhe a idéia de que Deus a havia escolhido para realizar tarefa tão

importante.

- Sabe o que mais? indagou Cris, retomando ao quarto e deitando-se na cama. Gostei da

escola.

Selena interrompeu suas fantasias de “heroína” cristã e voltou a “pisar no chão”,

concentrando-se no que a amiga dizia. Afinal, a verdadeira razão por que estavam ali era que

Cris ficasse conhecendo a faculdade onde talvez fosse estudar. O mínimo que ela poderia

fazer era dar todo o apoio a amiga, que deveria tomar uma decisão de tamanha importância.

- Então me fale do que achou dela, enquanto vou me arrumando pra deitar, pediu

Selena, remexendo na mochila à procura da escova de dentes e da camisola.

Cris enumerou vários fatores que considerava muito positivos na instituição. Enquanto

Selena lavava o rosto e escovava os dentes, a jovem mencionou diversas razões pelas quais

achava que deveria vir estudar nela.

- É, interveio Selena, parece que você gostou muito da escola. Então, por que ainda está

com uma certa hesitação? continuou ela, voltando para a cama e afofando o travesseiro. Puxa,

que cama deliciosa!

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- É, sei disso, concordou Cris. É como se estivessemos flutuando em uma nuvem. Bom,

ainda não tenho certeza se virei para cá porque...

- Não precisa dizer, interrompeu Selena. É por causa do Ted, não é?

- Claro!

- O que ele acha de você vir estudar aqui? Na semana passada, ele disse que você É

quem teria de decidir. Ele já lhe falou o que realmente pensa?

- É isso que ele realmente acha, explicou Cris, colocando o braço sob a cabeça. Um dia

antes de viajarmos, ele disse que, se for para continuarmos juntos - que eu entendi assim: “se

for para nos casarmos” - esse ano que vamos passar longe um do outro não vai mudar nada

entre nós. Falou que isso até vai ajudar pra que a gente dê mais valor um ao outro, como

aconteceu quando ele foi pra Espanha. Nós ficamos ainda mais apaixonados.

- Acho que vocês dois se gostam muito. Por que simplesmente não se casam? Já sabem

que foram feitos um para o outro. Bom, pelo menos é o que todos acham. Vocês não pensam

o mesmo?

No rosto de Cris, surgiu uma expressão contemplativa, mas ao mesmo tempo alegre.

Para Selena, era o retrato de uma jovem apaixonada.

- Sabe o que é? O Ted sempre foi meio devagar, explicou Cris. Ou talvez eu devesse

dizer “cauteloso”. Os pais dele são divorciados. Ele quer ter muito cuidado antes de assumir

um compromisso. Quer ter certeza de que pode cumprir o que promete. Sabe que nunca

conversamos sobre casamento? Até achei que, no casamento de Douglas e Trícia, ele iria

falar, mas nãofalou.

- Eu tinha vontade de ter tirado uma foto de vocês dois quando saíram da igreja de

braços dados, comentou Selena. Os dois pareciam intensamente apaixonados. Eram os

próprios “Romeu e Julieta”. Acho que o Ted a ama muito, só que ainda não quer admitir.

- É, eu sei, concordou Cris, sorrindo. E eu o amo também, tenho certeza. Mas não sei e

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se nós dois estamos preparados pra nos casar. Creio que essa possibilidade de passar um ano

longe dele vai ser muito boa pra nós. É como você disse outro dia, a gente pode começar a se

corresponder o que seria uma grande novidade.

- E muito romântico também, comentou Selena. Sempre sonhei em manter uma

correspondência com um rapaz por quem estivesse loucamente apaixonada.

- Com o Alexander, por exemplo?

O comentário de Cris espantou Selena. Na verdade, ela estivera pensando em manter

uma correspondência com Paul. Alguns dias antes, o irmão dele, o Jeremy, lhe dissera que

achava que a garota deveria escrever para o Paul, que se encontrava na Escócia. Desde então,

Selena ficara estudando a idéia. Na hora, o que ela respondera para Jeremy fora: “Diga a ele

pra me escrever primeiro”. Sabia que ele daria o recado ao irmão exatamente como ela o

dissera. Sabia também que Paul era meio parecido com ela, e não deixaria passar um

“desafio” desses.

- É, respondeu ela afinal, com o Alexander.

- Espere aí, interveio Cris, você não parece ter ficado muito empolgada com a idéia.

Não era bem no Alexander que você estava pensando, era?

- Não, concordou Selena. Estranho, né? Depois de tudo que aconteceu hoje, era de se

esperar que eu só pensasse nele. Mas estava pensando no Paul.

Ela já havia contado a Cris a respeito do Paul, mas nunca tinha confessado, nem para

essa amiga, nem para ninguém, o quanto pensava nele.

Cris foi abrindo os lábios num sorriso lento.

- Eu não imaginava isso, disse a jovem com um ar de satisfação.

- Imaginava o quê?

- Que o Paul é o seu Filipenses 1.7, explicou Cris.

- Meu o quê?

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- O seu Filipenses 1.7. Uma vez, o Ted me mandou um coco do Havaí, com esse verso

gravado nele. Diz assim: “Eu vos trago no coração”.

Cris ergueu-se um pouco na cama e se inclinou para Selena. Em seguida, num tom em

que parecia estar falando de um grande segredo, cochichou:

- Selena, você traz o Paul no coração, não traz?

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Capítulo Sete

Na manhã do dia seguinte, Selena tinha a sensação de que não havia dormido nada.

Despertara várias vezes durante a noite, por causa do sonho que estava tendo. Sonhava com

Alex o tempo todo. Ouvindo o despertador tocar, teve de acordar, mas sua vontade era dormir

de novo.

- Quer que eu tome banho primeiro? indagou Cris.

- Por favor, replicou ela. E demore bastante. E quando terminar não precisa me chamar,

não, resmungou.

Em seguida, virou para o canto. Puxou a coberta sobre a cabeça para não ver a claridade

do Sol que entrava pela janela.

- Selena! disse Cris, sentando-se na cama dela e sacudindo-a de leve. Acorde! Estamos

na Suíça! O Alex vai vir nos buscar!

- Pode ir tomar o seu banho, Cris, replicou ela.

- Já tomei, explicou a amiga. Você dormiu de novo. Levante. Temos de sair daqui a

pouco. Minha tia quer que desçamos dentro de quinze minutos pra tomar café.

- ‘Ta bom, ‘ta bom, já vou, disse ela, sentando-se na cama e tentando abrir os olhos.

Será que o cansaço que estou sentindo está estampado em minha cara?

- Depois que tomar banho vai se sentir melhor, tenho certeza, falou Cris. Você vai ver.

O chuveiro é ótimo. Tem muita aguá e ela está quentinha. Vai ser um dia maravilhoso!

Cris levantou-se e se pôs a remexer na mala, cantando em voz baixa.

- Não aguento gente que já levanta toda animada, comentou Selena, caminhando para o

banheiro meio trôpega. Lembre-se bem disso, Cristina, se quiser continuar viva.

- O banho vai lhe fazer muito bem! respondeu a outra em voz alta para a amiga que saía.

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Selena não queria acreditar, mas era obrigada a reconhecer que Cris tinha razão. Ao sair

do chuveiro, sentia-se com a cabeça bem mais no lugar, e muito melhor do que se sentira dez

minutos antes. Enrolou-se na toalha e entrou no quarto. Cris se achava junto à mesinha do

canto conversando ao telefone. Usava um vestidinho leve e amarrara o cabelo no alto da

cabeça, fazendo um coque gracioso. Tinham visto muitas garotas da Suíça com esse penteado.

A amiga estava com uma aparência bem elegante, mas que a fazia parecer cinco anos mais

velha.

Ela olhou para Selena e sorriu, ainda com o fone no ouvido.

- Até este momento, sim, disse ela. Agora de manhã vamos ao orfanato... ‘Ta; vou sim.

Você também... O.k. ... ‘Tá; eu te ligo amanhã neste mesmo horário... Também estou com

muita saudade de você. Tchau!

Recolocou o fone no gancho e ficou uns instantes a olhar para o aparelho.

- Era o Ted? indagou Selena.

Cris fez que sim.

- Ele me ligou. Eu ia pedir a Tia Marta pra dar um telefonema pra ele daqui a uns dias,

mas aí ele me ligou. Disse que está com muita saudade e que esta orando por mim. Eu lhe

falei sobre o Alex.

- Falou? E o que foi que ele disse?

- Disse que espera que você entre nessa.

- Entre em quê? indagou Selena, rindo e vestindo um short.

- Você sabe. O relacionamento com Alex. A aventura. A chance de fazer amizade com

esse rapaz que é muito legal, pois assim você poderá “crescer” um pouco.

Selena enfiou uma camiseta pela cabeça e enrolou a toalha no cabelo para enxugá-lo.

Uma mecha loura “escapou” da toalha e lhe caiu ao lado do rosto.

- Que é isso, menina? O Ted liga pra você lá da Caifórnia, e você “desperdiça” o

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telefonema dele conversando sobre um suposto romance meu, que aliás, ainda nem existe!

- Mais ou menos, concordou Cris. Lembra-se do que você me contou que seu pai lhe

disse quando lhe deu o anel do compromisso de pureza?

A garota baixou o olhar para a mão direita, onde estava a aliancinha dourada.

- Que foi mesmo? Que ele estava muito alegre comigo por eu ter estabelecido um

padrão elevado ou algo assim?

- Não. Foi o que ele falou depois que vocês sairam do restaurante. Você me contou que

seu pai lhe disse que deveria procurar divertir-se enquanto era jovem. Pois é. Concordo com

ele. Aceite todos os relacionamentos que Deus colocar no seu caminho. Procure curtir bem as

amizades que puder ter. Não precisa ter relacionamentos sérios e profundos com os rapazes,

não. Você sabe disso.

Selena pos as mãos no quadril.

- Você e o Ted ficaram conversando sobre isso enquanto eu estava no chuveiro? Talvez

fosse melhor se eu tivesse uma linha lá no banheiro, pois assim iria ouvir esse recado da boca

do próprio “conselheiro-mor”.

- Não! replicou Cris, rindo. Não conversamos sobre isso tudo, não. Eu é que fiquei

pensando nessa questão, por causa do que seu pai disse. Acho que ele tem razão. Você tem de

aproveitar a oportunidade e abrir o coração para os outros, Selena.

- E você acha que eu não abro?

Antes que Cris respondesse, elas ouviram a voz de Marta gritando do outro lado da

porta:

- Já se arrumaram, meninas?

- Quase! gritou Cris em resposta.

A mulher abriu a porta. Parecia bem descansada e pronta para sair. Vestia uma saia

jeans e uma blusa branca, muito bem passada. Quando viu Selena com a toalha no cabelo

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feito um turbante, ela franziu a testa.

- Você ainda não se aprontou, Selena!

- Estamos quase prontas, repetiu Cris. A gente pode se encontrar com a senhora lá

embaixo daqui a alguns minutos?

- Mas andem depressa, respondeu Marta com um suspiro forte. Vou esperá-las no

refeitório.

E no decorrer do dia, a tia de Cris teve de exercitar paciência por diversas vezes. Parecia

que estava sempre tendo de esperar pelas duas. Primeiro, as garotas haviam se atrasado para o

café. Depois, quando o Alex chegou, elas tiveram de voltar ao quarto para pegar as mochilas.

Afinal, quando foram se encontrar com o rapaz no carro, Marta já se sentara no banco da

frente, ao lado dele. O rapaz se levantou e foi abrir a porta de trás para Selena. No momento

em que ela entrava no veículo, ele se inclinou ligeiramente e lhe disse em voz baixa:

- Estou encantado de vê-la novamente, “Salena”.

Antes que a garota começasse a responder, ele passou as costas da mão de leve no rosto

dela. Foi o gesto mais terno e carinhoso que ela já recebera. Seu coração quase parou.

- Também estou muito feliz de vê-lo de novo, replicou ela afinal, com a voz

repentinamente meio rouca.

Quando chegaram ao orfanato, Alex lhe ofereceu a mão para descer do carro. Contudo

não ficou a segurá-la por muito tempo. Foi abrir a porta para Marta, estendendo-lhe também a

mão. A tia de Cris recusou educadamente o gesto do rapaz e saiu andando em direção a

entrada do prédio, à frente de todos.

- Estamos com dez minutos de atraso. Sabem disso, não é? falou ela. Talvez nem

possam receber-nos mais.

Contudo a funcionária que os recebeu tranquilizou Marta, explicando que não havia

nenhum problema no fato de terem se atrasado. Poderiam fazer a visita à instituição naquela

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hora. A tia de Cris só conseguiu ir até ao final do corredor do primeiro andar. Ali, parou e

pediu desculpas, dizendo que ainda esitava muito cansada da viagem. Os outros que fossem

continuar a visita; e que o fizessem com calma. Ela iria sentar-se num banco que havia no

jardim e ali ficaria a esperá-los.

Selena e Cris se entreolharam. Selena deduziu que talvez fosse dificil para Marta ver

todas aquelas crianças, quando ela própria perdera a única filha que tivera. Podia ser também

que a tia houvesse ficado meio incomodada por causa da maneira como a “guia” falara sobre

a missão do orfanato e de suas linhas de pensamento. A mulher fizera muitas referências à fé

cristã.

Selena estava sentindo um forte impacto naquela casa. Ao mesmo tempo, via-se

bastante interessada. E sabia que Cris provavelmente experimentava a mesma sensação. A

presença do Alex também estava sendo fundamental. Volta e meia ele dava mais algumas

informações adicionais, ajudando-as a ter uma compreensão mais profunda do trabalho. Ali

havia muitas crianças da África, mas a maioria era da Bósnia; algumas sérvias, outras,

croatas. Naquele momento, as notícias que Selena ouvira sobre a guerra da Bósnia ganharam

corpo. As crianças que via ali não eram mais vítimas distantes. Agora testemunhava de perto

o sofrimento delas. Era tudo muito real.

Algo que perturbou a garota foi o grande número de pequenos abrigados ali - mais de

300, segundo a funcionária. E apenas três por cento deles seriam adotados. Era muita criança!

Selena sentiu o coração mover-se de compaixão.

Anteriormente, o prédio do orfanato fora uma fábrica. Tinha capacidade para receber

ainda mais órfãos. A mulher informou que, alguns anos antes, eles haviam abrigado ali 425

crianças. A casa fora remodelada recentemente, recebera uma pintura nova e também novos

conjuntos sanitários para os banheiros. Aliás, tudo era muito limpo e bem arrumado. Quando

a viram por fora, na chegada, não haviam tido a mesma impressão. E o corpo de funcionários,

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todos suiços, parecia muito eficiente. Mostravam-se adequadamente uniformizados,

parecendo marinheiros num navio muito disciplinado.

Embora as crianças estivessem limpinhas e parecessem bem nutridas e cuidadas, Selena

teve a impressão de que lhes faltava algo. Todas elas tinham o olhar triste. Queriam o amor do

papai e da mamãe. A garota compreendeu que a imagem daqueles rostinhos iria ficar gravada

em sua mente pelo resto da vida.

Terminada a visita pelas dependências do orfanato, que durara cerca de uma hora e

meia, os três jovens foram se encontrar com Marta. A tia de Cris parecia estar com a paciência

quase esgotada. Alex ofereceu-se para levá-las a almoçar. Marta aceitou o convite, mas

acrescentou, em tom brusco, que dessa vez ela iria pagar.

- Sei de um lugar ótimo para irmos, disse o rapaz, abrindo a porta da frente para Marta.

Vocês vão gostar muito!

Em seguida, ele abriu a porta para Selena e pos a mão no ombro dela, dando-lhe um

aperto de leve. A garota pensou se ele não estaria sentindo o mesmo que ela. Tinham visto o

sofrimento causado pelas injusticas deste mundo. Qualquer prazer e satisfação pessoal que

pudessem ter naquele momento iria parecer egoísta. Na verdade, não sentia nem um pingo de

vontade de almoçar.

Alex arrancou o carro, misturando-se com o tráfego pesado da cidade. Era um

maravilhoso dia de verão. Selena abriu a janela do seu lado. O vidro só chegou até o meio,

mas isso foi suficiente para dar entrada aos cheiros e barulhos de Basiléia. Passaram por um

prédio velho, no alto do qual havia uma placa com os dizeres: “Exército de Salvação”. Parecia

ser uma loja na qual se vendiam roupas de segunda mão. Ali também deviam distribuir sopa

de graça para os pobres, como se fazia na Highland House, onde a garota trabalhava como

voluntária, uma vez por semana. É, havia pobres e necessitados em todas as partes do mundo.

Quase se desesperava ao pensar no quanto a humanidade precisava de socorro.

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- Aquela ali é a estação ferroviária onde desembarcamos? indagou Cris, interrompendo

a linha de pensamento de Selena.

- É sim, replicou Alex, apontando para o prédio. É a Badisher Bahnhof.

À entrada, viam-se dois leões de concreto, como que de guarda. Selena não se recordava

de tê-los visto no dia anterior, quando chegaram. Vendo os leões, lembrou-se de “Aslam”,

personagem do livro O Leao, a Feiticeira e o Guarda-Roupas. E pensando em “Aslam”,

obviamente, Jesus lhe vinha à mente.

Senhor, todo esse sofrimento que há no mundo corta o teu coracão também? indagou.

Deve cortar.

Recordou-se da conversa que tivera com Cris na noite anterior. A amiga dissera que

alguns dos problemas que encontramos na vida são “atos de Deus”, circunstâncias que talvez

nunca possamos compreender. Outros, porém, sao consequênciaa de nossos pecados.

Entretanto Selena sabia que aquelas trezentas crianças não haviam feito nada para estarem

sem os pais hoje.

Alex passou por uma ponte sobre o rio Reno. Selena ficou a contemplar as águas que

corriam lentamente. Lágrimas lhe vieram aos olhos e ela piscou para afastá-las. As crianças

que vira naquela manhã haviam se tornado o seu “próximo”. Não eram mais uma simples

imagem na televisão. O sofrimento do mundo agora era real para ela.

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Capítulo Oito

- Um McDonald! exclamou Marta, quase gritando, com um tom de irritação. Você nos

trouxe a um McDonald!

- É, respondeu Alex todo satisfeito, procurando um lugar para estacionar na rua já

superlotada. Os estudantes universitários vêm muito aqui. Achei que a Cris iria gostar de vê-

lo.

- Então, já vimos, comentou Marta. Cris, guarde bem onde ele fica. Agora vamos

procurar um restaurante mais tranquilo.

- Não querem almoçar aqui? indagou o rapaz, meio decepcionado. Restaurantes

tranquilos tem por toda parte, mas McDonald são poucos.

- Pois lá nos Estados Unidos são muitos, retorquiu a tia de Cris. E se não gosto de

almoçar nem nos de lá, é claro que não vou comer neste daqui.

- Então vamos seguir em frente, concordou Alex.

Selena ficou satisfeita com a atitude flexível do rapaz, embora tivesse gostado da idéia

dele. Seria interessante entrar nesse McDonald para ver a diferença entre ele e os de sua terra.

Afinal, chegaram a um restaurante pequeno, com mesinhas na calçada. Alex estacionou,

e todos saíram. Sentaram-se a uma mesa redonda, recoberta com um guarda-sol verde e

branco. O cardápio era bastante limitado, e Marta se mostrou muito frustrada. Pediu apenas

uma salada. Por sugestão do rapaz, Cris e Selena pediram um nurnberger. Tratava-se de um

cachorro-quente pequeno, feito com linguiça. Ele sugeriu também que, para beber, pedissem

um Schwip Schwap. O refrigerante foi servido em copos, mas sem gelo. Estava quase morno.

- Eu tinha me esquecido de que aqui na Europa é assim, comentou Cris, tomando um

gole. Eles não colocam gelo na bebida.

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- Você gosta de Schwip Schwap? indagou Alex. Quando eu era pequeno, era o

refrigerante de que mais gostava.

Selena achou a bebida doce demais. Era apenas uma “infeliz” mistura de laranja, limão

e cola. E com a falta do gelo, o sabor estava muito sem graça.

- É bem diferente do nosso, comentou.

Ainda se sentia meio incomodada pelo que vira no orfanato. Na verdade, não tinha a

menor vontade de comer.

- Estou pensando na razão por que o pessoal do orfanato exige que os estagiários fiquem

um ano inteiro la, disse Cris. Acho que, se ficarem lá pouco tempo, deve ser muito duro para

aquelas crianças. É o único fator que está me desanimando de vir para cá.

- As crianças? quis saber Marta.

- Não; ficar com elas um ano e depois ter de ir embora, explicou a jovem.

- Puxa, Cristina, retorquiu a tia, você ainda nem decidiu se vem estudar aqui mesmo e já

está ficando toda triste de ter de ir embora! Você só vai saber com certeza se vier para cá.

Pode ser que, depois de passar um ano aqui, você fique alegre de ir embora.

- Você ja resolveu se vem mesmo? perguntou Alex.

O assento do rapaz era o único que não se achava à sombra, e o sol lhe batia direto no

rosto. Ele pusera óculos escuros, e estava recostado na cadeira. Selena sentiu que ele era

muito diferente dos seus colegas de escola, em Portland. Embora ele estivesse usando calça

jeans e camiseta, parecia um jovem experiente e vivido.

- Não sei ao certo, respondeu Cris. Há momentos em que minha vontade é de me

matricular imediatamente e já começar a estudar agora. Em outros, meu desejo é voltar pra

minha terra e fazer de conta que isto aqui não existe; é produto da minha imaginação.

- Mas não é, não. Isto aqui existe de verdade, comentou Alex, assim como sua vida lá na

Caifórnia. Mas sabe, acho que o que realmente importa não é o lugar onde a gente mora, e sim

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que tudo em nossa vida gire em torno de Deus. Nosso tempo é muito curto.

Selena deu uma espiada rápida para Marta, a fim de ver qual seria a reação dela diante

das palavras do rapaz. A tia de Cris disfarçou bem o que sentia.

- Sabe, disse Cris, inclinando-se para diante ligeiramente e sem olhar para a tia, às vezes

penso assim também. Tenho ouvido falar muito que estamos vivendo os últimos dias e que a

volta de Cristo está próxima. E fico pensando o que eu deveria fazer. Quero dizer, se estamos

mesmo no final dos tempos, então eu tinha de ficar mais preocupada é em falar de Jesus para

os outros, e não em fazer faculdade, não é?

Selena nunca havia pensado nisso.

- Temos de ir embora, gente, interveio Marta.

Alex fez que sim com um leve aceno de cabeça. Em seguida, tirou os óculos, inclinou-

se para a frente e fitou Cris intensa-mente.

- Seja qual for o trabalho que Deus lhe der, falou ele, nossa motivação sempre deve ser

um... como é que se diz mesmo?

Enfiou a mão no bolso traseiro da calça e pegou um pequeno Novo Testamento.

Folheou-o por uns instantes, até encontrar o que procurava.

- Ah, achei. É Um Pedro capítulo 4, continuou ele.

- Você quer dizer Primeira Pedro? indagou Selena.

- É, Primeira Pedro, concordou ele, com um ar sério. Sei isso em russo e alemão, mas

não na língua de vocês. Significa algo muito forte, que vem direto do coração.

- Espere aí, interrompeu Selena. Tem uma Bíblia aqui na minha mochila. Que verso que

é?

A garota pegou a Biblia e em seguida olhou para a de Alex. O rapaz estava apontando o

texto em seu Novo Testamento em alemão.

- Achei, disse ela. Primeira Pedro 4.7,8 diz assim: “Ora, o fim de todas as coisas esta

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próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações. Acima de tudo,

porém, tende amor intenso uns para com os outros.”

- Isso! exclamou Alex. Era essa palavra que eu queria, intenso. Significa um amor forte

e firme, não é? É nisso que você tem de pensar, Cris. Tudo que fizer, faça com amor intenso.

- Tem mais aqui, interveio Selena, continuando a leitura até o verso 10, “porque o amor

cobre multidão de pecados. Sede, mutuamente, hospitaleiros, sem murmuração. Servi uns aos

outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça

de Deus”.

- Temos de voltar para o hotel, disse Marta abruptamente.

Os três jovens se viraram para ela e a fitaram.

- Por quê? quis saber Selena.

- Se quer mesmo saber, estou com uma forte dor de cabeça, respondeu a outra. Tentei

me controlar para não estragar a alegria de vocês, mas agora preciso me deitar um pouco.

- Então vamos, disse Alex, levantando-se e guardando seu Novo Testamento no bolso.

Em seguida, ele ajudou Marta a afastar a cadeira e lhe ofereceu o braço para que se

apoiasse nele.

- Não estou tão doente assim, replicou a tia de Cris bruscamente. Posso ir para o carro

sozinha.

Enquanto rodavam de volta para o hotel, Selena ia pensando nos versículos que haviam

lido. “Tende amor intenso uns para com os outros.” Será que sei o que isso significa? Sei que

amo os outros, mas será que meu amor é forte e firme?

Quando estavam quase chegando ao hotel, Alex, em tom bem calmo, perguntou a

Marta:

- A senhora permitiria que eu desse um passeio com Cris e “Salena” para elas

conhecerem a cidade?

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- Ah, acho que não vai dar, não, respondeu ela. Aliás, creio que agora vamos nos

despedir de você. Foi muito gentil conosco, e lhe agradeço.

O rapaz parou o carro a entrada do hotel. Um porteiro uniformizado adiantou-se e abriu

a porta do veículo para Marta, oferecendo-lhe ajuda para sair dele. Alex abriu a de trás para

Cris e Selena. Pegou esta última pelo cotovelo e deu-lhe um aperto de leve.

Selena fitou o rapaz bem dentro dos olhos escuros e pensou que, se naquele momento

ele lhe pedisse para dar uma “escapada” à noite e se encontrar com ele, ela atenderia.

- Tenho certeza de que a Tia Marta vai mudar de idéia assim que melhorar, disse Cris,

em voz baixa, para o rapaz. Muito obrigada por tudo, Alex, muito obrigada mesmo. Não

tenho palavras pra lhe agradecer, não apenas por ter-nos levado lá, mas também pelo conselho

e pelas palavras de estímulo.

- Vamos, meninas! disse Marta, virando-se ligeiramente para trás. Vamos entrar. Tchau,

Alex! E muito obrigada!

O rapaz inclinou-se para Selena e encostou de leve o rosto dele no dela. Foi um gesto

tão repentino que a garota sentiu as faces se avermelharem.

- Depois eu telefono, cochichou ele.

Selena acenou que sim. Alex entrou no carro e arrancou. A garota ficou a olhá-lo até

desaparecer. Entrou em silêncio e permaneceu calada até chegarem ao quarto. Assim que a

porta de comunicação com o aposento de Marta se fechou, disse para Cris:

- Viu aquilo?

- Ele te deu um beijinho? quis saber a amiga.

- Não, só encostou o rosto dele no meu, bem de leve. Será que é um costume daqui?

- Sei lá, replicou Cris, sorrindo e tirando o sapato, mas é muito romântico. Espero que

ele ligue pra você.

- Você acha que a gente poderia dar uma fugidinha pra encontrar com ele?

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- Por que pergunta?

Selena cruzou o quarto, foi até a janela e olhou para fora.

- Porque nós duas sabemos que ele é um rapaz maravilhoso e que é bom demais estar na

companhia dele. Além disso, ele tem uma atitude muito espiritual e edificante. Sua tia não

percebe isso porque não é crente.

- Acho que isso não significa que podemos desobedecer a ela, explicou Cris.

Selena suspirou.

- Tem de haver um jeito de justificar uma saidinha. Eu prefiro sair com Alex pra

conhecer a cidade do que ficar fechada neste hotel. Você não?

- Eu também, claro, replicou Cris, tirando os grampos do cabelo e abanando a cabeça

para que ele caísse solto sobre os ombros. Mas neste momento, o que quero mesmo é tirar um

cochilo

- Eu também, ajuntou Selena, concordando. Embora eu não queira confessar, a verdade

é que acho que sou capaz de dormir no minuto em que bater na cama.

A garota dirigiu-se para o leito, correu a mão sobre a colcha macia e em seguida deixou-

se cair nela.

- Mas será que a gente não vai ter dificuldade pra dormir à noite? concluiu ela.

- Eu não vou, disse Cris, já com os olhos fechados.

A jovem estava deitada e tinha uma expressão de felicidade no rosto.

- Se o Alex ligar, você me acorda, viu? pediu Selena, virando-se de lado e ajustando o

travesseiro.

- De jeito nenhum, respondeu Cris. Se o telefone tocar, você atende. Vai ser pra você

mesmo!

- ‘Ta bom, respondeu Selena.

Foi a última palavra que ela disse antes de mergulhar no mundo dos sonhos.

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Capítulo Nove

As sombras do entardecer começavam a apareccer na parede do quarto, quando Selena

acordou e se esforçou para abrir os olhos.

- Cris! chamou baixinho.

Virou-se para olhar a amiga, mas esta continuava ressonando ainda na mesma posição

em que se deitara. Selena ergueu-se silenciosamente e foi andando pé ante pe até à janela.

Gostava da vista que se tinha dali. Do outro lado da rua, via-se um prédio grande, em cuja

fachada estava gravada a palavra Rathaus. A garota sabia que se tratava de um prédio da

municipalidade. Elas haviam visto um igual na Alemanhã, perto da escola Schwarzwald

Volkschule. Alex explicara que todas as cidadezinhas da Europa tinham um desses.

Aquele ali era pintado com uma cor vermelho-escura, lenmbrando o tom de tijolos.

Numa das paredes laterais, havia um mural retratando, com figuras enormes, o povo da Idade

Média. Em torno da parede, via-se uma brilhante moldura dourada. A área ao redor do prédio

era toda calçada de pedras de formato regular. Ao longo da rua, viam-se construções altas,

antigas, ocupadas por lojas. Deviam ter mais de cem anos. Contudo eram muito bem

cuidadas. Todas tinham caixas de flores nas janelas do segundo andar. Eram gerânios

vermelhos em profusão, que tombavam pelas beiradas das jardineiras. Selena achou a imagem

muito bonita, transmitindo uma sensação de calma.

No alto, acima das lojas e da Rathaus, o céu já começava a “desnrolar” seu tapete azul-

escuro. Selena recordou-se do que Vó May lhe falara quando era pequena. Deus estava lá no

alto, preparando-se para estender o carpete escuro da noite, que tinha inúmeros furinhos. Ela

dissera que Deus resolvera não remendar os orifícios porque assim a luz do céeu se refletiria

na terra, passando através deles.

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Estou na Suíça, lembrou-se ela. Esta cidade deve ser linda à noite. Como seria bom se

pudesse caminhar com o Alex por estas ruas antigas! Ah, isso sim, seria muito romântico!

O telefone tocou. Selena deu um pulo. O barulho dele foi bastante estridente, parecendo

mais um ruído elétrico do que o toque normal. Ela agarrou o fone.

- Alô! Alex?

- Oh! Desculpe! Deve ter caído no quarto errado! disse uma voz masculina que ela

reconheceu. Desculpe!

- Espere aí! disse a garota antes que ele desligasse. Pai!

- Selena?

- É, sou eu! Oi, pai!

- Oi, filha! Como e que est passando? indagou ele.´

- Estou ótima! Esta tudo muito bom! Estou cansada, mas disso a gente já sabia. E aí?

Está tudo bem?

- Está. Tudo muito bem! Só estamos sentindo a sua falta. Então liguei para saber como

está indo.

Selena deu ao pai um relatório resumido da visita à escola e ao orfanato.

- Ah, bom, disse ele. E quem e Alex?

Selena deu um sorriso e fez uma pausa antes de responder. Seu pai nunca “perdia” nada

mesmo. Conhecia muito bem cada um dos seis filhos. Soubera conquistar o respeito de todos,

e eles não se importavam com as perguntas mais indiscretas que fazia, “intrometendo-se” na

vida deles.

Ela explicou ao pai que conhecera Alex no trem, e que depois tinham ficado sabendo

que ele era amigo do Sr. Pratt. E relatou que o rapaz rodara com elas pela cidade.

- Parece um rapaz muito legal, comentou o Sr. Jensen. Mas agora vou lhe dar uma

ordem paterna, viu? Posso falar?

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- Pode.

- Sempre que você estiver com esse rapaz daqui para a frente, é bom estar com a Cris

junto.

- Por quê?

- É só uma precaução; só isso.

- Papai, se o senhor conhecesse o Alex iria gostar muito dele. Ele é crente, um ótimo

crente.

- Acredito, disse o pai. E espero que passe com ele momentos memoráveis e

maravilhosos. Mas sempre esteja na companhia de alguém. Cris sempre tem de estar junto

com vocês, o.k.?

- O senhor não confia em mim?

- Confio, sim. Plenamente.

- Então, qual e o problema? indagou Selena, sem entender o que se passava.

- A distância. Você esta a três mil quilômetros de distância de nós, explicou ele. E

passear com um rapaz numa cidade da Suíça não é o mesmo que convidar o Ronny para jantar

aqui em casa.

- O Ronny e só meu amigo.

- ‘Ta bom, o Drake, então.

- Eu saí com o Drake uma vez só.

- Seleeeena!

Pela firmeza do tom de voz do pai, a garota compreendeu que não adiantava ficar

discutindo com ele. Ele estava falando sério.

- Se você sair com o Alex, ou melhor, quando você sair com ele, a Cris ou a Marta tem

de ir junto. Essa é a nossa determinação para você, concluiu ele.

- Entendi! disse ela, procurando dar a voz um tom descontraído.

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Não queria, de forma nenhuma, contrariar o pai nem dar a impressão de que estava

desobedecendo as ordens dele. Ele sempre tinha razão no que dizia. Ela não podia ficar

arranjando argumentos para rebater os dele.

- Dá um abraço na mãe e no pessoal aí pra mim, disse afinal.

- Eu dou. E você, divirta-se bastante aí, hein?

- ‘Tá bom. Obrigada pelo telefonema, pai. Um abração!

- Outro, querida. Tchau!

Ouviu o estalido na linha, indicando que ele desligara. Contudo continuou a

experimentar a sensação gostosa da voz do pai em seu ouvido. Seus pais eram maravilhosos, e

ela sabia disso.

- Era o Alex? indagou Cris, sentando-se na cama e espreguiçando, lutando contra a

sonolência que a dominava.

- Não, era meu pai. Dá pra entender uma coisa dessas? Eu estava aqui pensando em

como seria maravilhoso se pudesse dar uma fugidinha pra me encontrar com o Alex, e meu

pai liga e me faz prometer que só vou sair com ele se for na sua companhia ou na da Marta.

- É, meu pai também diria algo assim, comentou Cris.

- E você obedeceria?

- Provavelmente, respondeu Cris, bocejando e espreguiçando de novo. Teve uma vez

que viajei com meu tio e minha tia para Palm Springs e resolvi dar uma fugida.

- Você? indagou Selena espantada.

- É, eu e umas amigas. Como fui burra! Hoje, quando me lembro do caso, não entendo

como deixei que elas me convencessem a fazer aquilo.

- Vocês foram se encontrar com algum rapaz?

- Não, respondeu Cris, levantando-se e caminhando até a janela para ver a vista dali.

Demos uma saída para ir a uma loja. Acabou dando uma confusão tremenda. Fomos parar

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numa delegacia. E durante um bom tempo todo mundo ficou com raiva de mim. É, não vale a

pena arriscar, não.

Selena creu quando Cris disse que não era muito bom dar uma fugidinha às escondidas.

A garota entendeu também que seu pai insistiu em que sempre saésse acompanhada porque a

amava. Mesmo assim, não podia negar que, se o Alex telefonasse e quisesse encontrar-se com

ela a noite, ficaria muito tentada a ir.

Entretanto o rapaz não ligou, Marta também se levantou pouco depois que a Cris

acordou e, num tom brusco, comunicou às duas que sua dor de cabeça melhorara. Queria que

as três fossem jantar no restaurante do hotel, embora já passasse de oito da noite.

Afinal, elas descobriram que estavam com mais fome do que pensavam. E o prato que

pediram - batatas com salsicha - estava muito gostoso. Com o ânimo renovado, resolveram

dar um passeio pelos arredores e olhar um pouco as vitrinas. O garçom do hotel dissera que

aquele setor de Basiléia era o alt stadt, ou “cidade velha”.

Uma brisa fresca soprou sobre o rio Reno e foi acompanhando as três, que iam

caminhando e conversando. Nesse momento, estavam descontraídas, sem nenhuma tensão.

Era a primeira vez que isso acontecia desde que haviam iniciado a viagem.

Selena pensou que, se Marta continuasse com aquele bom humor, talvez permitisse que

ela passasse alguns momentos em companhia de Alex. Quem sabe poderiam ir fazer uma

caminhada, como ele sugerira. Ou talvez até pudessem fazer um piquenique, ou dar uma volta

de bicicleta. Desde que haviam chegado à Europa, o rapaz estivera muito “presente” com elas.

Agora, seria horrível se tivessem de passear pela cidade sem a companhia dele.

- Cris, você gostaria de ir a escola de novo amanhã? indagou Marta quando pararam

junto à vitrina de uma loja para olhá-la. Há algum ponto que você ainda gostaria de conversar

com o Sr. Pratt?

- Não, replicou a jovem. Deu pra ter uma boa idéia de como é tudo lá. Só tenho de

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decidir, antes de ir embora, se vou estudar aqui ou não.

- É, precisa mesmo, concordou a tia.

- O que eu gostaria era de ver mais alguns pontos da cidade, comentou Cris.

Em seguida, suavizando um pouco o tom de voz, concluiu:

- Seria ótimo se pudessemos fazer uma caminhada com o Alex.

Para surpresa de Selena, Marta não retrucou imediatamente. Já se achavam quase de

volta ao hotel.

- Marta, interveio Selena, meu pai me ligou agora de tardinha, e eu lhe falei sobre o

Alex. Não sei se isso a ajudará a decidir sobre essa questão, mas ele disse que esperava que eu

saísse outras vezes com Alex, que me divertisse e levasse boas recordações daqui.

- Seu pai disse isso? indagou Marta. Você não está inventando, não?

- Não; ele disse, sim. Falou também que sempre que eu saísse na companhia dele, era

para Cris ou você ir junto.

- Foi isso mesmo que ele falou?

- Foi, respondeu a garota com firmeza.

Selena estranhou a atitude da tia de Cris. Não estava acostumada a que duvidassem de

sua palavra.

- Olha, então quero lhe dar os parabens por ter me contado. A melhor atitude a se tomar

é sempre falar a verdade.

- É, concordou a garota, falando mais para si mesma do que para a mulher, creio que

sim.

Nesse momento, Marta parou, virou-se para as garotas e olhou-as de frente. Em seu

rosto, se estampara uma expressão de simpatia, a mais agradável que ela já demonstrara até

ali. Obviamente estava se sentindo bem melhor.

- É... tenho de confessar que admiro as duas pela maneira como seguem direitinho as

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determinações dos pais. São bem diferentes de como eu era quando tinha a idade de vocês.

- Ouvi dizer que era bem “namoradeira”, comentou Selena, aproveitando aquela

oportunidade para tentar fazer com que Marta se abrisse um pouco.

Cris lhe deu um beliscão.

- Quero dizer, corrigiu-se a garota, percebendo o fora que dera, se você era diferente de

nós, devia ser bem irrequieta. Na verdade, pensando bem, acho que eu e a Cris é que devemos

ser meio sem graça.

- Fale só por você! interveio Cris em tom brincalhão.

Marta recomeçou a caminhar, andando ao lado das duas garotas. Depois de uns

instantes de silêncio, indagou:

- Cris, o que foi que sua mãe lhe falou sobre mim?

- Nada.

- Não, pode me dizer. O que foi que a Margaret contou a meu respeito?

- Ela só falou que as duas eram muito diferentes; uma, o oposto da outra. Sei que minha

mãe era superobediente. E não tinha uma vida muito agitada, não; até meio parada.

- Minha vida não era nada parada, comentou Marta. Isso posso dizer com certeza.

- Como era? indagou Selena, interferindo na conversa.

Compreendeu que era o momento certo para começar a “arrancar” a couraça de

proteção que Marta adotara.

- Sua pergunta é meio ousada, garota! replicou a tia de Cris, parecendo surpresa, mas

não ofendida com a indagação.

- Você teve muitos namorados? insistiu Selena. Eu a imagino namorando o capitão do

time de futebol, ou então o principal jogador de basquete da escola. Deviam formar um casal

e tanto - um cara bem alto e você, uma garota baixinha e feminina.

Marta riu.

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- Não; na verdade, foi um jogador do time de hóquei. E não era muito alto, não, mas era

forte e musculoso. Ah, e bastante audacioso. Eu achava que, se eu pedisse, ele seria capaz de

fazer a Terra parar de girar. Não havia dúvida de que o Nelson era um cara que venceu na

vida. O que ele queria, conseguia.

- O nome dele era Nelson? indagou Selena.

De repente, Marta se sobressaltou, como se houvesse percebido que falara demais.

- Ah, não devia estar contando esses fatos para vocês. Esqueçam-se de que falei isso,

está bem? São acontecimentos ocorridos muitos anos atrás. Deveríamos estar conversando

agora era sobre o que vamos fazer amanhã. Para começar, vamos tomar o café às 8:00h. A

gente se encontra no refeitório. E, por favor, não se atrasem. O resto a gente combina depois.

Mas acho que seria bom fazermos umas compras, não acham?

Selena não estava muito a fim de pensar em fazer compras. Finalmente conseguira abrir

um “rombo” na “couraça” protetora de Marta; e vira que havia um nome gravado ali: Nelson.

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Capítulo Dez

- Nelson! repetiu Selena para Cris, assim que as duas chegaram ao quarto. Você

conheceu algum homem com esse nome?

- Não.

- Que será que aconteceu com ele? continuou a garota. Ela quase contou, você viu?

Cris acenou que sim.

- Ela estava de bom humor, comentou. Foi ótimo!

- Tomara que ela fique assim por um bom tempo.

No dia seguinte, quando foram se encontrar com Marta para tomar o café, a tia de Cris

ainda continuava de bom humor. Selena poderia até ter tentado abrir outra “brecha” na

“couraça” dela. Só que, dessa vez, era ela que se achava mal-humorada.

A garota não havia dormido bem. O cochilo que tirara na tarde anterior acabara por

atrapalhar-lhe o sono. Não conseguira dormir imediatamente, como Cris dormira. Ficara um

bom tempo deitada ali, pensando e orando. Passara várias horas meio dormindo, meio

acordada. E o fato de Alex não ter ligado só servira para piorar sua disposição.

Por que será que os rapazes fazem isso? pensou, sentindo forte irritação. Prometem

telefonar. Tratam a gente com tanta gentileza e até encostam a mão no rosto da gente, dando

a impressão de que vão cumprir o que prometeram. Depois não se tem mais notícia deles. Eu

estava até pensando em dar uma fugidinha, e ele nem telefonou!

Contudo, quanto mais pensava na idéia de dar uma fugida, pior se sentia. Se estivesse

em casa, nem sonharia em fazer algo assim. Então, por que achava que não seria errado fazê-

lo ali? A única explicação que lhe ocorreu foi que, em casa, tinha muito respeito pelos pais e

pela autoridade deles. Entretanto não sentia o mesmo com relação a Marta.

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Assim que terminaram de tomar café, Marta se pôs a falar das compras.

- Podemos começar indo àquelas lojinhas que vimos ontem à noite, disse ela. Quero

voltar naquela que fica à duas quadras daqui e comprar um lenço de cabeça que vi lá. E vocês,

já pensaram em algo que querem comprar?

- Não, respondeu Cris.

A jovem acordara com boa disposição. Quando Selena voltara do banho, vira a amiga

sentada à mesinha, lendo a Biblia, fazendo anotações em seu diário e cantarolando baixinho.

A garota atirara um travesseiro nela, mas não conseguira fazer com que parasse com sua

musiquinha alegre.

Assim que entraram na loja, Selena notou que Marta se transformou em outra pessoa.

Cumprimentou as balconistas, que aliás se mostravam bem amistosas, e logo se pôs a fazer

comentários elogiosos sobre os artigos expostos. As vendedoras se aproximaram mais dela e

responderam em tom cortês, mas com linguagem formal. Marta se achava no controle da

situação.

- Por que será que o Alex não ligou? indagou Selena para Cris. O que você acha?

As duas haviam ficado perto da entrada da loja, junto a uma estante com cartões de

felicitações.

- Provavelmente por alguma razão justa.

- É, eu sei a razão. Ele é rapaz e todos eles são iguais. Chegam cheios de interesse e

gentileza, mas depois vêem alguém que atrai mais a atenção deles e, de repente, a gente não

significa mais nada pra eles.

Cris deu uma risadinha suave.

- Ah, Cris, não ri de mim quando estou sofrendo, falou Selena, cruzando os braços e

olhando a amiga com uma exprressão exageradamente emburrada.

- É muito engraçado! replicou a outra. Não estou rindo do que você esta sentindo, não.

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Mas o que você falou é exatamente o que eu costumava dizer sobre o Ted anos atrás.

- Não me diga! Então até o Ted, aquele sonho de pessoa, era um cara insensível

também? Não existe mesmo esperança neste mundo!

- Ah, eu poderia lhe contar um bocado de casos! Daria para escrever um livro,

comentou Cris, inclinando-se para ela. O Ted de vez em quando, ainda tem umas recaídas,

como nesta viagem, por exemplo. Essa decisão é muito importante pra mim, e acho que afeta

a ele também. No entanto, pelo jeito como ele age, dá a impressão de que pra ele não importa.

O que eu decidir está bom. Fico com tanta raiva quando me lembro disso!

- Ah, mas aí eu já acho que ele esta só querendo deixá-la livre pra decidir por si mesma.

- E você ainda o defende? retrucou Cris, cruzando os braços também.

- Alguém tem de defendê-lo, coitado! exclamou Selena.

Nesse momento, a garota se deu conta de que, se ela estivesse com cara de boba como a

Cris estava, as duas ali, com ar de emburradas, deviam estar muito engraçadas. E começou a

rir.

- Que foi? indagou Cris.

- Ah, esses rapazes! fez Selena com um brilho no olhar. Deixe eles pra lá!

- Isso mesmo! concordou a amiga. Deixe eles pra lá! Puxa vida, estamos aqui, na Suíça.

Precisamos começar a nos divertir e esquecer do Ted e do Alex.

- Estou com você, Cris! Temos um dia inteiro à nossa frente, sem nenhum rapaz no

programa. O que você gostaria de fazer?

- Obviamente a tia Marta vai querer fazer mais compras, mas ela sempre quer fazer

compras, disse a jovem, dando uma espiada para o lado da tia. Se você quiser comprar algo, é

só falar, viu? Ela compra pra você. Acho que o hobby predileto dela é ir comprar presentes

para os outros.

- Ah, o “hobbit” dela, brincou Selena.

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- O quê?

- O “hobbit”. Foi assim que o Alex pronunciou hobby.

- Alex? indagou Cris, confrontando-a. Achei que tínhamos combinado de esquecer esses

caras em quem não dá pra confiar. Hoje só queremos saber de nós aqui.

- Tem razão, tem razão, concordou Selena, erguendo um braço e imitando a estátua da

Liberdade. Vamos partir para a liberdade e independência, rompendo os grilhões das nossas

cadeias emocionais! concluiu num tom de discurso.

Assim que disse as últimas palavras, moveu o braço e inadvertidamente bateu a mão na

estante cheia de cartões, que foi tombando para um lado.

- Cuidado! gritou Cris para uma senhora que ia saindo da loja.

A estante ia bater direto na cabeça dela. Com um reflexo rápido, Selena conseguiu

agarrá-la e puxá-la para si. Assim não atingiu a freguesa, mas, com o movimento brusco da

garota, os cartões caíram sobre a mulher, como uma chuva de meteoros. A estante tombou na

direção oposta e caiu em cima dos cartões, amassando vários deles. E foi deslizando pelo chão

paralelamente à parede. Bateu num fio elétrico e puxou-o, arrancando-o da tomada. Com isso,

algumas lâmpadas se apagaram, e ventiladores se desligaram.

Houve um silêncio total na loja. Todos se viraram e se puseram a olhar para as duas.

Uma vendedora veio caminhando rapidamente e ligou o fio de eletricidade. As luzes se

acenderam e os ventiladores voltaram a girar.

- Cris, disse Selena em voz baixa, como e que se diz “Desculpe-me!” em alemão?

- Sinto muito! replicou a outra de chofre. Pardon. Merci. Por favor.

- Nada disso é alemão, cochichou Selena, sorrindo com os dentes cerrados.

- É só do que consigo me lembrar, respondeu Cris.

Selena estava levantando a estante, e a amiga foi ajudá-la. Em seguida, elas cataram os

pacotes de cartões.

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- A senhora se machucou? perguntou a garota para a freguesa atingida pelos cartões e

que ficara parada ainda meio assustada.

A mulher resmungou algo em francês e depois em alemão. Vendo que Selena não

entendera nada, ergueu a mão, dando um tapa no ar, e saiu. A essa altura, Marta vinha

correndo para onde elas se encontravam.

- O que aconteceu? indagou a tia de Cris.

- Foi um pequeno acidente, explicou a jovem, recolocando calmamente os cartões no

lugar. Oh, que bonitinho este aqui, Selena, com essas flores silvestres!

- Vamos comprar um deles? sugeriu a garota, acabando de por os objetos de volta no

lugar.

- Não dava para vocês verem que eles eram bonitinhos sem terem de derrubar a estante

toda? indagou Marta irritada. Eles ficaram amassados. Vamos ter de comprar todos eles.

- Estes aqui não estão amassados, não, retrucou Selena. Estão acondicionados em

invólucros de plástico muito firmes, Agora, os cartões soltos estão.

Ela se virou e olhou para o chão. Havia pelo menos uns vinte cartões estragados. Marta

deu dois passos, abaixou-se e começou a recolhê-los. Pegou inclusive alguns que não se

achavam amassados, mas que estavam caídos junto com esses.

- Vocês duas podem ir me esperar lá fora. E vejam se não derrubam mais nada aqui,

ouviram? disse ela, saindo rapidamente em direção ao caixa para pagar os cartões.

As duas garotas, silenciosamente, foram saindo da pequena loja e pararam perto de um

poste, para ficar esperando a tia de Cris. No alto dele, havia uma caixa de flores com

malmequeres amarelo-vivos, e uma florzinha azul miúda.

- Selena, disse Cris rindo, vê se não inventa mais nenhuma imitação de mulher

“emancipada”, senão aquela cesta de flor vai acabar caindo na sua cabeça.

- Será que sua tia ficou com tanta raiva que não vai querer mais nem me ver na frente

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dela?

- Depois ela se acalma. Não se preocupe. Afinal, foi um acidente. E além do mais,

ficamos com um estoque de cartões em alemão que vai dar para o ano todo. Isso não teria

acontecido se a estante não tivesse ido atrás de você!

As duas caíram na risada.

- Quero aqueles cartões, comentou Selena. Acho que a gente deve mandá-los para os

amigos e deixar que eles descubram o que está escrito neles.

- Vamos sim, concordou Cris. Aposto que diz lá: “Espero que se recupere prontamente

da cirurgia de cálculos renais”. Ou então: “Parabéns pela aposentadoria!”

- É bem provável, disse Selena.

A garota colocou a mão na testa, fazendo uma “aba” para os olhos, e espiou para o outro

lado da rua. Avistara ali uma casinha de madeira toda pintada de branco com janelinhas

verdes. Parecia de brinquedo. Tinha até jardineiras cheias de flores amarelas, alaranjadas e

azuis.

- O que será aquilo? indagou. Eu não a vi ali ontem à noite quando passamos por aqui.

- Parece uma cabine de informações turísticas, respondeu Cris. Lá deve haver mapas de

graça. Vamos ver se arranjamos um?

- Vamos, respondeu Selena, saindo à frente da amiga e atravessando a rua calçada de

pedras.

Ali encontraram um senhor de meia-idade, que fumava um cachimbo e usava roupas

típicas da região e um chapéu de feltro verde.

- Guten tag! disse ele, cumprimentando-as.

- Fala inglês? indagou Cris.

- Claro! respondeu o homem.

- Aqui o senhor dá informações? quis saber a jovem.

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O homem não respondeu, mas levantou os olhos e fitou uma placa enorme acima do

guichê, que indicava: “Informações”.

- Nós queríamos um mapa, disse Selena, adiantando-se e ficando junto da amiga. O

senhor tem aí um mapa que mostre os pontos turísticos de Basiléia?

- Tenho, replicou o homem e entregou-lhe um mapa impresso em cores vistosas, com

orientações em quatro línguas. Onde vocês querem ir?

- Eu queria fazer um piquenique numa montanha dos Alpes, replicou Selena

prontamente, como naquele filme A Noviça Rebelde.

- Mas aquela era na Áustria, explicou Cris.

- Eu sei, disse a garota. Mas os Alpes não ficam na Suíça e na Áustria? Um piquenique

seria tão legal! A gente podia ir de ônibus, não podia? De táxi fica muito caro.

- É, vocês podem ir de ônibus ou de trem. Qual a montanha que querem ver?

Selena deu de ombros.

- Sei lá. Qualquer uma. Gosto de qualquer montanha. O pico Matterhom não fica na

Suíça?

- É, respondeu o guia, abrindo um mapa do país. Vocês poderiam viajar até Zermatt.

- Não, interveio Selena. Não queremos uma viagem longa, não. É pra ir e voltar no

mesmo dia. Estava pensando em fazer o piquenique hoje mesmo.

O homem fechou o mapa.

- Ah, então, gostaria de dar-lhes uma sugestão.

Ele abriu um mapa menor e marcou com um lápis vermelho o nome do ônibus que elas

teriam de tomar. Em seguida, apontou para um prédio amarelo que ficava do outro lado da

rua. Era ali que deveríam pegar o coletivo. As duas se viraram para ver o ponto que ele estava

indicando. No mesmo instante, avistaram Marta. A tia de Cris estava andando de um lado

para outro em frente da loja onde haviam estado. Em seu rosto, estampava-se uma expressão

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de desespero.

- Essa é boa! exclamou Cris. Obrigada! gritou para o guia.

Pegando o mapa, as duas atravessaram a rua correndo.

- Danke! gritou Selena, virando-se ligeiramente no meio da correria.

Marta devia estar simplesmente furiosa com elas por não haverem avisado aonde iam.

Elas não tinham pensado em fazer nada errado. Foram só dar uma chegadinha do outro lado

da rua, enquanto a tia de Cris se encontrava na loja.

E agora ela estava ali, parecendo fortemente irada, com uma das mãos na cintura e

batendo a ponta do pé, com impaciência. Na outra mão, tinha uma sacola de compras. Eram

os cartões de saudações amassados.

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Capítulo Onze

- Não, disse Marta, não estou aborrecida, não.

E com passos firmes, foi descendo a rua, conduzindo as duas garotas em direção à loja

de lenços de cabeça.

- Vocês ja explicaram tudo, e, como eu já disse, só quero que, da próxima vez me digam

aonde vão. Vocês podem imaginar o que senti quando saí da loja, depois de ter pago as

despesas daquele acidente que provocaram, e não as vi em nenhuma parte? O que vocês

pensariam? Fiquei aterrorizada! Afinal, sou responsável pelas duas, e se tivesse acontecido

algo, ficaria arrasada pelo resto da vida.

- Desculpe, tia, falou Cris, adiantando-se e pondo-se a caminhar ao lado dela.

- Está bem. Eu já aceitei seu pedido de desculpas na primeira vez que pediu. Agora, é só

ficarmos sempre juntas que tudo vai acabar bem.

Selena achou que teria sido melhor se Marta houvesse extravasado a raiva e berrado

com elas. Era melhor do que ter de aguentá-la falando, falando e repetindo sempre as mesmas

orientações.

Afinal, chegaram à loja de lenços, e as duas jovens assumiram seu papel de sobrinhas

muito interessadas e cuidadosas, ajudando a tia a escolher os artigos que queria.

- Bom, acho que nossa próxima parada deve ser numa loja para comprar umas roupas

para você, não é Selena? Você disse que queria um vestido ou uma saia. Quero comprar algo

para você. Nesta caminhada até aqui, viu alguma loja que lhe pareceu interessante? Ou vamos

em frente?

- Precisa não... principiou a garota.

Naquele instante, porém, Cris pôs a mão nas costas dela e lhe deu um leve aperto. Era

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um sinal para não contrariar Tia Marta.

- É, fez ela, na verdade, passamos por uma loja ali atrás onde vi umas saias longas, tipo

“indiana”.

- Saia “indiana”? indagou Marta com uma ponta de crítica. Daquelas do tipo hippie?

Selena ficou um instante em silêncio, mas depois fez que aim.

- É, disse. Podemos dar uma espiada lá.

- Se é isso que você quer...

Marta virou-se e saiu caminhando, dirigindo-se para a loja. Assim que entraram,

sentiram um forte odor de incenso. Sobre a porta, havia uma série de sininhos que tilintaram.

A música ambiente era estranha e exótica. Nas paredes, viam-se pôsteres com símbolos

satânicos. Serpentes feitas de material plástico pendiam do teto. Imediatamente Selena virou-

se e saiu à rua.

- Não gosto desse tipo de loja, falou.

- Ótimo, comentou Marta, espero que não mesmo.

- Gosto muito de roupas simples, como as que estão nas vitrinas dela. Mas é sé. As

peças de vestuário aí são muito legais, mas os outros artigos que eles vendem, não.

- Então vamos continuar rua abaixo, propôs Cris. Tem muita loja por aqui.

O Sol esquentou e as ruas agora estavam bem mais movimentadas. As três diminuíram

um pouco o passo. Selena teve a sensação de que estava em sua terra e que se achava num

centro comercial luxuoso, daqueles propositalmente construídos para imitar um velho

mercado europeu. Só que não estava lá. Encontrava-se no verdadeiro comércio europeu. Volta

e meia passavam por pessoas falando uma língua diferente. Um forte aroma de café pairava

no ar, proveniente das pequenas confeitarias ali existentes. Todas as lojas tinham vitrinas com

artigos expostos, procurando atrair os clientes para dentro delas.

Afinal, pararam perto de uma que vendia apenas chá e entraram. Logo à frente, via-se

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um balcão de mogno. A parede dos fundos era coberta de alto a baixo por uma estante com

dezenas de divisórias, nas quais se encontravam as caixas de folhas de chá. O aroma delas

enchia o ambiente. Cada vez que Selena sentia o cheiro de um deles, fosse um cha de frutas,

ou o chá preto, ou o chá do Ceilao, tinha a sensação de que acabara de beber algo delicioso.

- Ah, tenho de comprar um desses, disse para Marta e Cris. Vocês se importam de

esperar um pouquinho? Vou entrar nessa fila e comprar um chá desses pra mim.

- Então vou lhe dar dinheiro, falou Marta.

- Obrigada. Não precisa, não. Vou comprar pouca quantidade. Meu dinheiro dá.

Ela entrou na fila e, à medida que ia caminhando, ia lendo o nome dos diversos tipos de

chá de cada caixa. Havia duas balconistas, muito bem arrumadas, vestidas com um guarda-pó

branco. Quando um cliente pedia um determinado chá, uma delas pegava a caixa, abria-a e

media a quantidade pedida - cem gramas, meio quilo, um quilo - com uma concha de metal.

Selena decidiu que iria levar meio quilo. Assim que chegou sua vez, ela teve de explicar por

meio de gestos e acenos, tentando dialogar com a vendedora, que tinha um sotaque muito

pesado. Afinal, conseguiu exatamente o que queria: jasmim com canela e cravo. O cheiro era

maravilhoso. Sentiu-se bastante chique e sofisticada. E em seguida, as três saíram da loja.

Assim que a porta se fechou, os aromas exóticos ficaram para trás.

- Que legal! exclamou a garota. Obrigada por terem esperado, gente!

- De nada, replicou Marta, pegando um batom e aplicando-o aos lábios. Estou com

vontade de beber algo, e talvez até de comer também. E vocês, garotas?

- Será que a gente encontra água em algum lugar deste país? quis saber Selena. Já que

existe tanta neve nos Alpes, era para haver um bebedouro em cada esquina por aqui.

- Vamos entrar aqui, disse Marta, dirigindo-se para uma confeitaria. Selena, nesta loja

deve haver água mineral. O que você quer, Cris?

- Aquilo ali, respondeu a jovem, apontando para um pastel folhado, sobre o qual havia

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um enfeite de chocolate. Assim que Selena olhou para o doce, também o quis.

- Um pra mim também, falou.

Marta adiantou-se e pediu dois pastéis para as garotas. Selena mais uma vez observou

que ela elevou o tom de voz. Teve a impressão de que ela achava que as vendedoras só a

entenderiam se falasse alto e expressasse cada palavra com muita clareza.

Elas pegaram o saquinho com a deliciosa guloseima e foram para fora. Num dos cantos,

viram um homem acompanhado do filho, que estavam se levantando do lugar, um banco junto

à janela. Ele disse algo em alemão e fez um gesto para que elas se sentassem ali. As três

fizeram um aceno de cabeça agradecendo e se acomodaram no banco, que era pintado de um

vermelho vivo.

- Hummm! Que maravilha! exclamou Selena, dando a primeira dentada no pastel e

erguendo o rosto para cima, sentindo o calor do Sol do meio-dia. Que será que é este recheio?

A D. Amélia iria gostar de saber a receita pra fazer este doce no Mother Bear.

- Provavelmente é marzipã,* replicou Marta. Quase todo esses tipos de folhados tem

marzipã.

___________________

*Marzipã - um creme feito com pasta de amêndoas e açúcar. (N. da T.)

- De qual você pegou? indagou Selena para a tia de Cris.

- Nenhum, respondeu ela. Só peguei uma Coca diet.

- Como é que você pode entrar numa confeitaria dessas, em plena Suíça, e não comer

nada? indagou Selena.

Dessa vez, Cris não tentou reprimi-la.

- Imagine só o tanto de açúcar e manteiga que há nesses doces! exclamou Marta.

- Eu não imagino, respondeu logo Cris. Estou só “curtindo”!

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- Pois vai tudo formar “pneuzinho” na barriga, alertou a tia.

- Olhe aqui, dá uma mordida no meu, ofereceu Selena.

- Não, obrigada!

- Ah, que e isso? Come só um pedacinho! insistiu a garota. É delicioso! Quando é que

você vai ter outra chance de comer um pastel folhado desses? E ainda mais um pastel da

Suíça...

Usando a ponta do saquinho como se fosse um guardanapo, Selena partiu a ponta do

pastel e estendeu-o para a tia de Cris.

- Por favor, disse, experimente só um pedaço.

- Não sei por que faz tanta questão disso, retrucou Marta meio impaciente.

Cris inclinou-se para a tia e falou:

- Ah, Tia Marta, coma! Depois nós vamos andar e a senhora queima essas calorias todas

rapidinho. Goze a vida um pouquinho!

Abanando a cabeça para demonstrar que cedia contrariada, Marta estendeu a mão e

pegou a pontinha do doce que Selena lhe oferecia. As duas garotas ficaram aguardando para

ver a reação dela.

Relutantemente, a tia de Cris levou a guloseima à boca e deu uma mordida.

- Hmmm! Que delicia! exclamou, saboreando o pastel.

Cris e Selena deram risadinhas de satisfação.

- Ah, eu não disse? Agora compre um folhado pra senhora, tia.

- Será que devo? indagou Marta, com a expressão de uma garotinha.

Selena ficou admirada com a mudança que se operara nela. Em vez da “ditadora” de

sempre, ela agora parecia uma criança indecisa.

- É claro que sim! respondeu Cris. Se a senhora não for, eu e a Selena iremos lá comprar

um. E a senhora ja sabe o que eu e ela aprontamos quando entramos numa loja dessas.

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- Sei! Não precisa falar mais nada, replicou Marta, erguendo uma das mãos. Já vou.

Ela se levantou prontamente e, dando um sorriso meio tímido, caminhou em direção à

confeitaria.

- Sabe o que mais? principiou Selena, dando outra mordida no seu pastel. Sua tia

melhora de humor depois que come um doce.

Cris deu risada.

- Ela é muito complicada, não é? disse, levando lentamente à boca mais um pedaço do

doce.

- Ela esta e supercansada, comentou Selena.

- Mas ela disse que dormiu bem a noite passada.

- Não, replicou a garota, eu quero dizer que ela esta cansada de guardar algo bem no

fundo do coração durante tanto tempo. E esse segredo parece que fica só querendo “sair” de

dentro dela, e ela tem de se vigiar constantemente pra não se descuidar e deixar o sofrimento

vir à tona.

- Em que livro de psicologia você viu isso? indagou Cris, virando-se para a amiga e

analisando-a atentamente.

- Em nenhum. Isso é apenas a minha opinião. Você não precisa concordar comigo.

- Aí é que está o problema, retrucou Cris. Tudo que você disse faz muito sentido. Acho

que vou concordar com você.

- Pois é. Então só temos de esperar o momento adequado e saber fazer a pergunta certa,

que ela vai soltar tudo, explicou a garota.

- É, contrapôs Cris, não fique contando muito com isso, não, viu?

O sininho da porta da confeitaria tiniu, e Marta surgiu trazendo um saquinho branco

com seu próprio pastel folhado. No rosto, estampava um sorriso diferente, que lembrava uma

criança que fizera uma travessura. Chegou junto das duas e sentou-se no banco.

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- Comprei umas trufas para nós também, disse. Vocês viram os bombons deles? Da

mais alta qualidade! São absolutamente maravilhosos! Aqui, um para você, um para você, e

outro para mim. Gente, bon appetit!

Selena dirigiu à amiga um olhar em que parecia dizer: “Não falei? Estamos destruindo

aquela couraça de proteção dela!”

Cris deu uma mordida na sua trufa e se pôs a mastigá-la.

- Não, não, não! interveio Marta. Trufa a gente não mastiga, não. Deixe-a parada na

língua, dissolvendo sozinha. Saboreie devagar, curtindo o doce.

Selena deu uma dentada na sua e deixou-a dissolver na boca. Era deliciosa, muito

saborosa mesmo!

- É, você tem razão, comentou ela. A gente tem de prolongar esse momento o máximo

possível.

- Comer chocolate tem de ser uma experiência agradável, comentou a tia de Cris,

fechando os olhos e respirando fundo. Faz muito tempo que não como um chocolate tão

delicioso como este!

- O Nelson lhe dava bombons? indagou Selena.

A mulher abriu os olhos devagar, olhando para o seu saquinho e em seguida para a

garota. Havia muitas pessoas caminhando pela rua, entrando nas lojas e saindo. Naquele

instante, Selena teve a sensação de que tudo girava em câmara lenta. E Marta respondeu:

- Nelson me dava o que eu quisesse, inclusive bombons.

- E o que aconteceu com ele, afinal? arriscou Cris.

Selena admirou a coragem da amiga. É, mas agora não era preciso ter muita coragem

para fazer esse tipo de pergunta, já que ela, Selena, havia começado a “arrancar” a couraça de

proteção da tia.

Por um momento, a garota teve a impressão de que a resposta veio aos lábios de Marta,

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e que ela ia revelar o segredo. Entretanto, logo em seguida, ela fechou a boca e engoliu seu

último pedacinho de trufa. Junto com ele foi também a esperada resposta.

- Talvez algum dia eu lhe conte, disse Marta afinal em tom grave.

Ela enfiou a mão no saquinho e partiu um pedaço do pastel com as casquinhas

esmigalhadas. Mastigou-o lentamente, com ar distraído. Selena não saberia dizer se a tia de

Cris estava curtindo o doce ou se, de repente, perdera o gosto por ele e comia-o

mecanicamente. Para a garota, aquilo representava bem o que era a vida dela. Agia sempre

certinho, com gestos mecânicos, sem apreciar nada.

E as três ficaram ali sentadas, debaixo do Sol quente, cada uma comendo seu pastel

folhado, e cada uma imersa nos próprios pensamentos.

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Capítulo Doze

Selena mastigou o folhado bem devagar, sentindo o sol bater-lhe no rosto e ouvindo o

vozerio da rua. No alto, um passaro soltou um trinado, chamando a companheira. A brisa do

verão passou por elas, soprando em suas pernas. Era bem leve, quase imperceptível.

Havia muitos anos já que Selena sabia que o Espírito Santo era comparado ao vento.

Sabia que ele estava sempre presente com o cristão, mesmo que fosse apenas como uma brisa

leve. O vento soprava onde ele quisesse. E era fácil perceber por onde ele estava passando,

pois movia os objetos e as pessoas. Contudo ninguém o via.

Naquele momento, sentada naquele banco de rua na Basiléia, a garota sentiu algo agitar-

se em seu interior. Seria um desejo? uma paixão? o açúcar circulando em seu organismo?

Não; era uma mistura de algo emocional e espiritual. A agitação interior estava bastante

forte e vibrante. Selena compreendeu que queria gozar ao máximo a vida que Deus lhe dera.

Desejava ter uma consciência mais nítida do mover da “brisa” do Espírito em seu ser. Queria

que a presença e os efeitos dele fossem mais evidentes nela.

Naquele instante, entendeu que não tinha vontade de terminar como Marta, regida por

metas e horários, sem apreciar as belezas que havia ao seu redor. Enxergou ainda que

ultimamente tinha andado “organizando” sua vida como fazia a tia de Cris. Estabelecera

regulamentos, padrões de conduta e metas para seu curso na faculdade. Passara as férias todas

trabalhando, ajudando no abrigo para desabrigados e indo a igreja quase todos os dias. Agora,

pela primeira vez, percebia que perdera muito da espontaneidade e da alegria de viver.

Aí lembrou-se também de outro fato. No dia em que seu pai lhe dera a aliança de ouro,

ele lhe dissera que curtisse a vida. Agora compreendia o que ele quisera dizer. Nesse

momento, dava-se conta de que estava com suas metas bem estabelecidas, mas não estava

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curtindo a vida. E ela sabia que poderia fazê-lo, desde que fosse com divertimentos sadios.

Essa viagem de última hora despertara nela essa vontade, e estava gostando muito disso.

Aquela vitalidade interior que experimentava era maravilhosa, libertadora. E não havia nada

de errado com ela. Finalmente, estava sendo fiel aos próprios impulsos, para ser como Deus a

criara.

- Cris, como era mesmo aquele versículo?

A jovem passou a língua pelos lábios e amassou o saquinho vazio, fazendo uma bolinha.

- Que versiculo? 1 Pedro 4.8? Aquele que o Alex citou ontem?

- É; o que ele falava sobre amor?

- Ah, eu o li hoje de manhã e até o sublinhei na minha Biblia. Diz assim: “Acima de

tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de

pecados.”

- É isso ai, concordou Selena. “Tende amor intenso uns para com os outros.” Como foi

mesmo que o Alex disse? Ah, ele disse “muito forte”.

A garota parou, pensou uns instantes e depois continuou:

- Você é assim, Cris. Você ama os outros com um amor forte. Gosto dessa sua

qualidade e quero ser assim também.

A jovem ficou com o rosto vermelho.

- Sabe o que não entendo? interveio Marta. Como é que vocês se tornaram grandes

amigas, sendo que há uma diferença de idade entre as duas? Quando eu era da sua idade, Cris,

nunca pensaria em ter amizade com uma garota três anos mais nova que eu. Poderia até ter

um leve relacionamento com ela, mas nunca a consideraria uma amiga de verdade.

- Na realidade, retrucou Cris, a diferença entre nés é de dois anos. Mas parece que

somos quase da mesma idade.

- É porque sou muito madura pra minha idade, disse Selena em tom de brincadeira e

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engrossando a voz.

- É, já percebi isso, concordou Marta.

- Eu estava brincando, explicou Selena.

- Mas eu não. Vocês duas são mais conscientes de si mes mas e da vida do que eu era

quando jovem. É, mas tenho uma ressalva. Não concordo muito com esse fervor religioso de

vocês. Sou obrigada a reconhecer, porém, que, de algum modo, isso tem suas vantagens.

- Mas isso não é pra termos vantagens, tia, replicou Cris, é pra ser a nossa vida.

- Ah, Cristina, será que você não pode simplesmente aceitar um elogio sem tentar me

corrigir? Eu não estou censurando, não.

- Eu percebi isso, comentou Selena.

Marta e Cris olharam para a garota.

- É, repetiu ela. Percebi que você estava querendo era nos elogiar. Obrigada!

- De nada. Está vendo, Cristina? Essa é a maneira certa do receber uma palavra positiva.

- Eu também gostei do seu elogio, tia, disse Cris.

- Ótimo! exclamou Marta.

Aqui ela fez uma pausa e depois continuou:

- Bom, acho melhor a gente ir andando. Vamos a uma loja de roupas?

- Que tal a gente fazer um piquenique? propôs Selena.

- Ué! fez Marta. Foi o que acabamos de fazer!

- Nós pegamos um mapa naquela cabine de informações, explicou Cris. Eu e a Selena

estávamos pensando que seria muito legal se a gente pudesse fazer uma caminhada numa

montanha dessas e levar um lanche pra comer lá.

- Mas nós já estamos caminhando, retrucou Marta.

Ao que parecia, ela não entendia por que uma caminhada num morro era mais

interessante do que andar por aquelas ruas cheias de lojas.

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- Então amanhã? indagou Cris com um tom esperançoso.

- Você vai ter muito tempo para fazer caminhadas nessas montanhas se vier estudar

aqui, retrucou a tia, levantando-se e abrindo caminho entre a multidão que lotava a rua.

Cris atirou seu saquinho amassado numa lata de lixo próxima.

- Mas a Selena, não, insistiu ela.

- A Selena agora precisa é de um vestido, disse Marta em tom firme. Ainda não fomos

jantar num bom restaurante, e ela não vai poder entrar em um com esses shorts que tem.

As três passaram o resto da tarde realizando o desejo da tia de Cris - procurando boas

roupas para Selena. Como acabaram se afastando muito do hotel, resolveram retornar de táxi.

Ademais, estavam carregadas de sacolas de compras.

- Vou fazer uma reserva no restaurante para nós, para as 7:00h, anunciou Marta logo

que entraram no saguão. Assim vocês têm duas horas para descansar, tomar banho e se

aprontr. Selena, não vista a saia de “cigana”, não, viu? Ponha a preta!

- ‘Tá bom, tia, replicou a garota numa voz fanhosa, meio brincalhona.

Marta virou-se bruscamente e lhe dirigiu um olhar de reprovação. A garota

compreendeu que nunca mais deveria fazer esse tipo de brincadeira com ela.

As duas entraram no quarto e jogaram as compras sobre a cama.

- Você vai tomar banho agora? indagou Selena para a amiga.

- Estou querendo, respondeu Cris. Sabe o que aconteceu? Acho que meus braços

ficaram queimados de Sol. Dá pra acreditar numa coisa dessas?

- É, disse Selena. O Sol estava muito quente quando nos sentamos na frente da

confeitaria. Também estou sentindo que meu rosto queimou.

- É, queimou um pouquinho mesmo, comentou Cris, examinando o rosto da amiga.

Como e que você consegue isso?

- Isso, o quê?

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- Parece que está sempre limpa e arrumada. Nem precisa tomar banho. Seu cabelo esta

ótimo, e seu rosto, também.

- Oh, Cris, meu cabelo nunca esta ótimo, retrucou Selena, pegando algumas de suas

mechas “rebeldes”. Ele parece que tem vontade própria. Nunca fica do jeito que eu quero.

- É, mas o Alex bem que gostou dele, falou a jovem meio na gozação. Ah, dá uma

olhada pra ver se tem algum recado pra gente na secretária eletrônica.

- Parece até que você leu meu pensamento.

Cris entrou no banheiro e Selena foi tentar descobrir como funcionava o aparelho de

recepção de mensagens. Na gaveta da escrivaninha, havia uma folha de papel com instruções

em alemão, inglês, francês e italiano. Não conseguiu entender nem as esritas em inglês, pois

continha muitas palavras técnicas. Contudo resolveu tentar assim mesmo, e ficou apertando os

botões que viu ali. Afinal, apertou a tecla certa e ouviu a voz grave de Alex.

“Aqui é o Alexander, e quero deixar uma mensagem para ‘Salena’. Hoje vou ficar o dia

todo na casa de meu primo, ajudando-o a consertar o automóvel dele. Se vocês ainda não

fizeram nenhum plano para amanhã, gostaria de convidá-las para fazermos um piquenique.

Hoje à noite ligo de novo, e aí podemos combinar melhor. Tchau.”

Selena ouviu o clique do aparelho desligando e na mesma hora seu coração começou a

bater forte. Alex não se esquecera dela. Queria fazer um piquenique com ela no dia seguinte,

ou melhor, queria sair com ela e com Cris. Marta tinha de deixar. Sua esperança era que a tia

de Cris estivesse de bom humor na hora do jantar, no momento em que fosse pedir sua

permissão.

Entretanto, à noite, quando saíram para jantar, Selena não conseguiu definir como

estava o humor de Marta. As duas haviam se aprontado de acordo com as instruções da

mulher. Ambas estavam com roupas escuras, próprias para a noite. Elas tinham se arrumado

com muito cuidado, esmerando na maquiagem. Ao mesmo tempo, haviam conversado sobre o

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convite de Alex. Cris convenceu Selena de que era melhor deixar tudo com ela. Saberia

levantar o assunto com a tia da maneira mais adequada.

Marta estava com um belíssimo vestido preto. Usava um colar de pérolas e calçara um

sapato de saltos altos. Quando as três caminhavam pelo saguão para sair, a tia de Cris mais

parecia uma estrela de Hollywood participando da entrega do “Oscar”. À porta, um táxi já as

aguardava e conduziu-as a um restaurante muito bom; o melhor que Selena já vira. Era um

lugar pequeno com um ambiente aconchegante. A iluminação era toda em tons dourados.

Havia música ao vivo, com um trio de cordas. Os sons pareciam vibrar no teto pintado em

cores delicadas.

A garota notou que os clientes estavam muito bem vestidos, todos com roupas escuras.

Assim que se sentaram, ela se inclinou para Marta e, em voz suave, agradeceu-lhe pelas

roupas que lhe comprara. Em seguida, pediu-lhe que escolhesse os pratos por ela, já que, num

restaurante como aquele, confiava mais na tia de Cris do que na própria capacidade de

decisão. Marta ficou encantada.

O jantar constou de uma sopa de pepino fria, seguida de vitela assada, acompanhada de

cenouras anãs, que estavam dispostas no prato como um buquê, e um purê de batatas

fortemente temperado com alho. Ao final, vieram o café e a sobremesa. Selena achou que a

hora da sobremesa fosse o momento ideal para levantar o assunto do convite de Alex. As duas

garotas se deliciaram com uma maravilhosa torta de chocolate. Marta se limitou a tomar um

café expresso, servido numa xícara pequena que, pelo que ela explicou, chamava-se

demitasse.

Cris não disse nada sobre Alex. Então Selena teve de se controlar e esperar que a amiga

encontrasse o momento mais oportuno.

Afinal, terminaram o jantar e pegaram o táxi de volta para o hotel. A alt stadt achava-se

profusamente iluminada naquela noite, e havia muita gente caminhando em frente das lojas ou

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atravessando a ponte sobre o rio Reno. Marta pagou o taxista e subiu com as duas garotas.

Chegando ao andar, ainda no corredor, ela deu boa-noite para as duas.

- Ah, tia, disse Cris de repente, ainda não resolvemos o que vamos fazer amanhã.

Vamos lá para o nosso quarto pra conversarmos sobre isso.

- Estou pensando em irmos a escola de novo e conversarmos mais com o Sr. Pratt.

Amanhã é nosso último dia, replicou Marta. E no dia seguinte iremos embora.

- Ah! fez Cris novamente.

- Parece que nosso telefone esta tocando, interveio Selena, encostando o ouvido a porta.

Depressa, Cris, abre!

- Quem será que esta ligando pra vocês? quis saber Marta.

Selena entrou correndo e pegou o fone.

- Alô!

- É “Salena”?

Ouvindo Alex dizer o nome dela com aquele sotaque tão característico a garota se pôs a

sorrir.

- É ela, replicou.

- Aqui é o Alex.

- Sim, respondeu a garota, tentando reprimir o riso, já sei.

- Recebeu meu recado?

- Ahn, han!

Cris olhava para a amiga com uma expressão de indagação.

- Quem é? perguntou Marta.

- Você gostaria de sair comigo para fazer uma caminhada amanhã? perguntou o rapaz.

A garota fez uma pausa antes de responder.

- Gostaria, disse afinal, mas tenho de conversar com a Marta sobre isso.

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- Que tal eu falar com ela? Será que ajudaria?

- Ótima idéia!

Selena estendeu o fone para a tia de Cris.

- Para a senhora, disse, mordendo o lábio e dando um olhar meio de lado para Cris.

- Alô! Quem ée? indagou Marta. Ah, sei, Alex... O que é?... Amanhã? Sinto muito, mas

já temos outros planos.

Selena sentiu o coração apertado.

- É, sim. Vamos à escola de novo amanhã... Não, de manhã.

Marta ficou uns momentos em silêncio. Selena teve a sensação de que era o silêncio

mais longo do mundo todo.

- O.k., então... Obrigada. Boa-noite!

Ao ver a tia de Cris desligar, Selena teve vontade de dar um pulo e agarrar o fone. Logo

em seguida, porém, ouviu o clique do aparelho se desconectando, e sentiu um aperto na boca

do estômago. As duas garotas ficaram esperando de olhos fitos na tia.

- E então? indagaram juntas.

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Capítulo Treze

Marta olhou para as duas com as mãos na cintura.

- Vocês combinaram isso? indagou ela.

- Não, responderam em uníssono.

- Quer dizer que foi o Alex que decidiu ligar e convidar as duas para fazerem um

piquenique?

- Foi.

- A bem da verdade, ele já havia ligado antes, explicou Selena. Ele telefonou à tarde,

quando estávamos na rua. E deixou um recado dizendo que ligaria à noite. Então, de certa

forma, nós sabíamos que ele iria nos convidar, mas ainda não tínhamos conversado com ele

hoje.

- Por que não me contaram que ele já havia telefonado antes? quis saber Marta.

- Porque estávamos com medo de você, soltou Selena.

A tia de Cris deixou escapar uma gargalhada.

- Com medo de mim? Por quê?

- Nós estávamos com vontade de passear com ele, explicou Cris. Mas achamos que você

não iria deixar, a não ser que estivesse de muito bom humor.

Marta sentou-se na cadeira da escrivaninha.

- É essa a idéia que fazem de mim?

- É, principiou Selena, a gente percebe que você não morre de amores peloAlex.

A garota havia perdido totalmente as esperanças de rever o rapaz. A tia de Cris

conversara com ele de forma tão fria que prevavelmente destruíra todas as possibilidades de

se encontrar de novo com ele.

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- Pois a imagem que fazem de mim vai mudar, disse Marta, batendo a palma da mão

sobre o tampo da mesa. Amanhã, às 8:00h vamos tomar o café lá embaixo. Às 9:00h, o Alex

virá nos pegar para nos levar à escola. Depois que terminarmos a conversa lá, ele vai me

deixar numa cidadezinha próxima da escola, onde está havendo um festival de arte. Em

seguida, irá levar as duas para um passeio, onde farão um piquenique.

Selena sentiu o coração dançar de alegria.

- Maravilhoso! exclamou. Muito obrigada, Marta!

- Estão vendo? Eu não sou essa velha “desmancha-prazeres” que vocês pensavam.

Agora vão deitar. Amanhã vamos ter um dia muito agitado.

A mulher se levantou e, com um rápido giro do corpo, saiu. Selena se pôs a dançar pelo

quarto.

- Não acredito! dizia empolgada. Afinal, sua tia ainda tem um pouco de bondade na

alma. Vai ser maravilhoso! Vamos fazer um piquenique na colina! Vai ser super-romântico!

- Comigo por perto, interveio Cris, não sei não... Mas que bom que deu tudo certo!

- Ah, é... disse Selena em tom irônico e pegando um travesseiro para jogar na amiga.

Mas não foi graças a você, não, viu? Quando é que você iria mencionar a questão para ela,

hein? Na hora em que já estivéssemos no avião de volta?

- Claro que não! replicou a jovem, abaixando a cabeça para fugir da almofada que vinha

em sua direção. Eu estava com medo, como você falou. Nunca confessei isso antes, mas

minha tia às vezes me dá medo. Gosto do seu jeito. Você vai direto ao ponto e fala tudo com

muita sinceridade. Pra mim, é muito difícil agir assim.

- É, mas por causa disso estou sempre criando problemas pra mim.

- Pode ser, mas hoje não criou.

- Cris, disse Selena, deitando-se de bruços na cama, você acha certo eu ficar tão

empolgada só porque vou ver o Alex?

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- Claro, respondeu Cris. Você ainda pergunta?

- É porque normalmente eu não fico assim tão entusiasmada quando vou me encontrar

com um cara. Isso é estranho pra mim. Quero dizer, esse meu relacionamento com ele não vai

dar em nada. Vamos nos encontrar amanhã, mas depois disso, nunca mais.

- Espere aí um pouquinho. Volto já.

Cris tirou os sapatos, pegou o pijama e foi para o banheiro. Enquanto ela estava lá,

Selena deixou o pensamento voar livremente. Quando a amiga retornou, Selena indagou:

- Alguma vez você ja saiu com um rapaz, e depois nunca mais? Quero dizer, você teve

algum “Alex” na sua vida?

- Mais ou menos, respondeu Cris, ajeitando o travesseiro e acomodando-se na cama.

Certa vez, trabalhei como conselheira num acampamento e ali conheci um rapaz chamado

Jason. Ele me convidou pra sair com ele uma noite. Ele não me disse exatamente aonde

iríamos, só falou que era pra irmos ao cinema. Eu fui. Mas assim que saimos do

acampamento, ele pegou minha mão e disse que ia me ensinar a remar.

Selena soltou um assobio.

- Essa cantada é bem original! exclamou. E você gostou dele?

- Gostei, mais ou menos, acho. Hoje não entendo como posso ter gostado dele, mas

tenho certeza de que fiquei muito empolgada. Mas, pensando bem, não sei se eu gostava do

Jason ou das atenções que ele me dava.

Selena sentiu sua empolgação esfriar subitamente. E se ela também estivesse interessada

apenas nas atenções de Alex? No início das férias, ela ja passara por uma experiência

semelhante com Drake, um colega da escola. Eles tiveram apenas um encontro, e depois

disso, Selena chegara a conclusão de que o que ela apreciava mesmo era ofato de um rapaz

pedir para sair com ela, e não as saídas com ele. Além disso, era muito complicado definir

com exatidão o que era aquele relacionamento, principalmente quando tinha de explicá-lo

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para as amigas. Entretanto Cris não parecia ter nenhum problema com relação à amizade de

Selena com Alex. Quando Drake entrara na vida da garota, acontecera algo estranho. Todas as

suas amizades ficaram meio abaladas. Agora, porém, sua amizade com Cris não ficara nem

um pouco prejudicada por causa da presença de Alex.

- Não estou dizendo que me arrependi de ter ido passear no lago com Jason, prosseguiu

Cris. Foi muito lindo quando a lua saiu e o luar brilhou na água. Jason havia arrumado a

canoa. Trouxera umas flores e uma vela. E tinha trazido também alguns biscoitos que

guardara do lanche no acampamento. Ele foi até muito gentil.

- Vocês tinham pedido permissão pra sair do alojamento? quis saber Selena.

- Não, respondeu a jovem. E sempre senti um pouco de remorso por isso. Não foi certo

a gente sair às escondidas. Ninguém ficou sabendo, mas mesmo assim foi errado. Perder o

culto principal era contra o regulamento, e a gente poderia ter tido muito problema por isso.

Durante um bom tempo, fiquei bem incomodada com o que fizemos. Afinal, um dia, pedi

perdão a Deus e depois escrevi uma carta para o diretor do acampamento e confessei tudo. Ele

me mandou uma carta muito legal, mas até hoje fico um pouco incomodada por ter quebrado

o regulamento.

Nesse momento, Selena ficou satisfeita de não ter saído às escondidas para se encontrar

com Alex. E ela nem precisara fazer isso, pois tudo estava se arranjando direitinho. Contudo

entendeu bem o que Cris sentia. Ela também teria ficado incomodada por muito tempo, se o

tivesse feito.

- Agora vou fazer uma pergunta muito importante; posso?

- Quer saber se ele me ensinou a remar? É, pra falar a verdade, ensinou sim.

- Não, replicou Selena rindo, você sabe muito bem que não era isso que eu ia perguntar!

Cris também se pôs a sorrir.

- Se ele me beijou?

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- Beijou?

- Não, respondeu Cris, olhando para o teto e pondo os dois braços embaixo da cabeça.

Eu me lembro do meu nervosismo. Achei que ele iria me beijar, mas aí ele estendeu o braço e

passou a mão de leve em meu rosto. Mas o fez porque eu estava com umas migalhas de

biscoito na pele. Ele deve ter me achado uma boba!

- Não! exclamou Selena. Tenho certeza de que não foi isso que ele pensou.

Cris virou-se de lado, apoiou o cotovelo na cama e encostou a cabeça na mão.

- Sabe o que eu acho? continuou ela. Muitos dos acontecimentos da vida não são nada

daquilo que a gente pensa deles. Esse passeio de canoa, por exemplo. O mais importante nele

não foi o Jason, nem o nosso relacionamento, nem se nos beijamos ou não. Do que mais me

lembro daquela noite - além da lua cheia, enorme, maravilhosa, e do jelto como ela surgiu por

trás do morro - foi que ele me perguntou qual era meu grande sonho. Pra mim, aquela noite

foi apenas isso.

A jovem sentou-se na cama e encarou fixamente a amiga.

- Jason me perguntou: “Qual é o seu grande sonho?” e eu lhe disse algo que nunca havia

dito pra ninguém.

Selena também se levantou e esperou que a amiga continuasse, sentindo-se muito

honrada de ela lhe contar seu grande segredo.

- Puxa! exclamou Cris empolgada, subitamente se dando conta de outro fato: Fazia

tempo que eu não pensava nisso. Eu lhe disse que meu sonho era ir à Europa. Expliquei que

gostaria de visitar um castelo antigo de verdade e dar um passeio de gôndola em Veneza.

- Foi isso que você falou?

Cris fez que sim.

- Não é sensacional?! Eu nem imaginava que viria à Europa duas vezes, no mesmo ano,

e que até iria me hospedar num castelo, como aconteceu quando fomos à Inglaterra.

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- É, comentou Selena, então acho que só falta o passeio de gôndola.

Em seguida, ela pensou algo e deu um amplo sorriso para a amiga, sentindo a pele

queimada de sol esticar-se um pouco.

- Interessante que você tenha se lembrado desse seu sonho de vir à Europa justamente

hoje, quando tem de decidir se vai ou não estudar nessa escola. Parece coisa de Deus!

A jovem acenou afirmativamente com uma atitude séria.

- É mesmo. Talvez Deus já venha me preparando há muito tempo pra estudar nessa

escola, e afinal não é apenas um capricho meu.

As duas permaneceram uns instantes em silêncio, sentindo-se bem na companhia uma

da outra. Afinal, Selena indagou:

- Você acha que seu relacionamento com Jason teve mais a ver com seu sonho do que

com a probabilidade de começarem uma amizade ali?

- É. Mais ou menos isso, replicou Cris, falando devagar. O que era para ter acontecido

naquele dia era isso mesmo: eu ter coragem de abrir o coração e falar-lhe de meu sonho. Pra

ser sincera, agora não me importaria muito se nós nos tivéssemos beijado. Desde que fosse

um beijo leve. Se houvéssemos ido mais longe, você sabe, aí sim, teria tido importância. É

que aí eu teria dado a ele um pouco de minha paixão. E quero reservar toda ela para um

homem só.

- O Ted, interveio Selena.

- Para o homem com quem vou me casar, seja ele quem for. Eu não dei minha paixão,

nem nada do meu ser mais íntimo para o Ted, nem pra qualquer outro rapaz. É verdade que já

beijei alguns caras, mas pra mim, um beijinho leve e rápido é muito diferente de um abraço

apaixonado, prolongado, de um beijo dado com toda a alma. Sabe do que estou falando?

- Por experiência própria, não. Mas tenho uma idéia do que quer dizer. É, mas eu nunca

pensei nisso dessa maneira. Sempre achei que o ideal é não dar nenhum beijo antes do dia do

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casamento, como o Douglas e a Trícia.

- Aquilo foi certo pra eles, disse Cris. O Douglas é um rapaz muito carinhoso e

afetuoso. Você sabe como ele gosta de abraçar todo mundo, né? Acho que pra ele seria muito

difícil dar um beijinho leve e rápido na namorada. Creio que ele também sabia disso. Então

estabeleceu um padrão bem elevado para o namoro, e conseguiu cumprí-lo. Eu o admiro

muito por isso.

- Ah, você esta querendo dizer então que o padrão que você e o Ted estabeleceram é

diferente, mas pra vocês ele é o mais certo? indagou Selena, tentando compreender bem a

questão.

- É, replicou Cris. É isso. Eu e o Ted estabelecemos um limite pra nós: só beijinhos

leves. E nós nos abraçamos e andamos de mãos dadas também. Mas é só isso. E pra mim vai

ser só isso até eu me casar, seja com quem for que eu me case. Certa vez o Ted me disse que

quer me dedicar sua afeição, mas não sua paixão. Pra mim está certo, e esse é o meu limite

também. Agora, afeição pra noós pode ser beijos rápidos. Pra outra pessoa, isso aí já pode ser

uma tentação.

Selena estava bebendo as palavras da amiga. Sabia que o que ela estava dizendo era

muito sensato. Naquele momento, lembrou-se de Amy, sua amiga e colega de escola. Amy

havia dito a ela que saíra pela primeira vez com um rapaz que conhecera no trabalho. Ela lhe

contara, toda orgulhosa, que os dois tinham ficado um tempão no carro dele se beijando e

trocando carícias. Quando retomasse da viagem, ela iria ter uma longa conversa com Amy.

Queria compartilhar com ela algumas das idéias que Cris acabara de lhe passar. Era bem

melhor conversar com a colega do que se por a condená-la, que fora sua primeira reação.

Aliás, quando fizera isso, Amy ficara muito irritada e caíra na defensiva. E parecia que essa

sua atitude havia afetado profundamente a amizade delas. Agora Selena estava decidida a

acertar tudo com a amiga.

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- Agradeço muito você ter comentado tudo isso comigo, disse ela sorrindo para Cris. É

bom conversar com alguém que já passou por essas experiências e já está com tudo bem

definido na cabeça.

Cris riu.

- E eu gostaria de estar com os outros aspectos da minha vida também definidos na

cabeça. Também estou achando muito bom falar-lhe sobre essas questões. É que você me

ajuda muito com algumas coisas que diz, principalmente com relação a minha tia. Vou ser

sincera. Eu achava que íamos ter muitos problemas nesta viagem.

- Eu também tinha minhas dúvidas, comentou Selena, começando a preparar-se para se

deitar.

- Mas está indo bem melhor do que eu pensava, disse Cris, entrando debaixo das

cobertas.

- É, mas ainda tem amanhã, interveio Selena, brincando.

A garota apagou a luz.

- Vai ser mais um dia e, de repente, pode haver alguma estante de cartões bem no meu

caminho pra eu derrubar.

Cris se pôs a rir.

- Puxa, parece mentira que aquilo aconteceu!

Selena também deu risada.

- É; mas, na Floresta Negra, os espaços são bem amplos. Não vamos ter nenhum

acidente desse tipo. Pensando bem, sei lá. Acho que posso “atropelar” uma vaca ou algo

assim.

Cris continuou a rir. E as duas ficaram cochichando e rindo como garotinhas de dez

anos, até ficarem sonolentas. Afinal Selena caiu no sono. E nunca dormiu tão bem quanto

naquela noite.

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Capítulo Quatorze

No dia seguinte, quando se dirigiam para a Escola Popular da Floresta Negra, viram

gotas de chuva no pára-brisa do carro de Alex. À frente, no alto das colinas verdes, via-se

uma neblina leve. Selena teve de se esforçar para não começar a ter medo de que tivessem de

cancelar o passeio.

E parece que Alex “leu” seu pensamento.

- Isso é só o orvalho, explicou ele, ligando o limpador. Esse chuvisco vai parar antes de

sairmos para caminhar.

- Se não parar, interveio Marta, vocês devem ir ao festival de arte comigo. Alex disse

que é o mais importante desta região.

- Mas vai parar, insistiu o rapaz.

Chegaram à escola Á hora marcada. Cris e Marta foram conversar com o Sr. Pratt no

gabinete dele. Selena e Alex se sentaram num sofazinho que havia em um canto do saguão de

entrada. Imediatamente a garota gostou do ambiente, que lhe pareceu bastante romântico. O

assoalho era de tábua corrida e estava muito bem encerado. Nele, se refletia um enorme

candelabro suspenso no teto arredondado. A luminária lembrava uma rvore seca que alguém

tivesse cortado pelo meio, pintado comm tinta bronze e afixado ali de cabeça para baixo. Na

ponta dos seus “galhos”, tremeluziam dezenas de velas. À esquerda, havia uma porta de folha

dupla. No centro de cada folha, havia um recorte em forma oval, onde estava um mosaico de

vidro biselado. A claridade penetrava por ele, indo formar desenhos rendados no chão.

Tudo que eles falavam ecoava pelo aposento. Então os dais abaixaram a voz, pondo-se a

conversar em cochichos.

- Temos muitos assuntos para conversar, disse Alex com sua voz grave retumbando no

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salão.

- Você vai me perguntar sobre meu sonho? indagou Selena sorrindo.

O rapaz franziu a testa.

- Seu sonho? perguntou ele.

- Deixa pra lá, replicou a garota. Sobre o quê você desaja conversar?

Selena notou que nesse dia o cabelo do rapaz estava ainda mais rebelde do que de

costume. Em vez de estar todo penteado para trás com apenas uma mecha caindo na testa,

todo ele estava caindo para a frente. Lembrava-lhe um esquiador que houvesse acabado de

descer a rampa de neve e tirado o gorro na chegada. Gostava daquela aparência esportiva dele.

- O que vai fazer quando voltar desta viagem? indagou o rapaz.

- Sei lá, respondeu ela.

Tinha muitas idéias na cabeça, mas voltar para casa era algo em que não estava

pensando naquele momento.

- Acho que vou fazer umas horas extras e começar a me preparar para o início das aulas,

falou afinal.

- Esta no último ano?

Ela fez que sim.

- Este ano eu me formo.

- E o que vai fazer depois? quis saber ele.

- Depois que me formar? É isso que perguntou?

- É. O que vai fazer depois?

Selena deu de ombros.

- Fazer faculdade em algum lugar. Ainda não sei onde vou estudar.

- Um americano conhecido meu me disse, continuou Alex, que vocês têm de começar a

cuidar dessas questões bem cedo porque, dependendo do caso, é muito difícil entrar para a

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universidade.

- É mesmo. Em algumas, é sim. Mas eu ainda preciso pensar mais nesse assunto.

O rapaz acenou concordando.

- Pensar mais e orar mais, né? É isso?

Ele estava a alguns centímetros de distância da garota. Pusera o braço atrás, sobre o

encosto do assento. Não estava tocando nela, mas era quase como se estivesse, pois se achava

muito perto e com a atenção toda concentrada nela. Nesse momento, ele se remexeu

ligeiramente para se ajeitar e esbarrou a mão no ombro de Selena.

Passe o braço em meu ombro e me puxe pra mais perto de você, Alex, pensou ela.

Gostaria muito que você fizesse isso.

A própria Selena se espantou com seu pensamento, mas era muito natural que isso lhe

ocorresse. Lembrou-se do que Cris lhe dissera na noite anterior e perguntou a si mesma se o

que estava sentindo era paixão ou afeição. Ou quem sabe a afeição já é o começo da paixão?

indagou a si mesma. Em seguida, sobreveio-lhe outra idéia complicada. E se eu for uma

daquelas pessoas que não conseguem se controlar e expressar apenas afeição? E se eu, de

repente, ficar dominada pela paixão? Será que foi o que aconteceu com Amy no dia em que

saiu com o Nathan?

Fez um esforço consciente para voltar a concentrar-se na conversa.

- Ah, é, tenho de orar muito a respeito do meu futuro, disse. Você tem razão. Preciso

orar bastante e começar logo a fazer meus planos. Estas férias passaram muito depressa... Mas

e você? Quando ficará sabendo se vai entrar pra universidade?

- Bem, vou embora dentro de quinze dias e, quando chegar em casa, é possível que a

resposta já esteja me esperando.

O rapaz sorriu de leve, fazendo realçar as “maças” do rosto.

- Você não imagina como eu me sentia seis meses atrás, prosseguiu ele. Não estava

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comendo nem dormindo direito de preocupação, com medo de não ser aceito na universidade.

Agora, porém, mudei por completo.

Selena não entendeu perfeitamente o que ele quisera dizer.

- Quer dizer que não está mais preocupado se vai ou não entrar na faculdade?

- É...replicou Alex em tom pensativo, a preocupação... Mudei totalmente de idéia sobre

a preocupação. Sabia que a palavra “preocupação” em alemão tem o mesmo sentido que

“estrangular”?

- É mesmo?

O rapaz ergueu as duas mãos e colocou-as em volta do pescoço, fazendo o gesto do

estrangulamento. Selena deu uma risadinha. O som do seu riso retumbou no teto do saguão.

- Sua gargalhada parece ter uma melodia própria. Estou começando a conhecer essa

música e sinto que ela me transmite uma sensação agradável, comentou ele, estendendo o

braço e pegando a mão de Selena.

A garota teve a impressão de que seu coração ia parar.

- Sabe que existem muitos sons musicais à nossa volta? comentou ele, acariciando de

leve o dorso da mão dela. Até mesmo no toque de duas pessoas amigas. Sssssiu! Escute! Está

ouvindo a musica que “brota” de nossas mãos?

Selena teve de reconhecer que de fato ouvira algo, mas era mais um som de tambor

ressoando em seus ouvidos. Acreditava que fosse o seu coração, mas talvez fosse uma música

mesmo, uma melodia com a qual ela ainda não estava familiarizada. Sorriu para o rapaz e

disse:

- O que você está ouvindo?

Alex fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás, encostando-a na parede, que era

recoberta de lambris. Parecia que aquele cantinho do aposento era só deles. O rapaz respirou

fundo e deu um aperto de leve na mão de Selena.

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- Estou ouvindo o borbulhar das águas de um rio correndo entre pedregulhos e descendo

para o mar, respondeu, acrescentando em voz bem suave: “Salena”, existe um rio dentro de

você. É uma garota típica das montanhas, e não do deserto!

Selena sentiu-se calma e relaxada. Experimentava uma agradável sensação de conforto

segurando a mão dele e ouvindo aquelas palavras poéticas. Abaixou a cabeça e olhou para as

mãos unidas e apoiadas no colo dela. Um pouco acima delas, avistou a mancha de mostarda

na calça.

Acho que nunca mais vou lavar esta calça, pensou.

- O que você esta escutando? indagou Alex, abrindo os olhos.

A garota cerrou os olhos e inclinou a cabeça para trás. Por uns instantes, o aposento

ficou em completo silêncio.

- Não sei, respondeu.

Jamais saberia dizer algo poético como o que o rapaz dissera.

- Escute bem, insistiu ele, sussurrando baixinho.

O toque da mão dele na dela era levíssimo. A garota esforçou-se para escutar, mas não

ouviu nada poético.

- Estou me sentindo muito feliz! disse ela afinal.

- Feliz, repetiu Alex. Não é sempre que a gente se sente assim, principalmente no lugar

onde moro. Mas você não está sufocada de preocupação, e isso é ótimo.

Naquele instante, ouviram vozes no fim do corredor. Obviamente Marta, Cris e o Sr.

Pratt estavam voltando. Selena queria que aqueles momentos a sós com Alex não acabassem

nunca. Pensou se deveria soltar a mão dele, ou se ele soltaria a dela. O rapaz se levantou,

puxando-a também para se erguer. Contudo não o fez com movimentos rápidos, como se

quisesse evitar que os outros os vissem. Foi largando a mão dela devagar.

- E ai? perguntou Selena a Cris. O que resolveu sobre a esccola?

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A jovem olhou para o diretor e em seguida para a tia. Como nenhum dos dois disse

nada, ela falou:

- Liguei para meus pais e conversei com eles sobre tudo.

- E...?

Com um lento aceno de cabeça, Cris fez que sim.

- Vou vir estudar aqui, disse. Assumi o compromisso de fazer o curso de um ano.

- Não é sensacional? indagou Marta. Estudar na Europa vai ser ótimo para Cris.

Concorda, Selena?

A garota olhou para a amiga, procurando ver a expressão de seu rosto. Ela parecia feliz

e em paz com a decisão tomada.

- Maravilhoso! exclamou Selena. Acho que você vai ter experi rncias incríveis aqui.

A jovem fez que sim.

- Só estou preocupada com alguns detalhes, comentou, mas creio que tudo vai se

resolver.

- Não se preocupe! interveio Alex, fazendo novamente o gesto de estrangulamento. A

preocupação mata!

Cris fitou Selena como que pedindo uma explanação.

- Lá no piquenique a gente explica.

Uma hora depois, os três estavam subindo por uma estradinha de terra, na encosta de

um morro, tendo Alex à frente. Marta parecera estar satisfeita com a idéia de passar a tarde no

festival de arte. Despedira-se deles com boa disposição e pedira que voltassem no máximo daí

a duas horas.

- Está vendo como eu tinha razão sobre o tempo? indagou Alex, fazendo uma parada

para contemplarem a paisagem.

O céu estava muito azul, mas cedia espaço também a algumas nuvens volumosas que se

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moviam sonolentamente. Ao redor deles, um imenso tapete de grama verdinha cobria o

terreno acidentado. Em um lado da estrada, via-se um emaranhado de arbustos, com uma

frutinha silvestre, muito bem protegida por galhos cheios de espinhos.

No caminho, eles haviam passado por algumas vacas que pastavam. Todas elas traziam

ao pescoço um enorme cincerro que, ao movimento dos animais, “tocavam” uma música

diferente. Cris comentou que achava aquelas vacas mais “engraçadinhas” do que as que havia

em sua terra. Alex achou graça. Então ela explicou que tinha muita autoridade para falar sobre

gado, pois era originária de Wisconsin, um estado com um grande rebanho leiteiro. Disse

ainda que seu pai fora pecuarista e que, até aos 15 anos, ela morara no interior e vira muita

vaca.

Selena respirou fundo.

- O ar aqui é tão gostoso! Adoro esta vista! exclamou. Que bom que deu pra gente vir,

né? Fazer caminhada é meu passatempo predileto. Acho que subir um morro assim e ficar

acima do resto do mundo faz bem ao meu espírito, concluiu com um ar de felicidade.

- Também acho aqui maravilhoso, disse Cris. E fica tão perto da escola. Nem acredito

que vou poder vir neste lugar sempre que quiser. Isto aqui e lindíssimo!

- Onde é que vamos fazer o piquenique? quis saber Alex.

- Aqui mesmo, sugeriu Selena. A vista é belíssima!

- Então vamos parar.

Alex deu alguns passos pelo gramado adentro, seguido das duas garotas. Os três

pegaram cada um a sua mochila e as abriram, mostrando sua contribuição para o lanche.

- Espero que não estejam com muita fome, comentou Alex. Eu não trouxe muita coisa,

nem é nada especial.

- Não se preocupe, não, interveio Selena. Estamos mais interessadas é no passeio, e não

na comida. O lanche é apenas um “bônus”.

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- Um “bônus”? repetiu o rapaz.

- É, um brinde extra, explicou ela, procurando definir a palavra que aparentemente ele

não conhecia. Além disso, eu e a Cris também trouxemos algo.

- Dois tabletes de chocolate, disse a jovem, tirando-os da bolsa e colocando-os a frente

deles.

- E eu trouxe uma laranja que sobrou do café da manhã, falou Selena.

- Então aqui temos algo para beber, principiou Alex, e eu trouxe um pão e um queijo.

Em seguida, o rapaz pegou um canivete, cortou um pedaço do queijo redondo que tinha

na mão e estendeu-o para Selena na própria lamina. Depois, ele tirou outra fatia para Cris e a

ofereceu à jovem.

- Humm! É quase um banquete! exclamou ela, pegando o pedaço do queijo. Agora me

contem que negócio era aquele de estrangular, que vocês mencionaram lá na escola? Comecei

até a ficar com medo.

- O Alex fez aquele gesto quando você falou que estava preocupada, explicou Selena.

Ela partiu um pedaço do pão que Alex deixara sobre a mochila e contou que o rapaz

estivera tenso com a questão de entrar para a universidade. Então concluiu:

- Mas depois ele entendeu que a gente não deve ficar apreensivo com nada, pois a

preocupação nos “estrangula”.

- ‘Tá certo. E é claro que não quero passar o resto da vida “estrangulada”, comentou

Cris, pegando a outra ponta do pão.

Como estava com uma das mãos ocupadas, não conseguiu tirar um pedaço dele. Então

Alex segurou-o e, com a ajuda dele, Cris pôde quebrar a ponta. Selena correu os olhos ao

redor. O dia estava maravilhoso.

- Gente, não parece que estamos dentro de um quadro pintado? disse.

A brisa soprava em seu cabelo, erguendo algumas mechas mais leves, e tocou em seu

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rosto como que a brincar com ela.

- Cris, quando você estiver estudando nessa escola e quiser um lugar pra meditar, deve

vir aqui. É tão lindo!

- É mesmo, concordou a jovem, também correndo os olhos pela paisagem. Já estou até

me sentindo empolgada de vir estudar aqui. Jaá imaginou como isso deve ficar lindo no

inverno? Depois que mudei de Wisconsin para a Caifórnia, quase não vi neve. Agora, este

ano, vou passar um Natal com neve.

- Alex deitou-se de lado, apoiando o cotovelo no chão. E ali, estirado na grama, parecia

perfeitamente tranquilo, sem nenhuma preocupação na vida.

- E eu não sei o que é Natal sem neve, disse. Mas prefiro muuio mais esse Sol quente.

Ele estendeu o braço e tocou no rosto de Selena com a ponta dos dedos.

- Gosto muito do jeito como o Sol aquece sua pele.

Em seguida, o rapaz partiu outro pedaço de pão. Selena fechou os olhos e procurou

escutar atentamente. O que fora aquilo? Ouvira algo. Talvez fosse o tinido distante dos

cincerros das vacas ou, quem sabe, o trinado dos pássaros nas árvores. Fosse o que fosse, o

certo é que no momento em que Alex tocara seu rosto, sem dúvida nenhuma, escutara uma

melodia.

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Capítulo Quinze

- Não foi só um piquenique gostoso, explicou Selena para Marta quando voltavam para

o hotel. Pra mim, foi uma experiência espiritual.

A tia de Cris soltou uma gargalhada zombeteira.

- Sabe o que mais, Selena, replicou a mulher, acho que, se você e minha sobrinha forem

lavar a cabeça, vão dizer que é uma experiência religiosa. Gente, vocês não podem ficar tão

enfronhadas assim em meditações celestes. Assim não serão de nenhuma valia aqui na Terra.

Selena deu uma olhada para Cris, que lhe fez um sinal silencioso de que não

respondesse nada. No momento em que buscaram Marta no festival de arte, a garota

percebera que ela estava com os movimentos um pouco incertos. Ao que parecia, naquele

festival havia uma mesa para degustação de vinhos, e a mulher fizera bom proveito dela. E

pelo jeito como pronunciara a palavra “experiência”, arrastando um pouco na fala, Selena teve

certeza de que ela abusara mesmo da bebida.

- O que vão fazer hoje à noite? indagou Alex.

- Temos de arrumar as malas, interpôs Marta. A Cris e a Selena não vão poder sair para

jantar, porque já temos outros planos.

- Entãao posso vir pegá-las para levá-las a estação amanhã?

- Claro, pode, replicou Marta. Temos de sair do hotel às 7:00h. Você virá nos buscar?

- Virei, disse o rapaz. Estarei aqui às 7:00h.

Instantes depois, paravam em frente do hotel. Nesse momento, grossas gotas de chuva

começaram a bater no pára-brisa.

- Humm, na hora certa, disse Marta. E agora vocês vão dizer que o fato de a chuva

descer depois de terem voltado do piquenique também foi algo espiritual.

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Nenhum deles disse nada. Alex saiu do veículo, deu a volta e abriu a porta para Marta.

Selena e Cris também saíram e correram para debaixo do toldo. A chuva era tão pesada, que o

barulho lembrava uma saraivada de balas.

- Está chovendo pra valer! exclamou Selena.

- Alex, disse Cris, mais uma vez, obrigada por tudo. Então amanhã cedo a gente se vê

de novo.

- Isso, replicou o rapaz. Às sete. Eu virei.

Ele se voltou para Selena e lhe dirigiu um sorriso carinhoso. Os dois se olharam por

alguns instantes em silêncio. Em seguida, Alex se aproximou da garota, passou os braços em

torno dela e envolveu-a num abraço. Como ela não estava esperando aquele gesto, ficou

parada alguns segundos, mas afinal correspondeu e o abraçou também. A seguir, ele se

afastou, mas ao fazê-lo passou o queixo pelo cabelo dela.

- Tschuss! disse ele.

Selena não entendeu a palavra, mas achou que ele devia estar dizendo “Tchau” em

alemão ou em francês, ou talvez fazendo uma mistura das duas línguas.

- Tchau! respondeu. Amanhã então a gente se vê.

O rapaz se virou e correu para o carro. A chuva estava grossa e fazia tanto barulho que

parecia que o toldo iria desabar. De repente, um relâmpago iluminou o céu, seguido

imediatamente de uma trovoada forte.

- Depressa, gente! gritou Marta para as duas garotas. Vamos entrar.

A tia de Cris parecia estar em pânico. No momento em que Selena destrancava a porta

do quarto, houve outro relâmpago. As luzes do corredor piscaram. Três segundos depois, veio

o trovão.

- Isso é péssimo! exclamou Marta, entrando no quarto das garotas junto com elas. Não

liguem a televisao nem se aproximem da janela.

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- Onde eu morava, na região montanhosa, comentou Selena, era comum haver

tempestades fortes assim. Esta deve ser mais estrondosa do que as chuvas da região praiana

onde vocês moram, não é?

Marta parecia bastante inquieta. Tirou o sapato e se acomodou na cama de Selena.

- Pois é, disse ela, abanando acabeça, agora eu queria que o Robert estivesse aqui.

Selena se deu conta de que era a primeira vez, durante a viagem, que a mulher

mencionava o marido.

- Por que ele não veio? indagou a garota.

- Ora, por causa do rosto dele, explicou Marta de forma áspera.

Imediatamente, porém, ela percebeu que fora meio indelicada e acrescentou:

- Quero dizer, a cicatriz ainda não se secou completamente, e acho que ele não deve

viajar enquanto não fizer a cirurgia plástica. Ele esta com uma aparência horrível. Você sabe,

já que o viu. Vocês duas o viram. Acham que ele deveria viajar?

Selena compreendeu que Marta estava meio alterada por causa do vinho. Em seu estado

normal, ela não iria falar do marido de forma tão insensível. Será que a tia de Cris era tão

obcecada com a aparência a ponto de sentir vergonha de Bob? Fazia apenas cinco meses que

ele sofrera o acidente, ficando com o rosto, o pescoço e a orelha queimados. A garota não

entendia muito de queimaduras, mas tinha a impressão de que ainda iria demorar um bocado

para o Bob estar com uma aparência apresentável, aos olhos de Marta.

- E aí gente? Vocês acham que ele deveria viajar? repetiu Marta, querendo uma

resposta.

- Acho que vai depender do que os médicos disserem, respondeu Cris afinal.

- Ah! fez Marta. Os médicos não sabem nada! Disseram que iam salvar minha filha; e

não salvaram. Disseram que iam me curar; e não curaram. Como é que posso acreditar que

vão corrigir o problema facial do meu marido?

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Selena dirigiu um olhar cauteloso para a amiga, que se achava sentada na beirada da

cama. Cris, como Selena, parecia admirda de a tia haver mencionado a filhinha dela com tanta

tranquilidade. O grande segredo viera à tona!

Outro relâmpago brilhou no céu, seguido do ribombar do trovão. As três tiveram um

sobressalto. Selena sentou-se na beirada de sua cama, de frente para Marta. Compreendeu

que, se quisesse bancar a detetive e desvendar o mistério da tia de Cris, a hora era agora.

- O que foi que aconteceu com sua filha? indagou, procurando dar à voz um tom bem

natural.

Marta piscou várias vezes seguidas.

- Você já sabe sobre a Johanna?

- Eu sei, respondeu Cris, sentando-se na cama da amiga.

Agora as três formavam um pequeno círculo.

- Mamãe me contou, uns anos atrás. Fiquei muito sentida de ela ter morrido, tia. Mas eu

gostaria que a senhora tivesse me contado.

- De que adiantaria?

- Isso me ajudaria a conhecê-la melhor, disse a jovem.

- Ah! exclamou Marta, dando uma risada. Tem um bocado de fatos que você não sabe a

meu respeito. Nunca fui igual a você, toda doce e de coração aberto. Tinha uma porção de

segredos, que quase ninguém sabia.

- Se não quiser, não precisa nos contar nada, interpôs Cris, num tom de voz cheio de

compaixão.

Marta respirou fundo.

- Não; acho que você já tem idade para saber. Eu tinha resolvido mesmo que um dia iria

lhe contar. Acho que hoje está bom. A sua mãe sabe, mas pedi a ela para não lhe dizer nada,

porque achei que eu própria devia lhe revelar tudo.

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Selena se sentiu um pouco incomodada. Antes tivera a impressão de que estava

encarregada da importante missão de fazer com que Marta se abrisse com elas. Agora, porém,

que ela estava prestes a fazer exatamente isso, parecia que ela deveria conversar apenas com

Cris. Sentia que estava sobrando ali.

- Quer que eu vá para o seu quarto pra você conversar mais à vontade com Cris?

perguntou.

Outro relampago clareou o ambiente, e o trovão ecoou justamente no momento em que

a garota terminava a frase.

- Ah, é melhor você também ouvir o que tenho a dizer. Provavelmente já “adivinhou” o

que se passou, replicou a mulher, virando-se para ela.

Selena notou que a pálpebra do olho direito de Marta estava um pouco caída. Naquele

momento, a tia de Cris perdera toda a sofisticação.

- Você “pega” as coisas no ar, não é, Selena? Uma menina tão jovem como você não

deveria ter essa percepção tão aguçada!

A garota não saberia dizer se Marta a elogiara ou a agredira. Recostou-se na cama e

achou que era melhor não responder nada.

- Vamos lá! continuou a mulher. Conte pra minha sobrinha. Ela ainda não entendeu.

- Não entendeu o quê? indagou Selena. Não sei mesmo do que você esta falando.

- De Johanna. Diga pra ela que a Johanna era filha do Nelson.

A garota sentiu uma náusea forte. Nesse momento, percebia que havia se enganado

quando pensara que seria legal “entrar” na alma de Marta.

- Quando começamos a namorar, estávamos muito apaixonados um pelo outro, disse a

mulher, contando sua história. Eu tinha quinze anos. Foi por isso, Cris, que eu a convidei para

vir à minha casa naquele ano em que fez quinze anos. Queria muito lhe falar sobre o que pode

acontecer com garotas bonitas que não sabemnada acerca dos homens e da vida. Quando eu

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tinha aquela idade, não sabia nada.

Aqui ela fez uma pausa, abanou a cabeça e olhou fixamente para a sobrinha.

- Mas aí, quando você chegou, percebi que era muito diferente de mim. Fiquei sem

saber como iria contar-lhe. Achei que, se contasse, você iria amadurecer depressa demais,

como ocorreu comigo. E eu não queria isso. Então resolvi não revelar nada.

Houve um silêncio meio incômodo. Era como se elas estivessem esperando que

houvesse um relâmpago e um trovão, para romper a tensão.

- E o que aconteceu? indagou Cris finalmente, em voz baixa e tensa.

- Aos dezessete eu engravidei. Contei para o Nelson e, sinceramente, esperava que ele

se casasse comigo. Mas ele foi embora, e nunca mais o vi.

- Deve ter sido horrível pra você, comentou a jovem.

- Aí fui morar com seus pais. Eu disse pra todo mundo que fora para lá porque minha

irmã estava grávida e eu iria ajudá-la. Ninguém sabia que eu também ia ter um bebê. Minha

filha nasceu prematura e era muito fraquinha. Achei que Deus estava me castigando. Mas não

entendi por que ele tinha de punir também uma criancinha inocente. Pouco depois que ela

morreu, sua mãe entrou em trabalho de parto. Achei que eu também era culpada disso, porque

causara problemas para Margaret. Aí, no dia seguinte, você nasceu - e era perfeita.

As luzes do quarto piscaram de novo e em seguida se apagaram. Estava começando o

entardecer, mas, por causa da tempestade, o ambiente se achava bem escuro.

- Tenho uma lanterna, disse Selena, pegando a mochila no chão.

- Vocês provavelmente vão dizer que isso é uma “coisa de Deus”, não é? comentou

Marta em voz fraca e com um tom de amargura. Esta escuridão súbita dá um toque especial a

este momento, não dá? Pois foi isso que senti no dia em que você nasceu, Cristina - uma

escuridão na alma. Minha irmã era abençoada por Deus, enquanto eu, a terrível pecadora, era

amaldiçoada. Mudei-me para a Caifórnia e fiz o curso de secretária. Mas tive de trabalhar

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muito para pagar os estudos. No primeiro emprego que arranjei, conheci o Bob. Ele se

apaixonou por mim e me aceitou como eu era. Mas eu só estava procurando alguém que me

amasse. E queria muito ter uma filha com ele.

Quando Marta concluiu sua história, parecia estar perdendo as energias.

- Mas o seu Deus não se esquece de nada, não é? Afinal, fiz uns exames e os médicos

constataram que eu estava estéril. Depois falaram que eu poderia me tratar e ficar curada. Mas

isso não aconteceu. Ninguém pode brigar com Deus, pode?

- Claro que pode, interveio Selena. Pode brigar com ele, pôr a culpa de tudo nele e ficar

com raiva dele o quanto quiser. Mas ele continua sendo Deus. Continua no controle de tudo

que acontece neste mundo. E ainda a ama.

Marta soltou um grunhido.

- É, disse, mas ele demonstra esse amor de uma forma muito estranha.

Selena olhou para Cris, mas na semi-escuridão do aposento não conseguiu identificar a

expressão dela. A luz da lantema estava voltada para o banheiro, formando longas sombras na

parede.

- Mas ele a ama, sim, falou Cris, confirmando as palavras de Selena.

- Amor! interpôs Marta, abanando acabeça. Vocês duas não têm a mínima idéia do que

seja amor! Não sabem nem um pouco do que estou falando! Se Deus realmente me ama e me

protege, ele terá de provar isso.

Ela se inclinou para a frente, tentando erguer-se, mas teve dificuldade. Afinal, abaixou-

se, pegou o sapato e se levantou. Suas pernas não pareciam muito firmes.

- Agora você já sabe de tudo, Cristina. Sua tia é uma terrível pecadora e Deus já desistiu

dela. Acho que devo me dar por satisfeita de ver que você é uma garota muito boa, e que ele a

abençoa.

- Deus nunca desiste de ninguém, tia, disse Cris.

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A jovem se levantou, caminhou rapidamente para perto de tia e se postou ao lado dela.

Passou o braço em torn do ombro da tia e continuou:

- Eu tenho muito amor por você, tia Marta. Estou muito triste de saber que passou por

tanto sofrimento. Mas o amor que sinto por você não vai mudar. E acho que, bem lá no fundo,

você sabe que Deus também não largou mão de você, não. Ele está só esperando que se volte

para ele.

Marta não aceitou bem o abraço de Cris. Com um arranco, afastou-se dela e resmungou:

- Pois então ele vai ter de esperar um bom tempo, porque tenho de ir arrumar minha

mala e pegar o trem amanhã.

Em seguida, com passos vacilantes, foi saindo em direção ao seu quarto. No momento

em que ela cruzou a porta, e esta bateu de volta, ouviu-se outra forte trovoada.

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Capítulo Dezesseis

- Cris, disse Selena, cochichando em meio à escuridão do quarto, você está dormindo?

Fazia várias horas que elas haviam se deitado. Depois que Marta saíra, elas tinham

pedido o jantar pelo telefone, pondo-se então a arrumar as malas. Ao mesmo tempo,

comentavam a respeito da conversa tão profunda que haviam tido com a mulher. Lá fora, a

tempestade continuava. Nesse momento, porém, o tamborilar da chuva na janela despertara

Selena. Cris não respondeu.

Ora! Está dormindo. E eu não consigo dormir de novo.

Começou a desejar que Marta houvesse demonstrado um pouco mais de interesse,

quando a amiga dissera que ela precisava se voltar para Deus. Fora isso que acontecera com

Bob, quando ele sofrera o acidente na churrasqueira. Antes, ele sempre dizia para Cris que

não precisava de Deus. Após o acidente, porém, mudara completamente. Quando ainda estava

no hospital, ele entregara a vida a Cristo. Com ele, ocorrera uma transformação instantânea, o

que era visível a todos.

Selena estava convencida de que além de Marta não querer nada com Deus, ela também

passara a tratar o marido com frieza, depois que ele se convertera. Então a garota se pôs a

orar. E orou durante um bom tempo, naquela noite tempestuosa. Nessses últimos dias, haviam

acontecido vários fatos, todos eles muito importantes.

A chuva batia forte na janela. O vento soprava com um assobio agudo, estridente, que

parecia encher todo o quarto. O barulho da tempestade lembrou-a do texto que Alex lera em 1

Pedro 4.7,8. “Ora, o fim de todas as coisas esta próximo; sede portanto, criteriosos e sóbrios a

bem das vossas orações. Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros,

porque o amor cobre multidão de pecados.” Selena estremeceu.

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Agora que compreendia melhor os problemas de Marta, arrependeu-se de ter feito um

julgamento negativo sobre ela. A Cris agira da maneira certa. Ela amava a tia

incondicionalmente. Selena fechou os olhos e orou a Deus, pedindo-lhe que a ensinasse a ter

esse tipo de amor.

Entretanto, de manhã cedo, seu propósito de amar incondicionalmente foi logo

submetido a uma prova. Marta não levantara com boa disposição. Logo de início, gritou com

as duas garotas por haverem se atrasado para descer ao saguão. Alex já as esperava embaixo.

Contudo, assim que ele as cumprimentou, a tia de Cris se pôs a agir como se não tivesse

aceitado o oferecimento do rapaz para levá-las a estação. Ele pegara as malas delas, mas a

mulher ordenou-lhe que as pusesse de volta no chão. Iriam tomar um táxi. Ele podia ir

embora.

O mau humor dela estava começando a dar nos nervos de Selena. A garota tentou

manter-se calma diante daquela mudança da tia de Cris. Contudo, quando Marta se pôs a

destratar Alex, ela não aguentou mais e partiu em defesa dele.

- Ontem você disse que Alex poderia nos levar a estação, falou ela, dando um olhar

irado para a outra. Ele teve o trabalho de vir aqui nos pegar. Não acha que temos de ir com

ele?

Marta também fitou a garota com raiva.

- Ah! Que seja, então! disse. Façam o que acharem melhor. Estou vendo que minha

opinião não tem nenhum valor.

- Vou ajudá-lo a levar as malas para o carro, disse a garota ao rapaz. Onde foi que você

estacionou?

Alex foi caminhando na frente, seguido de Selena, Cris e Marta, por último.

- Por favor, Alex, disse a garota. Não deixe isso perturbá-lo. Desculpe-a por havê-lo

tratado daquela maneira.

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- Isso não é sua responsabilidade, Selena, replicou ele. Você não precisa pedir

desculpas. Parece que dentro do coração dela esta se travando uma grande batalha.

Selena fez que sim. O rapaz entendera o que estava acontecendo. Talvez compreendesse

até melhor do que ela e Cris.

O carro foi rodando pelas ruas alagadas até a estação, a Badisher Bahnhof. O céu estava

carregado de nuvens cinzentas, e uma chuva fina caía sem parar. A fraca luminosidade do

ambiente tirava um pouco da beleza das cores vivas que elas haviam visto naquela mesma rua

no dia anterior. Na parte interna da confeitaria, onde tinham estado, havia uma luz amarela

viva e alegre, mas todas as outras lojas se mostravam sombrias, como o próprio dia.

- Já estão com as passagens ou ainda vão comprar? indagon Alex.

- É claro que já estamos com elas, respondeu Marta asperamente. Assim que chegarmos

à estação, quero a bagagem no trem, e as duas imediatamente seguindo para suas poltronas.

- ‘Tá bom, disse Cris.

Selena estava tentando imaginar um jeito de se despedir de Alex. O rapaz certamente

deixara uma marca profunda nela, apesar de terem passado tão pouco tempo juntos.

Reconhecia que havia mudado nesses poucos dias que passara ali; e sabia que, em parte, fora

por causa da influência dele. Precisava contar-lhe isso; e queria dizer-lhe em particular, de

pertinho, para que pudesse uma vez mais fitar aqueles olhos escuros.

Elas haviam se atrasado para descer para o saguão exatamente porque Selena voltara ao

quarto para escrever seu endereço numa folha de papel timbrado do hotel. Sua intenção era

aguardar o momento mais adequado para lhe entregar. Por isso, não poderia concordar com o

que Marta dissera, isto é, que embarcassem assim que chegassem. Então ficou em silêncio.

Afnal, Alex parou o carro junto ao prédio da estação. Selena alegrou-se ao ver os leões

de concreto guardando a entrada do prédio. Eles lhe lembravam a história de “Aslam”, e, por

conseguinte, de Cristo. Orou em silêncio, pedindo a Deus que lhe arranjasse uma

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oportunidade para se despedir do rapaz da maneira que queria, do jeito que achava que

precisava.

Alex entrou na plataforma com elas, pegou um carrinho e foi empurrando a bagagem

delas até a linha de número 7, onde o trem delas estava estacionado. Alguns passageiros já

estavam embarcando.

Marta remexeu em sua bolsa e depois examinou os papéis que trazia nas mãos.

- Minha passagem! exclamou com voz estridente. Perdi minha passagem! A da Cris e a

de Selena estão aqui, mas a minha, não.

- Olhou nas malas? indagou Alex.

- Não está nelas, não.

- Acho que devemos procurar, disse Cris, abaixando-se para abrir o zíper da mala da tia.

- Está trancada, interveio Marta em tom áspero. Espere, deixe que eu abro.

- Vou procurar no carro, ofereceu Alex.

- Vou com ele, disse Selena.

A garota estava começando a entrar em pânico, não por causa da passagem, mas por

pensar que nunca mais veria o rapaz. E se não conseguisse dizer-lhe tudo que estava em seu

coração?

Antes que Marta pudesse fazer alguma objeção, Selena e Alex já estavam correndo pela

plataforma em direção ao ponto onde ele deixara o carro. Alex destrancou-o rapidamente e se

pôs a procurar debaixo dos bancos. Selena deu busca no assento de trás e depois no porta-

luvas.

- Não achei, disse ela.

- Nem eu. Talvez a passagem esteja na mala e a essa altura elas já a tenham encontrado.

Vamos voltar, senão você perde o trem.

O rapaz trancou o veículo e os dois se puseram a correr de volta à linha número 7.

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Quando chegaram junto ao longo comboio, ambos ofegavam de cansaço. Havia dezenas de

pessoas na plataforma, mas nem Cris nem Marta se achavam por ali. Perto deles, um casal

jovem estava dando um prolongado abraço de despedida. Era assim que Selena queria se

despedir de Alex. Agora, porém, seria dificil. Tudo estava muito agitado.

- Onde será que elas foram? indagou Selena arfando.

- Talvez tenham encontrado a passagem e entrado no trem, disse Alex.

- Ah, mas elas não iriam sem mim!

- Devem ter pensado que você naturalmente iria embarcar se não as visse aqui.

A garota olhou para um lado e para outro. Não se via nem sinal delas.

- O que é que eu faço, Alex?

- Acho que deve entrar no trem. Se o perder, não conseguirá chegar ao aeroporto a

tempo de pegar o vôo de volta.

Desistindo de seu intento de ter uma despedida romântica e colocar despistadamente na

mão dele o papel com seu endereço, Selena pôs o pé no primeiro degrau da escadinha do

vagão e segurou no corrimão, mas parou. Havia algo errado. Seu coração começou a bater

forte, como acontecera no avião quando tivera o pesadelo e sonhara que ele ia cair. Virou-se e

deu mais uma olhada pela plataforma.

- Tchau, Selena, disse Alex, erguendo o braço como se a estivesse abençoando. Que

Deus esteja sempre com você!

Uma campainha soou alto, e o comboio arrancou. A garota compreendeu que tinha de

acabar de entrar, mas ainda tinha a sensação de que não deveria. De repente, ouviu alguém

chamando seu nome, no meio do pessoal que se achava na plataforma. Com um barulho

semelhante a um assobio, o trem se pôs a rodar lentamente, partindo da estação.

- Alex, gritou ela, tive a impressão de que ouvi a voz de Cris me chamando. Aí na

plataforma!

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O rapaz se pôs a caminhar rapidamente acompanhando o trem. Correu os olhos pela

estação e em seguida fitou Selena.

- É ela! Está aqui! Pule, Selena, eu a pego!

O sentimento de pavor que começara no coração agora dominava seu estômago e sua

garganta, deixando-a imobilizada.

- Pule! repetiu Alex. Você tem de pular! Eu a pego! Agora!

Selena prendeu a respiração e saltou do trem, em direção a Alex que a esperava com os

braços abertos.

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Capítulo Dezessete

Selena bateu em cheio contra o peito do rapaz. O impacto foi tão forte que ele não

conseguiu se manter de pé. E como ele passara os braços firmemente em torno da garota, os

dois tombaram no chão.

- Aaaai! exclamou Selena.

- Ufff! fez Alex.

- Você se machucou? indagou a garota enquanto se levantava.

O rapaz estava com os olhos arregalados. Movia a boca, mas dela não saía nenhum som.

- Ah, não! disse ela, inclinando-se e pegando a mão dele. Eu o machuquei!

Alex fez força para dizer algo, mas só conseguiu tossir. Teve um longo acesso de tosse.

Às suas costas, os últimos carros do trem passavam pela plataforma, saindo da estação.

Afinal, acabou o barulho.

- Selena! gritou Cris, chegando onde eles se encontravam e se ajoelhando junto dos

amigos. Vocês se machucaram? Vi quando você pulou. Pensei que ia morrer!

- Parece que o Alex quase morreu, disse Selena.

As duas garotas ajudaram o rapaz a se sentar no chão. O cabelo dele estava todo caído

nos olhos. Ele abanou a cabeça e respirou fundo.

- Já passou! disse afinal. Perdi o fôlego!

Ah, me desculpe! pediu Selena. Não devia ter pulado com tanta força. Não pretendia

derrubá-lo. Desculpe, Alex!

- Tudo bem! replicou o rapaz com voz trêmula e levantando-se.

- Cris, onde é que vocês estavam? Não vimos você nem a Marta em lugar nenhum.

Achei que tinham embarcado.

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- Estávamos bem ali, respondeu Cris. Marta esta sentada num banco, e nossa bagagem

está perto dela, no carrinho. Pode ser que as malas estivessem nos tapando e por isso vocês

não nos viram. Estamos no mesmo lugar onde vocês nos deixaram. Devem ter entrado por

outra porta, pois saíram em outro ponto da plataforma.

Os três se puseram a caminhar para onde se achava a tia de Cris.

- Encontraram a passagem? quis saber a garota.

- Não, disse a jovem. Procuramos em tudo e não encontramos. Parece que minha tia vai

“explodir”, como diz meu pai. Então achei melhor ela sentar um pouco.

- Sinto muito ter causado esse problema pra vocês, Cris, falou Selena com voz tensa.

- Não se preocupe, replicou a jovem. Não é culpa sua. Já disse pra Tia Marta que Deus

está no controle de tudo e que não precisamos nos preocupar. Você sabe, né, a preocupação

estrangula a gente, concluiu ela, imitando o gesto que Alex fizera no dia anterior.

- E o que foi que ela disse?

- Quase me estrangulou, então não falei mais nada.

- Bem pensado!

- Aí, aconteceu algo muito estranho. Eu estava sentada no banco ao lado dela e, de

repente, olhei pra cá, pra esse lado, e avistei sua mochila e seu cabelo louro. Então percebi

que era você que estava aqui.

- Que bom que você me viu! exclamou Selena.

- É! Que bom mesmo!

Nesse momento, chegaram ao lugar onde Marta se encontrava sentada, com os braços

cruzados, muito tensa. Tinha no rosto uma expressão carrancuda, cheia de amargura. E o pior

de tudo foi que ela não disse nada. Selena estava na expectativa de ter uma longa discussão

com a mulher, para se defender. Contudo a tia de Cris não deu o primeiro “soco”. Limitou-se

a ficar ali parada, olhando para os três, como se eles fossem os culpados de tudo. Afinal,

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Alex, que havia recuperado o fôlego, quebrou o silêncio.

- Posso dar uma sugestão? disse ele em tom calmo. Que tal irmos ao guichê e ver se eles

tem tudo registrado no computador? Assim eles podem emitir uma nova passagem, e vocês

poderão pegar o próximo trem.

Ao que parecia, a idéia não agradou a Marta, que permaneceu calada e quieta.

- Ó gente, temos de tomar alguma providência, interveio Cris. Quem sabe eu posso ir ao

guichê pra verificar isso? Vocês ficam aqui me esperando.

- Não! retorquiu Marta em tom firme. Não vou deixar ninguém arredar o pé daqui nem

um segundo. Vamos todos juntos. Alex, pegue a bagagem!

Selena sentiu uma forte irritação. Marta tivera muitas atitudes negativas, e a garota não

se incomodara. Contudo, no instante em que deu a ordem ríspida para o rapaz, isso a

perturbou. A tia de Cris poderia dizer o que quisesse a Selena, que esta não se importaria.

Sabia que não era a culpada da confusão que se criara. Afinal, o tempo todo estavam apenas

tentando procurar a passagem de Marta. Simplesmente não havia razão para ela tratar Alex

daquele modo. E como ela ja havia sido tao simpática com ele algumas vezes, a descortesia

que demonstrara agora parecia ainda mais gritante. Não dava para se saber com antecedência

quando ela iria tratá-lo bem e quando não iria.

- Pode me dar uma bolsa pra carregar, ofereceu Selena para o rapaz.

- Pra mim também, interpôs Cris.

Marta saiu caminhando à frente dos outros, com passos rápidos e firmes, como quem

está com raiva. Chegando ao guichê, tiveram de entrar na fila. Havia seis pessoas antes deles.

A tia de Cris começou a reclamar da lentidão e da incompetência dos funcionários. As garotas

ficaram meio sem graça de estar ao lado dela. Afinal, depois de uns dez minutos, chegou a

vez deles.

- Deixe-me explicar a situação para ele, esta bem? pediu Alex, assim que se

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aproximaram do guichê. Quer dizer, se você achar melhor, acrescentou o rapaz prontamente.

Marta estava por demais irritada e novamente optou pelo silêncio. Alex não esperou

mais e logo se pôs a explicar rapidamente a situação delas para o homem, falando em alemão.

O atendente replicou também nessa língua, com palavras que pareciam ter um tom áspero. O

rapaz respondeu, evidentemente, contra-argumentando e procurando uma saída para o

problema. Nesse momento, porém, no alto-falante da estação, alguém começou a dar um

aviso, falando em alemão. Dessa vez não era um anúncio de partida e chegada de trens.

Tratava-se de algo diferente. Todos os que estavam por ali pararam e se puseram a escutar

atentamente. Selena notou que alguns dos presentes tinham uma expressão de espanto no

rosto; outros, de irritação.

- O que foi que disseram? indagou ela para Alex, cochichando ao ouvido dele.

- Todas as viagens para o Norte foram canceladas, explicou ele, erguendo um dedo para

pedir silêncio, pois ainda estavam falando.

- Mas é justamente para o Norte que temos de ir, disse Marta. É o nosso destino. Como

é que eles vão cancelando assim todas as partidas para lá? Que país é este?

Selena ficou com os olhos fixos no rosto de Alex. Sentia uma forte agitação dentro de

si. Mordeu o lábio inferior e continuou observando a expressão do rapaz. Este ergueu

levemente as sobrancelhas e em seguida abaixou-as rápido. Viu que os lábios dele formavam

uma interjeição de espanto.

- Oh! fez ele, soltando o ar lentamente.

Todos que se achavam na estação passaram a resmungar, mas, afinal, ouvindo o

comunicado que prosseguia, ficaram em silêncio. Alex fechou os olhos com força, e abanou a

cabeça.

- Houve um acidente com o trem de vocês, explicou ele.

Olhou para cada uma das três mulheres e depois tocou o dedo no rosto de Selena.

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- Aquele trem em que você quase embarcou, continuou o rapaz, descarrilou a dois

quilômetros daqui. Ao que parece, a chuva deixou o terreno muito alagado e os trilhos

cederam ao peso do trem. Eles acham que há muitos mortos.

- Não! exclamou Selena.

Alex passou um braço em torno da garota e o outro em torno de Cris, procurando

confortá-las. Depois aproximou-se de Marta para abracá-la, mas a mulher não aceitou o

abraço. Deu um passo, afastando-se dos outros. Fitou-os com os olhos arregalados de terror.

- Nós poderíamos ter morrido! disse afinal.

Todos permaneceram em silêncio por alguns instantes, tentando absorver a idéia. O

atendente do guichê disse algo a Alex em tom brusco. O rapaz ergueu uma das mãos e

respondeu:

- Ah, agora pode deixar. Danke.

Ele conduziu as três mulheres para um banco em um lugar aberto. Elas pareciam ainda

meio “passadas” com a notícia. Fez com que se sentassem e colocou a bagagem ao lado delas.

- Esperem um pouco, disse, vou dar um telefonema. Esperem aqui, está bem?

- Nós vamos ficar quietas aqui, respondeu Marta, ainda meio entorpecida.

Assim que o rapaz se afastou, Selena começou a dar sugestões.

- Podemos pegar um ônibus, não é? Ou, quem sabe, seria melhor alugar um carro? O

que vocês acham?

- Eu estou pensando é que poderia ter morrido, comentou Marta.

- Acho que você não vai gostar muito do que vou dizer, Tia Marta, principiou Cris, mas

já entendeu o que aconteceu? Deus nos protegeu. O fato de você ter perdido a passagem, na

verdade, não foi uma tragédia. Foi um ato de Deus. Por causa disso, não tomamos aquele

trem. Lembra que ontem você disse que, se é verdade que Deus a ama e a protege, terá de

provar? Pois bem, ele acaba de provar.

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Dessa vez, Marta não berrou com a sobrinha por estar espiritualizando uma situação da

vida. Não disse nada, e uma lágrima escorreu de seus olhos. Em seguida, veio outra, e mais

outra. Ela abriu a bolsa e pegou um lenço de papel. Selena sentiu-se toda trêmula

interiormente. Parecia que ela se encontrava ali para assiatir a um milagre: Marta

quebrantando o coração para Deus.

- Onde fica o toalete? indagou a tia de Cris, com o rosto muito pálido, erguendo-se

rapidamente.

- Ah, é lá atrás, disse Cris. Vi quando passamos por ele. Quer que eu vá com você?

- Se quiser, retrucou a mulher, já se virando na direção que a jovem apontara.

Selena ficou sozinha, vigiando a bagagem e aguardando que Alex retornasse. Quando o

rapaz voltou, tinha um largo sorriso no rosto.

- Meu primo disse que tudo bem, falou ele.

- Tudo bem, o quê?

- Eu posso ir com o carro dele. Vou levá-las ao aeroporto.

- Que ótimo, Alex! exclamou Selena, feliz com a possibilidade de passar mais algum

tempo em companhia dele. Você sabe que leva várias horas, né? Ah, você sabe. Oh, Alex,

isso É muito legal de sua parte! A Marta e a Cris foram ao toalete. Devem voltar já.

- Então vou colocar as malas no carro. Ou você acha melhor esperar que elas voltem?

- Sei lá. Talvez seja bom esperar, para a Marta não ficar mais irritada.

- Está bem, concordou o rapaz. “Salena”, eu estaa querendo muito uma oportunidade de

lhe dizer como foi bom passar esses momentos com você. Creio que me lembrarei de você

pelo resto da vida.

Pronto! Chegara o instante que Selena tanto desejara - poder despedir-se de Alex de

forma carinhosa. Agora, porém, pega de surpresa, não sabia o que dizer. Não fora assim que

planejara tudo.

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- Eu também queria lhe dizer o mesmo, replicou ela.

Enfiou a mão no bolso para verificar se o papel com seu endereço estava ali. Agora que

chegara a hora de sugerir-lhe que os dois se correspondessem, ficou acanhada. E o mais

estranho era que essa emoção era novidade para ela.

Contudo fez um esforcço, estendeu a mão e tocou no braço do rapaz. Seu plano, antes,

era pegar na mão dele, como ele pegara na dela, quando estavam no saguão da escola. E

assim, de mãos dadas, iria lhe falar de seus sentimentos. Ela até pensara que, a essa altura, ele

já poderia ter pegado na mão dela novamente e lhe falado do que sentia a seu respeito.

Entretanto ele acabara falando sem tocar nela. Então sentia-se sem jeito de segurar a mão

dele. Selena deu um aperto de leve no braço de Alex e em seguida soltou-o.

- Alexander, disse ela, nesses dias, você dedicou muito do seu tempo a nós. Quero lhe

dizer que seu amor intenso despertou minhas paixões.

O rapaz ergueu uma sobrancelha.

- Espere aí. Não era isso que eu queria dizer. Faça de conta que não falei nada disso. O

que eu quis dizer... você sabe... aquele versículo, aquele que fala sobre ter amor intenso.

Alex ia replicar, mas nesse momento uma voz masculina começou a dar outro aviso

pelo alto-falante. O rapaz se pôs a ouvir atentamente e depois deu a interpretação.

- Eles estão tomando providências para que os passageiros que já tinham comprado

passagem possam pegar um ônibus. Vocês vão preferir ir de ônibus então, em vez de ir de

carro comigo?

- Nós não temos os três bilhetes para trocar pelas passagens de ônibus, explicou Selena.

Acho que Marta se sentiria mais confortável indo no carro.

- É, tem razão. Dá licença, “Salena”. Vou lá verificar o parquímetro, para ver se o

tempo não expirou.

O rapaz virou-se e saiu apressadamente, deixando a garota sozinha.

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- É... acho que fiz tudo errado, resmungou consigo.

Talvez ele esteja pensando que sou biruta, por ter dito que ele despertara minhas

paixões. Puxa, não estou sabendo agir direito. Primeiro caio em cima dele e o derrubo no

chão. Depois, digo algo que o deixa assustado e ele sai correndo. Pai celeste, por favor,

intervenha nessa situação!

Assim que Selena pensou isso, sentiu-se incomodada. Deus já interviera. Fora ele que a

tirara daquele trem. Centenas de passageiros tinham permanecido nele e agora alguns haviam

morrido. De repente, teve um choque. Nesse momento, compreedia que poderia estar morta.

Enxergou claramente os contrastes que a vida podia apresentar. A vida era simplesmente

maravilhosa e, ao mesmo tempo, podia ser horrível. Havia esses dois lados, e ela vivenciara

ambos nesses últimos dias.

E no entanto a vida era também um presente de Deus. Era ele quem dava a vida a todos

e, obviamente, poderia tirá-la na hora que quisesse.

Ele é Deus, pensou Selena. Pode fazer o que bem quiser.

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Capítulo Dezoito

Quando as outras duas voltaram do toalete, Selena notou que Marta não estava passando

nada bem. Após uma breve pausa, Alex ofereceu-se para levá-las ao aeroporto, e ela aceitou

sem pestanejar.

Selena acomodou-se no assento traseiro do carro, lembrando-se de que estava viva por

um milagre. Agora precisava aproveitar da melhor maneira possível cada minuto de sua vida.

Deus havia decidido deixá-la na Terra um pouco mais, e ela queria tirar o máximo proveito

desse presente divino. Lembrou-se do jovem casal que estava se despedindo na plataforma e

sentiu um nó na garganta. Será que aquela jovem fora uma das vítimas do acidente, ou ainda

estava viva?

Começou a chorar em silêncio e virou o rosto para um lado Alex, Marta e Cris também

viajavam calados. E as lágrimas escorriam copiosamente pelo rosto de Selena. A paisagem lá

fora transmitia uma sensação de paz e calma. Ora viam-se colinas verdejantes; ora, extensas

plantações de milho. Como é que tudo ali poderia continuar assim tão belo e tranquilo,

quando alga tão horrível havia sucedido? Ela sabia, porém, que nunca havia respostas prontas

para as grandes indagações da vida. A existência humana era maravilhosa, mas ao mesmo

tempo, horrível. Assim era a vida.

Entretanto o fato de ter consciência dessa dura realidade não lhe trouxe nenhum

conforto. E o carro ia rodando velozmente, passando por um povoado atrás do outro. Todos

eles pareciam aldeiazinhas de conto de fadas. A maioria das residências que avistavam tinha

um jardim e uma horta, com seus pes de verdura e flores de cores vivas. Aquele cenário

colorido serviu para acalmar um pouco a garota. Contudo o céu ainda continuava

“carrancudo”, ameaçando derramar suas “lágrimas” de novo.

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Marta reclinara um pouco o banco da frente e estava com a mão na testa. Cris indicou,

com gestos, que ela passara mal no toalete, na estação ferroviária, e chegara a vomitar. Selena

logo começou a imaginar que talvez tivessem de parar no meio da estrada para ela. Sabia que

viajar daquele jeito era muitíssimo desagradável. Possivelmente ela estava se sentindo mal por

haver consumido muito vinho no dia anterior, aliado ao fato de que tinha ficado bastante

nervosa por terem sido obrigadas a perder o trem. A despeito disso, Selena sentiu muita pena

dela.

A estrada era estreita, mas estava em excelentes condições. Agora passavam por uma

campina longa, onde se viam ovelhas pastando.

- Elas parecem pedaços de marshmallow em cima de um bolo com um glacê verde, não

parecem? comentou Selena.

- O que é marshmallow? quis saber Alex.

Estavam conversando em voz baixa para não incomodar Marta, mas mesmo assim a voz

do rapaz pareceu retumbar.

Selena explicou o que era marshmallow, e Alex se pês a falar de um doce que eles

tinham na Rússia. Explicou que era branco e tinha a forma de um cubo. Pela sua explicação,

Selena imaginou algo como um tablete de margarina, do tamanho de um pão de forma.

- Vocês comem essa margarina pura?

- Não; não é margarina, não; é um doce fino. Eu sei o que é margarina.

Novamente ele descreveu a iguaria e contou como era preparada, procurando fazer com

que as duas garotas a “enxergasem”.

- Parece com algo que nos chamamos de “banha”, felou Cris, torcendo o nariz. Mas nós

nunca comeríamos banha, nunca mesmo!

- Pare aí! gritou Marta.

Alex parou o carro perto de um arvoredo. Marta abriu a porta e saiu meio trôpega.

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Inclinou-se sobre a valeta lateral e vomitou ali mesmo.

- Será que devo ir lá? indagou Cris.

- Quando ela passou mal na estação, pediu que você a ajudasse? perguntou Selena.

- Não.

- Então provavelmente não quer que você va lá agora também, não, concluiu. Tem lenço

de papel aí?

A jovem pegou a bolsa da tia no assento da frente e tirou dela um pacotinho de lenço de

papel.

- Melhorou, tia? disse ela para Marta, entregando-lhe o pacote.

- Já, já eu melhoro, respondeu a tia. Se vocês fizerem o favor de mudar o assunto da

conversa.

- Desculpe, murmurou Cris.

- Vamos embora, Alex, disse a mulher, erguendo o banco e abaixando a vidraça do

carro. Não podemos perder aquele avião.

- Vou ter de parar para abastecer no primeiro posto que encontrarmos, avisou o rapaz.

- Tudo bem, replicou Marta. E é claro que vou pagar, viu? Mas vá o mais depressa

possível.

Pararam num posto que ficava no entroncamento da estrada com a rodovia principal, ou

autobahn, como disse Alex. Cris e Selena foram à lojinha de conveniência e compraram água

mineral e balinhas de hortelã para Marta. Pegaram também refrigerantes para elas e o Alex, e

ainda alguns pacotes de biscoitos e barinhas de cereais.

- É igual aos postos de gasolina dos Estados Unidos, comentou Selena quando voltavam

para o carro. A única diferença é o nome dos refrigerantes e dos biscoitos.

- E o preço também, interveio Cris. Deu pra você ver o preço da gasolina? É o dobro do

nosso.

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- É, na próxima vez que for encher o tanque lá, vou me lembrar disso, disse Selena.

Acho que a gente não aprecia devidamente o lado bom da vida em nossa terra.

- Isso é verdade, concordou Cris, no momento em que as duas se acomodavam no carro.

Eu estava pensando como é que vou me arranjar aqui sem carro. Mas acho que acabo me

acostumando a andar de ônibus e de trem. Terei de aprender a me virar aqui. Vai ser uma vida

nova pra mim.

- Alex, interpôs Selena, batendo de leve no ombro dele, muito obrigada por estar nos

levando ao aeroporto, viu?

Ele estava entrando na autobahn e acelerando mais o carro para acompanhar o tráfego

rápido da rodovia.

- A que velocidade estamos indo? indagou Selena.

- Sei lá, replicou Cris, mas a Alissa, uma amiga minha, me falou sobre o jeito como o

povo dirige aqui nessas autobahns. Disse que eles andam a 160km por hora. E eu não

acreditei.

Naquele momento, Alex fez uma manobra rápida para mudar de pista, e Cris pôs a mão

na perna da amiga, dando-lhe um aperto de leve.

- Agora eu acredito! concluiu.

Pouco depois, chegavam ao aeroporto. Não havia dúvida de que a viagem de carro foi

bem mais rápida do que a de trem. Entraram, foram ao balcão da companhia despachar a

bagagem e depois se sentaram para aguardar a hora do embarque. A essa altura, Marta já

parecia ter melhorado.

- Está melhor, Marta? indagou Selena.

- Estou, obrigada, respondeu a tia de Cris, remexendo na bolsa. Alex, muito obrigada a

você também. Você nos ajudou demais. Aqui. Tome isto para pagar as despesas.

- Não precisa, não, replicou ele, erguendo uma das mãos e recusando o dinheiro. Eu

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queria muito trazê-las aqui.

- Foi muita gentileza sua. Muito obrigada mesmo, retorquiu a mulher, guardando as

notas e dando uma espiada para o relógio. Acho que agora temos de nos despedir de você.

Vamos embarcar daqui a alguns minutos.

Selena estivera pensando no que iria acontecer quando chegasse esse momento. Será

que iria ficar meio sem jeito de se despedir do rapaz na frente de Marta e Cris? Deveria tentar

explicar para ele o que quisera dizer quando falara que ele despertara suas paixões?

- Alexander, disse Cris, aproximando-se dele e dando-lhe um afetuoso aperto de mão,

estou muito feliz de tê-lo conhecido no trem, no dia em que chegamos. Muito obrigada por

tudo.

- Se eu vier passar as férias aqui de novo, disse ele, talvez vá visitá-la na escola.

- Eu gostaria muito de revê-lo, replicou a jovem.

Alex deu-lhe um abraço leve e beijinhos no rosto - primeiro na face direita, depois na

esquerda. Selena já havia observado que os europeus se cumprimentavam assim. Lembrou-se

do Antonio, seu amigo italiano, que também a cumprimentava desse jeito. Contudo ele fazia o

mesmo com todas as mulheres que conhecia. Por isso, Selena não considerava aquilo um

beijo de verdade. Entretanto, agora, havendo a possibilidade de Alex também se despedir dela

assim, de repente, nesse caso seria um verdadeiro beijo.

O rapaz dirigiu-se a Marta e repetiu o mesmo gesto. A mulher permaneceu imóvel, mas

a expressão de seu rosto suavizou-se um pouco.

Chegou a vez de Selena. O coração da garota começou a bater fortemente, como um

tambor. Sentiu a pulsação na garganta.

- Alex, disse ela em voz baixa e aproximando-se mais dele para que ninguém escutasse,

eu queria explicar o que falei lá na estação ferroviária. Você sabe, quando citei aquele

versículo sobre ter amor intenso uns para com os outros. Eu acho que ainda não sei amar os

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outros. Mas você sabe; e demonstrou esse amor pelo seu exemplo. Nunca me esquecerei

disso. Nunca mais me esquecerei de você. Estou tão feliz de ter tido o privilégio de conhecê-

lo!

Selena fez uma pausa e repassou mentalmente o que acabara de dizer, para verificar se

conseguira expressar tudo que queria. Falara de forma meio desordenada, mas basicamente

dissera ao rapaz tudo que pretendia. Sorriu satisfeita.

Alex fitou-a com ternura, o que lhe deu a certeza de que ele “enxergara” tudo o que

estava no coração dela e compreendera bem o que ela havia dito. O rapaz se inclinou para ela.

Com um gesto firme, mas carinhoso, afastou uma mecha do cabelo de Selena que lhe caíra na

testa.

Será que ele vai me beijar? pensou a garota. Devo fechar os olhos? Não; talvez seja

melhor ficar de olhos abertos. Eu poderia fechar um e deixar o outro aberto. Que bobagem

estou pensando! Estou meio atarantada! Mas o que devo fazer?

- Meine Freunde, principiou o rapaz com sua voz grave, em meu coração há os mesmos

pensamentos para com você. Vamos nos encontrar de novo no céu. E vai ser um dia muito

feliz para mim.

Selena engoliu em seco.

- No céu, repetiu.

Entendeu que ele havia dito “minha amiga”, em alemão. De repente, compreendeu que

o rapaz não iria beijá-la nos lábios. Enxergou ainda que Alex nunca iria se corresponder com

ela. Então deixou ficar no bolso o papel com seu endereço. Contudo o rapaz continuaria “com

ela”, guardado num cantinho de seu coração. E, graças a Deus, ela conseguira dizer-lhe isso.

- Que a paz de Cristo esteja com você! disse Alex.

- E com você também, retrucou a garota.

Ele se inclinou para ela, pôs ambas as mãos nos ombros dela, tocando-a bem de leve, e

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encostou o rosto em sua face direita. Selena achou a pele dele fria e se deu conta de que suas

faces estavam “em fogo”, devido a emoção do momento. Em seguida, ela escutou o beijinho

que ele deu no ar, perto do ouvido dela. Depois, ele colocou o rosto em sua face esquerda e

deu outro beijinho.

Afinal, Alex soltou os ombros dela e, para surpresa da garota, pôs a mão sobre o próprio

coração. Por fim, fez uma ligeira inclinação diante das três.

- Vão com Deus! disse ele num tom emocionado.

Nesse momento, uma voz feminina no alto-falante deu uma comunicação em alemão.

- Deve ser o nosso vôo, disse Marta. Vamos, meninas!

Selena e Cris seguiram a mulher, que entregou ao funcionário da companhia aérea os

três cartões de embarque. Selena virou a cabeça ligeiramente para dar um último olhar para

Alex. O dia em que se reencontrariam no céu talvez ainda estivesse muito longe; mas também

era possível que não. De todo modo, queria guardar aquele rosto na memória.

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Capítulo Dezenove

A viagem de volta foi tranquila, sem nenhum acontecimento marcante. Por si só, isso já

foi um alívio. Quando as três desembarcaram em Los Angeles, Selena se despediu de Cris e

de Marta, para ir pegar o avião para Portland. Estavam todas tão cansadas que a despedida

acabou sendo pontilhada de emoções.

- Marta, disse Selena, muito obrigada por ter me convidado para ir com vocês. Sei que

disse algumas coisas que a irritaram, mas peço que me perdoe. Aprendi muitas lições nessa

viagem e sou muito agradecida por sua generosidade e bondade por ter me levado junto.

Obrigada, e... aqui ela fez uma pausa e depois concluiu: Gosto muito de você.

A tia de Cris não se mostrou espantada, como Selena pensara. A própria garota, porém,

se admirou de essas palavras lhe terem vindo à mente.

- Sua companhia serviu para me dar um novo ânimo, Selena, replicou a mulher, fitando

a garota com um jeito carinhoso que era novo para esta. Aprecio muito sua amizade pela Cris.

A princípio, não compreendi como vocês duas podiam ser tão amigas. Mas depois entendi que

você é uma excelente companhia para minha sobrinha. Talvez seja um pouco exagerada nas

questões de religião, mas parece que a Cris também gosta disso. Ah, e não pensem que não

percebi as tentativas das duas para me converterem, continuou ela, dirigindo um olhar

também para Cris. Devo confessar que naquele momento em que anunciaram que nosso trem

havia descarrilado, quase decidi inclinar-me perante o seu Deus. Mas deve ter sido por causa

das emoções do momento e do mal-estar que senti. Agora, já me recuperei e voltei a ser a

mesma.

Embora a atitude de Marta fosse de autoconfiança, Selena teve a impressão de que

detectou uma ponta de ternura em seu olhar. As duas garotas se entreolharam.

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Oh, Marta, pensou Selena, você está tão perto de se converter! Pare de lutar contra

Deus e entregue sua vida a ele!

Percebeu que Cris estava pensando o mesmo.

- Vou sentir muito a sua falta, disse Cris, abraçando-a.

- E eu a sua, replicou Selena. Depois você me manda o sen endereço na Suíça, que eu

escrevo pra você.

Elas se afastaram uma da outra, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

- Pode escrever que eu respondo, ajuntou Cris. Prometo.

- E se você quiser uma sugestão de um presente de aniversário pra mim, mande um

pastel folhado com recheio de marzipã, daquela confeitaria de Basiléia.

- ‘Tá bom, respondeu Cris rindo. E você quer que eu lhe mande trufas, Tia Marta?

- Não; claro que não! E você também não deve comer muito chocolate enquanto estiver

lá, não, viu?

As duas garotas deram risada. E mais uma vez se entreolharam em silêncio, com

promessas de uma amizade eterna.

- Tenho por você um amor intenso, disse Selena.

Cris sorriu.

- Eu também, disse. Um amor intenso. Tchau, Selena!

Abraçaram-se de novo, e em seguida Selena entrou na fila para pegar o avião para

Portland.

Uma hora e meia depois, desembarcou em sua cidade. Seus pais a esperavam no

aeroporto. Mais abraços e beijos. Imediatamente a garota se pôs a falar sem parar, contando

tudo de uma vez só.

Pararam junto à esteira rolante do setor de recolhimento da bagagem, esperando que a

mala de Selena fosse liberada. De repente, ela se recordou de algo. Em Janeiro, alguns meses

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atrás, quando regressara da viagem à Inglaterra, ela estivera ali mesmo. E Paul estivera perto

dela, quase naquele mesmo lugar. O rapaz achara que Selena havia pegado a mala dele, mas

assim que examinaram a etiqueta de identificação viram que ela de fato pertencia à garota.

Selena recordou-se de que tivera uma atitude de crítica em relação a ele durante toda a

viagem de volta. Sua intenção fora passar a imagem de uma jovem madura e inteligente. E ao

despedir-se dele dissera:

“Passe bem!”

A garota fechou os olhos, envergonhada do que fizera. O que estava tentando ser? Com

tal atitude, não havia demonstrado “amor intenso”. Recordou-se de que naquele momento se

sentira muito “madura”. Afinal, tinha viajado sozinha à Inglaterra. Agora, porém, isso não lhe

parecia assim um feito tao extraordinário. Aliás, não era nada comparado ao fato de ter

suportado fazer essa viagem à Europa com Marta.

Ouviu-se uma sineta estridente, e a esteira começou a mover-se. Selena se recordou das

últimas palavras de Paul para ela:

“Não mude nunca, Selena!”

Pois eu mudei, Paul, pensou. Meu coração passou por uma grande mudança. Agora sei

que não adianta ter respostas pra tudo nem obedecer direitinho ao regulamento. Se não tiver

amor, nada serei.

Teve vontade de poder dizer tudo isso para o Paul. Resolveu que, se tivesse

oportunidade de falar com ele, iria pedir desculpas pelas palavras insolentes que lhe dissera e

pelas cartas arrogantes que lhe enviara. Contudo era pouco provável que tivesse essa chance.

O melhor a fazer agora era aprender com essas experiências e tomar a decisão de demonstrar

amor.

Afinal, pensou, o amor cobre uma multidão de pecados. Será que isso inclui também

esses erros que a gente comete por falta de maturidade?

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- Aquela ali é a sua, não é? indagou seu pai, estendendo o braço para pegar a bagagem

dela.

- É, respondeu Selena, voltando ao presente. É a minha, sim.

Chegando em casa, Selena abraçou os irmãozinhos, beijou a VÓ May e ficou a

conversar com seus familiares durante quase uma hora.

- Você trouxe um presente pra mim? quis saber Kevin.

A garota ficou chateada. No dia em que saíra para fazer compras com Marta, não se

lembrara de comprar lembrancinhas para os parentes.

- Acho que só tenho uns cartões de felicitações escritos em alemão, disse. Estão um

pouco amassados, mas acho que são engraçados. Não comprei presentes pra ninguém. Só

comprei foi um pouco de chá. Da próxima vez, trarei.

- Vai viajar de novo? quis saber Dilton.

- Talvez. Alguém quer chá de jasmim com canela?

Ninguém quis, então ela fez uma xícara de chá quentinho só para ela. Depois, deu boa-

noite para todos e subiu para o quarto com a intenção de “bater na cama”, embora lá fora

ainda estivesse claro.

- Tem uma surpresa para você em seu quarto, disse a mãe no momento em que ela subia

a escada. Acho que vai gostar.

Contudo Selena não estava muito interessada em surpresas. Só pensava em botar a

cabeça no seu travesseiro macio. Abriu a porta. O quarto estava arrumadinho. Sua mãe

provavelmente se cansara daquela bagunça e ajeitara tudo, enquanto a garota estivera

viajando. A janela estava aberta, deixando entrar uma brisa cálida de verão. Como o aposento

se achava todo em ordem, ela logo avistou um papel em cima da cama, também muito bem

arrumada. Dava para perceber que fora amassado e depois alisado. Era uma carta para ela,

sem envelope. Já conhecia bem aquela letra, ora manuscrita, ora em letra de forma, escrita em

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tinta preta.

- Paul! murmurou para si mesma.

Com um gesto rápido, pegou a folha e começou a ler:

“Minha cara princesa dos lirios...”

Espere aí, pensou Selena. Correu os olhos pela carta e verificou a assinatura. Era de

Paul, sim. Era a carta que ele lhe escrevera meses atrás. Ela havia ficado tão irritada com ele,

que amassara o papel e o jogara no lixo. E, evidentemente, ele não tinha ido parar no aterro

sanitário da cidade. Provavelmente havia caído atrás da cômoda, ou algo assim, e sua mãe

encontrara ao arrumar o quarto. Na certa, ela a lera, mas Selena não se importava com isso.

Na realidade, era uma carta brincalhona. Aliás, fora até bom que a mãe a tivesse encontrado.

Selena ainda conservava uma outra carta de Paul, a que ele havia lhe escrito pouco depois de

se conhecerem. Essa ela havia guardado na primeira gaveta da cômoda.

Alisando o papel da mensagem perdida que fora achada, foi até ao movel para guardá-la

junto com a outra. Deu uma espiada à sua imagem refletida no espelho oval, para ver se

estava muito abatida após aquela longa viagem de volta. Contudo, em vez de se concentrar

no seu reflexo, o que viu foi um envelope enfiado entre o vidro e a moldura, num canto do

espelho. Era dirigido a ela. No alto, à esquerda, vinha a indicação do remetente - apenas um

endereço na Escócia. O mais importante, porém, era que estava escrita em tinta preta, e a letra

era sua velha conhecida.

Estendeu o braço para pegá-la e percebeu que sua mão tremia. Naquele momento,

compreendeu que sua mãe fizera com ela uma “caça ao tesouro”. Quando criança, essa era sua

brincadeira predileta. No Natal, ou em seus aniversários, a mãe deixava pequenas mensagens,

dando dicas sobre onde estaria o presente. Às vezes, a garota tinha de procurar pela casa toda

e sair no quintal, para conseguir encontrá-lo. Sorriu ao pensar que a mãe tivera de arrumar o

quarto só para colocar aquela primeira carta - a “dica” - sobre a cama. Pegando-a, Selena fora

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a cômoda para guardá-la na gaveta. Aí ela se olhara no espelho e vira a outra carta. Se não

fosse assim, talvez ela nem a tivesse avistado.

Com a nova correspondência na mão, a garota se dirigiu para a poltrona estofada que

ficava junto à janela e sentou-se. “Sentiu falta” da pilha de roupas que sempre estavam

amontoadas na cadeira. Abriu o envelope com a unha do polegar e lentamente tirou a carta de

dentro. Era uma folha tipo pergaminho cor de marfim. Dizia:

Cara Selena,

Talvez você fique muito surpresa pelo fato de eu estar lhe escrevendo. Tenho de

confessar que eu próprio estou um pouco surpreso. Desde que vim embora de Portland, em

junho, uma imagem tem estado sempre em minha mente: você.

Na véspera de minha viagem, fui à sua casa para jantar, apenas para fazer um favor a

Jeremy. Desde que ele começou a namorar a Tânia, ele vinha me pedindo para fazer uma

visita a vocês e procurar me relacionar com a família. Pois bem; naquele dia, cumpri a

promessa que havia feito a ele e até saí com você para tomarmos um café. Para mim, aquilo

foi um simples favor que fiz a meu irmão.

Contudo aconteceu algo que eu nunca havia imaginado: você ficou para sempre em

minha lembrança! Pensando nisso agora, percebo que estou sentindo algo que jamais tinha

sentido antes. Você disse uma frase que me impressionou. Falou que Deus colocou a mão em

mim e vai realizar algo de extraordinário em minha vida. Estou achando que ele já realizou.

Ele me trouxe aqui, à terra de meus antepassados. Espiritualmente falando, este lugar é

muito sombrio; muita gente aqui vive sem esperança. Mas nos poucos meses que estou neste

país, algo aconteceu comigo - sinto-me mais vivo.

Hoje conheço Deus, Selena. Isso é diferente de saber algo a respeito de Deus. Converso

com ele o tempo todo. Gosto de fazer longas caminhadas nos morros das redondezas e

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aproveito para cantor louvores a Deus em voz alta. Não sei por que estou dizendo isso para

você. Talvez seja porque tenho a impressão de que, de todas as pessoas que conheço, você é a

que melhor compreende o que se passa comigo.

Como foi que ficou sabendo que Deus tinha colocado a mão em mim? Por que orou por

mim durante vários meses, como você mesma disse? De onde vem esse seu “cuidado” por

mim, Selena? Pela primeira vez na vida, estou começando a desejar ter esse mesmo tipo de

atitude.

Não sei se tudo isso está fazendo muito sentido para você. E se não quiser responder,

não precisa. Eu compreendo, pode crer. Mas gostaria de pedir-lhe que se correspondesse

comigo. Acho que, quando nos conhecemos, na Inglaterra, nosso relacionamento não teve um

começo muito promissor. Creio que naquela ocasião eu era muito diferente de como sou hoje.

Você crê que as pessoas merecem uma segunda chance? Pois eu gostaria de ter uma segunda

chance no relacionamento com você.

E é com muita satisfação que lhe digo isto: estou orando por você, Selena. E pretendo

continuar, mesmo que decida não me escrever.

Sinceramente,

Paul

Selena leu a carta outra vez, agora mais devagar e movendo os lábios. Dessa vez, ela lhe

pareceu ainda mais agradável. E quando a leu pela quarta vez, lágrimas lhe escorriam pelo

rosto. Piscou para afastá-las e leu-a pela quinta vez.

Paul está orando por mim, pensou. Tenho de lhe contar o que aconteceu no trem; e vou

lhe falar sobre Alex. Será que Jeremy lhe falou do casamento de Douglas e Trícia? Ah, e

posso comentar também sobre a Highland House. Ele vai querer saber o que está

acontecendo de diferente no abrigo dirigido pelo tio dele. Puxa, tenho muito que lhe contar!

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Sua cabeça logo ficou “a mil”, pensando em tudo que poderia relatar ao rapaz. As frases

iam se formando, uma atrás da outra, e se multiplicando incessantemente. Afinal, porém, teve

de parar. Sua mente estava esgotada com a “ressaca” da viagem.

Agora não vai dar pra escrever. Tenho de dormir.

Encaminhou-se para a cama, dobrou a preciosa carta e colocou-a debaixo do travesseiro.

Tirou o sapato e deitou-se toda encolhida na cama gostosa. O cansaço caiu sobre ela como um

cobertor invisível, e seus olhos pesados se fecharam. Um sorriso de satisfação apareceu em

seus lábios.

Talvez Selena não soubesse exatamente como iria desenvolver esse novo e maravilhoso

relacionamento com Paul. Contudo, de um fato tinha certeza; estava disposta a abrir o coração

para ele.

Fim.