STJ Resolve Mal

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Acórdão STJ

Transcript of STJ Resolve Mal

  • Acrdos STJ

    Acrdo do Supremo Tribunal de Justia

    Processo: 96P982

    N Convencional:

    JSTJ00031209

    Relator: AUGUSTO ALVES

    Descritores:

    CONTRADIO INSANVEL DA FUNDAMENTAO ERRO NOTRIO NA APRECIAO DA PROVA DIREITO DE NECESSIDADE EXCLUSO DA ILICITUDE IVA CONFLITO DE DEVERES SUSPENSO DA EXECUO DA PENA PENA DE PRISO PENA DE MULTA SOCIEDADE JUIZ DE INSTRUO CRIMINAL IMPEDIMENTO

    N do Documento:

    SJ199701150009823

    Data do Acordo:

    15-01-1997

    Votao: UNANIMIDADE

    Referncia de Publicao:

    BMJ N463 ANO1997 PAG429

    Texto Integral:

    S

    Privacidade:

    1

    Meio Processual:

    REC PENAL.

    Deciso: PROVIDO PARCIAL.

    Indicaes Eventuais:

    FIGUEIREDO DIAS IN COD PROC PENAL EDIO SEQUITAS ED NOTICIAS PG16.

    rea Temtica:

    DIR CRIM - DIR PENAL ECON. DIR PROC PENAL - RECURSOS.

    Legislao Nacional:

    DL 394/93 DE 1993/11/24 ARTIGO 3 ARTIGO 9 N2 ARTIGO 19 ARTIGO 24 ARTIGO 26 ARTIGO 40. CP82 ARTIGO 34 B ARTIGO 35 N1 N2 ARTIGO 36 ARTIGO 40. CP95 ARTIGO 50 ARTIGO 72. CONST76 ARTIGO 32 N2.

    Jurisprudncia Nacional:

    ACRDO STJ PROC44289 DE 1993/06/24. ACRDO STJ PROC45894 DE 1994/10/12. ACRDO STJ PROC59 DE 1996/10/30.

    Sumrio : I - No h contradio insanvel da fundamentao se o recorrente aponta que o acrdo recorrido deu como provados factos que legitimam as concluses que ele extrai dos mesmos, e por, outro lado, no so dados como provados outros factos que entende que se lhe seguiriam, logicamente, quando evidente que estes ltimos factos no derivam, nem lgica nem necessariamente, das afirmaes provadas. II - No h erro notrio na apreciao da prova quando, compulsada a deciso, no se detecta qualquer erro que um observador mdio no descubra com recurso s regras da experincia comum.

  • III - No competindo ao STJ, em princpio, a censura da matria de facto, parece no lhe competir a aplicao do princpio "in dubio pro reo", por no estar em causa no recurso a apreciao da prova. IV - No reunindo os factos o requisito especificado no artigo 34 do CP, alnea b), no pode considerar-se excluda a ilicitude dos mesmos por no se provar o direito de necessidade. V - A obrigao de pagamento do IVA uma obrigao legal e, assim, superior ao dever de manter uma empresa com os pagamentos em dia, pelo que este possivel conflito de deveres no causa exclusiva da culpa. VI - O IVA um imposto que visa tributar todo o consumo em bens materiais ou servios, abrangendo na sua incidncia todo o circuito econmico desde a produo ao retalho, repercutindo-se mesmo no consumidor final, ficando assim a base tributvel limitada ao valor acrescentado em cada fase. VII - Levando os factos provados a concluir que a ameaa da pena e a censura do facto bastaro para afastar o arguido da criminalidade e satisfaro as finalidades da punio, inclusive as da preveno geral pois a comunidade no deixar de entender a gravidade da sano, mesmo dentro do condicionalismo da suspenso da execuo da pena, aceita-se que esta possa ter lugar, j que a pena aplicada de 2 anos de priso. VIII -Se o juiz no interveio no debate instrutrio mas ouviu o arguido no interrogatrio inicial, validando a sua priso, no h violao nem do artigo 40 do CPP nem do artigo 32 n. 4 da Constituio da Repblica. IX - Tal como a doutrina vem entendendo para o depositrio, a integrao na esfera patrimonial do gerente de uma empresa dos valores do IVA verifica-se no momento em que se d inverso do ttulo, passando aquele a dispor dos quantitativos para satisfazer os seus compromissos. X - A pena de multa, que podia ser suspensa na respectiva execuo no domnio do Cdigo Penal de 1992 - artigo 48 - no o pode agora ser na vigncia do Cdigo Penal revisto - artigo 50, pelo que tendo os factos ocorrido antes da entrada em vigor deste ltimo diploma de aplicar aquela primeira norma, por ser a mais favorvel.

    Deciso Texto Integral:

    Acordam no Supremo Tribunal de Justia: I - Pelo Tribunal de Crculo de Oliveira de Azemis, sob acusao do Ministrio Pblico, procedeu-se ao julgamento de: 1 - A., S.A., sociedade annima com sede na rua ..., em So B da Madeira; e, de, 2 - B, identificado a folha 831, vindo a final a ser condenados: - A.., S.A., pela prtica de 1 crime continuado de abuso de confiana, previsto e punido pelos artigos 24, ns. 1 e 5 do Regime Jurdico das Infraces Fiscais no Aduaneiras, na verso do Decreto-Lei 394/93 de 24 de Novembro, por fora dos artigos 7 e 9 n. 2 do mesmo diploma, na pena de 110000000 escudos de multa; - B, pela prtica de 1 crime continuado de abuso de confiana fiscal previsto e punido pelo artigo 24 ns. 1 e 5 do mesmo Regime, na verso de Decreto-Lei 394/93 referido e por fora dos artigos 6 n. 1 e 10 do mesmo diploma, na pena de 2 anos de priso. II - Inconformados, recorrem de tal deciso para este Supremo Tribunal de Justia ambos os arguidos. Na respectiva motivao o recorrente B formula as concluses seguintes: 1 - Ao contrrio do que sustenta o Acrdo recorrido, justifica-se que o arguido, por dificuldades de tesouraria, entre dois males - no pagar o IVA e no pagou aos trabalhadores e despesas indispensveis manuteno da co-arguida, empresa de reconhecida viabilidade - optasse pelo menor, ou seja, no pagar o IVA -; 2 - de presumir que o prprio Estado apoiasse tal opo, pois no concebvel um Estado cvico, que prefira receber cerca de 109000000 escudos de impostos, a ver privados de recursos as famlias de cerca de oitocentos trabalhadores, cidados seus, por no serem pagos os seus salrios e por, ainda pior, virem a ser lanados os mesmos no desemprego, pelo encerramento da empresa. 3 - O disposto nos artigos 34 a 36 do Cdigo Penal sufraga tal entendimento. 4 - E no se diga, como no acrdo recorrido, que tal conduta no dever ser considerada

  • legtima, face economia de mercado, concorrencial, em que diz viver-se, pois iria privilegiar as empresas que no cumprem as suas obrigaes fiscais relativamente queles que as cumprem, j que tal argumento incompatvel, v.g. com os artigos 29, 3 da Lei n. 16/92 de 6 de Agosto, e os artigos 119, 120 e 121 do Decreto-Lei n. 132/93 de 23 de Abril, que provam precisamente o inverso. Isto posto, 5 - Face matria de facto assente, a A no perodo (de Dezembro de 1993 a Dezembro de 1994) em que no pagou o IVA ( taxa de 17 porcento), do montante de 109709313 escudos, teria recebido de clientes cerca de 640000000 escudos e no cerca de 6800000000 escudos, como por erro de clculo consta do acrdo recorrido. 6 - Com os 800 trabalhadores, ainda que estes ganhassem, em mdia, o ordenado mnimo nacional (49300 escudos - Decreto 79/94 de 9 de Maro - a A teria de desembolsar, no indicado perodo, no pagamento de salrios, subsdios de Natal de 1993, e de frias e de Natal de 1994, cerca de 788000000 escudos (49300x16=788000000). 7 - Alm disso, para manter a empresa a funcionar, com o mnimo para tanto indispensvel, teve de pagar aos fornecedores de matrias primas e a EDP, fornecedora de energia elctrica, pelo que umas centenas de milhares de contos acresceram a esses 788000000 escudos. 8 - Assim, sem um milagre na sua tesouraria, semelhante ao da multiplicao dos pes, inquestionvel que a A tinha de seleccionar pagamentos, dando preferncia aos indispensveis a assegurar a subsistncia dos trabalhadores e sobrevivncia da prpria empresa, sendo certo que, com o seu encerramento, aqueles cairiam no desemprego. 9 - Por isso, dando por um lado como provados factos que legitimam tais concluses e por outro repudiando-as, o Acrdo recorrido entra em contradio insanvel na sua fundamentao e comete erro notrio na apreciao da prova. 10 - Ao no dar como provado que, se no fossem pagos os ordenados dos 800 trabalhadores de A, degradar-se-iam as condies de vida, tanto suas como das suas famlias, e, ainda, ao no dar como provado que, se no fossem pagas as despesas indispensveis laborao da empresa (e, consequentemente, se esta, por tal motivo encerrasse), no seriam lanados no desemprego os seus trabalhadores, o acrdo recorrido atenta contra a lgica e o bom senso, cometendo um erro notrio na apreciao da prova. 11 - Ao no dar como provada que a proposta de dao em cumprimento apresentada pela co-arguida A, atravs do arguido, seu administrador, ao Ministrio das Finanas para solver as suas obrigaes fiscais, inclusiv do IVA, no tivesse sido rejeitada, mas ao admitir que ela se mantm em anlise, o acrdo recorrido entra em contradio na sua fundamentao. 12 - Ao no aceitar factos invocados pela defesa, por no definitivamente provados, o acrdo recorrido revela que o douto Colectivo apreciou a prova em violao do princpio "in dubio pro reo", consagrado no n. 2 do artigo 32 da C.R.P., o que pe em causa toda a apreciao que faz da matria de facto, pelo que esta no pode oferecer uma base segura deciso de direito. 1 - Assim, deve ser anulado o acrdo recorrido, e o processo reenviado para novo julgamento, por Colectivo diferente de do Crculo de Oliveira de Azemis - artigo 410 n. 2 alneas a), b) e c), 433 e 436 do Cdigo de Processo Penal -. 14 - Ao considerar que a A no estava to carecida de recursos que no pudesse, atravs de testemunha Maria da Conceio, fazer um emprstimo Sanjo (empresa de grupo), alm de lamentavelmente omitir a data de tal emprstimo, muito posterior aos factos (5 de Dezembro de 1995) documentos de folhas 810 e 811, a que se refere o aresto a folhas 833 verso - 5. e 6. linhas antes do fim - e os motivos por que foi feito, o acrdo recorrido defraudou a aplicao do artigo 358 do Cdigo de Processo Penal, referindo-se prova de um facto que s por essa via, com garantia do contraditrio para o arguido, poderia ser considerado na deciso. 15 - O mesmo sucede s referncias feitas nos documentos de folhas 19 a 26, 91 a 152 e 424 a 429.

  • 16 - Assim, se o acrdo recorrido no devesse ser anulado pelas razes aduzidas na antecedente concluso 13, deveria ser anulado por violao do disposto na alnea b) do artigo 379 do Cdigo de Processo Penal. 17 - A manter-se a deciso recorrida, tendo em ateno que o arguido demonstrou, ao longo dos seus 60 anos, ser um cidado de comportamento normal (na previso do legislador - um "bonus pater familiae"); que prestou declaraes verdadeiras, que aliadas forma como contestou permitiram integrar a "apropriao" evanescente alegada na acusao; que agiu de boa f, como decorre de ter enviado as declaraes do IVA e ter proposto, como administrador da A, uma dao em pagamento, cerca de trs meses antes da apresentao da queixa; sofrer de doena grave; destinarem-se as importncias do IVA, integrados na massa monetria recebida pela empresa, no pagamento das despesas correntes desta, nomeadamente ordenados, matrias primas e energia elctrica, deveria, nos termos do artigo 50 do Cdigo Penal, ser suspensa a pena de priso aplicada ao arguido. 18 - O acrdo recorrido violou, pois, os artigos 34 e 36 do Cdigo Penal, 32 n. 2 da C.R.P. e 358 do Cdigo de Processo Penal, e cometeu as nulidades referidas nas antecedentes concluses 13 e 16; caso assim se no entenda, violou o disposto no artigo 50 do Cdigo Penal, pelo que deve ser revogado. Por sua vez, A, S.A., da sua motivao extrai as seguintes concluses: 1 - Um dos magistrados que formou o (formou o) colectivo tomou decises no inqurito, nomeadamente sobre a priso de um co-arguido, implicando tal facto ter feito um juzo de valor antecipado ao julgamento sobre os factos submetidos ao mesmo, violando-se assim o disposto no artigo 40 do Cdigo de Processo Penal e 32 n. 4 da Constituio. 2 - No ficou determinado que os valores referidos no ponto n. 5 dos factos dados como provados na sentena fossem o saldo entre o valor de IVA facturado pela empresa e o valor de IVA pago pela mesma no perodo a que o imposto se reporta. 3 - Da leitura do ponto 5 dos factos dados como provados tanto se pode inferir que tais valores so os de IVA facturado pela empresa como o dito saldo. 4 - Ora se para haver crime previsto no artigo 24 do RJFA a determinao do valor do imposto no pago crucial, ter forosamente de se concluir que no est provado um dos elementos essenciais para a verificao deste tipo criminal. 5 - Na sentena existe uma insanvel contradio entre os factos dados como provados nos pontos n. 7 e os ns. 2 e 3 dos factos dados como no provados e dessa contradio resulta sem erro notrio na apreciao da prova. 6 - De facto ficou provado que na A trabalham cerca de 800 trabalhadores (15); que aps 1991 se abateu sobre a empresa grave crise como sobre toda a economia (17); que a R se apresentou aos credores (20) e dos documentos de folhas 27 a 28 se verifica a carncia de meios da R para solver todos os seus compromissos. 7 - Ora se foi dada como provada esta matria, determinante das razes pelas quais a R no pode pagar as suas obrigaes fiscais, no se entende como tambm pde a douta sentena ter dado como provado que se a R no pagou o IVA foi porque no quis e no porque no pde. 8 - Tais contradies surgem ainda entre os ns. 6 a 14 da matria dada como no provada e o que foi dado como provado nos ns. 7, 15, 17, 20 e 21, demonstrando-se falta de sustento fctico para dar como provada a acusao e como no provada a matria de defesa. 9 - Tambm nos pontos 9 a 11 dos factos dados como provados referentes matria de dao em pagamento que est dada como provada quanto sua existncia e temos, h contradio com a matria dos factos dados como no provados nos ns. 4 e 5 da matria dada como no provada. 10 - Se est provado que o estado mandou avaliar os prdios oferecidos em pagamento, no pode estar no provado que a dao no foi rejeitada. 11 - Tal constitui um erro notrio na apreciao da prova. 12 - Por outro lado a douta sentena refere que no exigvel a integrao da quantia do imposto no pago na esfera patrimonial do sujeito passivo do imposto (folha

  • 838) para que se verifique a previso do artigo 24 do RJIFA, mas a R no pode concordar com esta interpretao legal. 13 - Tal corresponde simples concluso que basta no entregar o imposto para haver crime. 14 - Ora se a inverso do ttulo de posse , no tipo legal de abuso de confiana, o critrio normal para averiguar da sua verificao, neste caso no parece que assim possa ser. 15 - A folhas 836 dos autos, a douta sentena resume a orgnica do IVA esclarecendo-se que o dinheiro do IVA que dever ser entregue ao estado ser o saldo entre o IVA facturado e o IVA pago que cada sujeito, num determinado perodo, ou seja um compromisso que surge s empresas no momento do seu vencimento e no em cada momento do seu giro comercial. O dinheiro de IVA recebido com uma factura no ter obrigatoriamente que ser entregue ao estado, integrando-se sim no conjunto de todos os dinheiros de caixa com que sero imputadas as despesas de empresa. 15 - Sendo um compromisso de empresa, concorrente com tantos outros, vai depender de haver ou no dinheiro na data do seu vencimento a sua liquidao. Face a esta realidade neste caso, pelo menos ter de se averiguar se a empresa se apropriou ou no do valor de tal imposto, para saber se houve ou no abuso de confiana. 16 - A apropriao no caso das empresas um conceito difcil de definir nem o bom senso impe que, para efeitos criminais, esse conceito tem de assumir a sua forma mais incontroversa que o de haver apropriao quando os accionistas recebem dividendos, neste caso referentes ao perodo em que ocorreu a falta de pagamento de imposto. 17 - No caso da R no ocorreu distribuio alguma de dividendos e no tendo ocorrido no pode dizer-se que houve apropriao. 18 - Assim, nos limites factuais da acusao, inalterveis pela sentena, no se encontram factos que permitam concluir, como o fez a deciso recorrida, que esto verificados no vertente caso, os elementos de crime previsto pelo artigo 24 do R.J.I.F.A.. 19 - Pelo que a sentena nula por fora do disposto no artigo 379 alnea b) do Cdigo de Processo Penal. Sem prescindir, 20 - A R actuou sem culpa pois no pagou o IVA porque no tinha meios para o fazer e muito antes da abertura do inqurito, confirmando tal realidade, apresentou administrao fiscal proposta de dao em pagamento de imveis para pagar todos os impostos e contribuies ao estado em falta, proposta que no foi rejeitada estando em fase de avaliao os ditos imveis. 21 - Ora nos termos do artigo 13 do Cdigo Penal apenas condenvel o agente que age com dolo, o que, como se disse, no ocorreu neste caso. Sem prescindir, 22 - Mesmo que no caso vertente se entendesse que imputvel culpa ao agente, a mesma seria muito diminuda face a todo o circunstancionalismo descrito, pelo que a sentena se apresenta para a R de uma enorme dureza. 23 - De facto o crdito do estado estava e est assegurado pela dao em pagamento proposta pela empresa e as motivaes de empresa para a subseco que fez dos seus pagamentos justa e correcta, pelo que a aplicao do artigo 71 do Cdigo Penal, com rigor, deveria socorrer-se do preceito do artigo 72 do mesmo diploma e fazer a atenuao especial de 1 ano. 24 - Sendo certo que a medida da pena depende de culpa e de necessidade de preveno em relao ao agente e no em relao a terceiros como pretende a sentena. 25 - Pelo que a aplicao de uma pena que de antemo se sabe que a R no poder pagar, face ao circunstancionalismo dado como provado, nomeadamente de a empresa estar com enormes dificuldades que a fizeram apresentar-se aos credores, no corresponde aos critrios referidos supra. Pede: - a absolvio por no haver crime; - seja anulado o julgamento; - seja repetido o julgamento; - seja diminuda a pena de multa, suspende-se a sua aplicao - artigo 73 n. 3 do Cdigo Penal. III - Respondeu s motivaes o Excelentssimo Magistrado do Ministrio Pblico defendendo quanto ao arguido que no subsistem provados

  • elementos que por estado de necessidade conduzam excluso da ilicitude, que no subsiste a contradio na fundamentao ou o erro notrio na apreciao das provas, invocados, e que a no suspenso da pena se aceita face s necessidades de preveno geral. E quanto A defende que o que a lei probe que intervenha no julgamento o juiz que interveio no debate instrutrio, que no se verifica insuficincia da matria de facto provada para a deciso, contradio insanvel da fundamentao ou erro notrio na apreciao da prova nem ainda nulidade da deciso, inexistncia de culpa ou excluso da ilicitude. No se justifica a atenuao especial da pena nem a suspenso da execuo desta, devendo improceder o recurso. IV - Subindo os autos a este Supremo Tribunal de Justia foi dada vista ao Excelentssimo Procurador Geral junto deste. E fixou-se prazo para alegaes como requereu o arguido. Este apresentou a sua alegao, mas nada acrescentou motivao. Alegou, porm, o Excelentssimo Procurador Geral sustentando que a actuao do recorrente jamais visou o afastamento de perigo actual ameaador da vida, integridade fsica, honra ou liberdade prprias ou de terceiro pelo que se no revela violao dos artigos 34 e 36 do Cdigo Penal; no enferma o acrdo de contradio insanvel ou de erro notrio; o erro de alterao substancial dos factos coloca-se ao nvel dos factos provados ou no provados e no ao da fundamentao no se revelando violado o artigo 358 do Cdigo de Processo Penal; mas dever suspender-se a execuo da pena. V - Questes a resolver: E jurisprudncia corrente deste Supremo Tribunal de Justia que, para l daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, as questes a conhecer so to s as que emergem das concluses extradas das motivaes dos recursos. E como se no divisam questes de conhecimento oficioso, as questes a conhecer so as que se enumeram: A - O acrdo recorrido sofre de contradio insanvel na fundamentao? B - O acrdo recorrido sofre de erro notrio na apreciao da prova? C - Mostra-se violado o princpio "in dubio pro reo"? D - Os factos praticados pelo recorrente B acham-se justificados nos termos dos artigos 34 a 36 do Cdigo Penal? E - O acrdo recorrido sofre de nulidade por violao do disposto no artigo 379 alnea b) do Cdigo de Processo Penal? F - A pena aplicada ao recorrente B dever ser suspensa na sua execuo? G - O facto de haver intervindo no julgamento o juiz que procedeu ao interrogatrio inicial do arguido e validou a priso viola o disposto nos artigos 40 do Cdigo de Processo Penal e 32 n. 4 da Constituio? H - No est provado o crime do artigo 24 do R.J.I.F.A. por se no provar que os valores provados sejam o saldo entre o valor de IVA facturado pela empresa e o IVA pago? I - Subsiste contradio insanvel entre os factos dados como provados no ponto 7 e nos ns. 2 e 3 dos factos no provados? E ainda entre os pontos 6 a 14 dos factos no provados e o provado nos ns. 7, 15, 17, 20 e 21? E nos pontos 9 a 11 dos factos no provados e os pontos 4 e 5 da mesma matria? J - H erro notrio na apreciao da prova dando-se como provado ter sido mandada fazer avaliao e dar como no provado que a dao no foi rejeitada? L - A integrao do imposto na esfera patrimonial do sujeito essencial verificao do crime, e no pode concluir-se haver-se verificado apropriao? M - A arguida actuou sem culpa-dolo por no ter meios para pagar? N - A entender-se que h culpa to diminuda que deve atenuar-se especialmente a pena? O - E suspender-se a execuo da mesma? VI - So os seguintes os factos provados: 1. A primeira arguida, sociedade ..., dedica-se ao fabrico de produtos metlicos e de tubos de ao, sendo para isso dona de uma fbrica situada na rua da Fundio, em So B da Madeira.

  • 2. Por seu turno, o segundo arguido B Miguel foi, at Julho de 1995, o seu Presidente do Conselho de Administrao e o seu maior accionista. 3. No entanto, era ele o nico membro daquele Conselho que exercia, sozinho e em exclusivo, toda a gesto e administrao da sociedade arguida e da sua fbrica, tendo poderes para, por si s, vincular a A, chamando a si a iniciativa e a total responsabilidade pelas decises mais importantes e de maior melindre, a que pessoalmente dava, depois, execuo. 4. O arguido B assim procedeu sempre, consciente e de forma voluntria por sua prpria iniciativa, em nome da sociedade arguida e a favor dos seus interesses. 5. No desenvolvimento das suas actividades industriais e comerciais, a arguida A fabricou e vendeu produtos a clientes seus, dos quais apurou e recebeu efectivamente, a ttulo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) os seguintes montantes, nos respectivos meses: 26798467 escudos, em Dezembro de 1993; 219443588 escudos, em Fevereiro de 1994; 20751830 escudos, em Maro de 1994; 19562232 escudos, em Abril de 1994; 8912294 escudos, em Maio de 1994; 10740902 escudos, em Dezembro de 1994, num total de 108709313. 6. Porm, e apesar de ter feito e enviado as respectivas declaraes aos servios de administrao do IVA, nos meses correspondentes de apresentao, em vez de entregar tais importncias, o arguido B, no mbito dos seus j descritos poderes e em benefcio dos tambm j referidos interesses, nunca as entregou a esses servios, antes os utilizou na sociedade arguida, nos perodos em que as recebeu e contabilizou. 7. Tais valores, integrados no conjunto de dinheiros recebidos das vendas pela empresa, foram assim totalmente utilizados pelo arguido B nas diversas despesas correntes da arguida A, nomeadamente no pagamento de ordenados aos trabalhadores, de matrias-primas e de energia elctrica, entre outras. 8. Em todos os apontados perodos, o arguido B agiu voluntria e conscientemente, sabedor de que aqueles dinheiros que utilizou e gastou na empresa pertenciam ao Estado e a este os devia fazer chegar juntamente com as respectivas declaraes, razes por que tambm sabia que no podia nem devia agir desse modo. 9. Entretanto, a arguida A props ao Ministrio das Finanas, em fins de Maro de 1995, a liquidao daqueles 108709313 escudos, indicando alguns imveis da A como dao, proposta que ainda no obteve qualquer resposta positiva, apesar de ter insistido em 12 de Julho de 1995. 10. Aos referidos imveis atribuiu a arguida A, na altura, o valor de cerca de um milho de contos, tendo a mesma arguida avaliado, nesse momento, a sua dvida ao sector pblico em cerca de 790 mil contos. 11. Em 12 de Julho de 1995, a Direco de Servios de Justia Tributria da Direco Geral das Contribuies e Impostos solicitou parecer sobre a validade da proposta e avaliao dos imveis. 12. O arguido B no tem antecedentes criminais registados. 13. O arguido teve um tumor intraductal do pncreas, a que foi operado em Bruxelas, em Novembro de 1992, tendo sido efectuada duodeno - pancreactomia e tratamento adequado. 14. O arguido tem formao acadmica superior, na rea da engenharia. 15. Na arguida A trabalham hoje cerca de 800 trabalhadores. 16. Depois de pertencer ITT, a A foi adquirida, em princpios de 1985, pelo arguido B a esta multinacional, data director-geral da mesma arguida, pela quantia de 1 escudo. 17. A partir de 1991, houve uma crise econmica mundial, que se repercutiu em Portugal, tendo a A sentido tambm essa recesso. 18. A A sempre esteve ciente da sua viabilidade econmica. 19. Os valores dos totais das facturas sempre foram pagos A, integrando o valor correspondente ao IVA as mesmas, desenvolvendo-se o giro normal da caixa atravs de depsitos e pagamentos. 20. A arguida A apresentou-se ao processo de recuperao de empresas em 25 de Julho de 1995, no Tribunal de So B da Madeira, o qual corre termos no 3. Juzo desse Tribunal com o n. 302/95, e com

  • Assembleia de Credores designada para o ms de Junho de 1996. 2. Em data indeterminada a A encetou negociaes com a Banca. Factos no provados: 1. O arguido B fez dele as quantias referidas em 5 (supra) em cada um dos meses em que as recebeu. 2. Tais quantias foram utilizadas apenas no pagamento de ordenados aos trabalhadores e de despesas indispensveis ao funcionamento da empresa, por total carncia de fundos de tesouraria, nem impossibilidade imediata de os obter. 3. Se tais quantias no fossem pagas, degradar-se-iam as condies de vida de centenas de famlias que vivem desses ordenados, e seriam lanados no desemprego centenas de trabalhadores. 4. A dao de diversos prdios, proposta pelos arguidos ao Ministrio das Finanas, no foi rejeitada. 5. A alienao desses bens em nada afectaria o funcionamento de A. 6. Aquando da utilizao do IVA para pagar as despesas alegadas, havia projectos de realizao de fundos que permitiriam a sua liquidao. 7. A crise econmica de 1991, associada necessidade de investimentos, descapitalizaram a empresa e fragilizaram-na. 8. Desde logo a A comeou a experimentar graves dificuldades na aquisio das matrias primas essenciais sua laborao e sofreu penalizaes de produo, j que os fornecedores passaram a fornecer apenas a pronto. 9. A energia e os salrios tornaram-se custos de pagamento prioritrio, para manter a paz social e a produo de fbrica. 10. Instalou-se na A uma economia de sobrevivncia. 11. A A, perante a sua escassez de dinheiro para pagar todos os seus compromissos, teve obrigatoriamente de seleccionar os custos que prioritariamente tinha de suportar, para manter a laborao da fbrica. 12. E, nessa seleco, pagou primeiro os salrios, energia, matrias-primas e outros custos associados laborao e ficou devedora de compromissos de outra natureza, tais como dbitos banca e Segurana Social. 13. Pelo que, dos valores totais das facturas, depositados nas contas da A, foram sendo retirados pela empresa os montantes necessrios para suportar os custos prioritrios imprescindveis manuteno de empresa a laborar. 14. Apenas para esses fins foram usados os valores recebidos pela A, deles no saindo algum dinheiro para dividendos aos accionistas ou qualquer outra aplicao. VII - Direito: Apreciaremos as questes suscitadas pela ordem por que foram indicadas. A - O acrdo recorrido sofrer de contradio insanvel na fundamentao? Para assim concluir o recorrente aponta que o acrdo recorrido deu como provados factos que legitimam concluses que ele recorrente extrai de tais factos e por outro lado no d como provado outros que se lhes seguiriam logicamente. Todo o cerne da questo est conexo com a destinao do valor do IVA recebido, tal como foi declarado, no entregue, nos servios competentes e utilizado na Sociedade arguida nas diversas despesas correntes da A, nomeadamente ordenados dos trabalhadores, de matrias primas e de energia elctrica, entre outros. evidente que tal facto brigaria logo com o facto de que tais quantias foram utilizadas apenas no pagamento de ordenados aos trabalhadores e de despesas indispensveis ao funcionamento da empresa precisamente porque vem provado que tambm se destinaram a outros fins. Acresce que foi dado como no provado que se tais quantias (as do IVA) no fossem pagas, quer dizer, aplicadas nos fins em que concretamente o foram, degradar-se-iam as condies de vida de centenas de famlias que vivem desses ordenados e seriam lanados no desemprego centenas de trabalhadores. E evidente que tal facto complexo no deriva logicamente, ou necessariamente pelo menos,

  • daquelas afirmaes provadas. Haveria, pois, de ser provado o facto, quer porque as famlias podiam no viver desses ordenados, quer porque apesar de faltarem os ordenados tinham outros recursos alternativos, quer porque nas circunstncias de tempo e lugar poderia haver ocupao alternativa. Por isso a pretensa contradio entre factos no se observa. B - A segunda questo a do erro notrio na apreciao da prova. Erro notrio o erro grosseiro que no escapa a um observador mdio. Acresce que deve ser detectado na prpria deciso por si ou conjugada com as regras da experincia comum - artigo 410 n. 2 do Cdigo de Processo Penal -. Compulsada a deciso nele no se detecta qualquer erro que um observador mdio no descubra, ainda que com recurso s regras da experincia comum. O que parece inferir-se das concluses atinentes do recorrente que perante as mesmas provas validaria os factos diferentemente. Mas isso mais no do que a sua valorao pessoal que tem de respeitar os critrios de valorao dos juzos garantidos pela lei - artigo 127 do Cdigo de Processo Penal -. Improcede, por isso, a concluso de que a deciso sofre de erro notrio na apreciao da prova. C - E mostrar-se- violado o princpio "in dubio pro reo"? Tal princpio tem aplicao na apreciao da prova, isto , colocado o julgador uma situao de dvida sobre a verificao dum facto dever tomar a posio sobre ele no sentido de favorecer o ru. Ora no competindo ao Supremo Tribunal de Justia a censurar da matria de facto, parece no lhe competir a apreciao do uso e aplicao do princpio "in dubio pro reo", por no estar em causa neste recurso a apreciao da prova - Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 24 de Junho de 1993, in Processo 44289 -. D - Estaro justificados os factos praticados pelo recorrente B nos termos dos artigos 34 a 36 do Cdigo Penal? Tais disposies legais versam o direito de necessidade, o estado de necessidade desculpante e o conflito de deveres - artigos 34, 35 e 36 do Cdigo Penal, respectivamente -. E representam uma autonomizao do direito de necessidade consoante o interesse protegido sensivelmente superior ao interesse sacrificado - artigo 35 que o v como causa de excluso da ilicitude -, ou sendo os interesses iguais, como um obstculo culpa - artigos 35 e 36 - apenas se especificando o conflito de deveres no artigo 36, porque no se exigiria neste que o dever ou ordem que se cumpre seja sensivelmente superior ao dever ou ordem que se sacrifica. Considerado isto, facilmente se conclui que no pode considerar-se que o arguido dando aos valores do IVA o destino concreto de o utilizar nas despesas correntes da A, nomeadamente ordenados de trabalhadores, matrias primas e de energia elctrica em vez de o entregar ao Estado salvaguardou um interesse superior, precisamente porque os dois interesses se consideram igualmente relevantes. Por isso os factos no reunem o requisito especificado na alnea b) do artigo 34 do Cdigo Penal, e, portanto, no pode considerar-se excluda a ilicitude dos mesmos por se no provar um direito de necessidade. Mas tambm no vem provado que o arguido deu s importncias do IVA o destino concreto que lhe imprimiu para afastar um perigo actual e no removvel de outro modo, que ameaasse a vida, a integridade fsica ou a liberdade do agente ou de terceiros, no se lhe exigindo, face s circunstncias comportamento diferente - artigo 35 n. 1 - ou ameaasse interesses diferentes - artigo 35 n. 2 - do Cdigo Penal. Por conseguinte, no pode concluir-se que agisse sem culpa. Resta apreciar o conflito de deveres. Poder equacionar-se que o arguido se encontrava perante o dever de pagar o IVA e o dever funcional de manter a A a funcionar satisfazendo os pagamentos. Desde logo, porm, nada permite concluir que o dever de manter a A a funcionar seja superior quele de pagar o IVA. Mas facilmente se conclui que a obrigao de pagamento do IVA uma obrigao legal e assim superior ao dever funcional de manter a empresa com os pagamentos em dia.

  • Da que tal possvel conflito de deveres no seja causa de excluso da culpa. H-de por isso, sujeitar-se a concluso de que o facto se revela justificado. E - Ser nulo o acrdo por violao do artigo 379 alnea b) do Cdigo de Processo Penal? Tal disposio legal comina com nulidade a deciso que condene com fundamento em factos diversos de acusao ou de pronncia. O recorrente aponta que nem na acusao nem na pronncia se encontram factos susceptveis de integrar o crime previsto pelo artigo 24 do R.J.I.F.A. E parece que para assim concluir aponta que no est determinado o valor do imposto no pago. Vejamos. O Imposto de Valor Acrescentado (IVA) um imposto que visa tributar todo o consumo em bens materiais e servios, abrangendo na sua incidncia todo o circuito econmico desde a produo ao retalho, repercutindo-se o mesmo no consumidor final. Fica, assim, a base tributvel limitada ao valor acrescentado em cada fase. Determina-se aplicando a taxa ao valor global das transaces da empresa em determinado perodo, deduzindo o imposto suportado pela empresa nas compras revelado nas facturas de aquisio. Poderia, assim, hipotizar-se que o valor do imposto encontrado poderia ser um valor resultante da aplicao da taxa ao valor das transaces sem levar em conta o imposto suportado pela empresa, como parece querer inculcar o recorrente. Trata-se, no entanto, de um imposto de auto-lanamento, em que a liquidao cabe ao contribuinte. E vem provado que a arguida fez as declaraes respectivas aos Servios de administrao do IVA, apenas no entregando as importncias. Assim, as declaraes no se referem, nem ao valor das transaces, nem ao valor resultante da aplicao da taxa a tal valor. Trata-se, sim, de declaraes que correspondem quilo que normal fazer: aplicou-se a taxa no valor global das transaces da A, em determinado perodo, deduziu-se a esse montante o valor do I.V.A. suportado pela empresa referente s aquisies no perodo e o resultado assim apurado foi objecto da declarao, a qual no foi impugnada por qualquer das partes - artigos 19, 26 e 40 do Cdigo do IVA. No tem, pois, o mnimo fundamento vir agora suscitar a dvida de o montante do IVA no haver sido determinado com base nos factos constantes da acusao ou da pronncia, visto que os montantes so os a referidos. Por conseguinte no se revela a nulidade derivada do artigo 379 alnea b) do Cdigo de Processo Penal que no se divisa violado, pelo que improcede a concluso do recorrente nesse sentido. F - Dever suspender-se a execuo da pena aplicada ao arguido B? O arguido foi condenado na pena de 2 anos de priso. Atento o seu perodo de durao tal pena susceptvel de ser declarada suspensa na sua execuo - artigo 50 do Cdigo Penal/vigente. Na deciso considerou-se essa possibilidade de suspenso mas afastou-se quando se tiveram em conta as ponderosas razes de preveno geral. Analisados, porm, os pressupostos para tal suspenso, de salientar que necessrio atentar nas condies da vida do arguido, sua conduta anterior e posterior ao crime e s circunstncias deste para poder concluir se a simples censura do facto e a ameaa da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punio. Assim, atentos os factos provados, vemos que o arguido vem sendo desde h bastante tempo um administrador considerado da A, com um passado que no revela crime algum. Deu s importncias o destino que j se referiu mas posteriormente diligenciou o pagamento atravs da dao de bens que props. Foi, pois, o prprio arguido a sugerir um plano de pagamento que o prprio Estado tem vindo a diligenciar que outros devedores celebrem. evidente que se v que com o alargamento dos devedores de impostos se impe uma tomada de posio que satisfaa as necessidades de preveno geral. S que tomar essa atitude de dureza com os devedores mais diligentes na forma de proporcionar o cumprimento ser um desincentivo s tais formas negociadas de cumprimento, de que o arguido percursor. Por outro lado, a condio pessoal do arguido que j foi operado ao pncreas e ao duodeno levam a que se considerem as suas condies pessoais de sade a sugerir que na medida do

  • possvel se no sujeita a clausura onde dificilmente lhe sero proporcionados os cuidados que a sua sade aconselha. Tudo isso leva a concluir que a ameaa da pena e a censura do facto bastaro para afastar o arguido da criminalidade e satisfaro as finalidades da punio, inclusiv as da preveno geral pois a comunidade no deixar de entender a gravidade da sano mesmo dentro do condicionalismo de suspenso de execuo da pena, j que esta satisfaz a filosofia essencial a este instituto que a de capacidade de medida para apontar ao arguido o rumo certo no domnio de valorao do seu comportamento de acordo com as exigncias do direito penal. Na sequncia entende-se que de suspender a execuo da pena em que o arguido foi condenado pelo perodo de 3 anos. Procedeu, pois, tal concluso do recorrente. G - Tendo intervindo no julgamento o juiz que validou a priso por ter procedido ao interrogatrio inicial do arguido verifica-se a nulidade do julgamento? Convm desde j recordar que a previso do artigo 40 do Cdigo de Processo Penal dispe to s que no pode intervir no julgamento o juiz que tiver presidido ao debate instrutrio. No obstante o juiz no ter intervindo nesse debate poder equacionar-se se o facto de o juiz ter ouvido o arguido envolve diminuio das garantias do processo criminal - artigo 32 n. 4 da Constituio da Repblica Portuguesa. Este tema tem sido tratado a nvel de Jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Este Tribunal tem decidido que o simples facto de um juiz ter j tomado decises anteriores no processo no pode justificar, em si apreenses quanto sua imparcialidade. O que conta a extenso e a natureza das medidas anteriormente tomadas - Vejam-se neste sentido os casos citados no recurso 59/96 deste S.T.J. cujo Acrdo de 30 de Outubro de 1996 -. Ora no caso em apreo nenhuma razo se descortina para nos convencermos de que o simples facto de ter presidido ao primeiro interrogatrio judicial do arguido tenha deixado influncias ao ponto de julgar os factos determinantes da condenao nos termos em que foram estabelecidos pelo Colectivo. E do ponto de vista objectivo o elemento determinante consiste em saber se as apreenses da arguida podem ter-se por objectivamente justificveis. Mas tambm neste sentido de afastar toda a suspeio pois sendo o Colectivo formado por 3 juizes no de presumir que a livre apreciao deles fosse influenciada pelas impresses obtidas por um deles num acto processual anterior, praticado no incio do processo. E nenhum elemento objectivo nos permite concluir que o juiz que proceder ao interrogatrio ficasse vinculado pela deciso anterior e muito menos convencido da culpabilidade do arguido, mas antes se configura como inteiramente livre para concluir quanto ao fundo com base nas provas debatidas contrariamente em audincia. Neste sentido pode ver-se tambm Figueiredo Dias em nota introdutria ao Cdigo de Processo Penal, editorial Aequitas/Ed. Notcias, pgina 13. No se mostra, assim, violado o artigo 32 da C.R.P.. H - Nesta alnea a recorrente suscita tambm o problema de os valores apurados poderem no corresponder ao saldo entre o valor do IVA facturado e o IVA pago pela empresa. A tal questo responde-se, porm, que os valores de IVA equacionados nos factos provados so os resultantes da declarao da arguida. E como se trata de auto-liquidao tem de aceitar-se que esses falados valores correspondem ao saldo diferencial entre o IVA resultante da facturao e o IVA pago pela empresa, improcedendo por isso a concluso da recorrente de que no resulta provado tal elemento do crime do artigo 24 do RJIFA. I - Aponta a recorrente vrias contradies nos factos. Vejamos. Haver contradio entre o ponto 7, provado, e os pontos 2 e 3, no provados? Naquele ponto 7 indicao o destino que se deu aos valores liquidados. Nos pontos 2 e 3, no provados, no se deu como provado que aquele uso fosse determinado por total carncia de fundos, impossibilidade imediata de os obter, ou que se tais quantias no

  • fossem pagas se degradariam as condies de vida de centenas de famlias e fossem lanadas no desemprego trabalhadores. E bem evidente, que os factos no esto em contradio alguma, pois podem subsistir sem qualquer coliso. O que sucede que hoje se associa a coexistncia dos dois fenmenos - no pagamento de salrios/misria das famlias, desemprego -. Mas nada nos factos nos diz que a no terem sido pagos os salrios com os valores do IVA o no fossem por recurso a outros fundos, ou que ao no pagamento no se seguissem aqueles fenmenos. Improcede, por isso, a concluso de contradio avanada pela recorrente. Aponta ainda a recorrente contradio entre os pontos 6 a 14 dos factos no provados e o provado nos pontos 7, 15, 17, 20 e 21. Vejamos. No ponto 7 aponta-se o destino concreto dos valores do IVA cobrado. No ponto 15, o nmero de trabalhadores da A. No ponto 17 que a A sofre crise econmica a partir de 1991. No ponto 20 que a A se apresenta a processo de recuperao em Julho de 1995. E no ponto 21 que encetou negociaes com a Banca. No ponto 6 dos factos no provados no se deu como provado que a quando da utilizao dos fundos do IVA houvesse projectos para a realizao de fundos para a sua liquidao. E no se tendo provado este facto, claro que no existe qualquer contradio com aqueles factos porque se ignora se havia ou no projectos para pag-los. Quando ao facto do ponto 7 no se deu como provado. Mas isso no briga com o facto de a crise atingir a empresa, pois embora a crise a influenciasse no se provou se a crise a descapitalizou ou a fragilizou, pois isso no consequncia necessria da crise. Quanto ao facto do ponto 8, igualmente se conclui que no consequncia necessria da crise. E o mesmo do facto do ponto 9 se pode afirmar. E os pontos 10, 11, 12, 13 e 14 haveriam igualmente de ser provados, pois, embora possam surgir como consequncia da crise no se segue que sejam consequncia necessria desta. Por isso nenhuma contradio existe nos pontos focados. Aduz, porm, a recorrente que existe contradio entre os pontos 9 a 11 dos factos no provados e os pontos 4 e 5 da mesma matria. Vejamos. Nos pontos 4 e 5 d-se como no provado que a dao no foi rejeitada e que a alienao em nada afectaria o funcionamento da A. Nos pontos 9 a 11 no se d como provado que a energia e os salrios se tornassem custos de pagamento prioritrio, que se instalasse na A uma economia de sobrevivncia, que a A tivesse obrigatoriamente de seleccionar os custos que prioritariamente tinha de suportar para manter a laborao. Ora como no existe causalidade necessria entre uns e outros, nem sequer relao de dependncia, no subsiste qualquer contradio entre esses factos pelo que a sua coexistncia pode subsistir uma vez que entre (entre) eles no se verifica relao de excluso. Improcedem, pois, todas as concluses concernentes a contradio entre factos. J - Haver erro notrio na apreciao da prova ao dar-se como provado que foi mandada fazer a avaliao ao dar como no provado que a dao no foi rejeitada? Erro notrio como se apontou s aquele que no escapa ao observador mdio. E evidente que tal erro o no contm a deciso porque o ter sido mandada fazer a avaliao e apenas uma atitude anterior tomada de posio de aceitar ou no a dao, ficando o Estado livre para aceitar ou rejeitar. Assim, se vem alegado que a dao foi rejeitada haver que prov-lo, pois, a mera avaliao no exclui a possibilidade de a rejeio ter tido lugar. No se detecta, assim, o falado erro notrio na apreciao da prova. L - Advoga a recorrente que no pode concluir-se haver-se verificado apropriao. Vejamos. Efectivamente a Recorrente, tal qual o depositrio, era j detentora dos valores do IVA. A qualidade em que os detinha era equivalente do depositrio. Ora tal qual a doutrina o vem entendendo para o depositrio, a integrao na esfera patrimonial da recorrente dos valores do IVA verificou-se no momento em que se deu a inverso do ttulo

  • de posse, passando a recorrente a dispor dos quantitativos para satisfazer os seus compromissos. Verificou-se, por isso, a apropriao de que a lei fala. , pois, despiciendo que a recorrente tivesse ou no feito distribuio de dividendos aos scios para que se verifique a apropriao, pois, esta, existe independentemente de tal facto, j que a consumao do crime verifica-se logo que o agente passa a agir "animo domino", - vid Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 12 de Janeiro de 1994, no processo n. 45894 -. Improcede, por isso, tal concluso do recorrente. M - Ter a arguida agido sem culpa por no ter meios para pagar? Compulsados os factos provados constata-se que dos mesmos no pode inferir-se que a recorrente no tinha meios para pagar na ocasio em que disps dos fundos (IVA). certo que vem provado que a recorrente se apresentou ao processo de recuperao de empresa, o que faz pressupor que no tinha meios para pagar. S que isso sucedeu bastante tempo depois da utilizao dos fundos. Por isso no pode concluir-se, sem mais, que tal situao j existia penalmente, tanto mais que a recorrente nessa poca no requereu o processo de recuperao que veio a requerer depois. Improcede, pois, a concluso de que agiu sem dolo. N - Dever a pena ser atenuada especialmente face ao grau de culpa? A lei prev a atenuao especial da pena face a circunstncias que diminuam de forma acentuada a culpa do agente - quer se trate de circunstncias anteriores, contemporneas ou posteriores - artigo 72 do Cdigo Penal/vigente -. Ora evidente que a recorrente requereu o processo de recuperao de empresa porque se encontrava em dificuldades econmicas. Trata-se, assim, duma circunstncia posterior. Ignora-se, porm, o despacho do processo e as concluses a que se chegou quanto ao meio de recuperar a empresa. E na falta de tal elemento ignora-se em que medida a circunstncia posterior referida afecta a culpa. No h, pois, lugar para a atenuao extraordinria uma vez que no pode concluir-se qualquer diminuio de culpa. O - Resta a ltima questo suscitada. Ser de suspender a execuo da pena em que a R foi condenada. A responsabilidade penal/criminal , em regra, exclusiva das pessoas singulares - artigo 11 do Cdigo Penal -. Porm, na generalidade dos sistemas jurdicos reconhece-se s pessoas colectivas uma responsabilidade de direito pblico, na qual se inclui ou pode incluir a criminal, embora s para hipteses que fortes razes pragmticas aconselham a sujeitar a essa disciplina. Por isso a lei ressalvou eventuais disposies em que possa mandar punir pessoas colectivas, cabendo-lhes normalmente penas pecunirias ou medidas de segurana, uma vez que indispensvel que as penas aplicveis se harmonizem com a sua especial estrutura e natureza jurdica. assim de questionar se pena de multa em que a arguida foi condenada aplicvel o instituto de suspenso da execuo da pena prevenido pelo artigo 50 do Cdigo Penal. Este dispositivo legal estabelece os pressupostos de que faz depender a aplicao do mesmo: a personalidade do agente, as condies da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, tudo acrescido de um juzo de prognose favorvel. Todavia, no admite a suspenso da pena de multa. Diferentemente o artigo 48 do Cdigo Penal de 1982 no restringia a suspenso da execuo das penas do crime s penas de priso. Por isso a jurisprudncia veio sempre aplicando o regime de suspenso s multas. Como a pena aplicada Recorrente se refere a factos praticados na vigncia do Cdigo Penal de 1982, de aplicar-lhe o regime do Cdigo Penal de 1982 por lhe ser mais favorvel. Acresce que se conclui que a Recorrente se encontra na situao de dificuldades econmicas que a colocam na situao de no poder efectuar o pagamento da multa. , por isso, de julgar procedente a pretenso da recorrente e nos termos do artigo 48 do Cdigo Penal de

  • 1982, suspender-lhe a execuo da pena de multa por 3 anos. Em face do exposto, acordam em conceder parcial provimento a ambos os recursos suspendendo-se a execuo das penas do arguido e da arguida pelo perodo de trs anos. Na parte restante, nega-se provimento a ambos os recursos confirmando-se a deciso recorrida. Pagar cada um dos Recorrentes 5 UCs, as custas com a procuradoria de 1/4. Lisboa, 15 de Janeiro de 1997. Augusto Alves, Leonardo Dias, Virglio Oliveira, Mariano Pereira. Deciso Impugnada: Tribunal Judicial de Oliveira de Azemis (Tribunal do Circulo) - Processo N. 33/96 - 24 de Maio de 1996.