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Sumário Prefácio A questão política da Sociedade do Conhecimento José Vicente Tavares dos Santos Introdução Tecnociência na virada do milênio: o Brasil na Era do Conhecimento Maíra Baumgarten Parte 1 Sociologia do Conhecimento: aspectos clássicos e contemporâneos Léo Rodrigues Júnior Duas culturas, três culturas... ou redes? Dilemas da análise social da técnica Tamara Benakouche A formação de cientistas: necessidades e soluções Michelangelo Trigueiro Parte II Os avanços da tecnociência, seus efeitos na sociedade contemporânea e repercussões no contexto brasileiro Fernando Antônio Ferreira de Barros Globalização e ciência & tecnologia no limiar do Século XXI: os anos 90 no Brasil Maíra Baumgarten Atores institucionais e políticas de C&T na formação de recursos humanos de alto nível: casos do Brasil e da Coréia do Sul Geraldo Nunes Sobrinho Ciência e tecnologia nas políticas públicas de educação Marcia Lopes Reis Parte III A Economia e a Física no Brasil: campos científicos ou transcientíficos? Fernanda Sobral A Sociologia no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq – 1993-1997 Enno Liedke Filho Ciência e tenologia no Mercosul Maria Susana Arrosa Soares

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Sumário Prefácio A questão política da Sociedade do Conhecimento José Vicente Tavares dos Santos Introdução Tecnociência na virada do milênio: o Brasil na Era do Conhecimento Maíra Baumgarten Parte 1 Sociologia do Conhecimento: aspectos clássicos e contemporâneos Léo Rodrigues Júnior Duas culturas, três culturas... ou redes? Dilemas da análise social da técnica Tamara Benakouche A formação de cientistas: necessidades e soluções Michelangelo Trigueiro Parte II Os avanços da tecnociência, seus efeitos na sociedade contemporânea e repercussões no contexto brasileiro Fernando Antônio Ferreira de Barros Globalização e ciência & tecnologia no limiar do Século XXI: os anos 90 no Brasil Maíra Baumgarten Atores institucionais e políticas de C&T na formação de recursos humanos de alto nível: casos do Brasil e da Coréia do Sul Geraldo Nunes Sobrinho Ciência e tecnologia nas políticas públicas de educação Marcia Lopes Reis Parte III A Economia e a Física no Brasil: campos científicos ou transcientíficos? Fernanda Sobral A Sociologia no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq – 1993-1997 Enno Liedke Filho Ciência e tenologia no Mercosul Maria Susana Arrosa Soares

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ORELHA

Frente às inúmeras questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas, que emergem do que vem sendo chamado de era da informação e do conhecimento, a idéia de Matrix (conceito encontrado no filme de mesmo nome) surge como a grande metáfora atual, tal como o foi Frankestein para a era moderna. Matrix é a síntese homem/máquina. É um sistema criado a partir de conhecimento científico (humano) corporificado em máquinas, que se alimentam de pessoas, que vivem vidas virtuais (alienadas). A tecnologia – produto humano – consome a humanidade.

A reflexão sobre as condições da ciência e tecnologia no mundo globalizado, na sociedade brasileira e em países do Mercosul identifica grandes tensões resultantes do aprofundamento dos processos de segmentação e de exclusão socio-econômica associadas ao gap sócio-espacial. Pode-se afirmar que vêm se ampliando as fronteiras entre economias avançadas e periféricas ao mesmo tempo que mantém-se crescentemente concentrados, nos países do Norte, a produção e o controle do conhecimento e da informação. Tais constatações reafirmam a importância da recuperação de iniciativas e de políticas estratégicas no âmbito da produção de conhecimento científico e tecnológico.

Em um período de crise econômica, social, ambiental e da própria ciência, coloca-se como crucial o debate em torno da produção de conhecimento científico, sua origem social e das diferentes alternativas abertas nessa passagem de século/milênio. Quais os cenários prováveis? Matrix ou Ágora? As assustadoras criações humanas sintetizadas em Matrix? a dominação do criador pela criatura? Ilhas de bem-estar, apoiadas em avanços da tecnociência e na crescente concentração dos recursos socialmente produzidos, imersas em um hobbesiano estado de natureza resultante da exclusão econômica e social? A ordem mantida por algum Leviatã? Uma natureza acriticamente submetida que se esvai, incapaz de prover os recursos necessários à vida ou a busca de formas de relação e de diálogo presentes na Ágora grega, locus de exercício de democracia?

Entretanto qual Ágora? A democracia para poucos, oriunda da cidadania restrita de Grécia Clássica? Uma instância habermasiana de agir comunicativo, em que se dá a comunicação perfeita, e a descolonização do mundo da vida? Uma Ágora multiculturalista, fundada em um novo senso comum que incorpore a ciência como conhecimento-emancipação. A democracia-sem-fim de Boaventura Santos? Impossível prever! A única certeza é a necessidade de uma perspectiva crítica sobre relações sociais que tenham como base a desigualdade e a opressão, assim como a importância de pensamento e planejamento estratégicos como guias para construir formas vida mais solidárias e harmônicas com o ambiente. Fica a pergunta: que utopias perseguir? Pois se predizer é inviável “navegar é preciso”.

Descortinando uma época em que as respostas não se encontram definidas, convidamos os leitores a refletirem sobre as alternativas presentes no campo de possíveis que é o devir humano.

Maíra Baumgarten

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LEIA UM POUCO DO CONTEÚDO DO LIVRO

Introdução

Tecnociência na virada do milênio: o Brasil na Era do Conhecimento

Significativas transformações econômicas, (geo) políticas, sociais, culturais e institucionais vêm remodelando a base material da sociedade a partir de estratégias de acumulação que contêm em seu cerne processos de geração e de difusão de novos conhecimentos.

Informação e conhecimento sempre constituíram importantes pilares dos diferentes modos de produção social, sua criação e distribuição, entretanto, possuem especificidades nos diferentes momentos históricos. A procura por conhecimento integra a própria estratégia de sobrevivência da espécie humana, no entanto, este conhecer será sempre condicionado pela situação concreta de cada sociedade, pelo estado da arte daquela sociedade, suas práticas de vida, sua cultura, suas técnicas, sua ideologia.

Profundas reestruturações organizacionais e culturais acompanham as formas contemporâneas de produção e de acumulação capitalista, surgindo também distintas exigências quanto à orientação e às estratégias de intervenção dos diferentes agentes sociais. Estruturam-se diferentes demandas de políticas e de instrumentos de regulação que se originam nas grandes tensões criadas pela expansão das esferas financeira e técnico-produtiva e pela aceleração dos processos de deslocalização e de segmentação econômica e social. Faz-se cada vez mais urgente a adoção de estratégias sócio-político-ambientais sustentáveis e a incorporação de princípios éticos ao desenvolvimento econômico e científico-tecnológico.

Frente às inúmeras questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas, que emergem do que vem sendo chamado de era da informação e do conhecimento, a idéia de Matrix1 (conceito encontrado no filme de mesmo nome) surge como a grande metáfora atual, tal como o foi Frankestein para a era moderna. Matrix é a síntese homem/máquina. É um sistema criado a partir de conhecimento científico (humano) corporificado em máquinas, que se alimentam de pessoas, que vivem vidas virtuais (alienadas). A tecnologia – produto humano – consome a humanidade.

Quando a tecno-ciência “cria”- laboratorialmente - objetos empíricos e produz teorias que os sustentam enquanto fenômeno, a própria natureza foge às chamadas leis naturais identificadas pelas hard sciences. A natureza urbana está cada vez mais repleta de objetos “não naturais” que fazem parte, funcionam como projeções físicas ou psíquicas do ser humano, que reestrutura a sua noção de ciência, de técnica e de conhecimento. Nesse cenário recoloca-se permanentemente o desafio para o desenvolvimento de conceitos e teorias que sirvam como instrumentos para compreender e intervir sobre processos que têm grande repercussão sobre a vida cotidiana e cuja evolução futura não está pré-determinada. 1 Matrix é, ao mesmo tempo, criador e criatura. É realidade virtual, espaço/tempo onde seres humanos vivem vidas não reais. É um programa (sistema) construído por máquinas cuja fonte de energia são os seres humanos os quais vivem virtualmente em Matrix (um mundo ideal) enquanto seus corpos repousam em tubos ligados às máquinas. Seus sentidos percebem um mundo em que vivem, trabalham, amam; seu ser real, entretanto, encontra-se aprisionado em coletores de energia que alimentam as máquinas.

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Nosso objetivo com esse livro é contribuir para os esforços que vêm sendo feitos no mapeamento dos novos temas de ciência e tecnologia e no desenvolvimento de um quadro teórico capaz de dar conta da natureza nova e complexa dos problemas aqui levantados. Nessa síntese entre sociedade e conhecimento, também chamada de sociedade ou era da informação, emerge cada vez mais a necessidade de o conhecimento ser apreendido à luz de sua dimensão social. Assim, na primeira parte desse livro trabalhamos com artigos de cunho predominantemente teórico, buscando estabelecer os principais instrumentos da análise social da ciência e da tecnologia. O artigo de Léo Rodrigues Jr. resgata aspectos da origem clássica da Sociologia do Conhecimento, enfatizando, principalmente, a perspectiva de Karl Mannheim, considerado o seu fundador. Posteriormente, são enfocadas, no trabalho, as principais características da Sociologia da Ciência, de Robert Merton, confrontando-as com alguns aspectos das abordagens contemporâneas dessa disciplina, notadamente os trabalhos de Bruno Latour, Steve Woolgar e Karin Knorr Cetina.

Tamara Benakouche, em Duas culturas, três culturas...ou redes? Dilemas da análise social da técnica, utiliza o ensaio clássico de C. P. Snow, As duas culturas, que trata das dificuldades de diálogo entre cientistas e literatos, como pretexto para o debate sobre as diferentes culturas envolvidas na produção da ciência. O artigo discute a atualidade dos argumentos de Snow para explicar as várias ordens de dificuldades (teóricas, metodológicas e políticas) encontradas na análise socio-técnica. Busca ainda identificar convergências entre os pontos de vista defendidos por aquele autor e abordagens recentes, em especial, a teoria ator-rede, tal como desenvolvida por Bruno Latour. Ao trabalhar com questões como a existência de atores humanos e não humanos nos processos de produção de conhecimento e as mútuas influências entre ciência, técnica e sociedade, a autora aponta o fracasso do projeto moderno de construção de conhecimento - centrado na “Grande Divisão” entre ciências naturais e ciências humanas - em explicar questões que não são exclusivas de um ou outro tipo de ciência.

Em A formação de cientistas: necessidades e soluções, Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro aborda elementos relacionados à formação de cientistas no contexto contemporâneo. São levantados vários aspectos que constituem necessidades e soluções propostas para enfrentar os recentes desafios trazidos pelo desenvolvimento científico-tecnológico. O autor enfatiza o papel da comunicação, da integração entre diferentes tipos de profissionais e setores da vida moderna que passam a interferir na prática científico-tecnológica - envolvendo cientistas e não cientistas -, das atividades de planejamento e avaliação e do estímulo à criatividade. Nessa discussão, são contrapostas duas abordagens teóricas da Sociologia da Ciência, o enfoque weberiano e a vertente do chamado estrutural-funcionalismo mertoniano e a abordagem de Bruno Latour e do construtivismo na ciência. A intenção é marcar dois quadros teóricos importantes que acabam por orientar as principais formulações e estratégias na formação de cientistas, destacando a necessidade de um posicionamento crítico diante desses dois enfoques.

Na Segunda parte do livro o enfoque principal está nas relações entre as novas formas de produção e de acumulação capitalista mundiais e a produção e fluxos de conhecimento e de informação, notadamente, as repercussões dessa problemática no contexto brasileiro, dada sua posição periférica relativamente aos centros dinamizadores da economia e do conhecimento.

Fernando Ferreira de Barros, em Os avanços da tecnociência, seus efeitos na sociedade contemporânea e repercussões no contexto brasileiro busca evidenciar o papel fundamental dos avanços técnicos na configuração de um contexto de tendência globalizante no mundo contemporâneo. Para tanto, ressalta algumas transformações

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sócio-econômicas que estão ocorrendo em escala mundial a partir, sobretudo, da revolução tecnológica centrada nas tecnologias de informação. Nesse processo de mudanças, há um destaque para os rumos que vem tomando a própria organização das atividades científicas e tecnológicas. O autor observa a esse respeito, entre outros aspectos, uma concentração cada vez maior da produção do conhecimento técnico-científico em poucos países desenvolvidos, o que o leva a uma rápida reflexão sobre alguns impactos dessa nova realidade em sociedades menos desenvolvidas, como a brasileira. Finalmente, tendo como referência alguns impasses verificados nos países em desenvolvimento, tenta caracterizar, com base nas iniciativas políticas mais recentes e ações de maior repercussão, a forma como vem se encaminhando, no Brasil, a desafiante questão científica e tecnológica.

Na virada do século países como o Brasil encontram-se na encruzilhada entre tornar-se simples mercados para os países desenvolvidos ou redirecionar suas economias para um desenvolvimento mais harmônico, com base em políticas públicas fortalecedoras de áreas econômicas e sociais estratégicas, melhor distribuição de renda (ampliação do mercado interno) e adequadas condições para o exercício da cidadania.

Partindo da idéia que, na atual conjuntura de reestruturação produtiva mundial há uma forte relação entre, por um lado, capacidade de produzir (novos) conhecimentos e, por outro lado, poder político e econômico, Maíra Baumgarten propõe um olhar sobre as condições que possuem as sociedades semi-periféricas para inserir-se na nova ordem mundial, consideradas as diferenças de tradição cultural e de recursos relativamente aos países centrais. Em Globalização e ciência & tecnologia no limiar do Século XXI: os anos 90 no Brasil, a autora parte da hipótese de que a condução das políticas de C&T nos anos 90, no Brasil, aprofunda a tendência, já existente no setor, de seletividade em termos de regiões, de instituições, de equipes e de áreas prioritárias de pesquisa limitando, com isso, as possibilidades de desenvolvimento científico e tecnológico no País, mantendo-se, tanto sua posição periférica no cenário internacional, como também as carências em termos de conhecimento apropriado a necessidades e interesses sociais locais, amplamente diferenciados face à abrangência geográfica e diversificação demográfica encontrada no País.

Geraldo Nunes Sobrinho, utilizando o suporte teórico relacionado com a ação de grupos de interesse atuando numa escala micro em organizações governamentais de C&T, no momento sob forte influência de um fenômeno em escala macro - processo de globalização - procura explicar duas formas possíveis de constituição de uma base de capital humano de alto nível com recursos públicos ou privados. Uma, orientada e conduzida principalmente pela comunidade científica e tecnológica, baseada no science push, aqui denominado o modelo genérico. A outra, sob forte influência de grupos burocráticos das agências de governo, apoiada no mercado e em demandas do setor produtivo, especialmente relacionado com as ditas áreas estratégicas ou portadoras de futuro. Este, consistindo de um novo paradigma com forte apelo para a racionalização, produtividade e competitividade, numa tentativa de atualizar as políticas de C&T, visando facilitar a adesão ao processo de globalização.

As elites dos países em desenvolvimento, de forma geral, têm uma longa tradição de intervenção e influência no desenvolvimento e ações da sociedade em geral. Estes países, freqüentemente, são pródigos em problemas sociais e econômicos, associados a baixos investimentos em educação. A esfera de C&T com uma forte conotação de fonte inesgotável de soluções não é uma exceção e sendo predominantemente financiada com investimento público, ela encontra-se sob as luzes dos refletores e com uma expectativa social além das suas reais possibilidades de

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oferecer alivio para os graves problemas, principalmente se for considerada a carência de outros importantes fatores impulsionadores do progresso social e material.

A conseqüência desse estado de coisas é, segundo o autor, o baixo comprometimento da sociedade com a ciência como um patrimônio cultural, cuja evolução é determinada por diversos fatores, prevalecendo a falsa impressão que ela pode ser construída segundo as vontades do poder dominante além de, por si só, resolver qualquer tipo de problema, dependendo de como as agências governamentais controlam e gerenciam este desenvolvimento. Atuando em organizações governamentais aliados a grupos específicos do setor produtivo os grupos de interesse buscam como referências modelos estrangeiros. A Coréia do Sul, representando os países recém industrializados, é um exemplo que vem sendo adotado como referência. Tais grupos visam, com essa estratégia, a justificação de seus propósitos de controlar, via planejamento e programas centralizados, o desenvolvimento da base científica e tecnológica sem, no entanto, considerar os fundamentos históricos, políticos e culturais que dão suporte a tais modelos.

Ciência e tecnologia nas políticas públicas de educação: a escola brasileira e o processo de modernização das relações sociais, de Márcia Lopes Reis, fecha essa unidade intermediária abordando a questão das políticas públicas de educação para informatização das práticas sociais cotidianas da escola como meio para a transformação e - conseqüente - modernização das relações sociais. A autora acentua, não obstante, o caráter de descontinuidade das ditas políticas públicas para informatização/modernização do processo de ensino-aprendizagem e coloca em xeque o cumprimento de uma agenda brasileira para o desenvolvimento científico e tecnológico e, com isto, suas possibilidades de inserção em condição privilegiada no Mercado Comum dos países do Cone Sul.

Na terceira parte da coletânea, estudos empíricos abordam áreas específicas como a Física e a Economia ou a Sociologia. Com o artigo A Economia e a Física no Brasil: campos científicos ou transcientíficos? Fernanda Sobral discute possíveis mudanças na produção de conhecimento científico na universidade brasileira as quais poderão reorientar a formação dos profissionais das áreas estudadas. A análise de documentos das instituições e de entrevistas realizadas com pesquisadores verificou os principais paradigmas orientadores da produção do conhecimento, os temas pesquisados, a constituição de redes científicas e tecnológicas em níveis nacional e internacional, a formação dos pesquisadores, as suas relações com o campo político, e com o campo empresarial e a vocação universal, nacional, regional ou local dessas ciências. Além disso, a autora discute possíveis diferenças entre essas áreas: a Física tem, no Brasil, uma hegemonia no campo científico, ao contrário da Economia que tem uma hegemonia no campo político? A Física tem uma vocação mais universal e abstrata e, por outro lado, mais experimental, abrindo frentes de interação com outras disciplinas e com o setor produtivo? A Economia estaria tendendo a formar mais profissionais para o mercado financeiro enquanto que a Física o faria para as empresas?

A sua suposição é de que mudanças que estão ocorrendo no modo de produção de conhecimento das universidades e que poderão afetar a formação desses profissionais estão vinculadas a mudanças mais amplas que se passam nas sociedades contemporâneas. Por um lado, o processo de globalização com o aumento da competitividade entre países e entre empresas pode levar a uma necessidade de maior utilização de inovações científico-tecnológicas como também a uma maior aproximação da universidade com o setor privado em virtude do crescente retraimento do estado. Por outro lado, o processo de democratização pode fazer com que o campo científico se torne mais aberto às demandas sociais. Inicialmente o processo de produção do

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conhecimento ocorria no mundo acadêmico, cujos atores principais eram os próprios pesquisadores que desenvolviam, sobretudo, pesquisa básica. Os pesquisadores estariam atualmente mais inclinados a desenvolver pesquisa mais aplicada e experimental a partir da necessidade de resolver um problema prático ou atender uma demanda econômica ou social? Pode-se afirmar, então, que a idéia de “consolidação do campo científico” está sendo substituída pela “emergência de um campo transcientífico” onde os atores são os pesquisadores mas também o governo, as empresas, as ONG’s e a imprensa que estão interessados na sua utilização? Fernanda Sobral prefere trabalhar com a idéia que os dois campos estão convivendo na Física e na Economia brasileiras.

Em A Sociologia no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq - 1993 – 1997, Enno Dagoberto Liedke Filho apresenta os resultados preliminares da comparação dos dados acerca dos grupos de pesquisa de Sociologia registrados nos Diretórios dos Grupos de Pesquisa do CNPq de 1993 e de 1997, buscando verificar as principais tendências recentes quanto a forma de organização dos grupos e linhas de pesquisa, Áreas e Sub-áreas de Conhecimento, e Setores de Atividade, assim como as possibilidades, problemas e limites do formulário utilizado e dos dados coletados nessas oportunidades.

O autor compara o Diretório de 1993 e o de 1997, identificando uma melhora quanto ao preenchimento dos dados relativos aos Setores de Atividades das linhas de pesquisa em Sociologia. Isto se deve possivelmente a uma maior disposição de informar associada ao fato de que a expansão da lista de classificação dos setores permitiu às linhas serem passíveis de uma mais clara classificação. Todavia, persistem graves problemas quanto a consistência desta classificação das linhas por Setores de Atividades. A supremacia dos Setores Educação e Cultura enquanto Setores de Atividade dos Grupos de Pesquisa em Sociologia não é real, revelando que não há setores claramente das Ciências Humanas na classificação dos Diretórios.

Enno Liedke Filho destaca ainda que, se houve, por um lado, um aumento do número de Setores de Atividade propostos nos formulários dos Diretórios 1995 e 1997, por outro lado, a precária e problemática classificação dos Setores de Atividade do Diretório de 1993 foi incorporada no Sistema Lattes, ora em implantação. Tal situação certamente implica graves distorções quanto à classificação das linhas de pesquisa em Sociologia e em Ciências Humanas em geral. Por outro lado, o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq é, segundo o autor, um instrumento essencial para o conhecimento e o auto-conhecimento da comunidade científica brasileira.

Por fim, trazemos ao debate a questão da Ciência e tecnologia no Mercosul. A professora Maria Susana Arrosa Soares avalia o desenvolvimento da C&T nos países do Mercosul como precário e indeciso. Para a autora, as grandes assimetrias hoje existentes entre os complexos de C&T nacionais, bem como o maior ou menor atraso do desenvolvimento científico e tecnológico dos países do Mercosul resultaram, em grande medida, dos caminhos por eles trilhados na busca do desenvolvimento nacional. A reduzida importância e a pouca atenção que sempre mereceu a C&T são decorrentes das políticas econômicas que foram implementadas no decorrer deste século e da vigência de regimes autoritários que reprimiram todas as liberdades políticas, entre elas, a acadêmica. À diferença do que ocorreu nos países avançados, nas economias mais industrializadas do Mercosul – a argentina e a brasileira – o modelo de desenvolvimento com industrialização dependente, comum nos países subdesenvolvidos, não gerou demanda efetiva de novos conhecimentos.

Uma grande distância separa a realidade e as possibilidades de desenvolvimento da C&T nos maiores países do Mercosul e as políticas e projetos que aparecem nos documentos oficiais para alterar sua dependência tecnológica dos países de maior

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desenvolvimento. As intenções das autoridades que aprovaram os diversos acordos, tratados e protocolos relativos à cooperação em C&T no Mercosul não têm encontrado circunstâncias favoráveis à criação e intensificação da cooperação científica e tecnológica dos Estados Partes. Apesar dos avanços, resultantes da criação da Reunião Especializada de Ciência e Tecnologia (RECYT) e da implementação de um convênio de cooperação, assinado há vinte anos, através da Declaração de Buenos Aires e da Primeira Reunião da Comissão Mista de Ciência e Tecnologia (Brasília, abril de 1998), poucos têm sido os projetos de cooperação e reduzidos os recursos a eles destinados.

De acordo com Maria Susana Soares, os acordos que têm sido assinados, até a presente data, com o objetivo de estimular a cooperação em C&T no Mercosul, não fazem referência às assimetrias existentes entre os quatro países que o integram, o que induz ao equívoco de considerar que todos têm as mesmas potencialidades e condições de infra-estrutura semelhantes. Se assim fosse, todos estariam nas mesmas condições para participar de projetos de cooperação.

A reflexão sobre as condições da ciência e tecnologia no mundo globalizado, na sociedade brasileira e em países do Mercosul identifica grandes tensões resultantes do aprofundamento dos processos de segmentação e de exclusão socio-econômica associadas ao gap sócio-espacial. Pode-se afirmar que vêm se ampliando as fronteiras entre economias avançadas e periféricas ao mesmo tempo que mantém-se crescentemente concentrados, nos países do Norte, a produção e o controle do conhecimento e da informação. Tais constatações reafirmam a importância da recuperação de iniciativas e de políticas estratégicas no âmbito da produção de conhecimento científico e tecnológico.

Em um período de crise econômica, social, ambiental e da própria ciência, coloca-se como crucial o debate em torno da produção de conhecimento científico, sua origem social e das diferentes alternativas abertas nessa passagem de século/milênio. Quais os cenários prováveis? Matrix ou Ágora? As assustadoras criações humanas sintetizadas em Matrix? a dominação do criador pela criatura? Ilhas de bem-estar, apoiadas em avanços da tecnociência e na crescente concentração dos recursos socialmente produzidos, imersas em um hobbesiano estado de natureza resultante da exclusão econômica e social? A ordem mantida por algum Leviatã? Uma natureza acriticamente submetida que se esvai, incapaz de prover os recursos necessários à vida ou a busca de formas de relação e de diálogo presentes na Ágora grega, locus de exercício de democracia?

Entretanto qual Ágora? A democracia para poucos, oriunda da cidadania restrita de Grécia Clássica? Uma instância habermasiana de agir comunicativo, em que se dá a comunicação perfeita, e a descolonização do mundo da vida? Uma Ágora multiculturalista, fundada em um novo senso comum que incorpore a ciência como conhecimento-emancipação. A democracia-sem-fim de Boaventura Santos? Impossível prever! A única certeza é a necessidade de uma perspectiva crítica sobre relações sociais que tenham como base a desigualdade e a opressão, assim como a importância de pensamento e planejamento estratégicos como guias para construir formas vida mais solidárias e harmônicas com o ambiente. Fica a pergunta: que utopias perseguir? Pois se predizer é inviável “navegar é preciso”.

Descortinando uma época em que as respostas não se encontram definidas, convidamos os leitores a refletirem sobre as alternativas presentes no campo de possíveis que é o devir humano.

Porto Alegre, novembro de 2000

Maíra Baumgarten

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Globalização e ciência & tecnologia no limiar do Século XXI: os anos 90 no Brasil2

Maíra Baumgarten

Este estudo aborda as relações entre a política de ciência e tecnologia, as

coletividades científicas e a sociedade no Brasil propondo uma perspectiva analítica que faculte a apreensão dos impactos exercidos pelas formas de gestão e de fomento de ciência e tecnologia (C&T) sobre a produção científica e tecnológica brasileira, na década de 1990. Essa reflexão é desenvolvida tendo presente a inserção do Brasil como estado nacional semi-periférico no chamado processo de globalização, bem como as tendências de organização neoliberal do estado, que se vêm delineando desde a década de 1980, e a relação existente, em nível internacional, entre capacidade de produção de (novos) conhecimentos e poder político e econômico.

A identificação do papel dessas políticas é efetuada a partir de dois ângulos: 1) por um lado a análise das macroestruturas sociais representadas pelo estado (políticas públicas, agências do estado) e o mercado, estruturas essas que afetam e conectam as microssituações; e, por outro lado os microprocessos que envolvem a ação dos agentes presentes no setor de ciência e tecnologia e o papel desses na manutenção ou transformação das estruturas sociais. Essas dimensões são vistas como arenas que transcendem o espaço epistêmico formando redes que integram cientistas, agências estatais, administradores, empresas, fornecedores, e são situadas no âmbito do debate sociológico acerca dos conceitos e das relações entre agência e estrutura.

Parte-se da hipótese de que a condução das políticas de C&T nos anos 90, no Brasil, aprofunda a tendência, já existente no setor, de seletividade em termos de regiões, de instituições, de equipes e de áreas prioritárias de pesquisa limitando, com isso, as possibilidades de desenvolvimento científico e tecnológico no País. A seletividade imprimida através da canalização de significativos recursos para áreas e grupos já consolidados, aliada a políticas desestruturadoras do setor de C&T, políticas essas embasadas no receituário neo liberal de drástica redução do Estado, tende a levar a um aprofundamento dos problemas desse setor, podendo diminuir ainda mais a massa de pesquisadores e desequilibrar a concessão de recursos por áreas agravando as dificuldades para o rompimento do círculo que mantém o país como periférico com relação aos centros dinamizadores de conhecimento.

Na primeira parte deste artigo é debatida a relação entre necessidades/ interesses sociais, definição de políticas de ciência e tecnologia e formas de organização do conhecimento. Neste item são ainda analisadas questões referentes às mudanças introduzidas a partir da crise da economia mundial e das significativas alterações na dinâmica da ação do estado e de suas políticas nos países de capitalismo avançado e no Brasil. 1. Produção social do conhecimento: pensando a ciência em tempo de crises

2 Versão preliminar desse artigo foi apresentada em abril de 1999 na Annual Graduate Student Conference , cujo tema central foi: Society at the Turn of the Century: continuities and change, na Universidade de Toronto em Toronto, Ontário, Canadá.

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A perspectiva histórica acerca da ciência permite afirmar que as condições do avançoi científico e tecnológico resultam da articulação de necessidades sociais (expressas como interesses) que, através da definição das políticas de C&T, orientam a produção, a difusão e o consumo de tecnologias, tendo como ponto de partida as possibilidades oferecidas pelo estoque de conhecimento e pela infra-estrutura de pesquisa existentes em uma sociedade determinada. Tanto a bagagem de conhecimentos, quanto as necessidades sociais (e suas possibilidades de expressão) variam de país para país, o que coloca a necessidade de que o estudo da problemática do desenvolvimento científico e tecnológico considere as especificidades, presentes em cada contexto nacional, das diferentes dimensões: econômica, ideológica-cultural e política. 1.1 Interesses sociais e definição de políticas de C&T: elementos para análise

A análise das possibilidades científicas e tecnológicas e das condições de sua ampliação pressupõem o entendimento das metas socialmente pretendidas e dos meios adotados para alcançá-las, sendo que, tanto as metas quanto os meios dependem do arbítrio de sujeitos determinados em situações concretas. Assim, diferentes sujeitos sociais como classes, frações de classe, grupos sociais, nações, expressam suas necessidades na esfera política manifestando interesses que se completam ou se contrapõem numa arena de conflitos3 (Figueiredo, 1989). Desta forma, o que garante a diversidade e o avanço científico e tecnológico é a pluralidade de necessidades sociais expressas como interesses, mesmo quando essa pluralidade é organizada pela hegemonia de alguns interesses.

O nível de desenvolvimento científico alcançado por uma sociedade, as condições econômicas e as homogeneizações ideológicas que se fazem sobre a ciência e a tecnologia determinam o campo de manifestações de interesses passíveis de afetar o avanço científico e tecnológico. Esse campo político é constituído pela captação diferenciada que os vários sujeitos sociais fazem das diversas dimensões que constituem a ciência e a tecnologia. A ampliação ou não das possibilidades científicas e tecnológicas existentes verifica-se em função da natureza dos conflitos que se estabelecem entre interesses sociais distintos e do estoque de conhecimentos disponíveis, que por sua vez resulta, em grande parte, de decisões políticas anteriores.

Considera-se que a diversidade de classes, frações e grupos sociais com força política e capacidade de expressão no estado, é uma garantia de ampliação de possibilidades tecnológicas, sendo que a restrição da capacidade de expressão de interesses dos sujeitos sociais acarreta redução dessas possibilidades. Assim, em termos de estratégia analítica, um parâmetro chave para a análise das possibilidades de desenvolvimento científico e tecnológico é o grau de diversidade de interesses sociais expressos em uma determinada sociedade.

Na América Latina, de modo geral, três conjuntos básicos de interesses orientam, alternada ou simultaneamente, o processo de produção e consumo de ciência e tecnologias: 1) acumulação capitalista internacional; 2) autonomia nacional e 3) desenvolvimento social (Sobral,1988). As diferentes forças em jogo em cada sociedade e a cada momento irão determinar os interesses prevalecentes na condução do processo científico e tecnológico. Considerando que a ciência e a tecnologia são sempre um resultado complexo de escolhas efetuadas por sujeitos sociais em situações concretas

3 Os interesses que prevalecem na disputa não necessariamente aniquilam os oponentes e se isso acontece não será para sempre.

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(Figueiredo, 1989), deve-se indagar sobre quais são as condições existentes no Brasil, para produzir, absorver e adaptar tecnologia.

No contexto de reestruturação produtiva e globalização da economia as sociedades semi-periféricas como o Brasil têm se deparado com sérias dificuldades, posto que o regime de acumulação que vem se delineando a partir da crise do fordismo, assenta-se em forte base científica e tecnológica, pressupondo capacidade relativamente autônoma de geração de conhecimento e tecnologia, condição necessária até mesmo para parcerias e acordos de cooperação internacional, imprescindíveis no atual cenário globalizado.

Por outro lado, as mudanças introduzidas a partir da crise da economia mundial, têm sido acompanhadas, de modo geral, por alterações importantes na dinâmica das ações do estado e de suas políticas, que passaram a assumir uma face neoliberal ditada pelos governos conservadores que ascenderam ao poder, a partir do final da década de 70, em países como Inglaterra (Margaret Tatcher), Alemanha (Helmut Koll), Estados Unidos da América (Ronald Reagan) entre outros (Médici,1993).

Consonante com a nova perspectiva assumida pelos governos conservadores, foram adotadas políticas monetárias restritivas e medidas como o enxugamento do endividamento público, redução e/ou reestruturação da carga fiscal e outras, que conduziram à liberalização do mercado em âmbito mundial. Esse conjunto de ações visou a auxiliar a reestruturação produtiva baseada na incorporação de novas tecnologias (principalmente microeletrônica e informação) e na globalização produtiva e financeira e se fez acompanhar por níveis massivos de desemprego, novas legislações anti-sindicais, corte de gastos sociais e programas de privatizações.

Por outro lado, apesar da hegemonia crescente do neoliberalismo, nos países de capitalismo avançado o estado de bem-estar não foi desmantelado. Não obstante a ofensiva neoliberal, os gastos públicos não têm declinado, ao contrário, apresentam até um pequeno acréscimo, embora a taxa de seu crescimento tenha sido restringida (Anderson, 1995).

O processo de mudança estrutural histórica na natureza do capitalismo que envolve a importância crescente dos mercados em face ao estado e às empresas, tem escorado e possibilitado o sucesso ideológico do neoliberalismo (Anderson, 1995), o qual nada mais é que uma determinada resposta às condições e contradições enfrentadas pelo capitalismo neste final de século e não um resultado inevitável das mudanças econômicas (Fernandes, 1995). É importante ressaltar que, se é um fato a crescente hegemonia neoliberal tanto nos países de capitalismo avançado quanto nos países do sul, existem diversas variantes de sua aplicação, dependendo da situação histórica concreta das diversas forças econômicas e sociais em cada país.

Anderson (1995), ao avaliar a efetividade das políticas neoliberais nos países centrais, assinala que, de um lado, diversas metas foram alcançadas - queda na taxa de inflação no conjunto de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aumento da taxa de lucro, derrotas do movimento sindical com contenção dos salários e crescimento do desemprego e, por fim, o aumento significativo do grau de desigualdade nos países acima citados. Outrossim, o objetivo final deste conjunto de medidas, sintetizado na reanimação do capitalismo avançado mundial, restaurando taxas altas e estáveis de crescimento, não foi alcançado. De acordo com o autor entre os anos 70 e 80 não houve mudança alguma na taxa de crescimento que se apresentava bastante baixa nos países da OCDE.

A explicação para tal resultado pode ser encontrada nas próprias contradições destas políticas que criam, através da desregulação financeira, condições mais propícias para a inversão especulativa do que produtiva e, através do desemprego, crescente

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aumento dos gastos sociais; de forma que o peso do estado de bem-estar não diminuiu muito nos países da Europa, apesar das medidas tomadas para conter gastos sociais.

No que diz respeito aos países latino-americanos, a situação é diferente dada a própria forma específica assumida pelo processo de acumulação destes países, em geral, caracterizados por um desenvolvimento excludente (crescimento econômico com concentração de renda e exclusão das massas populacionais do mercado) e um sistema de proteção social com características específicas decorrentes do próprio modelo de desenvolvimento e dos níveis de organização da classe trabalhadora.

As estratégias passadas de endividamento, esgotadas no novo cenário internacional, causaram sérios desajustes internos nessas economias. Por outro lado, novos empréstimos externos e o refinanciamento dos antigos débitos passaram a depender da aceitação, por parte desses países, de ajustes econômicos propostos por instituições multilaterais (FMI e Banco Mundial) o que tornou-se conhecido como Consenso de Washington. De acordo com Borón (1995), na América Latina, neoliberalismo tem significado, em grande medida, aplicação do que dita a ortodoxia econômica do Banco Mundial e do FMI, estando as preocupações dos diversos dirigentes concentradas em levantar dinheiro, fechar as contas fiscais e ter acesso ao mercado internacional.

Os limites da condução neoliberal das sociedades latino americanas podem ser encontrados nas próprias condições do mercado mundial - altamente competitivo e no fato que a economia do final do século XX é baseada em conhecimento intensivo. Face a essas condições gerais, a aplicação das receitas neoliberais de estabilização e ajuste estrutural tendem, precisamente, a produzir as condições sociais menos promissoras para que as economias latino americanas possam sobreviver exitosamente aos imperativos da abertura comercial e da liberalização do mercado, que exigem condições de competitividade e, conseqüentemente, desenvolvimento científico e tecnológico bem como força de trabalho adequada, tanto em termos de formação, quanto de condições de saúde. Com base no receituário do Banco Central e do FMI, os governos da América Latina estão destruindo a saúde e a educação públicas, acentuando as desigualdades sociais e aumentando a proporção de pobres estruturais e marginais que não podem ser "reconvertidos" e incorporados produtivamente à economia moderna (Borón, 1995).

No que diz respeito ao avanço científico e tecnológico e sua articulação com o desenvolvimento capitalista, poder-se-ia dizer que, enquanto os países centrais possuem geração endógena de tecnologias, os países periféricos e semi-periféricos caracterizam-se pela dependência da inovação tecnológica produzida nas nações do Norte.

Algumas razões para esta dependência podem ser encontradas nas características específicas de desenvolvimento dos diferentes países, desde que a produção, a difusão e o consumo de ciência e tecnologia são orientados pela articulação das diversas necessidades sociais que se expressam como interesses no estado e pelas possibilidades oferecidas pelo estoque de conhecimentos existente. Tais condicionantes do avanço tecnológico apresentam situações diferenciadas em países do centro capitalista e naqueles de desenvolvimento retardatário.

Partindo dessas considerações, e como forma de situar a problemática que se pretende abordar, é necessário refletir sobre o papel que vem sendo desempenhado pelo estado neste contexto, particularmente no caso brasileiro. Levando em conta o novo modelo de organização social que vem se delineando mundialmente e o processo de reformulação pelo qual passa a sociedade brasileira quais a perspectivas no que diz respeito ao desenvolvimento científico e tecnológico no país? Isso é o que será debatido na seção 2 onde é analisada a crise do desenvolvimentismo no Brasil e a modernização conservadora que irá redirecionar as políticas públicas no País.

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Entretanto, o estudo dos impactos das novas formas de gestão e de fomento de C&T na formação, desenvolvimento e consolidação de grupos de pesquisa, bem como, o seu papel enquanto reguladoras das relações entre produção de conhecimento e interesses exige um substrato teórico embasado na revisão crítica acerca da polêmica envolvendo alguns dos principais conceitos referentes ao estudo social da ciência, tais como aqueles relativos a comunidade científica, campo científico, arenas transepistêmicas e coletividades científicas, objetivando demonstrar a importância de integrar as perspectivas macro e microssociológicas tradicionalmente utilizadas no estudo social da ciência. O tópico subseqüente aborda esse debate. 1.2 Alternativas conceituais no estudo social da ciência

A articulação entre ciência, tecnologia e sociedade, compreendendo esta última, estado e mercado, pressupõe trabalhar conceitos relativos às conexões entre ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico e social, bem como aqueles referentes às relações de poder que permeiam o setor e a sua articulação com a sociedade.

As análises teóricas e empíricas em sociologia da ciência têm evidenciado uma dicotomia para abordar as condições de produção do conhecimento científico, podendo ser identificados dois grandes modelos de abordagem no que se refere a essas condições - o internalista e o externalista. - internalismo - ênfase na comunidade, nas relações entre os cientistas.

Originando-se em Comte, o internalismo vê as revoluções fundamentais da ciência como parte do processo geral de desenvolvimentos históricos e culturais (os estágios da sociedade: teológica, metafísica e positiva - científica). A emergência de um novo tipo de desenvolvimento é, em última análise, associada a fatores internos - maturidade teórica.

- externalismo - ênfase nas relações com o mundo

Estabelece vínculo entre desenvolvimento da ciência, da tecnologia e processos

de produção. A ciência é vista como força produtiva (Marx, Bernal). As abordagens clássicas da sociologia da ciência encontram-se divididas entre, por um lado, as teses da autonomia da ciência (mecanismos internos de regulação da comunidade e das relações entre os pares), a ênfase no valor destacado da verdade científica ou racionalidade técnico-científica, neutralidade científica (Merton e a autonomia da ciência); e, por outro lado, a perspectiva da necessária imbricação entre elementos sociais, culturais, políticos na obtenção dos dados científicos (Bourdieu, Kuhn). As teses que trabalham com a idéia da autonomia relativa do conhecimento científico, em geral, enfatizam a dimensão econômica e produtiva da ciência.

De forma geral, ambas aportam contribuições significativas ao mesmo tempo em que impõem limites que impedem uma adequada análise atual da ciência. As análises marxistas externalistas apresentam esclarecimentos significativos sobre a natureza multidimensional da ciência e seu papel na sociedade. Porém restringem, freqüentemente, os aspectos sócio-culturais e a dinâmica concreta da produção de conhecimentos científicos. Enquanto as abordagens internalistas contribuem para o entendimento do jogo de interações e motivações dos cientistas, mas dificultam a

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análise das novas dinâmicas verificadas entre cientistas e não-cientistas, cuja importância tem sido crescente na atual prática científica.

Relativamente aos conceitos utilizados para o estudo da ciência, pode-se afirmar que um dos conceitos mais largamente empregados é o de comunidade científica. O conceito de comunidade científica constrói-se, de forma acabada, dentro do corpo teórico do funcionalismo, no qual a ciência é considerada como um sistema autônomo cujo funcionamento independe dos demais sistemas sociais.

A idéia de comunidade científica relaciona-se a diferentes perspectivas teóricas a partir das quais constrói-se o conceito sociológico de comunidade (Tönnies, Weber, Durkheim) que foi desenvolvido e largamente empregado pela escola funcionalista desde as primeiras décadas do século XX. De outra parte, seu surgimento articula-se, ideologicamente, ao pensamento liberal da década de 30, que buscou desvincular a ciência de influências externas.

O conceito de comunidade científica surgiu a partir do debate estabelecido no pós-guerra, entre os humanistas Ingleses (Bernal, Needhan e Snow) e os cientistas que constituíram a Society for Freedon in Science. Polanyi sintetiza a posição dos que opunham-se à idéia da ciência dirigida por forças estranhas a ela própria, rejeitando a posição de planejamento da ciência (em direção a objetivos sociais e econômicos específicos) dos humanistas encabeçados por Bernal.

Em 1942, em sua conferência Self-government in Science, Polanyi (1951) define a comunidade científica como um agrupamento composto de cientistas, provenientes de diferentes disciplinas. É a comunidade que dirige a atividade de investigação e sua opinião exerce profunda influência no curso de toda investigação individual. Essa idéia de comunidade científica é alicerçada na concepção ideológica de liberdade da ciência e sua desvinculação de interferências políticas e religiosas, o que é assegurado pela autoridade científica.

No âmbito desse debate entre uma ideologia própria das sociedades liberais em oposição aos mecanismos de direção e planificação da ciência, surgem os primeiros trabalhos em sociologia da ciência. Até o final dos anos 50, as formulações em sociologia na área da ciência e, particularmente, aquelas que se referem à comunidade científica, dirigem-se mais a apoiar uma posição ideológica de liberdade da ciência que a concretizar as características sociais de sua estrutura. As formulações dos sociólogos norte americanos, elaboradas a partir do enfoque funcionalista, procuravam conciliar os pressupostos teóricos dessa corrente e a nova forma de organização proclamada para o desenvolvimento da atividade científica, qual seja: a autonomia científica (Guerrero, 1980).

Os trabalhos elaborados sob esse enfoque (Polanyi, 1951, Merton, 1974,) em geral, aprofundam análises das modalidades internas do funcionamento do sistema sem estudar suas vinculações com a estrutura social. Durante a década de 60, a base ideológica referente à autonomia da ciência, encontrava-se já estabelecida e assimilada, o que possibilitou um redirecionamento (principalmente nos EUA) para trabalhos empíricos e também teóricos, inclusive com aportes alheios à sociologia, como os estudos de Kuhn, físico e historiador da ciência. Kuhn (1995) introduz o conceito de crise e de revolução científica, colocando o problema da organização social dos cientistas em comunidades a partir dos imperativos dados pela própria atividade de investigação. Ao sugerir a existência de conflitos internos nas comunidades conformadas em torno de uma especialidade ou tema de estudo, conflitos esses que repercutem diretamente no desenvolvimento do conhecimento científico, o autor trabalha com uma idéia de mudança que

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implicitamente critica o ethos da ciência mertoniano, constituído de normas fixas que devem reger o trabalho e o comportamento dos cientistas. Abandonando parcialmente a interpretação positivista da acumulação sistemática ampliando o conhecimento, Kuhn adota o princípio relativista da incerteza e substitui a noção de verdade absoluta pela de verdade variável no tempo. Na afirmação de um novo paradigma importa mais a capacidade de persuasão dos cientistas que a verificação da verdade do positivismo lógico. Os resultados científicos são consensos socialmente produzidos no interior de uma comunidade científica. Entretanto sua relativização é incompleta ou preliminar pois o desenvolvimento intelectual continua se auto explicando (Zarur, 1994).

Em termos gerais, grande parte dos estudos que abordam o tema da construção da ciência a partir do conceito de comunidade científica, desconsidera as relações dos cientistas com outros fatores sociais, bem como a influência dessas relações sobre a estrutura cognoscitiva da ciência.

A idéia da comunidade científica normativamente regulada, implicando em um funcionamento autônomo alheio a fatores políticos e econômicos vem se demonstrando não só insuficiente como também inadequada enquanto objeto do estudo social da ciência e da tecnologia, dada sua incapacidade em tratar das diversas influências econômicas e sociais presentes na atividade científica, bem como em explicar o próprio papel que o desenvolvimento científico e tecnológico assume na sociedade capitalista. Diversas alternativas conceituais à idéia de comunidade científica têm sido propostas, dentre elas a de coletividade científica, que baseia-se na análise das inter-relações sociais, incluídos os diversos componentes existentes na estrutura social investigada. Para os representantes desse enfoque, a atividade científica ocorre principalmente em coletividades determinadas não por normas e valores e sim por seu pertencimento a certas instituições ou disciplinas, podendo as coletividades e organizações científicas incluirem tanto instituições totais como laboratórios individuais, sociedades científicas e grupos (Nico Yahiel, 1976). Essa perspectiva da ciência propõe, não somente o estudo das inter-relações e interações entre os cientistas, como também, dessas relações entre o cientista e a sociedade, o que, desde o ponto de vista assumido por esse estudo, a coloca em posição privilegiada frente a outras alternativas ao conceito de comunidade científica, como se verá a seguir. Outra alternativa conceitual bastante utilizada é o conceito de campo científico desenvolvido por Pierre Bourdieu. Esse autor (1983), define o campo científico como um espaço de lutas entre os cientistas, luta e concorrência pelo monopólio da autoridade e da competência científica. Os fatos científicos encerram um conteúdo técnico instrumental e um conteúdo social, indistinguíveis. Bourdieu busca romper com a imagem conciliatória da comunidade científica, apontando que o funcionamento do campo produz e supõe uma forma específica de interesse, uma luta política pela dominação científica. Preocupa-se, ainda, com a busca da objetividade, da vigilância epistemológica que possibilite a obtenção de conhecimentos que expressem, o máximo possível, os padrões de determinação da realidade (física e social). O desenvolvimento da ciência é visto como um processo de permanentes revoluções. De acordo com Hochman (1994) o campo científico de Bourdieu é um espaço socialmente pré-determinado e não o simples resultado da interação dos agentes. Bourdieu opera uma análise macrossocial em que os agentes individuais têm suas oportunidades e decisões determinadas ou anuladas pela estrutura do campo, que reproduz a sociedade. Não obstante, as relações do campo científico com outros campos (político, econômico, religioso) eventualmente ficam obscurecidas pela ênfase nas situações de dominação internas ao próprio campo científico. Por outro lado, a

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transposição de conceitos econômicos para explicar relações internas ao campo tendem a obscurecer essas relações, demostrando-se tais conceitos, em diversas situações, inadequados para a análise interna. Dentro desse panorama, uma posição que vem sendo vista como alternativa possível ao recorte exclusivamente externo ou interno da atividade científica é o construtivismo. De tradição recente (anos 70), o construtivismo é fruto das mudanças que ocorrem na sociedade a partir do final da década de 60, refletindo a necessidade de pensar um desenvolvimento científico e tecnológico permeado por pressões políticas, econômicas e sociais (Trigueiro, 1997) De acordo com Trigueiro (1997), o argumento central do construtivismo é a tese de que a realidade e a natureza - física ou social - não falam por si mesmas, não são puramente descritas e captadas pelos cientistas em seus laboratórios e em suas práticas de pesquisa, ao contrário, os fatos científicos são construídos. Há, portanto, um conjunto complexo de operações, decisões e negociações, que resultam de representações obtidas em nome da natureza ou da realidade.

Latour e Woolgar (redes sócio-técnicas) e Knorr-Cetina (arenas transepistêmicas), entre outros, trabalham dentro do construtivismo com um conjunto de atores e interesses bastante diversificados, envolvendo cientistas e não cientistas na atividade científico-tecnológica.

Knorr-Cetina (1983) propõe superar a noção tradicional de comunidade científica e os modelos de mercado científico mediante uma perspectiva radicalmente centrada nos cientistas e em suas práticas contextuais e contingentes. A observação das práticas científicas em seu lugar privilegiado - o laboratório - permite, segundo Knorr-Cetina, observar a emergência das macro-estruturas sociais, ou sua reconstrução a partir da interação dos agentes (Knorr-Cetina, 1983).

Para a autora (Knorr-Cetina, 1982, p. 17), o trabalho científico é perpassado e sustentado por relações e atividades que transcendem o laboratório - as arenas transepistêmicas ou campos transcientíficos. Os cientistas percebem-se envolvidos e confrontados em arenas de ação que vão além do espaço espistêmico por envolverem uma combinação de pessoas e de argumentos que não podem ser classificados nem como puramente científicos, nem como não-científicos. Essa arena compõe-se por agências de financiamento, administradores, indústrias, editores, diretores de instituições científicas, fornecedores (elementos não diretamente ligados ao grupo de especialistas) e pelos cientistas, que também estão envolvidos nas trocas, desempenhando papéis não-científicos - como o de negociadores de recursos – com implicações técnicas importantes para o trabalho de pesquisa.

As relações entre cientistas e não-cientistas implicam escolhas e decisões técnicas em que métodos e interpretações são negociados com representantes das agências financiadoras e de indústrias fornecedoras de produtos para o laboratório. O caráter transepistêmico está na necessidade de tradução, na negociação entre os diversos agentes sobre os problemas da pesquisa. A interação dos agentes é vista por Knorr-Cetina (1982) como relações de dependência mútua em termos de recursos e suporte. São transações contínuas e contextualizadas, nas quais o próprio interesse é fruto de negociação, que pode oscilar entre conflito e cooperação. Na arena transepistêmica o trabalho científico é definido e redefinido pelas interações de epistemes diversas. Os envolvimentos dos cientistas são partes intrínsecas da produção de conhecimento científico, tratando-se de algo muito mais complexo do que definições interna ou externa do problema de pesquisa.

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Em resumo, a observação das práticas científicas em seu lugar privilegiado - o laboratório - permite, segundo Knorr-Cetina, observar a emergência das macro-estruturas sociais, ou sua reconstrução a partir da interação dos agentes (Knorr-Cetina, 1981).

Acredita-se, entretanto, que para evitar as limitações decorrentes de uma perspectiva etnográfica que poderiam dificultar a visualização das relações entre as micro e macro estruturas, essa proposta de análise das práticas científicas a partir do laboratório deve ser produtivamente incorporada em uma perspectiva mais ampla de coletividades científicas, tal como definida anteriormente.

O balanço dos diferentes conceitos e abordagens do estudo da ciência evidencia uma série de divergências que ultrapassam o recorte interno/externo e as dimensões ideológicas. Trata-se não apenas da escolha entre a comunidade do pensamento positivista conservador ou o mercado da economia liberal e sim de enfoques distintos de diferentes dimensões analíticas da sociedade e das práticas científicas (Hochman, 1994).

O debate sociológico sobre a ciência que se pode estabelecer a partir de Kuhn e Bourdieu de um lado, trabalhando com as macroestruturas representadas pela comunidade e pelo mercado; e Latour, Woolgar e Knorr-Cetina, de outro lado, analisando microprocessos de interação em laboratório; situa-se no âmbito do debate sociológico mais amplo entre agência e estrutura, macro e microssociologia (Hochman, 1994). Tendo como referência essa reflexão teórica, considera-se que a análise da ciência e de suas relações com a sociedade não pode prescindir da perspectiva macrossocial que trata dos condicionantes sociais do desenvolvimento científico e tecnológico, ao mesmo tempo que permite identificar as conseqüências, para a sociedade estudada, da forma assumida pelo desenvolvimento científico e tecnológico que dela se origina. Não obstante, como se depreende da análise crítica efetuada acima, essa abordagem tem se mostrado insuficiente para a análise dos microprocessos sociais que envolvem a ação dos atores no setor e seu papel na manutenção ou transformação das estruturas sociais. Nesse sentido, a idéia de coletividades científicas - enquanto locus de interação entre pesquisadores e de inter-relações sociais envolvidas na produção da ciência e tecnologia, incluindo os diversos componentes encontrados na estrutura social investigada - emerge como a alternativa mais adequada para análises da ciência que propõem a articulação entre as micro e macro-relações neste campo. Trabalhando em uma perspectiva que visa a articulação entre os macro e micro processos sociais envolvidos nas relações entre ciência, tecnologia e sociedade no Brasil, acredita-se que a análise de grupos de pesquisa e das relações ali originadas e desenvolvidas - considerando-os dentro de uma determinada posição nas estruturas sociais mais amplas que afetam as microssituações e as conectam - pode demonstrar-se profícua para a investigação das novas formas assumidas pelas políticas de ciência e tecnologia no Brasil e de sua conexão a problemas e desafios enfrentados pelo país, dada sua condição semi-periférica relativamente ao contexto internacional.

Um breve retrospecto histórico acerca da condução do processo de desenvolvimento capitalista recente no Brasil faz-se necessário para contextualizar a problemática das políticas de C&T e seus impactos nos grupos de pesquisa no País. Isso é o que será feito no ítem subseqüente

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2. Políticas públicas e ciência e tecnologia no Brasil 2. 1 A Crise do desenvolvimentismo no Brasil e a modernização conservadora O projeto desenvolvimentista teve o seu grande organizador no estado, o qual tem desempenhado um papel decisivo na articulação de uma economia industrial no Brasil. Através de diferentes formas políticas - desde o populismo até o autoritarismo - criaram-se diversos mecanismos de intervenção econômica e social. O estado - resultante de um pacto de poder liberal-desenvolvimentista - atuou como coordenador ou planejador, centralizando recursos e canalizando-os para o setor privado, fornecendo subsídios e incentivos fiscais, abrindo novas fronteiras e horizontes de valorização, criando a infra-estrutura e os insumos básicos, subsidiando a reprodução da força de trabalho (através de políticas como saúde, habitação) e regulando os conflitos entre o capital e o trabalho, além de atuar como empresário (Corazza, 1992, p. 93). Entretanto, a década de 70, no Brasil, caracterizou-se pelo crescente endividamento externo, caminho escolhido face à crônica fragilidade fiscal do estado e esgotada sua capacidade de financiamento interno. Tal situação culminou na crise do final da década, cuja maior expressão foi o enorme estoque de dívida pública interna e externa. O quadro de crise, surgido das próprias contradições internas do modelo, agravou-se a partir de l979 com a decisão da política norte-americana de elevar as taxas de juros e com a prolongada recessão da economia mundial. De acordo com Fiori (1993) alguns fatores ligados à herança desenvolvimentista devem ser considerados para pensar a crise atual: a crônica fragilidade fiscal do estado e as dificuldades financeiras do setor público e da economia privada durante a industrialização brasileira; o elevado grau de industrialização alcançado pelo Brasil e a conseqüente estrutura produtiva bastante heterogênea do ponto de vista de sua produtividade, salários, competitividade. Em acréscimo, é necessário considerar a fragilidade do sindicalismo brasileiro, que perdurou até o final dos anos 70 e contribuiu para uma industrialização com baixos salários e para a utilização extensiva e rotativa da mão-de-obra. A força de trabalho, desta forma constituída, raramente foi vista como elemento importante da competitividade industrial. A disparidade salarial e a segmentação dos mercados de trabalho resultantes contribuíram para a manutenção e crescimento das desigualdades sociais, individuais e regionais. Por outro lado, o autoritarismo e a centralização do poder resultaram em baixos índices de participação e controle da população sobre o exercício da autoridade do estado. A crise do estado coloca em evidência as contradições e problemas que deixaram de ser resolvidos durante o processo de moldagem simultânea do estado, da indústria e das classes sociais no Brasil. Pode-se dizer, concordando com Corazza (1992, p. 93), que até meados de 1994, o Brasil esteve imerso em uma crise estrutural, onde se sobrepunham o esgotamento do endividamento externo com inflação crônica e crise do pacto político, que sustentou o crescimento entre 1930 e 1980. A derrocada do modelo desenvolvimentista com o esfacelamento do tripé estado, capital nacional e capital internacionalizado, que propiciou a modernização conservadora pós l964, ocorre em meio à nova configuração internacional - de globalização da economia e onde o estado assume novo papel, tendendo ao controle das políticas de ajuste fiscal e monetário, mas mantendo - nas economias centrais - seu papel estruturante.4 4 ...as políticas estruturantes,...são as políticas de ciência e tecnologia no sentido mais amplo, incluindo a infra-estrutura de C&T, a criação de centros de pesquisa e desenvolvimento na indústria, a política

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Na tentativa de realizar a transição para novos modos de regulação capitalista, já em curso nos países do norte revigoraram-se as forças liberais conservadoras, tornando-se ideologicamente dominantes as políticas neoliberais na sociedade brasileira, ao longo dos anos 80 e da primeira metade dos anos 90. De acordo com Oliveira (1995), a dilapidação do estado brasileiro em curso desde o período autoritário, propiciou o clima para que a ideologia neoliberal, já dominante nos países desenvolvidos, encontrasse terreno fértil para uma pregação anti-social, tanto junto à burguesia, quanto junto às populações mais pobres, para quem o estado de bem estar havia falhado. No caso brasileiro, a implementação de políticas neoliberais sofreu restrições por parte de significativas parcelas da sociedade, particularmente estratos médios e camadas da população de baixa renda, penalizados pela permanência da concentração de renda. Dessa forma, o processo constituinte (Constituição de 1988) decorrente da transição política, apresentou uma ambivalência claramente vinculada aos diferentes interesses: de um lado a expectativa da incorporação de direitos sociais e, de outro, as necessidades da gestão da crise e as propostas de ajuste, com base na perspectiva neoliberal. A nova constituição refletiu esta ambivalência, ao contemplar direitos sociais, ao mesmo tempo em que deixou sua efetiva vigência dependente de leis complementares, constantemente postergadas. A Carta Constitucional trouxe, ainda, em si própria, a proposta de futura revisão.

O governo Collor (1990-1992) iniciou o programa de reformas liberalizantes, levado adiante, posteriormente, pelo governo Itamar Franco (1992-1994): liberalização comercial e financeira, privatizações, corte dos gastos públicos (o que já vem afetando seriamente a qualidade da infra-estrutura e dos serviços básicos); reforma tributária emergencial e diversas tentativas de controle da inflação. O impeachment do presidente Collor indicou a existência de setores e instâncias organizados da sociedade civil que buscavam responder à dilapidação do estado empreendida durante os primeiros anos da década de 90. Entretanto, a hiperinflação terminou por criar as condições sociais e políticas para a aceitação, e mesmo a reivindicação, de medidas de ajuste monetário e de reforma do estado, conferindo a Fernando Henrique Cardoso - à época ministro da fazenda - poder e prestígio a partir da implantação do real e do controle inflacionário. O estado e seus instrumentos de implementação de políticas públicas - notadamente o funcionalismo público - e os sindicatos e partidos passaram a ser crescentemente apontados como os responsáveis pela crise. Neste contexto, os subseqüentes governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-2002), legitimados pelo sucesso recente da estabilização da moeda e, em aliança com as forças liberais conservadoras, vêm significando a crise das tradicionais estruturas de representação coletiva dos interesses populares. Foi esquecido o desafio de escapar da "farsa política democrática", sintetizado pelo próprio Cardoso, há alguns anos, ao afirmar que

...sem reformas efetivas do sistema produtivo e das formas de distribuição e de apropriação de riquezas não haverá Constituição nem Estado de direito capazes de eliminar o cheiro de farsa da política democrática (Cardoso, 1985).

Ao contrário, cada vez mais em seu governo transfere-se para a arena política a pulverização do mercado, obrigando à busca de soluções individuais que passam pela educacional e de treinamento de um modo geral e os investimentos do Estado na infra-estrutura (Suzigan, 1993, p. 124).

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submissão às condições de exploração incorporadas aos projetos de flexibilização laboral, pelo alijamento em direção ao setor informal ou pela criminalidade. A "reativação da sociedade civil", proposta pelo sociólogo, submerge na onda neoliberal de questionamento e redução do estado e dos espaços dentro deste para os interesses subordinados. 2.2 Ciência e tecnologia no contexto da modernização conservadora No período recente, na sociedade brasileira, as tendências inscritas no processo de globalização da economia e as mudanças no padrão tecnológico têm sido acompanhadas, de modo geral, por alterações importantes na dinâmica das ações do estado e de suas políticas. A reestruturação produtiva, aliada à crise financeira do estado brasileiro e à adoção de políticas de redução do âmbito de ação do estado, além das reiteradas tentativas de alijar da arena política os segmentos mais organizados de representação coletiva dos interesses populares, tendem a produzir as condições sociais menos promissoras para amplas parcelas da população ao mesmo tempo em que se reduzem as possibilidades de participação de segmentos importantes no processo de formulação e acompanhamento das políticas públicas (Corrêa, 1996). A mudança de orientação das políticas do estado tem trazido, como resultado, a deterioração acelerada da infraestrutura de pesquisa do país, causada pela diminuição dos recursos efetivamente aplicados em C&T, pelo descaso do governo com relação às universidades e institutos de pesquisa, pela crescente desarticulação entre os órgãos públicos envolvidos com o desenvolvimento científico e tecnológico e pelo redirecionamento dos recursos disponíveis de forma bastante arbitrária. Essa condução das políticas públicas reforça a dependência tecnológica do Brasil com relação aos países centrais, agravando a crise e resultando em sérios problemas para a economia e sociedade brasileiras (Corrêa, 1996). Estudos realizados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1992) prevêem um aumento significativo das desigualdades de acesso a fontes de investimento, a tecnologias e a mercados externos como conseqüência da dinâmica de globalização. Já é possível identificar um declínio acentuado da transferência de tecnologia para os países de capitalismo retardatário ao lado da concentração de fluxo de investimento externo direto dentro dos países da OCDE. Tais tendências, aliadas à crise financeira do estado brasileiro e à adoção de políticas de redução drástica do estado que colocam em risco a capacidade de universidades e institutos de pesquisa nacionais de produzir conhecimento, vêm tornando problemática, tanto a inserção do Brasil no novo contexto da economia mundial, quanto a capacidade do estado em atender demandas sociais articuladas à produção científica e tecnológica.

Um dos grandes problemas para países como o Brasil e que decorre de um lado de sua posição subordinada no cenário mundial e de outro da própria heterogeneidade estrutural que os caracteriza é a dificuldade de construir acordos entre interesses distintos em torno de projetos nacionais. A dificuldade no estabelecimento de projetos nacionais aceitos em larga escala representa indubitavelmente sério obstáculo ao desenvolvimento científico e tecnológico próprio, desde que inviabiliza o consenso em torno de que, como e para que fazer ciência e tecnologia (Fernandes, 1987).

Por outro lado a diversidade de necessidades sociais que se manifestam como interesses na sociedade e no estado no Brasil constitui um estímulo potencial à sofisticação científica e ao avanço tecnológico, sempre quando se organizem interesses

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que efetivamente se expressem de modo a reorientar a produção, a difusão e o consumo de tecnologias. Um dos pré-requisitos fundamentais para as possibilidades de ampliação tecnológica está na alocação de recursos suficientes para o desenvolvimento da pesquisa e para o fortalecimento da articulação entre geração de tecnologia localmente produzida e sua absorção.

A atual orientação das políticas públicas que interferem no desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro tem contribuído para a manutenção do aparente círculo vicioso onde a carência de recursos científicos e tecnológicos para satisfazer determinadas necessidades sociais leva a que esses recursos sejam buscados nos centros produtores de C&T e, por serem essas necessidades supridas por competência exógena, a C&T produzida localmente tem seu avanço bloqueado. Tal situação, entretanto, resulta de interesses fundados na própria sociedade brasileira e expressa os interesses dominantes nessa sociedade, que afirmam-se, a partir de processos conflitivos, sobre outros interesses também presentes.

Analisando brevemente a história da política e do planejamento de ciência e tecnologia no Brasil é possível identificar algumas características correspondentes a diferentes conjunturas articuladas ao processo de desenvolvimento econômico-social brasileiro (Corrêa, 1996): o período que compreende a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq - 1951) até o final dos anos 60, pode ser tratado como uma primeira fase do processo de institucionalização da política brasileira de desenvolvimento científico e tecnológico. Em grandes linhas, o principal objetivo, nessa fase, era o desenvolvimento sócio-econômico para inserção do país no contexto internacional, caracterizando-se por um esforço pouco articulado e sem diretrizes que possibilitassem a efetiva vinculação entre desenvolvimento científico e tecnológico e desenvolvimento sócio-econômico, dada a prioridade assumida com relação à internacionalização da economia. Nesse período foi impulsionada a formação de recursos humanos em pesquisa básica e aplicada, através da criação de mecanismos de fomento e da reestruturação da universidade pública e de institutos estatais de pesquisa.

A segunda fase, iniciada na década de 70, apresentou como estratégia básica a implementação de um planejamento governamental que teve como objetivo a conquista de uma relativa independência científico-tecnológica. Por essa época houve uma tentativa de dar organicidade às diversas fontes de recursos alocados pelo estado para as atividades de pesquisa, através da criação de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT), recebendo o setor de C&T um espaço institucional próprio. Entretanto, a concepção sistêmica adotada mostrou-se ineficaz frente à complexidade envolvida na organização do setor o qual interage praticamente com todas as políticas de estado.

A política de C&T possui estreita relação com a política educacional (manutenção e desenvolvimento de um quadro de pesquisadores qualificados) e constitui-se em política-meio, através da qual são fornecidos subsídios e apoio a outras políticas de estado, devendo ter com elas mecanismos de interação permanentes. As escolhas dos diversos governos das décadas de 70 e primeira metade da década de oitenta, baseadas em coalizões políticas conservadoras e tendentes a priorizar a área econômica em detrimento de áreas sociais tais como educação e saúde, dificultaram a concretização de políticas relacionadas ao atendimento de demandas sociais bem como a integração entre as diferentes políticas do estado, onde muitas vezes o discurso (planos, projetos) encontrou-se amplamente desvinculado da prática efetiva.

Até 1979, o esforço dos órgãos formuladores de política científica e tecnológica no Brasil de reduzir o hiato entre o setor produtivo e setor científico e tecnológico, procurando reforçar este último e incentivar as empresas nacionais a investir em

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pesquisa e utilizar mais amplamente o sistema local foi, em parte, recompensado. Foi criada e ampliada uma base científica e tecnológica bastante concentrada na Região Sudeste. Tal base, ainda que apresentasse vários problemas em termos de articulação tanto com o setor produtivo privado, quanto com o setor público e com a sociedade, possuía potencial para expandir-se e enraizar-se na sociedade, originando novas necessidades e aportando soluções adequadas às já existentes. No entanto, entre 1979 e 1985 a desarticulação entre a política de ciência e tecnologia e a política econômica global, ocasionada pela perda de interesse no setor científico e tecnológico por parte das camadas dirigentes das políticas públicas, levou a uma drástica diminuição da capacidade de financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A evolução do setor na década de oitenta revela mais do que uma interrupção nos avanços do desenvolvimento científico e tecnológico, na montagem e na manutenção da infra-estrutura de pesquisa e na busca de relativa autonomia. É um período de retrocesso, com o enfraquecimento das instituições e grupos de pesquisa constituídos e consolidadas na década de 70.

A significativa e continuada redução de gastos públicos na área de ciência e tecnologia no Brasil, desde o início da década de 80, inibiu tanto a consolidação do setor científico e tecnológico, como o uso de seus serviços pela indústria e pela sociedade brasileiras, refletindo-se na rede de ensino universitário, nos laboratórios de pesquisa e nos salários do pessoal técnico. A infra-estrutura de pesquisa ainda em processo de formação não chegou a consolidar-se e já iniciava-se o movimento inverso, rumo ao sucateamento e à desagregação. Os dispêndios em ciência e tecnologia nesta época perfaziam entre 0,4% a 0,6% do Produto Interno Bruto, muito menos do que os países centrais gastavam em C&T, o que é crítico se lembrarmos que esses dispêndios destinavam-se a criar e manter uma estrutura de atividade científica e tecnológica, enquanto que esses investimentos, nos países desenvolvidos, incidem sobre uma estrutura já constituída e eficiente.

O fraco desenvolvimento do setor científico e tecnológico na primeira metade da década de 80 pode ser visto como resultado dos seguintes fatores decorrentes de escolhas efetuadas pelo empresariado industrial (nacional e internacionalizado) e pela coalizão política dirigente: a falta de demanda efetiva do sistema produtivo por conhecimento e a falta de adequado investimento público e privado para desenvolver o setor de C&T no passado, bem como o progressivo enfraquecimento do setor em termos de recursos para fomento e manutenção das instituições existentes. Tal atraso constituiu-se em forte estímulo à importação de tecnologia e o uso da importação agravou a distância entre demanda e oferta de conhecimento locais, formando-se um círculo vicioso e cumulativo oposto ao processo de estimulação mútua prevalente nos países centrais, onde o processo coletivo de constituição da base técnica local conduz a uma crescente articulação entre setores produtivo e técnico-científico (Corrêa, 1996).

A partir segunda metade dos anos 80 o planejamento e a organização da ciência no país confrontaram-se com uma política de modernização tendente a valorizar a iniciativa privada, o mercado e a desregulamentação. Nesta época foi criado o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). A alteração na estrutura institucional, entretanto, não se fez acompanhar por novos instrumentos financeiros para sustentar a política científica e tecnológica em níveis compatíveis com os existentes na metade da década de 70.

O período compreendido entre 1985 e 1988 (promulgação da nova constituição brasileira) foi claramente uma fase de transição marcada pela introdução de alterações politicamente significativas como a instalação e funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte e a retomada da democracia no país. A velocidade das mudanças, sua

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amplitude e a crescente possibilidade de participação de diversos segmentos anteriormente excluídos, aguçando as lutas no interior do estado, levaram à instabilidade do arcabouço institucional administrativo e à dificuldade de um planejamento de largo espectro da ação estatal.

O recém criado Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) levou a um redirecionamento de ações e recursos. Os objetivos e metas que norteiam ações e políticas de C&T foram redesenhados. Aparentemente havia sido retomada a questão de ciência e tecnologia como parte integrante da política econômica e social, sendo o progresso técnico colocado como a grande questão prioritária, de forma a acompanhar o novo modelo de desenvolvimento mundial através das chamadas janelas de oportunidade, o que conduziu a priorização de algumas áreas, denominadas estratégicas - microeletrônica, informática, biotecnologia, novos materiais, química fina e mecânica de precisão.

De fato, o novo MCT, ao invés de promover a articulação do setor, encaminhou um processo de especialização com base na idéia de nichos tecnológicos, perdendo de vista a dimensão global de ciência e tecnologia e excluindo da agenda uma série de questões científicas e tecnológicas específicas da realidade brasileira ligadas à área de saúde, educação, ao setor agrário e à habitação, entre outras. O que prevaleceu, em termos de política efetiva, foi a ênfase no mercado concorrencial, a despeito do discurso acerca do caráter político e social da tecnologia (Corrêa, 1996).

A partir de 1989-1990, foram criadas ou reativadas diversas fundações estaduais de amparo à pesquisa ou fundos de ciência e tecnologia, que passaram a gerir recursos específicos para o setor científico e tecnológico, contemplados nas novas constituições estaduais. Em tese, isto propiciaria o surgimento de condições para o desenvolvimento de pesquisas ligadas às necessidades regionais, através da ativação ou reativação de institutos de pesquisa das administrações estaduais, que poderiam atuar com apoio das universidades locais. No entanto, os recursos destinados pelas constituições estaduais (que estabeleceram percentuais de 0,5% a 2% dos orçamentos ou das receitas líquidas dos estados) raras vezes foram efetivamente liberados para ciência e tecnologia pelos governos estaduais. Em muitas unidades da federação, sequer foi votada a lei que regulamentava o artigo da destinação de recursos. Em outros casos, problemas de arrecadação e dívidas dos estados, foram utilizados como pretexto para deixar de efetuar os repasses, estabelecendo-se uma disputa permanente entre as prioridades da área fazendária (em geral detentora de poder considerável nas diversas equipes de governo) e as prioridades definidas pelas áreas sociais e pelos órgãos ligados à C&T. A liberação dos recursos passou a depender de permanentes pressões da comunidade científica, dos técnicos e dirigentes dos órgãos estaduais de C&T junto aos secretários e técnicos da fazenda e junto aos próprios governadores (Corrêa, 1996).

No que diz respeito ao financiamento do setor de C&T a situação tendeu ao agravamento. Se a crise instalada no final da década de 70 ocasionou uma contínua diminuição dos recursos destinados ao setor científico e tecnológico, reduzindo-se sensivelmente sua participação no orçamento da União, os governos seguintes apenas agravaram a situação, acelerando-se o processo de desmonte progressivo da infra-estrutura de pesquisa já existente, antes mesmo de sua consolidação.

Em resumo, a condução do setor científico e tecnológico nas décadas de 70 e 80, no Brasil, encaminhou-se no sentido de reforçar o distanciamento entre a pesquisa básica e a pesquisa tecnológica, mantendo-se as coletividades científicas acadêmicas distanciadas das demandas sociais e do setor produtivo. A opção empresarial em preferentemente importar tecnologia ou (no caso das estatais) desenvolver pesquisa no próprio âmbito das empresas agravou o distanciamento, dificultando, mesmo, o

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estabelecimento de relações ad hoc entre empresas e universidades. A fragilização crescente da universidade tem traduzido-se em crise do ensino e pesquisa produzidos nas instituições públicas, com sérias conseqüências para a produção de pesquisa básica, de grande relevância a longo prazo para a redução da dependência científica e tecnológica brasileira.

As dificuldades de estruturação do campo científico, sua tênue vinculação com o setor produtivo e a baixa relação estabelecida entre ciência e qualidade de vida da população, resultando em demandas restritas por parte da sociedade, têm levado os pesquisadores a um relativo isolamento que traduz-se em dificuldade de perceber a prática científica como prática social e na exaltação da autonomia da ciência que articula-se à apologia da livre concorrência e da igualdade de oportunidades entre os cientistas, que competiriam de acordo com seus méritos, com a conseqüente negação ao estabelecimento de prioridades externas aos interesses das próprias coletividades científicas. Por outro lado, visando a obtenção dos recursos crescentemente escassos, os cientistas buscam exercer influência sobre a destinação de recursos para a área, principalmente através das agências de fomento (Corrêa, 1996).

A análise de bibliografia recente sobre C&T no Brasil (Meis & Leta,1996; Guimarães, 1995; Fernandes, Sobral, 1994,1997) e de dados do MCT e suas agências, indica um crescimento da produção científica, acompanhando o crescimento do pós-graduação durante os período compreendido entre 1970 a 1985. Os últimos anos da década de oitenta foram caracterizados por uma grande instabilidade institucional, que agravou-se com o declínio do orçamento a partir de 1987. As principais características do setor são: a grande concentração da base-técnico científica, massa crítica e recursos na região Sudeste, defasagem instrumental e bibliográfica, deficiências sérias de informação no setor, baixa confiabilidade das informações disponíveis. Apesar do predomínio da pesquisa acadêmica e básica (mais de 80%), que é produzida fundamentalmente nos institutos de ensino superior (principalmente público), há em curso um processo de desfinanciamento da universidade e de desestruturação das condições mínimas para a produção científica e tecnológica. Outro problema que se vem agravando desde o final da década de 80 é o aumento da perda de recursos humanos para o exterior. Pode-se, também, afirmar que mesmo estando em crescimento, nesta década, a formação de mestres e de doutores, esta formação se dá em um ritmo muito lento e insuficiente mesmo para atender a demanda do meio acadêmico e com uma participação tímida em setores como o de empresas.

Quanto à produção de C&T, Meis & Leta (1996) apontam que, se por um lado há uma comparação negativa da contribuição anual de publicações científicas do Brasil, que é percentualmente menor que 1% com relação ao mundo, por outro lado, a qualidade dos trabalhos é semelhante à qualidade dos trabalhos da média mundial. Segundo os autores a diferença entre o Brasil e países desenvolvidos como os EUA, no que respeita à produção de C&T, não é uma questão cultural e sim um fator quantitativo - o número de profissionais trabalhando em ciência no Brasil é muito menor, daí o baixo índice de produção. 2.3 Política científica e tecnológica no Brasil e a questão da excelência: ampliar ou seletivizar?

O momento atual tem se caracterizado por crescente verticalização da política de C&T, ausência de planejamento global e baixa articulação entre agências coordenadoras e financiadoras do desenvolvimento técnico-científico. O debilitamento das fontes tradicionais de recursos da União para atividades de pesquisa leva a um crescente

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estímulo à política de descentralização que, não obstante, encontra resposta em poucas unidades da federação - apenas naquelas que têm condições e interesse em cumprir as constituições estaduais, investindo pelo menos uma fração dos recursos nelas destinados à C&T.

Freqüentemente analistas do setor de C&T têm apontado a falta de uma política científica coerente como obstáculo importante à incorporação da ciência ao desenvolvimento social (por exemplo, Guimarães, 1995). Entretanto, quando se empreende a distinção entre políticas científicas explícitas (aquelas voltadas especificamente para o setor de C&T e que expressam-se em planos, leis, regulamentos) e implícitas (que expressam a efetiva demanda científica e tecnológica do modelo de desenvolvimento do país), a análise do setor evidencia a existência, no Brasil, de uma política científica com objetivos próprios.

Uma das questões-chave para a análise da política científica e tecnológica no Brasil e da crise do setor, que se agudiza a partir do final da década de 70, é a falta de vontade política para o planejamento estratégico em C&T. Sendo a política um jogo de escolhas e constrangimentos, as respostas para as crises não são necessárias, e sim, representam escolhas das coalizões (que sustentam o estado) dentro de um leque possível de alternativas. No caso brasileiro, uma série de razões - estruturais e conjunturais - têm levado a opções (ações ou ausência de ações) por parte do estado, que repercutem negativamente na infra-estrutura de pesquisa do país, obstruindo suas potencialidades e dificultando a produção de conhecimento local.

Dentre as razões de ordem estrutural (econômicas, políticas e ideológicas), a hegemonia dos interesses do empresariado internacionalizado e as dificuldades colocadas pelas próprias deficiências da base técnica, bem como, sua relativa desvinculação com o desenvolvimento econômico, dadas as condições históricas da acumulação capitalista no Brasil, contribuíram para a escolha preferencial de atuar com tecnologia importada, de tal forma, que o estabelecimento de uma política científica e tecnológica explícita e o desenvolvimento do setor de C&T, não têm se constituído em prioridade das diferentes coalizões que assumem o estado. Agregam-se a isso, razões conjunturais como as resistências da coletividade científica ao estabelecimento de prioridades - identificada como risco para a autonomia científica e perda de controle por parte da comunidade acadêmica, ausência de sistemas padronizados, compatíveis e contínuos de informação, que permitam o acompanhamento e a avaliação, informando planos e programas e sua implementação, bem como, a divulgação e disseminação dos resultados da pesquisa para os diversos usuários potenciais - seja a própria coletividade científica, órgãos do estado ou setor empresarial (Corrêa,1996).

A baixa incorporação de diferentes atores sociais, além dos cientistas na definição e controle da implementação das políticas do setor de C&T, conduziu a um modelo de desenvolvimento científico e tecnológico5 onde os recursos são definidos e alocados pelo congresso (cujo interesse e participação no setor é restrito) e pelo presidente, com base no modelo econômico e nas forças políticas hegemônicas, enquanto que a gestão da área - o estabelecimento de prioridades e a implementação das ações - é fortemente influenciada e dirigida pelos próprios cientistas, resultando em recursos decrescentes e respostas insuficientes relativamente a necessidades sociais, com o conseqüente debilitamento progressivo do setor.

5 O MCT não possui orçamento próprio e os recursos (e políticas) para o setor de C&T encontram-se dispersos em diversos ministérios, dentre os quais o Ministério da educação que trata das questões relativas ao ensino superior e o Ministério da Administração que trata das questões referentes ao funcionalismo público.

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Uma questão que vem se impondo como central para refletir sobre a temática da política científica e tecnológica no Brasil hoje é: em que medida e sob que condições sociedades sem a tradição cultural e os recursos de pesquisa existentes nos países centrais, terão condições de romper o círculo que as mantém periféricas com relação aos centros dinamizadores do conhecimento científico e tecnológico?

Tomando como ponto de partida o cenário internacional em sua relação com o setor de C&T, verifica-se que a análise da atual condução das políticas de desenvolvimento científico e tecnológico em nível nacional e de seus impactos na base científica e tecnológica pode contribuir para o debate sobre as condições do Brasil para romper o círculo que o mantém como sociedade periférica com relação aos centros dinamizadores do conhecimento científico e tecnológico, bem como suas condições para responder a demandas sociais articuladas a C&T.

Como já foi antecipado, verificou-se, em estudo anterior (Corrêa, 1996), que as políticas do estado brasileiro vêm assumindo um direcionamento que compromete a ampliação de possibilidades científicas e tecnológicas e reforça os problemas já existentes de desigual distribuição de recursos e infra-estrutura de pesquisa entre as diferentes unidades da federação. A orientação atual das políticas do estado para o setor de C&T, no Brasil, envolve políticas implícitas que tendem a agudizar os problemas da área. São estas: 1) a política previdenciária que vem ocasionando aposentadorias precoces de docentes com alto nível de titulação; 2) o achatamento salarial do funcionalismo público (notadamente dos professores do ensino superior público) e 3) o financiamento da pesquisa universitária com recursos extra-orçamentários. Agrega-se a isso a implementação de políticas explícitas de C&T tais como o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX) e novas formas de condução da área de pós-graduação, que tendem a imprimir ao setor maior seletividade em termos de regiões, de instituições, de equipes e de áreas de pesquisa. Conclusão

A organização da ciência a partir de si mesma (suas questões internas e suas relações de poder) e sua falta de conexão com a sociedade encontram-se relacionadas à própria condução do estado e também ao tipo de estrutura social e de poder predominante no país. Essa problemática aponta a dificuldade de tratar as questões relativas à ciência e tecnologia no Brasil utilizando o conceito de comunidade científica (Merton, Kuhn), dada sua incapacidade em dar conta das diversas influências econômicas e sociais presentes na atividade científica, incapacidade esta que decorre da idéia de uma comunidade normativamente regulada e autônoma com relação aos fatores políticos e econômicos. Por outro lado, conceitos como os de campo científico (Bourdieu), que incorporam a idéia de mercado, apresentam-se como uma alternativa em termos de superação da perspectiva internalista da ciência. Não obstante, esse modelo, ao insistir em um ponto de vista que limita a ciência aos cientistas (lutas dentro do campo), acaba por minimizar o papel do estado, da distribuição da renda, enfim, da complexidade da sociedade moderna e seus impactos na atuação dos cientistas e nas inter-relações internas ao campo.

Impõe-se, pois, no contexto atual, a necessidade de pensar o desenvolvimento científico e tecnológico submetido a constantes pressões políticas, econômicas e sociais, ao mesmo tempo que se busca compreender o jogo de motivações e interações dos cientistas e seus reflexos na própria sociedade em que esses se inserem. Para tanto, faz-se necessário trabalhar com uma abordagem que alcance articular os processos macro (políticas de C&T) e micro (grupos de pesquisa e suas interações) envolvidos nas

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relações entre ciência, tecnologia e sociedade no Brasil, analisando as diversas dimensões que contextualizam e estão presentes na organização da ciência e da tecnologia, através do estudo das relações e interações entre seus produtores, que formam coletividades científicas e tecnológicas, inseridas em um determinado contexto histórico-social, que estrutura um determinado espaço/tempo em que aquelas coletividades desenvolvem suas práticas contingentes e relacionam-se com outros agentes participantes dessas arenas.

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A Sociologia no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq

1993 - 1997

Enno D. Liedke Filho Introdução

A Comunidade Científica de Sociologia no Brasil compreende, hoje, cerca de 80 cursos de Ciências Sociais, com aproximadamente 15.000 alunos; 21 Cursos de Mestrado e 13 Doutorados em Sociologia; calculando-se a existência de cerca de 40.000 formados em ciências sociais. As principais áreas de atuação dos sociólogos são: o ensino em escolas elementares e de segundo grau; o ensino e a pesquisa em universidades públicas e privadas; trabalhos de pesquisa em centros de pesquisa não-universitários; trabalhos de pesquisa e planejamento em órgãos públicos de pesquisa e de planejamento e execução de projetos sociais; trabalhos de pesquisa e consultoria no setor privado, incluindo aqueles em empresas de pesquisas sociológicas; e a assessoria a entidades e movimentos sociais da sociedade civil

Uma importante base de dados acerca da pesquisa científica brasileira, inclusive em Sociologia, vem sido construída através da elaboração dos Diretórios dos Grupos de Pesquisa do CNPq. A série de dados já consolidada através das edições de 1993, 1995 e 1997, abrange o período que se estende de 1990 a 1997. A quarta edição do Diretório foi desenvolvida em 2000, estando atualmente em fase de consolidação dos dados para sua divulgação através da home-page do CNPq.

O presente trabalho apresenta os resultados preliminares da comparação dos dados acerca dos grupos de pesquisa de Sociologia registrados nos Diretórios dos Grupos de Pesquisa do CNPq de 1993 e de 1997, buscando verificar as principais tendências recentes quanto a forma de organização dos grupos e linhas de pesquisa, Áreas e Sub-áreas de Conhecimento, e Setores de Atividade, assim como as possibilidades, problemas e limites do formulário utilizado e dos dados coletados nestas oportunidades. A Presença da Sociologia no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq 1993 - 1997

O Diretório dos Grupos de Pesquisa - 1993, identificou 4.402 grupos de pesquisa em geral, 240 grupos de pesquisa em ciências humanas e 88 grupos de pesquisa em Sociologia, representando estes 2% do total de grupos. Destaque-se comparativamente que a Antropologia apresenta 57 grupos e a Ciência Política, 55 grupos de pesquisa. Ressalte-se que se assume que há dados que mostram certas tendências, que possivelmente não reflitam realmente o estado atual da comunidade sociológica no Brasil, tendo estes problemas ocorrido talvez tanto pelo formato do questionário quanto pelo modo como foi feita a coleta e foram preenchidos os questionários enviados aos grupos de pesquisa. Esse dados permitem chamar a atenção da necessidade de buscar coerência e consistência no preenchimento dos questionários por parte de todos os envolvidos na coleta de dados: sejam as pró-reitorias de pesquisa, as coordenações de pesquisas dos institutos de pesquisa e/ou os líderes de grupos de pesquisa.

O reprocessamento dos dados por nós realizados identificou, além destes 88 grupos, outros 63 grupos de Sociologia - incluindo-se os grupos de Sociologia

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propriamente ditos não classificados como tal pelo Diretório (31 grupos), os grupos de sociologia da educação (20 grupos) e os grupos interdisciplinares (12 grupos) - totalizando portanto 151 grupos de pesquisa que trabalham na área de sociologia (Tabela 1).

Já, o Diretório dos Grupos de Pesquisa - 1997 (Endereço Eletrônico - www.cnpq.br.gpesq3), identificou 8.544 grupos de pesquisa em todas as áreas científicas no Brasil, 1180 grupos de pesquisa em Ciências Humanas e 149 grupos de pesquisa em Sociologia, representando estes 1,7% do total de grupos (Tabela 1). Destaque-se, comparativamente, que a Antropologia apresenta 99 grupos e a Ciência Política, 65 grupos de pesquisa, revelando em conjunto com a Sociologia, a significativa base institucionalizada de pesquisa em ciências sociais hoje existente no Brasil. Tabela 1 DIRETÓRIOS DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 -1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA . NO. DE

GRUPOS % NO. DE

GRUPOS %

SOCIOLOGIA. 98 2.22 149 1.74 ANTROPOLOGIA 57 1.29 99. 1.16 CIÊNCIA POLÍTICA 55 1.24 65 0.76 CIÊNCIAS HUMANAS. 482 10.94 1180. 13.81 TOTAL DE GRUPOS 4402 100.0 8544 100.0 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993 - 1997.

Considerando-se a titulação dos pesquisadores em 1993 (Tabela 2), a Sociologia apresenta 48,65% destes com título de doutor, 37,39% com mestrado e 13, 96% apenas com graduação, enquanto todas as ciências humanas apresentam taxas de 50,28%, 34,11% e 15,61%, e todas as ciências, taxas de 51,04%, 31,35% e 17,61%, respectivamente. Em outras palavras, os dados relativos à Sociologia indicam a existência de um corpo de pesquisadores com uma qualificação acadêmica alta, tendendo o mestrado a ter uma participação maior do que na totalidade das ciências humanas e de todas as ciências.

Os Grupos de Pesquisa em Sociologia registrados no Diretório dos Grupos de Pesquisa 1997, são compostos por 318 Doutores, 169 Mestres, 13 Especialistas e 86 Graduados, totalizando 586 pesquisadores. O ingresso de 102 Doutores no sistema entre 1993 e 1997, permite sugerir que a base de dados de 1993 possivelmente sub-representava a efetiva massa crítica envolvida em pesquisa sociológica.

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Tabela 2 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 - 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA TITULAÇÃO DOS PESQUISADORES DOUTORADO MESTRADO GRADUAÇÃO TOTAL 1993 216 166 62 444 1997 318 169 86 586 Não inclui 13 Especialistas em 1997 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993 - 1997. Tabela 3 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 - 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA TITULAÇÃO DOS PESQUISADORES DOUTORADO MESTRADO GRADUAÇÃO 1993 48,65 37,39 13,96 1997 54.26 28.83 14.67 Não inclui 13 Especialistas em 1997 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993 - 1997. Tabela 4 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 SOCIOLOGIA, CIÊNCIAS HUMANAS E TODAS AS CIÊNCIAS TITULAÇÃO DOS PESQUISADORES DOUTORADO MESTRADO GRADUAÇÃO SOCIOLOGIA 48,65 37,39 13,96 CIÊNCIAS HUMANAS 50,28 34,11 15,61 TODAS AS CIÊNCIAS 51,04 31,35 17,61 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993

A Sociologia no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq - 1993, apresenta as seguintes relações entre os indicadores básicos do Diretório: 3,05 linhas de pesquisa/grupos e 5,38 pesquisadores/grupos, índices, esses, que oscilam próximos aos índices das ciências humanas e aos de todas as ciências (Tabela 5), sendo interessante observar que a sociologia apresenta uma concentração maior de recursos humanos por grupos e linhas do que o conjunto das ciências humanas.

A Sociologia no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq - 1997 apresenta as seguintes relações entre os indicadores básicos do Diretório: 2,2 linhas de pesquisa/grupo, e 3,9; pesquisadores/grupo (Tabela 6). Esses índices oscilam próximos aos índices das ciências humanas e aos de todas as ciências (Tabela 6), sendo interessante observar que a sociologia apresenta, em contraste com os dados do Diretório de 1993, uma concentração menor de recursos humanos por grupos e linhas do que o conjunto das Ciências Humanas. Parte desta inversão deve-se certamente ao ingresso de um número significativo de grupos novos com um número menor de linhas e de pesquisadores envolvidos nestas, ponto esse a ser analisado futuramente.

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Tabela 5 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA INDICADORES BÁSICOS LINHAS/GRUPO PESQUISADORES /

GRUPOS SOCIOLOGIA 3,05 5,38 CIÊNCIAS HUMANAS 3,05 4,80 TODAS AS CIÊNCIAS 3,60 5,89 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993. Tabela 6 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA INDICADORES BÁSICOS LINHAS/GRUPO PESQUISADORES/

GRUPOS SOCIOLOGIA 2.2 3.9 CIÊNCIAS HUMANAS 2.3 4.8 TODAS AS CIÊNCIAS 3.0 4.8 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1997. Sociologia: Áreas do Conhecimento e Setores de Atividade

Um sério problema dos dados dos Diretórios de 1993 e de 1997, refere-se a

classificação das linhas de pesquisas dos grupos de pesquisa de Sociologia por áreas do conhecimento e setores de atividade. Nestes Diretórios foram utilizados dois critérios: (a) a classificação das áreas e sub-áreas do conhecimento em Sociologia do CNPq; e (b) a classificação das áreas de pesquisa por setores de atividade, não sendo obrigatório o preenchimento deste campo.

Essa dupla classificação, conforme será visto a seguir, apresenta problemas que merecem ser considerados tanto pelos responsáveis pelo Diretório como pela comunidade de pesquisadores em Sociologia, quais sejam: (1) a classificação das áreas e sub-áreas do conhecimento do CNPq não parece estar dando mais conta do estado atual de diversidade temática da Sociologia; e (2) a classificação por setores de atividade não tem oferecido a oportunidade para uma real apreensão das tendências da pesquisa em Sociologia. Áreas do Conhecimento em Sociologia Considerando-se as 168 linhas de pesquisados 88 grupos de pesquisa em Sociologia identificados pelo Diretório de Grupos de Pesquisa de 1993 (Tabela 8), verifica-se a relevância das seguintes por área de conhecimento: Sociologia Urbana, 42 linhas; Sociologia Rural, 29 linhas; Sociologia do Conhecimento, 24 linhas; Sociologia do Desenvolvimento, 23 linhas; Sociologia da Saúde, 23 linhas; e Sociologia, 7 linhas.

A classificação do CNPq oferece a possibilidade também de classificar uma linha de pesquisa como sociologia específica Utilizando-se as informações sobre as linhas de pesquisa constantes nos Diretórios de Pesquisa, e tendo por referência as

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chamadas sociologias especiais, processamos o reagrupamento das 85 menções a sociologias específicas, sendo as principais especializações identificadas em 1993: Sociologia do Trabalho, 26 linhas; Sociologia da Cultura, 12 linhas; e Sociologia da C&T, 10 linhas de pesquisa (Tabela 9).

Já, considerando-se os 149 Grupos de Pesquisa em Sociologia registrados no Diretório dos Grupos de Pesquisa 1997, verifica-se que estes compreendem 800 Linhas de Pesquisa, com uma média de 2,2 Linhas por grupo, e abrangem uma ampla gama de temas de pesquisa. Verifica-se também que as principais sub-áreas de conhecimento, segundo a classificação do CNPq, são: Sociologia Rural - 49 linhas; Sociologia do Conhecimento - 44 linhas; Sociologia do Desenvolvimento - 31 linhas; e Sociologia Urbana - 30 linhas.

Outrossim, o reprocessamento, por nós realizado, dos dados relativos às denominadas sociologias específicas indica que as principais sociologias especiais em 1997 são: Sociologia do Trabalho - 55 linhas; Sociologia da Cultura - 26 linhas; e Sociologia Política - 17 linhas de pesquisa (Tabela 9). Tabela 8 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 - 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA SUB-ÁREAS DE CONHECIMENTO DAS LINHAS DE PESQUISA 1993 1997 SOCIOLOGIA URBANA 42 30 SOCIOLOGIA RURAL 29 49 SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 24 44 SOCIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 23 31 SOCIOLOGIA DA SAÚDE 23 19 SOCIOLOGIA 7 24 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 20 13 OUTRAS SOCIOLOGIAS ESPECÍFICAS 85 225 SUB-ÁREAS DE OUTRAS DISCIPLINAS 177 NÃO RESPONDEU 54 NO. DE LINHAS 168 800 NO. DE GRUPOS 98 149 1993 inclui além dos 88 grupos identificados pelo Diretório, mais 10 grupos de Sociologia da Educação Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993 - 1997.

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Tabela 9 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 – 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA OUTRAS SOCIOLOGIAS ESPECIAIS

SOCIOLOGIAS ESPECIAIS 1993 1997 SOCIOLOGIA DO TRABALHO 26 55 SOCIOLOGIA DA CULTURA 12 26 SOCIOLOGIA DA C&T 10 SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO 7 ESTADO/CLASSES/MOV.SOCIAIS 6 SOCIOLOGIA POLÍTICA 5 17 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 4 SOCIOLOGIA RURAL 4 OUTRAS SOCIOLOGIAS 11

1997 - Tentativo Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993 - 1997

Uma outra questão candente relativa à classificação das linhas de pesquisa por

áreas e sub-áreas de conhecimento merece atenção especial. Um pesquisador pode optar por utilizar áreas e sub-áreas de outras disciplinas para classificar suas linhas de pesquisa, podendo ocorrer a utilização de classificações de áreas próximas (afins), ou mesmo de áreas distantes, dada a tendência ao uso de abordagens inter-disciplinares ou multidisciplinares. Por exemplo, um sociólogo pesquisando o tema crendices e medicina popular, pode classificar sua pesquisa como Sociologia da Saúde, Antropologia Cultural e Saúde Pública. A classificação das linhas de pesquisa de sociologia por sub-áreas de outras áreas de conhecimento atinge a instigante taxa de 22, 12% em 1997 (Tabela 8). Entre estas sub-áreas, destacam-se: História do Brasil (15); Antropologia Rural (14); Comportamento Político (14); Políticas Públicas (13); Antropologia Urbana (10); Antropologia das Populações Afro-Brasileiras (10); Tópicos de Educação (10); Psicologia (8); Economia Agrária e Recursos Naturais (8); e Demografia (7). Trata-se realmente do reflexo do desenvolvimento de trabalhos inter-disciplinares ou multidisciplinares por sociólogos, ou também revela-se aqui a necessidade de reformular a classificação das áreas de pesquisa em Sociologia na atual “Árvore do Conhecimento” do CNPq? Setores de Atividade

A classificação, por setores de atividade, das linhas de pesquisa dos grupos do Diretório compreendia inicialmente dezesseis setores, sendo expandida em 1995 para trinta e dois setores de atividade. Todavia, considerando-se os dados referentes aos setores de atividade pode-se afirmar que os dados dos Diretórios dos Grupos de Pesquisa de 1993 e 1997, apresentam graves distorções classificatórias e inconsistências de dados, as quais são potencialmente detrimentais para a Sociologia. Isto ocorre em virtude do caráter “produtivista” desta classificação, dada a ênfase em setores econômicos, associada à seleção de alguns setores propriamente sociais considerados relevantes, tais como educação, trabalho ou violência, dificultando, em nosso entender, uma classificação apropriada das linhas de pesquisa de Sociologia e das Ciências Humanas em geral, estando os setores educação e cultura superestimados.

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O Diretório - 1993 apresenta a classificação por setores de atividades dos grupos de pesquisa que desenvolvem atividades em Sociologia, cabendo apontar que, pela não obrigatoriedade do preenchimento do campo de informações associada, certamente, à dificuldade de identificar suas linhas de pesquisa com os setores propostos, apenas 35 dos 88 grupos de pesquisa em Sociologia responderam este quesito, enquanto que 53 grupos não o fizeram. Do total de 35 grupos que declararam seus setores de atividade, tem-se: 16 grupos no setor Educação; 13 no Saúde; e 13 no setor Ciências Ambientais.

Em uma recontagem por nós realizada foram identificadas 119 linhas que desenvolvem atividades de pesquisa no setor Educação; 78 no setor Saúde; 48, em Ciências Ambientais, 43, em Qualidade e Produtividade; e 23, no setor Habitação (Tabela 11). Ressalte-se que consideramos o setor de atividade Educação hiper-representado em virtude da dificuldade dos pesquisadores de identificarem na classificação por setores um setor apropriado para classificar suas pesquisas, servindo o setor educação de um tipo de “asilo dos órfãos”. Segundo dados colhidos verbalmente com pesquisadores da Antropologia e Ciência Política, este fato parece repetir-se nestas ciências.

Passando-se a análise dos dados referentes aos setores de atividade dos grupos de Pesquisa em Sociologia, pode-se afirmar que o Diretório de Grupos de Pesquisa de 1997, apresenta distorções classificatórias e inconsistências semelhantes. No Diretório de Grupos de Pesquisa de 1997, foram identificadas 113 linhas no setor de atividade Cultura (setor este incorporado na classificação a partir do Diretório de 1995); 111 linhas que desenvolvem atividades de pesquisa no setor Educação; e 75 linhas no setor Trabalho. Consideramos que parte destas, possivelmente havia se identificado nas versões anteriores do Diretório, como atuando no setor Qualidade e Produtividade. Outras auto-identificações significativas de grupos de pesquisa com a classificação por Setor de Atividade são: as de 45 com o setor Desenvolvimento Urbano; 40 linhas com o setor de atividade Desenvolvimento Rural; e 31 com o setor Saúde.

Ressalte-se que, embora tenha ocorrido uma reformulação e um aumento do número de Setores de Atividade nos Diretórios 1995 e 1997, a precária e problemática classificação original dos Setores de Atividade do Diretório de 1993 foi incorporada no de Banco de Dados de Pesquisadores Sistema Lattes, ora em implantação, o que, certamente, implica graves distorções quanto à classificação das linhas de pesquisa em Sociologia, bem como em Ciências Humanas em geral.

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Tabela 10 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA PRINCIPAIS SETORES DE ATIVIDADE DAS LINHAS SETOR DE ATIVIDADE

NO. DE LINHAS (NO. GRUPOS 35)

NO. DE LINHAS CONFORME RECONTAGEM

EDUCAÇÃO 16 119 SAÚDE 13 78 CIÊNCIAS AMBIENTAIS

13 48

QUALIDADE E PRODUTIVIDADE

4 43

HABITAÇÃO 2 23 ALIMENTAÇÃO 2 15 SANEAMENTO 1 13 BIOTECNOLOGIA 1 10 GRUPOS SEM RESPOSTA

53

Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993. Tabela 11 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 - 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA SETORES DE ATIVIDADE DAS LINHAS SETORES DE ATIVIDADE 1993 1997 CULTURA –- 113 EDUCAÇÃO 119 111 TRABALHO – 75 DESENVOLVIMENTO RURAL – 48 DESENVOLVIMENTO URBANO – 45 SAÚDE 78 31 CIÊNCIAS AMBIENTAIS 48 17 SEGURANÇA PÚBLICA E CRIMINALIDADE

– 11

QUALIDADE E PRODUTIVIDADE 43 10 OUTROS SETORES – 140 TOTAL 300 648 Sem Resposta 1993 –53 (60.02%) dos Grupos, 1997 - 43 ( 12,87%) das Linhas Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1993 - 1997

A comparação entre o Diretório de 1993 e o de 1997 indica que ocorreu uma significativa melhora quanto ao preenchimento dos dados relativos aos Setores de Atividades das linhas de pesquisa em Sociologia, tendo passado a percentagem do sem

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resposta, de um grave 60.02% (53) dos Grupos de Pesquisa em 1993, para apenas 12,87% das Linhas em 1997. Isto se deve possivelmente a uma maior disposição de informar por parte dos pesquisadores, associada ao fato de que a expansão da lista de classificação dos setores de atividade permitiu que as linhas fossem classificadas de uma forma mais clara.

Buscando-se uma verificação preliminar das principais áreas de pesquisa que foram classificadas como Outros Setores de Atividade pelos próprios pesquisadores no Diretório de 1997, reagrupamos as linhas de pesquisa de uma amostra de 40 Grupos levando em consideração os dados referentes as áreas e sub-áreas de conhecimento, as temáticas de pesquisa enunciadas nos títulos e/ou resumos de projetos, bem como as palavras-chaves propostas. As principais áreas de pesquisa identificadas são: 17 linhas realizam estudos acerca de Subjetividade, Representações Sociais e Simbolismo; 15 linhas acerca de Cultura; e 12 linhas abordam temas de Sociologia Política.

Tabela 12 DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA - 1993 - 1997 GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA OUTROS SETORES DE ATIVIDADE

SETORES DE ATIVIDADE 1997 SUBJETIVIDADE, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SIMBOLISMO

17

CULTURA 15 SOCIOLOGIA POLÍTICA 12

Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 1997 Palavras-chave

Uma amostra de 40 Grupos do total de 149 Grupos, revela que as palavras-chave

com maior número de menções por parte dos pesquisadores são: cultura (7); cidadania (7); gênero (7); movimentos sociais (5); e trabalho (4). Tem-se uma impressionante dispersão de palavras referidas como palavras-chave, o que vem a demonstrar a inexistência de uma coerência de critérios. Em algumas situações são utilizadas as áreas e sub-áreas do CNPq, em outras vezes, utilizam-se as temáticas e sub-temáticas de pesquisa, ou ainda, as categorias analíticas e conceitos teóricos empregados, revelando as opções teóricas dos pesquisadores.

Estes problemas de categorização podem tanto ser indicativos da riqueza do espectro da pesquisa em Sociologia, como também ser considerados um sintoma da crise de identidade e/ou da segmentação do campo acadêmico-científico da Sociologia no Brasil de hoje. Conclusão

Uma das constatações deste estudo é de que a “Árvore do Conhecimento” do CNPq merece ser reformulada, incorporando algumas sociologias específicas que se apresentam com densidade de tradição e de massa crítica significativas como é o caso da Sociologia do Trabalho, da Sociologia da Cultura e da Sociologia Política, para citar

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alguns exemplos. A questão da referência a áreas e/ou sub-áreas de outras disciplinas para se auto-identificar atinge graus alarmantes que podem ser tomados como sintoma da necessidade real e urgente de reforma da “Árvore do Conhecimento” do CNPq.

Pode-se também aventar a hipótese que as novas tendências de interdisciplinariedade, ou de multidisciplinariedade ou, ainda, de transdisciplinariedade estão cobrando um preço muito elevado, sendo que a questão das fronteiras disciplinares e da cooperação entre pesquisadores de disciplina diversas, parece implicar a necessidade de abrir claramente um conjunto de opções de classificação de áreas de pesquisa que as contemplem.

Pode-se apontar, também, que entre o Diretório de 1993 e o de 1997 houve uma significativa melhora quanto ao preenchimento dos dados relativos aos Setores de Atividades das linhas de pesquisa em Sociologia. Isto se deve possivelmente a uma maior disposição de informar associada ao fato de que a expansão da lista de classificação dos setores permitiu que as linhas fossem passíveis de uma melhor classificação. Todavia, persistem graves problemas quanto a consistência desta classificação das linhas por Setores de Atividades. A hipertrofia dos Setores Educação e Cultura como setores de atividade dos Grupos de Pesquisa em Sociologia não corresponde à realidade das temáticas das atividades de pesquisa em Sociologia, revelando que, na classificação dos Diretórios, não há setores de atividades claramente típicos da Sociologia e das Ciências Humanas em geral.

Outrossim, destaque-se que, apesar do aumento do número de Setores de Atividade propostos nos Diretórios de 1995 e de 1997, foi incorporada no Sistema Lates, ora em implantação, a precária e problemática classificação dos Setores de Atividade do Diretório de 1993, o que certamente implicará novamente graves distorções quanto a classificação das linhas de pesquisa em Sociologia e em Ciências Humanas em geral.

Finalmente, verifica-se que os produtos mais mencionados pelos Grupos de Pesquisa em Sociologia são os Relatórios de Pesquisa; os Artigos; os Livros; e a Orientação e/ou elaboração de Dissertações e Teses. Entre as repercussões das atividades de pesquisa desenvolvidas pelos grupos de Sociologia merecem destaque a formação de novas gerações de pesquisadores, seja pela orientação de iniciação científica ou de dissertações e teses, seja pela participação de mestres ou recém-doutores como pesquisadores-juniors nos grupos. Cabe, outrossim, mencionar as atividades de Extensão e as de Apoio a Movimentos Sociais desenvolvidas por um número significativos de grupos de Pesquisa em Sociologia .

Resumindo, pode-se concluir que: 1. O Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq é um instrumento essencial para

o conhecimento e o auto-conhecimento da comunidade científica brasileira. 2. O Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq merece todo o apoio, dedicação

e coerência no preeenchimento dos dados em todos os campos do formulário digital. 3. Cabe aos Comitês Assessores e às Associações Científicas Nacionais

colaborarem para a atualização e o Aperfeiçoamento do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, particularmente da Classificação dos Setores de Atividade.

4. Cabe aos Comitês Assessores e às Associações Científicas Nacionais colaborarem para a atualização da “Árvore do Conhecimento” do CNPq, com a incorporação de sub-áreas emergentes e a reformulação semântica que possa vir a se fazer necessária.