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    A Quem Interessa o ControleConcentrado de Constitucionalidade?O Descompasso entre Teoria e Prtica na Defesa dos

    Direitos Fundamentais

    Who is Interested in the Centralized System of Judicial Review? The Mismatch between Theory and Practice in the Protection of Basic Rights

    ( Working Paper )

    Alexandre Arajo CostaInstituto de Cincia Poltica Universidade de Braslia

    Juliano Zaiden BenvindoFaculdade de Direito Universidade de Braslia

    Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientfico e Tecnolgico (CNPq)

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    A Quem Interessa o Controle Concentrado de Constitucionalidade?O Descompasso entre Teoria e Prtica na Defesa dos Direitos Fundamentais

    Resumo: O constitucionalismo brasileiro convive com dois sistemas de controle deconstitucionalidade simultneos: a) o sistema difuso, que, apesar de suas particularidades vrias,apresenta semelhanas com o sistema norte-americano; b) o sistema concentrado, que apresentasemelhanas com algumas realidades constitucionais europeias. A dualidade tem gerado importantesdebates no mbito acadmico, na medida em que, conforme parcela relevante da doutrina brasileira, osistema concentrado o paradigma para o novo constitucionalismo brasileiro e para a consolidao desua democracia. Porm, preciso refletir com cuidado, se as transformaes em curso noconstitucionalismo brasileiro, que tm favorecido o sistema concentrado em detrimento do difuso, defato, cumprem esse propsito. Esta pesquisa visa a indagar se o sistema concentrado, tal como hojedesenhado, tem efetivamente contribudo para a proteo dos direitos e garantias fundamentais e,portanto, para a consagrao da democracia brasileira. A pergunta a quem interessa o controleconcentrado de constitucionalidade? deseja levar discusso se o sistema concentrado tem, apesar dodiscurso doutrinrio majoritrio, efetivamente defendido o interesse dos indivduos ou, ao contrrio,interesses institucionais especficos, tal como corporaes. Para tanto, ela realizou uma anlisepormenorizada de todas as decises proferidas em Aes Diretas de Inconstitucionalidade (ADI)julgadas pelo Supremo Tribunal Federal de 1988 a 2012. Assim, em vez de serem examinados osdiscursos que avaliam os sistemas de controle, partiu-se para uma anlise emprica da prtica cotidianadesenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal no exerccio do controle concentrado deconstitucionalidade. As concluses do trabalho apontam que, muito mais do que defender os direitos egarantias fundamentais, o controle concentrado de constitucionalidade um grande instrumento paraa defesa de interesses corporativos, explicitando-se, assim, uma clara dissonncia entre discursodoutrinrio e prtica judicial.

    Palavras-Chave : Controle de Constitucionalidade, Sistema Concentrado, Supremo Tribunal Federal,Direitos Fundamentais, Corporaes, Aes Diretas de Inconstitucionalidade.

    Who is Interested in the Centralized System of Judicial Review? The Mismatch between Theory and Practice in the Protection of Basic Rights

    Abstract: Brazilian constitutionalism deals with two simultaneous systems of judicial review: a) thediffuse system, which, despite its particularities, resembles, in some aspects, the American system ofjudicial review; b) the centralized system, which is somehow similar to some European constitutionalrealities. This dualism has generated important debates among scholars, especially because, accordingto many of them, the centralized system is the new paradigm for the new Brazilian constitutionalismand the consolidation of its democracy. However, we must carefully consider whether the ongoingtransformations in this new Brazilian constitutionalism, which have favored the centralized systemover the diffuse one, in fact, accomplish this purpose. This research aims to question whether thecentralized system of judicial review, as it is designed nowadays, has effectively contributed to theprotection of basic rights and guarantees, and therefore to the consolidation of Brazilian democracy. The question who is interested in the centralized system of judicial review? seeks to bring thediscussion of whether the centralized system of judicial review has, despite the mainstream literature,effectively protected the interests of individuals or, on the contrary, defended specific institutionalinterests, as those of corporations. For this purpose, this research carefully examined all the decisionsmade in cases involving Direct Unconstitutionality Actions (ADI) by the Brazilian Federal SupremeCourt from 1988 to 2012. Therefore, instead of analyzing the discourses themselves evaluating thedistinct systems of judicial review, this research goes directly to the empirical perspective of the dailypractice of the Brazilian Federal Supreme Court in deciding cases through the centralized system ofjudicial review. The conclusions of this research indicate that, more than protecting basic rights andguarantees, the centralized system of judicial review is an instrument for the protection of corporateinterests, showing thereby a clear dissonance between the mainstream literature and the judicialpractice.

    Keywords: Judicial Review, Centralized System, Brazilian Federal Supreme Court, Basic Rights,Corporations, Direct Unconstitutionality Actions.

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    Observao importante sobre os grficos Tendo em vista que este trabalho envolve uma multiplicidade de grficos, optamos porexibi-los na plataforma pblica do programa Tableau, que possibilita uma visualizaomais adequada. O link para os grficos referidos no trabalho : http://tabsoft.co/1xi4G29

    Pesquisadores Adriana Leineker Costa . Servidora do Supremo Tribunal Federal. Alexandre Arajo Costa . Professor Adjunto do Instituto de Cincia Poltica daUniversidade de Braslia. Doutor em Direito pela Universidade de Braslia.

    Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho . Doutorando em Direito pela Universidade

    de Braslia (orientando do Professor Alexandre Arajo Costa). Realiza sua tese de doutorado enquanto participante da pesquisa.Clara da Mota Santos . Mestre em Direito pela Universidade de Braslia (orientandado Professor Juliano Zaiden Benvindo). Realizou sua dissertao de mestrado enquanto participante da pesquisa.Cristiano Soares Barroso Maia . Doutorando em Direito pela Universidade de Braslia(orientando do Professor Juliano Zaiden Benvindo). Realiza sua tese de doutorado

    enquanto participante da pesquisa.Felipe Justino de Faria . Servidor do Supremo Tribunal Federal. Henrique Augusto Figueiredo Fulgncio . Mestrando em Direito pela Universidade de Braslia (orientando do Professor Alexandre Arajo Costa). Realiza sua dissertao de mestrado enquanto participante da pesquisa.

    Jo ! o Tel " sforo Medeiros Filho. Bacharel em Direito pela Universidade de Braslia. Juliana Garcia Barenho . Servidora do Supremo Tribunal Federal. Juliano Zaiden Benvindo . Professor Adjunto de Direito Pblico da Universidade de Braslia. Doutor em Direito pela Universidade Humboldt de Berlim e pelaUniversidade de Braslia.Kelton de Oliveira Gomes . Mestrando em Direito pela Universidade de Braslia(orientando do Professor Alexandre Arajo Costa). Realiza sua dissertao de mestrado enquanto participante da pesquisa. Assessor Jurdico da Procuradoria Geralda Repblica.Lara Parreira de Faria Borges . Mestranda em Direito pela Universidade de Braslia.

    Luciano de Carvalho Villa . Graduando em Direito pela Universidade de Braslia.

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    Sumrio

    Introduo ................................................................................................... 1. O controle concentrado de constitucionalidade ................................. 2. Uma Breve Introduo ao Sistema Concentrado de

    Constitucionalidade Brasileiro .......................................................... 3. O universo analisado .........................................................................

    Captulo 1. Perfil de Ingresso ..................................................................... 1. Perfil dos demandantes ..................................................................... 2. Perfil dos Atos Impugnados ..............................................................

    Captulo 2. A Situao Atual dos Processos ............................................... 1. Fases dos processos ........................................................................... 2. O perfil das liminares ........................................................................

    3.

    O tempo dos processos .....................................................................

    4. Processos prejudicados ..................................................................... 5. Processos decididos .......................................................................... 6. Perfil das decises de procedncia .................................................... 7. Decises de Procedncia por fundamentos invocados ......................

    Concluses ..................................................................................................

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    Introduo

    1. O controle concentrado de constitucionalidade

    Quando um pas desenvolve um sistema de controle de constitucionalidade,dois so os modelos que normalmente so tomados como referncia. O maisantigo o controle difuso, cujo principal representante o sistema dos EUA, emque qualquer juiz tem competncia para declarar a inconstitucionalidade de umnorma jurdica e sua deciso se volta para um determinado caso. Embora essemodelo seja tipicamente classificado tambm comoconcreto, no se pode perder de vista que a regra dostare decisisconfere s decises do judicirio norte-americanouma eficcia que ultrapassa as partes envolvidas no processo e que, no caso dedecises da Suprema Corte, podem ser identificadas como deciseserga omnes , vistoque os precedentes deste tribunal vinculam todo o judicirio dos EUA. Nessamedida, mesmo considerando que os julgamentos tm por objeto uma situaoconcreta, o processo decisrio pautado pelo reconhecimento de que o precedentecriado ter por consequncia a invalidao da norma.

    No caso dos pases decivil law , a inexistncia dostare decisisexige a introduode adaptaes nesse modelo difuso, adaptando-o ao fato de que as decises judiciatm efeitos meramenteinter partes . Uma das formas tpicas de conferir um resultadoextra partes ao judicial reviewfoi o desenvolvimento de aesabstratas(em que o

    objeto da deciso uma declarao da inconstitucionalidade da normaimpugnada), que no podem ser apreciados por qualquer magistrado, mas somentpodem ser julgados por uma corte com competncia especificamenteconstitucional. Esse modelo abstrato e concentrado tpico de alguns paseseuropeus, em que somente a corte constitucional tem essa competncia e suadeciso tem como objeto uma norma jurdica em abstrato e, no, um caso concretoespecfico.

    Esses dois modelos so bastante diversos tanto em sua estrutura como emsua histria, e alm disso cada pas que estabelece um sistema de controle, mesmque use esses dois paradigmas como inspirao, tende a realizar sistemas compeculiaridades que os adaptam s peculiaridades de sua organizao. Nessecontexto, o Brasil tem a especificidade de ter institudo um sistema misto, em qucoexistem elementos de controle difuso e de controle concentrado, o que gera umasrie de questionamentos sobre a possibilidade da convivncia desses dois modeloque, em suas linhas gerais, parecem bastante antagnicos.

    Historicamente, desde a primeira constituio republicana, promulgada em1891, apesar de o Brasil adotar o sistema jurdico decivil lawherdado da colonizaoportuguesa, teve prevalncia o sistema difuso de constitucionalidade, cujacaracterstica difusa lembra dos Estados Unidos da Amrica, mas sem a regra de

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    stare decisis . Isso implicou, inicialmente, que as decises de judicial reviewtinhameficcia apenas inter partes, dificuldade esta que foi enfrentada na Constituio d1934 por meio da engenhosa atribuio ao Senado Federal da possibilidade (e nda obrigao) de suspender a execuo, no todo ou em parte, de qualquer lei ouato, deliberao ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionaipelo Poder Judicirio (art. 91, IV).

    Ao lado desse sistema, o regime militar ps-64 instituiu por meio da EmendaConstitucional n. 16/1965 uma forma de controle concentrado, feita diretamentepelo Supremo Tribunal Federal, mas que somente poderia ser ajuizada peloProcurador-Geral da Repblica, que era ento o representante jurdico da Unioescolhido pelo Presidente da Repblica e demissvelad nutum . Assim, todos oscidados poderiam manejar o controle difuso, mas o controle concentrado eracircunscrito proteo dos interesses da Unio. Essa estrutura foi reproduzida na

    Constituio de 1967 e se manteve ao longo de todo o regime militar.Com a redemocratizao do pas, a Constituio Federal de 1988 manteve

    essa sobreposio de sistemas, mas buscou contrabalanar o carter autoritrio dosistema concentrado mediante uma ampliao no rol de legitimados, que passou englobar tambm partidos polticos, poderes legislativos e entidades sindicais associaes de classe. Alm disso, houve uma mudana no papel poltico doProcurador-Geral da Repblica, que deixou de ser demissvel pelo Presidentetornando-se assim mais autnomo para agir na defesa da ordem jurdica e dosinteresses coletivos e difusos.

    Na dcada de 1990, houve uma srie de alteraes tanto no controleconcentrado, com a criao de novas aes (ampliando o seu escopo) e aintroduo de uma possibilidade de modulao dos efeitos da deciso, que podemser tanto ex tunc como ex nunc . J na ltima dcada as modificaes maisimportantes ocorreram no controle difuso, antes de carter acentuadamenteconcreto,que foi tornado cada vez mais abstrato, com a introduo de smulas vinculantes(capazes de dar efeitoserga omnesa decises em controle difuso) e com decises doSTF que tm aplicado ao controle difuso as regras do controle concentrado, comoa modulao de efeitos. Existem posicionamentos, inclusive, que defendem que adecises de controle difuso devem ter os mesmos efeitos das decises do controleconcentrado. Alm disso, houve a introduo de mtodos de seletividade, em que o Tribunal julga recursos constitucionais apenas em matrias que considera que tmrepercusso geral, o que restringiu sobremaneira a possibilidade dos cidadolevarem ao STF questes em sede de controle difuso.

    Assim, nos ltimos 15 anos, tem havido um processo de esvaziamento docontrole difuso e de ampliao do controle concentrado, movimento este que tem

    sido defendido sobretudo por alguns ministros da Suprema Corte brasileira, comoo mais representativo de um novo momento constitucional brasileiro de defesa dos

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    direitos e garantias fundamentais. O defensor mais constante dessa alterao nomodelo de controle o ministro Gilmar Mendes, que chegou mesmo a dizer quepossumos, hoje, um sistema de defesa da Constituio to completo e to bemestruturado que, no particular, nada fica a dever aos mais avanados ordenamentojurdicos da atualidade1, qualidade esta que estaria sendo alcanada principalmenteem razo de um fortalecimento do modelo concentrado, visto por ele como o maisrelevante2 nesse novo momento.

    Essa posio, contudo, no parece compatvel com o cenrio revelado poruma anlise dos padres decisrios do Supremo Tribunal Federal em sede de

    ADIs, que representam 94% dos processos do controle concentrado. A Constituio Federal de 1988 um marco na democracia brasileira, representanduma ampliao nos direitos atribudos dos cidados e tambm nos mecanismos ddefesa desses direitos. Ao longo dos 25 anos de sua vigncia, houve uma

    experincia democrtica que se consolida a cada ano, sendo especialmente notvo fato de que tem sido possvel, nos quadros institucionais estabelecidos pelaConstituio, tem sido possvel enfrentar os desafios sociais e polticos que safiguram, sem que tenha havido qualquer movimento consistente no sentido de queseria necessria uma ruptura constitucional para a consecuo dos interesses sociai

    O controle de constitucionalidade , sem dvida, um dos elementos maisimportantes dos sistemas dechecks and balancesque viabiliza a eficcia das regrasconstitucionais como orientadoras da prtica poltica e governamental. Por issomesmo, preciso refletir com cuidado sobre se as transformaes em curso nosistema de controle de constitucionalidade tendem a contribuir para a consolidadesse movimento democrtico ou se ela pode criar espaos contrrios a esseprojeto poltico e se essas modificaes abrem espao para uma defesa mais efetivdos direitos fundamentais. Ser que o entusiasmo de Gilmar Mendes realmente sjustifica e que esse movimento de concentrao do judicial reviewrepresenta umacontribuio para que o direito brasileiro se torne um dos mais avanadosordenamentos jurdicos da atualidade?

    Essa pergunta especialmente relevante quando temos em vista que, naexperincia constitucional brasileira, a introduo do controle concentrado em 196serviu aos interesses do governo e no da populao, visto que ele somente poderiser manejado em consonncia com as diretrizes de uma Presidncia da Repblicque era subordinada a uma junta militar que atuava soberanamente sob oargumento de que a revoluo vitoriosa se investe no exerccio do PoderConstituinte (AI-01/64).

    1 Mendes, Gilmar; Coelho, Inocncio Mrtires; Branco, Paulo Gustavo Gonet.Curso de Direito Constitucional.Saraiva, 2009, p. 208. 2Mendes, Gilmar. Jurisdio Constitucional.So Paulo: Saraiva, 2005, p. XII.

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    A concentrao do judicial review, tanto hoje como na dcada de 1960, norepresenta apenas uma concentrao de poderes no STF, mas tambm umaconcentrao do direito de movimentar o sistema nas mos dos poucos agenteslegitimados. Essa concentrao deveria ser argumento suficiente para lanadvidas sobre a tese de que esse processo de concentrao contribui efetivamentepara a defesa dos direitos e garantias fundamentais. Essa, contudo, no umadiscusso que tem sido realizada de modo explcito, e que muitas vezes se resumeconstatao, em tese, de que ao menos o Ministrio Pblico tem o dever funcionade atuar na defesa dos interesses das pessoas e no de certos interessesinstitucionais especficos. De fato, o sistema concentrado tem a potencialidadededefender os interesses coletivos, mas faltam anlises consistentes no sentido deidentificar se essa potncia se converte em ato.

    A presente pesquisa desenvolve justamente essa indagao. Para avaliar a

    solidez das posies que apresentam uma dimenso superlativa das qualidades dsistema de controle de constitucionalidade brasileiro, realizamos uma anlispormenorizada de todas as decises de ADIs julgadas pelo STF. Assim, em vez danalisarmos os discursos que avaliam os sistemas de controle, partimos para umanlise da prtica cotidiana desenvolvida pela Suprema Corte brasileira, o Suprem Tribunal Federal (doravante STF), no exerccio do controle concentrado deconstitucionalidade.

    Essa escolha metodolgica tem uma razo estratgica. O sistema de controlede constitucionalidade no Brasil deveras complexo. Quando se examina o modeldifuso, entra-se em um ambiente de infindveis casos, sobretudo porque o STF,como instncia recursal, pode ser provocado a partir de recursos originrios dainstncias inferiores, porm sem um mecanismo transparente de limitao de suaaceitabilidade para julgamento3, tal como ocorre nowrit of certiorarinorte-americano.Isso gera uma quantidade inimaginvel para um leitor no-brasileiro de casos quso examinados pela Corte anualmente. A Suprema Corte dos EUA, por exemplorecebe cerca de 7 mil processos por ano e julga aproximadamente 100( http://direitorio.fgv.br/supremoemnumeros-lancamento ), em julho de 2013,

    havia, no STF, 68.481 casos para julgamento. Na histria recente do STF, esse um nmero relativamente baixo, pois a introduo de um sistema de seletividade djulgamentos fez com que, de 2007 a 2010, o total de processos casse de mais d110 mil ao ano para cerca de 30 mil ( http://direitorio.fgv.br/supremoemnumeros-lancamento ). No primeiro semestre de 2013, foram julgados 37.371 casos, masquantidade semelhante chegou Corte para anlise. Uma vez cientes de que quase totalidade desses casos se referem a formas diversas de acesso ao STF pelo sistemdifuso, pesquisas empricas, nesse campo, deparam-se com o obstculo do imens volume de dados a ser analisado.

    3 Existem alguns mecanismos, como o instituto da Repercusso Geral, mas que so pouco eficientes em termos de definio dos casos que iro ao julgamento.

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    Por outro lado, o controle concentrado de constitucionalidade, por ser bemmais restritivo, possibilita um estudo mais cuidadoso e estatisticamente maiconfivel. No caso desta pesquisa, o foco foi realizado em torno da principal aconstitucional adotada no sistema abstrato, que engloba quase a totalidade de casosque so aqueles originados de aes diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Foramexaminadas todas as ADIs julgadas pelo STF no perodo de 1988 at 2012, o quenglobou um montante de aproximadamente 49.00 aes.

    Essa anlise, embora no permita trazer concluses sobre todo o sistema decontrole de constitucionalidade no Brasil, possibilita, por outro lado, estabelececonstataes bastante contundentes sobre a dissonncia entre o discurso proferidoem favor do controle concentrado de constitucionalidade, que, tal como visto,ganhou fora com a Constituio de 1988, e a realidade de sua adoo. Maiparticularmente, incita a indagao se, no Brasil, como o Ministro Gilmar Mendes

    disse, se tem um modelo de controle de constitucionalidade equiparvel aos maiavanados ordenamentos jurdicos da atualidade - e isso, especialmente, em razda consolidao do modelo concentrado, que passou a ser considerado, ao menospor ele, como o mais relevante na arquitetnica instrumental de defesa dos direitoe garantias dos cidados.

    O propsito desta pesquisa, pois, explicitar, com dados empricos, ascaractersticas que se evidenciam no controle concentrado de constitucionalidadbrasileiro. Como uma democracia jovem, ansiosa por trazer resultados efetivos ndefesa dos direitos e garantias dos cidados, examinar como tem sido exercido ocontrole de constitucionalidade nessa modalidade , sem dvida, um tema que trainteresse, sobretudo no que se refere s possibilidades de arranjos institucionainesse contexto. A convivncia de dois modelos, afinal, j , em si, uma curiosidadestrutural do desenho institucional brasileiro. Entretanto, o que mais chama aateno perceber, se o modelo concentrado, do modo como foi pensado noconstitucionalismo brasileiro, realmente tem cumprido sua promessa.

    Alm do mais, surge, a partir dessa investigao, uma abordagem maisconsistente no que se refere ao que tanto se denomina judicializao da polticaou ativismo judicial. Isso porque o avano dos mecanismos de concentrao dasdecises no mbito do STF, tal como se d com a afirmao da importncia eprevalncia do modelo concentrado de controle de constitucionalidade emdetrimento do sistema difuso, tambm reflexo do momento em que as cortesconstitucionais ganham forte protagonismo na definio de diversas pautaspolticas, econmicas e sociais. Esse movimento, que parece bastante visvel emdistintas realidades democrticas contemporneas, tambm sentido no Brasil partir de um avano inegvel do STF no exerccio desse papel mais amplo deatuao. Isso ocorre, por um lado, pela adoo de metodologias que permitemrelativizar direitos, tal como o princpio da proporcionalidade e tcnicasinterpretativas que assumem como premissa que direitos so princpios de

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    fins tambm claramente corporativos, surge o debate sobre a legitimidade destergo.

    As interpretaes a partir dos dados empricos sero agora apresentadas, nointuito de se verificar as possveis disfunes em seu funcionamento. A perguntcentral aqui a quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade, namedida em que, com base nos resultados alcanados da pesquisa, ser possvetambm explicitar que tipo de grupos e interesses normalmente esto associados essa forma de controle. Essa particularidade tambm se estende, como jmencionado, aos atores polticos a provocar o STF no mbito do modeloconcentrado, quando, ento, as indagaes sobre quem tem interesse nesse sistemtraro informaes bastante reveladoras. Para tanto, esta pesquisa ir, inicialmenttrazer uma leve introduo ao sistema concentrado de controle deconstitucionalidade brasileiro, apenas no intuito de explicitar algumas caracterstic

    que o tornam to particular no contexto do exerccio da jurisdio constitucionaem perspectiva comparada e, especialmente, fornecer elementos para acompreenso dos tpicos seguintes.

    Aps indicar os aspectos metodolgicos e o objeto da pesquisa, sobretudoindicando que o grande foco da anlise ser o perfil do julgamento realizado pelSTF, a anlise se concentrar em explicitar os atores legitimados a provocarem STF no controle concentrado de constitucionalidade, assim como as caractersticados atos impugnados. As concluses comeam a ganhar maior relevo, todavia, nmedida em que as decises de procedncia - aquelas que tm julgamento favorvde mrito - so discutidas com base nos diferentes fundamentos. , nesse aspectoque se poder verificar quais os temas que, realmente, tm ocupado o STF nombito do controle concentrado de constitucionalidade e, tambm, qual o grau desucesso conforme a temtica. Por fim, a correlao dos temas com a atuao dosdistintos atores polticos na provocao do STF ser abordada, de modo que sepossa ter um panorama mais factvel sobre quem, de fato, tem maior interessenesse sistema de controle de constitucionalidade e quem seu maior beneficirio.

    2. Uma Breve Introduo ao Sistema Concentrado de ConstitucionalidadeBrasileiro

    Como o prprio nome indica, o controle concentrado de constitucionalidadetem como caracterstica central o julgamento sobre a constitucionalidade das leirealizado por um rgo do Judicirio apenas. No caso do judicirio federal brasileiresse controle exclusivo do Supremo Tribunal Federal (STF) quando provocadoem especial, por Aes Diretas de Inconstitucionalidade (ADI),5 Aes

    5 A Ao Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nasce como uma decorrncia de um processo de expanso das formas de controle concentrado de constitucionalidade que j comeava a se desenhar desde a Constituio Federal de 1934 com a ento denominada Representao Interventiva. Este instrumento, que tinha muito mais o intuito de

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    Declaratrias de Constitucionalidade (ADC)6 e Arguies de Descumprimento dePreceito Fundamental (ADPF)7. Esse modelo, que tem forte influncia europeia,distingue-se da matriz norte-americana que inspirou o sistema difuso de controle dconstitucionalidade, existente no Brasil desde a primeira Constituio republicanem 1891.

    Alm de ser concentrado, no Brasil, ele tambm se qualifica como abstratoem que se avalia diretamente a constitucionalidade da norma e, no, aconstitucionalidade de uma situao concreta que toma por base os dispositivosimpugnados. Esse sistema, que ganhou fora, sobretudo, com o advento daConstituio Federal de 1988 e emendas constitucionais posteriores, possui, comuma de suas principais justificaes, sua aptido para a defesa dos direitos e garantifundamentais. Assim, para parcela substancial e influente da doutrinaconstitucional brasileira, esse sistema seria base para se poder afirmar, como j

    antes aludido, que possumos, hoje, um sistema de defesa da Constituio tocompleto e to bem estruturado que, no particular, nada fica a dever aos maisavanados ordenamentos jurdicos da atualidade8. Existe tambm a crena de queele pode melhor garantir racionalidade deciso, exatamente enquadrando-se npremissa de que a Corte Constitucional existe para tomar as decises maisracionais9. Por outro lado, comeou-se a qualific-lo como o mais relevante dentroda nova sistemtica de controle de constitucionalidade construda pela Constituide 1988, tornando o controle difuso secundrio nessa configurao10.

    resolver conflitos federativos em sua configurao originria, teve seu objeto ampliado nas seguintes constituies democrticas e, em 1965, com a Emenda Constitucional n 16, passou a conviver com a Representao de Inconstitucionalidade. Tal como a ADI, a Representao de Inconstitucionalidade tinha como objeto o controle de constitucionalidade de normas estaduais e federais, mas sua propositura era possvel apenas por intermdio Procurador-Geral da Repblica.Com a Constituio Federal de 1988, todavia, outros rgos passaram a poder provocar o STF por intermdio da ADI. Seu objeto so atos normativos federal ou estadual, inclusive emendas constitucionais (por questes formais. ofensa s clusulas ptreas previstas no art. 60, 4, da Constituio ou em razo de circunstncias excepcionais que vedam o poder de emenda, como interveno federal, estado de defesa e estado de stio (art. 60, 1, da Constituio). 6 Criada com a Emenda Constitucional n 3, em 1993, a Ao Declaratria de Constitucionalidade tem, como propsito, solicitar ao STF o pronunciamento sobre a constitucionalidade de uma determinada norma jurdica e, em caso de confirmao desse pedido, vincular o resultado s instncias inferiores e Administrao Pblica. Embora tenha sido criada muito com o intuito de permitir uma certa governabilidade diante de decises inferiores contrrias a poltica econmica da poca, as ADCs visam a pacificar uma determinada matria controversa. Seu objeto lei ou ato normativo federal. 7 J prevista na Constituio Federal de 1988 (originalmente art. 102, pargrafo nico e, posteriormente, 1, com a Emenda Constitucional n 3/93), somente foi regulamentada com a Lei 9.882, de 1999. Seu cabimento caracterizado pelo princpio da subsidiariedade, isto , somente se no houver outro meio idneo para questionar a matria, ser cabvel promov-la. Seu objeto, bastante vago, ofensa a algum preceito fundamental, mas, em razo do princpio da subsidiariedade, ela acaba sendo utilizada nas hipteses no cabveis nas outras aes em controle abstrato e concentrado. o caso, por exemplo, de atos normativos municipais e tambm direito pr-constitucional, isto , normas anteriores Constituio de 1988 que ainda vigoram no ordenamento jurdico. 8 Mendes, Gilmar; Coelho, Inocncio Mrtires; Branco, Paulo Gustavo Gonet.Curso de Direito Constitucional.Saraiva, 2009, p. 208. 9Mendes, Gilmar. Entrevista - Gilmar Mendes.Correio Braziliense.Braslia, 08.17.2008. 10 Segundo Gilmar Mendes, a Constituio de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimao para propositura da ao direta de inconstitucionalidade (art. 103) e , por essa forma, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a

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    O ganho de importncia desse sistema se deu progressivamente ao longo dahistria brasileira, sobretudo aps a democratizao. J na Constituio de 1988ocorreu a ampliao dos atores polticos a provocar o STF conforme esse modelo(antes apenas o Procurador-Geral da Repblica poderia faz-lo). Hoje, ao lado delpodem provocar o STF, no controle concentrado, o Presidente da Repblica, aMesa do Senado Federal, a Mesa da Cmara dos Deputados, a Mesa de AssembleiLegislativa ou da Cmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estadou do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,partido poltico com representao no Congresso Nacional e confederao sindicaou entidade de classe de mbito nacional11. Essa alterao, todavia, no significoutransformar o STF em corte constitucional que operaria apenas com base nocontrole concentrado de constitucionalidade. Essa ideia, que buscava inspirao emalguns modelos europeus de cortes de constitucionalidade, no vingou na Assembleia Constituinte, mesmo que tenha sido aventada. O STF ainda seconfiguraria como uma corte recursal no mbito do modelo de controle difuso deconstitucionalidade. Afinal, a longa tradio desse sistema, assim como sucaracterstica fortemente republicana - j que baseado na premissa de que ocontrole de constitucionalidade pode e deve ser exercido por qualquer juiz emqualquer instncia e, sobretudo, instaurado por meio de provocao de qualquerindivduo - acabou emperrando essa proposta. Contudo, mesmo que no tenhasido aprovada a configurao de uma corte constitucional tpica consoante modelocomuns na Europa, acabou que o caminhar legislativo posterior, assim como aconstruo da jurisprudncia do STF, foram promovendo o avano de suaaplicao em prejuzo do sistema difuso. O fracasso inicial evidenciado na Assembleia Constituinte, portanto, foi sendo superado por tentativas progressivade aproximar o modelo brasileiro daquele de uma corte que concentra, comexclusividade, os debates constitucionais12.

    As modificaes substanciais que o constitucionalismo brasileiro tem sofridono mbito da jurisdio constitucional podem ser assim sintetizadas: 1)instrumentalmente, passou-se a priorizar o sistema concentrado deconstitucionalidade em detrimento do sistema difuso, que no mais condiziria coma proposta de uma verdadeira corte constitucional em construo e

    amplitude do controle difuso de constitucionalidade. (Mendes, Gilmar.Curso de Direito Constitucional.So Paulo: Saraiva, 2009, p. 1104, 1151). 11 Art. 103, Constituio Federal de 1988.12 So exemplos desse movimento: 1) a Emenda Constitucional n 3, de 1993, que introduziu a Ao Declaratria de Constitucionalidade (ADC), com o intuito de uniformizar a jurisprudncia por intermdio da vinculao de suas decises; 2) as leis 9.882 e 9.868, de 1999, que trouxeram, alm da regulamentao da Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que possibilita o controle de matrias antes no cabveis em sede de ADIs e ADCs (legislao anterior Constituio de 1988 e legislao municipal, por exemplo), possibilitaram a modulao de efeitos e a suspenso de julgamento de questo nas instncias inferiores, caso a matria estivesse em discusso no STF no controle abstrato e concentrado de constitucionalidade; 3) a Emenda Constitucional n 45, de 2004, que trouxe os institutos da Repercusso Geral e Smula Vinculante. Para maiores informaes, vide Benvindo, Juliano Zaiden.On The Limits of Constitutional Adjudication: Deconstructing Balancing and Judicial Activism.Heidelberg; New York: Springer, 2010, p. 83-131.

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    aperfeioamento desde a democratizao; 2) teoricamente, passou-se a enfatizar agrandes vantagens desse sistema, na medida em que conseguiria racionalizar deciso, uniformizar o entendimento de determinada matria e, de modo clereliquidar uma controvrsia, especialmente no mbito da defesa dos direitos egarantias fundamentais. Assim, em termos sintticos, pode-se dizer, segundo essentendimento hoje majoritrio, que o controle concentrado de constitucionalidadeseria no apenas o mais instrumental e racionalmente adequado para a defesa dodireitos e garantias fundamentais, como tambm o mais condizente com o espritodemocrtico da Constituio de 1988.

    Esse pensamento no , todavia, pacfico. Menelick de Carvalho Netto,professor de direito constitucional da Universidade de Braslia, , por exemplo, umforte opositor desse movimento e lamenta profundamente essa transio para umanfase no controle concentrado de constitucionalidade. Para ele, este mecanismo

    no somente representa uma importao incorreta da formulao austraco-germnica, mas quebra referindo-se ao sistema difuso de constitucionalidade com uma tradio muitssimo mais antiga e tambm melhor em termos deexperincia e de vivncia constitucional do que a alem, extremamente maisofisticada e muito mais efetiva como garantia da ideia de liberdade e de igualdadconcretas13. Entendimento semelhante partilhado por Marcelo Cattoni deOliveira14.

    H, por isso, uma compreenso bastante complexa dessa realidade deexpanso do controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque ela atingeum ponto nuclear de no fcil soluo: a premissa de que o controle concentradode constitucionalidade , efetivamente, mais adequado para a defesa de direitos garantias fundamentais e, portanto, condizente com o esprito democrticooriginrio da Constituio Federal de 1988. Essa premissa , por isso, o objeto dexame desta investigao: ela deseja mostrar at que ponto se pode realmenteassumi-la como argumento plausvel, sobretudo por intermdio do cotejo comdados empricos diretamente obtidos a partir do exame, caso a caso, das deciseproferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

    3. O universo analisado Embora nossa pesquisa tivesse como escopo inicial tratar de todo o controle

    concentrado de constitucionalidade, decidimos restringir o objeto e tratar apenasdas ADIs, que so processos em que o STF aprecia pedidos de declarao deinconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo estadual ou federal. Essas so a

    13 Segundo Menelick de Carvalho Netto, esse sistema faz uma importao por via legal de supostos tpicos do controle concentrado ou austraco de constitucionalidade das leis (Carvalho Netto, Menelick. A Hermenutica Constitucional e os Desafios Postos aos Direitos Fundamentais. In: Sampaio, Jos Adrcio Leite (ed.). JurisdioConstitucional e Direitos Fundamentais . Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 163). 14 Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade. Direito Processual Constituciona l. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, pp. 212 ss.

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    aes preponderantes dentro do controle concentrado, correspondendo aaproximadamente 94% dos processos ajuizados. Alm disso, existem centenas ddecises de procedncia em sede de ADI, o que torna esse grupo de processosmais adaptado metodologia adotada neste trabalho.

    Com isso, deixamos para um segundo momento a anlise das ADPFs, e ADCs, pois consideramos que uma avaliao conjunta de todos esses processosconduziria a resultados distorcidos. Em primeiro lugar, isso decorreria do fato deque os critrios de avaliao da inconstitucionalidade por omisso so diversos doda inconstitucionalidade por ao, o que inviabiliza uma categorizao conjunta doargumentos que fundamentam as decises. Alm disso, um mesmo critrio podeter sentidos diversos nesses processos, especialmente porque as decises deprocedncia em ADC, em ADI e em ADO tm implicaes muito diversas, o queinviabiliza um tratamento quantitativo que trata esses provimentos como

    equivalentes, comparando-se os ndices de procedncia. Ademais, o grande nmerde ADIs torna pouco significativas anlises globais, tendo em vista que aspeculiaridades dos outros processos teriam uma pequena influncia no quadrogeral, pois elas representam apenas 6% dos processos.

    Ao restringir nosso campo de anlise s ADIs, exclumos do escopo as ADIsque foram convertidas em outros tipos de ao (ADOs e ADPFs) e tambmaquelas em que se impugna a omisso constitucional, pois agregamos essesprocessos ao conjunto das ADOs (Aes de Inconstitucionalidade por Omisso).Inicialmente, o controle da omisso constitucional era feito em se de ADI, masdesde outubro de 2008 esse tipo de pedido tem sido autuado como ADO, o que mais adequado na medida em que os critrios e resultados dessas aes so bastantdiversas. Nessa passagem, vrias ADIs foram reautuadas como ADO, mas aquelaque j haviam sido julgadas permaneceram como ADIs, motivo pelo qual ns agrupamos juntamente com as ADOs para posterior anlise conjunta.

    Desde a promulgao da Constituio Federal de 1988 at o presentemomento foram ajuizadas perante o STF cerca de 4.900 ADIs. Embora olevantamento que embasa a presente pesquisa abranja at o incio de 2013(abrangendo at a ADI 4.913), o trabalho abranger apenas os processosdistribudos at dezembro de 2012, vez que vrias das nossas anlises levaro emconta a base anual para servir como critrio de anlise. Analisaremos, assim, a ADIs de 1 a 4893, excluindo desse universo apenas as 97 aes que tratam deomisso, uma que foi convertida em ADPF e os 68 casos em que no existe aocorrespondente ao nmero autuado no STF15. Assim, o universo analisado

    15 Essa situao ocorre em virtude do sistema de processamento eletrnico, que tem possibilitado a autuao de processos nos quais muitas vezes no apresentada uma petio inicial, seja porque no foi apresentado o documento ou porque foi apresentado documento diverso de uma inicial de ADI. Nesses casos, o nmero ficou tomado, mas no h um processo correspondente a ele.

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    composto por um total de 4727 processos, distribudos entre outubro de 1988 edezembro de 2012.

    No se trata, portanto, de uma avaliao voltada a delinear o comportamentoatual do STF, mas da elaborao de um panorama geral de sua atuao ao longo d24 anos, possibilitando uma anlise global da experincia do controle concentradmediante ADIs e o estabelecimento de comparaes entre os diversos perodos,para delinear o modo como os padres de processamento e julgamento semodificaram no tempo.

    Embora a compreenso da atuao judicial envolva uma anlise de casosespecficos e de linhas argumentativas dominantes, o que tem sido feito pelosestudos dogmticos, tambm necessria uma viso panormica que permita avalio funcionamento do sistema como um todo. Mesmo atores que lidamdiariamente com o controle concentrado no costumam ter uma viso global daoperao do sistema, visto que a sua ateno est quase sempre nos processosindividuais ou, no mximo, nas linhas jurisprudenciais. Boa parte do que ocorrcom os processos no tem visibilidade seno em uma anlise abrangente, como feita nesta pesquisa.

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    Captulo 1. Perfil de Ingresso

    Vrias pesquisas que analisam o perfil do controle concentrado deconstitucionalidade se limita a traar o que chamamos perfil de ingresso, analisandoquais so as demandas levadas ao poder judicirio. Esse enfoque est ligado idede politizao do judicirio, no sentido de que certas demandas so submetidas anlise judicial e que importante realizar uma anlise do contedo das petieiniciais, classificando-as em termos das temticas que elas tratam e cruzando essdados. Esse perfil entrada j est relativamente mapeado nos trabalhos de Werneck Vianna e outros16 e consideramos que o esforo de fazer um levantamento de todasas peties iniciais de quase cinco mil processos no compensariam as informaeque esse estudo revelaria.

    Nossa opo foi concentrar nossos esforos primordialmente em outro ponto,que menos trabalhado: perfil de julgamento. Os trabalhos de Werneck Vianna e outros,por exemplo, no exploraram essa vertente, pois no classificaram as deciseem termos dos seus fundamentos, limitando-se a avaliar o perfil de ajuizamentoEsse tipo de abordagem se concentra na questo da politizao do judicirio, namedida em que traa o modo como cada grupo de demandantes se utiliza da viajudicial para impugnar decises polticas. Todavia, eles esclarecem muito poucsobre a operao do prprio sistema judicial, na medida em que no esclarecem o

    modo como o judicirio respondeu a tais demandas.Nosso interesse no perfil de julgamento est ligado a outra preocupao

    terica, ligada anlise doativismo judicialque move a corte, e que no pode serentendido a partir de um mapeamento das aes ajuizadas, e sim das decisesefetivamente dadas, visto que o ativismo judicial ser medido pela frequncia comque um determinado magistrado ou tribunal invalida as aes (normas e atosnormativos) de outros poderes de Estado, especialmente do Poder Legislativo17.Esse tipo de preocupao j se encontra no recente trabalho da SBDP realizado

    sob a encomenda do Ministrio da Justia e publicado no n. 30 da Srie Pensando Direito, mas esse trabalho se concentrou apenas nas 19 decises de procednciarelativas a atos originados do Poder Executivo Federal, especialmente das MedidaProvisrias. Ademais, mesmo que essa pesquisa tenha acentuado a utilidade ddiferenciar as decises de inconstitucionalidade formal e material, o trabalho se

    16 Cf. VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palcios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A Judicializao da Poltica e das Relaes Sociais no Brasil.Rio de Janeiro: Revan, 1999; VIANNA, Luiz Werneck. Dezessete anos de judicializao da poltica. Tempo Brasileiro, Revista de Sociologia da USP, v. 19, n2. So Paulo, 2007. 17 Sunstein, Cass.Radicals in Robes: Why Extreme Right-Wing Courts are Wrong for America . New York: Basic Books, 2005, p. 41.

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    concentrou mais natemticados processos do que nos argumentos utilizados nasdecises.

    Entendemos que existe uma lacuna nos estudos voltados a esclarecer o perfildas decises, especialmente estudos que envolvam uma categorizao dosfundamentos utilizados pelo STF na efetiva anulao de atos normativos editadopor outras instituies. Concordamos assim com o diagnstico de Arantes nosentido de que, apesar do reconhecimento de que o STF tem assumido umaposio de destaque no cenrio poltico, ainda no dispomos de uma visosistemtica e coerente acerca do trabalho da corte18. Assim, o objetivo dessetrabalho contribuir para o preenchimento dessa lacuna, tendo como principalfoco identificar em que medida as decises do STF so ligadas proteo dosdireitos fundamentais dos cidados, visto que esse o principal argumento quenormalmente se utiliza para justificar a prpria legitimidade dos sistemas de judicial

    review . Apesar desse enfoque centrado no perfil de julgamento, inicialmente

    traaremos tambm um perfil de entrada, tanto porque essa anlise importantepara estimular alguns questionamentos como porque a comparao entre entrada eresultado importante para compreender os julgamentos. Alm disso,apresentamos algumas categorizaes no perfil de entrada que podem iluminaalguns pontos relevantes e mudanas relativas s pesquisas anteriores,especialmente na anlise das entidades legitimadas pelo inciso XI (entidadesindicais e de classe) e uma categorizao explcita do tipo de ato impugnado (em vez de usar a informao bruta dointeressadocomo base para inferir que atosestariam sendo impugnados).

    Para comear a anlise, partimos de um panorama geral dos processos queingressaram no STF ao longo do perodo estudado. Trata-se de 4.727 Aes Diretade Inconstitucionalidade, propostas entre 1988 e 2012, o que gera uma mdia dequase 200 processos por ano nesse perodo. O grfico abaixo mostra a evoluono nmero de processos distribudos a cada ano, mostrando que a distribuio fobastante regular, respeitando normalmente uma variao de cerca de 50 processo(25%). Fogem a essa variao apenas os atpicos anos de 2003 e 2004, em quhouve um grande aumento nas aes propostas pelo MP, e o ano de 2010, em quehouve uma reduo significativa nas aes propostas tanto pelo MP como dosgovernadores de estado. Mesmo assim, apenas em 2004 o valor chega a ultrapassaligeiramente 50% da mdia.

    1. Processos distribudos por ano Todos os grficos esto disponveis noseguinte endereo:

    http://public.tableausoftware.com/views/ControledeConstitucionalidadeviaADIsRelatrioFinal/1_Processosdistribudosporano?:embed=y&:display_count=no 18 Arantes, Rogrio Bastos. Cortes constitucionais. In: Avritzer, Leonardo e outros.Dimenses polticas da

    Justia. Rio de Janeiro: Civilizao brasileira, 2003, p. 205.

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    Werneck Vianna e outros realizaram um levantamento dos dados globais deajuizamento de ADIs em 2005 e concluram que depois do pico de 1989-1990decorrente do processo de reviso das constituies estaduais, o nmero anual de Adins volta a crescer continuamente, indicando a consolidao dessa via dejudicializao19. De fato, como mostra o grfico a seguir, houve um primeiro picoem 1990, no qual 50% dos atos impugnados eram dispositivos das constituiesestaduais recm editadas.20

    1.1 O que se impugna? Todavia, no se afigura correta a afirmao de que houve um crescimento

    contnuo do nmero de ADIs, tendo em vista que a quantidade anual de processosfoi bastante varivel. Essa realidade se torna mais evidente a partir de 2006, quandhouve uma queda anual sensvel do nmero de aes, que aps o pico de 2003 a2005, voltaram a se estabilizar em torno de 200 processos por ano. Esse pico deajuizamentos foi lido como uma consolidao da via de judicializao, mas umanlise mais pormenorizada mostra que se tratou de uma situao atpica, que ogrfico a seguir esclarece ter decorrido de uma mudana no padro de litigncia dPGR.

    Alm disso, fica claro que a devida compreenso dessas informaes develevar em conta que a litigncia em sede de ADI segue padres muito diversos nocaso da impugnao de normas federais e de normas estaduais, como mostra oseguinte grfico. Para facilitar as referncias, chamaremos de ADI-F aquela

    voltadas a impugnar leis ou atos normativos editados por rgos federais e ADI-Eaquelas voltadas a anular atos normativos estaduais.

    1.2 Distribuio, por atos impugnados. Segmentado federal/estadual

    Esse grfico indica que a evoluo da impugnao de atos federais e estaduaiseguiu ritmos muito desiguais. O ajuizamento de ADIs-F teve sete anos com picode ajuizamento que ultrapassaram 80 ADIs ajuizadas, e eles formam topos bastantuniformes, j que o maior nmero de ajuizamentos ocorreu em 1994, com 91processos. Cabe ressaltar que os patamares de ajuizamento dos ltimos 3 anos estabaixo da mdia histrica, o que no aponta para um incremento dos julgamentosde ADIs.

    No caso das ADIs-E, os picos ocorrem em anos diferentes e a distribuiodos processos segue padres mais heterogneos. Percebe-se, em especial, que ograndes picos constantes do grfico global das ADIs corresponde aos picos desse

    19 Vianna, Luiz Werneck. Dezessete anos de judicializao da poltica. Op. cit., p. 46. 20 De agora em diante, ocultaremos dos grficos de distribuio o ano de 1988, pois o nmero de aes nele iniciadas excepcionalmente pequeno, tendo em vista que a Constituio foi promulgada no fim de outubro. Essa disparidade alm de poder inspirar interpretaes equivocadas por quem leia o grfico, termina por tornar bastante limitadas as comparaes de perfil de ingresso, tendo em vista que em um nmero to reduzido de processos pode ter composies muito dependentes de fatores aleatrios. Cabe ressaltar que essa opo no altera os grficos de julgamento, tendo em vista que as primeiras ADIs foram apreciadas apenas em 1989.

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    grfico, tendo em vista que ele mais desigual e responde pela ampla maioria doprocessos. Outro ponto relevante que embora o nmero de ADIs-E sejanormalmente maior que o das ADIs-F, em alguns dos picos os dois grupos atingempatamares semelhantes, como ocorreu em 1997/1998 e em 2007/2009.

    Aps essa ltima convergncia, o nmero de ADIs-F caiu em cerca de 50% eest desde ento estvel em torno de 50 aes por ano. Nestes trs ltimos anos asaes contra atos estaduais tenha crescido, ela ainda se encontra bem abaixo dotopos histricos, embora isso possa ser modificado ainda em 2013, tendo em vistaespecialmente que est ocorrendo o ajuizamento de uma srie de aes degovernadores que tratam da guerra fiscal.

    Assim, ao contrrio do que alguns podem imaginar, e contrastando com ascores fortes com que se costuma descrever atualmente o processo de judicializaoda poltica , a via da ADI no est em expanso, e em certos limites podemosinclusive considerar que est em retrao. Para os atores polticos legitimados propor ADIs, essa apenas uma das estratgias que podem conduzir eliminaode normas que eles considerem inconvenientes. Os juristas tendem descrever a ADI um instrumento decontrole de constitucionalidadedas normas, ou seja, uminstrumento voltado a garantir a coerncia do ordenamento jurdico. Observadadesse ngulo, a ADI pode ser percebida como um processo por meio do qual odireito pelo qual o sistema jurdico mantm a sua integridade, visto que a declarade inconstitucionalidade uma deciso judicial quedeclaraa existncia de umconflito normativo e resolve esse conflito mediante a excluso de uma norma oumais recentemente, mediante a afirmao de uma interpretao conforme quecompatibiliza o ato impugnado com a Constituio.

    Esse tipo de descrio despolitiza a prtica dos legitimados, para os quais a ADI no uma forma de garantir a integridade do sistema, mas uma daspossibilidades de excluir do sistema normasindesejveis . Nenhuma ADI movidaporque determinado ato inconstitucional , visto que preciso que exista o interessepoltico de algum dos legitimados no sentido de excluir a norma do sistema. Umnorma inconstitucional pode permanecer fora do sistema de controle concentradosimplesmente porque os interessados em sua anulao no conseguiram (ou notentaram) mobilizar os legitimados para propor uma ao nesse sentido. Por maique o controle concentrado envolva uma anliseem abstratoda norma impugnada,no podemos perder de vista que este sistema somente pode ser movido quando hum interesseconcretodos agentes legitimados para invocar essa forma de controle.

    Mover uma ADI uma opo poltica, e no uma necessidade lgico-jurdicaPortanto, preciso atentar para os critrios de seletividade que os legitimadosadotam ao escolher quais processos justificam a mobilizao dos seus esforos n

    sentido de conduzir um processo que pode ser longo, custoso e com efetividadeincerta. Para esses atores, a declarao de inconstitucionalidade no o objetivltimo, mas apenas um dos meios que podem conduzir finalidade de excluir uma

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    norma do sistema. E como indica Rogrio Arantes, o papel exercido pelo STFrevela-se antes de tudo complexo, atravessado pelo jogo e pela interao estratgide atores polticos e institucionais"21, o que indica a necessidade de compreender ocontrole a partir dos modos como essa interao se processa.

    O mesmo objetivo alcanvel por meio de ADIs tambm pode ser atingidopor outras estratgias polticas que conduzam alterao normativa, tais como revogao do ato ou a edio de uma nova regra. Por isso, no deve causar espantoo fato de os presidentes da Repblica somente tenham ingressado com 8 ADIs eque essas somente tenham ocorrido em situaes nas quais seria impossvelpromover a alterao legislativa desejada mediante o uso de medidas provisriacinco so contra legislao estadual, uma contra ato do Poder Judicirio, umacontra ato do Ministrio Pblico e uma contra leis de iniciativa privativa da Cmados Deputados e do Senado Federal.

    claro que o carter tipicamenteex tuncdas decises de controle concentradopode ser relevante para situaes especficas, mas devemos ter em mente que, parquase todos os legitimados, pode haver formas mais eficientes de alcanar oobjetivos polticos alcanveis por meio de ADI. Essa utilidade poltica ficou aindmais restrita quando o STF limitou sensivelmente o nmero de liminaresconcedidas, visto que muitas vezes o interesse em uma ADI se esgotava napossibilidade de obter suspenso liminar da norma impugnada. Indeferido o pedidode liminar, o tempo de julgamento no se mostra muito atrativo: uma ao raras vezes julgada procedente em menos de 2 anos e o tempo mdio dessesjulgamentos superior a 5 anos, ou seja, maior que uma legislatura.

    Alm disso, frente observao de que houve apenas dois casos de procednciaem ADIs-F ajuizadas depois de 2006. No caso das ADIs-E, houve 38 decises deprocedncia nas aes ajuizadas entre 2007 e 2010, o que pouco mais do que a33 de decises de procedncia nos processos distribudos em 2006. Essa avaliaseria ainda mais rigorosa caso se leve em conta que apenas 61 das 1.177 aeajuizadas desde 2006 obtiveram cautelares, uma mdia de menos de 10 liminarepor ano. Seguindo esse padro, o ajuizamento de uma ADI-F hoje representariauma chance de 5% de obteno de uma cautelar e no se deveria esperar umjulgamento definitivo para antes de 2018, um cenrio nada animador para osdemandantes. Essa situao no seria muito mais animadora no caso das ADI-Etendo em vista que a reduo das liminares foi geral e que os julgamentos emmenos de 6 anos atingiram apenas 6,2% dos processos ajuizados.

    No podemos perder de vista que o presidente da Repblica, os partidospolticos e as entidades corporativas tm sua disposio uma srie de estratgiapara influenciar a alterao normativa, de modo que, consideradas as dificuldades

    21 ARANTES. Op. cit., p. 203.

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    da via judicial, esta no pode ser considerada a nica, sequer a principal estratgde excluso de normas contrrias aos interesses de tais atores. De todos oslegitimados, apenas o Procurador-Geral da Repblica est relativamente restrito impugnaes judiciais, e mesmo assim devemos levar em conta que no pode sedesconsiderado o peso poltico do MPU para influenciar decises polticas ligadaaos interesses corporativos dessa instituio. E devemos ressaltar que essa pesquismostra que todos os legitimados, inclusive o PGR, movem ADIspreponderantemente na defesa de interesses do prprio legitimado ou dascorporaes a que eles se vinculam, e no na defesa do interesse pblico ou dedireitos difusos.

    Por fim, preciso considerar tambm que o ajuizamento de uma ADI envolveo risco de uma deciso de indeferimento que pode dificultar sobremaneira asmudanas legislativas pretendidas pelos legitimados. A proposio de novas leis,

    presso no Executivo por uma medida provisria ou o investimento em aes delobby(ou advocacy ) podem no gerar os resultados esperados, mas o insucesso demovimentos como esse no contribuem para a estratificao da situao indesejada J uma deciso de indeferimento do pedido em ADI tende a ser entendida comouma declarao de constitucionalidade, especialmente face possibilidade de qucomo defende Gilmar Mendes, citando o ex-ministro Seplveda Pertence, quandocabvel em tese a ao declaratria de constitucionalidade, a mesma fora vinculante haver de ser atribuda deciso definitiva da ao direta deinconstitucionalidade.22

    Em certos casos, os riscos de uma deciso negativa so to altos que pode serpouco atraente esta via de impugnao, especialmente considerando que o STF notem se limitado a apreciar os pedidos, pois em alguns casos o tribunal tem adotadouma postura ativista que o leva a regular as situaes julgadas, como ocorreu ncaso Raposa Serra do Sol, em que foram includas salvaguardas institucionaditadas pela superlativa importncia histrico-cultural da causa, por ser esta umtcnica de decidibilidade que se adota para conferir maior teor de operacionalidadao acrdo (STF, Pet. 3388). Assim, um agente que postula frente ao STF uma

    declarao de inconstitucionalidade pode obter, no final, um provimento que noapenas nega o seu pedido, mas que afirma a constitucionalidade, com efeito vinculante, e eventualmente regule a situao de forma autnoma, mediante regraque no so alterveis pelo processo legislativo por serem consideradas decorrncinecessrias da estrutura constitucional.

    Portanto, a ADI deve ser pensada como uma estratgia poltica, que comoqualquer outra tem seus pontos fortes e fracos. Os pontos fortes so normalmenteressaltados pela literatura jurdica, que trata essa ao como uma forma de controle

    22MENDES, Gilmar Ferreira. (1999) O efeito vinculante das decises do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas.Revista Jurdica da Presidncia , n.1, vol. 4.

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    judicial voltada a garantir a harmonia do sistema jurdico. Entre as especificidaddessa forma de controle, est a possiblidade uma interveno bastante rpida eeficaz no sentido de sustar (por medida liminar) e posteriormente anular atosnormativos com efeitosex tunc . Politicamente, essa via se mostra especialmenteinteressante para partes que no tm poder para alterar essas normas na arenalegislativa, como partidos minoritrios e entidades corporativas sem grande pespoltico.

    J os pontos fracos normalmente passam desapercebidos dos juristas, poiseles tm a ver com a utilidade ou nus polticos que podem ser gerados para osrequerentes. Fraquezas que precisam ser analisadas com cuidado so os critrios dseletividade (que vinculam o controle concentrado aos interesses individuais ocorporativos dos legitimados), os riscos de uma regulao ativa indesejvel pelSTF e tambm a questo do tempo dos processos, que se mostra demasiadamente

    longo para alcanar a finalidade de servir como instrumento de controle legislativeficaz. A falta de celeridade indicada especialmente por uma informao que no

    vimos ser analisada com mais cuidado: existe um nmero muito grande deprocessos tem desaguado em decises de prejudicialidade , que ocorrem quando asnormas impugnadas so modificadas antes que o tribunal chegue a apreci-las.

    2. Treemap da situao global das ADIs O nmero de aes julgadas prejudicadas ligeiramente menor do que o

    nmero de decises de procedncia, o que significa que praticamente para cadprocesso em que se anulou alguma regra inconstitucional, houve outro em que ademora na deciso fez com que a prestao jurisdicional se tornasse inviveConsiderando que tanto as decises de procedncia como as de prejudicialidadatingem uma mdia de aproximadamente cinco anos e que os processos que notm os requisitos para julgamento tendem a ser extintos em um tempo bastantemais reduzido, o grfico sugere que quase metade dos processos que teriamcondies de serem apreciados terminam sendo extintos porque o tempo de

    julgamento foi maior do que o perodo de sobrevida da norma impugnada. Ainda que seja relevante a anlise dessas informaes globais, um estudo ma

    cuidadoso termina por revelar tambm os seus limites. O grfico abaixo mostra adiferena entre os padres de julgamento, diferenciando as ADIs que impugnamatos da esfera federal e da estadual.

    3. Processos julgados por ano: federal/estadual Esse grfico no aponta apenas uma diferena muito grande nos nmeros de

    aes ajuizadas, mas revela tambm uma grande distino qualitativa nos padrede julgamento. No s o ndice de procedncia das aes que impugnam atosfederais muito menor que ocorre na esfera estadual, mas na esfera federal o

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    nmero de processos com julgamento prejudicado consistentemente maior do queo nmero de decises de procedncia. Alm disso, no existe no mbito federal osensvel crescimento que ocorreu nos julgamentos de atos estaduais a partir de2002, e que acompanha um crescimento semelhante no nmero de processosdistribudos, como mostraremos a seguir.

    De fato, o nmero de atos federais declarados inconstitucionais a cada ano spassou da casa de uma dezena no ano de 2006, o que mostra que o grau deprocedncia de decises desse tipo consistentemente baixo desde que as primeiraaes comearam a ser julgadas, em 1999. Essa diferena no explicvel apenpelo imenso ndice de procedncia de aes que impugnam a legislao estaduapor vcios formais de incompetncia, que no tm paralelo no nvel federal, poienvolve tambm uma grande diferena no padro de decises que apontam vciono processo legislativo e inconstitucionalidades materiais. Essa divergncia d

    padres de julgamento to grande que consideramos ser necessrio concentraesforos em avaliar esses dois grupos de processos de forma independente, demodo a revelar os padres de julgamento existentes com relao a eles.

    3.1 ADIs com mrito apreciado Caso nos concentremos apenas nos casos em que o mrito foi apreciado,

    alguns elementos relevantes aparecem. O primeiro o de que, a partir de 2002houve um incremento significativo nas decises que avaliam o mrito das ADIsentendidas essas como as decises de procedncia e de improcedncia, e tambm

    deferimento de cautelares, pois estas decises, embora provisrias, envolvem umanlise do mrito do pedido e tm uma forte correlao com as decises definitivade procedncias23. Cabe ressaltar que as decises que indeferem pedidos de liminarno envolvem necessariamente uma anlise do mrito e existe uma baixa correlaentre elas e as decises finais de improcedncia, motivo pelo qual elas no scontabilizadas nos grficos a seguir.

    A pesquisa indica que a mudana no padro de decises, a partir de 2002, estrelacionado com a alterao processual realizada pela Lei n. 9.868/1999, qu

    concentrou as atividades do STF no julgamento das ADIs e no no julgamento dasmedidas cautelares em que se aprecia liminarmente o pedido. Devemos observaque o impacto dessa alterao foi maior nas ADI-F, em que as decises de

    23 Neste grfico, no contabilizamos todas as liminares deferidas, mas apenas aquelas que se relacionam com processos que ainda aguardam julgamento, sendo excludas as cautelares deferidas em ADIs cujo mrito foi apreciado. Essa escolha metodolgica decorre do fato de que, como ser evidenciado no captulo seguinte, h uma alta correlao entredeferimento da liminare julgamento de procedncia , que visto que 15% das liminares concedidas vm a ser revertidas por decises de mrito. Esse nmero, contudo, deve ser analisado com cuidado porque, embora 85% das decises que apreciam o mrito de processos com cautelares deferidas determinem a procedncia, h um grande contingente desses processos que so extintos por prejudicialidade, o que reduz a 60% a correlao entre deferimento de liminar e procedncia definitiva da ADI. Assim, por mais que o nmero de liminares deferidas possa ser relevante para a compreenso de determinadas situaes, seria inadequado estabelecer uma equivalncia entreliminares deferidase processos julgados procedentes . No obstante, evidente que seria desejvel estudo mais detalhado do perfil das liminares, mas ele ultrapassa os limites deste trabalho.

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    improcedncia superaram as de procedncia 8 vezes nos ltimos 11 anos. J nombito das ADI-E, as decises de improcedncia nunca chegaram a representarmais de! das decises de procedncia, como mostra o seguinte grfico.

    3.2 Processos com mrito apreciado por ano

    No mbito das liminares deferidas em ADI-F, no parece haver um padrodefinido, variando muito tanto em nmero quanto em percentual. De todo modo, aquantidade muito pequena de decises de deferimento (liminar e definitivo) torndifcil a fixao de algum padro, pois como a quantidade anual desses julgamentcostuma ser inferior a 10, os valores envolvidos se tornam muito dependentes dascontingncias de cada momento. Sabendo que o padro muda significativamenteem 2002, agrupamos os dados anteriores e posteriores a esse ano.

    3.2.1 Processos com julgamento de mrito

    Esses dados agrupados indicam que, no mbito das ADI-F, o nmero dedecises de procedncia e de liminares que se mantiveram vigentes foi muitoprximo nos dois perodos (61 e 57), mas o nmero de decises de improcednciacresceu muito e chegou a superar as decises de procedncia. Mas a porcentagemdos processos que aguardam julgamento com liminares deferidas diminuiusensivelmente, o que resulta de uma diminuio no ritmo de sua concesso, queser analisada no captulo seguinte.

    J no mbito das ADI-E, houve um crescimento percentual semelhante das

    improcedncias (que praticamente triplicou nos dois grupos), acompanhado poruma reduo muito acentuada na concesso percentual de liminares que semantiveram at 31.12.12. Mas a mudana mais notvel foi um incremento muitogrande no nmero de decises de procedncia (de mais de 100%) e um incrementopercentual relevante (de cerca de 25%). Com isso, torna-se claro que as distineentre esses dois grupos so muito grandes, tanto no perfil de entrada quanto noperfil de julgamento, o que exige um tratamento diferenciado e torna praticament vazias quaisquer abordagens que se limitem a analisar os nmeros globais de ae de decises.

    4. Distribuio por ano, segmentado por requerente Esse grfico indica que as quantidades atpicas dos anos 2003 a 2005

    decorreram fundamentalmente de um aumento substancial nos processos ajuizadopela PGR, que saltaram de 8 em 2002 para 115 em 2003, alcanando o topohistrico. Essa majorao coincide com os anos em que Cludio Fonteles eraProcurador-Geral da Repblica (junho de 2003 a junho de 2005), o que mostra queo perfil de entrada dos processos no STF muito dependente do perfil poltico daspessoas legitimadas para ingressar com esse tipo de ao. Fonteles substituiu GeraldBrindeiro na PGR, que atuou durante 4 mandatos (1995 a 2003), perodo em queo nmero de ADIs propostas foi bastante inferior mdia, havendo

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    inclusive trimestres em que apenas uma ADI foi ajuizada. J a atuao de Fontelefoi bastante diversa, chegando a ajuizar 64 ADIs no seu primeiro trimestre deatuao, o que mostra que o comportamento dos processos no s determinadopor movimentos mais gerais da poltica, mas tambm pelo perfil poltico eideolgico das pessoas que ocupam alguns postos-chave.

    J o ano atpico de 2010 decorre de interaes mais complexas, pois neleocorreu uma diminuio sensvel das aes movidas por partidos polticos e pelPGR, alm de contar com o menor nmero de processos iniciados porgovernadores de estado em toda a srie histrica. Aparentemente, essa reduoconjunta foi pontual e nada aponta para uma manuteno da litigiosidade nessenveis, inclusive porque em 2011 e 2012 houve um retorno a patamares maisprximos da mdia histrica. Quando dividimos esse grfico para avaliar a distinfederal/estadual, encontramos um padro bastante diverso nos dois grupos.

    4.1 Requerentes segmentados F/E No nvel federal, mostra-se desde o governo FHC2 uma tendncia a que os

    ltimos anos do governo tenham um nmero bem menor de ADIs do que a mdiado governo, fato que no delineia de forma clara no nvel estadual, em que o ltimano do governo foi de litigncia menos intensa, mas no em um grau que a tornerelevante. Mas a diferena mais marcante o fato de que no existe umadiscrepncia to grande nos anos de pico de litigncia dentro de cada governotendo em vista que a litigncia contra atos federais mostra nveis mais constante

    tanto globais quanto na participao relativa dos demandantes. A complexidaddesses dados indica que necessrio traar um perfil mais especfico dos principademandantes em termos de ADI.1. Perfil dos demandantes

    5.0 Treemap global

    No que toca s ADIs, podemos identificar trs grupos de demandantes.

    1.1. Demandantes de grande porte

    H 4 demandantes de grande porte, cada qual correspondente a mais de 15%das aes propostas, e que juntos compem mais de 90% do total de demandas:Entidades Corporativas, Governadores de Estado e do DF, PGR e PartidosPolticos.

    H tambm um demandante de mdio porte, que a OAB, que concentracerca de 5% dos processos. Embora, a rigor, a OAB deva ser entendida como umadas Entidades de Classe, ela ser tratada de forma independente porque,diversamente das outras entidades corporativas, ela tem uma legitimidade mais

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    ampla para ingressar com ADIs, visto que no est limitada pelo critriojurisprudencial da pertinncia temtica.

    Existe tambm um contingente de pessoas manifestamente ilegtimas,especialmente pessoas fsicas e municpios, que ingressaram com cerca de 2% daaes. Ao contrrio do que se poderia imaginar, no se trata de uma leva delitigantes que ingressou com aes em um momento inicial, quando ainda noestavam assentados os critrios de legitimidade, pois como mostra o grfico aseguir, houve uma distribuio desses atores ao longo de todo o tempo e no umaconcentrao nos momentos iniciais.

    Por fim, temos as aes das Assembleias Legislativas, do Congresso Nacionae do Presidente da Repblica, que juntas somam apenas cerca de 1% das demandasum nmero to reduzido que no possibilita anlises quantitativas significativa visto que no possvel observar a emergncia de qualquer padro.

    5.1 Demandantes por governo A agregao dos requerentes nos governos aponta para uma baixa correlao

    entre perfis de litigncia e da relao que o grupo de demandantes tem com oGoverno Federal, mas essa uma informao que apresenta dados muitoenganosos ao agregar dados dos nveis federal e estadual, motivo pelo qual japresentaremos os dados desagregados.

    Essa correlao s aparente no caso dos Partidos Polticos, que tm uma

    participao de cerca de 39% das aes nos governos FHC, nvel que se reduz par27% nos governos Lula, e apenas 21% no governo Dilma. Esses dados apontampara o fato de que os partidos atualmente na oposio tm um perfil de litignciadiverso daqueles que esto na situao (e eram oposio no perodo FHC). E essacorrelao reforada pelo fato de que, entre os demandantes de grande porte, sos Partidos Polticos impugnam mais atos federais que estaduais.

    Devemos nos precaver contra uma leitura apressadas dos dados, que poderiaindicar uma correlao entre o Governo Lula1 e o grande incremento nas aes doMP com relao ao perodo FHC2. preciso ressaltar que o incremento atpico daparticipao do MP no 1 governo de Lula no decorre de uma mudana na relaodo MP com o governo, mas sim de uma alterao interna das estratgias do MP,especialmente vinculadas ao perfil do Procurador-Geral da poca, como jindicado. Esse fato que ressalta a necessidade de muitos cuidados para fazer ilaecausaisa partir de uma simplescorrelao de dados .

    No caso dos outros demandantes, difcil traar uma ligao mais imediataespecialmente porque, descontado o perodo em que Cludio Fonteles foiProcurador-Geral, a PGR teve uma participao mais reduzida e prxima da OABe dos Governadores, que so atores de porte mdio na impugnao das normasfederais. Apesar disso, notvel que ao longo dos governos do PT houve um

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    incremento substancial da participao das entidades corporativas, que pode secreditada especialmente, como veremos, ao incremento substancial da litigncia poentidades representativas do prprio judicirio e do MP.

    Alm disso, vemos que a participao dos atores muito diversa. Osgovernadores tem uma participao muito expressiva na impugnao de normaestaduais, que chegou a ser predominante ao longo do perodo correspondente aoperodo FHC, mas que tem cado consistentemente desde 2003. Diversamente doque espervamos, a participao da PGR tambm mais expressiva na impugnade normas estaduais que de normas federais, mbito em que o protagonismo maisacentuado se divide entre partidos polticos e entidades corporativas. Descontado operodo Fonteles, a PGR seria um demandante de mdio porte, que teve uma altarelevncia no perodo pr-FHC, mas que depois teve nveis de participao cad vez mais reduzidos.

    1.1.1. Entidades corporativas

    Entre os demandantes, o grupo que mais ingressou com ADIs foi o dasentidades sindicais ou de classe de mbito nacional, que chamaremossimplificadamente de Entidades Corporativas , visto que tanto as entidades de classecomo os sindicatos representam tambm uma determinada categorias. Essa umainformao relevante porque antes de 2004 a posio majoritria era dosgovernadores de estado, cuja litigncia em ADIs diminuiu sensivelmente entre 200e 2012, ao passo que a litigncia das entidades corporativas aumentou tanto emnmero de processos quanto em percentual dos processos distribudos. Assim, j seencontram ultrapassadas as concluses de Werneck Vianna e outros no sentido deque os governadores se destacam como os mais frequentes usurios de Adins24Considerando a heterogeneidade das Entidades Corporativas, elaboramos umgrfico que as divide em alguns grupos, tendo em vista a natureza dos interessedefendidos por elas.

    5.2 Entidades Corporativas Total

    Percebe-se uma grande desconcentrao nos requerentes, sendo que atmesmo as entidades mais ativas (a Associao dos Magistrados Brasileiros AMBa Confederao Nacional do Comrcio CNC) no ultrapassam a marca de 10%dos processos. Todavia, como mostraremos depois essa desconcentrao noingresso no acompanhada por semelhante desconcentrao nos julgamentos deprocedncia.

    Embora o que numericamente ingressou com mais aes tenha sido o dasentidades que defendem interesses de empresas, esse nmero superado pela soma

    24 VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manuel Palcios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. Dezessete anos de judicializao da poltica. Tempo Brasile iro, Revista de Sociologia da USP, v. 19, n2. So Paulo, 2007, p. 47.

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    dos vrios tipos de entidades que defendem interesses de agentes do setor pblico,como mostra o grfico abaixo.

    5.2.1 Entidades Corporativas agrupadas Esse grfico tambm esclarece que embora as entidades corporativas do setor

    pblico sejam o maior grupo tanto nas ADI-F quanto nas ADI-E, neste grupo elasrepresentam a maioria absoluta das entidades demandantes, o que indica que ocontrole concentrado de constitucionalidade de normas estaduais majoritariamente uma forma de dirimir questes internas ao Estado, e no deregular as intervenes do Estado na sociedade. Consideramos que o fato de existiuma multiplicidade de legislaes estaduais sobre servidores e sobre organizaadministrativa torna prima faciecompreensvel essa preponderncia de entidades dosetor pblico no manejo do controle concentrado. De forma inversa, as entidadesde classe e de trabalhadores, cujos interesses so mais diretamente ligados a matride competncia da Unio, tm nas ADI-F uma participao correspondente aquase o dobro de sua atuao nas ADI-E. J entidades empresariais tm umaparticipao tanto numrica quanto proporcional bastante semelhante nos doisgrupos, o que indica a existncia de interesses relevantes regulados por legislanos dois nveis federativos.

    O carter esttico dessa informao geral deve ser complementado por umaanlise da modificao dessas relaes no tempo, o que pode ser percebido noseguinte grfico, que diferencia as aes pelas legislaturas federais.

    5.3 Entidades corporativas por governo percentual5.3.1 Entidades corporativas por governo contagem

    Embora esses grficos no permitam fazer inferncias causais entre polticasde governo e perfis de litigncia, o uso de perodos de 4 anos para diferenciar aaes mostra seu movimento de mdio prazo, no qual fica claro que a participade cada tipo de entidade variou bastante ao longo do tempo.

    Nas ADI-F, a mudana mais evidente foi o um incremento substancial daparticipao das entidades do setor pblico, que teve um incremento de mais de50% nos governos do PT, com relao aos perodos anteriores. Alm disso, notvel o decrscimo da participao de entidades de trabalhadores ao longo dosgovernos do PT, culminando pela quase ausncia de sua participao ao longo dogoverno Dilma, em que apenas uma ADI foi proposta por esse grupo.

    Para essa situao contribuiu sobremaneira o grande aumento no nmero de ADIs apresentadas pelas entidades corporativas ligadas ao MP e ao Judicirio, qumais do que triplicaram ao longo dos governos do PT, somando neles cerca de!

    das demandas desde o incio do governo Lula. Esse dado relevante porque se ocarter corporativo do controle concentrado era previsvel a partir da seleo delegitimados, no era previsvel que houvesse uma concentrao to grande de

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    demandas que judicializam os interesses dos principais atores do sistema de justiEsse incremento substancial de um julgamento de causas de servidores pblicoligados rea da Justia merece uma ateno especial, pois ele aponta para umconvergncia crescente de interesses corporativos entre Julgadores e Requerentes.

    J nas ADIs-E existe uma configurao diversa, pois h uma relativaestabilidade das participaes. Desde o incio, h uma preponderncia do setopblico, que representa a maioria absoluta das aes desde o governo FHC-1, emantm-se relativamente estvel em patamares prximos da metade das aes. Aparticipao das entidades empresariais tambm estvel em torno de 1/3 dasaes, sendo que uma mudana nesse padro ocorreu apenas no governo Lula1,quando houve um grande incremento de aes do setor pblico que diminuiu aparticipao percentual das entidades empresariais, embora o nmero de aepropostas tivesse permanecido estvel com relao o governo FHC2. Nesse grupo

    devemos atentar para o fato de que no houve uma alterao muito substancial naparticipao das entidades ligadas ao sistema de justia, que sempre representarauma parcela considervel das demandas.

    1.1.2. Governadores de Estado

    O segundo grupo de requerentes de grande porte dos governadores deEstado, que at 2005 respondia pela maior parte dos processos, o que foi na pocaidentificado por pesquisas como a de Werneck Vianna e outros. O perfil de litigncidos governadores depende muito das relaes do governo com a AssembleiaLegislativa, visto que a ampla maioria dos atos impugnados por esses atores composto pela legislao estadual, quase sempre de seu prprio estado.

    6. Governadores por ano federal/estadual Na impugnao de atos federais, percebe-se que a participao dos

    governadores muito pequena e o nico momento em que ela se destaca quando12 governadores diferentes impugnam a mesma Resoluo n. 117 do SenadoFederal, em dezembro de 1997, que dispunha sobre o endividamento das unidadesda Federao e que terminaram sendo julgadas prejudicadas em 2004 porque areferida resoluo foi revogada em 1998. J a impugnao de leis federais nuncultrapassou o patamar de 3 por ano.

    Em nveis globais, percebe-se que houve uma grande litigncia entre 1989 1991, fundamentalmente voltada impugnao das constituies estaduaisespecialmente nos temas de administrao pblica, que os governadores tiveramsucesso em caracterizar como matrias de competncia privativa dos governoestaduais e que, portanto, no poderiam ser tratadas nas constituies dos estadosDesde ento, a impugnao de normas das constituies estaduais se reduziubastante, e a impugnao da legislao estadual infraconstitucional se tornoumajoritria.

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    Esses dados consolidados so de difcil interpretao porque no evidenciamo fato de que os padres de impugnao em cada unidade da federao muitodiverso. Para avaliar essa diversidade, construmos a seguinte tabela, que mostra evoluo do ingresso de ADIs movidas por governadores contra atos estaduais.

    6.1 Tabela ADIs de Governadores (por governo)

    Na maioria dos Estados, o nmero de ADIs movidas pelos governadores no voltou a atingir patamares semelhantes a esse perodo de impugnao dasConstituies Estaduais. Nos Estados que tm uma participao mais significativ(acima de 8%) do total das ADIs movidas por governadores (DF, ES, RS, SC e SP)existe um alto nvel de impugnao ao longo de dois ou trs governos. J nosestados que tm participao de menos de 1%, existem legislaturas ao longo daquais no houve sequer uma ao.

    Alm disso, perceptvel uma reduo constante da litigncia geral dosgovernadores entre 2003 e 2010, o que no deve ser correlacionado com o governofederal, visto que a impugnao legislao federal no teve um movimentosemelhante. No perodo de 2007 a 2010, na maioria dos Estados no houveimpugnao dos governadores com relao legislao estadual, o que permitique SP atingisse mais de 25% de participao com um nmero de processos que nlegislatura anterior corresponderia a apenas 10% do total.

    Nveis reduzidos de litigiosidade dos governadores se repetiram ao longo dosdois primeiros anos da atual legislatura, e foi justamente essa reduo substancique propiciou que as Entidades Corporativas passassem a ocupar o papelpreponderante na invocao do controle concentrado de constitucionalidade.

    Por fim, como mostra o grfico a seguir, so poucos os governadores quesistematicamente impugnam atos de outros estados, sendo que 50% dessas aesforam movidas por So Paulo e Paran. Alm disso, existe uma concentraotambm no polo passivo dessas impugnaes, sendo que quase metade dessasaes impugnam atos de SP e do Rio de Janeiro.

    6.2 Tabela ADIs de Governadores impugnando atos de outros estados

    1.1.3. Procuradoria-Geral da Repblica

    A PGR ocupa a terceira maior posio, mas apenas por causa da atuao doMPU ao longo da gesto do Procurador-Geral Cludio Fonteles. Se excluirmos oanos de 2003 a 2007, a participao global da PGR seria reduzida de 20,22% par17,36%, o que seria menos do que os Partidos Polticos.

    7 PGR processos por procuradores-gerais

    A participao da PGR deve ser analisada com cuidado especialmente porqueo sistema de ADIs vem substituir o sistema anterior, em que o nico legitimado

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    para promover o controle concentrado das normas era essa instituio. Alm dissoeste o nico legitimado que tem como misso institucional explcita a protedos direitos coletivos e a defesa do interesse pblico, o que deveria resultar em umimpugnao centrada em interesses coletivos, e no em interesses corporativos oupartidrios, como os que movem os demais legitimados. Se existe uma aberturmaior para que as ADIs funcionem de fato em defesa dos direitos fundamentaisdos cidados, ela deveria estar concentrada em uma atuao mais intensiva e focadda PGR, que infelizmente no evidenciada por esta pesquisa, pois os dadoslevantados apontam justamente no sentido contrrio.

    1.1.4. Partidos polticos

    Os partidos polticos, como no so submetidos a critrios de pertinnciatemtica, tm ampla possibilidade de atuar em defesa dos interesses pblicos. Amesmo tempo, a sua atuao a mais ligada s relaes dos partidos com osgovernos federal e estaduais, o que torna o seu perfil de litigncia diverso dodemais.

    8 Partidos Global Observa-se que h uma grande disperso nos requerentes desse grupo, pois

    mesmo o partido que mais ingressou com ADIs concentra pouco mais de 20% dasaes, e muitos so os partidos que ingressaram com mais de uma dezena de aes Alm disso, esse grfico deve ser lido com cuidados, tendo em vista que vrias da

    aes dos partidos envolvem mais de um partido e que ns levamos em contaapenas o primeiro litigante. Assim, o resultado ainda mais plural do que o que grfico indica.

    Esses nmeros globais, porm, so pouco relevantes, tendo em vista que operfil de litigncia de cada partido esteja diretamente vinculado com sua posifrente aos governos e grupos majoritrios que editaram as normas que se buscaimpugnar. A preponderncia numrica do PT ocorre apenas pela sua atuaoenquanto ele estava na oposio ao governo federal, sendo que as ADIs ajuizadapelo PT ao longo dos governos Lula e Dilma foi muito pequena.

    8.1 Partidos por governo Esse grfico mostra que houve um pico de impugnao pelos partidos no

    segundo governo de FHC, e que essa quantidade atpica no deriva da ao de umnico partido, mas da ao de vrias entidades, sendo notvel inclusive que participao do PT caiu tanto numrica quanto percentualmente do governo FHC1para o FHC2. Um ponto a ser notado que um grande nmero de aes foimovido por partidos numericamente pequenos, como o PC do B os partidos quecompem atualmente o bloco parlamentar PR, PRTB, PSL, PTC e PT do B, quejuntos ajuizaram cerca de 1/3 das demandas no governo FHC2.

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    Outro ponto que fica ntido que a litigncia dos partidos em termos de ADIdiminuiu sensivelmente de intensidade ao longo dos governos do PT. Mesmolevando em conta que a pesquisa engloba apenas os dois primeiros anos do GovernoDilma, o nmero de ADIs ingressadas por partido apenas 1/3 do que houve noGoverno Lula2, de modo que a manuteno desse padro conduziria continuidade da reduo.

    Uma peculiaridade dos partidos o fato de que eles so o nico grande grupode demandantes que impugnou mais atos federais que estaduais, o que sugere que sua atuao est mais ligada defesa dos interesses eleitorais do partido, uma veque a legislao eleitoral de competncia privativa da Unio. Se dividirmos ADIs dos partidos em impugnaes a atos federais e estaduais, teremos a seguintdistribuio:

    8.2 Partidos por Governo (Federal/Estadual) Esse grfico deixa ntido que o nmero de ADIs-F teve um pico no Governo

    FHC1, decorrente da atuao intensa do PT, que praticamente deixou de existirdesde que esse partido assumiu o governo federal em 2002. Todavia, o aumentosignificativo nas aes movidas pelo DEM e pelo PSDB, que compunham a basedo governo FHC e passaram oposio, fez com que no houvesse uma queda togrande nos governos Lula, cujos totais ficaram em torno de 20 processos por anoMais notvel a queda ao longo dos dois primeiros anos do governo Dilma, emque as impugnaes caram para o patamar de 11 aes por ano, um decrscimo d

    quase 50%. J no mbito das ADIs-E, a situao muito diversa. H uma concentrao

    imensa de aes no governo FHC2, que somaram 3 vezes mais processos que osiniciados pelos partidos no governo FHC1. Esse grande nmero de aes, movidasmajoritariamente por partidos pequenos, no se manteve ao longo dos governos doPT, e assim como no caso das ADIs-F, houve uma queda na mdia anual muitosignificativa no governo Dilma.

    Essas so variaes amplas, que convergem em uma recente diminuio nonmero de ADIs ajuizadas por partidos polticos, que chegou aos mnimoshistricos ao longo do governo Dilma. Embora a anlise das decises estejareservada para um momento posterior deste trabalho, avanamos parte dessasanlises porque elas pe