Stephen Birsch

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TodasAs Palavras » nm # 886 » entrevista Acupunctura Stephen Birch,porventura o mais conceituado e acreditado investiga- dor em acupunctura das últimas décadas,discípulo dos maiores mestres japoneses,veio a Lisboa ensinar o que poucos podem a estudantes portugueses.E apresentou um complexo modelo passível de servir a investigação científica integrada,numa área ainda minada por abordagens e juízos a priori que considera obsoletos. ENTREVISTA Sarah Adamopoulos ¬ FOTOGRAFIA Clara Azevedo 32 » noticiasmagazine 17.MAI.2009 O seu trabalho de investigação em acupunc- tura parece marcado por um exercício perma- nente de dúvida metódica, ao jeito de um exer- cício filosófico. Sim, porque eu fui treinado na filosofia, que foi a minha primeira formação académica, e que para além de servir o pensamento críti- co, serve para muito pouco na vida. Deu-se depois o caso de, com os estudos em acu- punctura, essas questões começarem a sur- gir. Tendo eu tido um background filosófico, é natural que a minha formação científica tenha sido marcada por ele, fazendo emer- gir constantes perguntas. Depois, conheci um médico japonês que também passou vá- rias décadas a tentar responder às mesmas questões, o que me levou a pensar nelas de maneiras completamente novas. Pode exemplificar? Se aceitarmos o que está dito na literatura histórica sobre acupunctura, sobre os meri- dianos, a ideia de simplesmente medir uma resistência eléctrica mutável no corpo, co- mo se fosse possível medir o meridiano, não é suficiente. Para além de medir, é preciso verificar que as coisas mantêm os mesmos comportamentos e as mesmas proprieda- des. Se há alterações ao nível da resistência eléctrica, é preciso poder verificar que as coisas acontecem tal como há dois mil anos. Esse médico japonês desenvolveu aborda- gens experimentais bastante simples, que permitem observar esses fenómenos. Tendemos, na nossa cultura, a que tudo se fa- ça rapidamente. Como se os processos não precisassem de linhas de tempo. Consegue en- frentar essa força centrífuga? Sim, queremos logo resultados. Mas as coi- sas demoram mais do que isso. Se atentar- mos num modelo científico conhecido, co- mo por exemplo o projecto de mapeamen- to do genoma humano, em que cientistas de todo o mundo concordaram que cada um pegaria numa parte do código genético hu- mano e tentaria desembrulhá-lo, revelá-lo, reconstruindo o todo, verificamos que foi um esforço enorme, que exigiu um grande planeamento, colaboração entre pessoas, tecnologia. Ocorreu-me então que a acu- punctura necessitaria do mesmo tipo de es- forço continuado. E, para começar, o reco- nhecimento da necessidade de fazê-lo. Temos hoje mais e melhor informação do que há vinte anos, sobretudo relativamen- te ao período da história chinesa entre 500 e 100 a.C., em que as primeiras ideias médi- cas começaram a desenvolver-se. Temos hoje mais e melhor informação sobre esse período, pelo que podemos compreender melhor que tipo de ideias e de experiências foram descritas à época. É preciso ver que muita literatura actualmente publicada es- tá cheia de conceitos errados, de más inter- pretações, cheias de concepções ociden- tais, por vezes de más traduções, o que re- sulta que acabamos a testar e a medir coisas irrelevantes. É preciso colaboração, entre áreas de conhecimento diferentes, para po- dermos começar a fazer investigação séria neste domínio. É possível para um ocidental, formado no dog- ma científico que separa o corpo da mente,

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Sarah Adamopoulos entrevista o especialista acupunctor e investigador em acupunctura Stephen Birsch

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TodasAsPalavras»nm# 886»entrevista

Acupunctura StephenBirch,porventura o mais conceituado e acreditado investiga-dor em acupunctura das últimas décadas,discípulo dosmaiores mestres japoneses,veio a Lisboa ensinar o quepoucos podem a estudantes portugueses.E apresentou umcomplexo modelo passível de servir a investigação científicaintegrada,numa área ainda minada por abordagens e juízosa priori que considera obsoletos.ENTREVISTA Sarah Adamopoulos¬ FOTOGRAFIA Clara Azevedo

32»noticiasmagazine 17.MAI.2009

O seu trabalho de investigação em acupunc-tura parece marcado por um exercício perma-nente de dúvida metódica, ao jeito de um exer-cício filosófico. Sim, porque eu fui treinado na filosofia, quefoi a minha primeira formação académica, eque para além de servir o pensamento críti-co, serve para muito pouco na vida. Deu-sedepois o caso de, com os estudos em acu-punctura, essas questões começarem a sur-gir. Tendo eu tido um background filosófico,é natural que a minha formação científicatenha sido marcada por ele, fazendo emer-gir constantes perguntas. Depois, conhecium médico japonês que também passou vá-rias décadas a tentar responder às mesmasquestões, o que me levou a pensar nelas demaneiras completamente novas.Pode exemplificar?Se aceitarmos o que está dito na literaturahistórica sobre acupunctura, sobre os meri-dianos, a ideia de simplesmente medir umaresistência eléctrica mutável no corpo, co-mo se fosse possível medir o meridiano, não

é suficiente. Para além de medir, é precisoverificar que as coisas mantêm os mesmoscomportamentos e as mesmas proprieda-des. Se há alterações ao nível da resistênciaeléctrica, é preciso poder verificar que ascoisas acontecem tal como há dois mil anos.Esse médico japonês desenvolveu aborda-gens experimentais bastante simples, quepermitem observar esses fenómenos. Tendemos, na nossa cultura, a que tudo se fa-ça rapidamente. Como se os processos nãoprecisassem de linhas de tempo. Consegue en-frentar essa força centrífuga?Sim, queremos logo resultados. Mas as coi-sas demoram mais do que isso. Se atentar-mos num modelo científico conhecido, co-mo por exemplo o projecto de mapeamen-to do genoma humano, em que cientistas detodo o mundo concordaram que cada umpegaria numa parte do código genético hu-mano e tentaria desembrulhá-lo, revelá-lo,reconstruindo o todo, verificamos que foium esforço enorme, que exigiu um grandeplaneamento, colaboração entre pessoas,

tecnologia. Ocorreu-me então que a acu-punctura necessitaria do mesmo tipo de es-forço continuado. E, para começar, o reco-nhecimento da necessidade de fazê-lo. Temos hoje mais e melhor informação doque há vinte anos, sobretudo relativamen-te ao período da história chinesa entre 500e 100 a.C., em que as primeiras ideias médi-cas começaram a desenvolver-se. Temoshoje mais e melhor informação sobre esseperíodo, pelo que podemos compreendermelhor que tipo de ideias e de experiênciasforam descritas à época. É preciso ver quemuita literatura actualmente publicada es-tá cheia de conceitos errados, de más inter-pretações, cheias de concepções ociden-tais, por vezes de más traduções, o que re-sulta que acabamos a testar e a medir coisasirrelevantes. É preciso colaboração, entreáreas de conhecimento diferentes, para po-dermos começar a fazer investigação sérianeste domínio.É possível para um ocidental, formado no dog-ma científico que separa o corpo da mente,

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cios], e dizia que gostava de descobrir o equi-valente da Pedra de Roseta [pedra de granitonegro contendo inscrições hieroglíficas etambém em demótico egípcio e em grego,que demonstrou a correspondência fonéticaentre símbolos e sons] para a acupunctura.Ou seja, um sistema correspondente. A ques-tão é, portanto: como tornar o modelo emque estou a trabalhar completamente fiávelem termos médicos e científicos usandoequivalências. Sabendo que temos zonas desubjectividade, que podem ainda assim seranalisadas, quantificadas e transpostas. Maso que medir, podendo isso ser correlaciona-do com aquilo que observamos? Julgo quesim, que este modelo pode ser usado comoponto de partida para uma investigação inte-grada. Eu, o acupunctor, e você, o paciente,temos equipamento ligado a cada um de nóse medimos em tempo real as alterações pro-vocadas pela manipulação desse equipa-mento. Depois, podemos estudar o que acon-tecia em mim quando algo se alterava em si –e ao contrário. O que acontecia, também, noespaço entre nós durante esse tempo. A generalidade dos médicos tem ou não o míni-mo interesse pela acupunctura enquanto pos-sibilidade terapêutica relevante? Estamos ain-da demasiado na farmacêutica, julgo. O queexplica que não consiga financiamento paraincrementar a sua investigação.É mais complicado do que isso. Venho deuma família de médicos, o meu pai tambémé médico, e posso assegurar-lhe que ele tra-balhava muito. Mas o sistema foi-se modifi-cando à medida que ele envelhecia, e os mé-dicos chamados a ver cada vez mais pacien-tes. Do que resulta que apenas podemdespender poucos minutos com cada umdesses pacientes. E por isso há cada vez me-nos condições para os médicos serem médi-cos. Penso que isto está a acontecer em todoo lado, porque os custos com os cuidados desaúde não param de aumentar. E por isso eupenso que não são tanto os médicos mas osistema que está a falhar. É evidente que o fi-nanciamento deste tipo de investigação estátambém a falhar. Há muitos medicamentosque foram extraordinariamente dispendio-sos a conseguir, falo de investigação justa-mente, e é óbvio que as farmacêuticas nãoquerem perder esses ganhos. Há 15 anos cus-tava mais de duzentos milhões de dólares pa-ra chegar a pôr um único medicamento nomercado. duzentos milhões de dólares é pro-vavelmente mais do que tudo o que já foi gas-to em investigação em acupunctura fora daChina desde sempre. Quando se gasta um va-lor desses é evidente que se espera que a so-ciedade dê um retorno que valha a pena. Cer-to é que se se parar de fazer investigação far-macêutica não haverá novos medicamentos.Não estou a defender a indústria farmacêu-tica, estou só a lembrar como as coisas fun-cionam. O ramo da acupunctura não tem umproduto patenteável, compreende? E por is-

so não há retorno das despesas. Se eu tivercinquenta mil dólares para investir em inves-tigação em acupunctura, é provável que nãotenha nem um cêntimo de retorno. Porqueao fim do dia continuo sem um produto quepossa ser patenteado. Seria interessante ver algum tipo de vontadepolítica neste tipo de investigação.Isso implica debater modelos. Nos EUA te-mos o Instituto Nacional de Saúde, que éprovavelmente o maior e mais prestigiadoconglomerado de institutos de investigaçãomédica, com um orçamento enorme, e paraeles, investigar em coisas que estão por com-provar, sobre as quais não há literatura com-pilada, não fazia até há bem pouco tempoqualquer sentido. Quando as pessoas co-meçaram a fazer carreiras nesta área, eles começaram a interessar-se minimamente. A par de alguma vontade política que foi de-terminando um pequeno orçamento. Istocomeçou há 15 anos. Mas é uma luta queprossegue. No Reino Unido ainda não exis-te uma abordagem organizada. Mas é lá queestá aquele que será porventura o segundomelhor modelo de que dispomos actual-mente O Reino Unido tem tido um papel ac-tivo na divulgação dos impactes desta inves-tigação, envolvendo também o Ministérioda Saúde, e andam a estudar a possibilidadede a acupunctura ser praticada nos hospi-tais. Arranjaram fundos para fazer isto, por-que acreditam que faz todo o sentido. Fala-mos de algo ainda de pequena escala em ter-mos financeiros. A questão, lá também, é o

processo político, claro, ou seja, quem in-fluencia a tomada deste tipo de decisões defundo. Basta que o ministro da Saúde seja al-guém sem qualquer interesse pela medici-na tradicional chinesa, e a acupunctura ficafora da agenda. As minhas propostas podemser excelentes, que essa pessoa nunca as vaiaceitar. Porque há um fortíssimo preconcei-to cultural e apenas os médicos têm o direi-to de submeter esse tipo de propostas. A mesma coisa acontece nos EUA. Basta queum desses cépticos esteja sentado num doscomités que aprovam programas candida-tos a financiamentos públicos para que na-da se faça. Porque os requisitos standard exi-gidos são impossíveis de preencher na suatotalidade. Eu sou o autor daquele que é pro-vavelmente o mais longo artigo científicoescrito em língua inglesa sobre o efeito pla-cebo em acupunctura. E, no entanto, eu seique esse estudo é impossível de ser levado acabo com os resultados palpáveis e rápidosque os cépticos exigem. Mas lá está: os estu-dos que conseguem financiamento não têmqualquer significado, porque estão mal de-senhados à partida, porque não servem pa-ra nada. As premissas estão todas erradas. E isto não está apenas a acontecer no Oci-dente, mas também na Ásia. Os chinesestambém já começaram a fazer estudos pla-cebo em acupunctura, com resultados ca-tastróficos, porque não leram os trinta anosde literatura que nós temos produzido noOcidente. Apesar disso, foram recentemen-te publicados na China os resultados de um

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compreender em toda a sua extensão os prin-cípios fundamentais da acupunctura?Diz-se que a acupunctura actual terá come-çado no início dos anos setenta do séculopassado, correspondendo à terceira ouquarta grande vaga. Os ocidentais usaram asideias asiáticas para tentar arranjar novasmaneiras de olhar para este tipo de conheci-mento. Mas muitas vezes sem a necessáriaformação que permite olhar para elas compropriedade, o que levou a que muitas fos-sem desvirtuadas, porque limpas de princí-pios fundamentais. Mas, ao mesmo tempo,o pensamento ocidental entrou em força noJapão, e também na China, e tornou-se pen-samento dominante por lá – e isto apesar deo contexto dialéctico maoista de fazer ciên-cia. Seja como for, atrevo-me a dizer que sim,que nós, ocidentais, podemos aceder a essesprincípios fundamentais, apesar de cultu-ralmente distantes. Podemos, mas median-te um programa esforçado e bem planeado.O debate em torno do paradigma científicoocidental está na ordem do dia pelo menosdesde a publicação em 1962 do livro de Tho-mas Kuhn [físico norte-americano, cujo tra-balho incidiu sobre a filosofia e a história daciência] sobre os paradigmas das revoluçõescientíficas. Mais recentemente, nos anosnoventa, surgiu nos EUA um novo modelo,intitulado The Mangle of Practice, de AndrewPickering [sociólogo e historiador da ciên-cia], em que ele mostra que não há uma li-nha de fronteira assim tão clara entre um eoutro paradigma. Nós, no Ocidente, queixa-mo-nos por vezes do dualismo cartesianoque separa o corpo da mente, mas ao mesmotempo tem havido movimentos que se opu-seram a esse princípio, abordando o corpo ea mente como uma única entidade. Se olhar-mos para os escritos chineses médicos e pré-médicos históricos, vemos que por vezestambém eles destrinçavam o corpo da men-te. As coisas, portanto, não estiveram sem-pre unificadas, também na China. Há quem o veja como uma espécie de tradutor.A abordagem multidisciplinar que faz a este ra-mo do conhecimento prova-o largamente. Temtrabalhado com filósofos, sociólogos e até ma-temáticos, o que denota um esforço grande pa-ra chegar a algum tipo de conclusão relevante. O reconhecimento dessa necessidade de-corre como disse do meu background comofilósofo. Por outro lado, ter tido a possibilida-de de conhecer um médico japonês commais de sessenta anos de prática, forneceu--me informação valiosíssima, que cruzocom tudo o resto. Sei hoje que não há umamaneira de fazer acupunctura, mas várias.No Japão, como na China, como no Ociden-te. Contudo, olhando para tudo isso, verifi-camos que há passos que ainda não foramdados, coisas que objectivamente desco-nhecemos. O que se escreve e o que se dizque se faz não chega. Como então olhar pa-ra o que é anterior a tudo isso? Há vinte anos

comecei a trabalhar com um matemático ecomeçámos a desempacotar as várias teo-rias e a tentar tornar os modelos mais efec-tivos e precisos, para podermos entenderqual a melhor forma de testar essas teorias.A seguir comecei a fazer investigação quali-tativa, usando determinado tipo de metodo-logias e de estatística, tentando novas abor-dagens aos métodos de observação, que nospermitam ver coisas para além do que aspessoas dizem que fazem. Li também (lite-ralmente) milhares de estudos fisiológicos,em que as pessoas fazem algo que medematravés do que acontece no corpo, habitual-mente feito em animais, e também em algu-mas experiências clínicas. Mas isso, a quechamam acupunctura, não o é. O que se pas-sa é que se sabe muito pouco sobre o que seestá a estudar, a medir, a quantificar. Na palestra que deu em Lisboa referiu que es-ses estudos se focam nas agulhas, fazendoabstracção do paciente e do acupunctor.Exacto, nesses estudos as capacidades doacupunctor tornam-se irrelevantes, a suaabordagem também, como se lhe bastasseter uma licença para fazer acupunctura pa-ra ela ser feita cabalmente. Há conhecimen-tos, capacidades, que são anteriores ao queestá dito nos livros, por exemplo. O que os li-vros dizem é: uma vez feito o diagnóstico,usar as agulhas neste e neste ponto. Mas pa-ra fazer isso são necessárias certas capacida-des, não é só espetar a agulha. Os estudos fi-siológicos ignoram tudo isso, porque substi-tuem as capacidades do acupunctor porestímulos eléctricos. Um dos meus orienta-dores de tese é alguém que trabalhava naFood and Drug Administration nos EUA.Ele fez um estudo em que reuniu todo o tipode máquinas de estimulação eléctrica usa-das em acupunctura, e fez medições, paraver se o débito que anunciavam era efectivo.Ele descobriu que nem uma delas debitava acarga que dizia. Estou a falar de uma desco-berta que tem apenas dez anos, porque, serecuarmos trinta, as máquinas que as pes-soas usavam nos estudos fisiológicos eramainda mais primitivas. Ora, isto levantaenormes questões quanto à fiabilidade tan-to das máquinas como desses estudos. Fiquei impressionada com a complexidade domodelo de investigação cujo diagrama está adesenvolver há mais de 25 anos. Pergunto-lhese, tal como existe hoje, é aplicável.Como lhe disse, há aqui várias questões quesão antes de mais filosóficas. Os modos depensar ocidental e asiático são muito dife-rentes. Tenho desde o princípio tentado en-contrar maneiras de ultrapassar esse fossocultural. O meu professor japonês tambémtrabalhou esta questão ao longo de váriosanos. Ele gostava de citar Champollion[Jean-François Champollion, linguista eegiptólogo francês nascido no final do sécu-lo XVIII, considerado o pai da egiptologia, aele se deve a decifração dos hieróglifos egíp-

BIStephen Birch nasceu emSheffield (Reino Unido) e viveactualmente em Amesterdão.Diplomado em Filosofia pelaUniversidade de Hull, doutoradoem Estudos de SaúdeComplementares pelaUniversidade de Exeter com umatese sobre a condução de estu-dos clínicos em investigação emacupunctura (parcialmentecumpridos no colégio médico deHarvard), Birch investiga emacupunctura há mais de 25 anos. Experimentadoacupunctor, discípulo dos maisconceituados mestresjaponeses, professor, autor de vária literatura científicasobre o tema, conferencistainternacionalmente solicitado,Birch é um dos especialistasmais empenhados na utilizaçãode metodologias integradas, que permitam a realização deestudos qualitativos, numa áreaminada por abordagens científi-cas que considera erradas(focadas nas agulhas) e juízos a priori. Reservas dos cépticos(decisores políticos e cientistasacadémicos, como lhes chama),que muito têm contribuído parauma aparentemente infindávelcaminhada aleatória daacupunctura enquanto matériade investigação. Coordenador e autor de um modelo (in progress) assente em parâ-metros que colocam ainteracção entre o acupunctor e o paciente no centro do debate,Stephen Birch trabalha commatemáticos, sociólogos, filóso-fos, psicólogos, no sentido deconferir relevância terapêuticaa uma prática médica que neces-sita de urgente acreditaçãopública (nomeadamente porparte das seguradoras e dacomunidade médico-científica).

Tradição «Os chineses dizemque a agulha deve ser manipulada deforma a produzir determinado tipo desensações no paciente.Não é só espetar.»

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cidas. Não se trata de sinais eléctricos nem mag-néticos, é outra coisa. Há áreas novas da física asurgir. Sabemos que há inúmeros fenómenos que, em-bora observáveis, não têm expressão teórica vá-lida de um ponto de vista científico.Sim,como pensar numa coisa no mesmo mo-mento que a minha mulher ou um amigo. Como podemos por exemplo explicar o que acon-tece quando olhamos fixamente para a nuca dealguém que não pode ver-nos e que contudo sen-te que estamos a olhar para ela e se vira?É um bom exemplo, e há aliás um livro publica-do sobre isso, e inúmeros estudos científicostêm sido feitos sobre essa matéria. Mas há ou-tros exemplos, de coisas que não podemos ex-plicar, como pensarmos em alguém e o telefonetocar e ser essa pessoa em quem estávamos apensar. Ou aparece-nos na rua...Fenómenos ditos telepáticos.São mais fáceis de ser estudados em pessoas queestão ligadas, num casal, ou em dois amigos pró-ximos. Julgo que se trata de um fenómeno deressonância que se estabelece melhor entre pes-soas afectivamente ligadas. Os antigos chinesesjá falavam disto. Não sei se temos de ir por aí pa-ra entender a acupunctura, mas suspeito de queseja uma área rica para a investigação interessa-da em aumentar a nossa compreensão e podedar-se o caso de esses efeitos subtis observadosem acupunctura serem maiores, mais fortes,quando esses sinais da consciência conseguemmanifestar-se melhor. Se estiver nervoso en-quanto estou a manipular agulhas em si, mes-mo que o esconda bem, aposto que esses efeitosse manifestam. Ou se estiver pouco focado, ou seestivermos a conversar. Ou ainda se eu estiverconsciente de que estou a fazer a coisa errada-mente e me culpabilizo, levando essa culpa pa-ra si, sob a forma de uma simpatia sem interes-se terapêutico. O meu doutoramento versou so-bre formas correctas de abordar os estudosplacebo em acupunctura. Levei a cabo milharesde estudos qualitativos sobre isto. Temos por-tanto não só as questões fisiológicas, mas tam-bém as metodológicas, que permanecem dis-tantes dos resultados satisfatórios que esperá-vamos. Não sei até que ponto as minhas palavraspodem interessar os médicos portugueses, ou-vi dizer que a medicina em Portugal é muitoconservadora, como aliás noutros países. NosEUA tentamos ser mais empíricos. Somos con-servadores porque a ciência é conservadora,mas olhamos para as evidências com um inte-resse que não se observa por exemplo na Holan-da, onde o governo se recusa a gastar um cênti-mo que seja com a acupunctura. A medicinaacadémica é conservadora e pensa que a acu-punctura não funciona. E mesmo que lhe mos-tremos os estudos relevantes que têm sido fei-tos, eles não querem saber, e dizem que todos es-ses estudos estão errados. É essa a atitude damedicina académica. Mesmo que a comunida-de científica esteja de acordo numa coisa, queconsidera provada e cientificamente válida, osmédicos desprezam-na.«

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estudo enorme sobre a utilização da acu-punctura na fertilização in vitro. Se tratar-mos as mulheres com acupunctura duranteos processos de fertilização in vitro, as hipó-teses de engravidarem são maiores. Interessante.Sim, mas uma absoluta novidade para osasiáticos, eles nunca fizeram isto.Muitas pessoas acham que a acupunctura ser-ve essencialmente para anestesiar.A acupunctura em anestesia nem funciona.Ai não?Não, isso aliás resultou num escândalo nosanos setenta. Porque as pessoas estavam afazer cirurgia usando acupunctura paraanestesiar. Analgesia, sim, é possível. E anes-tesia em intervenções específicas, como ex-tracções dentárias.Sabe de outras novas aplicações demonstra-das da acupunctura para além da que referiusobre a fertilização in vitro?Primeiro houve uma catadupa de estudos,depois, no final dos anos oitenta, começa-ram a fazer meta-análises, e a primeira foiuma longa série de meta-análises da dor. Nosanos noventa, começaram a aplicar uma no-va metodologia e a publicar artigos científi-cos sobre isso. Eu encontrei cerca de qua-renta meta-análises relevantes – conformeiam sendo publicadas, os institutos analisa-vam-nas e publicavam esses estudos. Sabe-mos nos EUA que a acupunctura tem sidousada de forma já sistematizada na dor cer-vical e lombar, nas dores de cabeça, mastambém na asma, na recuperação de aci-dentes cardiovasculares, e também nas de-pendências, especialmente das drogas du-ras, incluindo a nicotina. E ainda na náuseaassociada à gravidez, à cirurgia, e à quimio-terapia. Estes dados foram analisados no Ca-nadá, na Austrália e também na Europa. In-felizmente, a maior parte dos estudos, tam-bém nestas aplicações específicas, deixammuito a desejar.Gostaria de ouvi-lo sobre a questão da cons-ciência no processo da doença e da cura.Essa é uma zona perigosa. A questão é quenão podemos simplesmente pensar em ter-mos da agulha que se espeta e pronto. Oschineses, por exemplo, explicam que a agu-lha deve ser manipulada de maneira a pro-duzir determinado tipo de sensações no pa-ciente. Mas para se obter esse tipo de sensa-ções tem de se estar num determinadoestado de consciência. Não basta espetar aagulha. Tem de se estar absolutamente fo-cado no que se está a fazer. Este modeloemergiu na China recente, por várias e com-plexas razões, relacionadas com a saúde pú-blica, e outras, razões sociopolíticas, e tam-bém devido à necessidade de treinar cente-nas de estudantes todos reunidos numa sala,em vez de usar o método de um mestre e umdiscípulo. No Japão as coisas mantêm-semais tradicionais. Em acupunctura, o prati-cante também deve sentir alguma coisa, e

não apenas o paciente. É preciso estar muitofocado e silencioso, porque falamos de coisasmuito subtis. Não se pode estar a falar aomesmo tempo. No Japão eles sabem que épreciso estar silencioso e focado para poderproduzir alterações mensuráveis e perceptí-veis. Se eu, acupunctor, sofrer alterações aonível da consciência, você, paciente, tam-bém muda. O que eu sinto afecta-a, altera oseu pulso, o seu coração. Mas é preciso man-termo-nos científicos, e por isso, durante vá-rios anos, nada disse ou escrevi sobre issoque sei, limitei-me apenas a fazê-lo. Na Uni-versidade de Princeton, New Jersey, ondeEinstein trabalhava, têm feito esforços con-certados no sentido de investigar os efeitosda consciência humana nestas terapêuticas,e já os demonstraram inequivocamente. Em2003, foi publicado o primeiro livro sobre is-to, contendo vários artigos científicos quedemonstram a evidência científica inequí-voca destes processos, muito mais sólida doque outras coisas dadas como evidentes emciência. O que essa observação sugere é queesse espaço silencioso no qual entramosquando vamos fazer acupunctura determi-na efeitos no paciente. Não se trata portan-to apenas da agulha. É o que está, e como es-tá, no interior do acupunctor. Julgo que po-demos hoje falar disso realisticamente. A investigação científica em matéria da cons-ciência humana está a leste de todos os nos-sos paradigmas tecnológicos. É uma área ainda pouco estudada, efectiva-mente, embora haja já muita coisa publicada,ainda que desconsiderada pela comunidadecientífica dominante. As boas ideias não pe-gam só porque são boas ideias. Temos pri-meiro de esperar que as pessoas que promo-vem as velhas ideias morram. É política. A política quer ter pouco que ver com gran-

des desafios. Por isso precisamos de traba-lhar experimentando modelos. Se observar-mos uma pessoa deitada e outra a espetaragulhas, e medirmos as alterações, verifica-mos que podemos relacioná-las com a mani-pulação das agulhas pelo acupunctor. E àsmudanças verificadas no paciente corres-pondem mudanças no acupunctor. E isso su-gere que há algum tipo de interacção entre opaciente e o acupunctor. O que acontece emmim provoca coisas em si. E vice-versa. E po-demos medir isso, com electrocardiogramasou electroencefalogramas, por exemplo. A agulha parece, portanto, ser um veículo. Um condutor.Algo assim. Mas há uma questão: qual a na-tureza da comunicação estabelecida entre opaciente e o acupunctor? É nesse ponto quea investigação sobre a consciência poderiaser muito útil. Há coisas que foram demons-tradas. Duas pessoas muito próximas, pos-tas numa sala, isoladas de modo a não pode-rem ver ou ouvir a outra, são submetidas aum electroencefalograma. Se estimularmosuma delas de modo a produzir uma respos-ta emocional e medirmos as suas ondas ce-rebrais, verificamos que a mesma coisaacontece na outra pessoa, no mesmo mo-mento. Isto prova que há um processo sim-pático entre as duas pessoas.Há uma conexão que se estabelece.Exacto. Mas mais: se pusermos uma dessaspessoas numa sala escudada por um campoelectromagnético, que impede a entrada dequalquer tipo de sinal físico electromagnéti-co conhecido, mesmo assim a outra pessoasente a mesma coisa. O que significa que a in-formação trocada entre a pessoa A, que estáa ser estimulada por forma a reagir emocio-nalmente, e a pessoa B, que sente a mesmacoisa, não tem características físicas conhe-

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Ciência«Podemos medir

as alteraçõesprovocadas pelainteracção entre

o paciente e oacupunctor.

A agulha parece ser um veículo»