Sumário - "ENTRE OS CUPINS E OS HOMENS" - Og Leme (Banco de Idéias nº 48)SUMÁRIO_rev 48

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Clássicos Liberais - Sumário do livro:ENTRE OS CUPINS E OS HOMENS, de Og Leme, feito por Roberto Fendt. I. A ORIGEM DOS PROBLEMAS SOCIAIS;II. CONDIÇÃO HUMANA E LIBERDADE;III. DOIS MODELOS EXTREMOS DEORGANIZAÇÃO SOCIAL;IV. DOIS MODELOS EXTREMOS DEORGANIZAÇÃO POLÍTICA;V. DOIS MODELOS EXTREMOS DEORGANIZAÇÃO ECONÔMICA;VI. DESCENTRALIZAÇÃO, DIVISÃO EPLURALISMO.

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Clássicos

LiberaisEntre oscupins eos homens

por Roberto Fendt

Og F. Leme

P a r t e I n t e g r a n t e d a R e v i s t a B a n c o d e I d é i a s n º 4 8

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ÍNDICE

I. A ORIGEM DOS PROBLEMAS SOCIAIS ...................................................... 5

II. CONDIÇÃO HUMANA E LIBERDADE ....................................................... 6

III. DOIS MODELOS EXTREMOS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL .......................... 9

IV. DOIS MODELOS EXTREMOS DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ..................... 12

V. DOIS MODELOS EXTREMOS DE ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA .................. 15

VI. DESCENTRALIZAÇÃO, DIVISÃO E PLURALISMO ................................... 18

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I. A ORIGEM DOS PROBLEMASSOCIAIS

visão etnocêntrica e antropo-mórfica do mundo tem levado o

homem a identificar-se como homosapiens. Chama a si de “animalsocial”, com o intuito de estabeleceruma suposta diferença em relação aosoutros animais.

Em termos rigorosos, no entanto, ohomem é tão social como antissocial:ele tanto coopera, como compete;aplaude e inveja; ajuda e agride. Aabelha, a formiga e o cupim são, doponto de vista da coerência e doaltruísmo, muito mais sociais, isto é,entregam-se por completo e sempre àcomunidade.

Viver em sociedade significa coexistircom outras pessoas, todas diferentesentre si, com propósitos pessoais espe-cíficos, com interesses diferenciados,com a necessidade de compartilharvalores, princípios, normas e objetivos.O drama de qualquer sociedadeadvém do fato, quase escandaloso, deindivíduos diferentes, biológica eeticamente diferenciados, com inte-resses pessoais conflitantes, ciosos deseus propósitos pessoais (isto é,egoístas), se disporem à coexistência,se possível, em clima de liberdade.Uma convivência em regime de anar-quia, isto é, sem governo, prova-velmente levaria, no tempo, ao domíniodos mais fortes sobre os mais fracos,dos mais capazes sobre os menoscapazes, com a resultante concentraçãodo poder nas mãos de uma oligar-quia e, afinal, no domínio de poucossobre muitos.

Viver em isolamento é penoso; viverem grupo é melhor para os que têmêxito e acumulam poder do que paraos menos aquinhoados, que acabamcedendo poder. A maneira de conciliar

os dois extremos é um acordo co-munitário que propicie a criação deuma entidade acima de todos – fracose fortes – e que “imparcialmente” zelepelos interesses da comunidade. Assimnasce o Estado e seu braço executivo,o Governo: para que ninguém vireopressor, todos concordam em criaruma entidade superior, equidistante eequânime, que zele pelos interessescomuns. Essa entidade é o fruto de ummal (concentração do poder) que nãodeveria ser apropriado por ninguémem particular. Com o Estado, pro-cessou-se a troca de um mal (a concen-tração potencial do poder de par-ticulares) por outro mal (a concentraçãoatual do poder público), na expectativade que a concentração de poder queestaria nas mãos do Estado seja menordo que a concentração de poder queestaria nas mãos dos particulares, se oEstado não fosse criado.

A definição dessas duas alternativaspode emanar de duas fontes: dealguma autoridade divina, ou, então,de maneira impessoal, através dointercâmbio espontâneo e livre entre oshomens, de cujo processo surgiria umcódigo de conduta geral e abstrato,aplicável igualmente a todos e fruto deuma ação comunitária anônima.

A alternativa que acabou impondo-se foi a primeira. A ordem que se instalouera, obviamente, do tipo absolutista e,imperou, assim, durante séculos, o podercoercitivo do Estado, inspirado em leisdivinas, reveladas em caráter exclusivopara as autoridades eclesiásticas.

Com a Renascença se inicia oprocesso de liberação do homem, quepassa de maneira progressiva a confiarna sua própria capacidade pessoal debuscar a verdade e adquirir conhe-cimento. Rompe-se, assim, o monopólioepistemológico de origem divina einicia-se o desenvolvimento das ciências

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e da tecnologia, simultaneamente comas transformações sociais que cul-minam, afinal, nas sociedades liberaisdos séculos XVIII e XIX.

Na raiz do novo processo estavamas figuras de Descartes e Bacon, espe-cialmente o primeiro, com sua entu-siástica confiança nas possibilidades darazão humana de encontrar-se com averdade. Se é dado ao ser humanoconhecer, ele pode ser livre. Descartessimboliza, de fato, a libertação dopensamento humano e suas imediatase revolucionárias consequências, já apartir da Renascença, nas artes, nasciências e na tecnologia, às quais seassociaram, em salutar reciprocidade,as mudanças sociais que desem-bocaram no estuário do liberalismo.

Mas que significa essa retomadapelo homem das rédeas do seu des-tino? Que a fé e a submissão foramsubstituídas pela razão e pelo questio-namento, vertentes que têm comodesaguadouro a verdade (ou a suabusca), como condição a liberdade ecomo objetivo a construção de umasociedade de homens livres e iguaisperante a lei, qualificados para buscar,através do intercâmbio, a sua própriaidentidade e a sua razão de ser, qua-lificados para viver com dignidade asua própria vida, experiência intrans-ferível que requer antes de mais nadaliberdade e ordem, ou ordem e liber-dade, de vez que a segunda pressupõea primeira.

A sociedade moderna, que nósliberais desejamos livre e democrática,enfrenta um fato novo como ela: a açãosocial baseada no intercâmbio livre einteligente, despido de preconceitos erico de tolerância, um esforço deli-berado e heróico de transformar emdebate objetivo assuntos subjetivos ecomplexos, suas soluções alternativas,os meios para os objetivos consensuais,

nossos representantes no poder público,o controle do poder do Estado pelaNação, etc.

II. CONDIÇÃO HUMANAE LIBERDADE

animal que ri; o animal social;homo sapiens. São algumas das

características que o homem tematribuído a si mesmo, com a finalidadede se diferenciar dos animais. Mas nãoé por saber rir que o homem adquire asua humanidade. Ao contrário, é porser humano que ele aprende a rir e achorar. De onde provém a sua huma-nidade, essa condição que efetiva-mente o torna diferente de todos osoutros animais?

É esquizofrênica no homem anecessidade que tem de ser livre e, aomesmo tempo, de alienar parte dessaliberdade ao se dispor a viver emsociedade, isto é, pela necessidade deconciliar o ser solitário – para ser livre– com o ser solidário – para viver emsociedade. Na realidade, em socie-dade os homens vivem em estado depermanente e fundamental solidãojunto aos outros homens. A sua vida, avida de cada um, é algo intransferívele que apenas pode ser vivida por elemesmo, conforme nos ensina Ortega yGasset. Dessa forma, viver em socie-dade é compartilhar solidões. O riso éuma das formas de que se vale ohomem para fazer face à sua tragédiaontológica.

A capacidade de rir e de chorarimplica a necessidade de saber co-locar-se em papéis e situações alheias.Há também razões para dizer-se queele é o “animal social”. Mas há outrosanimais que também vivem em socie-dades organizadas. Além disso, ohomem é tanto animal social, como éantissocial, sendo que essa ambi-

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valência comportamental constitui umacaracterística muito mais identificadorada condição humana do que a suaalegada sociabilidade. A sociabilidadedo homem é fruto de sua interação comos outros homens, em sociedade. Poroutro lado, a sua propensão a ser antis-social talvez esteja mais relacionada auma condição “natural” (isto é, nãosocial), inata, de fundo filogenético, eque o leva a empenhar-se tanto na suaautoafirmação.

Mas de onde provém a humanidadedo homem? O que torna o homemrealmente diferente dos outros animais?Ortega y Gasset afirmou que “a vidanos é dada, mas não nos é dadapronta”. A fatalidade é comum a todosos seres viventes; ao mesmo tempo, avida condicionada pela liberdade e aincerteza é exclusiva do homem.

Mas se o homem nasce fruto dafatalidade, daí para a frente sua vidaé algo a ser “criado” ou “inventado”por ele mesmo, em ambientes deincerteza. Esse vir a ser exige, comocondição fundamental, liberdade, istoé, ausência de coerção.

Se esse aventureiro humano vive emsociedade, o mínimo que se pode exigirdessa sociedade é que não atravanquea sua aventura de vida, que lhe dêpasse livre para buscar-se a si mesmo.Sobretudo, que não o iniba. Em outraspalavras, a aventura de buscar-se a simesmo requer liberdade e igualdadeaos olhos da lei.

Que significa buscar-se a si mesmo,identificar-se? A busca de identidade ébusca de diferenças individuais, e nãode igualdade com os seus pares. Asdiferenças fundamentais para cada umde nós são as mais difíceis e as quevão exigir coragem pessoal (o heroísmoda autoafirmação), tolerância socialpara com as diferenças pessoais decada um, muito empenho e muita sorte.

O ideal liberal se orienta no sentido deuma sociedade na qual essa buscapessoal da diferença individual nãoexija heroísmo, mas uma sociedadelivre, tolerante e não-preconceituosa;uma sociedade que proporcione con-dições para o desenvolvimento pessoal.

O processo de socialização ouhumanização transforma o indivíduo(entidade biológica) em pessoa (serhumano), introjetando-lhe valores epadrões de comportamento, o levaa desenvolver uma consciência e aimpô-la sobre seus instintos, a assumirpapéis e, afinal, a converter-se em serpolítico. Trata-se de um processo espon-tâneo, livre e anônimo, que dispensaum plano ou projeto imposto poralguém ou por alguns sobre os demais.A condição fundamental desse processoé a existência de liberdade.

Diante das circunstâncias da suavida, o homem tem que fazer opçõesentre alternativas. Como disse Ortegay Gasset, o homem é necessariamentelivre, pois carece de identidade cons-titutiva, isto é, o homem é mera po-tência para ser, e ele se faz esse mesmodiante da suas circunstâncias.

A consciência é traço distintivo dacondição humana, é a autopercepçãosimultânea da identidade socioculturalda pessoa e da sua própria identidadeindividual. É, portanto, a noção duplade igualdade (as socioculturais) ediferenças (as pessoais); e de sentir-seao mesmo tempo solidário e solitário.Ter consciência, portanto, é saber na-vegar entre direitos (os direitos de bus-car-se a si mesmo) e obrigações (asobrigações relativas ao respeito aosdireitos dos outros). Consciência é,então, civilidade, essa inconfortávelnecessidade de disciplinar os anseiospessoais em face dos limites quea sociedade impõe. Que limites sãoesses? Numa sociedade de cupins,

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formigas ou de abelhas o problemanão existe, pois já foi previamenteresolvido e consta de uma pro-gramação genética adequadamentesituada para ser instintivamenteobedecida. Numa sociedade tirânica,autoritária, ditatorial, despótica ouabsolutista o problema está resolvidotambém, pelo menos enquanto per-durar esse exercício exacerbadodo poder.

E numa sociedade de seres humanoslivres? O problema essencial da socie-dade moderna é o de encontrar meiospara que os limites aos anseios indi-viduais sejam democraticamenteestabelecidos pela livre interação dosmembros da sociedade, e de formatal que o curso da privação individualseja minimizado.

A humanização se dá através de umsistema de relações que é simulta-neamente cooperativo e competitivo.Uma forma de conciliar a contradiçãoentre “viver em liberdade” e ao mesmotempo “conviver em sociedade” foi acriação do Estado, uma entidade su-perior a cada um e a todos os membrosda comunidade e que, por delegaçãouniversal, zelasse para que a liberdade(ou os direitos) de cada pessoa termi-nasse onde se iniciasse a liberdade(os direitos) alheia.

Lamentavelmente, pelo menos paraaqueles que, como eu, são liberais, oanarquista da vida comunitária semgoverno parece impossível, porquehaveria tendência à concentraçãocumulativa das diferenças e, portanto,do poder (os mais fortes tenderiam aficar progressivamente mais fortes) e,consequentemente, a substituição deum sistema baseado na liberdade poralgum regime tirânico. O liberal,portanto, se contenta em defenderlimites rigorosos para a jurisdição doEstado, após reconhecer, com resig-

nação, que ele é um mal necessário.Mas que seja, então, o menor possível:quanto menos Estado, melhor.

Em síntese, para ser humano ohomem precisa do convívio com outroshomens. A preservação da próprialiberdade, por sua vez, requer umordenamento social, para cuja for-malização e administração se cria umEstado que, por constituir elevada dosede concentração de poder e, portanto,significar ameaça à liberdade doscidadãos, deve ser contido. Em outraspalavras, é indispensável a existênciade ordem; o problema está em saberque tipo de ordem e que quantidadede ordem.

A diferença fundamental entrecoletivistas e individualistas reside naidentificação do sujeito da liberdade.Tanto coletivistas socialistas comoindividualistas e liberais se declaramamantes da liberdade, da demo-cracia, do ideal de dar-se a todosoportunidade de acesso às vantagensda vida comunitária. A diferençafundamental entre eles decorre do fatode que os coletivistas e os socialistasidentificam o Estado como o sujeito daliberdade, ao passo que os indivi-dualistas e liberais colocam esse sujeitona pele do indivíduo. Daí a enormediferença que há entre essas duasexpressões: sociedade livre e umasociedade de indivíduos livres. Noprimeiro caso a ênfase é no Estado e,portanto, é a vontade e a ação deleque devem ser livres; nessa circunstân-cia, os indivíduos se subordinam aoEstado, a seus objetivos “superiores”.No segundo caso, ao contrário, aênfase recai sobre os indivíduos e,portanto, é a vontade e a ação indi-viduais que se impõem e a elas sesubordina o Estado como instrumentoincumbido de zelar pela ordem social,

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a liberdade, a justiça e segurança dosindivíduos.

O Estado liberal é apenas umexpediente para assegurar um am-biente compatível com a realizaçãodos propósitos individuais. É umainstituição a serviço dos membros dasociedade.

III. DOIS MODELOS EXTREMOS DEORGANIZAÇÃO SOCIAL

penas as sociedades livres dão aseus membros a oportunidade de

desenvolver autonomamente as suaspotencialidades, de buscarem a suaidentidade e a sua vocação e de de-senvolverem os seus projetos individuaisde vida. As sociedades voltadas nãopara os objetivos dos seus membros,mas para a finalidade de uma “to-talidade”, de um “agregado”, do “bemcomum”, de um “desenvolvimentonacional” indefinido sufocam as vo-cações e o desenvolvimento dos seusintegrantes a fim de beneficiarem osseus próprios propósitos.

Procurarei dramatizar esses doistipos extremos de organização socialdistinguindo as sociedades soit disantlivres, mas cujos cidadãos não sãoefetivamente livres, das sociedades dehomens livres, em cujo caso a orga-nização social, a ordem e o Estadoestão a serviço dos seus cidadãos.

Nas sociedades não-liberais os seusmembros são meios para a realizaçãodos fins da coletividade. Os propósitosindividuais ou não existem ou, quandoexistem, são subordinados aos objetivosda comunidade. Nas sociedades dehomens livres, as sociedades liberais,a organização da comunidade se fazcom a finalidade de criar um ambientefavorável ao bem-estar e desenvolvi-mento de seus membros individuais;quando a organização se institucionaliza

sob a forma de Estado e Governo,ambos estão a serviço de seus cidadãos.

Em um Estado tirânico, absolutista,autoritário, despótico, no qual osinteresses do Estado se sobrepõem aosinteresses dos cidadãos, tudo se passacomo se estes se subordinassem a umcomportamento altruísta, imposto pelasautoridades ou por uma programaçãogenética.

A imposição tirânica do altruísmosignifica violação da própria condiçãohumana, porque nega ao homem apossibilidade de desenvolver suaspotencialidades e de realizar a suaaventura de viver e de cumprir o seudestino incerto e desconhecido. Oaltruísmo seria, nesse contexto, umacontradição em termos.

Por outro lado, o resultado final doprocesso de interação livre tende afavorecer não apenas cada agenteindividual, mas a totalidade dos ho-mens. Isto é, tudo se passaria como sesuas ações egoístas individuais resul-tassem, pela sinergia do intercâmbio,em consequências altruístas. As so-ciedades de homens livres não são,portanto, geradoras de um jogo socialde soma zero, mas produzem resul-tados mutuamente benéficos e su-periores à contribuição pessoal de cadaum ao processo.

O individualismo seria, então, ogerador mais eficaz de sinergia do queo coletivismo. A conclusão seria a deque a sociedade dos homens livres, nasquais o Estado está a serviço doscidadãos e os indivíduos podem lutarpelos seus interesses pessoais, seriaa organização não apenas mais com-patível com a sociedade humana, mastambém a que ensejaria níveis supe-riores de bem-estar material.

Passemos agora a outro tema. Osanimais têm comportamento instintivo,ao passo que a consciência do homem

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o levou a adquirir um ethos, isto é, umabase moral, e a se transformar num serpolítico. São muitas e importantes asconsequências dessas diferenças entreos homens e os outros animais, sejameles “sociais” ou não. Os homens sãoqualificados para a ação social, umatributo essencial e exclusivo dassociedades dos homens livres. Atravésdela os homens têm que chegar a umacordo entre si acerca dos objetivos dasociedade de que são parte e dosmeios de alcançá-los; sobre a forma eos limites do Estado e do Governo;sobre o sistema de representação e asmaneiras de escolher seus represen-tantes; sobre o controle do Estado pelaNação; e, finalmente, sobre os proble-mas comuns, seus graus de importânciae suas respectivas soluções.

Mas, diante das diferenças indivi-duais, como podem os homens chegara um acordo entre eles sobre qualquerconjunto de problemas? Que tipo deorganização social poderá oferecercondições mais adequadas para odebate e o entendimento requeridos poresse acordo?

Se a prioridade é com a indivi-dualidade dos seus membros e se estarequer a liberdade como condição ra-dical, a ordem a ser estabelecida deverespeitar os cidadãos e seus projetosde vida; estes são os fins supremosdessa sociedade, e o Estado é apenasum meio para a realização desses fins.

Se é “natural” que nas sociedadesde animais gregários os indivíduos quea integram se subordinem aos interessesdo “todo”, constitui agressão à condi-ção humana a submissão individualdos indivíduos aos propósitos doEstado; os indivíduos é que são os fins,e o Estado é nada mais do que ummeio para a consecução desses fins.

Impõe-se, portanto, como orien-tação básica a necessidade da rigorosa

limitação do Estado às tarefas queefetivamente não possam informal eespontaneamente ser cumpridas peloscidadãos, exceto a custos extremamenteelevados; e, depois, torná-lo tãodescentralizado quanto possível, a fimde minimizar a concentração de poderque tem como contrapartida a agres-são à liberdade dos cidadãos.

Por outro lado, não terá sucesso aorganização que se basear no supostode que o homem é ou pode ser trans-formado em altruísta, pois ele teminteresses particulares, preferênciasespecíficas e geralmente se dispõe alutar por ambos.

Qualquer tentativa de querer torná-los iguais significa ter que tratá-los demaneira diferente, por privilégios evantagens arbitrárias. Esse tipo de con-cepção igualitária, além de ingênuo, éextremamente injusto e geralmenteineficiente na prática. É o oposto daconcepção humanista, individualista,democrática e liberal, da igualdade doshomens perante a lei (na realidade, deleis iguais para todos), de cujo princípiodecorre o caráter impessoal, genéricoe abstrato das normas jurídicas.

Finalmente, a organização da socie-dade humana, para ser eficaz, tem quereconhecer as ambivalências, dualismose contradições da condição humana,erigidas com uma visão suficientementecínica e precavida a respeito do caráterapenas parcialmente confiável dohomem. Mecanismos devem ser tam-bém acionados para desenvolver ocaráter do homem, tornando-o maisapto para a ação social. É este o papelfundamental que pode ter a educaçãoem seu sentido mais amplo, de amor-tecedor do preconceito e da intolerância.

Mas se a educação do compor-tamento é fundamental no desenvol-vimento de uma sociedade liberal,também o é a educação em sua versão

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convencional, especialmente importanteno seu tríplice aspecto de criadora deum universo comum de discurso, naaceleração do crescimento econômicoe no desenvolvimento de uma classemédia quantitativamente expressiva.

O falecido professor Frank Knightestava cheio de razão quando obser-vava que a busca da “verdade” e do“progresso” nas sociedades liberaisapresenta forte potencial de conflitocom relação ao outro valor básico queé a “ordem”, pois os primeiros cons-tituem elementos geradores de mu-danças. A educação pode constituirajuda decisiva na qualificação de umasociedade para a tarefa de minimizaros conflitos que geralmente vêm nobojo dos processos de mudança social.

Os temas seguintes se referem aconformismo e imobilismo versus incon-formismo e mudança; necessidadeslimitadas versus necessidades infinitas.Imobilismo e conformismo são condi-ções típicas das sociedades estáticas,estagnadas e alicerçadas em tradições.Também as comunidades dos animaisgregários assim o são por força dodeterminismo genético. O mesmo valepara as sociedades fundadas na ideiada luta de classes. A hipótese de que,em regime de liberdade, um parceirodo jogo econômico apenas pode be-neficiar-se à custa das perdas de seurespectivo parceiro não faz sentidonuma sociedade em processo de cres-cimento continuado e na qual são efi-cazmente assegurados os direitos doscidadãos, especialmente os direitos eco-nômicos de livre entrada no mercadoe os de propriedade privada.

Nas sociedades estagnadas e im-pregnadas de imobilismo tudo se passacomo se as necessidades de seusmembros fossem limitadas. Ora, asnecessidades humanas são ilimitadase, portanto, insaciáveis. Elas não são

fruto da tradição ou da solicitaçãobiológica – mas são parte inerente datotalidade de cada um; são parte dosseus direitos, como o é o direito depropriedade. Nas sociedades dosinsetos esse problema não pareceexistir, de vez que as necessidadesindividuais são biologicamente deter-minadas. Mas nas sociedades hu-manas, quando o Estado se arroga odireito de planejar o consumo doscidadãos e estabelecer controle depreços, contingenciamentos, proibições,impostos discriminatórios, etc., ele estáde fato privando esses cidadãos dedose significativa de parte da sualiberdade pessoal.

Se se dispõe de um mecanismoimpessoal, eficiente e livre como é omercado, por que substituí-lo pelopoder coercitivo ineficiente, no caso,arbitrário do Estado? Porque alienar asoberania do consumidor em favor datutela do Estado?

O assunto seguinte diz respeito àuniformidade versus diversidade epluralidade. As organizações sociaisliberais, “abertas” e democráticascaracterizam-se pela diversidade e pelapluralidade, e tendem a demonstrardisposição para experimentar e mudar.As organizações não liberais e “fe-chadas”, ao contrário, tendem a sermonolíticas, a apresentar elevadosgraus de uniformidade e apego aostatus quo. A pluralidade e a diversi-dade são compatíveis com menor graude poder conferido ao Estado e à suadispersão, ao passo que a uniformidadee a concentração do poder, bem comoo “conformismo”, tendem a aumentarem função do tamanho e densidadedo Estado. É claro que as sociedadesdos animais gregários se aproximammuito mais, quanto a essas caracte-rísticas, das organizações não liberaise “fechadas”.

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Antes de passar para o pontosubsequente, farei uma última re-ferência ao problema da uniformidadeversus diversidade. Trata-se daconhecida preferência dos regimes nãoliberais pelas políticas sociais queprocuram nivelar as pessoas “nachegada” e que contrastam com apredileção liberal, por ser esta maiscompatível com a liberdade e aequidade de tratamento, ao optar pelaigualdade “na largada”. É nesse sentidoque entendo o princípio da “igualdadeperante a lei”: cada um de nós quenasce ou vive numa determinadasociedade, dela recebendo benefíciose para ela contribuindo com seutrabalho, deve ter, respeitadas asdiferenças pessoais, condições iguaisde acesso às oportunidades. Mas essasoportunidades, a rigor, não podem seriguais enquanto as pessoas nãonascerem iguais; além disso, a sorte astrata de forma desigual. O máximo,então, a que se pode aspirar é quesejamos todos tratados de maneiraigual pelas leis; que todos tenhamosliberdade para a construção de nossasvidas, que possamos adquirir ascondições mínimas de saúde e deeducação, e que tenhamos nossosdireitos pessoais de propriedade pre-servados. São exatamente as socie-dades baseadas na tríade ordem-li-berdade-justiça as que mais se apro-ximam dessas condições.

O passo seguinte nos leva ao pro-blema da adaptação à natureza versusa adaptação da natureza e das cir-cunstâncias às necessidades dohomem. É muito comum nos paísespouco respeitadores das liberdadeshumanas o constrangedor espetáculoem que o Estado define o que éessencial e o que é supérfluo para aNação. É preciso dose fortíssima dearrogância e pretensão para alguém

se atrever a dizer o que é importanteou secundário para os outros. Aindaassim, é coisa corriqueira nas organi-zações não-liberais, e é certamenteparte do cotidiano dos brasileiros. Omesmo tipo de arbitrariedade earrogância se faz presente quando sepretende definir o bem comum.

A conquista pelo homem, então, decondições para fazer não o prosaico,mas aquilo que a juízo de cada um é onecessário, ou prazeroso, ou inte-ressante, ou importante, significou, narealidade, ampliação da sua liberdadepara forjar a sua própria vida, deacordo com suas característicaspessoais. O homem conseguiu, atravésda tecnologia, diminuir a coerção dasforças da natureza sobre a suacapacidade de viver a “sua” vida, e oprocesso não parece haver terminadoainda. É um contrassenso, por con-seguinte, que um grupo de burocratasvenha subtrair-lhe, através de arro-gante e grotesca tutela, parte dos frutosdessa extraordinária conquista, di-zendo-lhe o que pode e o que nãopode consumir, e que equivale a ditar-lhe a forma de viver.

IV. DOIS MODELOS EXTREMOS DEORGANIZAÇÃO POLÍTICA

problema político decorre basica-mente do fato de as pessoas serem

diferentes e constitutivamente com-prometidas com os seus própriosprojetos de vida, condição que exigeliberdade. Por outro lado, apenas emsociedade o homem se humaniza. Masviver em sociedade significa a exposiçãode todos a situações potenciais deconflito e de eventual dominação deuns sobre outros. Esta é a razão de serdas regras gerais e de comportamentoque estabelecem as circunscrições parao exercício das liberdades individuais.

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A articulação dessas regras entre si gerao ordenamento geral, e a sua gerênciafaz surgir a figura do governo. Estadoe Governo representam concentraçãode poder, algo que está em conflito coma liberdade. Para as pessoas amantesda liberdade, o problema então estáem conciliar ordem (que implica opoder coercitivo do Estado) e liber-dade.

Da mesma forma que no capítuloanterior concebemos dois modelos ouparadigmas extremos de organizaçãopara a solução dos problemas sociais,poderemos pensar também em doissistemas organizacionais extremos paraa solução dos problemas políticos.Podemos contrastar “a regra daautoridade” com a “autoridade dasregras”; a primeira alternativa se referea todos os tipos de organização políticanos quais o cidadão se subordina (emvários graus) à vontade e ao poder doEstado; a segunda tem em vista asorganizações democráticas e liberais,nas quais o Estado está subordinadoaos propósitos dos cidadãos e sob seucontrole. No primeiro caso cabem osregimes tirânicos, autoritários, abso-lutistas, ditatoriais ou que outros nomespossam merecer em face de suaspeculiaridades, mas todos tendo emcomum a sobreposição dos objetivosdo Estado aos propósitos individuais.No segundo caso estão as várias mo-dalidades de regimes políticos ins-pirados na liberdade dos cidadãos,geralmente identificados como de-mocracias liberais.

Mas a despeito de democraciae liberalismo se inspiraram no mesmovalor fundamental que é a liberdade,a rigor significam coisas diferentes (sebem que convergentes). A preocupa-ção do liberalismo é com a liberdadee, portanto, com o seu corolário; istoé, a limitação do poder coercitivo do

Estado e a necessidade do seu controlepela Nação.

A democracia está mais preo-cupada com o problema da origem dopoder, sua representação e sua divisão.Enquanto os liberais indagam “quantopoder?”, os democratas perguntam “aquem pertence o poder?” e respondem:“ao povo!” A democracia é o povo nopoder, através de seus legítimosrepresentantes. É natural, portanto, ocasamento das idéias liberais com asdemocráticas: quanto menos Estado (eGoverno), melhor; quanto mais diluídoo poder, melhor. É dessas duas fontes— a democracia e o liberalismo — queemanam os Estados modernos de ho-mens livres.

O reconhecimento crescente de quea economia de mercado (isto é, aliberdade no âmbito econômico) érequisito indispensável às demais formasda liberdade constitui um dos acon-tecimentos mais importantes da atua-lidade e, provavelmente, contribuirá demaneira sensível para o fortalecimentodo movimento liberal. Certamente seencontram em posição inconfortávelaqueles que contraditoriamente ad-vogam a liberdade política e o regimedemocrático, ao mesmo tempo em quese mostram ferrenhos defensores daintervenção estatal na economia.

Já sabíamos que a ordem, qualquerordem, é preferível ao caos quanto aosresultados econômicos. Estamos,agora, tornando-nos cada vez maisconscientes de que alguns tipos deordem são mais compatíveis do queoutros com relação à liberdade pessoal,ao bem-estar econômico e às oportuni-dades pessoais; e não parece haverdúvida de que apenas um ordenamentoeconômico baseado na livre iniciativa,na propriedade privada, nos lucros e nomecanismo de preços – a ordem da

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economia de mercado – é compatívelcom o regime político da democracia.

Se a economia de mercado é condi-ção necessária, mas não suficiente, paraa democracia, que outras condições sefazem necessárias? Estou pessoalmenteconvencido a respeito de mais duas:primeiro, todo um ordenamento ali-cerçado na generalidade e no caráterabstrato das leis, na eficácia da ad-ministração da justiça, bem como naeficácia e legitimidade do processo derepresentação e decisão; segundo, acapacidade efetiva do controle doEstado pela nação.

Frank Knight nos mostrou que osistema moderno da liberal-demo-cracia se baseia num processo de livreintercâmbio. No plano econômico, háa troca livre voluntária de bens e ser-viços entre os agentes privados, umarelação ao mesmo tempo competitivae cooperativa, mutuamente vantajosa.No plano político-social, e especial-mente na vida política, há também umintercâmbio de ideias, opiniões,argumentos e informações. Enquantoo instrumento do intercâmbio socio-político é a linguagem humana, acomunicação econômica se faz princi-palmente pelo sistema de preços. Essesdois meios de comunicação são oresultado espontâneo, não progra-mado da interação humana; ninguémem particular os inventou; constituemprodutos sociais anônimos.

A linguagem do sistema de preços,entretanto, é mais objetiva, mais “fria”e precisa do que a linguagem humanapropriamente dita. O mercado, todoele, o sistema de preços incluído, émuito mais racional do que a “arena”política. Na interação econômica domercado as transações normalmenteenvolvem interesses pessoais diretos,específicos; as decisões se expressamatravés de “votos” (representados pelos

dispêndios) a favor de coisas igual-mente individualizadas; a maior partedos acordos envolve apenas as partesinteressadas; o mercado enseja ampladiversidade para manifestação dapreferência dos agentes, assegurando-lhes representação proporcional. Aeconomia de mercado é, na realidade,um plebiscito permanente e informal.O processo político coloca os cidadãosdiante de grandes blocos de alterna-tivas, dificultando-lhes ou mesmoimpedindo-lhes a manifestação parti-cularizada das suas preferências. MiltonFriedman diz com pertinência que omercado gera a unanimidade semconformidade, enquanto que o pro-cesso político gera a conformidade,sem assegurar a unanimidade! Oprocesso político mobiliza muito maisas emoções humanas, pois ele tem aver, em última instância, com valores,princípios e preferências subjetivas; enos debates políticos estão quasesempre presentes elevadas doses depreconceito e intolerância. Tudo isso fazcom que as decisões “impessoais” demercado sejam mais racionais e efi-cientes, além de menos conflituosas doque as decisões políticas. É mais um forteargumento para que, sempre quepossível, pelos critérios econômicos dedivisão do trabalho entre governo emercado, se prefiram as soluções demercado às soluções políticas.

Nesse contexto é enorme a im-portância que Knight concedia ao papelda educação geral, mas sobretudocomo instrumento para superar opreconceito e a intolerância. Nas suaspróprias palavras, “education of the willmuch more than of the intellect”. Ointeressante é que essa importância daeducação na área política é a rigorosacontrapartida da importância da edu-cação na preparação do agente eco-nômico para um desempenho com-

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petente no processo do desenvol-vimento econômico. Além disso, aeducação básica, através das suasconsequências no âmbito econômico,produz outro efeito relevante para oprocesso político, pois, ao acelerar ocrescimento econômico e expandir aclasse média, oferece ao processopolítico democrático o benefício daampliação desse seu ingredienteindispensável que é exatamente a“classe média”, uma classe médiaquantitativamente expressiva.

Posso, agora, voltar ao problemadas condições exigidas por uma liberal-democracia. Uma delas é a economiade mercado, não apenas pelos resul-tados econômicos superiores queproduz, mas principalmente porque aliberdade econômica é condiçãonecessária para a liberdade política.Outra condição é o império da lei e aigualdade dos indivíduos perante ela,o que exige instituições eficazes. Essasduas condições compõem as linhasprincipais de ordenamento geral dasociedade, um grande cenário na-cional. Mas o cenário apenas nãobasta: é preciso que os atores sejamadequadamente qualificados tantopara ação política como para o desem-penho econômico. E essa é a funçãoda educação. Supondo que os atoresse tornem preparados, da sua melhoriaqualitativa deverá provavelmenteresultar a expansão da classe média.

V. DOIS MODELOS EXTREMOS DEORGANIZAÇÃO ECONÔMICA

ordem econômica, da mesmaforma que a social e a política,

pode basear-se em dois paradigmasextremos: (1) os problemas econômicosda sociedade são solucionadosautoritariamente por um grupo depessoas no Governo, geralmente

através de um sistema de planejamentocentral; ou (2) os problemas econômicossão resolvidos de maneira impessoal elivre, através da interação voluntáriados agentes particulares no mercado.No primeiro caso, trata-se do processodecisório do tipo top-down, isto é, decima para baixo. No segundo caso, asdecisões resultam do livre e voluntáriointercâmbio dos indivíduos, cabendoao Estado apenas algumas atribuiçõesespecíficas que novamente não podemser eficientemente exercidas pelomercado; trata-se do processo decisóriodo tipo bottom-up, isto é, de baixopara cima. O primeiro paradigma or-ganizacional é geralmente conhecidocomo planejamento central, e o se-gundo é alternativamente denominadoeconomia de mercado, sistema de livreiniciativa ou capitalismo.

Pelo fato de ser a economia de mer-cado fundamentada na liberdadeindividual, compatibiliza-se natural-mente com os regimes sociopolíticosliberais, igualmente baseados na liber-dade individual e na minimização dopapel do Estado.

O sistema econômico do plane-jamento central, estribado no arbítrio eno poder coercitivo do Estado, implicaa alienação da vontade e da liberdadeeconômica individuais e, por isso, é ocomplemento organizacional naturaldos regimes políticos não liberais.

Uma característica dos regimessocialistas e marxistas é a abolição dapropriedade privada ou sua sensívelredução, com a consequente trans-ferência, para o Estado, dos chamados“meios de produção”. Por outro lado,a propriedade privada é característicainalienável da economia de mercado:não pode haver economia de mercadosem propriedade privada.

Se não houver propriedade privada,ela será, obviamente, pública. Isso

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acarreta enorme e desnecessáriaconcentração de poder econômico noEstado, colocando-o muitíssimo alémdo estritamente exigido pelas atividadesque a rigor não caberiam ao mercado.Além disso, o Estado estaria em con-dições de exercer pressões coercitivasnão apenas sobre os agentes econô-micos privados, como também sobreos agentes políticos, levando-os a umcomportamento incompatível com seuspróprios interesses e preferênciaspessoais. Presença de coerção é au-sência de liberdade. Logo, se há con-centração exagerada da propriedadenas mãos do Estado, compromete-se aliberdade individual e inviabiliza-se aintegridade de uma sociedade quepretenda ser liberal-democrática.

A liberdade individual varia inver-samente com o grau de concentraçãode propriedade nas mãos do Estado,entre o tipo extremo de organização noqual a propriedade privada é inexistentee a sua antítese, aquela que apenasconcede ao Estado os meios absolu-tamente necessários para a função queefetivamente lhe pertence (as sociedadesde economia de mercado puras).

A essência do nosso problema é aopção entre sermos uma sociedadecoletivista ou uma sociedade liberal edemocrática. Se a segunda alternativaé a que preferimos, teremos então querestaurar imediatamente a economia demercado em nosso país, recolocandoo Estado a nosso serviço, e dentro daesfera de competência que cabe naeconomia nacional.

Que é, afinal, uma economia demercado? Quais são os seus requisitosfundamentais? O problema econômicoé um problema de escassez de meiosem face de excesso de fins. Ele surgequando meios escassos são postosdiante de fins alternativos, de modo quea utilização de certos meios (isto é,

recursos) para determinados finsimplica necessariamente o sacrifício dosdemais fins que competiam por taismeios; implica o sacrifício de opor-tunidades alternativas. Por esse motivose dá a essa renúncia o nome de abrir“custo das oportunidades perdidas” ou“custo de oportunidade”, como é maisconhecido o conceito.

Há quatro grupos de problemaseconômicos: 1. Que bens e serviçosproduzir e em que quantidades (pro-cura); 2. Como produzi-los (oferta);3. Para quem (distribuição); 4. Comoaumentar a produção por habitante notempo (crescimento).

O planejamento central subordinaos agentes econômicos individuais àsdecisões do Estado, que dá respostasàqueles quatro grupos de problemas.No sistema da economia de mercadosão os agentes particulares que, atravésda interação livre e voluntária com seuspares e com base nas indicações querecebem dos preços no mercado, dãosolução àqueles problemas.

A liberdade dos agentes econômicosé condição fundamental da economiade mercado, mas essa liberdade nãoé absoluta: os direitos de cada umterminam nos limites dos direitos dosdemais. Isso requer um ordenamentogeral, para cuja formalização e admi-nistração existe o Estado. Do ponto devista econômico, sobressaem nessaordem geral, pela importância que têmpara o funcionamento do sistema, adefinição e a aplicação dos direitos depropriedade. Na realidade, juntamentecom a preservação da segurança, estaé a grande tarefa do governo. Dentrodo quadro geral dessas normas geraisde organização e comportamento seincluem as regras econômicas queestabelecem o ambiente competitivo ouconcorrencial de mercado. Finalmente,é próprio do Estado uma ação supletiva

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ou compensadora em face de exter-nalidades (negativas e positivas), dosbens públicos e de situações em que ocusto das transações limite a capa-cidade dos agentes privados na to-mada de decisões.

Esse conjunto de atr ibuiçõesconcede ao setor público uma elevadadose de presença no mercado. Porrepresentar simetricamente granderestrição à liberdade dos particulares,não há motivos para autorizar-se a suaexpansão, e sim para que a naçãoexija rigoroso controle no sentido deimpedi-la.

Além da necessidade de conter otamanho do Estado, a economia demercado requer mais as seguintescondições: que as “regras do jogo”sejam competitivas, isto é, que osagentes econômicos não disponhamde poder coercitivo individual de afetarpreços no mercado; que existam direitosde propriedade bem definidos e res-peitados e os contratos sejam cum-pridos; que exista liberdade de “en-trada” e “saída” no mercado; que osistema de preços funcione com efi-ciência competitiva; que o lucro sejarespeitado como um dos direitos legí-timos dos agentes econômicos.

É também de capital importânciaque a ordem seja competitiva e quesejam preservadas a liberdade dosindivíduos e a eficiência econômica. Narealidade, liberdade individual e efi-ciência econômica social estãoestreitamente relacionadas. Se, por umlado, essa afinidade entre liberdade eeficiência econômica é favorávelporque estimula o crescimento eco-nômico, por outro lado ela pode, porforça de seus próprios méritos, gerarproblemas para a sociedade, poisnormalmente induz mudanças e estaspodem entrar em conflito com a ordemestabelecida.

Três problemas são subversivos paraa economia de mercado: as empresasestatais, a inflação e a expansão dosbolsões de miséria. O que há de comumna etiologia desses três males sociais éo Governo como agente ativo nos doisprimeiros casos e como agente omissono terceiro. Ele causou os dois primeirospor fazer o que não devia e, ao deixarde fazer o que devia, permitiu que oúltimo surgisse e crescesse.

A economia de mercado requer,para ser eficiente, uma ordem com-petitiva. Essa ordem competitiva éagredida com enorme contundênciapela presença maciça das empresasestatais. Como podem os particularescompetir com o governo? Como se nãobastasse dispor do poder coercitivo quelhe é próprio, o setor público dispõede poder econômico monopolístico emalguns casos e oligopolístico em outros.Como se não bastasse, cria e sancionareservas de mercado em inúmerossetores, conspurcando os mercados,gerando privilégios, comprometendo aeficiência, promovendo a corrupção ecerceando a liberdade.

A economia de mercado e a ordemcompetitiva, para serem eficientes,dependem do funcionamento eficaz dosistema de preços, pois é ele que orientaos agentes econômicos quanto aoencaminhamento dos fatores de pro-dução entre as suas utilizações alter-nativas.

Podemos voltar, agora, às duasúltimas condições de uma economia demercado: “liberdade de entrada” e“lucro”. Uma das condições funda-mentais da economia competitiva demercado é a “liberdade de entrada”dos agentes e econômicos privados. A“liberdade de entrada” é um expe-diente eficaz contra a concentração dopoder econômico. A “liberdade deentrada” é complemento natural e

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indispensável da liberdade individualem seu sentido mais amplo.

A última condição é o lucro, e nãoé a menos importante. Uma dasrealidades do mundo econômico é aincerteza; no mundo empresarial, elanão admite seguro. Lucro é a diferençaentre os resultados esperados e osresultados obtidos. Pode ser zero,negativo ou positivo. É a contrapartidada incerteza e constitui um prêmio pelosacertos do empresário ou um castigopelos seus erros. Mas é o lucro queincita à iniciativa, à mudança, àinovação, à criação e ao empenho. Oseconomistas ligados à tradição daEscola Austríaca o identificam com oprocesso de descoberta, pelo empre-sário, de oportunidades de mercado.Numa economia de mercado, paraeliminar-se o lucro seria necessárioeliminar a incerteza.

VI. DESCENTRALIZAÇÃO, DIVISÃO EPLURALISMO

liberalismo se preocupa com alimitação do poder coercitivo do

Estado e com a sua descentralização,o princípio da subsidiaridade. Opensamento democrático dá ênfase àdivisão do poder, não apenas comoforma de abrandá-la, mas também decontrolá-lo pelo resultante sistema de“freios e contrapesos” (checks andbalances). Enquanto a preocupação

liberal desemboca, por exemplo, naorganização nacional de tipo federativo– União, Estados e Municípios –, apreocupação democrática leva à idéiaclássica da divisão tripartite do poder:legislativo, executivo e judiciário.

Essas duas vertentes de princípiosorganizacionais compatíveis com omáximo possível de liberdade e le-gitimidade representativa convergempara as três condições que dão título aeste capítulo: descentralização, divisãoe pluralidade. Faz sentido, numa orga-nização de cunho federativo, que se dêaos municípios o máximo possível deautonomia, em detrimento do poderdos estados e da própria União. E ocorolário prático liberal-democráticopode ser formulado através do seguinteprincípio geral: não deve ser atribuídaao Estado (Governo) a solução deproblemas que, por considerações decustos (incluindo o da liberdade) eeficiência (inclusive a administrativa),possam ser assumidos pela economiade mercado; não devem ser atribuídosaos estados o que os municípios pu-derem fazer; não devem ser confiadosà União os problemas que os estadosfederativos possam solucionar. Além deabrandar os males decorrentes daexistência de um poder público coer-citivo, a aplicação desse corolárioseria coerente com relação às idéiasde descentralização, divisão e plu-ralidade.

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