Stephan Doering Darcie - O fundamento da tentativa em direito penal.pdf

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL PUCRS FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS MESTRADO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS STEPHAN DOERING DARCIE O FUNDAMENTO DA TENTATIVA EM DIREITO PENAL PORTO ALEGRE 2012

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL PUCRS FACULDADE DE DIREITO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS CRIMINAIS MESTRADO EM CINCIAS CRIMINAIS

    STEPHAN DOERING DARCIE

    O FUNDAMENTO DA TENTATIVA EM DIREITO PENAL

    PORTO ALEGRE 2012

  • STEPHAN DOERING DARCIE

    O FUNDAMENTO DA TENTATIVA EM DIREITO PENAL

    Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre, pelo Programa de Ps-Graduao em Cincias Criminais da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Orientador: Professor Doutor Fabio Roberto DAvila

    PORTO ALEGRE 2012

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    D214f Darcie, Stephan Doering O fundamento da tentativa em direito penal. / Stephan

    Doering Darcie. Porto Alegre, 2012. 220 f.

    Dissertao (Mestrado em Cincias Criminais) Faculdade de Direito, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

    Orientao: Prof. Dr. Fabio Roberto DAvila.

    1. Direito Penal Brasil. 2. Tentativa (Direito Penal). 3. Desvalor de resultado (Direito penal). 4. Ofensividade (Direito Penal). 5. Perigo (Direito Penal). I. DAvila, Fabio Roberto. II. Ttulo.

    CDD 341.55632

    Bibliotecria responsvel: Cntia Borges Greff - CRB 10/1437

  • RESUMO

    A tentativa se oferece como um dos temas mais versados em sede de doutrina geral do crime. Compreendendida como a vontade de cometer um crime, acompanhada de um incio de execuo e do no-atingimento do resultado pretendido, paira uma grande interrogao acerca do fundamento que subjaz sua punio mesmo diante da circunstncia da inexistncia de qualquer resultado lesivo. Tal fundamento controverso, sendo muitas as formulaes que buscam aclar-lo. Uma possvel resposta a essa questo, entretanto, no pode descurar das consequncias advindas da adoo do modelo de Estado Democrtico de Direito. Entre essas consequncias encontra-se a exigncia de observncia do princpio da tutela de bens jurdicos, princpio esse que convoca, ao lado de uma dimenso de anlise voltada para a realidade submetida tutela, uma segunda e necessria dimenso de anlise relacionada ofensa. Apenas quando efetivamente observado o princpio da ofensividade que a punio pela tentativa poder aspirar legitimidade. Essa aproximao entre ofensividade e tentativa, que passa pela percepo do perigo como realidade por si s desvaliosa, demanda, tambm, uma leitura do perigo adequada s caractersticas do ilcito-tpico da tentativa. O presente trabalho vincula-se linha de pesquisa Sistemas Jurdico-Penais Contemporneos, do Programa de Ps Graduao em Cincias Criminais da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Palavras-chave: Direito penal. Tentativa. Fundamento da punio. Princpio da ofensividade. Perigo. Desvalor de resultado.

  • RIASSUNTO

    Il tentativo appare come uno dei temi pi studiati nella teoria generale del reato. Dato il tentativo come volont di commettere un delitto, accompagnato da unattivazione volta al raggiungimento del risultato delittuoso e dal fallimento dello stesso, ci si domanda quale debba essere il fondamento della sua punizione poich non comporta conseguenze dannose. Questo fondamento dibattuto ed esistono diversi orientamenti a riguardo. Una possibile risposta a questa domanda, tuttavia, non pu trascurare le conseguenze derivanti dall'adozione del modello di stato democratico di diritto. Tra queste conseguenze c l esigenza di osservare il principio di tutela dei beni giuridici, il quale richiede, insieme ad unanalisi che riguarda la realt sottoposta alla tutela, una seconda dimensione di analisi che riguarda l offesa. Solo se viene effettivamente rispettato il principio di offensivit, la punizione per il tentativo pu avere legittimit. Questo approccio tra offensivit e tentativo, che presuppone la percezione del pericolo come realt in s dotata di disvalore, richiede anche una lettura del pericolo adeguata alle caratteristiche del tipo di reato tentato.

    Il presente studio legato alla linea di ricerca dei Sistemi Giuridici Penali Contemporanei, del Programma di Post Laurea in Scienze Criminali della Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    Parole-chiave: Diritto penale. Tentativo. Fondamento della punizione. Principio di offensivit. Pericolo. Disvalore del risultato.

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................. 11

    CAPTULO I: APROXIMAES CONCEITUAIS FIGURA DA TENTATIVA ................... 14 1. INTRODUO ........................................................................................................... 14 2. O ITER CRIMINIS ....................................................................................................... 14

    2.1. Fase interna ou subjetiva ............................................................................... 15 2.2. Resolues manifestadas ............................................................................... 18 2.3. Fase externa ou objetiva ................................................................................ 22

    3. CONCEITO DE TENTATIVA ........................................................................................ 26 4. NATUREZA JURDICA DA TENTATIVA ....................................................................... 28 5. ESPCIES DE TENTATIVA .......................................................................................... 34

    5.1. Tentativa inacabada e tentativa acabada ....................................................... 35 5.2. Tentativa desistida ......................................................................................... 39 5.3. Tentativa inidnea (crime impossvel), tentativa irreal e crime putativo ...... 47

    CAPTULO II: DAS TEORIAS ACERCA DO FUNDAMENTO DA PUNIO DA TENTATIVA ................................................................................................................. 60 1. INTRODUO ........................................................................................................... 60 2. TEORIAS OBJETIVAS ................................................................................................. 61

    2.1. Antigas teorias do perigo .............................................................................. 65 a) Feuerbach e Mittermaier ............................................................................ 65 b) Carrara ....................................................................................................... 66

    2.2. Modernas teorias do perigo ........................................................................... 67 a) Liszt ........................................................................................................... 67 b) Mayer ......................................................................................................... 69

  • c) Eduardo Correia ......................................................................................... 71 d) Bettiol ........................................................................................................ 72

    3. TEORIAS SUBJETIVAS ............................................................................................... 75 3.1. Violao voluntria de um preceito penal (teoria voluntarista) .................... 80

    a) von Buri ..................................................................................................... 80 b) Manzini ...................................................................................................... 84 c) Welzel ........................................................................................................ 86 d) Kaufmann e Zielinski ................................................................................ 88 e) Struensee e Sancinetti ................................................................................ 93

    3.2. Perigosidade do autor (teoria sintomtica) .................................................... 95 a) Garfalo ..................................................................................................... 95 b) Ferri ............................................................................................................ 98 c) Puglia ......................................................................................................... 99 d) Florian ........................................................................................................ 102

    4. TEORIAS MISTAS ...................................................................................................... 103 4.1. Teoria da impresso ...................................................................................... 103

    a) Mezger ....................................................................................................... 106 b) Faria Costa ................................................................................................. 107

    4.2. Teoria da unio .............................................................................................. 109 5. APRECIAO CRTICA .............................................................................................. 111

    a) Teorias subjetivas ............................................................................................. 111 b) Teoria da impresso ......................................................................................... 118 c) Teoria da unio ................................................................................................ 122 d) Teorias objetivas .............................................................................................. 123

    CAPTULO III: TENTATIVA E DESVALOR DE RESULTADO: ELEMENTOS PARA UMA NECESSRIA APROXIMAO ENTRE A TENTATIVA E O MODELO DE CRIME COMO OFENSA A BENS JURDICOS ......................................................................................... 127 1. INTRODUO ........................................................................................................... 127 2. DOS REFLEXOS DO MODELO DE ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO EM SEDE DE DIREITO PENAL ............................................................................................................ 127

    2.1. O princpio da interveno mnima como ideia reitora jurdico-penalmente transposta do modelo do Estado Democrtico ..................................................... 139

    2.1.1. Fragmentariedade do direito penal ....................................................... 141 2.1.2. Subsidiariedade do direito penal .......................................................... 144

  • 2.2. A tutela de bens jurdico-penais como linha de legitimao material da interveno penal ................................................................................................. 145 2.3. Concluses parciais I: O direito penal como Tatstrafrecht e o rechao s teorias subjetivas centradas na perigosidade do autor .......................................... 148 2.4. Concluses parciais II: A inconcilivel proteo de uma Normgeltung e o rechao s teorias subjetivas centradas na violao do preceito normativo ......... 150

    3. O PRINCPIO DA OFENSIVIDADE COMO PONTO DE CONVERGNCIA DAQUELES PRINCPIOS REITORES. A IDEIA DE OFENSA COMO LIMITE ATIVIDADE LEGISLATIVA... 154

    3.1. A relao de necessria complementaridade entre ofensa e tutela de bens jurdicos ................................................................................................................ 154 3.2. A ofensa como limite atuao do legislador penal: aproximaes Schranken-Schranken-Theorie ............................................................................. 162 3.3. O dano e o perigo como nveis de ofensa. O desvalor do perigo .................. 167

    4. TENTATIVA E OFENSIVIDADE: O PERIGO COMO LIMITE DA OFENSIVIDADE E A POSSIBILIDADE COMO LIMITE DO PERIGO. RECHAO TEORIA DA IMPRESSO E MODERNA TEORIA OBJETIVA ........................................................................................ 172

    5. A PRETENSO DE PROGRESSO DO PERIGO CONSTITUTIVO DA TENTATIVA E AS SUAS CONSEQUNCIAS AO NVEL DO ACERTAMENTO ................................................... 178 6. AS RESTRIES DECORRENTES DO JUZO DE FRAGMENTARIEDADE DE 2 GRAU E AS SUAS POSSIBILIDADES APLICATIVAS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO ........................... 187

    6.1. Quanto ao critrio: modelo formal e modelo material .................................. 190 6.2. Quanto ao mecanismo de implementao: modelo legislativo e modelo hermenutico ........................................................................................................ 192 6.3. Nossa proposio .......................................................................................... 194

    CONCLUSO ............................................................................................................... 196

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 200

  • INTRODUO

    No seu artigo 14, o Cdigo Penal brasileiro leva a cabo uma distino entre o crime consumado e o crime tentado. Enquanto a consumao consiste na reunio de todos os elementos legalmente definidos, o crime assume a forma tentada quando, iniciada a execuo, no se consuma por circunstncias alheias vontade do agente. A essa previso liga-se a exigncia de uma diminuio obrigatria de pena, entre um e dois teros da sano cominada ao correlato crime consumado.

    O crime, portanto, punido, mesmo que o agente no tenha atingido o fim a que se props. A grande questo que da surge a seguinte: qual o fundamento que se acha na base dessa punio?

    O ordenamento jurdico-penal brasileiro possui, como se ver ao longo do trabalho, uma orientao bastante clara nesse sentido. O que longe est de querer necessariamente significar que tal orientao seja insuscetvel de reparos. No mero acaso o fato de podermos verificar a existncia de orientaes bastante diversas em outras ordens jurdicas, bem como de milhares e milhares de pginas dedicadas ao tema em sede doutrinal, nas quais observamos as mais diversas orientaes e convices jurdico-penais. Em princpio, poder-se-ia coerentemente sustentar que a tentativa, em virtude da no superveno do resultado lesivo, no deve ser objeto do direito penal (por que punir quando nada de prejudicial tem lugar?), da mesma forma que se poderia sustentar, com igual coerncia argumentativa, uma equiparao sancionatria entre a

    tentativa e a consumao sob o argumento do merecimento de pena (por que o indivduo que no consegue matar por um infortnio deve ter a sua pena mais branda do que aquele que, por sorte, tem sucesso na empreitada criminosa?).

  • Tudo o que nos leva a crer que, embora recorrente e, pois, destitudo de originalidade, o tema do fundamento da punio da tentativa no s se afigura como um dos mais fascinantes em matria de doutrina geral do crime, como comporta ainda um amplo espao para desenvolvimentos. E precisamente com o desiderato de dilucidar a razo de ser da punio da tentativa que o presente estudo levado a cabo.

    A exposio dividida, assim, em trs captulos. O primeiro deles versa sobre aspectos conceituais e definitrios da tentativa. Trata-se de uma abordagem que, embora no contemple o ncleo do problema a que se dedica o presente estudo, afigura-se imprescindvel ao seu posterior desenvolvimento. So trabalhadas as questes do iter criminis, do conceito da tentativa e dos seus elementos estruturais, da natureza jurdica da norma que a prev e das distintas espcies de tentativa admitidas pela doutrina e legislao.

    O segundo captulo traz uma anlise das principais teorias e formulaes direcionadas ao fundamento da punio da tentativa. Por razes didticas, a exposio imediatamente sistematizada no a partir de um critrio cronolgico, mas sim a partir de um critrio terico, de semelhana de premissas ainda que as particularidades de alguns pensamentos no o recomendem. So analisadas construes objetivas, subjetivas e mistas. Entre as construes objetivas, so abordadas as modernas e as antigas teorias do perigo; entre as construes subjetivas, as formulaes so agrupadas entre a teoria voluntarista e a teoria sintomtica; e entre as teorias mistas, as

    formulaes so agrupadas entre a teoria da impresso e a teoria da unio. O referido captulo reserva ainda uma anlise crtica de tais teorias, a que se optou por levar a cabo apenas ao final, quando j analisadas todas as formulaes. E isso para que as crticas pudessem ganhar em dinmica e fluidez, sem o empecilho de porventura ter de se lanar mo de argumentos ou premissas ainda no analisadas, que dificultariam a sua compreenso. Tais crticas, no entanto, bom que se o diga desde j, so destinadas primacialmente a aspectos sistmicos, a incongruncias descortinveis naquelas prprias formulaes. E isso porque quaisquer crticas relacionadas a aspectos nucleares, tais como a funo atribuvel ao direito penal ou o fundamento do ilcito, demandariam uma mais profunda anlise, que por certo transcenderia ou mesmo deturparia aquele locus expositivo. No se abriu mo, contudo, dessas crticas, que apenas foram reservadas para o contexto dessa distinta anlise.

    Finalmente, o terceiro captulo onde se encontra exposta nossa compreenso acerca do fundamento da punio da tentativa. Para tal, analisam-se, em primeiro lugar,

  • os reflexos da adoo do modelo do Estado Democrtico de Direito no mbito jurdico-penal, reflexos esses que, ao vincularem legislador e julgador penais, acabam por se oferecer como embasamento terico para o rechao de algumas das construes analisadas no segundo captulo, nomeadamente as teorias subjetivas, voluntaristas e sintomticas. Abordam-se, aqui, os princpios da interveno mnima, bem como os princpios da fragmentariedade e subsidiariedade, e o princpio da tutela de bens jurdico-penais. A seguir, trabalha-se com o contedo e o alcance da noo de ofensividade em sede jurdico-penal, contexto no qual tem lugar uma sucinta anlise da noo penal de perigo. Mais adiante, leva-se a cabo uma definitiva aproximao entre a tentativa e a ofensividade, analisando-se, nesse contexto, os limites impostos pela noo de perigo no que diz respeito configurao da tentativa. Limites esses que, por sinal, representam um afastamento tanto em relao s teorias objetivas analisadas quanto em relao s teorias mistas, notadamente a teoria da impresso, fechando-se, assim, o panorama das crticas s construes analisadas no captulo anterior. No ponto seguinte, analisa-se um possvel critrio de verificao do perigo penalmente relevante para fins de configurao do tipo de ilcito da tentativa. Por fim, so examinadas as restries decorrentes do que se chamou de um juzo de fragmentariedade de 2 grau e a sua possvel aplicao no contexto jurdico-penal brasileiro.

  • CONCLUSO

    Com base em todo o exposto, respeitada a ordem sistemtica do presente estudo, podemos formular as seguintes consideraes: Primeira: A concepo da tentativa arranca da premissa de que a prtica de um crime constitui uma trajetria fragmentvel. A tentativa, nesse contexto, inclusive por fora da sua definio legal, tem lugar apenas na fase executiva. Segunda: A tentativa pode ser definida como a vontade de cometer um crime acompanhada de execuo nesse sentido, sem a correspondente perfectibilizao do intento criminoso. A teor do artigo 14, inciso II, do Cdigo Penal, a configurao da tentativa exige, para alm do dolo, o incio de execuo e a no consumao por circunstncias alheias vontade do agente. Contrape-se, ademais, ideia de leso. Tais particularidades permitem considerar a tentativa como um ilcito-tpico dotado de autonomia, ainda que carente de complementao de uma norma prevista na Parte Especial.

    Terceira: So quatro as espcies de tentativa destacadas tanto pela doutrina quanto pela legislao: inacabada, acabada, desistida e inidnea. As tentativas acabada e inacabada so as espcies fundamentais de tentativa, previstas pelo artigo 14, inciso II, do Cdigo Penal; as espcies de tentativa desistida so as previstas pelo artigo 15 do Cdigo Penal, e no so punidas; a tentativa inidnea, igualmente impunvel, a espcie prevista no artigo 17 do Cdigo Penal, sob a rubrica de crime impossvel. Quarta: As teorias objetivas, na falta da leso, fundamentam a punio da tentativa na exposio a perigo dos bens jurdicos tutelados pelo direito penal. Impem, de regra, uma punio mais branda em relao ao crime na forma consumada, bem como a no punio da tentativa inidnea. Dividem-se entre as chamadas antigas teorias do perigo e as modernas teorias do perigo, as quais se distinguem fundamentalmente em relao aos critrios utilizados para a verificao desse perigo.

  • Quinta: As teorias subjetivas, na falta da leso, fundamentam a punio da tentativa na vontade contrria ao direito, seja numa perspectiva de violao do preceito normativo (teorias voluntaristas), seja na perspectiva da perigosidade do agente (teorias sintomticas). Impem, como regra, idntica punio em relao consumao, bem como a punio da tentativa inidnea. Mais particularmente no que diz respeito s teorias sintomticas, no oferecem justificativa convincente, de ordem material, para a no punio de estgios anteriores execuo.

    Sexta: As teorias mistas encontram-se em uma zona intermdia, fundamentando a tentativa, na ausncia de leso, na m impresso ou no abalo confiana na vigncia do ordenamento por ela ocasionados (teorias da impresso) ou numa fundamentao varivel, conforme o caso, de fundamentos objetivos e subjetivos (teoria da unio). A teoria da impresso impe, como regra, a punio da tentativa inidnea, excetuando-a apenas quando manifesta a inaptido do meio ou a impropriedade do objeto; a teoria da unio impe a punio da tentativa inidnea, excetuando-a apenas em alguns casos de inidoneidade (tentativa supersticiosa e representao de um grau de perigo impune).

    Stima: A adoo do modelo de Estado Democrtico de Direito traz consequncias bastante sensveis na esfera do direito penal, fundamentalmente por fora da valorizao da pessoa humana e, com isso, da liberdade. A partir da consagrao desses valores, tm lugar os princpios da interveno mnima mediatizado pelos princpios da fragmentariedade e subsidiariedade e da tutela de bens jurdicos, princpios esses incompatveis com as teorias subjetivas da tentativa, bem como com a teoria da unio, no seu vis subjetivo.

    Oitava: A teoria do bem jurdico reclama, para alm de um primeiro nvel de valorao, de carter positivo, voltado para o reconhecimento de uma realidade suscetvel de tutela penal, tambm um segundo nvel de valorao, de carter negativo, atento significao assumida por um dado fato face quele valor cuja continuidade se busca proteger. A negatividade aqui referida diz respeito ao juzo que se faz de determinados fatos que atentam contra aquela realidade positivamente valorada. Essa segunda dimenso de anlise no meramente complementar ou acessria, oferecendo-se como uma imposio lgica da prpria adoo da teoria do bem jurdico.

    Nona: A ofensividade, na classificao das espcies normativas, assume-se como princpio e como regra. Prepondera, no entanto, a sua feio de regra jurdica. Ainda que carea de expressa meno positiva, a ofensividade encontra acolhida no ordenamento jurdico ptrio tanto em sede constitucional implcita no artigo 1, inciso

  • III, que se refere dignidade da pessoa humana, assim como no caput e em diversos incisos do artigo 5 alusivos liberdade quanto em sede infraconstitucional notadamente nos artigos 17 e 13 do Cdigo Penal.

    Dcima: Embora no haja direitos insuscetveis de restries, o poder de restrio concedido ao legislador, no que diz respeito a direitos fundamentais, demanda uma justificao excepcional. No caso do direito penal, a restrio de direitos fundamentais, intrnseca sua particular forma de interveno, apenas estar justificada quando a proibio recair sobre ofensas a bens jurdico-penais. A ofensividade, assim, oferece-se, em se tratando de direito penal, como limite ao poder de restringir direitos fundamentais do legislador e, pois, ao seu poder de incriminar. Essa limitao no se dirige apenas ao legislador, reivindicando observncia tambm no plano hermenutico-aplicativo. O que significa, no caso da tentativa, que ainda que se tenha uma inequvoca vontade orientada para a prtica de um crime, a mesma s ascender discursividade penal quando objetivar-se a ponto de ocasionar uma ofensa a um bem jurdico-penal.

    Dcima primeira: A noo de ofensa no se resume ao dano, abrangendo tambm o perigo de dano. O perigo constitui o limite mnimo da ofensividade. Trata-se de uma realidade normativa, composta pela conjugao de dois elementos: a probabilidade de um acontecer e o carter danoso desse acontecer. Possui um desvalor autnomo e encontra seu limite objetivo na possibilidade. Assim sendo, a possibilidade acaba por se oferecer automaticamente como limite da ofensividade. Em outras palavras, sem possibilidade no h perigo e, por conseguinte, ofensa.

    Dcima segunda: A configurao do ilcito-tpico da tentativa demanda o mesmo exame de tipicidade material exigvel nos crimes consumados. A configurabilidade da tentativa , por isso, limitada constatao, ao menos, de uma possibilidade de dano a um bem jurdico-penalmente tutelado. O que, entre ns, expressamente reconhecido pelo artigo 17 do Cdigo Penal, ao determinar que a tentativa no punida quando, por ineficcia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, impossvel consumar-se o crime. Para a determinao dessa possibilidade, deve ser levado a cabo um juzo ex ante de base total (ontolgica e nomolgica), o que representa um afastamento em relao s formulaes objetivas estudadas e s teorias da impresso.

    Dcima terceira: A mera constatao ex ante de uma possibilidade de dano no necessariamente oferece contedo de desvalor bastante para fundamentar a punio. Essa possibilidade deve se apresentar em patamares significativos para que se possa

  • cogitar de um perigo penalmente relevante ( dizer: nem todo perigo um perigo penalmente relevante). Essa significao varia conforme o tipo legal de crime.

    Dcima quarta: A lgica de convergncia que se faz presente na estrutura tpica da tentativa conduz concluso de que o perigo nela presente um perigo vocacionado ao movimento, um perigo dinmico, que traz consigo, de forma intrnseca, uma pretenso de progresso. O que, por sua vez, faz com que o juzo de aferio do perigo penalmente relevante seja levado a cabo tendo por referencial no o nvel de perigo verificado quando do incio da execuo (singular juzo ex ante), mas sim o perigo verificado na globalidade da execuo. O referido critrio acaba por viabilizar a existncia de uma categoria intermdia, entre a tentativa e a tentativa inidnea (crime impossvel), a que se chamou de tentativa insignificante, compreendida como aquela tentativa na qual o perigo, embora existente, no logra ultrapassar os patamares mnimos de relevncia.

    Dcima quinta: A previso legal da tentativa representa um alargamento da rea de punio. Aplicando-se-a a todos os tipos legais de crime previstos na Parte Especial, o resultado seria um esgaamento da tcnica de tutela pretendida pelo legislador, o que atentaria contra o princpio da fragmentariedade. De modo que a admisso da tentativa a um determinado tipo legal de crime demanda, alm da do exame da relevncia axiolgica do bem jurdico e da necessidade de sua proteo por intermdio do direito penal (fragmentariedade de 1 grau), o exame da necessidade de sua proteo em relao a ataques em forma de tentativa (fragmentariedade de 2 grau). Esse exame, dificultado em virtude da tcnica da previso da tentativa, prevista na Parte Geral, no encontra aplicao no Brasil a tentativa, entre ns, tem a sua admissibilidade obstada apenas em relao s contravenes. Trata-se, no entanto, de uma falha. Prope-se, portanto, de lege ferenda, um modelo de efetivao do juzo de fragmentariedade de 2 grau baseado em um critrio formal (quantum de pena) e implementado pelo mecanismo legislativo, com correes materiais de ordem legislativa (excees legais positivas e negativas) e hermenutica (excees judiciais negativas).