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“Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por Alimentos e de seus Fatores de Risco: causas e consequências no municípios de Ponta Grossa – PR” por Marly Aparecida Ranthum Orientador: William Waissmann

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“Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por Alimentos e de seus Fatores de Risco: causas e consequências no municípios de Ponta

Grossa – PR”

por

Marly Aparecida Ranthum

Orientador: William Waissmann

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas colaboraram direta ou indiretamente para a concretização deste trabalho.

Meus agradecimentos com muito carinho:

Primeiramente a Deus pela minha saúde e força para continuar;

À minha família, minha mãe e meus irmãos pelo apoio em todos os momentos;

Aos meus colegas e amigos do Laboratório Geral Dr. Alfredo Berger pela compreensão e

auxílio, especialmente Farmacêuticos Bioquímicos Wilson Becher e Marcio Pelissari;

Às minhas colegas e amigas do CEFET Unidade Ponta Grossa, Prof. Giovana A.M.

Pietrowski e Denise Milleo Almeida pela colaboração;

Aos colegas e amigos da 3ª Regional de Saúde de Ponta Grossa pelos materiais fornecidos e

pelo apoio;

Aos técnicos da Vigilância Sanitária e Epidemiológica do Instituto de Saúde de Ponta Grossa,

especialmente ao Médico Veterinário Carlos Coradassi e Enfermeira Filomena, pelo material

cedido e pela gentileza no atendimento; à Maria Gomes da COVEH pelo material enviado;

À Professora Doutora Célia Da Lozzo, Coordenadora do Mestrado na Universidade Estadual

de Ponta Grossa por todo seu esforço na concretização do curso e apoio a todos os

mestrandos;

Aos colegas do Mestrado pelos bons momentos e também pelos momentos difíceis que

passamos juntos, especialmente à Andria Calderari que se tornou uma grande amiga;

Um agradecimento muito especial ao Professor Natal Jataí de Camargo, Médico Veterinário

do CSA/SESA pela gentileza em ceder os dados sobre surtos de ETAs no Paraná, um trabalho

elaborado com dificuldade mas que teve um excelente resultado e foi de grande valia para a

elaboração desta dissertação.

Meu agradecimento mais carinhoso ao Professor Doutor William Waissmann, Orientador

deste trabalho, que em todos os momentos apoiou e auxiliou da melhor maneira possível,

apesar da distância, com presteza, gentileza e competência técnica, tornando possível a

concretização de uma idéia;

A todos os amigos que colaboraram com suporte emocional nos momentos difíceis.

QUE DEUS NOS ILUMINE PARA CONTINUARMOS A JORNADA MAIS FORTES,

COM MAIS SEGURANÇA E CONHECIMENTO TÉCNICO!

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RESUMO

Atualmente no Brasil, apenas 5 a 10% dos casos de Enfermidades Transmitidas

por Alimentos (ETAs) chegam ao conhecimento e são registrados pelas autoridades sanitárias.

No município de Ponta Grossa - PR a situação segue o panorama nacional em função da

subnotificação dos casos de ETAs, ausência ou falhas na investigação dos surtos, falta de

estrutura e conhecimento específico dos técnicos da Vigilância Sanitária e Epidemiológica

para concluir a investigação dos surtos, falta de investimentos para melhorar as condições de

trabalho das Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica, sem contar o crescente aumento das

ETAs causadas por patógenos não conhecidos, problema este que ocorre também nos países

desenvolvidos. Junte-se a isso, a presença de fatores de risco que aumentam a probabilidade

de ocorrência das ETAs. Para realizar este trabalho foram coletados dados de atendimento

ambulatorial e internações em um hospital do município de Ponta Grossa, dados de

internações hospitalares registrados pelo DATASUS sobre a ocorrência de diarréias e

gastroenterites nos anos de 1999 e 2000, entrevistas com técnicos das Vigilâncias Sanitária e

Epidemiológica, do Instituto de Saúde de Ponta Grossa e da 3a. Regional de Saúde sobre as

condições de funcionamento dos estabelecimentos que servem refeições em grande

quantidade. Foram utilizadas informações fornecidas pelo Centro de Saúde Ambiental (CSA)

da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná sobre a ocorrência de surtos no Estado e no

município de Ponta Grossa. Os resultados obtidos confirmam a maioria daqueles publicados

a respeito do assunto. Nos anos de 1999 e 2000 muitos casos de diarréia e gastroenterite

ocorreram e não constam nos registros da Vigilância Epidemiológica, inclusive as ocorrências

de surtos que não foram notificados às autoridades sanitárias. Também estão presentes no

município muitos fatores de risco que propiciam a disseminação de patógenos transmitidos

pelos alimentos. A conjunção de todos estes fatores nos levou a concluir que há necessidade

de maiores investimentos financeiros e capacitação técnica dos funcionários responsáveis

pelas Vigilâncias, além do desenvolvimento de um programa de Vigilância das ETAs com

base na informação epidemiológica, similar ao programa em funcionamento nos Estados

Unidos da América, denominado “FoodNet”, programa este que, adaptado a nossa realidade,

teria reflexos importantes na investigação e controle das ETAs no Brasil.

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ABSTRACT

Currently, in Brazil, it is estimated that only about 10% of the total incidence of foodborne

diseases is reported to the health authorities. In Ponta Grossa, a medium size city in Paraná

state, the situation is not different from the national panorama. This happens in Ponta Grossa

due to the lack of cases notification, no investigation of the outbreaks or even fails when they

are investigated, weakness in the infrastructure of the Surveillance System, which has

technicians with low specific knowledge in its staff, besides it has not received investment to

improve the work conditions. There are also other factors like the increasing of the food-borne

diseases caused by unknown pathogens and the risk factors that enlarge the probability of

outbreaks occurrence. This work is based on data collected from ambulatory attendance and

internments in a hospital in Ponta Grossa, data from hospital internments recorded by

DATASUS about the occurrence of diarrhea and gastroenteritis in 1999 and 2000. Data

gathered from interviews with Vigilância Sanitária e Epidemológica do Instituto de Saúde de

Ponta Grossa and with 3º Regional de Saúde, about the working conditions in the companies

that serve great amount of meals. This work is also based on data provided by Centro de

Saúde Ambiental (CSA) of Secretaria de Estado da Saúde do Paraná about the outbreak

occurrence in Paraná State and in Ponta Grossa. The data collected reaffirm what has been

published about this subject. During the years of 1999 and 2000 occurred a great number of

cases of diarrhea and gastroenteritis and they were not recorded in the Surveillance Systems,

as well as outbreaks occurrence that were not related to the health authorities. There is also in

the city the presence of many risk factors that allow the pathogens dissemination transmitted

by food. The conjunction of all these factors leaded us to the conclusion that is necessary

greater financial investments and technical qualification of the workers responsible for the

Surveillance, and it is also necessary the development of a food-borne diseases monitoring

program based on the epidemiology information. This program could be similar to the

“Foodnet”, which was adopted by United States of America.

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SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................3

ABSTRACT ..............................................................................................................................4

LISTA DE TABELAS..............................................................................................................7

LISTA DE FIGURAS...............................................................................................................9

1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA...........................................................................10

2. HIPÓTESE, OBJETIVOS E METODOLOGIA: ...........................................................17 2.1. HIPÓTESE ....................................................................................................................17 2.2. OBJETIVOS..................................................................................................................17

2.2.1.GERAL.....................................................................................................................17 2.2.2.ESPECÍFICOS ........................................................................................................17

2.3. METODOLOGIA..........................................................................................................18 3.1. DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS...................................................................................20 3.2. AGENTE INFECCIOSO...............................................................................................20 3.3. INFECÇÃO ...................................................................................................................20 3.4. CONTAMINAÇÃO ......................................................................................................20 3.5. SURTO OU SURTO EPIDÊMICO ..............................................................................20 3.6. DIARRÉIA ....................................................................................................................21 3.7. ENTEROCOLITES AGUDAS .....................................................................................22 3.8. ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (ETAS) ..........................23 3.9. SURTO DE ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS ....................24 3.10. RISCO .........................................................................................................................24 3.11. INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA..............................................................................24

4. RESUMO HISTÓRICO: AS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS .....................................26 4.1. NA ANTIGÜIDADE.....................................................................................................26 4.2. A IDADE MÉDIA.........................................................................................................29 4.3. RENASCIMENTO........................................................................................................30 4.4. O SÉCULO XVIII .........................................................................................................33 4.5. O SÉCULO XIX............................................................................................................35 4.6. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS DTAS / ETAS.................................43

5. PANORAMA MUNDIAL DAS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (DTAS) OU ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (ETAS) ...........46

5.1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................46 5.2. ESTIMATIVA MUNDIAL DAS DTAS / ETAS ..........................................................47 5.3. SITUAÇÃO ATUAL DAS DTAS / ETAS NO CONTINENTE EUROPEU................50 5.4. SITUAÇÃO NO CONTINENTE AFRICANO ............................................................53 5.5. CONTINENTE ASIÁTICO ..........................................................................................54 5.6. OCEANIA .....................................................................................................................57 5.7. AMÉRICA DO NORTE................................................................................................57 5.8. AMÉRICA CENTRAL E AMÉRICA DO SUL ...........................................................61

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6. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................65 6.1. UM SURTO DE ENFERMIDADE TRANSMITIDA POR ALIMENTOS (ETA) OCORRIDO NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA.......................................................65 6.2. SITUAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRODUTORES DE ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR. ............................................................................72 6.3. NÚMERO DE ATENDIMENTOS AMBULATORIAS, INTERNAÇÕES E SURTOS DE ETAS NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR. .....................................................80 6.4. AGENTES ETIOLÓGICOS CAUSADORES DE ETAS PRESENTES NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR. ............................................................................82 6.5. INFORMAÇÕES SOBRE SURTOS DE ETAS NO ESTADO DO PARANÁ E NO BRASIL:...............................................................................................................................84 6.6. O CUSTO DAS ETAS: .................................................................................................93

7. CONCLUSÃO.....................................................................................................................95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................97

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LISTA DE TABELAS TABELA 1: NÚMERO DE SURTOS DE DTAS / ETAS OCORRIDOS EM ALGUNS PAÍSES EUROPEUS

NO PERÍODO DE 1990 A 1997. ............................................................................................50 TABELA 2: PORCENTAGEM DE AGENTES ETIOLÓGICOS DE ORIGEM BACTERIANA,

IDENTIFICADOS, ENVOLVIDOS EM SURTOS DE DTAS / ETAS EM PAÍSES EUROPEUS, NO PERÍODO DE 1990 – 1993...................................................................................................51

TABELA 3: OCORRÊNCIA DE ALGUMAS DTAS / ETAS NO CONTINENTE AFRICANO, DE ACORDO COM CLASSIFICAÇÃO DA ESTIMATIVA DA OCORRÊNCIA DE DTAS, DE ORIGEM BACTERIANA...........................................................................................................................................54

TABELA 4: SURTOS DE DTAS / ETAS, SEGUNDO AGENTE ETIOLÓGICO, NO JAPÃO E REPÚBLICA DA CORÉIA, NO PERÍODO DE 1971 A 1990.......................................................55

TABELA 5: SURTOS DE DTAS / ETAS, SEGUNDO LOCAL DE OCORRÊNCIA, NO JAPÃO E REPÚBLICA DA CORÉIA, NO PERÍODO DE 1971 A 1990.......................................................55

TABELA 6: SURTOS DE DTAS / ETAS, SEGUNDO ALIMENTOS ENVOLVIDOS, NO JAPÃO E REPÚBLICA DA CORÉIA, NO PERÍODO DE 1971 A 1990.......................................................56

TABELA 7: SURTOS DE DTAS / ETAS OCORRIDOS NA AUSTRÁLIA, NO PERÍODO DE 1980-1995, SEGUNDO AGENTE ETIOLÓGICO DE ORIGEM BACTERIANA ..................................................57

TABELA 8: DTAS / ETAS RELATADAS E ESTIMADAS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, CAUSADAS POR PATÓGENOS CONHECIDOS, DE ORIGEM BACTERIANA, A PARTIR DE 1996. .60

TABELA 9: NÚMERO DE SURTOS, DE CASOS E OUTRAS INFORMAÇÕES RELATIVAS A DTAS / ETAS EM 8 PAÍSES DA AMÉRICA CENTRAL E AMÉRICA DO SUL. .......................................63

TABELA 10: NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS QUE MANIPULAM ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA, EM 2002..................................................................................................72

TABELA 11 - MORBIDADE HOSPITALAR DO SUS – INTERNAÇÕES POR FAIXA ETÁRIA, SEGUNDO LISTA MORBIDADE CID-10 (ALGUMAS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS) NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA – PR EM 1999. .............................................................81

TABELA 12: MORBIDADE HOSPITALAR DO SUS – INTERNAÇÕES POR FAIXA ETÁRIA, SEGUNDO LISTA MORBIDADE CID-10 (ALGUMAS DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS) NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA – PR, EM 2000. .................................................................81

TABELA 13: RESULTADO DA PESQUISA DE SALMONELLA SP. EM CARCAÇAS DE FRANGOS E PERUS ORIUNDAS DE ABATEDOURO DA REGIÃO DE PONTA GROSSA-PR, REALIZADAS NO PERÍODO DE MAIO DE 2000 A MAIO DE 2001: .....................................................................83

TABELA 14: DISTRIBUIÇÃO DE OCORRÊNCIA DE SURTOS POR ETAS NOTIFICADOS E NÚMERO DE DOENTES ACOMETIDAS POR REGIÃO. BRASIL, 1999 E 2000 .........................................86

TABELA 15: NÚMERO DE PESSOAS (NÚMEROS MÉDIOS) ENVOLVIDAS EM SURTOS DE ETAS NOTIFICADOS NO ESTADO DO PARANÁ ENTRE 1978 - 2000 ...............................................87

TABELA 16: RELAÇÃO ENTRE AGENTES ETIOLÓGICOS E GRUPOS DE ALIMENTOS INCRIMINADOS EM 1.126 SURTOS DE ETAS NOTIFICADOS, NO ESTADO DO PARANÁ ENTRE 1978 – 1999. .....................................................................................................................88

TABELA 17: ALIMENTOS INCRIMINADOS EM SURTOS NOTIFICADOS DE ETA, BRASIL, 1999-2000 ..................................................................................................................................89

TABELA 18: AGENTES ETIOLÓGICOS INCRIMINADOS EM SURTOS DE ETA, BRASIL, 1999-2000..........................................................................................................................................89

TABELA 19: LOCAIS DE OCORRÊNCIA DE SURTOS DE ETAS NOTIFICADOS NO ESTADO DO PARANÁ ENTRE 1978 – 2000. ...........................................................................................90

TABELA 20: DISTRIBUIÇÃO DE SURTOS DE ETAS POR LOCAL DE OCORRÊNCIA, BRASIL 1999-2000 ..................................................................................................................................91

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TABELA 21: FATORES CONTRIBUINTES ASSOCIADOS PARA A OCORRÊNCIA DE SURTOS DE ETAS NOTIFICADOS NO PARANÁ ENTRE 1978 – 2000..................................................................92

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: INTER-RELAÇÃO DE FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A

INEFICÁCIA DO CONTROLE DAS ETAS. .................................................................49

FIGURA 2: ESQUEMA PARA INVESTIGAÇÃO DE SURTOS DE ETA NO BRASIL.....71

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INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 1.

Os alimentos são essenciais à vida. Eles têm o objetivo de fornecer ao organismo

combustível, através da oxidação lenta, e material de construção e reparo dos tecidos, além de

regular as funções orgânicas. Convém distinguir alimentação e nutrição. A alimentação é o

fornecimento ao organismo de todas as substâncias necessárias para seu crescimento,

manutenção e reprodução. A nutrição ocorre na intimidade do organismo, constituindo-se na

transformação, assimilação, aproveitamento ou rejeição dos alimentos ingeridos (Riedel,

1992).

Desde 1900, nosso entendimento acerca da importância dos microrganismos em

alimentos tem aumentado muito, tanto no aspecto desejável, ou seja, nos processos de

produção, como no aspecto indesejável, quer seja, na deterioração e na produção de doenças

(Ray, 1996).

No mundo contemporâneo, as doenças transmitidas por alimentos constituem um

dos problemas sanitários mais amplamente difundidos no planeta, apesar de todo o

conhecimento científico de nossos dias. Os estudos existentes parecem comprovar que os

contaminantes biológicos são, na atualidade, a principal causa dessas doenças (Adam & Moss,

1997)

Durante a produção, processamento, embalagem, transporte, preparação,

conservação e consumo, qualquer alimento pode ser exposto à contaminação por substâncias

tóxicas ou por microrganismos infecciosos e/ou toxigênicos. Falhas no processamento e/ou

conservação podem permitir a sobrevivência e proliferação de microrganismos patogênicos e

seus produtos tóxicos. O consumo de tais alimentos pode causar doenças, conhecidas, através

do termo geral: “Doença transmitida por alimento” (DTA) ou “Enfermidade transmitida por

alimento” (ETA) , que podem resultar em morte, incapacidade de retorno ao trabalho ou para

cuidar da casa e da família. Durante a recuperação, as atividades do indivíduo afetado podem

estar muito limitadas. Portadores assintomáticos podem, ainda, inadvertidamente, contaminar

os alimentos ou outras pessoas. Adicionalmente, somente há pouco tempo foi reconhecido

que algumas doenças diarréicas podem causar seqüelas aparentemente não relacionadas a

elas, como artrite, problemas cardíacos, alergias alimentares e outros. Segundo a Organização

Mundial da Saúde (OMS), 1984, episódios reiterados de ETAs podem iniciar ou intensificar a

desnutrição (Giova, 1997).

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Convém salientar que os alimentos de origem animal estão mais associados às

ETAs do que alimentos de origem vegetal e que um número cada vez maior de tecnologias

efetivas vêm sendo desenvolvidas com a finalidade de garantir a segurança alimentar para os

consumidores (Ray, 1996).

Grandes perdas econômicas relativas aos alimentos ocorrem por deterioração

ocasionada pelo desenvolvimento microbiano no tempo decorrido entre a colheita ou captura

até o consumo, bem como, pelos gastos com as ETAs. O custo real da deterioração é de difícil

quantificação, mas é considerável e de modos diversos adicionado ao custo do produto final.

O custo real dos gastos com ETAs também raramente é quantificado em razão da

subnotificação e da não notificação dos casos, exceto na ocorrência de surtos extensos e/ou

graves, quando as circunstâncias e conseqüências são amplamente estudadas (Giova, 1997).

Somente nos últimos anos têm sido feitas sérias tentativas para determinar com

alguma exatidão o custo real das ETAs. Muitas publicações concordam que tais custos são

muito altos, traduzidos em centenas de libras (na Inglaterra), quando não há necessidade de

internação hospitalar e, até milhares de libras, quando há necessidade de atendimento

hospitalar, sobretudo em caso de recuperação prolongada. As conseqüências econômicas para

a empresa ou estabelecimento envolvidos em surtos de ETAs, são, via de regra, catastróficas

(Giova, 1997).

Do ponto de vista da Saúde Pública, a população deve ter ao seu alcance

alimentos de boa qualidade, dentro dos padrões normalizados, não apenas em valores

nutricionais, mas, também, em boas condições higiênico-sanitárias, livres de agentes

microbianos ou químicos nocivos que possam, de alguma forma, afetar a saúde do

consumidor (Correia & Roncada, 1997).

Inúmeras publicações científicas, nestes últimos anos, têm relatado o aumento dos

casos de enfermidades transmitidas por alimentos em nível mundial, resultando em altos

índices de morbidade, aumento da mortalidade e perdas econômicas consideráveis (CDC,

2000).

Uma combinação de fatores, tais como: mudanças na produção, distribuição e

consumo de alimentos, aliadas a alterações no estilo de vida dos consumidores (como o

aumento, por exemplo, da utilização de restaurantes e produtos industrializados prontos para o

consumo), afetaram o modo de preparo e armazenamento dos alimentos, determinando, por

sua vez, infecções por inúmeros agentes patogênicos (Nervino & Hirooca, 1997).

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Esses patógenos apresentam características em comum, pois praticamente todos

têm como reservatório algumas espécies de animais de produção (bovinos, suínos e aves, por

exemplo) inclusive animais sadios, possibilitando a transmissão de doenças através dos

produtos de origem animal contaminados (Tauxe,1997).

Esses agentes podem se espalhar rapidamente pelo planeta. Por exemplo, Yersínia

enterocolítica apareceu, simultaneamente, em muitos lugares do mundo na década de 1970;

Salmonella sorotipo enteritidis apareceu na década de 1980 em vários lugares do mundo,

inclusive nos Estados Unidos da América, e Salmonella tiphimurinum DT 104 está

aparecendo na América do Norte, Europa e provavelmente em muitos outros lugares (Tauxe,

1997).

Fatores como a explosão demográfica ocorrida no século XX, as precárias

condições higiênico-sanitárias, que prevalecem ainda em muitos locais, o uso indiscriminado

de agrotóxicos nas plantações [que continua sendo a principal estratégia no campo para o

combate e prevenção de pragas agrícolas, sendo que o Brasil aparece como quarto mercado

mundial em valores absolutos e o oitavo no mundo em uso por área cultivada (Caldas e

Souza, 2000)]: de antibióticos e hormônios em animais e aditivos em alimentos

industrializados agravam o quadro de morbi-mortalidade por doenças de veiculação alimentar

que se encontram amplamente distribuídas por todo o planeta (Nervino & Hirooca, 1997).

A produção e distribuição de alimentos pelas empresas multinacionais e a

progressiva abertura do mercado têm permitido a prosperidade do comércio internacional de

produtos alimentícios. Em 1994, essas indústrias movimentaram cerca de 26 bilhões de

dólares, em média, 300% acima do que movimentavam há vinte anos. E o negócio continua

crescendo rapidamente. A globalização no comércio de alimentos, como já mencionado,

embora possa oferecer muitos benefícios e oportunidades, também apresenta novos riscos

para a transmissão de doenças de veiculação alimentar (Kaferstein et al., 1999).

Dados coletados pelos serviços de vigilância epidemiológica em alguns países

industrializados também confirmam que as ETAs constituem um dos problemas de saúde de

maior incidência e vem crescendo ano a ano nas últimas três décadas. Parte desse aumento

pode ser atribuído à melhoria no sistema de coleta de informações e no diagnóstico das ETAs,

aumento da publicidade sobre o cuidado com os alimentos e preocupação com a segurança

alimentar da população em geral. Entretanto, o aumento não pode ser explicado apenas pela

melhoria no sistema de vigilância nos países desenvolvidos. O crescimento na incidência das

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ETAs tem sido observado em diferentes países, inclusive naqueles onde o sistema de

vigilância ainda é incipiente (Kaferstein et al., 1999).

Nos EUA, o CDC, no seu relatório preliminar sobre incidência de surtos de ETA

no ano de 2000, apontou que 76 milhões de pessoas contraem a doença, definindo surto de

origem alimentar como “ocorrência de dois ou mais casos da doença associados a um único

alimento”. Também foi relatado que a cada ano, ocorrem 325 mil hospitalizações, 5.200

óbitos por doenças de origem alimentar com custos estimados em mais de um bilhão de

dólares (CDC, 2000).

Entre 1983 e 1987, nos Estados Unidos da América (EUA), o agente etiológico

causador de surtos não era identificado em 62% dos casos; entre 1988 e 1992, os agentes

permaneciam desconhecidos em 59% das investigações. Quando o agente era identificado, as

bactérias patogênicas eram responsáveis por 79% dos surtos, sendo que, as Salmonellas

causaram 69% dos surtos de origem bacteriana. Os fatores mais comumente relacionados a

esses surtos foram: temperatura de conservação, cozimentos inadequados e a falta de higiene

dos manipuladores no preparo dos alimentos. Em 1.996, o sistema de vigilância sobre doenças

veiculadas por alimentos e água incorporou, ao relatório anual do CDC, todos os surtos de

doenças entéricas atribuídas a microrganismos e produtos químicos, sistema esse que

melhorou o nível de conhecimento sobre os métodos de prevenção das ETAs (Collins, 1999).

Mesmo assim, e apesar de existirem ativos sistemas de vigilância epidemiológica

nos países tidos como desenvolvidos, reconhece-se que os dados não retratam a totalidade dos

surtos ocorridos. No Brasil, onde tal sistema é incipiente, os relatos são muito escassos

(Jakabi & Buzzo, 1999).

A estimativa anual de casos sobre gastroenterite na América Latina, África e Ásia,

com exceção da China, é de um bilhão de eventos em crianças com idades inferiores a 5 anos,

resultando em mais de 5 milhões de mortes, sendo a maioria causada pelo consumo de

alimentos contaminados (Nervino & Hirooca, 1997).

Segundo Davi Heymann (citado por Paneta, 2001), diretor para doenças

transmissíveis da Organização Mundial de Saúde, seis doenças infecciosas fazem 13 milhões

de vítimas a cada ano em todo o mundo, contribuindo com cerca de 25% dos óbitos do

planeta: AIDS, malária, tuberculose, pneumonia, sarampo e diarréia. As causas dessa

situação, ainda de acordo com Heymann, residem na globalização, uma vez que as doenças

viajam rapidamente com os passageiros, alimentos e animais e, também, no fato de que as

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drogas utilizadas para combater essas doenças têm uma distribuição ainda muito precária nos

países em desenvolvimento.

Relatório apresentado pelo LACEN-PR, no ano de 1995, mostra que, no período

entre 1988 e 1992, ocorreram 5.218 óbitos por doenças infecciosas intestinais, equivalentes a

uma média de 1.044 óbitos por ano no Estado do Paraná. Apesar desse percentual estar aquém

da realidade, acredita-se que muitos desses óbitos possam estar relacionados a alimentos

contaminados (Motarjemi et al., 1994).

Ainda, segundo esse relatório, as internações hospitalares por ETAs, no período

de 1990 a 1994, representaram uma média de 4,3% do total no Estado do Paraná; somente no

ano de 1994 foram 1.846 internações por ETAs. Neste caso, também acredita-se que os dados

apresentados não refletem a verdadeira extensão do problema, uma vez que, na maioria das

vezes, do diagnóstico constam, apenas, expressões como: “Infecções intestinais mal

definidas” (LACEN, 1994).

A Conferência Pan-Americana da Saúde, autoridade máxima da Organização Pan-

Americana da Saúde (OPAS), determina a direção a ser seguida na área da Saúde. Segundo

suas orientações estratégicas e programáticas para a Repartição Sanitária Pan-Americana

1999-2002, apesar dos progressos alcançados, as doenças diarréicas, as infecções respiratórias

agudas e a desnutrição continuam sendo as principais causas de morte na população menor de

5 anos, na maioria dos países com renda média e baixa da América Latina. Algumas doenças

de veiculação alimentar, embora sejam conhecidas, são consideradas emergentes porque estão

ocorrendo com maior freqüência, tendo ocasionado surtos epidêmicos em muitos países nos

últimos 10 anos. Bactérias do gênero Salmonella continuam sendo uma das principais causas

de surtos, sobretudo nos países de renda mais baixa, não podendo ser esquecida a epidemia

de cólera que provocou mais de 1,3 milhões de casos, dos quais 11.500 foram fatais.

Apareceram novas doenças transmissíveis e reapareceram outras julgadas bem controladas,

enquanto aumentava a resistência de certos microrganismos infecciosos aos antibióticos

(OPAS, 1998).

Para interromper a cadeia de transmissão das doenças de veiculação alimentar, as

ações da Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária são de fundamental importância

sendo que, deve haver um eficiente sistema de vigilância sanitária e inspeção animal e

fitossanitária realizadas pelos Órgãos competentes (Ministérios e Secretarias Estaduais e

Municipais de Saúde e Agricultura e Abastecimento), de modo a reduzirem-se os riscos e

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fazendo com que se implemente um sistema de notificação eficaz, com capacidade para

informar com rapidez os casos de doença (Jakabi & Buzzo, 1999).

Trabalhos publicados em revistas especializadas têm apontado três fatores

importantes no controle de surtos epidêmicos de ETAs: um sistema adequado de notificação,

a análise das ETAs e a existência de laboratório de referência identificando o(s) agente(s)

patogênico(s) causador(es) do surto. A estimativa de casos não notificados no Brasil situa-se,

em torno de 90 a 95%, o que impossibilita o desenvolvimento de adequadas medidas

profiláticas direcionadas ao controle desse quadro de morbi-mortalidade por ETA (Jakabi &

Buzzo, 1999).

No Estado do Paraná, foi implantado, no ano de 2000, o programa

“Monitorização das diarréias agudas” (MDDA), com o objetivo de rastrear possíveis surtos de

cólera em virtude daquele ocorrido no município de Paranaguá, no ano de 1996. Dentro deste

plano, todos os hospitais e Unidades de Saúde do município de Ponta Grossa deveriam

notificar à Vigilância Epidemiológica local os casos de diarréia atendidos, mas somente um

hospital, algumas unidades de saúde e o Pronto Socorro Municipal repassam mensalmente as

informações. Entretanto, tal informação não parece estar sendo atualmente aplicada em

programas específicos. Por exemplo, o programa poderia ser eficaz se fossem utilizados e

inter-relacionados, para identificação de possíveis surtos de ETAs, dados confiáveis gerados

pelas equipes médicas hospitalares, do órgão regional de proteção ambiental e do Serviço de

Inspeção do Paraná (SIP), educação populacional e as ações das vigilâncias sanitária e

epidemiológica.

Como visto, podemos observar que está havendo uma preocupação, em nível

mundial, por parte das autoridades sanitárias, em relação às enfermidades de veiculação

alimentar, ocasionado pelo aumento do número de casos diagnosticados em todo o planeta.

Porém, a presença dos riscos, a ineficácia dos sistemas de vigilância sanitária e

epidemiológica e a subnotificação são fatores que contribuem para a ausência de controle das

ETAs.

Possivelmente presentes em todo o território nacional, esses fatores são os

determinantes da relevância desse trabalho que pretende demonstrar sua presença e

conseqüências potenciais, no município de Ponta Grossa, Paraná. Associadamente, pretende-

se, também, fornecer subsídios ao serviço municipal de Vigilância Epidemiológica, visando

otimizar o mapeamento das ETAs em Ponta Grossa, objetivando o adequado controle de

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surtos, bem como ao serviço de Vigilância Sanitária, na identificação dos riscos existentes no

município para a ocorrência de ETAs.

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2. HIPÓTESE, OBJETIVOS E METODOLOGIA:

2.1. HIPÓTESE

A incidência de casos de enfermidades transmitidas por alimentos no município de

Ponta Grossa é maior do que aquela registrada nos órgãos oficiais, devido à conjunção entre a

existência de fatores de risco, a eficácia limitada dos serviços de vigilância sanitária e

epidemiológica e a subnotificação dos casos.

2.2. OBJETIVOS

2.2.1.GERAL

Caracterizar a existência de fatores de risco para enfermidades transmitidas por

alimentos, a eficácia limitada dos serviços de Vigilância Sanitária e Epidemiológica nas ações

vinculadas a estas doenças e a subnotificação de casos, no período 1999-2000, no município

de Ponta Grossa - PR.

2.2.2.ESPECÍFICOS

a- Realizar análise crítica da investigação de um surto de ETA ocorrido entre

funcionários de uma indústria madeireira, cujas refeições são preparadas por uma empresa

terceirizada.

b- Tipificar alguns dos agentes etiológicos, número de surtos e indivíduos expostos

e acometidos, além dos locais envolvidos em surtos de ETA no município de Ponta Grossa,

no período 1999-2000, utilizando os dados fornecidos pela SESA/ISEP e comparar estes

dados com os do Estado do Paraná e do Brasil.

c- Comparar o número de atendimentos de emergência de ETAs no Hospital da

Santa Casa de Misericórdia do Município de Ponta Grossa - PR , e aqueles registrados como

tal na Vigilância Epidemiológica da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, nos anos de 1999

– 2000.

d – Comparar o número de atendimentos relativos às internações hospitalares por

ETAs no Município de Ponta Grossa, Paraná, registrados no SUS, com aqueles relativos ao

número de casos registrados no Serviço de Vigilância Epidemiológica do mesmo município.

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2.3. METODOLOGIA

O início do trabalho foi a análise crítica de um surto de ETA ocorrido na data de

02/10/2001, entre os funcionários de uma indústria madeireira, que receberam refeições

servidas por uma empresa terceirizada. Nessa ocasião pudemos acompanhar a investigação do

surto realizado pelo serviço municipal de Vigilância Epidemiológica e Sanitária de Ponta

Grossa, através da técnica de observação participante. Também foi realizada entrevista do tipo

focalizada com técnicos das Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica do município de Ponta

Grossa com intuito de verificar as condições e elaboração de registros relativos à

investigação, e medidas tomadas com relação à empresa que forneceu as refeições. Foi

verificado também se a equipe definiu o (s) alimento (s) suspeito (s) e o agente patogênico

que causou a doença.

NOTA: Algumas das observações e críticas constantes nesta dissertação vêm da experiência

que tivemos ao longo de dez anos de trabalho na Vigilância Sanitária da 3a. Regional de

Saúde de Ponta Grossa – PR.

O objetivo desta análise foi avaliar em um caso específico, a possível existência

do risco de ETA, a limitação dos sistemas de Vigilância Sanitária e Epidemiológica do

município de Ponta Grossa na investigação de surtos, inclusive quanto à subnotificação de

casos de ETA na região.

A tipificação dos agentes etiológicos, o número de surtos e indivíduos expostos e

acometidos envolvidos nos episódios de ETAs no município de Ponta Grossa, foram

estudados a partir da análise dos dados disponíveis, correspondentes aos anos de 1999 e 2000,

no Centro de Saúde Ambiental, do Instituto de Saúde do Paraná, da Secretaria de Saúde do

Estado do Paraná.

Para cumprir os objetivos de comparar os casos registrados como ETA na Santa

Casa e os registros destes na VIEPI, assim como aqueles do SUS com os registros da VIEPI,

foi realizada análise documental e, apenas, o demonstrativo, quando foi o caso, de diferenças

quantitativas existentes de modo absoluto e percentual. Tendo em vista o objeto do estudo,

não coube a avaliação de significância estatística nestas diferenças já que qualquer dado

diferente da igualdade entre os registros permitiria a obtenção dos objetivos expressos. A

técnica empregada para a coleta dos dados foi análise documental dos arquivos da Santa Casa,

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19

dos dados de morbidade hospitalar do SUS, registrados no DATASUS para os anos de 1999 e

2000 e aqueles da VIEPI.

Finalmente através de entrevista focalizada com os técnicos e análise das fichas

de inspeção do Serviço Municipal de Vigilância Sanitária verificamos a qualidade dos

estabelecimentos que manipulam alimentos no município de Ponta Grossa, em termos de

condições de higiene, conservação dos alimentos, manutenção dos alimentos em temperatura

correta, situação da área física dos estabelecimentos, utilização de metodologias para garantia

da segurança alimentar (como implementação do sistema HACCP) e outros constantes da

legislação vigente, estabelecendo assim possíveis riscos para a ocorrência de surtos de ETAs.

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3. CONCEITOS APLICÁVEIS À DISSERTAÇÃO

Para efeito desse trabalho, foram considerados os seguintes conceitos:

3.1. DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS São as doenças causadas por agentes específicos (ou seus produtos metabólicos),

que resultam da transferência do agente (ou de seus produtos), de forma direta ou indireta, de

um reservatório para um hospedeiro suscetível. As doenças transmissíveis correspondem às

denominadas doenças infecciosas e parasitárias. Embora na literatura médica inglesa se utilize

a expressão doença infecciosa para aquelas causadas por microrganismos (vírus, bactérias,

fungos e protozoários) e helmintos, alguns autores, no Brasil, limitam-na às doenças causadas

por microrganismos (vírus, bactérias, fungos), atribuindo o nome de doença parasitária

exclusivamente àquelas causadas por protozoários e helmintos (Baldy, 1991).

3.2. AGENTE INFECCIOSO Denomina-se Agente Infeccioso todo organismo, microscópico ou identificável a

vista desarmada, capaz de causar uma infecção (Baldy, 1991).

3.3. INFECÇÃO Dá-se o nome de Infecção à penetração e/ou desenvolvimento dos agentes

infecciosos no organismo dos hospedeiros. Nas infecções veiculadas pelas fezes, usualmente

em água ou alimentos contaminados, diz-se que a transmissão ocorre pela via fecal-oral

(Baldy, 1991).

3.4. CONTAMINAÇÃO Contaminação é o termo empregado para indicar a presença de microrganismos

ou de seus produtos tóxicos na água, em alimentos, no solo, em objetos ou, transitoriamente,

na superfície do corpo (mãos, cabelos, etc.), sem a ocorrência de colonização ou infecção.

Roupas e objetos de uso pessoal de doentes, freqüentemente contaminados, recebem o nome

de fômites (Baldy, 1991).

3.5. SURTO OU SURTO EPIDÊMICO Surto é a denominação usual para a epidemia que se limita a um número

relativamente pequeno de casos e que se encontra restrita ao espaço, em maior ou menor grau.

Os surtos estão geralmente circunscritos a bairros, escolas, hospitais, quartéis ou restaurantes.

Epidemia é a denominação da ocorrência de uma doença em grande número de pessoas ao

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mesmo tempo. Em sentido restrito, pode ser considerada uma alteração espacial e

cronologicamente delimitada, ao estado de saúde-doença de uma população, caracterizada por

uma elevação progressivamente crescente, inesperada e descontrolada dos coeficientes de

incidência de determinada doença, ultrapassando e reiterando valores acima do limiar

epidêmico preestabelecido (Baldy, 1991; Rouquayrol, 1993).

3.6. DIARRÉIA Como sinal clínico, a diarréia pode ser descrita, de modo simplista, como

aumento na freqüência, fluidez ou volume das evacuações intestinais, freqüentemente

acompanhada por sintomas como dor abdominal de grau variado e a sintomatologia retal que

se traduz pelo tenesmo. Limitando o fenômeno diarréico somente às modificações de

consistência, volume e fluidez, deve ser obrigatoriamente relacionado ao número de

evacuações diárias que varia de indivíduo para indivíduo. Tanto na criança quanto no

indivíduo adulto, o hábito regular pode ser diário, como pode se dar de duas a três vezes ao

dia, ou fazer-se em dias alternados. Desde que o padrão individual seja modificado, sobretudo

em função das três variáveis mencionadas (aumento do número de evacuações, fluidez ou

volume), caracteriza-se, então, a diarréia (Dani & Castro, 1981).

Waldman et al (1997) definiram caso de diarréia como “a ocorrência de três ou

mais evacuações líquidas em 24 horas, com ou sem sangue, pus ou muco. O reaparecimento

dos sintomas após sete dias ou mais, foi considerado como novo episódio” (Waldman et al,

1997).

No estudo das diarréias é importante a verificação do modo de início, que pode

ser súbito ou insidioso; as diarréias agudas, em geral, começam abruptamente, são

autolimitadas, com duração inferior a duas semanas e são causadas, geralmente, por bactérias,

protozoários ou helmintos (Borba Jr. et a.l., 1983).

Arbitrariamente se define diarréia aguda, aquela que tem menos de 15 dias de

duração. Em geral seu início é súbito e explosivo, ao contrário das diarréias crônicas que

surgem de forma insidiosa (Borba Jr. et al., 1983).

Caso decorram de uma forma inicial aguda, as diarréias crônicas podem ser

definidas como aquelas que ultrapassarem a um período de 15 dias. Tal quadro representaria

cronicidade em função do avanço da enfermidade além do tempo previsto. No entanto, esse

conceito de diarréia crônica geralmente não é válido porque variantes podem ser admitidas,

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principalmente em crianças, como: erro inato (intolerâncias primárias a mono e dissacarídeos,

ou microbiota anômala), falta de aleitamento materno ou convivência em ambientes altamente

contaminados, fatores estes que podem determinar diarréias persistentes a partir do primeiro

dia de vida. Imunodeficiências primárias ou secundárias podem também propiciar surtos

isolados de diarréias recidivantes, conforme as oscilações que ocorram no sistema

imunológico (Dani & Castro, 1981).

Há ocorrência de febre nas diarréias causadas por agentes infecciosos que atuam

por invasão da mucosa ou produção de toxinas (Borba Jr. et al., 1983).

O aspecto das fezes oferece importantes informações. Líquidas e volumosas,

caracterizam as diarréias toxigênicas; contendo muco, pus e sangue, configuram disenteria e

rotulam as diarréias infecciosas invasivas, geralmente acompanhadas por destruição de

tecidos, como acontece nas doenças inflamatórias intestinais (Borba Jr. et al., 1983).

As bactérias enteropatogênicas produzem diarréia pela sua capacidade de invadir

a mucosa intestinal ou de produzir enterotoxinas, ou ambas (Sleisenger & Fordtran, 1981).

3.7. ENTEROCOLITES AGUDAS As enterocolites agudas de origem bacteriana e virótica são doenças inflamatórias

dos intestinos que se manifestam clinicamente como uma diarréia aguda e são, em cerca de

80% dos casos, autolimitadas. Enquanto nos países desenvolvidos os vírus são responsáveis

pela maior taxa de diarréia infecciosa, nos países pobres, as bactérias patogênicas têm sido

identificadas em 40 a 50% dos processos diarréicos agudos e as viroses têm uma incidência

entre 10 a 20%. Dentre as bactérias comprovadamente enteropatogênicas, as mais importantes

em relação à incidência, são: Escherichia coli, Shigella, Salmonmella e Vibrio cholerae.

Também são consideradas importantes: Campylobacter jejuni, Yersínia enterocolítica e

Bacillus cereus. O Staphylococcus aureus pode causar diarréia aguda, através da ação de sua

toxina (Dani & Castro, 1981).

Existem pelo menos dois mecanismos bem estabelecidos, pelos quais diferentes

bactérias podem causar diarréia:

SECREÇÃO INTESTINAL: Mecanismo pelo qual são responsáveis as

toxinas termolábeis produzidas por algumas linhagens de Escherichia coli e

Vibrio cholerae. Neste caso há uma intensa secreção de água e eletrólitos na

luz intestinal. Nas diarréias toxigênicas não há substrato anatomo-patológico,

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isto é, a mucosa intestinal permanece íntegra, havendo uma aderência da

bactéria às microvilosidades do intestino delgado, fator necessário para a

elaboração das enterotoxinas (Dani & Castro, 1981).

INVASÃO DA MUCOSA: A exemplo da Shigella, algumas linhagens podem

invadir a mucosa colônica, formando ulcerações e conseqüente processo

inflamatório. Nestes casos, o quadro disentérico é o mais típico (Dani &

Castro, 1981).

3.8. ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (ETAs) Em 1980, Bryan utilizou o termo Doenças de origem alimentar (“foodborne

diseases”) para designar as síndromes causadas pela ingestão de alimentos onde estariam

presentes agentes tóxicos ou infecciosos, ou seja, as intoxicações ou infecções,

respectivamente. O mesmo autor cita que as intoxicações seriam causadas pela ingestão de

qualquer substância tóxica, encontrada em tecido animal ou vegetal ou toxinas elaboradas por

microrganismos. As infecções seriam de origem bacteriana e esses microrganismos

alcançariam o trato intestinal elaborando enterotoxinas, produzindo as toxinfecções. As

infecções também seriam causadas por microrganismos que invadem a mucosa intestinal,

onde se multiplicam podendo atingir outros órgãos (Gonçalves, 1998).

Satin, em 1999, utiliza a designação toxinfecção alimentar, como um termo

geral, aplicado a todas as gastroenterites de origem alimentar e refere-se à irritação e

inflamação do trato digestivo. A gastroenterite é resultado da ingestão de alimentos que

contêm cargas virulentas de microrganismos patogênicos ou de suas toxinas (Schuller, 2000).

A RDC 12 de 02 de janeiro de 2001, Resolução da Diretoria Colegiada da

Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que estabelece os padrões

microbiológicos sanitários para alimentos destinados ao consumo humano, define Doença

Transmitida por Alimento, como sendo, aquela “causada pela ingestão de um alimento

contaminado por um agente infeccioso específico, ou pela toxina por ele produzida, por meio

da transmissão desse agente ou de seu produto tóxico” (ANVISA, 2001)

Franco & Landgraf (1996), definem duas grandes categorias de doenças de

origem alimentar, causadas por microrganismos: As intoxicações alimentares, causadas pela

ingestão de alimentos contendo toxinas microbianas pré-elaboradas nestes alimentos. Estas

toxinas são produzidas durante a intensa proliferação dos microrganismos patogênicos,

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presentes no alimento. Neste grupo, enquadram-se Clostridium botulinum, Staphylococcus

aureus, Bacillus cereus e fungos produtores de micotoxinas. As infecções alimentares são

causadas pela ingestão de alimentos contendo células viáveis de microrganismos patogênicos.

Estes microrganismos aderem à mucosa do intestino humano e proliferam, colonizando. Em

seguida, pode haver a invasão da mucosa e penetração nos tecidos, ou ainda, a produção de

toxinas que alteram o funcionamento das células do trato intestinal. Entre as bactérias

invasivas, destacam-se: Salmonella, Escherichia coli enteroinvasiva, Yersínia enterocolítica,

entre outras. Entre as toxigênicas, incluem-se Vibrio cholerae, Escherichia coli

enterotoxigênica, Campylobacter jejuni, Clostridium perfringens entre outras (Franco &

Landgraf, 1996).

3.9. SURTO DE ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS O Center for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos da

América, define surto de doença de origem alimentar, como a ocorrência de dois ou mais

casos de doença associados a um único alimento (Franco & Landgraf, 1996).

3.10. RISCO É a probabilidade estimada da ocorrência de um dano ou perigo à saúde. Risco

não se determina e sim se avalia ou estima. A ocorrência de um ou vários danos, no caso de

enfermidades transmitidas por alimentos, está na dependência de situações que permitam a

contaminação, a sobrevivência e/ou a multiplicação de microrganismos e varia de acordo com

determinadas condições (Silva Jr., 1995).

3.11. INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA Incidência em Epidemiologia refere-se ao número de casos novos de doença em

uma determinada população e a Prevalência aos casos existentes da doença, também em uma

determinada população. Para conhecer a incidência, especifica-se a duração do tempo de

observação de surgimento de casos novos (exemplo: incidência de casos de sarampo no

Estado do Paraná durante o ano). A prevalência de um evento, por sua vez, informa o número

de casos existentes (exemplo: casos de tuberculose no Brasil, nos dias de hoje). A incidência

reflete a dinâmica com que os casos aparecem no grupo, já a prevalência é estática (Pereira,

2001).

Julgamos importante e conveniente a colocação dos conceitos acima, para um

melhor entendimento acerca do assunto desta dissertação e também porque, no decorrer da

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pesquisa, nos deparamos com diferentes definições para cada um dos itens

supramencionados. É necessário que haja uma padronização de termos para que possamos

comparar os dados obtidos em diferentes regiões do país e também seria importante uma

padronização em nível internacional como primeiro passo para um estudo aprofundado dos

dados obtidos nos diversos países.

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4. RESUMO HISTÓRICO: AS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS

4.1. NA ANTIGÜIDADE

A vida em comunidade sempre esteve relacionada com os grandes problemas de

saúde enfrentados pelos homens, ao longo de sua história. A preocupação com o controle das

doenças transmissíveis, a melhoria do ambiente físico, a higiene das habitações, a provisão de

água e alimentos inócuos, a assistência médica e o alívio da incapacidade física e do

desamparo, evidenciam esse fato (Rosen, 1994).

A doença tem sido sempre, motivo de aflição para o ser humano, pois a

enfermidade é inerente à vida, mas o homem tem trabalhado para enfrentar essa realidade da

melhor maneira. Estudos da paleopatologia demonstram não apenas a antiguidade da doença,

mas sua ocorrência de modo similar: infecção, inflamação, distúrbios do desenvolvimento e

do metabolismo, traumatismos e tumores. Entretanto, há diferenças na ocorrência das

enfermidades, conforme o tempo e o espaço geográfico em que elas aparecem (Rosen, 1994).

Desde a antigüidade, os alimentos têm sido relacionados com a transmissão de

doenças. Em numerosas fontes escritas, como no Antigo Testamento, documentos de

Confúcio, do Hinduismo e do Islamismo, podemos encontrar referências às normas que

regulam a higiene dos alimentos. Estas primeiras escritas possuem um conceito muito vago

quanto às causas biológicas das doenças transmitidas por alimentos e algumas das normas

nelas contidas provavelmente tenham tido uma ligeira influência em sua incidência (Adams &

Moss, 1997).

O livro do Levíticus registra que Moisés elaborou leis para proteger seu povo

contra as doenças infecciosas. As mãos deveriam ser lavadas após o sacrifício de animais e

antes das refeições. Leis foram estabelecidas para o consumo de animais comestíveis de todos

os tipos. Animais proibidos incluíam os suínos, hoje conhecidos como freqüentes excretores

de bactérias do gênero Salmonella, assim como reservatórios de parasitas, como a Taenia

solium. Dos habitantes da água, apenas aqueles com barbatanas e escamas podiam servir de

alimento. Dentre as aves, há uma extensa lista de proibições, sobretudo aquelas carnívoras,

incluindo urubus, águias, garças e gaivotas (Hobbs, 1998).

Porém, a maior parte das descrições de intoxicações alimentares registradas na

história antiga parece, de acordo com Hobbs (1998), estar geralmente associadas a toxinas

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químicas, a maioria delas ofertada com o intuito de provocar a morte naqueles que as

ingerissem.

Os primeiros relatos nítidos sobre as doenças comunicáveis (não necessariamente

de origem alimentar) ocorreram nos escritos da Grécia Clássica. Tucídides descreve uma

epidemia em Atenas, no segundo ano da guerra do Peloponeso. A peste descrita por Tucídides

ocorreu no ano de 430 a.C., logo após a invasão da cidade de Atenas pelos espartanos.

Notícias que circulavam davam conta de que a doença já havia acometido outros lugares, mas

em Atenas a doença foi muito grave e ocorreu de forma mais violenta, matando milhares de

Atenienses. Apesar de Tucídides não ter especulado a causa da epidemia, descreveu com

grande cuidado seus sintomas: “Se alguém já estava doente antes, sua enfermidade se transformava na

peste. Os outros, sem nenhum sinal de aviso, em plena saúde, eram tomados

inicialmente por um forte calor na cabeça, vermelhidão e inflamação dos olhos. As

partes internas, como a garganta e a língua, ficavam sanguinolentas e emitiam um

hálito fétido e repugnante. Esses sintomas eram seguidos por espirros e rouquidão,

e logo depois a doença descia ao peito, manifestando-se por uma tosse violenta.

Depois fixava-se na boca e no estômago, revolvendo-o; e seguiam-se descargas de

bílis de todos os tipos catalogados pelos médicos, acompanhados por sofrimento

atroz. (...) os órgãos internos queimavam tanto que os enfermos não suportavam o

contato das roupas e tecidos, mesmo os mais finos; desnudavam-se completamente e

queriam jogar-se na água fria. E muitos de fato o faziam, jogando-se nos poços,

oprimidos por uma sede insaciável; mas não faz diferença se bebiam muito ou

pouco.” (Martins, 1997, Rosen, 1994).

Curiosamente, a maioria das doenças transmissíveis, não aparece no Corpo

Hipocrático, mas a transmissibilidade das doenças é reconhecida há muitos séculos, muito

antes de se conhecer as suas causas (Rosen, 1994).

Na teoria hipocrática, as epidemais eram causadas por alguma influência, em geral

climática, que atingia ao mesmo tempo grande faixa da população. Não havia menção ao

contágio, em contraste com a visão popular, que admitia a transmissão das doenças de uma

pessoa para outra. Essa teoria fica evidente, quando Tucídides relata que, temendo o contágio

da terrível peste, os próprios parentes abandonavam as pessoas doentes. A peste descrita por

Tucídides desapareceu como havia surgido: sem que se soubesse sua causa ou como curá-la.

Explicavam-na apenas através de determinantes sobrenaturais, pois a distinção entre natureza

e sobrenatureza era bem demarcada. Mais tarde, os Atenienses ergueram um altar com a

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estátua de bronze da deusa Hygeia, a quem foi atribuída a salvação da cidade (Martins,

1997).

De modo prático, o conhecimento grego voltava-se às questões da natureza e do

homem, sendo os primeiros filósofos, naturalistas em sua essência, como Pitágoras (580-490

a.C), que inaugurou importante escola Greco-itálica. Desde então, houve grande mudança no

conceito de doença, permitindo explicações lógicas (não necessariamente adequadas ao

conhecimento atual), a partir da relação de agentes naturais e não mais baseada em elementos

sobrenaturais (Waissmann, 2000).

A crença na harmonia entre homem e natureza se evidencia no livro “Ares, Águas

e Lugares”, onde Hipócrates, seu autor, reconhecia a presença contínua de certas doenças na

população que foram chamadas “endêmicas”. Chamou de “epidêmicas” aquelas doenças que

nem sempre estavam presentes, mas que, por vezes, aumentavam em demasia. Os oito

parágrafos introdutórios dessa obra apresentam e resumem os fatores essenciais, responsáveis

pela endemicidade local: clima, solo, água, modo de vida e nutrição (Rosen, 1994).

É necessário recordar o sentido primitivo da palavra epidemia. Epidemia era um

termo inicialmente utilizado para indicar residência temporária, em determinada cidade, de

uma pessoa que não era daquele local. Ao contrário, a palavra endemia referia-se à residência

permanente de alguém nativo daquele local. Essas palavras não diziam respeito à doenças e

não tinham conotação de algo que passasse de uma pessoa a outra (Martins, 1997).

Ao conquistar o mundo mediterrâneo, Roma assumiu o legado da cultura grega e,

com ela, a prática da Medicina e suas idéias sanitárias, moldando-as segundo seus próprios

interesses. Merecem destaque, as observações dos romanos acerca da relação atribuída aos

pântanos e à transmissão das doenças, especialmente a malária. No século I a.C., Marco

Terêncio Varro, alertava a respeito da construção de habitações em lugares encharcados, “(...)

porque ali se dá a geração de diminutas criaturas, que os olhos não podem ver e entram no corpo através

da boca e do nariz e causam sérias doenças” (Rosen, 1994).

Todos os cuidados com a água, asseio pessoal e limpeza da cidade, certamente

contribuíram para preservar os romanos das doenças transmissíveis. Não se pode afirmar,

entretanto, se o povo romano estava consciente dos benefícios que tais medidas traziam para a

saúde, ou se eram guiados por considerações estéticas em termos de beleza, limpeza, odores

agradáveis, etc. (Martins, 1997).

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A era romana contribuiu, ao tempo do Imperador Marco Aurélio, com a realização

de censos periódicos, através do registro compulsório de nascimentos e óbitos que mais tarde

viria a ser conhecido como “estatísticas vitais” (Almeida, 1999).

Ao tempo de Nero, os “aediles”, supervisionavam a limpeza das ruas,

controlavam a higiene dos alimentos, realizavam inspeções nos mercados e proibiam a venda

de gêneros deteriorados (Rosen, 1994).

4.2. A IDADE MÉDIA

A Idade Média corresponde a um período de tempo de cerca de mil anos, entre a

queda do Império Romano Ocidental (476 d.C) até a tomada de Constantinopla pelos turcos,

em 1453, fato histórico que marca a queda do Império Romano Oriental. (Waissmann, 2000).

É de suma importância assinalar a imensa diversidade em termos de tempo e

espaço, incluída no termo “medieval”, pois a Idade Média revelou uma heterogenicidade

maior do que outras eras. (Rosen, 1994, Waissmann, 2000).

Nem tudo o que hoje se considera medieval, caracterizou todo o período, ou

ocorreu em toda a Europa. “Geralmente tratado como período de trevas, de retorno à

barbárie e declínio da razão, o medievo não corresponde de forma alguma, a uma

estagnação do conhecimento médico e sanitário, que se desenvolveu de modo diferenciado,

conforme o local e a época considerado” (Waissmann, 2000).

Nas comunidades medievais do Ocidente, um dos grandes desafios, era garantir a

pureza da água para beber e cozinhar. Para prover as populações de água potável, foram

construídas ao longo das cidades, poços e fontes e criados regulamentos para evitar a poluição

dessas fontes de distribuição de água. Tais regulamentos se tornaram a base de um código

sanitário. A limpeza das ruas e o destino do lixo também eram muito problemáticos. Além do

que, muitos habitantes herdaram os costumes do campo e criavam animais como porcos,

gansos e patos, contribuindo para o aumento da sujeira nas ruas (Rosen, 1994).

Diante da situação precária, um grande número de regulamentos e editos foi

criado para tentar resolver o problema do acúmulo de imundícies nas ruas das cidades. Houve

inclusive a criação de matadouros municipais, cuja referência está contida em um documento

de Augsburgo de 1276 (Rosen, 1994).

Um marco importante dessa época é o rigor normativo, em algumas cidades,

relacionado à inspeção de alimentos. Muitas cidades européias regulamentaram o comércio de

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alimentos. Em 1276, Augsburgo ordenou a venda de carne suspeita em uma bancada especial;

na Basiléia, no início do século XIII, vendia-se restos de peixe em bancadas onde se

comercializava alimentos de qualidade inferior, procedimento esse, adotado apenas para os

estrangeiros; em Zurique, 1319, ordenava-se aos peixeiros que descartassem, ao anoitecer, o

peixe morto que não tivesse sido negociado; os florentinos proibiam a venda, às segundas-

feiras, da carne que tinha sido exposta no sábado anterior ( Rosen, 1994).

4.3. RENASCIMENTO

Ao final da Idade Média, iniciou-se um movimento em busca de um novo

humanismo, de um retorno aos autores clássicos greco-romanos, redução na crença de

poderes mágicos e religiosos, com importantes mudanças estéticas, filosóficas e conceituais

que se propagaram a todos os ramos do conhecimento, movimento esse que teve início na

Itália e se difundiu por toda a Europa. Foi o início do Renascimento, trazendo importantes

transformações para a humanidade (Waissmann, 2000).

Foram necessárias as pragas devastadoras da Idade Média para que se começasse

a pensar que algo “sólido” poderia ser a causa das doenças e que, de alguma forma, poderia

ser transmitido de uma pessoa a outra (Gordon, 1996).

Em 1546, um médico jovial e poeta de Verona, Hieronymus Fracastorius (1483-

1553), em sua obra, “De Contagione”, postulou a idéia de que o “contagium” era devido a

agentes vivos (“seminaria” ou sementes invisíveis), criando assim, a doutrina do “contagium

vivum” (Bier, 1994).

Fracastorius asseverou que as epidemias às margens do Lago Garda progrediam

por meio de tais sementes e propagavam-se rapidamente, levadas pela respiração ou pelo ar,

ou por beber no mesmo copo, ou dormir com a mesma mulher ou ainda, através de objetos

infectados aos quais ele denominou “fomites” (Gordon, 1994).

Fracastorius também distinguiu claramente, três formas de contágio: direto, ou

seja, de pessoa a pessoa; por agentes intermediários ou “fomites”; e à distância, como por

exemplo, através do ar, ( “contagium per contactum, per fomitem et distans”) (Bier, 1994).

Discussões e observações acerca das causas das doenças contagiosas, não faltaram

nesse período. Em 1557, Girolamo Cardano, médico e filósofo italiano, além de realizar a

primeira descrição clara sobre o tifo exantemático, sugeriu que as “sementes das doenças,

eram pequenos animais capazes de se reproduzir. Em 1658, Athanasius Kircher, jesuíta

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31

alemão, pela primeira vez, atribuiu a peste a diminutos organismos vivos e, apesar de seu

estudo incipiente e contraditório, atraiu atenções em toda a Europa e desencadeou a “caça”

aos organismos microscópicos causadores das doenças (Rosen, 1994.)

Mas, durante os dois séculos que se seguiram, a doutrina sobre a existência de

seres invisíveis causadores de doenças, foi discutida apenas enquanto especulação teórica, e

até o século XVIII não se levou a sério a idéia que organismos vivos infinitamente pequenos,

pudessem ser a causa do contágio (Bier, 1994).

Durante o século XVII, em acordo com o desenvolvimento geral da ciência,

assistiu-se à descoberta de um dos mais importantes instrumentos da história da ciência

médica: o microscópio. Para desvendar o mundo do infinitamente grande e do infinitamente

pequeno, instrumentos mais precisos foram desenvolvidos. Atribui-se a Galileu Galilei (1564-

1642), as primeiras experiências na observação de seres muito pequenos, utilizando o

microscópio. Ele adaptou seu telescópio e examinou órgãos de insetos, relatando que esses

eram cobertos de pelos e possuíam articulações angulares. No Saggiatore, Galileu fala a

respeito desse instrumento ao qual foi dado o nome de microscópio pelo naturalista Faber,

membro da Accademia dei Lincei . Essa descoberta reduziu as especulações filosóficas a fatos

concretos, controlados e demonstrados experimentalmente (Castiglioni, 1947).

Geralmente é aceito pela história que o primeiro microscópio foi desenvolvido por

Zacharias Jansen, fabricante de óculos em Mildelburg (Holanda), por volta de 1590. O

microscópio composto de Robert Hooke (1635-1703), meio século mais tarde, é muito mais

conhecido. Mas, nenhum deles se comparou, em termos de poder resolvente, ao instrumento

de lentes simples, biconvexas, construído por Leeuwenhoek, uma das mais importantes

figuras da história da Microbiologia. Proprietário de um armazém, zelador da prefeitura e

provador de vinhos, na cidade de Delft, na Holanda, Leeuwenhoek (1632-1723), utilizava

lentes de aumento para a inspeção de fibras e tecelagens em roupas. Seu “hobby” era polir

lentes de vidro e montá-las entre finas placas de prata ou bronze. Ele utilizava seu

microscópio rudimentar para observar águas estagnadas, saliva, fezes, etc... Ficava

entusiasmado ao ver, nesses materiais, uma grande quantidade de seres diminutos se movendo

de um lado para outro e que não podiam ser vistos a olho nu. Denominou esses pequeninos

seres “animáculos”, pois acreditava se tratar de pequenos animais vivos. Leeuwenhoek

descreveu detalhadamente suas observações e desenhos em mais de 300 cartas, onde chamava

a atenção do mundo para a existência de formas de vida microscópicas, iniciando assim, o

estudo da Microbiologia (Castiglioni, 1947; Pelczar, 1996).

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32

Em 9 de outubro de 1676, Leeuwenhoek escreveu à Real Sociedade de Londres:

“No ano de 1675, descobri na água da chuva que tinha ficado alguns dias

num pote de barro, vitrificado por dentro. Isto me levou a olhar esta água com grande

atenção, especialmente aqueles animaizinhos, que me pareciam dez mil vezes menores

do que os (...) que podem ser percebidos na água a olho nu” (Pelczar, 1996 ).

O destaque que Leeuwenhoek mereceu na história científica não foi tanto devido a

sua habilidade em construir o microscópio, embora essencial, mas à extraordinária acuidade

de suas observações e descrições que realizou acerca dos diminutos seres vivos. Seu maior

mérito repousa em sua descoberta do mundo microbiano, cuja existência, em toda sua

variedade e profusão, ele revelou à humanidade (Stanier, 1969).

Mesmo com esta valiosa descoberta, os estudiosos da época, não conceberam a

ligação entre as minúsculas criaturas descritas por Leeuwenhoek e a causação das doenças

(Rosen, 1994).

Apesar do avançar do conhecimento, as epidemias do século XVII foram graves e

devastadoras, dentre as quais descreve-se as cuidadosas observações de Morton sobre a

epidemia de disenteria (Castiglioni, 1947).

Progressos significativos aconteceram ao final do século XVII, com relação à

legislação social e Sanitária. Já em 1.656, quando a peste irrompeu em Roma, Monsenhor

Gastaldi, comissário papal especial da saúde, adotou medidas relativas à Saúde Pública: foram

colocados guardas sanitários nas portas da cidade e nas fronteiras; pedia-se atestados de saúde

a todos os viajantes; limpava-se as ruas e os esgotos; os aquedutos eram inspecionados

regularmente; havia lugares destinados à desinfecção das roupas; estavam proibidos os

ajuntamentos populares. A obra de Gastaldi De avertenda et profliganda peste (1684) contém

245 decretos sanitários surgidos durante a campanha contra a peste, constituindo importante

documento histórico. Porém, as medidas legais criadas pelas autoridades pouco fizeram para

melhorar o quadro desolador das epidemias, que permaneceu quase o mesmo até a metade do

século XVIII (Castiglioni, 1947).

Page 33: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

33

4.4. O SÉCULO XVIII

O século XVIII representa uma era da história da humanidade e, sobretudo, da

medicina, de evolução do pensamento e teorias que ainda hoje nos influencia. Houve uma

evolução de fatos e idéias em suas mais amplas e complexas manifestações. As grandes

cidades bem como as corporações estavam se tornando mais ricas e poderosas e a burguesia

mais cônscia de sua importância ( Castiglione, 1947).

O Iluminismo se tornou um movimento internacional, liderado pela França. A

esse tempo, o movimento cultural europeu foi responsável pelas novas idéias políticas,

sociais, econômicas e religiosas. Para o Iluminismo a aceitação da supremacia da razão era

essencial para o progresso da sociedade (Rose, 1994; Waissmann, 2000).

“No campo político, apesar das importantes diferenças, as idéias de Locke

(1632-1704), Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755) e Rousseau (1712-1778)

defendiam a necessidade do combate ao absolutismo dos reis e dos privilégios da

nobreza e do clero, clamavam por liberdades individuais e de expressão, do direito à

vida e à propriedade privada ( esta última combatida por Rousseau).” (Waissmann,

2000).

Os progressos dessa época estabeleceram de modo definitivo que ninguém

poderia explicar o organismo humano, na saúde e na doença, sem os profundos

conhecimentos de anatomia, fisiologia e dos complexos fenômenos da física e da química

(Castiglioni, 1947).

Relativo à vida nas grandes urbes, o início do século XVIII, ainda é marcado por

cidades insalubres, sujas e impregnadas de odores fétidos. O saneamento urbano era pobre,

ruas e vielas viviam sujas e lançava-se pelas portas e janelas das residências e casas de

comércio, água de esgoto e todo tipo de refugos. Os animais eram abatidos em locais

públicos. Os versos de Swift retratam cenas da cidade:

“De todas as partes as sarjetas inchadas afluem,

E enquanto avançam, ostentam seus troféus.

Imundícies de todas as cores e odores parecem contar,

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34

Pelo aspecto e pelo cheiro, de que rua velejaram.

Refugos das tendas dos açougueiros, bosta, tripas e sangue,

Cãezinhos afogados, arenques fedidos, todos encharcados na sujeira,

Gatos mortos e folhas de nabo, rolam corrente abaixo” (Rosen, 1994).

O retrato das condições higiênicas deste período é suficiente para explicar a

difusão das doenças infecciosas, fenômeno que se acentuou com a imigração do camponês

para as grandes cidades e com o crescimento dos centros urbanos, coincidindo com os

primórdios da era da industrialização (Castiglioni, 1947).

Os médicos sempre tiveram que se interessar vivamente pelas doenças

contagiosas mas, somente a partir do século XVIII, se fizeram descrições sistemáticas e

precisas acerca do controle das doenças. Na segunda metade do século, a higiene assumiu um

caráter de ciência independente, surgindo, na mesma época, o conceito idealístico e político

de que o povo tinha direito a melhores condições sanitárias e econômicas e que cabia ao

Estado prover essas condições (Rosen, 1994). Richard Mead, clínico e higienista inglês,

comentou: “Se a imundície é uma grande fonte de infecção, a limpeza é a maior

prevenção.” (Castiglioni, 1947).

As diversas epidemias não se manifestaram com a mesma intensidade dos séculos

anteriores e podemos observar, no estudo clínico e nos resultados sociais das epidemias, um

pensar lógico que levou a conclusões mais claras e precisas. A definição das síndromes

clínicas, ao final do século, permitiram um diagnóstico diferencial mais apurado das doenças

endêmicas (Castiglioni, 1947).

No século XVIII as pestes ainda rondavam a Europa, fazendo milhares de vítimas.

A febre tifóide ou tifo abdominal foi o elemento mais importante da epidemia descrita por

Roederer (1726-1763) e Wagler (1732-1778). Em conjunto, eles descreveram, na obra De

morbio mucoso, essa doença. Atribuíram sua disseminação à contaminação das águas de mina

e supuseram estar relacionada à disenteria e à malária. As lesões intestinais provocadas pela

febre tifóide foram observadas por Morgagni, mas foi reconhecida como entidade clínica

definida só no século seguinte, pela escola francesa de Louis (Castiglioni, 1947).

Quanto à natureza e à difusão das doenças infecciosas, o mundo científico

continuava a sustentar teorias nas mesmas linhas dos séculos anteriores. Explicavam as

epidemias através do contágio direto, defeito da constituição corporal e condições climáticas e

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35

terrestres. Concepções contagionistas e não contagionistas se alternavam no favor do público.

As febres produzidas pelos pântanos foram estudadas por Giovanni Maria Lancisi (1654-

1720), importante médico em Roma que atendia pessoalmente o papa. Em 1717, publicou o

livro Os eflúvios nocivos dos pântanos e seus remédios. Nessa obra, descreveu os “miasmas”

como certas influências emanadas dos pântanos e segundo sua teoria, no calor do verão, a

fermentação e putrefação de animais e plantas, causaria uma exalação ou eflúvio, produtores

de doenças. Segundo Lancisi, essa influência seria geral e não específica, ou seja, existiria um

único tipo de miasma capaz de produzir diferentes doenças, dependendo das circunstâncias e

das pessoas atingidas por ele. No caso específico da malária, Lancisi supôs causada por

pequenos animais que penetravam no corpo e circulavam pelo sangue, motivo pelo qual, essa

doença se mostrava diferente das demais febres dos pântanos ( Rosen, 1994 ; Martins, 1997).

Como forma de evitar as enfermidades dos pântanos, Lancisi propôs eliminá-los, secando-os e

plantando árvores que absorvessem o excesso de água. Tais medidas mostraram excelentes

resultados, fortalecendo e levando à divulgação de suas idéias (Martins, 1997).

Vale indicar o significado da palavra miasma, que se tornou muito popular a partir

do século XVIII. Lancisi usou essa terminologia para designar algo que contamina ou infecta

o ar e que provém da morte (Martins, 1997).

Porém, a teoria dos miasmas é um interessante caso de uma concepção menos

acurada do que a concepção microbiana que a sucedeu, porém, de extrema utilidade para a

humanidade. Ela impulsionou a criação de medidas sanitárias importantes nos séculos XVIII e

XIX que trouxeram grande melhoria em termos de Saúde Pública (Martins, 1997).

Apesar da precariedade das condições higiênicas, o século XVIII deixou

registrado um avanço em termos de legislação sanitária que progrediu em direção ao século

XIX, no sentido da compreensão do problema e do papel do Estado na proteção da Saúde

Pública (Castiglioni, 1947).

4.5. O SÉCULO XIX

O processo de industrialização, no início de século XIX, seguiu um curso rápido e

progressista. Países industrializados como Inglaterra, França e Bélgica introduziram novas

tecnologias e as velhas indústrias se transformaram. Concomitantemente, países menos

industrializados, como os estados germânicos e os Estados Unidos, na passagem do século, já

disputavam a liderança com seus rivais mais antigos (Rosen, 1994).

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36

A revolução industrial transformou a sociedade européia, no início do século XIX

e depois o mundo. A Inglaterra liderou a primeira revolução do capitalismo industrial, pelo

fato de estar suficientemente capitalizada para levar à produção as novas descobertas, contar

com mão de obra barata, fruto da expulsão dos camponeses de suas terras e da falência de

pequenos proprietários rurais (Waissmann, 2000).

Não obstante a todo o progresso dessa era, as doenças infecciosas e o saneamento

continuavam a preocupar intensamente os sanitaristas. Durante o século XIX, quatro invasões

de cólera asiático, resultantes de uma pandemia mundial, devastaram a Europa e a América.

Nos Estados Unidos a epidemia de febre amarela era mais temida que a de cólera. Enquanto o

aparecimento das epidemias de febre amarela e de cólera causavam pânico e preocupação por

parte das autoridades, outras velhas doenças infecciosas estiveram presentes na população que

pagava pesado tributo em vida. Varíola, tifo exantemático, febre tifóide, difteria e escarlatina

ainda causavam milhares de óbitos em todo o continente europeu (Rosen, 1994).

Era em meio às comunidades em condições mais precárias que as epidemias

aconteciam. Doenças intestinais como cólera, febre tifóide e disenteria que hoje sabemos, são

transmitidas pela água , alimentos e utensílios contaminados e outras como difteria,

escarlatina e sarampo que em geral se transmitem de pessoa a pessoa, invadiam as

comunidades urbanas que viviam em locais que facilitavam a difusão e os surtos dessas

doenças (Rosen, 1994).

Em meio a esse turbilhão de conhecimentos e mudanças, inegavelmente, podemos

considerar o alvorecer da bacteriologia como a grande revolução do pensamento médico,

sobretudo no terreno das doenças infecciosas. O período histórico aqui considerado marca um

enorme desenvolvimento do conceito microbiológico em todos os campos da medicina,

esclarecendo a etiologia das doenças infecciosas e abrindo caminho para o controle das

epidemias que durante muitos séculos assolaram a humanidade. Ao lado de predomínio do

materialismo vemos espalhar-se na medicina o conceito de que é no infinitamente pequeno

que se deve procurar a solução de muitos problemas, até então inexplicados ou erroneamente

explicados (Castiglioni, 1947).

Em 1840 apareceu, em Berlim, um pequeno volume intitulado Pathologische

Untersuchungen. Seu autor, Jacob Henle, então com 31 anos, era professor de anatomia em

Zurique. Essa obra, em sua primeira seção, relativa a “miasmas e contágio e doenças

miasmático-contagiosas”, é considerada um marco na história da Bacteriologia e das doenças

comunicáveis. Mediante argumentos lógicos e convincentes, Henle formulou uma teoria onde

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37

considerava os diminutos organismos vivos a causa das doenças contagiosas e infecciosas.

Segundo Rosen (1994), as conclusões de Henle podem ser assim resumidas: “ Nos casos de

doenças infecciosas, a matéria mórbida aumenta, aparentemente, desde o momento em que

entra no corpo; assim, deve ser de natureza orgânica, pois só organismos vivos possuem essa

faculdade; a quantidade de material mórbido, além disso, é desproporcional a seus efeitos; e

como um período de incubação precede, em regra, a manifestação, isso também apóia a idéia

de uma natureza viva” (Rosen, 1994).

Na opinião dos contemporâneos de Henle, ele estava lutando em defesa de uma

teoria ultrapassada, mas foi nessa mesma época que a teoria microbiana das doenças começou

a renascer. O aclaramento das causas e a possível prevenção, controle e cura das enfermidades

infecciosas mortais, com a qual as pessoas estavam familiarizadas, impressionou a

imaginação popular à medida que foi aparecendo. A transição, desde a etiologia microbiana

específica das fermentações até os fenômenos relacionados com as doenças infecciosas,

aconteceu muito mais rápido do que se podia prever (Burrows, 1963 ; Rosen, 1994).

Os mais importantes progressos no campo da ótica, que conduziram à construção

de microscópios compostos, iniciou-se por volta de 1820. Essas realizações eram seguidas, de

perto, pela exploração, que viera a tona, do mundo microbiano, resultando, ao final do século

XIX, em conhecimento muito detalhado acerca dos diversos grupos de microrganismos e de

sua morfologia e fisiologia. A esse tempo, também, estudos conduziram o homem ao

conhecimento do papel que os microrganismos desempenham nas transformações da matéria

e na produção de doenças (Stanier, 1969).

Após Leeuwenhoek haver descortinado aos olhos humanos o mundo das criaturas

microscópicas, começaram os cientistas a indagar sobre a origem dessas formas de vida. Duas

correntes de pensamentos surgiram: a primeira, formada por um grupo que defendia que esses

pequenos organismos se originavam de produtos animais e vegetais em decomposição, como

carnes, leite e plantas. Em outras palavras, os microrganismos seriam a conseqüência e não a

causa das alterações ocorridas nesses produtos. Era a teoria da Abiogênese, ou geração

espontânea. A segunda corrente asseverava que os “animáculos” se originavam a partir de

outros pré-existentes, semelhantes às formas de vida superiores. Essa teoria foi chamada

Biogênese (Pelczar, 1996).

A Microbiologia enquanto ciência não poderia evoluir até que fosse refutado o

falso conceito da geração espontânea. Foram necessários muitos experimentos esclarecedores,

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38

que hoje parecem simples, e mais de uma centena de anos para se resolver a controvérsia.

(Stanier, 1969; Pelczar, 1996).

À medida que se ampliava o conhecimento dos organismos vivos, tornava-se, aos

poucos, evidente que a geração espontânea de plantas e animais não ocorria. Em 1665, um

médico italiano, Francesco Redi demonstrou que os vermes que se desenvolviam na carne em

putrefação constituíam estágio larval das moscas e não apareceriam se a carne fosse protegida

em recipiente vedado, impedindo desse modo que as moscas depositassem seus ovos sobre

ela. Mesmo assim, manteve-se o questionamento sobre a questão (Stanier, 1969). No século

XVIII, Lazzaro Spallanzani (1729-1799) demonstrou que um “fluido putrescível”, como

caldo de carne, permaneceria límpido por tempo indeterminado após fervido e devidamente

selado. De fato, essa experiência foi confirmada no início do século XIX por Nicholas Appert,

confeiteiro parisiense, que desenvolveu a arte de preservar alimentos enlatando-os e

submetendo-os à fervura. Além disso, Theodor Schwann, em 1837, demonstrou

brilhantemente que era possível obter resultados semelhantes, mesmo quando se permitia a

entrada de ar no frasco em resfriamento, desde que esse ar passasse previamente por um tubo

aquecido. Os mais céticos poderiam alegar, que a ausência de decomposição ocorria muito

mais devido à ausência de ar do que à exclusão de agentes vivos contaminantes transportados

pela poeira. Schroeder e von Dusch, solucionaram o problema, introduzindo o uso de tampões

de algodão para impedir o acesso de contaminantes ao meio de cultura. Essa prática é adotada

até os nossos dias pelos microbiologistas. Porém a controvérsia continuou pois alguns

investigadores não conseguiram confirmar a alegada estabilidade das infusões orgânicas

estéreis e isentas de poeira (Davis, 1979).

Em meio a todas essas discussões, entra em cena Louis Pasteur (1822-1895). Ele

nasceu em Dole (Jura), filho de um curtidor de couro e soldado de Napoleão. Devemos a

Pasteur, além da descoberta da assimetria molecular, importantes descobertas acerca dos

mecanismos das fermentações, da deterioração dos vinhos, das leveduras da cerveja, a doença

do bicho-da-seda, a cólera nos galináceos, as vacinas, especialmente contra a raiva e a

derrocada definitiva da teoria da geração espontânea. A Pasteur devemos também a utilização

do processo de “pasteurização”, processo assim chamado em sua homenagem, que consiste

em aquecer os produtos líquidos a temperatura entre 55 a 60OC para destruir a carga

microbiana presente, largamente utilizada nas indústrias de laticínios, vinhos e cervejas

(Garrisson, 1929).

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39

Pasteur descobriu também o caráter anaeróbio dos microrganismos da

fermentação butírica, introduzindo as terminologias “aeróbio e anaeróbio”. Ele afastou

definitivamente o fantasma da geração espontânea através da demonstração de que uma

infusão fervida permanecia límpida num frasco com “pescoço de cisne”, não selado, aberto ao

ar por um tubo horizontal sinuoso, onde as partículas de poeira se depositariam quando o ar

penetrasse no frasco de resfriamento. Demonstrou também que no ambiente relativamente

isento de poeira de um porão sem movimento ou do topo de uma montanha, frascos selados

poderiam ser abertos e fechados logo a seguir, com grande probabilidade de escapar à

contaminação. As experiências de Pasteur tornaram-se sensação pública na época (Garrisson,

1929).

A despeito do grande sucesso de Pasteur, seus oponentes questionavam a respeito

de experiências posteriores semelhantes, mas as infusões não permaneciam límpidas como as

que Pasteur empregava. O fato principal consistia no emprego de infusões de feno enquanto

Pasteur utilizava infusões de açúcar ou de extrato de leveduras. Os experimentos decisivos

foram realizados pelo físico britânico John Tyndall, que se envolveu com o problema pelo seu

interesse nos efeitos ópticos da poeira atmosférica. Após ter trazido um fardo de feno ao seu

laboratório, não pode mais obter soluções estéreis naquela sala, através da fervura. Tyndall

concluiu que o feno havia contaminado seu laboratório com um tipo inacreditável de

organismo vivo: aquele que podia sobreviver à fervura. No mesmo ano (1877), Ferdinand

Cohn demonstrou que as formas resistentes eram endósporos pequenos e refringentes,

demonstrando também, que esses endósporos, constituíam fases no ciclo vital de um bacilo do

feno, o Bacillus subtillis. Para resolver o problema da destruição desses organismos foi

necessário aumentar a temperatura, utilizando vapor d’água sob pressão. A partir daí, a

autoclave passou a ser um instrumento indispensável em laboratórios de Bacteriologia (Davis,

1979).

No decorrer de seus estudos sobre fermentações, Pasteur que sempre voltara sua

mente às aplicações práticas de seu estudo científico, dedicou especial atenção ao problema

da deterioração da cerveja e do vinho. Demonstrou que esse problema era devido ao

crescimento de microrganismos indesejáveis, e utilizou o termo “doenças” para definir tais

alterações. Na verdade Pasteur já estava considerando a possibilidade de os microrganismos

atuarem como agentes produtores de doenças infecciosas em organismos superiores e, a essa

altura da evolução científica, já existia um grande número de evidências, fundamentando essa

hipótese (Stanier, 1969).

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Na década de 1870, as investigações de Pasteur e de outros tinham levado à

dedução parcial da relação existente entre microrganismos e doenças. A solução final viria,

pois, com o desenvolvimento das técnicas de isolamento e do manuseio dos organismos

microscópicos. Havia muita confusão acerca do conhecimento dos microrganismos. Alguns

investigadores sustentavam a hipótese de que uma espécie de organismo podia se converter

em outra. No final de abril de 1876, os estudos experimentais de Casimir Davaine haviam

mostrado ser provável que o antraz se devesse a organismos em forma de bastão, encontrados

no sangue, por ele chamados bacteredia. A palavra portuguesa bactéria, deriva do latim

científico bacterium e esta do grego bacterion, diminutivo de bactron, que significa diminuto

bastão (Rosen, 1994).

Com essa investigação sobre o antraz, introduzia-se definitivamente a idade de

ouro da Bacteriologia médica, tendo, como figura importante, um médico alemão, Robert

Koch (1843-1910). Koch não possuía laboratório e seus experimentos eram conduzidos em

sua própria casa, usando equipamento improvisado, muito primitivo e animais experimentais

de pequeno porte. Mostrou que camundongos podiam ser infectados com materiais

procedentes de um animal doméstico doente e transmitiu a doença através de uma série de

vinte camundongos por inoculação sucessiva. Os estudos de Koch receberam violenta

oposição de Paul Bert, mas foram totalmente confirmados por Pasteur. Em 1877, Koch

publicou sua metodologia de fixar e secar as preparações contendo bactérias, em lâminas de

cristal, e corando-as com corantes, as anilinas de Weigert, de observar os flagelos bacterianos

e de fotografar os diminutos organismos para sua identificação e comparação (Garrison, 1929;

Davis, 1979; Rosen, 1994).

Em 1881, Koch produziu um importante trabalho, sobre o método de obter

culturas puras de microrganismos, utilizando gelatina líquida com uma infusão de caldo de

carne, vazando essa mistura em placas de vidro, que formavam um sólido coágulo. Quando

Koch apresentou esse trabalho no Congresso Médico Internacional em Londres, comentam

que Pasteur exclamou: “Este é um grande progresso”! Com os métodos desenvolvidos por

Robert Koch, tornou-se possível estudar com precisão os agentes de várias doenças

infecciosas. Em poucos anos, sobretudo entre 1877-1897, foram reveladas as causas

biológicas de numerosas doenças humanas e animais. Com a entrada da década de 1880,

anunciou-se a idade de ouro dessas descobertas e, numa rápida sucessão, demonstrou-se a

existência de agentes causadores de várias doenças. Mas, à proporção que esse conhecimento

vinha a lume, outras questões importantes estavam sem explicação acerca do mecanismo de

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ação microbiana. Como se produzia a infecção bacteriana? Como preveni-la? Como tratar

suas conseqüências? (Rosen, 1994).

De 1877 em diante, a Bacteriologia francesa, dirigida por Pasteur e seus

colaboradores, adiantou-se em responder essas questões. Estudos de laboratório

demonstraram a resistência à infecção, a possibilidade de se alterar a virulência dos

microrganismos e, seguindo o raciocínio utilizado na vacinação realizada por Edward Jenner

(1749-1823), em 1796, que teve a idéia de inocular indivíduos sadios com matéria variólica

de uma pessoa que tivesse contraído a doença naturalmente, com objetivo de produzir

imunidade, Pasteur concebeu a idéia de prevenir doenças infecciosas por meio de vacinas

preparadas com cepas atenuadas de microrganismos. Conseguiu bons resultados, em trabalhos

com o cólera em galináceos, erisipelas em suínos e raiva. Tais pesquisas levariam futuramente

ao desenvolvimento da Imunologia, representando um forte impacto no tocante à prevenção

das doenças infecciosas no início do século XX (Rosen, 1994).

Outro nome de destaque que contribuiu para explicar o princípio da infecção

específica, defendendo que esta é devida a microrganismos específicos, foi John Snow (1813-

1858), que praticava medicina em Londres como anestesista, mas o reconhecimento de seu

trabalho deve-se aos esforços empreendidos na área da Epidemiologia. Em sua obra, “Sobre a

maneira de transmissão da cólera” (1849), Snow traçou um desenho de investigação,

atribuindo à água, a forma de transmissão da cólera, chegando muito próximo das descobertas

microbiológicas, confirmadas por Pasteur, vinte anos mais tarde (Rosen, 1994).

Em 1855, Snow publicou uma segunda edição de sua obra, ampliando o trabalho

de 1849, na qual enunciou suas teorias definitivas sobre a etiologia e expansão da cólera. Os

aspectos clínicos da doença o levaram a postular que o “veneno” da cólera entra no canal

alimentar pela boca; esse veneno seria um ser vivo específico, oriundo das excreções do

paciente contaminado; a moléstia se transmite de pessoa a pessoa, através das mãos sujas, ou

através de água e alimentos contaminados; que a falta ou insuficiência de esgotamentos

sanitários, permitia que os perigosos excrementos do paciente doente de cólera, se

infiltrassem no solo poluindo poços e outras fontes de suprimento de água, demonstrando

assim a possível presença do agente causador da infecção na água, não conseguindo porém,

identificar esse agente infeccioso. Na época, suas concepções não foram imediatamente

aceitas, até que, em 1883, Robert Koch isolou e cultivou o Vibrio cholerae, comprovando

finalmente, toda a teoria de John Snow (Rosen, 1994).

Page 42: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

42

William Budd (1811-1880), contemporâneo e conterrâneo de Snow, chegou a

conclusões similares sobre a cólera, publicando, também em 1849, um panfleto – “O Cólera

Maligno: sua Maneira de Propagação e Prevenção”. Budd aplicou a mesma teoria à febre

tifóide, que estudou por mais de trinta anos. Em 1861 o príncipe Albert, da Inglaterra, morreu

de febre tifóide. Em 1873, todos os estudos de Budd foram reunidos em um volume,

intitulado “Febre Tifóide, sua Natureza, Modo de Difusão e Prevenção”, aconselhando a

desinfecção das excreções de pacientes com febre tifóide, porém, sendo médico do interior,

seus conceitos não chegaram a ter grande influência sobre as práticas sanitárias da época

(Rosen, 1994).

Na última década do século XIX, algumas das questões sobre as doenças

contagiosas haviam sido respondidas através da demonstração da existência de organismos

causais e maneiras de se prevenir a propagação de tais doenças. Muitas perguntas estavam

ainda sem respostas. Por exemplo: Por que em algumas doenças como febre tifóide e cólera,

novos casos aconteciam em pessoas que sequer tiveram contato direto com indivíduos

doentes? Por que em outros casos pessoas continuavam sadias, mesmo expostas aos doentes?

Para obter essas respostas, ficava clara a necessidade de mais conhecimentos que explicassem

as origens e as maneiras de ser da infecção. Muitas dessas dúvidas foram esclarecidas através

da teoria microbiana da doença (Rosen, 1994).

Em razão da epidemia de cólera em 1892 e 1893, compreendeu-se pela primeira

vez, o significado do portador humano. Em 1893, William Hallock Park (1863-1939), Alfred

L. Beebe, na cidade de Nova York, estabeleceram definitivamente, o conceito de portador e a

importância do exame bacteriológico de rotina no diagnóstico da difteria. Ele então concluiu

que: “os membros de um lar em que existem casos de difteria devem ser considerados como

fonte de perigo, a não ser quando culturas, feitas com material colhido em suas gargantas,

mostrem a ausência dos bacilos da difteria”. Estava assim firmada, a última parcela

importante do conhecimento acerca do processo de transmissão de uma doença contagiosa,

sob o ponto de vista biológico, no interior de uma comunidade (Rosen, 1994).

Page 43: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

43

4.6. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS DTAS / ETAS

Até essa época as chamadas intoxicações alimentares eram atribuídas ao consumo

de alimentos deteriorados em virtude da presença da ptomaina, um alcalóide formado durante

a decomposição de tecidos putrefeitos. Acreditava-se que a intoxicação alimentar estava

relacionada à podridão (Hobbs, 1998).

Ao final do século XIX, os perigos de infecção através do leite foram

reconhecidos, e em cidades como Londres, iniciou-se o tratamento térmico através da

pasteurização. Bactérias causadoras de intoxicações alimentares foram primeiramente

descritas por Gaertner em 1888. Elas foram isoladas do organismo de um homem que havia

morrido durante um surto de gastroenterite que atingiu 59 pessoas na Alemanha. Bactérias

similares foram encontradas na carne servida para as vítimas e também na carcaça do animal.

Posteriormente, entre os anos de 1909 e 1923, essa bactéria foi denominada Salmonella, em

homenagem ao Doutor E. Salmon, que isolou pela primeira vez a bactéria em suínos, no ano

de 1885 (Hobbs, 1998).

Ao mesmo tempo, a teoria da intoxicação alimentar por ptomaina foi refutada por

voluntários que consumiram a substância extraída de alimentos deteriorados, sem

apresentarem sinais de doenças. Sob a influência de Savage, da Grã-Bretânia, e Jordan, dos

Estados Unidos, as intoxicações alimentares foram associadas a contaminações bacterianas

específicas. Em 1896, van Ermengem, na Bélgica, descreveu a bactéria Clostridium

botulinum. A partir de 1914, o Staphylococcus foi associado com uma violenta forma de

intoxicação alimentar. Certas espécies que cresciam em alimentos cozidos produziam uma

toxina que não alterava nem a aparência, nem o sabor dos alimentos, provocando em pouco

tempo (por vezes menos de uma hora) quadros de vômitos e náuseas intensos. De 1945 a

1953, o bacilo esporulado anaeróbio, Clostridium perfringens, foi reconhecido como agente

de intoxicação alimentar, cujo principal sintoma é a diarréia (Hobbs, 1998).

Ao longo de todo o período aqui apresentado, observou-se um processo lento no

avanço do conhecimento. A partir de idéias vagas acerca do contágio, formulou-se ao final do

século XIX, uma compreensão aprofundada do processo de transmissão das doenças: as

doenças transmissíveis, em seus aspectos biológicos, são causadas por seres vivos

microscópicos, que se reproduzem no organismo do indivíduo doente, podendo depois, serem

transferidos a outras pessoas, pelo ar, alimentos, contato físico, dejetos que se espalham pelo

Page 44: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

44

solo ou pela água, por objetos e via animais e insetos, conhecidos como vetores (Martins,

1997).

William Taylor, de Penrith, Inglaterra, havia sido, em 1857, o primeiro a

considerar o leite um meio de transmissão da febre tifóide. No entanto, somente em 1881, foi

reconhecido o perigo da difusão de doenças epidêmicas através do leite. Naquele ano, Ernest

Hart, apontou no Congresso Médico Internacional, em Londres, 50 epidemias de febre tifóide,

15 de escarlatina e 4 de difteria, atribuídas ao leite. Em 1909, o Serviço de Saúde Pública dos

Estados Unidos pôs em circulação seu famoso boletim 56, em que se relatavam, entre 1880 e

1907, 500 surtos de doenças transmitidos pelo leite. Em 1901, Park, do Laboratório

Bacteriológico da cidade de Nova York, mostrou a contaminação por bactérias do leite

entregue para o consumo, no verão, com até mais de cinco milhões de organismos por

centímetro cúbico (Rosen, 1994).

Em 1902, Park e o eminente pediatra Emmert Holt concentraram seus estudos

sobre diarréia infantil (cholera infantum) e sua relação com o leite. Os resultados, publicados

em 1903, mostraram que, no calor, a natureza do leite servido aos lactentes influenciava os

níveis de doença e mortalidade, revelava-se também o efeito da contaminação bacteriana,

quando não se aquecia o leite antes de servir. Ainda, em 1902, o Departamento de Saúde de

Nova York designou inspetores para visitar as fazendas leiteiras que abasteciam a cidade; os

inspetores deveriam investigar as condições de produção do leite e trabalhar com empenho no

sentido de educar os fazendeiros quanto à obtenção de um leite saudável. As companhias

ferroviárias foram alertadas para necessidade de refrigeração apropriada nos vagões que

transportavam o leite. O Departamento de Saúde também começou a supervisionar com rigor

a distribuição e venda do leite dentro da cidade. O que ainda não estava em questão, era o

problema do portador sadio como fonte de surto. Em agosto de 1909, houve um aumento

súbito no número de casos de febre tifóide na cidade de Nova York. Um determinado

suprimento de leite revelou-se o elemento comum em centenas de casos; era um leiteiro,

portador crônico da doença. Em conseqüência desse e de outros surtos, em 1910, o Comitê de

Saúde da cidade de Nova York passou a exigir a pasteurização de todo leite destinado aos

bebês, e em 1912 adotou um sistema de graus e de padrões para o produto vendido na cidade.

A virtual eliminação das mortes por diarréia no verão indicou o quanto as crianças se

beneficiaram com essas medidas; em 1923 mal restava um vestígio do aumento na

mortalidade infantil em época de temperaturas altas (Rosen, 1994).

Page 45: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

45

A história relatada neste capítulo referiu-se mais às doenças transmissíveis em

geral do que às ETAS em particular devido à escassez de informações a respeito do assunto.

A história dos métodos de abordagem das ETAS, até onde me foi possível detectar, ainda está

para ser contada, em especial nacionalmente e também internacionalmente. Abordar esta

história, de um modo abrangente seria, por si, tarefa de uma dissertação.

Page 46: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

46

5. PANORAMA MUNDIAL DAS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (DTAs) OU ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS (ETAs)

5.1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a World Health Organization (WHO), ou Organização

Mundial da Saúde (OMS), vem observando a disseminação natural das doenças transmitidas

por alimentos (DTAs / ETAs) e seu impacto sobre as comunidades. A incidência anual de

diarréias situa-se em torno de 1,5 bilhões de episódios, em crianças menores de 5 anos, com

mais de 3 milhões resultando em mortes, o que indica a magnitude do problema. Uma

significativa proporção desses casos de diarréia são devidos às DTAs / ETAs. Em 1992, a

Conferência Internacional de Nutrição, realizada pela “Food and Agriculture Organization”

(FAO), órgão da Organização Mundial de Saúde, reconheceu que mais de 100 milhões de

pessoas em todo mundo sofrem com doenças comunicáveis e não comunicáveis causadas pela

ingestão de alimentos contaminados (WHO, 1997).

As DTAs / ETAs continuam sendo um dos maiores problemas de Saúde Pública

do planeta. Atualmente, países industrializados vêm experimentando um aumento

significativo de casos de DTAs / ETAs. Nesses países, pesquisas mostram uma incidência

anual de 5 a 10% da população total sendo atingidas pelas doenças de origem alimentar, a

grande maioria delas causadas por bactérias. Além disso, patógenos resistentes a antibióticos,

como Salmonella thyphimurium, Listeria monocytogenes e Escherichia coli O157:H7 vêm

emergindo e representando uma séria ameaça à Saúde Pública. Recentemente, infecções por

Escherichia coli O157, atingiram centenas de indivíduos na Austrália, no Japão, na Escócia e

nos Estados Unidos da América, acarretando alto número de óbitos, predominantemente entre

crianças, idosos e pessoas suscetíveis (WHO, 1997).

A popularidade da alimentação coletiva aumentou gradativamente ao longo dos

anos, especialmente desde a Segunda Guerra Mundial, quando os alimentos eram escassos e

tinham que ser compartilhados. A maioria dos estabelecimentos não estava dimensionado

para abastecimento em larga escala, a mão-de-obra não era qualificada e os equipamentos não

eram suficientes e adequados. Tais fatores parecem ter contribuído para o aumento da

incidência de DTAs / ETAs, fato que vem se estendendo até os dias atuais, com os problemas

já citados. Na Inglaterra, os primeiros refeitórios serviam, na sua grande maioria, pratos

quentes preparados recentemente; geralmente havia grandes câmaras frias nos porões. Com o

Page 47: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

47

passar dos anos e com a evolução da tecnologia, refeições prontas e alimentos pré-cozidos

tornaram-se cada vez mais populares e os alimentos “de conveniência” hoje têm grande

consumo.

A importação de alimentos incluindo carnes, produtos à base de ovos e rações

desidratadas para o consumo animal, cresceu muito em quase todos os países nos anos pós-

guerra. Investigações indicaram que havia o perigo de muitos desses produtos importados

estarem contaminados com patógenos intestinais, particularmente Salmonella. Indústrias

rurais vêm se desenvolvendo e, embora representem aumento de produção e lucratividade

econômica, podem implicar em riscos de infecções inerentes às criações, com conseqüente

disseminação dos patógenos para a população humana (Hobbs & Roberts, 1998).

5.2. ESTIMATIVA MUNDIAL DAS DTAs / ETAs

Doenças transmitidas por alimentos constituem-se as de maior incidência no

mundo contemporâneo e têm implicações na saúde e no desenvolvimento das comunidades.

Em função da ausência de sistemas de vigilância ou debilidade dos programas de controle das

DTAs / ETAs, informações existentes não representam a magnitude do problema. Estima-se

que os dados existentes acerca da incidência das DTAs / ETAs, representam apenas 10% da

incidência real nos países com sistema de informações confiável e menos de 1% da incidência

real nos países onde o sistema de informações é incipiente. Pesquisas comprovam que, em

alguns países, o número de DTAs / ETAs tem uma freqüência 300 a 350 vezes maior do que a

indicada nos relatos oficiais (Mortajemi & Kaferstein, 1997).

Com exceção da Cólera, doença de notificação obrigatória em todo o mundo, as

demais enfermidades de origem alimentar não têm obrigatoriedade de notificação na maioria

dos países. Tentativas de fornecer um quadro das DTAs / ETAs em nível mundial são

geralmente prejudicados em virtude das diferenças entre os sistemas de vigilância dos vários

países, quando o sistema existe. Além disso, a forma de apresentação dos dados não é feita de

maneira uniforme, por exemplo, um país notifica Shigelose e Amebíase separadamente, outro

engloba as duas doenças sob o termo disenteria, em outros, ainda, várias DTAs / ETAs são

agrupadas sob a designação de intoxicações alimentares. Embora a expressão intoxicação

alimentar tenha diferentes significados conforme o país, com freqüência é utilizado para

representar diferentes grupos de DTAs / ETAs (Mortajemi & Kaferstein, 1997).

Page 48: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

48

Em vários países, a infraestrutura dos sistemas de vigilância é deficiente ou

inexistente; recursos para investigação das DTAs / ETAs são escassos; com freqüência os

pacientes não procuram o serviço médico por falta de recursos financeiros, o que é mais

comum de ocorrer quando os sintomas se tornam graves e persistentes. Como resultado, a

maioria dos casos permanece desconhecido pelas autoridades sanitárias. O problema se

agrava nos países em desenvolvimento, que não possuem recursos para implantar laboratórios

de referência para isolamento e identificação dos patógenos responsáveis, permanecendo

desconhecido o agente etiológico das DTAs / ETAs. Nos países industrializados, houve uma

queda, nos últimos anos, dos investimentos em Saúde Pública, bem como em atenção médica

e laboratórios de apoio para o serviço de vigilância. As investigações também são

prejudicadas por outros fatores: muitos casos de DTAs / ETAs ocorrem no domicílio, em

serviços de alimentação de pequeno porte ou em função de alimentos comercializados na rua

por vendedores ambulantes. Esses casos raramente chegam ao conhecimento das autoridades

sanitárias, não sendo, assim, possível identificar o problema. Quando ocorre um surto em

grandes proporções e a informação chega até o serviço de vigilância, em geral o

estabelecimento que serviu os alimentos descarta as sobras e não há como realizar a análise

laboratorial para identificação do patógeno causador do surto. Como conseqüência, as DTAs /

ETAs são evidenciadas apenas circunstancialmente e a investigação do surto deixa de ser

concluída de maneira eficiente (Mortajemi & Kaferstein,1997).

Page 49: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

49

A escassez de informações da real magnitude das conseqüências para a saúde e

para a economia implica em baixos investimentos, por parte das autoridades, no adequado

controle e programas de prevenção das DTAs / ETAs (Mortajemi & Kaferstein, 1997).

Esse fato é esquematicamente mostrado na figura 1.

FIGURA 1: INTER-RELAÇÃO DE FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A

INEFICÁCIA DO CONTROLE DAS ETAS.

Escassez de Informações

Negligência na investigação

e na vigilância das ETAs

FONTE: Adaptado de Mortajemi & Kaferstein

Falta de percepção do

significado das ETAs no

impacto à Saúde Pública

Ausência de prioridade e escassez

de recursos designados ao

controle das ETAs

, 1997.

Page 50: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

50

5.3. SITUAÇÃO ATUAL DAS DTAs / ETAs NO CONTINENTE EUROPEU

Desde 1980, muitos países europeus vêm participando do sistema de informação

sobre DTAs / ETAs, coordenado pela FAO/OMS, com a colaboração do Centro de Pesquisa e

Treinamento em Higiene Alimentar de Berlim (Alemanha). Em 1996, 46 países na região

européia da OMS participavam do programa, com diferentes graus de comprometimento. As

informações foram padronizadas, na medida do possível, para que se pudesse realizar uma

comparação, pois cada país tinha um sistema diferente de informação (Todd, 1997).

As tabelas que se seguem mostram o número de surtos ocorridos nos períodos de

1990 a 1993 em alguns países da Europa (tabela 1) e a percentagem relativa de agentes

envolvidos em surtos no continente europeu para o mesmo período (tabela 2). Pode-se

observar, na tabela 1, uma grande diferença entre o número de surtos notificados em cada um

dos países do Continente Europeu. Tal ocorrência se deve provavelmente às diferenças entre

os sistemas de coleta de dados e do sistema de investigação dos episódios de ETAs em cada

país.

TABELA 1: Número de surtos de DTAs / ETAs ocorridos em alguns países europeus no

período de 1990 a 1997.

PAÍS EUROPEU PERÍODO NÚMERO DE SURTOS Albânia 1990 –1991 3 Alemanha 1990 –1992 319 Bélgica 1997 124 Bulgária 1990 –1992 67 Dinamarca 1990 –1992 69 Escócia 1990 –1992 486 Espanha 1990 –1992 1.723 Finlândia 1990 –1992 55 França 1990 –1992 1.666 Holanda 1990 –1991 59 Hungria 1990 –1992 648 Inglaterra e País de Gales 1992 –1993 403 Portugal 1990 –1991 29 Romênia 1990 –1992 125 Suécia 1990 –1992 60 FONTE: Adaptado de Todd, 1997. .

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51

TABELA 2: Porcentagem de agentes etiológicos de origem bacteriana, identificados,

envolvidos em surtos de DTAs / ETAs em países europeus, no período de 1990 – 1993.

% DE AGENTES ETIOLÓGICOS

PAÍS

Bacillus cereus

Campylobacter

sp.

Clostridium.botulinum

Clostridium perfringens

Salmonella

sp.

Shigella

sp.

Staphylo.

aureus

Outras

Albânia 100 Bulgária 66 6 1 Dinamarca 6 12 38 14 1 França 5 85 1 7 Finlândia 13 2 33 29 16 Alemanha 1 3 2 88 < 1 2 1 Hungria 3 1 7 3 73 < 1 9 2 Holanda 25 17 17 10 27 Portugal 7 34 59 Romênia 1 3 57 2 24 13 Espanha 1 < 1 1 2 84 < 1 6 2 Suécia 3 3 17 51 5 12 7 Inglaterra e País de Gales

2

2

17

68

< 1

2

2

Escócia < 1 11 1 85 1 FONTE: Adaptado de Todd, 1997.

Em fevereiro de 2002, em Budapeste (Hungria), realizou-se a Primeira

Conferência Pan-Européia sobre Qualidade e Segurança Alimentar, promovida pela

FAO/OMS. Especialistas de mais de 40 países europeus, incluindo associações de produtores

e consumidores, discutiram durante três dias estratégias para melhorar a qualidade e a

segurança dos alimentos, em razão do crescente aumento dos casos de DTAs / ETAs, no

continente, na década passada. A FAO e a OMS publicaram declaração conjunta sobre o

aumento dessas doenças, em particular, as de origem microbiológicas como salmoneloses e

campilobacterioses e também casos de contaminações químicas por dioxinas, chumbo e

cádmio (WHO, 2002).

Segundo declaração do Diretor Geral Assistente da FAO, Hartwing de Haen,

“Embora os alimentos nunca estivessem tão seguros na Europa quanto nos dias de hoje,

nós não devemos ter complacência. Sistemas de monitoramento mais acurados estão

revelando mais e mais casos de DTAs/ETAs. O número de pessoas sofrendo com

enfermidades de origem alimentar ou mesmo de óbitos mantém-se muito altos.” (versão da

autora) (WHO, 2002).

Page 52: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

52

Declarou ainda o Dr. de Haen que “o consumidor tem que ter certeza da segurança

do alimento em todos os países da Europa. Alimento seguro “desde a fazenda até a mesa”

precisa ter garantida sua segurança através de toda uma região. Para diminuir custos e

prevenir contaminações, a segurança alimentar deve começar com boas práticas na

agricultura” (versão da autora) (WHO, 2002).

Segundo a FAO/OMS, Salmonella ainda é o gênero de bactéria mais

freqüentemente apontado como agente etiológico das DTAs / ETAs. Surtos ocorrem em

países do leste e oeste europeu, nos domicílios, nos grandes “buffets”, nos restaurantes,

cafeterias, escolas e hospitais. Ao mesmo tempo, Campylobacter vem sendo freqüentemente

isolado em muitos casos de gastroenterites em países como Dinamarca, Finlândia, Irlanda,

Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido (OMS, 2002).

O Diretor Executivo da WHO, Dr. David Nabarro, declarou: “Problemas com a

segurança alimentar têm se agravado desde a última década por falta de colaboração das

diferentes autoridades em nível nacional. A WHO em conjunto com a FAO e seus membros

estão trabalhando arduamente para desenvolver novas estratégias preventivas baseadas em

evidências que reduzam o risco de doença”. Este trabalho engloba toda a cadeia de produção

alimentar. Nós promovemos um diálogo com os consumidores. Nós encorajamos a

colaboração interdisciplinar em todos os níveis, desde a fazenda até a mesa. Diferentes

autoridades em nível nacional e diferentes organizações internacionais terão que trabalhar

juntas e coordenar seus esforços neste trabalho” (WHO, 2002).

Ainda, segundo o Dr. Nabarro: “Atualmente FAO e OMS estão realizando uma

avaliação de riscos microbiológicos. A primeira será realizada em nível internacional. A

combinação alimento-patógeno vem sendo identificada através de consultas a diversos

especialistas no assunto, sendo que merecem atenção imediata, Listeria em alimentos prontos

para consumo, Campylobacter em aves domésticas, Vibrio em peixes e frutos do mar e

Salmonella em ovos e aves domésticas. Estas avaliações de risco vão fornecer subsídios para

as nações adaptarem-se à situação e tratar os patógenos com maior eficiência” (WHO, 2002).

A FAO/OMS apontam as vantagens de se investir na segurança e qualidade dos

alimentos: menor incidência de DTAs / ETAs, menos gastos em Saúde Pública, diminuição

das barreiras para o comércio internacional, menos perdas na produção e maior

competitividade (WHO, 2002).

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53

5.4. SITUAÇÃO NO CONTINENTE AFRICANO

Em poucos países do continente africano existe um serviço regular de vigilância

das DTAs / ETAs, embora se tenha conhecimento da importância das doenças diarréicas,

como alguns estudos têm demonstrado. Em comunidades urbanas muito pobres, é comum a

prática de se estocar refeições preparadas, em temperatura ambiente, por mais de 24 horas.

Isto acontece, em parte, por falta de combustível e, também, porque as mulheres preparam

refeições somente uma vez ao dia, pelo fato de trabalharem em locais distantes de suas casas.

Infelizmente, não são realizadas análises para identificar os patógenos causadores de DTAs /

ETAs, mas as observações indicam que enfermidades transmitidas por alimentos e água se

disseminam facilmente pelas comunidades, causando altas taxas de morbidade. Surtos de

cólera continuam ocorrendo na África desde a sétima pandemia em 1970. A doença tem

causado altos índices de morbidade e mortalidade em refugiados nos campos da Somália,

Etiópia e Sudão (WHO, 1997).

Ocasionalmente, surtos de DTAs / ETAs são documentados em países africanos.

Em 1991 foi descrito o maior surto de botulismo, com 18 mortes, ocasionadas pela ingestão

de um prato típico, faseikh, preparado à base de peixe com vísceras. Em 1994, 3 crianças

morreram e 6 outras tiveram diarréia severa, causada por Escherichia coli O157:H7, depois de

ingerir hamburgueres produzidos no Egito. Depois desse episódio, foram realizadas análises

para isolamento de Escherichia coli O157:H7 em 175 amostras de alimentos. O patógeno foi

detectado em 6% de amostras de leite não pasteurizado, em 6% das amostras de carne fresca

comercializada no varejo, em 4% das amostras de ossos de frango e em 4% das amostras de

carne de cordeiro (WHO, 1997).

Deve-se ressaltar a dificuldade para encontrar dados referentes ao número de surtos

ocorridos no Continente Africano e Oceania. Tal fato provavelmente se deve ao precário

sistema de notificação de surtos de ETAs nestes países, similar ao que acontece nos países da

América Central e América do Sul, inclusive no Brasil. Uma estimativa de ocorrência, para o

ano de 1997, pode ser observada na tabela 3.

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TABELA 3: Ocorrência de algumas DTAs / ETAs no continente Africano, de acordo

com classificação da estimativa da ocorrência de DTAs, de origem bacteriana.

DOENÇA / PATÓGENO ESTIMATIVA DE OCORRÊNCIA

Gastroenterite por Bacillus cereus +++ Botulismo + Brucelose * + / ++ Gastroenterite por Campylobacter +++ Cólera * + / ++ Enterite por Clostridium perfringens +++ Gastroenterites por Escherichia coli +++ Listeriose + Febre tifóide e paratifóide ++ Salmonelose +++ Shigelose +++ Intoxicação por Staphylococcus aureus +++ FONTE: Adaptado de Motarjemi & Kaferstein, 1997 * varia de acordo com a região pesquisada.

Classificação das DTAs / ETAs 4 grupos:

( - ) não ocorre

( + ) ocorre ocasionalmente (1 caso/100.000 habitantes por ano)

( ++ ) ocorre freqüentemente ( 1 a 100 casos/100.000 habitantes por ano)

( +++) ocorre com muita freqüência ( mais de 100 casos/100.000 habitantes por ano)

5.5. CONTINENTE ASIÁTICO

Com exceção de alguns países como o Japão, o sistema de vigilância das DTAs /

ETAs é bastante limitado, bem como as informações e os estudos acerca dos agentes

específicos causadores dessas doenças. Através de estudos realizados em pacientes do maior

hospital de Hong Kong, parece que a distribuição dos patógenos entéricos na população é

semelhante àquela que ocorre no Japão, exceto a proporção de Shigella, que é maior, e a de

Vibrio, que é menor. Nesse estudo, os patógenos de origem bacteriana apareceram nas

seguintes proporções: Salmonella (52,5%); Campylobacter (16,6%); Shigella (11,3%); Vibrio

(5,3%); Escherichia coli (4,4%) (Tsang & Yung, 1991).

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Pesquisas realizadas por Lee et al., comparando a ocorrência de surtos de DTAs /

ETAs no Japão e na República da Coréia, no período de 1971 a 1990, mostraram as

diferenças entre os dois países. A taxa de morbidade foi de 3,0/100.000 habitantes na

República da Coréia, com 2,48%, de óbitos, e de 29,2/100.000 habitantes no Japão, com

0,07% de óbitos. As tabelas 4, 5 e 6 apresentam alguns dos resultados dessa pesquisa (Lee et

al., 1996).

TABELA 4: Surtos de DTAs / ETAs, segundo agente etiológico, no Japão e República da

Coréia, no período de 1971 a 1990.

PAÍS AGENTE ETIOLÓGICO REPÚBLICA DA COREIA JAPÃO

Salmonella 23,1% 14,8% Staphylococcus aureus 14,9% 24,8% Clostridium sp. 0,5% 0,2% Vibrio sp. 37,6% 47,3% Escherichia coli 6,8% 3,5% Outras 17,1% 9,6% Fonte: Adaptado de Lee et al., 1996

TABELA 5: Surtos de DTAs / ETAs, segundo local de ocorrência, no Japão e República

da Coréia, no período de 1971 a 1990.

PAÍS LOCAL DE OCORRÊNCIA DO SURTO REPÚBLICA DA COREIA JAPÃO

Domicílio 48,8% 17,2% Restaurante 10,6% 32,7% Hotel 5,3% 11,5% Local de Trabalho 19,1% 0,3% Escola 2,5% 0,4% Outros 11,9% 0,16% Desconhecidos 1,3% 0,15% FONTE: Adaptado de Lee et al., 1996

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TABELA 6: Surtos de DTAs / ETAs, segundo alimentos envolvidos, no Japão e

República da Coréia, no período de 1971 a 1990.

PAÍS ALIMENTO ENVOLVIDO REPÚBLICA DA COREIA JAPÃO

Peixe e frutos do mar 31,8% 21,7% Produtos de origem animal 25,0% 3,6% Cereais, legumes e champignons 17,5% 14,6% Produtos de confeitaria 2,9% 1,2% Alimentos múltiplos 18,3% 9,6% Outros 1,9% 1,0% Desconhecidos 2,6% 48,3% FONTE: Adaptado de Lee et al., 1996

Pan et al. examinaram as enfermidades transmitidas por alimentos na província de

Taiwan (China), no período de 1987 a 1993. Neste período, o número de surtos de DTAs /

ETAs informados subiu de 57 para 93. Em 1994, o número foi de 102 surtos e 4.276 doentes.

Os agentes etiológicos envolvidos foram: Vibrio parahaemolyticus (em 42 casos);

Staphylococcus aureus (em 15 casos); Bacillus cereus ( em 11 casos); Salmonella sp. (em 6

casos). Os surtos por Vibrio parahaemolyticus ocorreram nos meses mais quentes, ou seja, de

abril a outubro. Neste trabalho, também foi demonstrado que as características dos surtos

ocorridos em Taiwan se assemelham aos casos que ocorreram no Japão e na República da

Coréia (Pan et al., 1996).

No Vietnã, no período de 1984 a 1988, foi estimado que 30 a 57% dos estudantes

universitários que moravam em albergues sofreram de diarréia, em função das más condições

de higiene no preparo e estocagem dos alimentos. Alimentos vendidos nas ruas de Hanói,

entre 1990-91, quando analisados , continham Escherichia coli e Clostridium perfringens.

Mais de 5.714 episódios de DTAs / ETAs documentadas entre 1983-88, foram causadas por

Salmonella, Escherichia coli e Staphylococcus aureus, sendo que 156 desses casos foram

fatais (Xoang, 1992).

A incidência de DTAs / ETAs na Malásia era de 9,62/100.000 habitantes, em

1981, e os agentes etiológicos que apareceram com maior freqüência foram: Staphylococcus

aureus, Vibrio parahaemolyticus e Salmonella sp. (Rampal, 1983).

Em Singapura, as principais bactérias isoladas em 7.344 pacientes com diarréia

foram: Salmonella (10,1%); Campylobacter (1,2%); Shigella (1,1%); Vibrio

parahaemolyticus (0,8%) e Vibrio cholerae (0,2%) (Lim & Tay, 1992).

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5.6. OCEANIA

Um estudo realizado por Cherar et al., nos anos de 1980 a 1995, na Austrália,

indicou os principais agentes bacterianos responsáveis pelas DTAs / ETAs. Estes dados

mostram semelhanças com o que ocorre em outros países industrializados. A bactéria do

gênero Salmonella aparece como agente predominante, não obstante a baixa incidência de

Salmonella enteritidis. A infecção por Vibrio parahaemolyticus ocorre com maior freqüência

do que na América do Norte ou Europa, provavelmente em função da grande parcela da

população australiana que vive próxima ao mar e se alimenta de peixes regularmente (Crerar

et al., 1996).

A tabela 7 mostra os principais agentes etiológicos de origem bacteriana

envolvidos em surtos de DTAs / ETAs na Austrália, no período de 1980-1995.

TABELA 7: Surtos de DTAs / ETAs ocorridos na Austrália, no período de 1980-1995,

segundo agente etiológico de origem bacteriana

AGENTE ETIOLÓGICO NÚMERO DE SURTOS

NÚMERO DE CASOS

NÚMERO DE ÓBITOS

Salmonella 27 1.323 1 Clostridium perfringens 14 280 0 Staphylococcus aureus 9 99 1 Campylobacter sp. 5 106 0 Bacillus cereus 5 27 0 Vibrio parahaemolyticus 4 181 2 Listeria monocytogenes 2 13 0 Escherichia coli O111 1 23 1 Clostridium botulinum 1 1 0 Desconhecido 42 1.514 0

TOTAL 68 3.567 5 FONTE: Adaptado de National Salmonellosis Survillance Scheme, Comunicable Diseases Intelligence Reports, Canberra, Austrália, 1995.

5.7. AMÉRICA DO NORTE

No Canadá, as informações relativas às enfermidades entéricas mostram que está

aumentando a incidência de Campylobacter, diminuindo a incidência de Salmonella e

Escherichia coli O157:H7 atingiu um pico depois de ser reconhecida como patógeno, em

1982 e, desde então, as taxas de DTAs / ETAs causadas por essa bactéria, estão decrescendo.

Nos Estados Unidos, as taxas de salmoneloses e shigeloses aumentaram no período de 1992 a

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1995. Dados disponíveis sobre enfermidades entéricas causadas por Escherichia coli

O157:H7 aparecem somente a partir de 1994, com 1.420 casos notificados nesse ano e 2.139

notificados em 1995. Publicações recentes mostram que esse patógeno tem uma taxa de

morbidade aproximada de 0,5/100.000 habitantes, nos Estados Unidos, e 4,0/100.000

habitantes, no Canadá (WHO, 1997).

Nos Estados Unidos os casos de salmoneloses alcançaram um patamar

aproximado de 40.000 por ano, enquanto que, no Canadá, o número foi de 9.000 por ano, na

última década. Salmonella enteritidis tornou-se o patógeno transmitido via alimentos de maior

incidência nos últimos 15 anos (Todd, 1996).

Doenças causadas por Escherichia coli O157:H7 e outras linhagens de

Escherichia coli enterohemorrágicas (VTEC), envolvidas em surtos em ambos os países,

tiveram como principal via de transmissão carne moída, além de vegetais, leite e suco de

maçã. Infelizmente, há uma defasagem de informações acerca dos patógenos causadores de

surtos de DTAs / ETAs, devido à falta de integração entre os laboratórios que procediam o

isolamento e identificação desses patógenos e os sistemas de vigilância sobre as DTAs /

ETAs, tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá (Bean, 1996).

Contudo, em virtude da crescente preocupação dos órgãos de Saúde Pública, nos

Estados Unidos, foram criados “locais sentinela” para monitorar os casos de doenças

entéricas. O Canadá também melhorou o sistema de vigilância existente sobre as DTAs /

ETAs (WHO, 1997).

Estabelecida em 1996, nos Estados Unidos da América, a “FoodNet” é um

sistema integrado de vigilância que conta com a colaboração do Centro de Controle e

Prevenção de Doenças (CDC), do Departamento de Agricultura Norte-americano (USDA), do

“Food and Drug Administration” (FDA) e de alguns departamentos estaduais de saúde. A

“FoodNet” mantém vigilância ativa para sete bactérias e dois parasitas, causadores de DTAs /

ETAs, em uma população definida, que engloba 20,5 milhões de americanos. Pesquisas

adicionais conduzidas dentro da “FoodNet,” nos distritos selecionados, fornecem informações

sobre a freqüência dos casos de diarréia na população em geral, a proporção de pessoas com

diarréia em tratamento e a freqüência de coproculturas solicitadas pelos médicos e realizadas

pelos laboratórios, relativas aos patógenos selecionados, causadores de DTAs / ETAs. As

bactérias sob vigilância ativa da “FoodNet” são: Campylobacter, Escherichia coli O157:H7,

Listeria, Salmonella, Shigella, Vibrio e Yersínia. Os parasitas são: Cryptosporidium e

Cyclospora (CDC, 1999).

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O Sistema Nacional de doenças notificáveis e o Sistema de Informação da Rede

de Laboratórios de Saúde Pública coletam dados através do Sistema Nacional de Vigilância

passiva para uma ampla cadeia de doenças relatadas pelos médicos e laboratórios,

colaborando com a “FoodNet”. O Sistema de Vigilância dos Estados da Costa do Golfo,

coletam dados de infecções por Vibrios em locais pré-determinados e o Sistema de Vigilância

de surtos de DTAs / ETAs recebem os dados de todos os estados sobre casos

reconhecidamente de surtos de DTAs / ETAs (definidos como dois ou mais casos de doença

semelhante resultante da ingestão de um mesmo alimento) (CDC, 1999).

Para melhor quantificar o impacto das DTAs / ETAs sobre a saúde da população

nos Estados Unidos da América, pesquisadores do CDC compilaram e analisaram

informações de múltiplos sistemas de vigilância e de outras fontes. Estimou-se que

aproximadamente 76 milhões de pessoas sofram DTAs / ETAs anualmente, com 325.000

hospitalizações e 5.000 óbitos a cada ano. Estimativas mostraram 14 milhões de doentes,

60.000 hospitalizações e 1.800 óbitos, causados por patógenos conhecidos. Três patógenos,

Salmonella, Listeria e Toxoplasma, foram responsáveis por 1.500 óbitos a cada ano.

Patógenos desconhecidos contabilizaram cerca de 62 milhões de casos com 265.000

hospitalizações e 3.200 óbitos. Apesar disto, DTAs / ETAs aparecem em maior número de

casos, mas com menor número de óbitos, do que o previsto nas estimativas (Mead et al.,

1999).

Contudo, na atualidade, devido às mudanças no abastecimento de alimentos,

identificação de novas DTAs / ETAs e a disponibilidade de novos dados dos sistemas de

vigilância, esses números acima citados tornaram-se obsoletos. Atualmente, são necessárias

estimativas mais acuradas para direcionar esforços relativos à prevenção e avaliação da

efetividade dos regulamentos empregados para garantir a segurança alimentar (Mead et al.,

1999).

Manter um sistema efetivo de vigilância sobre as DTAs / ETAs é relativamente

complicado, tendo em vista uma série de fatores desfavoráveis. O primeiro é a subnotificação.

Embora DTAs / ETAs possam ser severas ou fatais, os casos mais leves ou menos freqüentes

não são detectados através da vigilância rotineira. O segundo é o fato de que, muitos

patógenos transmitidos por alimentos, são também disseminados pela água ou diretamente de

pessoa a pessoa, obscurecendo a cadeia de transmissão das DTAs / ETAs. O descarte do (s)

alimento (s) suspeito (s) que deveria ser analisado para a pesquisa do patógeno causador da

doença, constitui um fator complicador na correta investigação de um surto. Finalmente,

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algumas enfermidades transmitidas por alimentos ainda não estão bem esclarecidas e assim

não podem ser diagnosticadas. Muitos patógenos que hoje causam grande preocupação não

eram reconhecidos há 20 anos atrás, como por exemplo, Campylobacter, Escherichia coli

O157:H7, Listeria monocytogenes, dificultando uma estatística mais precisa sobre as DTAs /

ETAs (Mead et al., 1999).

A tabela 8 mostra uma estimativa de casos de ETAs, número de surtos e tipo de

vigilância que forneceu a informação. Para todos os patógenos, o número de surtos e casos

informados foram calculados pela média anual de todos os casos relatados ao CDC no período

de 1983 a 1992, cujos dados encontram-se disponíveis e publicados. Essa média de casos foi

ajustada à população total dos Estados Unidos em 1997.

TABELA 8: DTAs / ETAs relatadas e estimadas nos Estados Unidos da América,

causadas por patógenos conhecidos, de origem bacteriana, a partir de 1996.

CASOS RELATADOS SEGUNDO O TIPO DE VIGILÂNCIA

AGENTE ETIOLÓGICO

TOTAL DE CASOS ESTIMADOS

ATIVA PASSIVA SURTOS Bacillus cereus 27.360 00 720 72 Clostridium botulinum 58 00 29 00 Campylobacter spp. 2.453.926 64.577 37.496 146 Clostridium perfringens 248.520 00 6.540 654 Escherichia coli O157:H7 73.480 3.674 2.725 500 Escherichia coli, outras 195.580 1.837 4.180 209 Listeria monocytogenes 2.518 1.259 373 00 Salmonella typhi 824 00 412 00 Salmonella spp. 1.412.498 37.171 37.842 3.640 Shigella 448.240 22.412 17.324 1.476 Staphylococcus aureus 185.060 00 4.870 487 Vibrio cholerae 54 00 27 00 Vibrio vulnificus 94 00 47 00 Outros Vibrios 7.880 393 112 00 Yersinia enterocolítica 96.368 2.536 00 00 TOTAL 5.152.460 133.859 112.697 7.184 FONTE: Adaptado de Mead et al., 1999.

Independente do sistema de vigilância, muitos casos de ETAs não são notificados

por muitas razões: as pessoas doentes não procuram atendimento médico, o serviço de saúde

não coleta amostras do paciente para análise, o laboratório que realiza a análise não executa

os testes necessários para identificar o patógeno e o resultado do exame não é comunicado ao

Serviço de Saúde Pública. Portanto, para calcular o número total de doenças causadas por

patógenos específicos, é necessário contabilizar os casos não notificados, por exemplo, a

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diferença entre os casos informados e o número de casos que realmente ocorreram na

comunidade. Para Salmonella, um patógeno que tipicamente não provoca diarréia com

sangue, o grau de casos não informados é estimado, por exemplo, em mais de 38 vezes o

número conhecido, segundo Voetsch (manuscrito ainda não publicado). Para Escherichia coli

O157:H7, bactéria que provoca diarréia sanguinolenta, o grau de episódios não notificados é

20 vezes maior. Pelo fato de informação similar não estar disponível para outros patógenos,

foi utilizado um fator 38 para patógenos que causam diarréia sem sangue (Salmonella,

Campylobacter) e fator 20 para patógenos que provocam diarréia sanguinolenta (Escherichia

coli O157:H7, Shigella). Para patógenos que tipicamente causam doenças severas

(Clostridium botulinum, Listeria monocytogenes), utilizou-se arbitrariamente multiplicar por

2, um fator muito abaixo, supondo-se que, na grande maioria dos casos, procura-se cuidado

médico. Em locais onde existem os dois tipos de vigilância, ativa e passiva, foram utilizados

os números fornecidos pelo sistema de vigilância ativa, quando da estimativa do número dos

casos ocorridos (CDC, 1999).

No período de 1996-97, a população pesquisada pela “FoodNet” apresentou uma

taxa de 1,4 episódios de diarréia por pessoa/ano. A taxa de doenças diarréicas, definindo

diarréia como 3 evacuações num período de 24 horas, perdurando por um dia ou interferindo

nas atividades normais, foi de 0,75 episódios por pessoa/ano (CDC, 1999).

Critérios estabelecidos pela “FoodNet”, para a população pesquisada indicam que

a taxa de hospitalizações foi 7,2 hospitalizações/1000 pessoas/ano, devido à doenças

diarréicas, sendo, 3,5 hospitalizações/pessoa/ano, (equivalente a 936.726), devido à

Gastroenterites agudas.

De 1996 a 1999, a incidência de infecções por três agentes microbianos

conhecidos, sob vigilância pelo sistema “Foodnet”, e confirmadas laboratorialmente, sofreram

declínio substancial em cinco estados norte-americanos. Neste período, a incidência de

Campylobacter caiu 26% em todos os estados, a de Shigella caiu 44% e a de Escherichia coli

O157:H7 caiu 22%.. A incidência de Listeria, Vibrios infecciosos e Yersinia permaneceu

inalterada durante esse período de 4 anos (CDC, 2000).

5.8. AMÉRICA CENTRAL E AMÉRICA DO SUL

Todos os países da América Central, América do Sul e Caribe possuem algum

tipo de sistema para notificação de doenças. As doenças diarréicas aparecem como uma das

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maiores causas de morte entre crianças menores de um ano. Citamos como exemplo a

Nicarágua, onde o número de óbitos é de 967/100.000 crianças abaixo de um ano, contra

0,5/100.000 crianças no Canadá. Crianças menores de 5 anos, na Nicarágua, sofrem de 4 a 7

episódios de diarréia por ano. As causas dessas doenças, em geral, não são conhecidas, mas

disenteria amebiana, triquinose, giardiase, shigelose, brucelose, febre tifóide, Escherichia coli

e hepatite infecciosa estão registradas na América Latina e Caribe e há fortes indícios da

ligação dessas doenças com o consumo de alimentos contaminados (OPAS, 1996).

Em 1991, uma epidemia de cólera, inicialmente registrada no Peru, onde

ocorreram cerca de 600.000 casos, alastrou-se rapidamente por diversos países, entre os quais,

Brasil, El Salvador, Nicarágua, Honduras, Guatemala, México, Bolívia, Equador e Colômbia,

causando 1.229 óbitos, entre os 112.611 casos notificados (OPAS, 1995).

O número total de casos de cólera e óbitos, entre 1991 e 1994, foi de 1.061.188 e

9.989, respectivamente. A principal fonte da doença, provavelmente, foi alimentos

contaminados. Em 1991, Vibrio cholerae 01 foi encontrado no Peru em água, efluentes de

esgotos, peixes, moluscos e plâncton, com contagem de 105 UFC / 100 mL (Tamplin &

Parodi, 1991).

A doença se alastrou, em parte, devido ao consumo de alimentos vendidos nas

ruas e bebidas contendo gelo, preparado com água contaminada (Ries et al., 1992).

No México, Escherichia coli enterotoxigênica constitui importante agente

causador de diarréias entre crianças com idade abaixo de 5 anos. Salmonella também ocorre

com freqüência. Em Cuba, Staphylococcus aureus é o agente etiológico que ocorre com maior

freqüência, sendo responsável por 22,6% de todos os surtos ocorridos no país, seguido de

Clostridium perfringens, Escherichia coli (sorotipo não identificado), Salmomella e Bacillus

cereus. O número de surtos causados por microrganismos aumentou no período de 1985 a

1988. Carne bovina, suína, de aves, peixes e moluscos são os alimento que estiveram

implicados em surtos de DTAs / ETAs. Doces recheados com nata foram a principal fonte de

contaminação por Staphylococcus aureus. Em outros oito países, surtos de DTAs / ETAs

foram registrados, mas com poucas informações disponíveis sobre o agente etiológico

responsável ou alimentos implicados (OPAS, 1997).

Na Argentina, Salmonella enteritidis e Escherichia coli O157:H7 foram

responsáveis por DTAs / ETAs. Entre 1986 e 1990, 35 surtos de Salmonella enteritidis

afetaram 3.500 pessoas, através de aves insuficientemente cozidas e ovos usados no preparo

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de maionese. Entretanto, na Venezuela, Colômbia e Brasil, Staphylococcus aureus foi o

agente responsável pela maioria de casos de surtos de DTAs / ETAs (Eiguer et al., 1990).

A tabela 9 mostra o número de surtos de DTAs / ETAs registrados em 9 países da

América Central e América do Sul:

TABELA 9: Número de surtos, de casos e outras informações relativas a DTAs / ETAs

em 8 países da América Central e América do Sul.

PAÍS PERÍODO No DE SURTOS

No DE CASOS OUTRAS INFORMAÇÕES

Brasil 1985-1989 42 – 90 / ano 5.627 – 9.758 3,0 a 5,7% dos casos necessitaram hospitalização

Colômbia 1983-1988 Não informado 5.281 – 8.668

República Dominicana

1989-1990

45

196

El Salvador

1989

Não informado

509

Guatemala

1987-1989

9

32

20 hospitalizações

México

1981-1990

363

14.412

Venezuela

1989 1990

23 14

293 400

Argentina

1986-1990

35

3.500

Somente Salmonella enteritidis

FONTE: Adaptado de OPAS, 1997. NOTA: Entende-se como de difícil compararação os dados obtidos nos diversos países, em

virtude das diferenças entre os sistemas de notificação, investigação e relatos dos surtos de

ETAs em cada um deles.

Programas de inocuidade de alimentos nas Américas, receberam mais atenção,

como resultado da reunião do grupo especial da Comissão Pan-Americana de Inocuidade de

Alimentos (COPAIA), realizada em julho de 2001. O encontro foi promovido pelo Instituto

Pan-Americano de Proteção de Alimentos e Zoonoses (INPPAZ) da Organização Pan-

Americana de Saúde (OPAS) e contou com a participação de representantes da Argentina,

Brasil, Estados Unidos da América, México, Peru, Canadá, Suriname e Uruguai. O propósito

fundamental da COPAIA é contribuir para melhorar a qualidade dos alimentos em toda a

cadeia produtiva, por meio do desenvolvimento de políticas voltadas para programas

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específicos com a finalidade de garantir a segurança alimentar e promover a integração entre

produtores e consumidores. Para atingir estes objetivos, foi formada uma comissão de alto

nível político, integrada por Ministros da Saúde e Agricultura, representantes dos produtores e

representantes dos consumidores dos países das Américas (OPAS, 2001).

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6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1. UM SURTO DE ENFERMIDADE TRANSMITIDA POR ALIMENTOS (ETA) OCORRIDO NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA

Na data de 03/10/2001 ocorreu um surto de ETA entre os funcionários de uma

indústria madeireira sediada no distrito industrial de Ponta Grossa – PR, ocasionado por

alimento(s) servido(s) durante o jantar do dia 02/10/2001 na referida empresa. As refeições

são preparadas por um restaurante terceirizado, que serve a indústria desde a sua instalação no

município no ano de 2000.

No dia seguinte, 03/10/01, vários funcionários da indústria, apresentaram

sintomas da doença com forte diarréia, sendo que alguns apresentaram os sintomas algumas

horas após o jantar.

Na data de 04/10/2001, um funcionário da empresa telefonou para o serviço de

Vigilância Epidemiológica da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa (VIEPI), informando o

surto ocorrido e solicitando providências. Imediatamente, duas técnicas da equipe foram até o

local para proceder a investigação e obtiveram as seguintes informações:

Vários funcionários tiveram diarréia violenta, algumas horas após o jantar e os sintomas

persistiam até o momento da investigação;

Que os alimentos servidos foram: frango empanado, chuchu cozido com carne bovina

moída, farofa, arroz, feijão, salada de alface e tomate, repolho refogado, couve-flor e

pepino;

Foram entrevistados 21 funcionários que apresentaram os sintomas da ETA;

Todos fizeram a refeição do dia 02/10/01 entre 19h:30min e 20:00h;

Um ônibus da indústria, no dia 03/10/01, havia levado cerca de 25 funcionários para

serem atendidos no Pronto Socorro Municipal. Apenas um funcionário ficou em

observação até a manhã seguinte sendo os demais atendidos, medicados e liberados em

seguida;

Dos funcionários atendidos no Pronto Socorro Municipal, apenas aquele caso que ficou

em observação foi notificado ao Serviço de VIEPI, e registrado como ETA, sendo os

demais anotados nas fichas de atendimento apenas como gastroenterite (GET), sem

constar a causa;

Não foi solicitado exame de coprocultura de nenhum dos pacientes atendidos;

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Não havia nenhuma sobra dos alimentos servidos para ser enviada ao LACEN-PR a fim

de proceder análise microbiológica;

Na data de 04/10/01, perto das 14:00h, estavámos na Prefeitura Municipal de

Ponta Grossa para coletar informações quanto ao registro de surtos para esta dissertação,

quando fomos informados do que estava ocorrendo. Neste momento a enfermeira da VIEPI

me informou que a equipe da Vigilância Sanitária (VISA) estava se dirigindo até a empresa

fornecedora das refeições para proceder a inspeção. Solicitei ao médico veterinário

responsável para que pudesse acompanhar a visita.

Ao chegarmos à empresa fomos recebidos pela proprietária que autorizou a

inspeção. Quando indagada a respeito do surto, relatou não acreditar que o caso apresentasse

gravidade, inclusive insinuando que alguns funcionários teriam pego “carona” no ônibus que

os conduziu até o Pronto Socorro apenas para fugir do trabalho.

Visitamos todas as dependências do restaurante que funciona dentro de um clube

social da cidade. Constatamos que a área física era bastante precária, não apresentando fluxo

adequado ao número de refeições preparadas diariamente, mais de 500, além de atender com

exclusividade o clube em todas as solenidades de jantares, festas de aniversário e outras,

também sendo responsável pelo funcionamento do bar, com preparo de salgados e petiscos.

Além da precariedade da área física, o número de cozinheiros é insuficiente e não têm

treinamento para a função. Os frezers estavam abarrotados de carnes, sem controle de

temperatura, apresentando muita sujidade e ferrugem. Próximo à área de manipulação, fica a

lavanderia, junto aos armários onde são guardados pratos e talheres, tudo em estado precário e

com muita sujidade. Todas as dependências estavam em estado crítico devido à falta de

higienização.

Após meia hora de inspeção, o técnico da VISA solicitou verbalmente à

proprietária uma planta baixa com as devidas reformas no local, sendo que ela deveria

apresentar a citada planta em no máximo 15 dias. Nada mais foi feito ou observado e

deixamos o local.

Retornando à VIEPI, recebi a informação da equipe técnica, que não havia mais

nada a fazer referente ao surto, pois não havia dados suficientes para se chegar a alguma

conclusão.

Quatro meses depois do surto, a proprietária do restaurante enviou a planta baixa

do local, com as devidas reformas, que está sendo analisada pelo engenheiro da VISA

municipal.

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Consta na Lei 13331 de 23 de novembro de 2001 do Estado do Paraná, na Seção

XXI, em seu artigo 367: “A SESA/ISEP coordenará as ações de vigilância epidemiológica de

doenças transmitidas e/ou veiculadas por alimentos, através do sistema estadual de

notificação, investigação e controle de agravos”. Parágrafo Único: “Os serviços de vigilância

sanitária e epidemiológica municipais deverão notificar de imediato e obrigatoriamente, a

SESA/ISEP, os agravos por doenças transmitidas e/ou veiculadas por alimentos”

(SESA/ISEP, 2001).

A identificação de um surto de ETA deve ser realizada através de inquérito

epidemiológico, conduzido entre os indivíduos que tenham ou não consumido o(s)

alimento(s) suspeito(s), apresentando ou não os sintomas característicos da doença. Também

devem ser realizados exames laboratoriais em amostras de material fecal dos doentes e em

amostras dos alimentos suspeitos. Deve-se considerar que nem todos os indivíduos que

consumem o mesmo alimento contendo um agente patogênico, apresentam a mesma

sintomatologia. O período de incubação, a gravidade e a duração da doença podem ser

diferentes, dependendo da idade, estado nutricional, sensibilidade do indivíduo e da

quantidade de alimento ingerido (Franco & Landgraf, 1996).

Para Nervino & Hirooka, a notificação das ETAs é uma ação importante para

melhorar a qualidade higiênico-sanitária na produção dos alimentos. O mapeamento das

ETAs fornece subsídios para o desenvolvimento de medidas políticas, legislativas, priorização

de pesquisa e avaliação de programas que visem o controle dos surtos epidêmicos (Nervino &

Hirooka, 1997).

Os sistemas de notificação têm evoluído e modernizado, no entanto, os surtos

epidêmicos produzidos por alimentos contaminados são subnotificados em quase todos os

países, suspeitando-se que em alguns países a subnotificação atinge um índice de até 90%

(Nervino & Hirooka, 1997).

É importante salientar que a notificação de surtos de ETAs em nosso país é

incipiente (Jakabi et al, 1999).

Os surtos e incidências de infecções e intoxicações de origem alimentar requerem

investigações cuidadosas quanto à história dos alimentos veículos, com estudos ambientais

das áreas de produção e preparo, da maneira mais detalhada possível. Os locais onde

ocorreram as doenças e as áreas de disseminação podem incluir fazendas que produziram os

alimentos, revendedores, estabelecimentos comerciais, indústrias, fornecedores de refeições

coletivas, restaurantes comerciais, cantinas e cozinhas domésticas. As condições de transporte

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68

dos animais vivos e dos gêneros alimentícios também podem aumentar a disseminação de

patógenos (Hobbs & Roberts, 1998).

As provas das causas de um surto dependem do isolamento e identificação do

agente causal, nas fezes do maior número de pacientes possível e no alimento veículo. As

fezes dos manipuladores dos alimentos também devem ser examinadas. Também as mãos,

nariz e garganta destes manipuladores devem ser submetidas a “swab”, se necessário, pois o

Staphylococcus aureus pode ter contaminado os alimentos cozidos dando início a uma

intoxicação através de sua toxina. Da mesma forma, trabalhadores podem se contaminar com

alimentos que tocam e passam a excretar organismos como Salmonella, por exemplo,

encontrada em aves e ovos. Quanto mais rápido possível as notificações dos surtos chegarem

às autoridades, mais cedo as primeiras amostras podem ser coletadas e examinadas e as

investigações retrospectivas iniciadas (Hobbs & Roberts, 1998).

Na Inglaterra e País de Gales, entre os anos de 1970 e 1982 foram registrados

1.500 surtos de ETAs, sendo que estes representam apenas 20% dos surtos que realmente

aconteceram. Os números são baixos porque faltaram dados epidemiológicos para a conclusão

dos demais surtos e muitos casos não chegaram ao conhecimento das autoridades sanitárias.

No Estado do Paraná, foram notificados 2000 surtos de ETAS entre os anos de 1978 e 2000,

refletindo cerca de 10% do que realmente aconteceu, segundo o médico veterinário Natal Jataí

de Camargo, da SESA – Pr (Hobbs & Roberts, 1998 ; SESA, 2002).

No Reino Unido, as investigações de surtos e o controle epidemiológico são de

responsabilidade do Serviço Nacional de Saúde (NHS) e das autoridades locais. A

investigação das ETAs, na Inglaterra e no País de Gales é facilitada por um sistema de

notificações obrigatórias previstas nas leis do NHS e da Saúde Pública. Os casos suspeitos e

os em ocorrência devem ser comunicados às autoridades sanitárias locais através de laudos

médicos. Os surtos e outros acontecimentos importantes envolvendo alimentos necessitam ser

comunicados ao Departamento de Saúde (DH), aos oficiais do Centro de Serviços

Laboratoriais de Saúde Pública (PHLS), no País de Gales, Centro de Vigilância de Doenças

Transmissíveis (CDSC) e, na Escócia, à Unidade de Doenças Transmissíveis. Os memorandos

referentes às ETAs (188/Méd. HMSO, 1982), publicados pelo DHSS, oferecem os

procedimentos legais para as investigações e controles, tanto na Inglaterra, como no País de

Gales. Surtos em qualquer localidade são imediatamente comunicados às autoridades. O

Serviço Médico de Saúde Ambiental (MOHE) e o Centro de Controle de Doenças

Transmissíveis (CCDC), comunicam ao PHLS, CDS ou às unidades de CDS. Em certos

Page 69: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

69

casos, é responsabilidade dos gerentes de estabelecimentos que manipulam alimentos,

comunicar ao MOHE ou aos serviços apropriados a ocorrência de surtos. A velocidade da

comunicação é de vital importância, principalmente quando os alimentos suspeitos são

distribuídos em nível nacional ou internacional (Hobbs & Roberts, 1998).

Profissionais de muitas áreas participam das investigações de surtos de ETAs,

incluindo aqueles ligados aos órgãos de saúde ambiental, epidemiologistas, especialistas em

saúde comunitária e saúde portuária, cientistas da área de alimentos, juntamente com clínicos,

veterinários, microbiologistas e as pessoas intimamente envolvidas com a produção de

alimentos, como os cozinheiros e manipuladores, fabricantes de alimentos e refeições e

trabalhadores das fazendas. Estudos detalhados de casos registrados em pacientes hospitalares

são valiosos e as conversas com estes pacientes a respeito de seus hábitos de compra e hábitos

de alimentação podem revelar fatos importantes para a investigação (Hobbs & Roberts, 1998).

Nos Estados Unidos a vigilância de doenças de maior importância em Saúde

Pública, vem se desenvolvendo há muitos anos. O sistema legal de vigilância é de

responsabilidade dos escritórios estaduais de epidemiologia que compartilham dados com o

CDC. O sistema de vigilância depende inicialmente do médico para notificar as doenças

específicas e as condições em que elas de desenvolveram, sendo essas notificações

encaminhadas aos departamentos de saúde em nível local, que encaminham para os

departamentos estaduais e estes para os departamentos federais. Outra estratégia

implementada a partir de 1996 é o de vigilância ativa em populações específicas que

permanecem sob sentinela, em cinco locais determinados. Recursos adicionais foram

possibilitados pelo contato direto com laboratórios que informam regularmente infecções

bacterianas de origem alimentar. Também são observados, a população, os médicos e

laboratórios para medir a proporção de incidência de diarréia que não são diagnosticadas ou

não foram informadas, podendo desta forma ser estimada a incidência real de casos de

diarréia. Esta vigilância, conhecida como “FoodNet”, é um sistema através do qual as

investigações são mais detalhadas, incluindo estudo de caso-controle e casos esporádicos das

ETAs mais comuns (Tauxe, 1999).

O CDC possui um guia para uma investigação dos surtos de ETAS. Neste guia, é

solicitado o preenchimento das seguintes informações:

Local de exposição;

Data em que o primeiro paciente apresentou os sintomas da doença e data em que ocorreu

a primeira e última exposição ao(s) alimento(s) suspeito(s);

Page 70: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

70

Número de expostos sob a jurisdição do investigador;

Porcentagem aproximada do total de casos por faixa etária;

Estimativa da porcentagem de casos entre homens e mulheres;

Métodos de investigação;

Alimento(s) implicado(s);

Agente etiológico responsável pelo surto, utilizando os critérios referidos pelo MMWR

1996 / Volume 45 / ss-5 / Appendix B, fornecendo o maior número de detalhes sobre o

microrganismo ou a toxina;

Fatores que contribuíram para a ocorrência do surto: fatores de contaminação, proliferação

e sobrevivência do agente etiológico;

Agência que informou o surto;

Período de incubação;

Duração da enfermidade aguda entre os pacientes que já se recuperaram;

Cálculo da taxa de ataque;

Identificação dos ingredientes utilizados para o preparo do(s) alimentos(s) suspeito(s);

Onde o alimento foi preparado?

Onde o alimento foi consumido?

Outras informações disponíveis;

Descrição de aspectos considerados relevantes durante a investigação do surto que não

constam deste guia (CDC, 1999).

No Brasil, a investigação de surtos de ETAs deve seguir o protocolo do Ministério

da Saúde, esquematizado na figura 2, segundo Silva Jr.(1995).

No município de Ponta Grossa, conforme pudemos observar em vários dados

coletados, as investigações de surtos de ETAs não são realizadas conforme preconizado pelos

órgãos competentes nacionais e internacionais. Existem muitos pontos a serem melhorados,

desde as entrevistas com as pessoas que foram vítimas dos surtos, até a coleta de materiais

para análise laboratorial, tanto de alimentos quanto de material para coprocultura. A figura 2

mostra um esquema sobre a investigação de surtos no Brasil. O roteiro para tal investigação

está detalhado no Manual para investigação de surtos de enfermidades transmitidas por

alimentos da SESA/ISEP.

Page 71: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

71

FIGURA 2: ESQUEMA PARA INVESTIGAÇÃO DE SURTOS DE ETA NO BRASIL.

Adaptado de Silva Jr., 1995.

PROCEDIMENTOS PARA DIAGNÓSTICO DOS SURTOS DE ENFERMIDADES TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS

DIAGNÓSTICO DOS SURTOS DE ETAs

Diagnóstico dos fatores que levaram ao surto

Diagnóstico do agente etiológico

Técnica de preparação utilizada para cada alimento

Armazenamento (tempo e

temperatura de refrigeração)

Distribuição tempo e

temperatura (“pass through” e balcão térmico)

Condições ambientais

(análise microbiológica de

utensílios e equipamentos)

Coleta de amostras (análise microbiológica)

Quadro clínico (freqüência de

sintomas)

Período de incubação e duração da doença

Cardápio (alimentos envolvidos)

Índice de ataque

(para cada alimento)

Coprocultura Surto de infecções intestinais

(portadores)

Page 72: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

72

6.2. SITUAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRODUTORES DE ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR.

Para coletar os dados referentes à situação dos estabelecimentos que produzem

alimentos no município de Ponta Grossa, foi realizada entrevista com o Médico Veterinário,

responsável pela Vigilância Sanitária de Alimentos do Instituto de Saúde de Ponta Grossa, na

data de 03/05/2002.

O Serviço de Vigilância Sanitária de Alimentos (VISA) no município de Ponta

Grossa está municipalizado desde o ano de 1991. Até então, o serviço era de responsabilidade

da Secretaria de Estado da Saúde, 3a. Regional de Saúde de Ponta Grossa.

Hoje o município conta com uma equipe de 07 técnicos de nível médio, sob a

supervisão de um médico veterinário em apenas 4 horas diárias, pois o mesmo também é

responsável pela Divisão de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde de Ponta Grossa.

Raramente estes técnicos participam de cursos de atualização para as funções desempenhadas,

pois não dispoem de tempo, fora do expediente de trabalho para tal, o que dificulta a melhoria

do nível das inspeções. Possui apenas um veículo “Kombi” que não é exclusivo do serviço,

sendo destinado também ao transporte de pessoas doentes. Conta com um computador, mas

não existem dados informatizados, nem mesmo cadastro dos estabelecimentos.

O número de estabelecimentos que manipulam alimentos, instalados no município

de Ponta Grossa consta na tabela 10, porém não é exato, segundo a equipe técnica da VISA.

TABELA 10: Número de estabelecimentos que manipulam alimentos no município de

Ponta Grossa, em 2002.

ESTABELECIMENTOS QUANTIDADE

Fábricas de produtos de origem animal 43

Lanchonetes Aproximadamente 200

Panificadoras Aproximadamente 140

Restaurantes Aproximadamente 140

Vendedores Ambulantes Aproximadamente 137

TOTAL APROXIMADO 660

FONTE: Instituto de Saúde de Ponta Grossa, 2002.

Page 73: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

73

Segundo o médico veterinário responsável pelo serviço de VISA de alimentos, no

município de Ponta Grossa, a meta estabelecida é de 1,5 inspeções por ano em cada um dos

estabelecimentos, mas são realizadas aproximadamente 0,7 inspeções anualmente.

Quando da autuação desses estabelecimentos, alguns não têm o processo

concluído, por dificuldades de retorno dos técnicos para proceder a vistoria, com finalidade de

verificar o cumprimento dos itens em desacordo com a legislação vigente.

O entrevistado ressalta a baixa remuneração dos técnicos da VISA, a falta de um

plano de cargos de salários e a falta de gratificação por atividade específica como motivos de

descontentamento da equipe. Informa também que a ingerência política diminuiu

consideravelmente na gestão atual, mas ainda falta planejamento de atividades e

aplicabilidade deste planejamento. Há também falta de recursos, principalmente veículo

exclusivo destinado às inspeções dos estabelecimentos que produzem alimentos no município

de Ponta Grossa e programas de informatização para melhorar o controle e acompanhamento

dos trabalhos realizados.

Desde os primórdios da organização social, observamos a edição de leis

destinadas a proteger as populações contra a adulteração e fraudes de alimentos, bem como

reduzir o risco de contrair doenças que possam ser transmitidas pelos alimentos. Para

implementar e fazer cumprir tais legislações, é reconhecido o poder de polícia do Estado,

responsável pela manutenção da salubridade pública. No Brasil, a implementação da

legislação de proteção à saúde, relacionada à segurança alimentar, é designada pela expressão

“vigilância sanitária de alimentos” (Dallari et al, 2000).

Um estudo realizado por Dallari et al. (2000), na Vigilância Sanitária de

Alimentos, no município de São Paulo - SP, revelou um quadro muito semelhante ao que foi

por nós observado no setor de Vigilância Sanitária de Alimentos no município de Ponta

Grossa – PR: A pesquisa revelou a falta de critérios técnicos para a organização dos serviços,

assim como, falta de planejamento e metodologia para as ações de vistoria; não há

monitoramento dos locais de maior risco à saúde pública, visto que, não há técnicos em

número suficiente e veículo à disposição quando necessário, além de se trabalhar as vistorias

baseadas em denúncias da população; o fato de não haver cadastro informatizado dos

estabelecimentos, dificulta um acompanhamento por parte dos técnicos; os dados obtidos

através dos laudos de inspeção sanitária não são utilizados para o planejamento e avaliação do

serviço, desprezando-se a fundamentação epidemiológica das ações, instaurando-se a cultura

da informação burocrática; o setor pratica ações isoladas dos demais setores de vigilância à

Page 74: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

74

saúde, agindo de forma individualizada e portanto, com menor eficácia na prevenção do risco

do consumo de alimentos, agindo de forma contrária com o que prescreve o Sistema Único de

Saúde – SUS (Lei 8.080 de 19/09/90, art.6o., parágrafo 1o. e art. 7O., VIII) (Dallari et al,

2000).

Valente (2001) comenta em seu trabalho, a respeito da ausência de programas e

projetos dirigidos à atividade da Vigilância Sanitária que apresentem objetivos claros,

concebidos em consonância com as políticas de saúde, em resposta às necessidades da

população. Destaca também as dificuldades técnicas dos municípios em aplicar os

instrumentos legais em função da falta de recursos financeiros para contratação e treinamento

de pessoal, manutenção do quadro de funcionários já capacitados que muitas vezes são

deslocados de suas funções, aquisição de materiais apropriados para as inspeções, desde

veículos até termômetros, medidores de pH, máquinas fotográficas, computadores e

adequação da área física do setor de Vigilância Sanitária, que em Ponta Grossa é precário,

tanto em dimensões, quanto em comodidade aos funcionários. Nos últimos anos, forma

implementadas mudanças como a implantação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(ANVISA), que introduziu grandes mudanças no sistema de fiscalização sanitária no país,

principalmente às relacionadas à gestão financeira e administrativa, proporcionando

autonomia e maior eficiência ao órgão. Por outro lado, tais mudanças não ocorreram nas

outras esferas do Governo, explicando talvez algumas das grandes dificuldades enfrentadas

pela Vigilância Sanitária dos municípios brasileiros. Além de todos os problemas já

mencionados, relativos ao número e capacitação insuficiente de técnicos, áreas físicas

precárias e falta de veículos e equipamentos, também as informações relacionadas aos

serviços executados pela Vigilância Sanitária, na maioria das vezes, não estão disponíveis, de

modo rápido e claro para a sociedade e órgãos interessados, sobretudo em pesquisas,

problema que poderá ser solucionado, com a implantação de um Sistema Informatizado, que

garanta o acesso imediato às informações necessárias. As ações de Educação Sanitária, ainda

são inexpressivas embora de relevante importância na multiplicação do conhecimento,

principalmente àquelas pessoas diretamente ligadas à manipulação dos alimentos (Valente,

2001).

Page 75: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

75

Segundo o Médico Veterinário da VISA de Ponta Grossa, os principais problemas

apresentados pelos estabelecimentos que produzem alimentos, são relativos: a) aos

trrabalhadores do setor de alimentos; b) áreas físicas inadequadas dos estabelecimentos; c)

inadequação das práticas de produção; d) outros fatores, como o transporte de alimentos.

Tais observações, relativas à Ponta Grossa, são apresentadas a seguir, com a devida discussão

sobre os aspectos abordados:

a) Problemas diretamente relacionados aos trabalhadores: Em geral o número de

funcionários na área de manipulação de alimentos é reduzido, dificultando a execução

adequada do trabalho, provocando contaminações cruzadas e outros problemas. O baixo nível

de formação técnica dos manipuladores ocasiona uma série de problemas durante a

manipulação. Há também problemas de gerenciamento, visto que, a maioria dos responsáveis

também não possui formação específica para manipular alimentos com segurança;

b) Áreas físicas inadequadas: A maioria dos estabelecimentos não possui área física

adequada, pois não foram construídos com a finalidade de produzir alimentos. Sofreram

adaptações, quase sempre sem consulta prévia à VISA estando, portanto inadequados às

funções de produção de alimentos. Normalmente o fluxo é inadequado propiciando

contaminação cruzada por não possuírem barreiras entre área limpa e suja.

Também a rede de frio apresenta-se insuficiente na maioria dos casos e muitas estão em

estado precário de conservação, não havendo segurança quanto à temperatura necessária para

conservação dos alimentos perecíveis. Em praticamente todos os estabelecimentos não ocorre

controle das temperaturas da rede de frio;

c) Inadequação das práticas de produção: Nenhum dos estabelecimentos constantes

na tabela 10 apresenta metodologia implantada para boas práticas de manipulação, como

sistema HACCPP, sendo que a maioria dos proprietários e manipuladores desconhece tais

metodologias.

Também não possuem responsável técnico habilitado para o exercício das funções

de manipulação de alimentos e apresentam erros na conservação dos alimentos em função de

falhas na rede de frio e falta de conhecimentos por parte dos manipuladores.

Em geral, o tempo entre o preparo e o consumo dos alimentos, sobretudo em

restaurantes e lanchonetes, é muito longo, acima de 2 horas, sendo que os mesmos

permanecem em temperaturas que propiciam o desenvolvimento de microrganismos

patogênicos.

Page 76: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

76

A falta de identificação de produtos fracionados é outro problema apontado pela

equipe da VISA. É comum a utilização de produtos sem inspeção sanitária para produção de

alimentos, principalmente carnes, leite e derivados e ovos.

d) Outros problemas: A área de transporte de refeições é outro problema apontado

pela equipe da VISA. Muitas indústrias em Ponta Grossa não possuem restaurantes próprios e

terceirizam o serviço para estabelecimentos que, em geral, se localizam no centro da cidade,

distante do Distrito Industrial. Esse transporte é feito em carros comuns, sem os devidos

cuidados no que diz respeito à correta conservação dos alimentos, criando assim condições

favoráveis à multiplicação de microrganismos patogênicos nestes alimentos.

O técnico entrevistado informou que cerca de 7 restaurantes, atualmente, no

município de Ponta Grossa funcionam em condições precárias, apresentando risco para a

população e dentre estes estabelecimentos, alguns são de grande porte, servindo um grande

número de refeições diariamente.

Importante ressaltar o crescente número de empresas que servem alimentos

preparados em outros locais que não em seu próprio refeitório. No município de Ponta

Grossa, algumas empresas produzem alimentos que serão servidos, por exemplo, em

refeitórios industriais, geralmente mais de 2 horas após o preparo.

Por certo não é por carência normativa ou mesmo da existência de conhecimento

técnico-científico que vários destes problemas são encontrados. A Lei 13331/2001, Seção

XXII, artigo 369, inciso XIX, letra “d”, por exemplo, preconiza para estabelecimentos que

produzem alimentos: “Os manipuladores deverão receber treinamento continuado, dentro do

que preconiza as Boas Práticas de Fabricação, conforme estabelecido neste regulamento”, e

no artigo 375, “Compete aos proprietários das empresas ou seus responsáveis, garantir a

capacitação e aperfeiçoamento em boas práticas, para o controle dos padrões e identidade e

qualidade dos produtos, aos trabalhadores do estabelecimento, inclusive os manipuladores

de alimentos” (SESA/ISEP, 2001).

Considerando que a maioria das pessoas envolvidas com a manipulação de

alimentos nas indústrias e cozinhas em geral, carecem de conhecimentos relativos aos

cuidados higiênico-sanitários que devem ser seguidos durante e após a elaboração do produto,

não se pode ignorar a possível presença de portadores assintomáticos de diversos patógenos,

entre eles Campylobacter spp entre esses indivíduos. As práticas inadequadas de higiene e

processamento por pessoas sem a devida qualificação podem provocar contaminação cruzada

de alimentos, que constitui um risco potencial à saúde pública. Um estudo elaborado por

Page 77: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

77

Tosin & Machado (1995), sobre a ocorrência de Campylobacter spp entre manipuladores em

cozinhas hospitalares no município de Florianópolis – SC, mostrou que não há

obrigatoriedade de realização rotineira de exames clínico-laboratoriais para os funcionários

das cozinhas, sejam institucionais, sejam hospitalares. Também não há oferta de palestras ou

cursos sobre noções de higiene pessoal ou princípios técnicos e normas de segurança que

devem ser observadas durante e após o processamento dos alimentos. Pelo menos 50% dos

locais pesquisados não afastam seus funcionários de suas atividades mesmo apresentando

quadro clínico de diarréia. Esses fatos evidenciam a falta de conscientização das pessoas

responsáveis por estabelecimentos de manipulação de alimentos, considerando o alto risco

dessa atividade (Tosin & Machado, 1995).

Uma forma de contaminação freqüente por Salmonella é através de manipuladores

infectados por essa bactéria, geralmente portadores assintomáticos. A importância dos

manipuladores de alimentos portadores de Salmonella typhi e Salmonella paratyphi na

transmissão da febre tifóide e paratifóide é incontestável e o portador, por apresentar um risco

real à população que depende de seus serviços, deve ser afastado do local de trabalho até que

a eliminação dos microrganismos seja comprovada através de três coproculturas negativas

(Felipe et al., 1999).

Manipuladores avaliados por Almeida et al (1995), raramente lavavam as mãos

quando entravam na cozinha ou durante a preparação dos alimentos. A única pia disponível na

área de serviço, não tinha água quente nem papel toalha para secagem das mãos, embora

apresentasse sabão líquido em recipiente preso à parede. Também foi observado que as carnes

que apresentavam contagens microbianas mais altas, haviam sido fatiadas por mãos que

também apresentavam contagens mais elevadas. Como muitos manipuladores investigados

apresentaram Staphylococcus aureus e/ou Clostridium perfringens e não era prática comum a

lavagem das mãos por parte dos mesmos, verificou-se a necessidade de introduzir métodos

adequados de higienização das mãos, para prevenir a transmissão de microrganismos

patogênicos aos alimentos (Almeida et al., 1995).

Outro exemplo da existência de norma a ser cumprida é o que diz respeito aos

espaços físicos de empresas de alimentos. Na Seção XXII da Lei Estadual 13331/2001

(Estado do Paraná), artigo 369, estão descritos os itens que devem apresentar uma empresa

produtora de alimentos: Inciso IV “Espaço suficiente para realizar os trabalhos de

manipulação e fluxo adequado de produção; Inciso XVII “Refrigeradores, congeladores e

Page 78: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

78

câmaras frigoríficas devem ser adequados ao ramo de atividade, ao tipo de alimento, à

capacidade de produção, limpos e higienizados constantemente, dotados de termômetro de

fácil leitura” (SESA/ISEP, 2001).

Uma empresa produtora de alimentos deve apresentar área física compatível,

previamente planejada, seguindo uma linha de produção, mais racional possível. Suas

unidades operacionais deverão obedecer a um fluxo coerente, evitando o cruzamento e

retrocessos que comprometam a produção dos alimentos. Devem, para tanto, apresentar no

mínimo, as seguintes áreas: área para recepção de mercadorias; área para inspeção, pesagem e

higienização dos alimentos recebidos; área para armazenamento à temperatura ambiente; área

para armazenagem a frio (refrigeradores com temperatura controlada, até 4OC e umidade

relativa de 60 a 70%, em número suficiente para atender às necessidades de

acondicionamento dos alimentos), área para pré-preparo dos alimentos, subdividida em área

para preparo de carnes e peixes, área para preparo de verduras e frutas e área para preparo de

massas e sobremesas; área para cocção, área para expedição das preparações, área para

higienização de utensílios, área para o refeitório ou sala de refeições, área para instalações

sanitárias e vestiários, destinada aos funcionários, sanitários destinados ao público, área para

coleta de resíduos (Silva Jr., 1995).

Problema comum em nosso meio diz respeito aos equipamentos dos

estabelecimentos produtores de alimentos. Pesquisas realizadas demonstraram o enorme

sucateamento das máquinas em operação no Brasil. De maneira geral, os equipamentos

apresentam mais de 10 anos de uso descuidado e sofrem durante esse tempo, pequenas ou

grandes reformas. Não possuem dispositivo de segurança. A capacidade é inadequada à

produção. Cardoso (2001), pode observar esses fatos em um estudo realizado em

panificadoras do Distrito Federal. Relatou em seu artigo, que as bacias para acondicionar as

massas de pães eram de ferro fundido desgastado, soltando lascas, os cilindros velhos e em

condições precárias de higiene e os fornos sem as mínimas condições de uso, alguns com

adaptações para uso de gás, colocando em risco a vida dos funcionários. Esse sucateamento é

grave e reflete na produção, como falta de bons padrões de qualidade nas massas fermentadas,

falta de uniformidade nos produtos assados e falta de higiene dos produtos finais expostos à

venda, representando grande risco aos consumidores. Nesse estudo foi demonstrado que 64%

das panificadoras estudadas, foram classificadas como “ruim” e 1% como péssimas; 5,3%

como “regular” e apenas 2% como “boa e excelente” (Cardoso, 2001).

Page 79: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

79

No que diz respeito às práticas de fabricação e ao transporte de alimentos, a

comum inadequação encontrada é também explicitada em norma e há conhecimento técnico

que respalde a redução de risco a eles associado. Cita-se, como exemplo, a Lei Estadual

13331/2001 (Estado do Paraná) preconiza em seu artigo 373: “Sempre que a legislação

específica exigir, os estabelecimentos que produzam, transformam, industrializam e

manipulam alimentos deverão ter um Responsável Técnico”; no artigo 374: “Todos os

estabelecimentos relacionados à área de alimentos deverão elaborar e implantar as boas

práticas de fabricação, de acordo com as normas vigentes” (SESA/ISEP,2001).

Silva Jr. (1995) mostra, ainda, que o transporte de alimentos prontos (como é o

caso do evento que observamos) é crítico e deve obedecer às normas técnicas para garantir

sua qualidade nutricional e higiênico-sanitária. Os principais pontos a serem observados são:

princípio rígidos de higiene, tempo e temperatura, que não deve exceder a uma hora após o

preparo em temperatura próxima ou abaixo de 60OC, devendo nessa situação, o transporte ser

refrigerado, com monitoramento constante da temperatura que deve estar abaixo de 4OC. Para

o transporte de marmitas, deve ser utilizado veículo apropriado para alimentos, havendo

separação entre alimentos quentes que devem ser mantidos acima de 65OC e alimentos

refrigerados. As embalagens devem estar bem vedadas e o veículo cuidadosamente

higienizado, para evitar contaminação ambiental (Silva Jr., 1995).

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80

6.3. NÚMERO DE ATENDIMENTOS AMBULATORIAS, INTERNAÇÕES E SURTOS DE ETAs NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR.

No município de Ponta Grossa, ao consultarmos os arquivos do Hospital Santa Casa

de Misericórdia, coletamos os seguintes dados: no ano de 1999, ocorreram 77 atendimentos

em nível ambulatorial e 50 internações (das 50 internações, 05 casos tiveram coprocultura

positiva para Salmonella sp) de casos registrados como “Diarréia e Gastroenterite de origem

infecciosa presumida”, sendo que, destes, em 5 casos de atendimento ambulatorial e 9 casos

de internação consta no prontuário dos pacientes “Intoxicação de origem alimentar”, mas

nenhum desses casos está registrado no serviço de Vigilância Epidemiológica do Instituto de

Saúde de Ponta Grossa. Já para o ano de 2000, foram registrados 64 atendimentos

ambulatoriais e 42 internamentos por “Diarréia e Gastroenterite de origem infecciosa

presumida” no mesmo hospital.

No DATASUS, para o ano de 1999 (DATASUS, 2002; Prontuários Hospital Santa

Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, 2000), estão registrados 179 (tabela 11) internações

por “algumas doenças infecciosas e parasitárias” (incluindo Cólera, Febre tifóide e

paratifóide, Shiguelose, Amebíase, Diarréia e gastroenterite de origem infecciosa presumida e

outras doenças infecciosas intestinais), em todos os hospitais do município, num valor total

pago de R$ 23.944,02. Observamos, também, que o número de casos de gastroenterite é

maior nos meses de verão (janeiro, fevereiro, novembro e dezembro). No ano de 2000,

registrou o DATASUS, 184 (tabela 12) internações (todos os hospitais do município), com

valor pago de R$ 31.978,51 (DATASUS, 2002 ; Prontuários Hospital Santa Casa de

Misericórdia de Ponta Grossa, 2002).

No ano de 2000, estão registradas, no SINAN, 5 ocorrências de surtos por

“Intoxicação Alimentar não específica”, em Ponta Grossa. Interessante observar que estes

casos não estão arquivados na 3a. Regional de Saúde ou no serviço de Vigilância

Epidemiológica do Instituto de Saúde de Ponta Grossa, embora estes órgãos tenham sido a

fonte de informação para o SINAN (SINAN, 2002).

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81

TABELA 11 - Morbidade Hospitalar do SUS – Internações por faixa etária, segundo

Lista Morbidade CID-10 (algumas doenças infecciosas e parasitárias) no município de

Ponta Grossa – PR em 1999.

Lista Morbidade CID-10

Menor 1 ano

1 a 4 anos

5 a 9 anos

10 a 14

anos

15 a 19

anos

20 a 29

anos

30 a 39

anos

40 a 49

anos

50 a 59

anos

60 a 69

anos

70 a 79

anos

80 anos

e mais

TOTAL

Diarréia e gastroenterite origem infec. presumida

1 2 0 0 2 5 2 3 8 3 5 2 33

Outras doenças infecciosas intestinais

4 2 1 2 13 28 24 15 16 14 15 12 146

TOTAL 5 4 1 2 15 33 26 18 24 17 20 14 179 FONTE: DATASUS, 2002.

TABELA 12: Morbidade Hospitalar do SUS – Internações por faixa etária, segundo

Lista Morbidade CID-10 (algumas doenças infecciosas e parasitárias) no município de

Ponta Grossa – PR, em 2000.

Lista Morbidade CID-10

Menor 1 ano

1 a 4 anos

5 a 9 anos

10 a 14

anos

15 a 19

anos

20 a 29

anos

30 a 39

anos

40 a 49

anos

50 a 59

anos

60 a 69

anos

70 a 79

anos

80 anos

e mais

TOTAL

Cólera 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 Febre tifóide e paratifóide 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1

Diarréia e gastroenterite origem infecc presumida

0 1 0 1 4 4 4 4 4 5 4 2 33

Outras doenças infecciosas intestinais

1 2 1 3 14 25 21 23 14 14 17 14 149

TOTAL 1 3 1 4 18 29 25 28 18 20 21 16 184 FONTE: DATASUS, 2002.

Da mesma forma, a subnotificação dos surtos de ETAs no Brasil e no Estado do

Paraná pode ser evidenciada através dos dados referentes às internações registradas pelo SUS.

Page 82: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

82

No ano de 1999, foram registrados no país, 353 surtos de “Intoxicação alimentar”, mas

quando consultamos os dados sobre internações no DATASUS podemos observar que, sob a

designação “algumas doenças infecciosas e parasitárias” (incluindo Cólera, Febre tifóide e

paratifóide, Shiguelose, Amebíase, Diarréia e gastroenterite origem infecciosa presumida e

Outras doenças infecciosas intestinais) ocorreram 573.688 internações num valor total pago

de R$ 89.589.711,51. Situação semelhante acontece no ano de 2000, quando ocorreram 545

surtos por ETAs e 539.123 internações , com gastos para o SUS de R$ 103.727.919,63. Nos

Estados Unidos da América, entre 1996 e 2000, ocorreram 7.184 hospitalizações por

enfermidades transmitidas por alimentos, e, estima-se que anualmente ocorrem 325.000

hospitalizações por essas doenças (DATASUS, 2002; MS / FUNASA / CENEPI / COVEH

2002; CDC, 2000).

No Estado do Paraná, no ano de 1999 foram notificados 192 surtos de ETAs , com

apenas 2 hospitalizações. Nos registros de DATASUS foram 19.801 internações sob a

designação “algumas doenças infecciosas e parasitárias” (incluindo Cólera, Febre tifóide e

paratifóide, Shiguelose, Amebíase, Diarréia e gastroenterite origem infecciosa presumida e

Outras doenças infecciosas intestinais), com valor pago de R$ 3.215.882,56. No ano de 2000

há 219 surtos notificados à Secretaria de Estado da Saúde, com 5 hospitalizações . Nos dados

do DATASUS constam 20.699 internações, e valor pago de R$ 4.098.412,51, relativos ao

mesmo quadro de morbidade acima mencionado. Entre os anos de 1978 – 2000 ocorreram no

Estado do Paraná, 232 hospitalizações por ETA o que nos leva a acreditar que o número de

casos relatados ao Serviço de Vigilância Epidemiológica do Paraná está muito aquém

daqueles que realmente ocorreram (DATASUS, 2002 ; SESA, 2002).

6.4. AGENTES ETIOLÓGICOS CAUSADORES DE ETAs PRESENTES NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR.

No período de maio do ano de 2000 até maio de 2001, a equipe de Professoras de

Microbiologia, da qual fazemos parte, realizou no Laboratório de Microbiologia do Centro

Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET), Unidade de Ponta Grossa, análises

microbiológicas para controle de qualidade de aves abatidas em um frigorífico da Região de

Ponta Gossa-PR. Foram analisadas 373 carcaças de frangos e perus, pela metodologia

tradicional recomendada pelo International Commission on Microbiological Specifications

Page 83: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

83

for Foods (ICMSF) para pesquisa de Salmonella sp. Das 373 carcaças analisadas, 78 (21%)

tiveram resultado positivo para Salmonella sp.Estes resultados constam na tabela 13.

TABELA 13: Resultado da pesquisa de Salmonella sp. em carcaças de frangos e perus

oriundas de abatedouro da região de Ponta Grossa-PR, realizadas no período de maio

de 2000 a maio de 2001:

MÊS

ANO

NÚMERO DE ANÁLISES

REALIZADAS

RESULTADOS POSITIVOS

PARA Salmonella sp.

Maio 2000 20 06 Junho 2000 58 23 Julho 2000 31 07 Agosto 2000 07 01 Setembro 2000 12 02 Outubro 2000 15 04 Novembro 2000 26 08 Dezembro 2000 27 00 Janeiro 2001 53 11 Fevereiro 2001 18 05 Março 2001 23 05 Abril 2001 48 04 Maio 2001 35 02

TOTAL 373 78 FONTE: CEFET Paraná, Unidade Ponta Grossa, 2001.

Um dos pontos importantes na investigação de um surto de ETA é a determinação

do alimento implicado para implementar ações no sentido de interromper a cadeia de

transmissão da doença (Kaferstein et al.,1999).

Os dados deste frigorífico de Ponta Grossa, submetido à inspeção federal, além de

seguirem a tendência muncial já que bactérias do gênero Salmonella são responsáveis por

uma alta porcentagem de surtos, sobretudo quando o alimento implicado é de origem animal,

em geral ovos (Jakabi et al.,1999), aponta que o número de carcaças de aves contaminadas, de

outra origem, em especial as oriundas de ambientes inadequados, possa ser ainda maior.

Na Bélgica, no ano de 1997, 113 surtos notificados foram causados por bactérias

do gênero Salmonella, principalmente Salmonella enteritidis, sendo que, 16 deles ocorreram

pela ingestão de ovos contaminados, 15 por outros produtos de origem animal (carnes

bovinas, aves domésticas e leite) e nos demais surtos de salmonelose, não foi identificada a

fonte (Van Loock et al., 1997).

Page 84: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

84

Na Alemanha, no período de 1996-1999, foram notificados 856 casos de

salmonelose, que ocorreram pela ingestão de alimentos contaminados (Petersen et al., 2000).

Nos Estados Unidos da América do Norte (EUA) são estimados mais de 1.500.000

casos de salmonelose por ano. O número de surtos notificados nos EUA aumentou de 477 em

1993 para 653 em 1997. Durante este período um grande número de surtos causados por carne

moída contaminada com Escherichia coli O157:H7 e produtos frescos contaminados com

Salmonella sp. foram notificados. Salmonella sp. Foi responsável por 357 (55%) dos 655

surtos de origem bacteriana, com 10 óbitos registrados, sendo a grande maioria relacionados a

ovos crus. Destacam os autores que esse número de surtos notificados no período entre 1993-

97 representa uma pequena proporção do que realmente ocorreu, principalmente pela

subnotificação (Olsen et al., 2000).

Na Inglaterra, no período entre 1970-1982, foram notificados 1.500 surtos de

ETAs por salmonelose, representando cerca de 20% do total de surtos ocorridos naquele

período. Como ocorre freqüentemente, carnes bovina e de aves estão implicados na maioria

dos surtos. Ao final dos anos 80, ovos de galinha tanto ingeridos crus como incorporados em

pratos não cozidos (preparações mistas) figuram como veículos de infecções por Salmonella

(Hobbs & Roberts, 1998).

Alimentos crus de origem animal são as maiores fontes de Salmonella,

principalmente os ovos. Manipuladores de alimentos portadores de Salmonella typhi e S.

paratyphi representam um fator de risco na transmissão da febre tifóide e paratifóide (Felipe,

1991).

6.5. INFORMAÇÕES SOBRE SURTOS DE ETAs NO ESTADO DO PARANÁ E NO BRASIL:

Os dados que se seguem mostram informações sobre o número de surtos de ETAs

no Estado do Paraná e no Brasil, os agentes etiológicos, os alimentos implicados, os locais

onde ocorreram e os fatores que contribuíram na ocorrência destes surtos.

A tabela 15 mostra a distribuição de surtos de ETAs no Estado do Paraná, no final

da década de 1970, década de 80 e 90, fechando no ano de 2000. Essa série histórica,

elaborada pelo Médico Veterinário Natal Jataí de Camargo, da Secretaria de Estado da Saúde

do Paraná (SESA/ISEP), demonstra um aumento considerável no número de surtos de ETAs

notificados que pode ser explicado por vários fatores: até o ano de 1978, a SESA não possuía

técnicos na área de Vigilância Sanitária de Alimentos, sendo que este serviço era apenas

Page 85: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

85

burocrático para liberação da Licença Sanitária dos estabelecimentos que produziam

alimentos; não havia uma sistematização na investigação dos surtos de ETAs, e a maioria dos

surtos não era notificado; o número de estabelecimentos que serviam alimentos era menor e o

número de pessoas que se utilizavam desse serviço, também era bem menor.Além de todos

esses fatores, essas estatísticas sobre surtos de ETAs mostram que realmente houve um

aumento do número de casos, conforme relatado por Hobbs & Roberts (1998).

NOTA: Examinando os dados da Tabela 14, observamos o elevado número de surtos

notificados na região Sul. Em 1999, foram registrados 144 surtos no Estado do Paraná e 150

surtos no Estado do Rio Grande do Sul e, no ano de 2000, 63 surtos no Paraná e 220 no Rio

Grande do Sul, sendo que o total de surtos registrados no Brasil, no ano de 1999, foi 353, e no

ano de 2000, 545. Provavelmente estes dois estados realizam um trabalho de investigação

melhor que os demais estados brasileiros. Outro fato interessante é a divergência de

informações. Quando consultamos a tabela 15, encontramos um registro de 192 surtos de

ETAs, ocorridos em 1999, no Estado do Paraná, notificados à SESA/ISEP. Na COVEH do

Ministério da Saúde no mesmo ano, consta um número de 144 surtos. O mesmo fato acontece

no ano de 2000. Na SESA/ISEP estão registrados 219 surtos (tabela 15) e na COVEH estão

registrados apenas 63 surtos. Esta divergência demonstra uma falha no compilamento dos

dados, que provavelmente advêm de fontes diversas, comprovando a fragilidade do sistema de

informação sobre surtos de ETAs em nosso país.

Page 86: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

86

TABELA 14: Distribuição de ocorrência de surtos por ETAs notificados e número de

doentes acometidas por Região. Brasil, 1999 e 2000

ANO 1999 2000

REGIÃO

Total surtos

Nº pessoas Acometidas

Total surtos

Nº pessoas Acometidas

NORTE 1 27 3 27

NORDESTE 6 869 34 602

SUDESTE 29 912 123 3297

SUL 294 2342 344 4309

CENTRO-OESTE 23 414 41 1378

TOTAL 353 4564 545 9613

FONTE: MS/FUNASA/CENEPI/COVEH

No Estado do Paraná, entre 1978 – 2000 foram registrados 2000 surtos de ETAs

(tabela 15), sendo que os alimentos preparados à base de produtos de origem animal e vegetal,

denominados “preparações mistas”, foram responsáveis por 44,1% do total de surtos neste

período, seguidos pelos produtos de origem animal (carnes e derivados) com 24,7% de

ocorrência e leite e produtos lácteos com 12,0% do total de surtos (tabela 16). No Brasil, a

situação é similar, porém a forma de expressar os dados difere quando não se considera a

maionese uma preparação mista, conforme foi considerado pela Secretaria de Saúde do

Paraná. Os números estão contidos na tabela 17. Quanto aos agentes etiológicos causadores

dos surtos de ETAs, no Brasil a bactéria do gênero Salmonella apareceu em primeiro lugar

(tabela 18) e no Estado do Paraná, a bactéria Staphylococcus aureus, foi a responsável pela

maioria dos surtos de ETAs (tabela 16).

Page 87: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

87

TABELA 15: Número de pessoas (Números Médios) envolvidas em surtos de ETAs

notificados no Estado do Paraná entre 1978 - 2000

NÚMERO DE PESSOAS ENVOLVIDAS DOENTES ANOS Nº de

SURTOS Expostos Entrevistados Inquiridos Estimados Hospitalizados

1978 1 540 208 171 444 128 1979 1 77 69 57 63 3 1980 - - - - - - 1981 2 263 133 102 202 20 1982 9 524 258 149 304 8 1983 12 264 146 64 116 11 1984 29 324 168 89 171 8 1985 40 164 94 48 82 2 1986 60 94 48 30 58 2 1987 69 129 69 36 68 2 1988 61 150 77 40 77 2 1989 54 192 102 58 108 2 1990 78 149 49 41 127 6 1991 89 69 25 16 44 3 1992 80 85 46 24 51 1 1993 113 75 32 17 48 2 1994 171 43 17 13 32 4 1995 200 29 13 11 25 4 1996 156 61 22 17 39 8 1997 164 47 10 8 25 4 1998 200 31 12 9 23 5 1999 192 17 7 6 15 2 2000 219 45 11 10 40 5

MÉDIA GERAL 2000 71 30 20 47 4

FONTE: SESA/ISEP/CSA, 2002.

Page 88: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

88

TABELA 16: Relação entre Agentes Etiológicos e grupos de alimentos incriminados em

1.126 surtos de ETAs notificados, no Estado do Paraná entre 1978 – 1999.

S. aureus

Salmonella spp.

C.. perfringens

B. cereus

E. coli

Shigella spp.

V. cholerae

Outros

Toxina vegetal

Quím

icos

TOTAL ALIMENTOS AGENTES

Nº %

PREPARAÇÕES MISTAS 183 273 12 10 16 1 - 1 .. 1 497 44,1 CARNE/DERIVADOS 108 47 89 5 20 7 - 2 .. - 278 24,7 LEITE/DERIVADOS 116 7 - - 11 - - 1 .. - 135 12,0 CEREAIS 6 2 1 36 - - - - .. 1 46 4,1 FRUTOS DO MAR - - - - - - 3 - .. - 3 0,3 DIVERSOS 37 21 12 16 11 1 - 9 .. 17 124 11,0 PLANTAS TÓXICAS .. .. .. .. .. .. .. .. 43 .. 43 3,8 TOTAL 450 350 114 67 58 9 3 13 43 19 1126 100,0 PORCENTAGEM (%) 40,0 31,1 10,1 6,0 5,2 0,8 0,3 1,2 3,8 1,7 100,0 .. FONTE: SESA/ISEP/CSA, 2002 NOTAS: "Preparações mistas" incluem matérias primas de origem animal e vegetal (ex.

maionese, panqueca, bolo, farofa).

"Diversos" incluem alimentos pertencentes a outros grupos (ex. tubérculos, refrescos,outros).

O total de cada coluna representa 100% isoladamente.

(a) - Confirmados - laboratorialmente.

(b) - Suspeitos - epidemiológicamente.

(c) - Indeterminados - não foi possivel estabelecer o alimento nem laboratorialmente e nem

epidemiológicamente.

(d) - Sinal convencional utilizado: .. Não se aplica dado numérico.

Page 89: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

89

TABELA 17: Alimentos incriminados em surtos notificados de ETA, Brasil, 1999-2000

1999 2000

ALIMENTO NO % NO % Maionese 45 11,7 130 20,9

Preparações Mistas 28 7,3 127 20,5

Carne Vermelha 29 6,3 34 5,5

Frango 18 4,7 27 4,3

Laticínios 21 5,5 20 3,2

Embutidos 12 3,1 6 1,0

Outros 64 18,0 88 14,2

Ignorado 166 43,3 189 30,4

TOTAL 383

100,0

621

100,0

FONTE: MS / FUNASA / CENEPI / COVEH

No Brasil (tabela 18), o agente etiológico de maior incidência em casos de ETAs,

foi a Salmonella sp., seguindo a tendência mundial, como foi discutido no item 6.4 deste

trabalho.

TABELA 18: Agentes Etiológicos Incriminados em surtos de ETA, Brasil, 1999-2000

1999 2000

AGENTE Número % Número %

Salmonella spp 85 23,3 139 24,6 Staphylococcus aureus 48 13,1 50 8,8 Salmonella enteritidis 7 1,9 13 2,3 Clostridium perfringens 6 1,6 9 1,6 Bacillus cereus 4 1,0 11 1,9 Escherichia coli* 4 1,0 15 2,7 Outros 24 6,6 87 15,4 Ignorado 186 51,0 241 42,7 Total 364 100,0 565 100,0

FONTE: MS/FUNASA/CENEPI/COVEH * Não há informação em todos os casos se foi cepa patogênica

Page 90: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

90

O alto índice de surtos por Staphylococcus aureus, notificados no Paraná no

período de 1978 a 2000, demonstra a facilidade da contaminação dos alimentos por essa

bactéria, provenientes das mãos, fossas nasais e cabelos dos manipuladores, aliado à falhas na

conservação dos alimentos, que são mantidos em temperaturas inadequadas (na faixa entre

100C e 600C), por mais de 2 horas, permitindo a proliferação da bactéria e a produção da

toxina estafilocócica (Hobbs & Roberts, 1998).

No Brasil e no Estado do Paraná, a maioria dos surtos ocorreu no domicílio, pois

nos municípios menores, as pessoas ainda se alimentam em casa. Quando se trata dos

municípios de grande porte, o número de surtos ocorridos em restaurantes aumenta, pois

grande parte da população atualmente se alimenta em restaurantes ou em refeitórios

industriais. Estes dados podem ser observados nas tabelas19 e 20:

TABELA 19: Locais de ocorrência de surtos de ETAs notificados no Estado do Paraná

entre 1978 – 2000.

LOCAIS DE OCORRÊNCIA

1978-1980 1981-1990 1991-2000 TOTAL

Domicílio 0 178 832 1010

Refeitório comercial 1 79 240 320 Refeitório industrial 1 81 100 182 Escola 0 19 103 122 Festa comunitária 0 0 86 86

Outros 0 57 223 280

TOTAL 2 414 1584 2000

FONTE: SESA/ISEP/CSA, 2002

Page 91: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

91

TABELA 20: Distribuição de surtos de ETAs por local de ocorrência, Brasil 1999-2000

1999 2000

LOCAL

DE OCORRÊNCIA Nº surtos % Nº surtos %

Residência 155 43,9 210 38,5

Restaurante 19 5,4 62 11,4

Ignorado 92 26,1 94 17,2

Creche 5 1,4 30 5,5

Escola 8 2,3 26 4,8

Outros 74 21,0 123 22,6

Total 353 100,0 545 100,0

FONTE: MS/FUNASA/CENEPI/COVEH

Dos 655 surtos de origem bacteriana, notificados nos Estados Unidos, no período

de 1993 a 1997, 47 ocorreram no domicílio, 93 em restaurantes, 12 em escolas, 03 no local de

trabalho, 06 em festas de igrejas, 30 em locais desconhecidos e os demais em outros locais

(Olsen et al., 2000).

Na Inglaterra, no período entre 1970-1982, dos 1.500 surtos de ETAs notificados,

58% ocorreram a partir de alimentos preparados em restaurantes, hotéis, clubes, hospitais,

instituições, escolas e cantinas. Apenas 15% foram associados com o preparo dos alimentos

em residências. Embora 60% dos incidentes de ETAs tenham ocorrido nas residências, apenas

uma pequena proporção foi incluída no estudo devido à inconsistência dos dados

epidemiológicos que não permitiram uma conclusão mais acurada. As situações onde os

alimentos foram preparados em quantidade para um grande número de pessoas são as causas

mais prováveis de ocorrência da maioria dos surtos (Hobbs & Roberts, 1998).

No Estado do Paraná, segundo a SESA, os manipuladores infectados foram

responsáveis pela disseminação de agentes etiológicos em 55% dos 2000 surtos notificados

entre 1978 – 2000; as contaminações cruzadas, apareceram em 34,6% deste total de surtos. A

tabela 20 nos fornece estas informações (SESA, 2002).

Page 92: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

92

TABELA 21: Fatores contribuintes associados para a ocorrência de surtos de ETAs

notificados no Paraná entre 1978 – 2000.

FATORES CONTRIBUINTES

PORCENTAGEM (%)

Matéria prima contaminada antes do preparo 81,7

Manipuladores contaminados ou infectados (origem bacteriana) 55 Equipamentos contaminados (origem bacteriana) 34,6 Contaminação cruzada (origem bacteriana) 34,6

Alimentos contendo substâncias tóxicas naturais 22,4 Contaminação química 1,4 Processamento inadequado pelo calor (temperatura < 60OC) 41,2 Reaquecimento inadequado (temperatura < 70OC) 11,3 Conservação inadequada pelo frio (temperatura > 10OC) 79,2 Tempo muito longo entre preparo e consumo (alimentos mantidos entre 10 e 60OC por mais de 2 horas)

83,5

FONTE: Adaptado de SESA/ISEP/CSA, 2002. NOTA: A soma dos percentuais excede 100% porque vários fatores contribuíram para a

ocorrência de um mesmo surto.

Nos EUA os pesquisadores acreditam que muitos fatores contribuíram para a

ocorrência de surtos de ETAs. No período de 1993-1997, os fatores mais comumente

atribuídos à ocorrência de surtos foram: práticas inadequadas de manipulação durante o

preparo; conservação dos alimentos processados em temperaturas inadequadas por um longo

período de tempo; práticas inadequadas de cocção dos alimentos e matérias primas oriundas

de fontes não seguras (provavelmente sem inspeção) (Olsen et al., 2000).

Na Inglaterra, no estudo realizado no período de 1970-1982, a maioria dos surtos

de ETAs foram relacionados aos seguintes fatores: preparo dos alimentos com antecedência

de meio dia ou mais; estocagem de alimentos processados à temperatura ambiente; técnicas

inadequadas de resfriamento; reaquecimento inadequado; cozimento insuficiente;

contaminação cruzada entre alimentos crus e cozidos. Embora o estudo tenha sido realizado

há cerca de 20 anos, não há evidências de que a situação tenha se modificado. Os dois

primeiros fatores estão envolvidos em surtos associados com os principais agentes bacterianos

envolvidos em surtos de ETAs. Em surtos causados por Salmonella, o cozimento insuficiente,

Page 93: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

93

o resfriamento inadequado e o uso de alimentos processados contaminados são os fatores mais

comumente relatados, bem como o consumo de alimentos crus, como ovos. Contaminação

cruzada foi a falha básica, que apesar de ser um fator importante, tende a ser omitido nos

relatos de surtos em geral. Nos surtos devido ao Clostridium perfringens, múltiplos fatores

foram registrados como resfriamento ou reaquecimento inadequados. Os manipuladores de

alimentos e os alimentos enlatados e processados contaminados foram os principais fatores

ligados às intoxicações estafilocócicas (Hobbs & Roberts, 1998).

6.6. O CUSTO DAS ETAS:

Nos Estados Unidos da América, para estimar custos das ETAs, foram

considerados 5 grupos de indivíduos que contraíram a doença. Aqueles que não consultam o

médico, aqueles que consultam o médico, aqueles que foram hospitalizados, aqueles que

desenvolveram complicações tardias e aqueles que foram a óbito prematuramente em função

dessa doença. Os casos de complicações tardias podem se desenvolver a partir de ETAs

causadas por Escherichia coli O157:H7, toxoplasmose e listeriose. Para cada grupo foram

calculados custos com cuidados médicos, serviços hospitalares, medicamentos. Pessoas que

contraem ETA, geralmente se ausentam do trabalho por 1 a 2 dias e alguns desenvolvem

complicações e não podem mais retornar ao trabalho e outros vão a óbito em idade produtiva,

ocasionando importante queda na produtividade, refletindo negativamente na economia do

país. Após muitos estudos, concluiu-se que em média o gasto com ETAs nos Estados Unidos,

fica em torno de 19,7 a 34,9 bilhões de dólares (Buzby & Roberts, 1996).

No Brasil não há estudos sobre o impacto das ETAs na economia do país, mas

podemos ter uma noção quando encontramos valores acima de R$ 100.000,00 pagos pelo

SUS para internações por doenças de veiculação alimentar e hídrica como febre tifóide,

cólera, gastroenterites, etc.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização para a Alimentação e

Agricultura (FAO) estabeleceram um comitê conjunto com a finalidade de estudar e propor

padrões de segurança alimentar, conhecido por Codex Alimentarius . Esse comitê enumera as

seguintes razões para estabelecer um código de procedimentos de higiene para

estabelecimentos que produzam alimentos, sobretudo aqueles destinados à alimentação

coletiva:

Page 94: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

94

Existência de dados epidemiológicos mostrando que muitos surtos de ETAs são causados

por alimentos consumidos nos estabelecimentos que os servem;

Perigo que cerca as operações de fornecimento de alimentos em larga escala,

especialmente no que se refere à armazenagem e manipulação;

O grande número de pessoas que podem estar envolvidas em um surto

Altos custos para o Estado, para o indivíduo e para a família acarretados pelos surtos de ETA (Dallari et al, 2000)

Page 95: “Subnotificação e Alta Incidência de Doenças Veiculadas por ...

95

7. CONCLUSÃO

A partir das estatísticas sobre surtos de ETAs em nível mundial, podemos concluir

que, ao invés de diminuir, o número de ETAs vem aumentando ano após ano, a despeito de

todo conhecimento científico alcançado no século XX. Melhorias nos métodos de preparo dos

alimentos e a educação dos responsáveis pelo fornecimento dos alimentos, particularmente no

fornecimento de grandes quantidades, reduziria a incidência das ETAs. Para que isso ocorra é

essencial que se conheça não apenas os alimentos responsáveis pela doença, os agentes

etiológicos, os locais onde os acidentes ocorreram e onde os alimentos foram preparados,

mas, também, os fatores que contribuíram para a ocorrência dos surtos.

Através deste trabalho pretendemos ter demonstrado que há subnotificação e

vários fatores de risco para a eclosão de ETAS no município de Ponta Grossa. Pudemos,

também, demonstrar o panorama das ETAs no Brasil e no mundo, e concluir que a situação

no município de Ponta Grossa – PR deve se assemelhar a de várias outras regiões do país.

Deficiências técnicas e estruturais nas áreas de Vigilância Sanitária e Epidemiológica limitam

a eficácia no sentido de diagnosticar, mapear e aplicar medidas profiláticas para um efetivo

controle das ETAs, o que ocoorre, guardadas as proporções, mesmo nos EUA, onde os dados

de epidemiológica costumam ter maior fidediginidade do que no Brasil. Utilizar o programa

de Monitorização das Diarréias Agudas, já implantado, em tese, no município de Ponta

Grossa, poderia ser uma medida inical para acompanhar os casos isolados ou surtos de ETAs.

A implementação de projetos de capacitação dos técnicos das Vigilâncias Sanitária e

Epidemiológica e de todos os envolvidos com a manipulação dos alimentos seria o primeiro

passo. Investimentos financeiros são necessários para melhorar as ações de fiscalização e

aplicação das normas técnicas vigentes. Implantação de um projeto de avaliação continuada

das ações educativas e de fiscalização também são importantes para o controle das ETAS,

assim como a criação de mecanismos para agilizar a notificação dos casos de doenças

transmitidas pelos alimentos será vital para o bom desenvolvimento das ações conforme foi

amplamente citado ao longo desta dissertação.

Medidas de controle para doenças transmissíveis, quando bem elaboradas e bem

aplicadas, apresentam resultados satisfatórios.

Enquanto opinião pessoal, temos a ressaltar que talvez o maior problema seja a

falta de comprometimento e interesse de muitas pessoas envolvidas em todo esse processo e

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em todos os níveis, o que acaba criando entraves desnecessários para a realização final do

trabalho.

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