Stela Barbieri_Educação Como Ação Poética

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  • 8/16/2019 Stela Barbieri_Educação Como Ação Poética

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    Educação como ação poética

    O papel do Educativo em uma instituição cultural é questionaras relações entre a vida e a arte. 

    A arte e a educação são áreas que podem ser revolucionárias pornatureza. Por meio delas, mudamos nossa visão de mundo einventamos outras maneiras de olhar e agir. Ser artista e professorexige, portanto, um exercício constante de criação e descoberta denovos caminhos. Além disso, especialmente no Brasil, a conquista decampos efetivos de trabalho nessa direção exige tenacidade ecapacidade para detectar e aproveitar as oportunidades que seapresentam.

    O papel do Educativo em uma instituição cultural é propor um

    questionamento sobre as relações entre a vida e a artecontemporânea através do contato com a arte ou o fazer artístico. Asperguntas, proposições e problemas explicitados pelos artistas nostrazem atravessamentos, suscitam ações que alimentam nossamaneira de inventar a educação através da arte. Buscamos não sóproporcionar aos visitantes e estudantes um contato desafiador comas obras apresentadas nas exposições, como também abrir espaçopara que o educador que recebe o público pesquise e proponhaoutras relações com a arte.

    Novas narrativas

    Desde o início de minha atuação na concepção de Educativos, tenhotido como intenção realizar um trabalho especial dedicado aprofessores de arte e educadores sociais, de escolas públicas e ONGs.Esses professores trabalham com a faixa etária do desabrochar dacompreensão do mundo: seus alunos estão curiosos e ávidos poraprender, e nos desafiam a inventar novos caminhos todos os dias.Pergunto-me: de que forma podemos abrir espaço para novasnarrativas e intervenções do público? Como criar um ambiente quepropicie a ação poética, no qual as pessoas se sintam à vontade e

    com liberdade de se colocar perante as obras de arte e perante simesmas?

    Certa vez, estava com minha equipe no Centro Educacional Unificado(CEU) Casa Blanca, localizado num bairro da periferia da cidade,conduzindo um encontro de formação promovido pela Bienal de SãoPaulo com 450 professores da Rede Municipal de Educação. Osmicrofones, em intenso movimento por entre o público, expressavamo vigor da conversa sobre os modos de viver e a arte, emanifestavam momentos de embate bastante intensos. Tratávamos

    do trabalho Pare, repare, prepare, da dupla Allora e Calzadilla – essaperformance surpreendente reúne seis músicos que se revezam

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    tocando, de dentro de um piano, o quarto movimento da NonaSinfonia de Beethoven.

    Então, um professor de música ali presente levantou-se e perguntoua seus colegas: “Vocês conhecem a Nona Sinfonia de Beethoven?”.

    Como pouquíssimos deles a conhecessem, ele se ofereceu: “Possocantar para vocês?”. Atendendo a vontade dos professores, cantou oquarto movimento inteiro, em alto e lindo tom. A audiçãoespontânea, sem ensaios ou protocolos, veio inesperada, levando aplateia a um silêncio cúmplice e receptivo que, depois dos aplausos,continuou ocupando o espaço.

    Essa cena me fez pensar em como é maravilhoso quando alguém sesente à vontade e com liberdade para se colocar. Então meperguntei: como garantir esse espaço nas instituições culturais? Creio

    que o grande desafio é integrar competência para ter espaços bemcuidados, equipe preparada, infraestrutura, rigor conceitual e, aomesmo tempo, deixar frestas para o inusitado. O envolvimento e apresença de cada participante nessa ação podem catalisar umencontro vivo e a criação de um espaço com afeto, onde todos secoloquem para além do que está proposto, investigando e seperguntando sobre o sentido da vida contemporânea e da arte.

    Sempre um copo de mar...

    O Instituto Tomie Ohtake, um centro cultural de arte contemporâneana cidade de São Paulo, inaugurado em 2001, trabalha com arte,arquitetura e design. Sendo uma instituição bastante jovem com umadireção aberta à pesquisa e à investigação, possibilita que a açãoeducativa tenha a oportunidade de experimentar vários caminhos nostrabalhos com crianças, jovens e adultos, em grupos pequenos. Aproposta desse Educativo é privilegiar a pesquisa, experiência e areflexão dos profissionais participantes, interagindo com gruposheterogêneos e estabelecendo comunicação em um espaçodemocrático da arte.

    Quanto à Fundação Bienal de São Paulo, localizada em uma cidadecom 11 milhões de habitantes, sua capacidade de abrangência écolossal. Simbolicamente, ela ocupa um território que é de todos.Uma exposição como a bienal de arte é sempre um grande desafio: alocalização de um assunto, o desenvolvimento de um argumento, acriação de um projeto, a configuração de um território, o espaçoexpositivo, as passagens e deslocamentos, os lugares de encontrocom a obra, a recepção do público, o que evidenciar em cadatrabalho, as relações a serem estabelecidas. Como receber bem aspessoas? Como compartilhar as intenções do trabalho com todos os

    envolvidos na mostra? Como criar espaço para experiências

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    significativas? Em um espaço com 25.000 m2 pode-se acolher umgrande público.

    Dialogar com professores e educadores pareceu ser o primeiro passopara uma entrada significativa nas escolas, nas ONGs e nas

    comunidades. Na 29ª Bienal, realizada em 2010, ao criarem osterreiros, que davam nome às plataformas conceituais e aos espaçosde encontro, os curadores-chefes reforçaram sua proposta de refletirsobre arte e política à luz da poesia, como sugere o nome daexposição, “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”.Possibilitando ao público diferentes entradas para a leitura da mostra,criaram novos ares, espaços para pensar a arte com um frescor quepôde, a cada momento, revelar novas significações.

    Para o Projeto Educativo, a proposta da curadoria das mostras

    sempre traz uma outra perspectiva para a interlocução com aspessoas e as obras, gerando diálogos entre os integrantes da equipee o público, criando diferentes tipos de aproximações com a arte,estabelecendo relações entre a arte e a vida cotidiana, formulandoquestões, problematizando-as e discutindo a essência do trabalho decada artista e as urgências da vida contemporânea.

    O desafio de atender muitas pessoas com a intenção de escutar edialogar com cada uma delas tem um misto de objetividade absolutae subjetividade à flor da pele. A logística para receber o público

    precisa estar muito bem estruturada. Decisões precisam ser tomadasa todo o momento. Ao mesmo tempo, as pessoas precisam serouvidas em suas necessidades, reflexões e construção de sentidos,sejam elas da equipe ou do público.

    A percepção dos acontecimentos tem sido a bússola dessanavegação. A intenção é que as pessoas possam se encontrar umascom as outras, que tenham as melhores condições para isso e queesse corpo coletivo possa ter uma irradiação. Que a conversa se dêpouco a pouco, como o fogo de uma roda de fogueira, que se espalhae acende outras fogueiras. Esse fogo é a conversa, motor danavegação.

    Stela Barbieri,artista plástica, é contadora de histórias, curadora educacional da

    Fundação Bienal de São Paulo desde 2009 e responsável pela AçãoEducativa do Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, desde 2002.

    Copyright: Goethe-Institut e. V., Humboldt RedaktionDezembro 2011

    Fonte: Revista Humboldt

    http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/156/pt8622823.htm