STAROBINSKI, Jean. Roma e o Neoclássico. In 1789 Os Emblemas da Razão. São Paulo, Companhia da...

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Page 1: STAROBINSKI, Jean. Roma e o Neoclássico. In 1789 Os Emblemas da Razão. São Paulo, Companhia da Letras, 1988.

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JEAN STAROBINSKI

1789 OSEMBLEMAS

DA RAZAO TradUao

MARIA LUCIA MACHADO

Prefacio JORGECOLl

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ROMA E 0 NEOCLAsSICO

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Roma nesse ana de 1782iJn1l~~ cosmopolita que nunca Ali se encontram os primeiros ernigrados franceses as tias do rei seu circulo a sra Vigee-Lebrun acolhidos pelo represenshytante da Fran~a que e tambem urn poeta jocoso 0 cardeal de Bernis Mas ali se encontrarn jovens artistas franceses que simpatizam com a Revolu~ao que a poIlda pontifical vigia de perto e que ela perturbarii em razao de suas liga~Oes com a franco-ma~onaria Os fuTIl-IQsect_arglit~tos e decoradores de Nashy1Lole1i()PercieceE9J)i~inebulle~J~oemJ~()m~em 1J~9 PeJSler foi encarregado pela Academia de fazer a reconstru~ao da coshyluna Trajano adquire urn repertorio de motivos bull~Q1l Jonshytaine em NA120les e em Pompeia forma ai seu vocabulario decoratty()-~mq~~ ~ntrarao in6TIeros elementos etruscos o escultor Chinard deixa Roma em 1789 para voltar em 1791 Quatremere de Quincy acaba de Iii fazer uma longa esshy

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tada ele a recordara em seu Dictionnaire d Architecture em ~)l~jJi9gr~f~~Qe Canova em seus estudos sobre RafaeL Flaxshy

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Anne Louis Girodet (1767-1824) Endimiiio Paris Museu do Louvre

1 man depois de ter colaborado por muito tempo com Wedgshywood chegou it Itiilia em 1787 Encontrara em Roma urn grupo de ingleses cujo centro e Gavin Hamilton Conhecera sem duvida Gagnereaux que pratica 0 desenho a tra~o Cashynova trabalha em sua Psique e no MausoMu de Clemente

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XIII Angelik7t Kaufmannmalli~m u-msaf~oGoetTie~de-que ela f~~~~~tratoacabadevoltarparaa-AlemannaWilheTin Tischbein depoi-de-i~~g-~~ano~romanossemiddotfixa em Naposhyles Gidet grande premio de-i78~chegara a Rama-nocoshyme~o-deT796 ali Plnt-arflieuEiidlmiiioeseu lIipocrates ncushysando Ospresentes de Artaxerxes Carstens ultimo a chegar

aparece nos meios romanos em setembro de 1792 E~s~s artista~ esses te6ricos Ieem apaixonadamente Winshy

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~JHI1~eles urn caprth() do gosto uma preferencia imshypulsiva e uma decisao fundada em argumentos uma escolha meditada Depois de urn seculo que lhes parece caracterizado pela exalta~ao desordenada dos valores senslveis e das felicishydades epidermicas ~les~~t_~Jrilgttl~m AlIli_s~ao de recolocar a art~_~~l_~lut2ri5i~c1f~_2P~IS~fl~~to~ Na riqueza dramatic a dobarroco nas prodigalidades sutis do rococo nao reconheshycern mais a marca do espirito a seus olhos nao sao senao os excitantes de urn prazer turvo de que a alma esta ausente Em conseqiiencia querem afastar as sedu~oes mortais da mashyn~ira e das afeta~oes nisso veem apenas desperdkio de forshy~a E para-redeiGQbfir~om~smQ tempo9_~ilJ1PUcidade e _0

YgQrbullpara libertar a alma cativa de demasiados adornos ape-lam~~ rritu~i~--~~Q~~~(~ Art~iQs J)~(ll1~jr()s s~~ulos Procushyram retomarposse de uma verdade da qual acusam 0 barroco e 0 rococo de have-los separado por uma floresta de ilusoes Querem sair dos jardins de Armida Recuperar-se-ao dessa triste fadiga de que tantos escritores do final do seculo XVIII 30

nos dao testemunho E preciso reconhecer que nem todos chegarao a novas fontes de energia para muitos deles esse caminho longe de conduzir a uma segunda Renascen~a leshyvara a uma arte empobrecida extinta exangue Mas os oushytros ainda que seu estilo vivesse de uma luz e de urn calor de emprestimo merecem nosso interesse tanto por suas inten~oes quanto por seus exitos

Considerando-se sua busca percebemos que- essa grande ideia dosQm~~o (oll do recom~~o da regenera~oi-de _qult~

Revolu~ao foi a manifesta~ao historica esta longe de ter seu campo de aplica~ao no exclusivo dorriinio das institui~oes polishyticas Goethe no decorrer de sua viagem a IHilia medita consshytantemente sobre a planta primitiva e sobre 0 principio prishymordial da organiza~ao do vegetal Os artistas que ele enconshytra em Roma tentam tambem em seu dominio proprio aproshyxiroar-se dallJZdQcomeCQ Tern 0 sentimento de participar de uma re~oi~poundjio9iie~essurreiriio Reacender a tocha da Anshy~de -~-~~a -e ---t~-f--formlllada por Quatremere de Quincy

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Se apelam a natureza e em primeiro lugar as suas intfnshy~oes primitivas anteriores aos desvios e as excentricidades que lheimpoem as resistencias da materia E se imitam a estashytuaria e 0 desenho dos gregos e porque estes bebendo com todaTiberdade na propria fonte e nao tendo ainda sob os olhos nenhum modelo facticio que os houvesse perturbado e corrompido falaram ingenua e fielmente a linguagem da natureza

Os modernos podem apenas esfor~ar-se por esquecer os procedimentos que aprenderamparad~iXaLn~ifar__n~les 0 vishy80r d~4-nBuidade Precisam I~c~~poundQ~riril_ velt~de seja abandonando-se imediatamente ao impulso do genio seja estudando as obras exemplares em que 0 genio se manifestou Apela-se conjuntamente a mais livre espontaneidade e ao esshyfor~o da mais vigilante reflexao 0 artista nao quer ter memoshy

)1(1 mas escuta Homero e olha 0 Laocoonte o advento da luz que 0 espirito revolucionario quer proshy

duzir fundando a nova Republica e experimentado por esses artistas como urn aparecimento a uma s6 vez atual e imemoshyrial Sabe-se que a ideia de uma revelacao primitiva foi exshypressa algumas vezes ao longo do seculo XVIII ora remonshytando aimagem biblica de Adao conversando com Deus ora sob variantes teosoficas ou ligeiramente heterodoxas 0 prishymeiro homem os primeiros povos receberam a totalidade da arte e do saber a historia nao fez senao obscurecer 0 teor da ilumina~ao primeira Rabaut Saint-Etienne - que nisso segue o ensinamento simuidineo de Bailly e de Court de Gebelin

considera os proprios mitos gregos como a versao decaida de uma primeira escritura aleg6rica Como participar da luz primitiva se nao pelo ato que nos torna simbolicamente conshytemporaneos de seu surgimento - pela iniciaciio De resto 0

historiador das ideias encontraria hoje urn vasto campo de pesq uisa no relH~GhWlJQ J~laj~nicLI2- neQQlttQl~CQ 9ll_ese mmif~sta por volta de 1789 em quase todos os paises da Eushyropa na Inglaterra (onde os escritos e as tradu~oes orficas de J Taylor influenciarao Blake) na Holanda (onde Hemstershyhuis escreve dialogos amaneira de Platao) na Franlta (onde

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Joubert em 1790 concebe 0 projeto de viajar nos espaos abertos onde so se ve a luz como Platiio) na Alemanha (onde internos do semimirio de Tiibingen Hegel Holderlin e Schelling H~em PlaHlo Produs e Jamblique no auge de seu entusiasmo pela Revoluao FrancesalA-ed~Jl~uun Belo inteshyliglvlLJ~tl~lIQQ~JJlidadeQo Ser se enuncia vigorosamente por t~daparte em reaao como vimos acorruptora sedushy~ao do atrativo senslvel ~spira-se a umaarte q~e nao lllais se diisssep~1as aos olhos masmiddota altna (pela mediaao inevishytaVeTOoOlliarr--UiIIifomiddotdehiquecQnhecera durante alguns anos ~ma surpreeJlg~rl~Q~fusao de modo algum apenas como se observou para exprimir uma sensibilidade mais grave nas coisas do amor mas muito mais porque essa arte que quer atingir a alma experimenta a necessidade de se representar a si propria na alegoria e no emblema De fato se 0 alvo e realshymente 0 ideal (no sentido metafisico) a obra nao pode se conshyceber a si mesma senao como 0 emblema de uma realidade fora de a1cance a arte linguagem sensivel nao e jamais senao alegor_(Q_gnaiiggl1l Q~J_tllQ~~~11~~euroi--middoterecordaremos que a alegoria se beneficia nesse fim de seculo de uma singushylar revalorizaao que nao deixa de lembrar 0 florescimento que fez ec1odir no seculo XVI a influencia de Ficino e dePico de la Mirandola Mas em urn mundo cuja fisica matematica modificou profundamente a representaao admissivel a imashygem nao tern mais a funao quase magica que podia possuir no universo da Renascena cosmo povoado de correlaoes espirishytuais atravessado pelos campos de fora da simpatia e das correspondencias A imagem alegorica se encontra por asshysim dizer diante do dilema da signijicaltiio adistancia ou da mais misteriosa participaltiio A significaao a distancia e como se adivinha 0 carater proprio das formas tratadas amashyneira de urn sistema de signos e destinadas a anular-se em sua explica~ao intelectual a imagem entao se desfaz sob nosshysos olhos esvazia-se para dar lugar ao discurso de que era 0 equivalente visual A im~em_ est~_~_~~ryis_ogo sentido mas ei-Ia como que desamparada simples intermediariQ 9ljLQ~shy~r1Uall~jnJti1 uma vez constituido 0 sentido pela rashy

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zao do espectador A participaao em compensa~ao mais fiel ao espirito platonico une indissoluvelmente a imagem aideia a imagem se propoe a nos nao como signo distante e distinto deJJmpe1~mento mas como presen~a doabsoluto noseiod~

ffiundo sensivel (Assim vimos 0 emblema revolucionario ershyguer-se a tal ponto que a luz dos principios ia ao encontro da realidade cotidiana) A perfeita participa~ao da ideia na imashygem a inerencia indivislvel instaura um suspense infinito do discurso e se oferece misteriosamente no lugar de todo disshycurso e preciso nao mais falar de alegoria mas de simbolo Assim 0 deseja Goethe A alegoria transform a a aparencia em um conceito 0 conceito em uma imagem mas de modo que 0 conceito ria imagem permane~a delimitado se deixe apreender e possuir integralmente e possa assim ser enunshyciado A simbolica transforma a aparencia em ideia a ideia em uma imagem mas de modo que a ideia na imagem permashynea sempre eternamente ativa e fora de alcance e ainda que seja enunciada em todas as linguas essa ideia permanece conshytudo inexprimivel Entre a aparencia e a imagem a ideia simbolica conserva uma funao de intermediario mas de mashyneira a sob reviver indefinidamente na imagem

Sujeita aexisencia da iQ~iizj~gt~~_yai eXPlllsar toda materia eS~anha procurara aliviar-se de tudo aquilo que for apenas sobrecarga sensual se despojara_ de tudo aquilo que a retem na contingencia dos corpos A gravura e 0 desenho a tra03J tal como os praticarao Gagnereaux FlaxmanCarsshytens (homens do Norte na maioria) encontram de inicio sua legitima~ao estetica no grafismo dos vasos gregos trata-se de voltar a umQ~~~lhltprimordill a uma caligrafia infaIivel a uma arte do com~poundo Mas essa legitimaao fundada num l1-0shytivo historico e no fasdnio arqueo16gico dos objetos miraculoshysamente arrancados ao tempo e a terra desdobra-se em uma consideraao relativa as faculdades daalma A alma escreve Hemsterhuis julga como mais bela aquilo de que pode conceshyber uma id6ia no menor espao de tempo Ela quer ter urn grande numero de ideias no menor espao de tempo possivel Egra~as ao con torno e it maior simplicidade de tralado comshy

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pativel-com os temas representados que a alma podeni fruir esse prazer Distinguimos os objetos visiveis por seus con torshynos aparentes pela maneira pela qual sua figura modifica as sombras e a luz e enfim por sua cor poderiamos dizer que e unicamente por seu contorno ja que a cor e apenas uma quashylidade acessoria e ja que a modifica~ao da luz ou das sombras nao e senao 0 resultado de urn contorno que nao se ve Para Hemsterhuis32 toda arte consiste na concentra~ao das ideias em formas que exijam 0 minimo de tempo para serem decifrashydas Parece incontestavel que ha em nossa alma algo que sente repulsa por toda rela~ao com 0 que chamamos de sucessao e dura~ao Hemsterhuis acredita que a inven~ao da escultura e anterior ado desenho e da pintura - mas para fazer com que estes dependam da escultura ou mais exatamente de urn geshynero intermediario 0 baixo-relevo Essa ideia abstrata de contorno foi absolutamente necessaria para fazer nascer 0 deshysenho e a pintura

Da linearidade da lembran~a do baixo-relevohDavid ja nos propusera urn exemplo muito belo Mas as sombras forshytes a intensidade das cores nao eram estranhas a sua arte davam aenergia racional que as subjugava a oportunidade de se manifestar testemunhavam a favor da vontade severa que as domava e disciplinava NQAesenl1lt e na gravura a tra~o generO menor a sombra e a cor sao expuls~J astensoes anushyladas urn principio unico rein a sem contradi~aQJl11 virtu de daJormIJ~do contono 0 trabalho do espirito se emp~l1ha em1ixauttipo ideaJ Trabalho que pretende ir ao encontro da intencao da natureza mas que recorre menos acontemplacao direta do real que amedia~ao daqueles que 0 apreenderam e fixaram antes de nos De fato n~oe a natureza imediat~ que esses artistas amam mas as belas formas preexistentes nas quais veem_lrte dos antigosrematarharmoniosamente 0 que a natureza nao faz senao esbocar Q iJaradigma se interpoe por toda parte entre 0 mundo e ~l~s~ Vma idade de aura da arte foiperclicia e eles nao podem apagar sua memoria De resto no exercicio de urn desenho tao fortemente imantado e guiado pela lembranca do tracado grego encerram-se no

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mito Flaxman ilustra a Iliada a Odisseia Esquilo Carstens s6 quer tratar temas antigos ou heroicos (sua ultima composhysiCao em 1797 sera umaIdade de aura) A arte se exila assim em urn passado ja iluminado pel a arte busca refugio no unishyverso dos poetas 0 neoclassicismo (ou se preferirmos 0

hiperclassicismo) vive d~tlm_a ill1~nsa llllSencia~ 0 tralt~ defir_~_ 1J1l1la formas imediata1l_~nte reco~qllist~cla~p~lJltZJlopasshysado

Mas a esse idealismo que supoe 0 imperio de urn modelo exterior absoluto (inten~ao da natureza forma acabactildo humano) crescentam-se as justific~tivltsEe lIm idealisnlp todo~ubjetivo 0 traco do desenho eo ato de uma consciencia livre que nao se sujeita a nenhuma imitacao como nos diz Fernow Carstensnao apenas nao copiava mas nao queria reshyproduzir nada de memoria 0 que estava em acao era 0 poshyder plasticode sua imagina~ao Igualmente vemos como em David a linearidade corresponder ao exercicio do poder voshyluntario do artista a determina~ao formal que estabelece 0

contorno atesta 0 imperio da consciencia criadora Para Fershynow e Carstens essa primazia do ato criador encontra seu corolario na recusa de sub meter a arte aos dogmas da religiao crista Vma vez descoberta a liberdade ideal 0 artista pershyseguira na propria arte sua verdadeira religiao isto e 0 obshyjeto de seu amor mais puro Y

Se fosse preciso uma vez mais comparar esse aspecto da ade neoclassiCa coin os caracteres proprios do rococo nao nos contentariamos em evocar 0 floreio das luzes e das sombras a complica~ao ornamental eu evocaria de preferencia um asshypecto menor do rococo que me parece ~aItitese absoluta da ~ravura a tra90 a silhueta Esta se oferece a nos como a somshybra passivamente projetada por uma pessoa real em seus adeshyreltos cotidianos e seus gestos familiares e 0 decal que de urn perfil 0 silhuetista so querbrilhar por sua habilidade em seshyguir as bordas de uma imagem inscrita no vidro da camera oscura ele nao pos nada de si mesmo 0 desenho a tra~o em compensacao remete t_aJ()l()lliq~I~ _~QI~~e~~I~_ qpe preside a cada urn dos instantes em que a mao perfaz seu

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Asmus Jakob Carstens 11754-1798) A NOIre e seus Iihas 1795 Weimar Schlossmuseum

trajeto sobre a pagina Trajeto muitas vezes demasiado rigido e demasiado comedido em um Flaxman apesar da aspiratao ao impulso heroico Trajeto que se desdobra em Carstens numa especie de calma hipn6tica 0 perigo que espreita essa arte se ela obedece muito fielmente as injumoes de Winckelshymann (para quem a beleza insipidacomo a agua pura deve desabrochar na calmainexpres~iva da forma serena) e a letargia a fluidez inapreensivel ou a petrificacao mortal a consciencia senhora absoluta de seu jogO corre 0 risco de enamorar-se como Narciso de sua propria pureza e de imobishylizar-se no sonho inconsistente da transparencia

Adivinha-se 0 que pode salvar essa arte um retorno da sombra urn retorno do reprimido para falar a linguagem de Freud Mas ~~ll_Ei~~Upound~m~~lJ~t~m~ qlle sem ~ariar sua tecnia essa arte hiperclassica acolhe uma noya SOIlQm Assim em Flaxman a violencia 0 furor heroico 0

terror 0 horror vern perturbar por sua intensidade expresshy

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siva a calma idealidade das formas todo urn bale semi-absshytrato (de que Picasso se lembrara) tern inicio na necessidade de conjugar 0 movimento e a evocacao alusiva dos tormentos da alma Nao esque-amos que em Flaxman 0 desenho a traco se situa significativamente entre uma atividade de decorador para Wedgwood e encomendas de escultura funeraria ou seja entre a gratuidade elegante e uma arte do pesar e do consolo eternizados E se Carstens faz reinar a maior calma em suas obras nao deixa de nelas introduzir uma dimensao interior urn drama do espirito anima essas imagens cujos pershysonagens esUio quase todos imoveis Como muito bern obsershyvou R Zeitler Carstens opoe frequentemente personagens atishyvos (Homero ou Orfeu recitando Priamo suplicando) e especshytadores meditativos e do mesmo modo que sabe exprimir a dimensao da reflexao ele torna sensivel uma profundidade temporal seus personagens graves estao como que con centrashydos na consciencia de si isto e na consciencia da duracao inshyterna Perspectiva mental que nao e a identidade neutra de urn eu penso sem conteudo mas que por tras dos olhos que parecem cegos para 0 mundo real 0 sentimento tenebroso do destine vern invadir Uma das principais obras de Carstens nao e - inspirada em Hesiodo - A Noite e seus Iihos ou seja a origem mitica do destino

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ROMA E 0 NEOCLAsSICO

~nto poundlVe~~a 0Joc()c9~e extinguenum crepusshyculo ironico e melancolico Bomal-~p1 1789 ve~labor~ri~ umfl dou trina_~_QmL1K~ticLQ~ ItsectQe~timLgflS aeDcontrar Slli~JggQ n()~qylL~_~J~QJ~en~iQn~ru~hamaLde~esti1QiJn perio De fato trata-se de urn estilo europeu que tera sua difilsao na Inglaterra e na Alemanha na Italia assim como naFran~a

Roma nesse ana de 1782iJn1l~~ cosmopolita que nunca Ali se encontram os primeiros ernigrados franceses as tias do rei seu circulo a sra Vigee-Lebrun acolhidos pelo represenshytante da Fran~a que e tambem urn poeta jocoso 0 cardeal de Bernis Mas ali se encontrarn jovens artistas franceses que simpatizam com a Revolu~ao que a poIlda pontifical vigia de perto e que ela perturbarii em razao de suas liga~Oes com a franco-ma~onaria Os fuTIl-IQsect_arglit~tos e decoradores de Nashy1Lole1i()PercieceE9J)i~inebulle~J~oemJ~()m~em 1J~9 PeJSler foi encarregado pela Academia de fazer a reconstru~ao da coshyluna Trajano adquire urn repertorio de motivos bull~Q1l Jonshytaine em NA120les e em Pompeia forma ai seu vocabulario decoratty()-~mq~~ ~ntrarao in6TIeros elementos etruscos o escultor Chinard deixa Roma em 1789 para voltar em 1791 Quatremere de Quincy acaba de Iii fazer uma longa esshy

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Anne Louis Girodet (1767-1824) Endimiiio Paris Museu do Louvre

1 man depois de ter colaborado por muito tempo com Wedgshywood chegou it Itiilia em 1787 Encontrara em Roma urn grupo de ingleses cujo centro e Gavin Hamilton Conhecera sem duvida Gagnereaux que pratica 0 desenho a tra~o Cashynova trabalha em sua Psique e no MausoMu de Clemente

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nos dao testemunho E preciso reconhecer que nem todos chegarao a novas fontes de energia para muitos deles esse caminho longe de conduzir a uma segunda Renascen~a leshyvara a uma arte empobrecida extinta exangue Mas os oushytros ainda que seu estilo vivesse de uma luz e de urn calor de emprestimo merecem nosso interesse tanto por suas inten~oes quanto por seus exitos

Considerando-se sua busca percebemos que- essa grande ideia dosQm~~o (oll do recom~~o da regenera~oi-de _qult~

Revolu~ao foi a manifesta~ao historica esta longe de ter seu campo de aplica~ao no exclusivo dorriinio das institui~oes polishyticas Goethe no decorrer de sua viagem a IHilia medita consshytantemente sobre a planta primitiva e sobre 0 principio prishymordial da organiza~ao do vegetal Os artistas que ele enconshytra em Roma tentam tambem em seu dominio proprio aproshyxiroar-se dallJZdQcomeCQ Tern 0 sentimento de participar de uma re~oi~poundjio9iie~essurreiriio Reacender a tocha da Anshy~de -~-~~a -e ---t~-f--formlllada por Quatremere de Quincy

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Se apelam a natureza e em primeiro lugar as suas intfnshy~oes primitivas anteriores aos desvios e as excentricidades que lheimpoem as resistencias da materia E se imitam a estashytuaria e 0 desenho dos gregos e porque estes bebendo com todaTiberdade na propria fonte e nao tendo ainda sob os olhos nenhum modelo facticio que os houvesse perturbado e corrompido falaram ingenua e fielmente a linguagem da natureza

Os modernos podem apenas esfor~ar-se por esquecer os procedimentos que aprenderamparad~iXaLn~ifar__n~les 0 vishy80r d~4-nBuidade Precisam I~c~~poundQ~riril_ velt~de seja abandonando-se imediatamente ao impulso do genio seja estudando as obras exemplares em que 0 genio se manifestou Apela-se conjuntamente a mais livre espontaneidade e ao esshyfor~o da mais vigilante reflexao 0 artista nao quer ter memoshy

)1(1 mas escuta Homero e olha 0 Laocoonte o advento da luz que 0 espirito revolucionario quer proshy

duzir fundando a nova Republica e experimentado por esses artistas como urn aparecimento a uma s6 vez atual e imemoshyrial Sabe-se que a ideia de uma revelacao primitiva foi exshypressa algumas vezes ao longo do seculo XVIII ora remonshytando aimagem biblica de Adao conversando com Deus ora sob variantes teosoficas ou ligeiramente heterodoxas 0 prishymeiro homem os primeiros povos receberam a totalidade da arte e do saber a historia nao fez senao obscurecer 0 teor da ilumina~ao primeira Rabaut Saint-Etienne - que nisso segue o ensinamento simuidineo de Bailly e de Court de Gebelin

considera os proprios mitos gregos como a versao decaida de uma primeira escritura aleg6rica Como participar da luz primitiva se nao pelo ato que nos torna simbolicamente conshytemporaneos de seu surgimento - pela iniciaciio De resto 0

historiador das ideias encontraria hoje urn vasto campo de pesq uisa no relH~GhWlJQ J~laj~nicLI2- neQQlttQl~CQ 9ll_ese mmif~sta por volta de 1789 em quase todos os paises da Eushyropa na Inglaterra (onde os escritos e as tradu~oes orficas de J Taylor influenciarao Blake) na Holanda (onde Hemstershyhuis escreve dialogos amaneira de Platao) na Franlta (onde

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Joubert em 1790 concebe 0 projeto de viajar nos espaos abertos onde so se ve a luz como Platiio) na Alemanha (onde internos do semimirio de Tiibingen Hegel Holderlin e Schelling H~em PlaHlo Produs e Jamblique no auge de seu entusiasmo pela Revoluao FrancesalA-ed~Jl~uun Belo inteshyliglvlLJ~tl~lIQQ~JJlidadeQo Ser se enuncia vigorosamente por t~daparte em reaao como vimos acorruptora sedushy~ao do atrativo senslvel ~spira-se a umaarte q~e nao lllais se diisssep~1as aos olhos masmiddota altna (pela mediaao inevishytaVeTOoOlliarr--UiIIifomiddotdehiquecQnhecera durante alguns anos ~ma surpreeJlg~rl~Q~fusao de modo algum apenas como se observou para exprimir uma sensibilidade mais grave nas coisas do amor mas muito mais porque essa arte que quer atingir a alma experimenta a necessidade de se representar a si propria na alegoria e no emblema De fato se 0 alvo e realshymente 0 ideal (no sentido metafisico) a obra nao pode se conshyceber a si mesma senao como 0 emblema de uma realidade fora de a1cance a arte linguagem sensivel nao e jamais senao alegor_(Q_gnaiiggl1l Q~J_tllQ~~~11~~euroi--middoterecordaremos que a alegoria se beneficia nesse fim de seculo de uma singushylar revalorizaao que nao deixa de lembrar 0 florescimento que fez ec1odir no seculo XVI a influencia de Ficino e dePico de la Mirandola Mas em urn mundo cuja fisica matematica modificou profundamente a representaao admissivel a imashygem nao tern mais a funao quase magica que podia possuir no universo da Renascena cosmo povoado de correlaoes espirishytuais atravessado pelos campos de fora da simpatia e das correspondencias A imagem alegorica se encontra por asshysim dizer diante do dilema da signijicaltiio adistancia ou da mais misteriosa participaltiio A significaao a distancia e como se adivinha 0 carater proprio das formas tratadas amashyneira de urn sistema de signos e destinadas a anular-se em sua explica~ao intelectual a imagem entao se desfaz sob nosshysos olhos esvazia-se para dar lugar ao discurso de que era 0 equivalente visual A im~em_ est~_~_~~ryis_ogo sentido mas ei-Ia como que desamparada simples intermediariQ 9ljLQ~shy~r1Uall~jnJti1 uma vez constituido 0 sentido pela rashy

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zao do espectador A participaao em compensa~ao mais fiel ao espirito platonico une indissoluvelmente a imagem aideia a imagem se propoe a nos nao como signo distante e distinto deJJmpe1~mento mas como presen~a doabsoluto noseiod~

ffiundo sensivel (Assim vimos 0 emblema revolucionario ershyguer-se a tal ponto que a luz dos principios ia ao encontro da realidade cotidiana) A perfeita participa~ao da ideia na imashygem a inerencia indivislvel instaura um suspense infinito do discurso e se oferece misteriosamente no lugar de todo disshycurso e preciso nao mais falar de alegoria mas de simbolo Assim 0 deseja Goethe A alegoria transform a a aparencia em um conceito 0 conceito em uma imagem mas de modo que 0 conceito ria imagem permane~a delimitado se deixe apreender e possuir integralmente e possa assim ser enunshyciado A simbolica transforma a aparencia em ideia a ideia em uma imagem mas de modo que a ideia na imagem permashynea sempre eternamente ativa e fora de alcance e ainda que seja enunciada em todas as linguas essa ideia permanece conshytudo inexprimivel Entre a aparencia e a imagem a ideia simbolica conserva uma funao de intermediario mas de mashyneira a sob reviver indefinidamente na imagem

Sujeita aexisencia da iQ~iizj~gt~~_yai eXPlllsar toda materia eS~anha procurara aliviar-se de tudo aquilo que for apenas sobrecarga sensual se despojara_ de tudo aquilo que a retem na contingencia dos corpos A gravura e 0 desenho a tra03J tal como os praticarao Gagnereaux FlaxmanCarsshytens (homens do Norte na maioria) encontram de inicio sua legitima~ao estetica no grafismo dos vasos gregos trata-se de voltar a umQ~~~lhltprimordill a uma caligrafia infaIivel a uma arte do com~poundo Mas essa legitimaao fundada num l1-0shytivo historico e no fasdnio arqueo16gico dos objetos miraculoshysamente arrancados ao tempo e a terra desdobra-se em uma consideraao relativa as faculdades daalma A alma escreve Hemsterhuis julga como mais bela aquilo de que pode conceshyber uma id6ia no menor espao de tempo Ela quer ter urn grande numero de ideias no menor espao de tempo possivel Egra~as ao con torno e it maior simplicidade de tralado comshy

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t

pativel-com os temas representados que a alma podeni fruir esse prazer Distinguimos os objetos visiveis por seus con torshynos aparentes pela maneira pela qual sua figura modifica as sombras e a luz e enfim por sua cor poderiamos dizer que e unicamente por seu contorno ja que a cor e apenas uma quashylidade acessoria e ja que a modifica~ao da luz ou das sombras nao e senao 0 resultado de urn contorno que nao se ve Para Hemsterhuis32 toda arte consiste na concentra~ao das ideias em formas que exijam 0 minimo de tempo para serem decifrashydas Parece incontestavel que ha em nossa alma algo que sente repulsa por toda rela~ao com 0 que chamamos de sucessao e dura~ao Hemsterhuis acredita que a inven~ao da escultura e anterior ado desenho e da pintura - mas para fazer com que estes dependam da escultura ou mais exatamente de urn geshynero intermediario 0 baixo-relevo Essa ideia abstrata de contorno foi absolutamente necessaria para fazer nascer 0 deshysenho e a pintura

Da linearidade da lembran~a do baixo-relevohDavid ja nos propusera urn exemplo muito belo Mas as sombras forshytes a intensidade das cores nao eram estranhas a sua arte davam aenergia racional que as subjugava a oportunidade de se manifestar testemunhavam a favor da vontade severa que as domava e disciplinava NQAesenl1lt e na gravura a tra~o generO menor a sombra e a cor sao expuls~J astensoes anushyladas urn principio unico rein a sem contradi~aQJl11 virtu de daJormIJ~do contono 0 trabalho do espirito se emp~l1ha em1ixauttipo ideaJ Trabalho que pretende ir ao encontro da intencao da natureza mas que recorre menos acontemplacao direta do real que amedia~ao daqueles que 0 apreenderam e fixaram antes de nos De fato n~oe a natureza imediat~ que esses artistas amam mas as belas formas preexistentes nas quais veem_lrte dos antigosrematarharmoniosamente 0 que a natureza nao faz senao esbocar Q iJaradigma se interpoe por toda parte entre 0 mundo e ~l~s~ Vma idade de aura da arte foiperclicia e eles nao podem apagar sua memoria De resto no exercicio de urn desenho tao fortemente imantado e guiado pela lembranca do tracado grego encerram-se no

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mito Flaxman ilustra a Iliada a Odisseia Esquilo Carstens s6 quer tratar temas antigos ou heroicos (sua ultima composhysiCao em 1797 sera umaIdade de aura) A arte se exila assim em urn passado ja iluminado pel a arte busca refugio no unishyverso dos poetas 0 neoclassicismo (ou se preferirmos 0

hiperclassicismo) vive d~tlm_a ill1~nsa llllSencia~ 0 tralt~ defir_~_ 1J1l1la formas imediata1l_~nte reco~qllist~cla~p~lJltZJlopasshysado

Mas a esse idealismo que supoe 0 imperio de urn modelo exterior absoluto (inten~ao da natureza forma acabactildo humano) crescentam-se as justific~tivltsEe lIm idealisnlp todo~ubjetivo 0 traco do desenho eo ato de uma consciencia livre que nao se sujeita a nenhuma imitacao como nos diz Fernow Carstensnao apenas nao copiava mas nao queria reshyproduzir nada de memoria 0 que estava em acao era 0 poshyder plasticode sua imagina~ao Igualmente vemos como em David a linearidade corresponder ao exercicio do poder voshyluntario do artista a determina~ao formal que estabelece 0

contorno atesta 0 imperio da consciencia criadora Para Fershynow e Carstens essa primazia do ato criador encontra seu corolario na recusa de sub meter a arte aos dogmas da religiao crista Vma vez descoberta a liberdade ideal 0 artista pershyseguira na propria arte sua verdadeira religiao isto e 0 obshyjeto de seu amor mais puro Y

Se fosse preciso uma vez mais comparar esse aspecto da ade neoclassiCa coin os caracteres proprios do rococo nao nos contentariamos em evocar 0 floreio das luzes e das sombras a complica~ao ornamental eu evocaria de preferencia um asshypecto menor do rococo que me parece ~aItitese absoluta da ~ravura a tra90 a silhueta Esta se oferece a nos como a somshybra passivamente projetada por uma pessoa real em seus adeshyreltos cotidianos e seus gestos familiares e 0 decal que de urn perfil 0 silhuetista so querbrilhar por sua habilidade em seshyguir as bordas de uma imagem inscrita no vidro da camera oscura ele nao pos nada de si mesmo 0 desenho a tra~o em compensacao remete t_aJ()l()lliq~I~ _~QI~~e~~I~_ qpe preside a cada urn dos instantes em que a mao perfaz seu

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Asmus Jakob Carstens 11754-1798) A NOIre e seus Iihas 1795 Weimar Schlossmuseum

trajeto sobre a pagina Trajeto muitas vezes demasiado rigido e demasiado comedido em um Flaxman apesar da aspiratao ao impulso heroico Trajeto que se desdobra em Carstens numa especie de calma hipn6tica 0 perigo que espreita essa arte se ela obedece muito fielmente as injumoes de Winckelshymann (para quem a beleza insipidacomo a agua pura deve desabrochar na calmainexpres~iva da forma serena) e a letargia a fluidez inapreensivel ou a petrificacao mortal a consciencia senhora absoluta de seu jogO corre 0 risco de enamorar-se como Narciso de sua propria pureza e de imobishylizar-se no sonho inconsistente da transparencia

Adivinha-se 0 que pode salvar essa arte um retorno da sombra urn retorno do reprimido para falar a linguagem de Freud Mas ~~ll_Ei~~Upound~m~~lJ~t~m~ qlle sem ~ariar sua tecnia essa arte hiperclassica acolhe uma noya SOIlQm Assim em Flaxman a violencia 0 furor heroico 0

terror 0 horror vern perturbar por sua intensidade expresshy

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siva a calma idealidade das formas todo urn bale semi-absshytrato (de que Picasso se lembrara) tern inicio na necessidade de conjugar 0 movimento e a evocacao alusiva dos tormentos da alma Nao esque-amos que em Flaxman 0 desenho a traco se situa significativamente entre uma atividade de decorador para Wedgwood e encomendas de escultura funeraria ou seja entre a gratuidade elegante e uma arte do pesar e do consolo eternizados E se Carstens faz reinar a maior calma em suas obras nao deixa de nelas introduzir uma dimensao interior urn drama do espirito anima essas imagens cujos pershysonagens esUio quase todos imoveis Como muito bern obsershyvou R Zeitler Carstens opoe frequentemente personagens atishyvos (Homero ou Orfeu recitando Priamo suplicando) e especshytadores meditativos e do mesmo modo que sabe exprimir a dimensao da reflexao ele torna sensivel uma profundidade temporal seus personagens graves estao como que con centrashydos na consciencia de si isto e na consciencia da duracao inshyterna Perspectiva mental que nao e a identidade neutra de urn eu penso sem conteudo mas que por tras dos olhos que parecem cegos para 0 mundo real 0 sentimento tenebroso do destine vern invadir Uma das principais obras de Carstens nao e - inspirada em Hesiodo - A Noite e seus Iihos ou seja a origem mitica do destino

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Page 3: STAROBINSKI, Jean. Roma e o Neoclássico. In 1789 Os Emblemas da Razão. São Paulo, Companhia da Letras, 1988.

j-shy

f

~JHI1~eles urn caprth() do gosto uma preferencia imshypulsiva e uma decisao fundada em argumentos uma escolha meditada Depois de urn seculo que lhes parece caracterizado pela exalta~ao desordenada dos valores senslveis e das felicishydades epidermicas ~les~~t_~Jrilgttl~m AlIli_s~ao de recolocar a art~_~~l_~lut2ri5i~c1f~_2P~IS~fl~~to~ Na riqueza dramatic a dobarroco nas prodigalidades sutis do rococo nao reconheshycern mais a marca do espirito a seus olhos nao sao senao os excitantes de urn prazer turvo de que a alma esta ausente Em conseqiiencia querem afastar as sedu~oes mortais da mashyn~ira e das afeta~oes nisso veem apenas desperdkio de forshy~a E para-redeiGQbfir~om~smQ tempo9_~ilJ1PUcidade e _0

YgQrbullpara libertar a alma cativa de demasiados adornos ape-lam~~ rritu~i~--~~Q~~~(~ Art~iQs J)~(ll1~jr()s s~~ulos Procushyram retomarposse de uma verdade da qual acusam 0 barroco e 0 rococo de have-los separado por uma floresta de ilusoes Querem sair dos jardins de Armida Recuperar-se-ao dessa triste fadiga de que tantos escritores do final do seculo XVIII 30

nos dao testemunho E preciso reconhecer que nem todos chegarao a novas fontes de energia para muitos deles esse caminho longe de conduzir a uma segunda Renascen~a leshyvara a uma arte empobrecida extinta exangue Mas os oushytros ainda que seu estilo vivesse de uma luz e de urn calor de emprestimo merecem nosso interesse tanto por suas inten~oes quanto por seus exitos

Considerando-se sua busca percebemos que- essa grande ideia dosQm~~o (oll do recom~~o da regenera~oi-de _qult~

Revolu~ao foi a manifesta~ao historica esta longe de ter seu campo de aplica~ao no exclusivo dorriinio das institui~oes polishyticas Goethe no decorrer de sua viagem a IHilia medita consshytantemente sobre a planta primitiva e sobre 0 principio prishymordial da organiza~ao do vegetal Os artistas que ele enconshytra em Roma tentam tambem em seu dominio proprio aproshyxiroar-se dallJZdQcomeCQ Tern 0 sentimento de participar de uma re~oi~poundjio9iie~essurreiriio Reacender a tocha da Anshy~de -~-~~a -e ---t~-f--formlllada por Quatremere de Quincy

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Se apelam a natureza e em primeiro lugar as suas intfnshy~oes primitivas anteriores aos desvios e as excentricidades que lheimpoem as resistencias da materia E se imitam a estashytuaria e 0 desenho dos gregos e porque estes bebendo com todaTiberdade na propria fonte e nao tendo ainda sob os olhos nenhum modelo facticio que os houvesse perturbado e corrompido falaram ingenua e fielmente a linguagem da natureza

Os modernos podem apenas esfor~ar-se por esquecer os procedimentos que aprenderamparad~iXaLn~ifar__n~les 0 vishy80r d~4-nBuidade Precisam I~c~~poundQ~riril_ velt~de seja abandonando-se imediatamente ao impulso do genio seja estudando as obras exemplares em que 0 genio se manifestou Apela-se conjuntamente a mais livre espontaneidade e ao esshyfor~o da mais vigilante reflexao 0 artista nao quer ter memoshy

)1(1 mas escuta Homero e olha 0 Laocoonte o advento da luz que 0 espirito revolucionario quer proshy

duzir fundando a nova Republica e experimentado por esses artistas como urn aparecimento a uma s6 vez atual e imemoshyrial Sabe-se que a ideia de uma revelacao primitiva foi exshypressa algumas vezes ao longo do seculo XVIII ora remonshytando aimagem biblica de Adao conversando com Deus ora sob variantes teosoficas ou ligeiramente heterodoxas 0 prishymeiro homem os primeiros povos receberam a totalidade da arte e do saber a historia nao fez senao obscurecer 0 teor da ilumina~ao primeira Rabaut Saint-Etienne - que nisso segue o ensinamento simuidineo de Bailly e de Court de Gebelin

considera os proprios mitos gregos como a versao decaida de uma primeira escritura aleg6rica Como participar da luz primitiva se nao pelo ato que nos torna simbolicamente conshytemporaneos de seu surgimento - pela iniciaciio De resto 0

historiador das ideias encontraria hoje urn vasto campo de pesq uisa no relH~GhWlJQ J~laj~nicLI2- neQQlttQl~CQ 9ll_ese mmif~sta por volta de 1789 em quase todos os paises da Eushyropa na Inglaterra (onde os escritos e as tradu~oes orficas de J Taylor influenciarao Blake) na Holanda (onde Hemstershyhuis escreve dialogos amaneira de Platao) na Franlta (onde

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Joubert em 1790 concebe 0 projeto de viajar nos espaos abertos onde so se ve a luz como Platiio) na Alemanha (onde internos do semimirio de Tiibingen Hegel Holderlin e Schelling H~em PlaHlo Produs e Jamblique no auge de seu entusiasmo pela Revoluao FrancesalA-ed~Jl~uun Belo inteshyliglvlLJ~tl~lIQQ~JJlidadeQo Ser se enuncia vigorosamente por t~daparte em reaao como vimos acorruptora sedushy~ao do atrativo senslvel ~spira-se a umaarte q~e nao lllais se diisssep~1as aos olhos masmiddota altna (pela mediaao inevishytaVeTOoOlliarr--UiIIifomiddotdehiquecQnhecera durante alguns anos ~ma surpreeJlg~rl~Q~fusao de modo algum apenas como se observou para exprimir uma sensibilidade mais grave nas coisas do amor mas muito mais porque essa arte que quer atingir a alma experimenta a necessidade de se representar a si propria na alegoria e no emblema De fato se 0 alvo e realshymente 0 ideal (no sentido metafisico) a obra nao pode se conshyceber a si mesma senao como 0 emblema de uma realidade fora de a1cance a arte linguagem sensivel nao e jamais senao alegor_(Q_gnaiiggl1l Q~J_tllQ~~~11~~euroi--middoterecordaremos que a alegoria se beneficia nesse fim de seculo de uma singushylar revalorizaao que nao deixa de lembrar 0 florescimento que fez ec1odir no seculo XVI a influencia de Ficino e dePico de la Mirandola Mas em urn mundo cuja fisica matematica modificou profundamente a representaao admissivel a imashygem nao tern mais a funao quase magica que podia possuir no universo da Renascena cosmo povoado de correlaoes espirishytuais atravessado pelos campos de fora da simpatia e das correspondencias A imagem alegorica se encontra por asshysim dizer diante do dilema da signijicaltiio adistancia ou da mais misteriosa participaltiio A significaao a distancia e como se adivinha 0 carater proprio das formas tratadas amashyneira de urn sistema de signos e destinadas a anular-se em sua explica~ao intelectual a imagem entao se desfaz sob nosshysos olhos esvazia-se para dar lugar ao discurso de que era 0 equivalente visual A im~em_ est~_~_~~ryis_ogo sentido mas ei-Ia como que desamparada simples intermediariQ 9ljLQ~shy~r1Uall~jnJti1 uma vez constituido 0 sentido pela rashy

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zao do espectador A participaao em compensa~ao mais fiel ao espirito platonico une indissoluvelmente a imagem aideia a imagem se propoe a nos nao como signo distante e distinto deJJmpe1~mento mas como presen~a doabsoluto noseiod~

ffiundo sensivel (Assim vimos 0 emblema revolucionario ershyguer-se a tal ponto que a luz dos principios ia ao encontro da realidade cotidiana) A perfeita participa~ao da ideia na imashygem a inerencia indivislvel instaura um suspense infinito do discurso e se oferece misteriosamente no lugar de todo disshycurso e preciso nao mais falar de alegoria mas de simbolo Assim 0 deseja Goethe A alegoria transform a a aparencia em um conceito 0 conceito em uma imagem mas de modo que 0 conceito ria imagem permane~a delimitado se deixe apreender e possuir integralmente e possa assim ser enunshyciado A simbolica transforma a aparencia em ideia a ideia em uma imagem mas de modo que a ideia na imagem permashynea sempre eternamente ativa e fora de alcance e ainda que seja enunciada em todas as linguas essa ideia permanece conshytudo inexprimivel Entre a aparencia e a imagem a ideia simbolica conserva uma funao de intermediario mas de mashyneira a sob reviver indefinidamente na imagem

Sujeita aexisencia da iQ~iizj~gt~~_yai eXPlllsar toda materia eS~anha procurara aliviar-se de tudo aquilo que for apenas sobrecarga sensual se despojara_ de tudo aquilo que a retem na contingencia dos corpos A gravura e 0 desenho a tra03J tal como os praticarao Gagnereaux FlaxmanCarsshytens (homens do Norte na maioria) encontram de inicio sua legitima~ao estetica no grafismo dos vasos gregos trata-se de voltar a umQ~~~lhltprimordill a uma caligrafia infaIivel a uma arte do com~poundo Mas essa legitimaao fundada num l1-0shytivo historico e no fasdnio arqueo16gico dos objetos miraculoshysamente arrancados ao tempo e a terra desdobra-se em uma consideraao relativa as faculdades daalma A alma escreve Hemsterhuis julga como mais bela aquilo de que pode conceshyber uma id6ia no menor espao de tempo Ela quer ter urn grande numero de ideias no menor espao de tempo possivel Egra~as ao con torno e it maior simplicidade de tralado comshy

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pativel-com os temas representados que a alma podeni fruir esse prazer Distinguimos os objetos visiveis por seus con torshynos aparentes pela maneira pela qual sua figura modifica as sombras e a luz e enfim por sua cor poderiamos dizer que e unicamente por seu contorno ja que a cor e apenas uma quashylidade acessoria e ja que a modifica~ao da luz ou das sombras nao e senao 0 resultado de urn contorno que nao se ve Para Hemsterhuis32 toda arte consiste na concentra~ao das ideias em formas que exijam 0 minimo de tempo para serem decifrashydas Parece incontestavel que ha em nossa alma algo que sente repulsa por toda rela~ao com 0 que chamamos de sucessao e dura~ao Hemsterhuis acredita que a inven~ao da escultura e anterior ado desenho e da pintura - mas para fazer com que estes dependam da escultura ou mais exatamente de urn geshynero intermediario 0 baixo-relevo Essa ideia abstrata de contorno foi absolutamente necessaria para fazer nascer 0 deshysenho e a pintura

Da linearidade da lembran~a do baixo-relevohDavid ja nos propusera urn exemplo muito belo Mas as sombras forshytes a intensidade das cores nao eram estranhas a sua arte davam aenergia racional que as subjugava a oportunidade de se manifestar testemunhavam a favor da vontade severa que as domava e disciplinava NQAesenl1lt e na gravura a tra~o generO menor a sombra e a cor sao expuls~J astensoes anushyladas urn principio unico rein a sem contradi~aQJl11 virtu de daJormIJ~do contono 0 trabalho do espirito se emp~l1ha em1ixauttipo ideaJ Trabalho que pretende ir ao encontro da intencao da natureza mas que recorre menos acontemplacao direta do real que amedia~ao daqueles que 0 apreenderam e fixaram antes de nos De fato n~oe a natureza imediat~ que esses artistas amam mas as belas formas preexistentes nas quais veem_lrte dos antigosrematarharmoniosamente 0 que a natureza nao faz senao esbocar Q iJaradigma se interpoe por toda parte entre 0 mundo e ~l~s~ Vma idade de aura da arte foiperclicia e eles nao podem apagar sua memoria De resto no exercicio de urn desenho tao fortemente imantado e guiado pela lembranca do tracado grego encerram-se no

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mito Flaxman ilustra a Iliada a Odisseia Esquilo Carstens s6 quer tratar temas antigos ou heroicos (sua ultima composhysiCao em 1797 sera umaIdade de aura) A arte se exila assim em urn passado ja iluminado pel a arte busca refugio no unishyverso dos poetas 0 neoclassicismo (ou se preferirmos 0

hiperclassicismo) vive d~tlm_a ill1~nsa llllSencia~ 0 tralt~ defir_~_ 1J1l1la formas imediata1l_~nte reco~qllist~cla~p~lJltZJlopasshysado

Mas a esse idealismo que supoe 0 imperio de urn modelo exterior absoluto (inten~ao da natureza forma acabactildo humano) crescentam-se as justific~tivltsEe lIm idealisnlp todo~ubjetivo 0 traco do desenho eo ato de uma consciencia livre que nao se sujeita a nenhuma imitacao como nos diz Fernow Carstensnao apenas nao copiava mas nao queria reshyproduzir nada de memoria 0 que estava em acao era 0 poshyder plasticode sua imagina~ao Igualmente vemos como em David a linearidade corresponder ao exercicio do poder voshyluntario do artista a determina~ao formal que estabelece 0

contorno atesta 0 imperio da consciencia criadora Para Fershynow e Carstens essa primazia do ato criador encontra seu corolario na recusa de sub meter a arte aos dogmas da religiao crista Vma vez descoberta a liberdade ideal 0 artista pershyseguira na propria arte sua verdadeira religiao isto e 0 obshyjeto de seu amor mais puro Y

Se fosse preciso uma vez mais comparar esse aspecto da ade neoclassiCa coin os caracteres proprios do rococo nao nos contentariamos em evocar 0 floreio das luzes e das sombras a complica~ao ornamental eu evocaria de preferencia um asshypecto menor do rococo que me parece ~aItitese absoluta da ~ravura a tra90 a silhueta Esta se oferece a nos como a somshybra passivamente projetada por uma pessoa real em seus adeshyreltos cotidianos e seus gestos familiares e 0 decal que de urn perfil 0 silhuetista so querbrilhar por sua habilidade em seshyguir as bordas de uma imagem inscrita no vidro da camera oscura ele nao pos nada de si mesmo 0 desenho a tra~o em compensacao remete t_aJ()l()lliq~I~ _~QI~~e~~I~_ qpe preside a cada urn dos instantes em que a mao perfaz seu

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Asmus Jakob Carstens 11754-1798) A NOIre e seus Iihas 1795 Weimar Schlossmuseum

trajeto sobre a pagina Trajeto muitas vezes demasiado rigido e demasiado comedido em um Flaxman apesar da aspiratao ao impulso heroico Trajeto que se desdobra em Carstens numa especie de calma hipn6tica 0 perigo que espreita essa arte se ela obedece muito fielmente as injumoes de Winckelshymann (para quem a beleza insipidacomo a agua pura deve desabrochar na calmainexpres~iva da forma serena) e a letargia a fluidez inapreensivel ou a petrificacao mortal a consciencia senhora absoluta de seu jogO corre 0 risco de enamorar-se como Narciso de sua propria pureza e de imobishylizar-se no sonho inconsistente da transparencia

Adivinha-se 0 que pode salvar essa arte um retorno da sombra urn retorno do reprimido para falar a linguagem de Freud Mas ~~ll_Ei~~Upound~m~~lJ~t~m~ qlle sem ~ariar sua tecnia essa arte hiperclassica acolhe uma noya SOIlQm Assim em Flaxman a violencia 0 furor heroico 0

terror 0 horror vern perturbar por sua intensidade expresshy

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siva a calma idealidade das formas todo urn bale semi-absshytrato (de que Picasso se lembrara) tern inicio na necessidade de conjugar 0 movimento e a evocacao alusiva dos tormentos da alma Nao esque-amos que em Flaxman 0 desenho a traco se situa significativamente entre uma atividade de decorador para Wedgwood e encomendas de escultura funeraria ou seja entre a gratuidade elegante e uma arte do pesar e do consolo eternizados E se Carstens faz reinar a maior calma em suas obras nao deixa de nelas introduzir uma dimensao interior urn drama do espirito anima essas imagens cujos pershysonagens esUio quase todos imoveis Como muito bern obsershyvou R Zeitler Carstens opoe frequentemente personagens atishyvos (Homero ou Orfeu recitando Priamo suplicando) e especshytadores meditativos e do mesmo modo que sabe exprimir a dimensao da reflexao ele torna sensivel uma profundidade temporal seus personagens graves estao como que con centrashydos na consciencia de si isto e na consciencia da duracao inshyterna Perspectiva mental que nao e a identidade neutra de urn eu penso sem conteudo mas que por tras dos olhos que parecem cegos para 0 mundo real 0 sentimento tenebroso do destine vern invadir Uma das principais obras de Carstens nao e - inspirada em Hesiodo - A Noite e seus Iihos ou seja a origem mitica do destino

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Page 4: STAROBINSKI, Jean. Roma e o Neoclássico. In 1789 Os Emblemas da Razão. São Paulo, Companhia da Letras, 1988.

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Joubert em 1790 concebe 0 projeto de viajar nos espaos abertos onde so se ve a luz como Platiio) na Alemanha (onde internos do semimirio de Tiibingen Hegel Holderlin e Schelling H~em PlaHlo Produs e Jamblique no auge de seu entusiasmo pela Revoluao FrancesalA-ed~Jl~uun Belo inteshyliglvlLJ~tl~lIQQ~JJlidadeQo Ser se enuncia vigorosamente por t~daparte em reaao como vimos acorruptora sedushy~ao do atrativo senslvel ~spira-se a umaarte q~e nao lllais se diisssep~1as aos olhos masmiddota altna (pela mediaao inevishytaVeTOoOlliarr--UiIIifomiddotdehiquecQnhecera durante alguns anos ~ma surpreeJlg~rl~Q~fusao de modo algum apenas como se observou para exprimir uma sensibilidade mais grave nas coisas do amor mas muito mais porque essa arte que quer atingir a alma experimenta a necessidade de se representar a si propria na alegoria e no emblema De fato se 0 alvo e realshymente 0 ideal (no sentido metafisico) a obra nao pode se conshyceber a si mesma senao como 0 emblema de uma realidade fora de a1cance a arte linguagem sensivel nao e jamais senao alegor_(Q_gnaiiggl1l Q~J_tllQ~~~11~~euroi--middoterecordaremos que a alegoria se beneficia nesse fim de seculo de uma singushylar revalorizaao que nao deixa de lembrar 0 florescimento que fez ec1odir no seculo XVI a influencia de Ficino e dePico de la Mirandola Mas em urn mundo cuja fisica matematica modificou profundamente a representaao admissivel a imashygem nao tern mais a funao quase magica que podia possuir no universo da Renascena cosmo povoado de correlaoes espirishytuais atravessado pelos campos de fora da simpatia e das correspondencias A imagem alegorica se encontra por asshysim dizer diante do dilema da signijicaltiio adistancia ou da mais misteriosa participaltiio A significaao a distancia e como se adivinha 0 carater proprio das formas tratadas amashyneira de urn sistema de signos e destinadas a anular-se em sua explica~ao intelectual a imagem entao se desfaz sob nosshysos olhos esvazia-se para dar lugar ao discurso de que era 0 equivalente visual A im~em_ est~_~_~~ryis_ogo sentido mas ei-Ia como que desamparada simples intermediariQ 9ljLQ~shy~r1Uall~jnJti1 uma vez constituido 0 sentido pela rashy

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zao do espectador A participaao em compensa~ao mais fiel ao espirito platonico une indissoluvelmente a imagem aideia a imagem se propoe a nos nao como signo distante e distinto deJJmpe1~mento mas como presen~a doabsoluto noseiod~

ffiundo sensivel (Assim vimos 0 emblema revolucionario ershyguer-se a tal ponto que a luz dos principios ia ao encontro da realidade cotidiana) A perfeita participa~ao da ideia na imashygem a inerencia indivislvel instaura um suspense infinito do discurso e se oferece misteriosamente no lugar de todo disshycurso e preciso nao mais falar de alegoria mas de simbolo Assim 0 deseja Goethe A alegoria transform a a aparencia em um conceito 0 conceito em uma imagem mas de modo que 0 conceito ria imagem permane~a delimitado se deixe apreender e possuir integralmente e possa assim ser enunshyciado A simbolica transforma a aparencia em ideia a ideia em uma imagem mas de modo que a ideia na imagem permashynea sempre eternamente ativa e fora de alcance e ainda que seja enunciada em todas as linguas essa ideia permanece conshytudo inexprimivel Entre a aparencia e a imagem a ideia simbolica conserva uma funao de intermediario mas de mashyneira a sob reviver indefinidamente na imagem

Sujeita aexisencia da iQ~iizj~gt~~_yai eXPlllsar toda materia eS~anha procurara aliviar-se de tudo aquilo que for apenas sobrecarga sensual se despojara_ de tudo aquilo que a retem na contingencia dos corpos A gravura e 0 desenho a tra03J tal como os praticarao Gagnereaux FlaxmanCarsshytens (homens do Norte na maioria) encontram de inicio sua legitima~ao estetica no grafismo dos vasos gregos trata-se de voltar a umQ~~~lhltprimordill a uma caligrafia infaIivel a uma arte do com~poundo Mas essa legitimaao fundada num l1-0shytivo historico e no fasdnio arqueo16gico dos objetos miraculoshysamente arrancados ao tempo e a terra desdobra-se em uma consideraao relativa as faculdades daalma A alma escreve Hemsterhuis julga como mais bela aquilo de que pode conceshyber uma id6ia no menor espao de tempo Ela quer ter urn grande numero de ideias no menor espao de tempo possivel Egra~as ao con torno e it maior simplicidade de tralado comshy

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t

pativel-com os temas representados que a alma podeni fruir esse prazer Distinguimos os objetos visiveis por seus con torshynos aparentes pela maneira pela qual sua figura modifica as sombras e a luz e enfim por sua cor poderiamos dizer que e unicamente por seu contorno ja que a cor e apenas uma quashylidade acessoria e ja que a modifica~ao da luz ou das sombras nao e senao 0 resultado de urn contorno que nao se ve Para Hemsterhuis32 toda arte consiste na concentra~ao das ideias em formas que exijam 0 minimo de tempo para serem decifrashydas Parece incontestavel que ha em nossa alma algo que sente repulsa por toda rela~ao com 0 que chamamos de sucessao e dura~ao Hemsterhuis acredita que a inven~ao da escultura e anterior ado desenho e da pintura - mas para fazer com que estes dependam da escultura ou mais exatamente de urn geshynero intermediario 0 baixo-relevo Essa ideia abstrata de contorno foi absolutamente necessaria para fazer nascer 0 deshysenho e a pintura

Da linearidade da lembran~a do baixo-relevohDavid ja nos propusera urn exemplo muito belo Mas as sombras forshytes a intensidade das cores nao eram estranhas a sua arte davam aenergia racional que as subjugava a oportunidade de se manifestar testemunhavam a favor da vontade severa que as domava e disciplinava NQAesenl1lt e na gravura a tra~o generO menor a sombra e a cor sao expuls~J astensoes anushyladas urn principio unico rein a sem contradi~aQJl11 virtu de daJormIJ~do contono 0 trabalho do espirito se emp~l1ha em1ixauttipo ideaJ Trabalho que pretende ir ao encontro da intencao da natureza mas que recorre menos acontemplacao direta do real que amedia~ao daqueles que 0 apreenderam e fixaram antes de nos De fato n~oe a natureza imediat~ que esses artistas amam mas as belas formas preexistentes nas quais veem_lrte dos antigosrematarharmoniosamente 0 que a natureza nao faz senao esbocar Q iJaradigma se interpoe por toda parte entre 0 mundo e ~l~s~ Vma idade de aura da arte foiperclicia e eles nao podem apagar sua memoria De resto no exercicio de urn desenho tao fortemente imantado e guiado pela lembranca do tracado grego encerram-se no

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mito Flaxman ilustra a Iliada a Odisseia Esquilo Carstens s6 quer tratar temas antigos ou heroicos (sua ultima composhysiCao em 1797 sera umaIdade de aura) A arte se exila assim em urn passado ja iluminado pel a arte busca refugio no unishyverso dos poetas 0 neoclassicismo (ou se preferirmos 0

hiperclassicismo) vive d~tlm_a ill1~nsa llllSencia~ 0 tralt~ defir_~_ 1J1l1la formas imediata1l_~nte reco~qllist~cla~p~lJltZJlopasshysado

Mas a esse idealismo que supoe 0 imperio de urn modelo exterior absoluto (inten~ao da natureza forma acabactildo humano) crescentam-se as justific~tivltsEe lIm idealisnlp todo~ubjetivo 0 traco do desenho eo ato de uma consciencia livre que nao se sujeita a nenhuma imitacao como nos diz Fernow Carstensnao apenas nao copiava mas nao queria reshyproduzir nada de memoria 0 que estava em acao era 0 poshyder plasticode sua imagina~ao Igualmente vemos como em David a linearidade corresponder ao exercicio do poder voshyluntario do artista a determina~ao formal que estabelece 0

contorno atesta 0 imperio da consciencia criadora Para Fershynow e Carstens essa primazia do ato criador encontra seu corolario na recusa de sub meter a arte aos dogmas da religiao crista Vma vez descoberta a liberdade ideal 0 artista pershyseguira na propria arte sua verdadeira religiao isto e 0 obshyjeto de seu amor mais puro Y

Se fosse preciso uma vez mais comparar esse aspecto da ade neoclassiCa coin os caracteres proprios do rococo nao nos contentariamos em evocar 0 floreio das luzes e das sombras a complica~ao ornamental eu evocaria de preferencia um asshypecto menor do rococo que me parece ~aItitese absoluta da ~ravura a tra90 a silhueta Esta se oferece a nos como a somshybra passivamente projetada por uma pessoa real em seus adeshyreltos cotidianos e seus gestos familiares e 0 decal que de urn perfil 0 silhuetista so querbrilhar por sua habilidade em seshyguir as bordas de uma imagem inscrita no vidro da camera oscura ele nao pos nada de si mesmo 0 desenho a tra~o em compensacao remete t_aJ()l()lliq~I~ _~QI~~e~~I~_ qpe preside a cada urn dos instantes em que a mao perfaz seu

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Asmus Jakob Carstens 11754-1798) A NOIre e seus Iihas 1795 Weimar Schlossmuseum

trajeto sobre a pagina Trajeto muitas vezes demasiado rigido e demasiado comedido em um Flaxman apesar da aspiratao ao impulso heroico Trajeto que se desdobra em Carstens numa especie de calma hipn6tica 0 perigo que espreita essa arte se ela obedece muito fielmente as injumoes de Winckelshymann (para quem a beleza insipidacomo a agua pura deve desabrochar na calmainexpres~iva da forma serena) e a letargia a fluidez inapreensivel ou a petrificacao mortal a consciencia senhora absoluta de seu jogO corre 0 risco de enamorar-se como Narciso de sua propria pureza e de imobishylizar-se no sonho inconsistente da transparencia

Adivinha-se 0 que pode salvar essa arte um retorno da sombra urn retorno do reprimido para falar a linguagem de Freud Mas ~~ll_Ei~~Upound~m~~lJ~t~m~ qlle sem ~ariar sua tecnia essa arte hiperclassica acolhe uma noya SOIlQm Assim em Flaxman a violencia 0 furor heroico 0

terror 0 horror vern perturbar por sua intensidade expresshy

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siva a calma idealidade das formas todo urn bale semi-absshytrato (de que Picasso se lembrara) tern inicio na necessidade de conjugar 0 movimento e a evocacao alusiva dos tormentos da alma Nao esque-amos que em Flaxman 0 desenho a traco se situa significativamente entre uma atividade de decorador para Wedgwood e encomendas de escultura funeraria ou seja entre a gratuidade elegante e uma arte do pesar e do consolo eternizados E se Carstens faz reinar a maior calma em suas obras nao deixa de nelas introduzir uma dimensao interior urn drama do espirito anima essas imagens cujos pershysonagens esUio quase todos imoveis Como muito bern obsershyvou R Zeitler Carstens opoe frequentemente personagens atishyvos (Homero ou Orfeu recitando Priamo suplicando) e especshytadores meditativos e do mesmo modo que sabe exprimir a dimensao da reflexao ele torna sensivel uma profundidade temporal seus personagens graves estao como que con centrashydos na consciencia de si isto e na consciencia da duracao inshyterna Perspectiva mental que nao e a identidade neutra de urn eu penso sem conteudo mas que por tras dos olhos que parecem cegos para 0 mundo real 0 sentimento tenebroso do destine vern invadir Uma das principais obras de Carstens nao e - inspirada em Hesiodo - A Noite e seus Iihos ou seja a origem mitica do destino

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Page 5: STAROBINSKI, Jean. Roma e o Neoclássico. In 1789 Os Emblemas da Razão. São Paulo, Companhia da Letras, 1988.

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pativel-com os temas representados que a alma podeni fruir esse prazer Distinguimos os objetos visiveis por seus con torshynos aparentes pela maneira pela qual sua figura modifica as sombras e a luz e enfim por sua cor poderiamos dizer que e unicamente por seu contorno ja que a cor e apenas uma quashylidade acessoria e ja que a modifica~ao da luz ou das sombras nao e senao 0 resultado de urn contorno que nao se ve Para Hemsterhuis32 toda arte consiste na concentra~ao das ideias em formas que exijam 0 minimo de tempo para serem decifrashydas Parece incontestavel que ha em nossa alma algo que sente repulsa por toda rela~ao com 0 que chamamos de sucessao e dura~ao Hemsterhuis acredita que a inven~ao da escultura e anterior ado desenho e da pintura - mas para fazer com que estes dependam da escultura ou mais exatamente de urn geshynero intermediario 0 baixo-relevo Essa ideia abstrata de contorno foi absolutamente necessaria para fazer nascer 0 deshysenho e a pintura

Da linearidade da lembran~a do baixo-relevohDavid ja nos propusera urn exemplo muito belo Mas as sombras forshytes a intensidade das cores nao eram estranhas a sua arte davam aenergia racional que as subjugava a oportunidade de se manifestar testemunhavam a favor da vontade severa que as domava e disciplinava NQAesenl1lt e na gravura a tra~o generO menor a sombra e a cor sao expuls~J astensoes anushyladas urn principio unico rein a sem contradi~aQJl11 virtu de daJormIJ~do contono 0 trabalho do espirito se emp~l1ha em1ixauttipo ideaJ Trabalho que pretende ir ao encontro da intencao da natureza mas que recorre menos acontemplacao direta do real que amedia~ao daqueles que 0 apreenderam e fixaram antes de nos De fato n~oe a natureza imediat~ que esses artistas amam mas as belas formas preexistentes nas quais veem_lrte dos antigosrematarharmoniosamente 0 que a natureza nao faz senao esbocar Q iJaradigma se interpoe por toda parte entre 0 mundo e ~l~s~ Vma idade de aura da arte foiperclicia e eles nao podem apagar sua memoria De resto no exercicio de urn desenho tao fortemente imantado e guiado pela lembranca do tracado grego encerram-se no

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mito Flaxman ilustra a Iliada a Odisseia Esquilo Carstens s6 quer tratar temas antigos ou heroicos (sua ultima composhysiCao em 1797 sera umaIdade de aura) A arte se exila assim em urn passado ja iluminado pel a arte busca refugio no unishyverso dos poetas 0 neoclassicismo (ou se preferirmos 0

hiperclassicismo) vive d~tlm_a ill1~nsa llllSencia~ 0 tralt~ defir_~_ 1J1l1la formas imediata1l_~nte reco~qllist~cla~p~lJltZJlopasshysado

Mas a esse idealismo que supoe 0 imperio de urn modelo exterior absoluto (inten~ao da natureza forma acabactildo humano) crescentam-se as justific~tivltsEe lIm idealisnlp todo~ubjetivo 0 traco do desenho eo ato de uma consciencia livre que nao se sujeita a nenhuma imitacao como nos diz Fernow Carstensnao apenas nao copiava mas nao queria reshyproduzir nada de memoria 0 que estava em acao era 0 poshyder plasticode sua imagina~ao Igualmente vemos como em David a linearidade corresponder ao exercicio do poder voshyluntario do artista a determina~ao formal que estabelece 0

contorno atesta 0 imperio da consciencia criadora Para Fershynow e Carstens essa primazia do ato criador encontra seu corolario na recusa de sub meter a arte aos dogmas da religiao crista Vma vez descoberta a liberdade ideal 0 artista pershyseguira na propria arte sua verdadeira religiao isto e 0 obshyjeto de seu amor mais puro Y

Se fosse preciso uma vez mais comparar esse aspecto da ade neoclassiCa coin os caracteres proprios do rococo nao nos contentariamos em evocar 0 floreio das luzes e das sombras a complica~ao ornamental eu evocaria de preferencia um asshypecto menor do rococo que me parece ~aItitese absoluta da ~ravura a tra90 a silhueta Esta se oferece a nos como a somshybra passivamente projetada por uma pessoa real em seus adeshyreltos cotidianos e seus gestos familiares e 0 decal que de urn perfil 0 silhuetista so querbrilhar por sua habilidade em seshyguir as bordas de uma imagem inscrita no vidro da camera oscura ele nao pos nada de si mesmo 0 desenho a tra~o em compensacao remete t_aJ()l()lliq~I~ _~QI~~e~~I~_ qpe preside a cada urn dos instantes em que a mao perfaz seu

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Asmus Jakob Carstens 11754-1798) A NOIre e seus Iihas 1795 Weimar Schlossmuseum

trajeto sobre a pagina Trajeto muitas vezes demasiado rigido e demasiado comedido em um Flaxman apesar da aspiratao ao impulso heroico Trajeto que se desdobra em Carstens numa especie de calma hipn6tica 0 perigo que espreita essa arte se ela obedece muito fielmente as injumoes de Winckelshymann (para quem a beleza insipidacomo a agua pura deve desabrochar na calmainexpres~iva da forma serena) e a letargia a fluidez inapreensivel ou a petrificacao mortal a consciencia senhora absoluta de seu jogO corre 0 risco de enamorar-se como Narciso de sua propria pureza e de imobishylizar-se no sonho inconsistente da transparencia

Adivinha-se 0 que pode salvar essa arte um retorno da sombra urn retorno do reprimido para falar a linguagem de Freud Mas ~~ll_Ei~~Upound~m~~lJ~t~m~ qlle sem ~ariar sua tecnia essa arte hiperclassica acolhe uma noya SOIlQm Assim em Flaxman a violencia 0 furor heroico 0

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siva a calma idealidade das formas todo urn bale semi-absshytrato (de que Picasso se lembrara) tern inicio na necessidade de conjugar 0 movimento e a evocacao alusiva dos tormentos da alma Nao esque-amos que em Flaxman 0 desenho a traco se situa significativamente entre uma atividade de decorador para Wedgwood e encomendas de escultura funeraria ou seja entre a gratuidade elegante e uma arte do pesar e do consolo eternizados E se Carstens faz reinar a maior calma em suas obras nao deixa de nelas introduzir uma dimensao interior urn drama do espirito anima essas imagens cujos pershysonagens esUio quase todos imoveis Como muito bern obsershyvou R Zeitler Carstens opoe frequentemente personagens atishyvos (Homero ou Orfeu recitando Priamo suplicando) e especshytadores meditativos e do mesmo modo que sabe exprimir a dimensao da reflexao ele torna sensivel uma profundidade temporal seus personagens graves estao como que con centrashydos na consciencia de si isto e na consciencia da duracao inshyterna Perspectiva mental que nao e a identidade neutra de urn eu penso sem conteudo mas que por tras dos olhos que parecem cegos para 0 mundo real 0 sentimento tenebroso do destine vern invadir Uma das principais obras de Carstens nao e - inspirada em Hesiodo - A Noite e seus Iihos ou seja a origem mitica do destino

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Page 6: STAROBINSKI, Jean. Roma e o Neoclássico. In 1789 Os Emblemas da Razão. São Paulo, Companhia da Letras, 1988.

Asmus Jakob Carstens 11754-1798) A NOIre e seus Iihas 1795 Weimar Schlossmuseum

trajeto sobre a pagina Trajeto muitas vezes demasiado rigido e demasiado comedido em um Flaxman apesar da aspiratao ao impulso heroico Trajeto que se desdobra em Carstens numa especie de calma hipn6tica 0 perigo que espreita essa arte se ela obedece muito fielmente as injumoes de Winckelshymann (para quem a beleza insipidacomo a agua pura deve desabrochar na calmainexpres~iva da forma serena) e a letargia a fluidez inapreensivel ou a petrificacao mortal a consciencia senhora absoluta de seu jogO corre 0 risco de enamorar-se como Narciso de sua propria pureza e de imobishylizar-se no sonho inconsistente da transparencia

Adivinha-se 0 que pode salvar essa arte um retorno da sombra urn retorno do reprimido para falar a linguagem de Freud Mas ~~ll_Ei~~Upound~m~~lJ~t~m~ qlle sem ~ariar sua tecnia essa arte hiperclassica acolhe uma noya SOIlQm Assim em Flaxman a violencia 0 furor heroico 0

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siva a calma idealidade das formas todo urn bale semi-absshytrato (de que Picasso se lembrara) tern inicio na necessidade de conjugar 0 movimento e a evocacao alusiva dos tormentos da alma Nao esque-amos que em Flaxman 0 desenho a traco se situa significativamente entre uma atividade de decorador para Wedgwood e encomendas de escultura funeraria ou seja entre a gratuidade elegante e uma arte do pesar e do consolo eternizados E se Carstens faz reinar a maior calma em suas obras nao deixa de nelas introduzir uma dimensao interior urn drama do espirito anima essas imagens cujos pershysonagens esUio quase todos imoveis Como muito bern obsershyvou R Zeitler Carstens opoe frequentemente personagens atishyvos (Homero ou Orfeu recitando Priamo suplicando) e especshytadores meditativos e do mesmo modo que sabe exprimir a dimensao da reflexao ele torna sensivel uma profundidade temporal seus personagens graves estao como que con centrashydos na consciencia de si isto e na consciencia da duracao inshyterna Perspectiva mental que nao e a identidade neutra de urn eu penso sem conteudo mas que por tras dos olhos que parecem cegos para 0 mundo real 0 sentimento tenebroso do destine vern invadir Uma das principais obras de Carstens nao e - inspirada em Hesiodo - A Noite e seus Iihos ou seja a origem mitica do destino

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