Surdez infantil Rastreio e Perspectivas...
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Surdez infantil
Rastreio e Perspectivas Médicas
Experiência do Hospital Maria Pia
Paulo Rodrigues *
1. Introdução
2. Nota histórica
3. Conceito de surdez
4. Audição e desenvolvimento
5. Rastreio da audição no recém-nascido
- observação do desenvolvimento
- testes comportamentais
- testes comportamentais automatizados
- audiometria de resposta cardiovascular
- reflexos acústicos
- potenciais evocados auditivos do tronco cerebral
noções básicas
conceito de criança de risco
resultados de 1998 do Hospital Maria Pia
- otoemissões acústicas
6. Próteses auditivas
7. Consulta de grupo de surdez infantil do Hospital Maria Pia
Objectivos e considerações gerais
Abordagem clínica
Resultados (etiologias)
Discussão
Tratamento
8. Prevenção
9. Rastreio universal de surdez
Agradecimentos
Bibliografia
* Médico especialista do
Serviço de Otorrinolaringologia do
Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia
Dir.: Dr. Felizardo Carvalho
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1. INTRODUÇÃO
A surdez infantil e em particular a surdez congénita grave ou profunda devem ser uma das
principais preocupações de um Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica. É pois esta uma das áreas que
tem vindo a ter um forte incremento no nosso Serviço: aumentando a disponibilidade, diferenciando o
atendimento, melhorando o tratamento e procurando fazer a prevenção da surdez através da divulgação de
conhecimentos junto das populações alvo. É precisamente neste âmbito que se insere o presente artigo.
Para se poder compreender o efeito da surdez num recém-nascido, é necessário conhecer antes de
mais o significado de alguns conceitos básicos de acústica e de fisiologia da audição, que procuramos por
isso transmitir numa linguagem tão simples quanto possível.
A partir destes conceitos, ainda que simplistas, poder-se-à compreender melhor o efeito da surdez
sobre o desenvolvimento da criança, nomeadamente ao nível da linguagem. Procuramos por isso mostrar a
extrema importância de um diagnóstico tão precoce quanto possível. Enumeramos então as várias
possibilidades existententes para se poder levar a cabo um rastreio precoce e qual a experiência e evolução
existente nesta área nas últimas dezenas de anos.
Os avanços notáveis ocorridos nos últimos 20 anos, no rastreio por otoemissões acústicas, no
diagnóstico preciso e objectivo por potenciais evocados auditivos, na melhoria das próteses auditivas e
possibilidade da sua prescrição de forma optimizada e na correcção da surdez por meios cirúrgicos são
alguns pontos focados. Referimos a este propósito qual a experiência do Serviço de Otorrinolaringologia
do Hospital Maria Pia.
Salientamos a importância das próteses auditivas como elemento básico da reabilitação auditiva,
damos alguns conceitos, cuidados e perspectivas. Procuramos fazê-lo com linguagem não especializada,
acessível a qualquer pessoa interessada nestes assuntos.
Em relação à abordagem clínica e prevenção da surdez infantil, bem como em relação à nossa
casuística, que também apresentamos, tentamos também utilizar uma linguagem simples e demos algumas
explicações para pessoas sem formação na área da saúde. No entanto, a compreensão integral do que foi
escrito nestes últimos itens só estará provavelmente ao alcance de quem tenha conhecimentos prévios
nestas áreas. Salientamos por fim a importância do Rastreio Universal de Surdez, meta que pensamos ser
possível atingir com alguma facilidade em Portugal.
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Figura 1 - Hospital Especializado de Crianças Maria Pia
2. NOTA HISTÓRICA
Quando, em 1881, por iniciativa do farmacêutico Rodrigo Guimarães e de um grupo de homens
bons do Porto, se deu início ao projecto do Hospital Maria Pia,1 destinado ao acolhimento de crianças
humildes e doentes, não se previa certamente que viesse a ser um polo de referência em todo o Norte do
País. Curiosamente, foi o Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital que, em virtude da sua capacidade
de resposta, o popularizou nos anos 50 e 60, pelo enorme número de cirurgias então realizadas. O número
de indicações para adenoamigdalectomia decaiu, mas, em contrapartida, a especialização do Serviço
aumentou.
Em 1985, o Dr. Arnaldo Matos, sob a direcção do Dr. Felizardo Carvalho, iniciou a observação e
orientação sistemática das crianças com surdez, muito auxiliado pela introdução no Hospital dos
potenciais evocados auditivos do tronco cerebral, que surgiram em 1991, pela mão do Dr. Dílio Alves,
dinâmico neuropediatra. Já em 1993 o Prof. Alberto Trancoso organiza uma consulta de grupo de surdez
infantil. Dois anos depois, é introduzido o método prescritivo de próteses auditivas e passam os potenciais
evocados auditivos a ser da responsabilidade do Serviço de ORL. Finalmente, em 1997, é estabelecido um
protocolo de colaboração com a Maternidade Júlio Dinis passando a haver um rastreio de todas as
crianças de risco dessa instituição, o que implicou quase duplicar o número de exames realizados.
3. CONCEITO DE SURDEZ
É através dos órgãos dos sentidos que nos relacionamos com o mundo exterior. No caso particular
da audição, temos a oportunidade de ter estímulos eminentemente emocionais, como a mãe que fala com o
seu bebé e apenas através do tom de voz pode prorporcionar-lhe bem estar.
Mais tarde, após o aparecimento da linguagem, essa interacção surge também, mas não
unicamente, através do conteúdo da mensagem. A audição proporciona um conhecimento do mundo
exterior através dos diversos sons agradáveis, ameaçadores, rítmicos ou simplesmente identificadores.
Proporciona, por último, no caso particular da espécie humana, a formação de um sistema superior de
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comunicação, a linguagem oral, que lhe abre as portas a um pensamento mais sistematizado ou até
abstracto.
Obviamente que não é o único modo de comunicação entre membros da espécie humana, mas é
sem dúvida o mais evoluído e simultaneamente mais fácil, e que pode surgir muito antes de haver
coordenação motora eficaz. Possibilita ainda interacção rápida mesmo enquanto se realizam outras
actividades. É pois também um sentido eminentemente social.
Para podermos melhor compreender o que é a surdez temos naturalmente que ter bem presente o
conceito de audição.
A audição é a interpretação do som ao nível do Sistema Nervoso Central. O som é uma forma de
energia física, consistindo numa vibração mecânica com capacidade de propagação em meio gasoso,
líquido ou sólido. Esta energia mede-se de forma mais conveniente em termos de pressão.2 A unidade de
som é o Bell (B) ou, na prática clínica, o décimo do Bell ou decibel (dB). Este consiste na menor pressão
necessária para provocar a sensação de audição, sendo que 1 dB = 2 x 10-5
Pascal. A escala para medição
do som é uma escala logarítmica, o que permite comprimir uma vasta gama de intensidades. A cada
aumento de 10 vezes na pressão sonora correspondem então 20 dB de acordo com a fórmula atrás
referida. Por exemplo, um nível de ruído de 80 dB tem uma pressão sonora que é mil vezes maior (103) do
que um ruído de 20 dB. Subjectivamente, 10 dB parecem ser a duplicação da intensidade e 1 dB o
equivalente à mais pequena variação de intensidade que se pode detectar em condições ideais.3
Vale a pena exemplificar na prática a que correspondem as diferentes intensidades que utilizamos:
Nível da Pressão Sonora: dB
(Sound Pressure Level - SPL)
Pressão Sonora: Pa Exemplos de equivalência
0 0.00002 Referência audiológica standard
20 0.0002 Arrastar de folhas
40 0.002 Sussurrar alto
60 0.02 Conversação calma
80 0.2 Gritar
100 2.0 Berbequim
120 20.0 Martelo pneumático
Tabela Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
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Um normoouvinte tem uma audição que vai dos 0 dB SPL (0.00002 Pa) até aos 120 dB SPL,
intensidade esta que vai provocar um vivo desconforto. Ao espaço compreendido entre estas intensidades
sonoras dá-se o nome de campo dinâmico de audição.
Após estas noções simplistas da acústica torna-se agora possível entender melhor o que é a surdez
e a sua quantificação.
Uma pessoa que tenha um audição normal tem então um limiar auditivo entre zero dB e 20 dB. Se
a perda tonal média nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz for entre 21 dB e 40 dB, considera-se
que existe uma deficiência auditiva ligeira. A voz normal é compreendida, mas isso dificilmente acontece
com a voz ciciada ou à distância.4
A esmagadora maioria dos casos de surdez nas crianças está situada neste nível. Para além da
surdez neurosensorial ligeira que possa existir, existe uma patologia muito comum nas crianças que é a
otite média com efusão ( ou otite seromucosa, “líquido no ouvido”). Esta entidade afecta de forma
persistente 35.2 % das crianças com surdez neurosensorial em idade pré-escolar, segundo um estudo em
437 crianças.5 É geralmente reversível espontaneamente ou com o auxílio de medicação. Nos casos mais
rebeldes, pode ser necessário realizar uma cirurgia sob anestesia geral para drenagem sustentada deste
derrame através da colocação de tubos de ventilação transtimpânicos.
A otite média com efusão é facilmente diagnosticada por um especialista de otorrinolaringologia
(ORL) e, embora os limiares auditivos estejam apenas ligeiramente aumentados, a sua presença na criança
pode ter efeitos prejudiciais importantes. A surdez resulta neste caso de uma diminuição da capacidade
amplificadora da caixa do tímpano, sem que haja atingimento do órgão que tranforma a energia sonora
(mecânica) em eléctrica, a cóclea, nem atingimento do nervo auditivo, que transporta essa mesma energia
eléctrica. Em virtude da acumulação da efusão, ou derrame, na caixa do tímpano, a membrana timpânica
perde então grande parte da sua mobilidade, da sua capacidade amplificadora.
Este texto não trata deste tipo de surdez, mas pela sua extraordinária incidência e prevalência, ele
complica fortemente de forma drástica graus mais elevados de surdez.
Por deficiência auditiva média entende-se uma perda entre 41 dB e 70 dB. Nestes casos, é já
necessário elevar a voz, e já se recorre frequentemente à leitura labial.
A deficiência auditiva grave situa-se entre os 70 e os 90 dB. A palavra é percebida com voz forte
junto do ouvido. Os ruídos intensos são percebidos.
A deficiência auditiva profunda situa-se acima dos 90 dB. Já não há nenhuma percepção da
palavra, e apenas ruídos muito intensos podem ser percebidos.
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Não estaremos provavelmente longe da verdade se referirmos que a prevalência da surdez
infantil é de 1-2/1000 para perdas superiores a 50 dB na população em geral e de 0.5-1/1000 para perdas
superiores a 75 dB também na população em geral. Já em relação à população proveniente das Unidades
de Cuidados Intensivos Neonatais a prevalência é de 6 -20 / 1000, o que se compreende atendendo aos
múltiplos factores de risco que estas crianças apresentam.6-7
Quando falamos em surdez infantil estamos geralmente a referir-nos a graus relativamente
elevados de surdez, mas não há, de facto, nenhum valor acima do qual se considere existir uma “surdez
infantil”. Este conceito pode ser tão abrangente que inclua graus leves de surdez ou tão restrito que
considere apenas os casos de surdez profunda. Esta falta de precisão na quantificação objectiva de
limiares contribui para algumas das diferenças de prevalência entre os diferentes autores. Afinal é
igualmente correcto afirmar que a prevalência da surdez na criança é de 20% ou que é apenas de 0.1%,
desde que se defina claramente qual o grau de surdez e a idade das crianças a que se refere essa
percentagem.
O estímulo sonoro vai entrar no canal auditivo externo, vai fazer vibrar a membrana timpânica,
que, através dos ossículos do ouvido médio (martelo, bigorna e estribo), transmite essa energia mecânica a
uma membrana cerca de 20 vezes menor e proporcionando dessa forma a amplificação do estímulo. É
habital dizer tratar-se de um efeito de alavanca. Na cóclea, essa energia mecânica é recebida e
transformada em energia eléctrica, sendo esta em seguida transmitida ao sistema nervoso central, onde é
descodificada e interpretada.
Figura 2 - Trajecto seguido pela onda sonora e sua transformação em energia eléctrica
É geralmente por mau funcionamento da cóclea que surgem os graus mais acentuados de surdez,
de que trata este texto. A surdez resultante do atingimento das células sensoriais da cóclea é denominada
surdez neurossensorial. 8 A surdez que resulta de um impedimento de transmissão do som na membrana
timpânica (ou qualquer outro local anterior à cóclea) é denominada surdez de transmissão. Este tipo de
surdez é geralmente mais facilmente tratável e mais leve do que o anterior.
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4. AUDICÃO E DESENVOLVIMENTO
“Numa surdez neurossensorial, um diagnóstico precoce é condição fundamental para uma
reabilitação eficaz. É que o desenvolvimento da audição e a aquisição da linguagem têm um período
crítico que não pode ser ultrapassado”. 9 O Dr. António Pinho e Melo resumiu nesta frase, há já perto de
20 anos, os mais importantes conceitos que norteiam a actividade médica em termos de abordagem da
surdez infantil.
A audição tem início durante a vida intra-uterina, aos 5 - 6 meses de idade gestacional. Nos
prematuros de 25 semanas é já possível detectar audição por métodos objectivos como os potenciais
evocados auditivos do tronco cerebral, mas apenas a intensidades muito elevadas, da ordem dos 75 dB. Às
30 semanas o limiar por este método já será de 50 dB apenas, e às 35 semanas já se aproximará mais do
limiar do adulto. 10
A somar a estes dados electrofisiológicos acrescente-se que os recém-nascidos reagem a
intensidades sonoras mais baixas quando ouvem a voz materna: preferem a voz da mãe, como referem De
Casper e Fifer.11 Experiências efectuadas com medições sonoras intrauterinas revelaram que 64% dos
fonemas maternos e 57% da fala masculina é reconhecida quando gravada in utero e reproduzida para
outros interlocutores. Há essencialmente nestas condições um abafamento dos sons agudos, isto não
impedindo que as frequências mais baixas sejam bem audíveis.
Durante este período de cerca de 3 - 4 meses entre o início da audição e o nascimento de termo, a
densidade aumentada da mielina (maturação) também se reflecte na velocidade de condução das vias
auditivas, que é inicialmente bastante mais lenta.
A mielinização (maturação) completa do sistema nervoso central só se obtem no entanto aos 2
anos de idade, o que também é possível evidenciar pelo tipo de traçado dos potenciais evocados auditivos.
Durante estes 2 anos o cérebro da criança triplica de peso, sendo um período fundamental na reabilitação
auditiva, já que será o período de impregnação linguística da criança normal.12
Em particular durante o primeiro anos de vida, o contacto com o som e provavelmente com a fala
é de extraordinária importância. Embora durante este período as crianças não consigam reproduzir
palavras, já têm uma notável capacidade para distinguir diferentes sons falados, reconhecer nomes de
objectos falados, interpretar o tom de voz. De facto, crianças com menos de 6 meses de idade têm uma
capacidade superior aos adultos para discriminar sons falados de idiomas diferentes do da sua prórpia
família.13 Por esta idade, a criança já terá aprendido todos os sons básicos da sua língua nativa.14 A
extrema plasticidade cerebral nesta fase da vida necessita de adquirir uma forma que lhe é fornecida pelo
8
ambiente, neste caso pelos estímulos sonoros. E no caso de isso não acontecer poderá haver efeitos
negativos dramáticos de difícil reversão.
Estes conceitos, não sendo recentes, têm vindo a ser confirmados por vários trabalhos científicos
realizados nesta área. A destruição da cóclea ou a desaferenciação por outros meios produz alterações em
áreas mais centrais do sistema nervoso central. Em gatos adultos, a destruição da cóclea leva a uma
diminuição da área celular do núcleo coclear ventral, mas não altera o número de células ao fim de 60
dias.15 Pelo contrário, a remoção da cóclea em ratos em crescimento leva a alterações rápidas e profundas,
não só no tamanho celular, mas também no próprio número de células e campos dendríticos
(comunicações), que diminuem acentuadamente.16
Foi também possível demonstrar que alterações deste tipo são inicialmente reversíveis (ao dar, por
exemplo, ototóxicos de curta duração),17 mas de qualquer forma, os efeitos num ser em desenvolvimento
são sempre muito mais dramáticos do que num adulto.
Resumindo, podemos afirmar que os centros corticais, o local do cérebro onde se faz a
intrepretação do estímulo auditivo são imaturos ao nascimento, e são idênticos em todos os recém-
nascidos, tenham ou não surdez, já que habitalmente não existem lesões associadas do sistema nervoso
central. A maturação destes centros corticais vai ser função do tempo e da estimulação.18 É neste último
ponto que adquirem então extraordinária importância as próteses auditivas. Ao fornecerem um estímulo
sonoro que de outra forma não seria audível, vão modificar profundamente o ambiente em que se insere a
criança, modelando verdadeiramente o córtex cerebral (onde se faz a integração auditiva), durante o
chamado período crítico em que é possível que isso aconteça. Este período, que se considera ser até cerca
dos 3 anos, prolongar-se-à provavelmente até aos 4 - 5 anos. Estas idades são apenas uma referência
grosseira. A aquisição da linguagem pode considerar-se balizada no seu início pela maturação do sistema
nervoso central, cuja mielinização pós-talâmica se inicia apenas após o nascimento.19 O limite final é
contudo menos preciso, havendo provavelmente após os 2 - 3 anos uma progressiva “rigidez” do sistema
nervoso central, que lhe vai diminuindo a capacidade de aquisição da linguagem, até praticamente se
extinguir por completo a capacidade de interpretar o significado do estímulo sonoro se nunca tiver havido
estimulação deste tipo.
A colocação de próteses auditivas (ou implantes cocleares) em adolescentes que nunca tiveram
experiência auditiva são geralmente um fracasso em termos funcionais, podendo até ser altamente
incomodativas. O estímulo sonoro é então apenas um estímulo estranho ao prórpio organismo, que não o
reconhece, nem tem já capacidade para que isso venha a acontecer.
9
Levitt realizou em 1987 um estudo sobre o desenvolvimento da linguagem em 120 crianças dos
10 aos 14 anos, durante um período de 4 anos. As perdas variavam de 40 dB a mais de 80 dB. O
resultado foi surpreendente. Concluiu que a idade de identificação da surdez não só era de extrema
importância como era a variável mais importante para o desenvolvimento da linguagem! 20 A linguagem e
a capacidade de aquisição de conhecimentos não estavam relacionadas com o grau de surdez mas com a
altura do seu diagnóstico, sendo comparáveis a capacidade linguística de surdos profundos identificados
precocemente (e devidamente orientados) com a de crianças que apresentavam graus leves de surdez (até
40 dB) identificados mais tardiamente.
A inteligibilidade da fala, pelo contrário, foi directamente proporcional ao grau de surdez da
criança.
Este estudo foi posteriormente confirmado e complementado em virtude do rastreio universal de
surdez entretanto iniciado no início dos anos 90, nomeadamente nos EUA, no estado do Colorado.
O imenso aporte de crianças diagnosticadas abaixo dos 6 meses de idade permitiu a sua
comparação com crianças cujo diagnóstico foi mais tardio, entre os 12 e os 36 meses de idade.
Foram avaliados 20 pontos do quociente de desenvolvimento, havendo uma diferença
estatisticamente significativa entre as crianças com diagnóstico anterior e posterior aos 6 meses.21-22 Havia
mesmo, no grupo de identificação precoce, uma capacidade de desenvolvimento da linguagem dentro de
parâmetros normais.
Curiosamente, crianças com surdez de grau médio não apresentavam melhores quocientes de
desenvolvimento do que crianças com surdez profunda.
Estes estudo de resultados desconcertantes têm vindo a ser confirmados por outros mais recentes e
merecem realmente uma profunda reflexão sobre a necessidade de se realizar um rastreio universal de
surdez.
Em Portugal, a realização deste objectivo não parece ser difícil de conseguir, em virtude do
existente Serviço Nacional de Saúde. Mais difícil será porventura a constituição e correcta articulação da
equipa multidisciplinar encarregue de reabilitar a criança surda: pais, médico assistente,
otorrinolaringologista, audiologista/audiometrista, audioprotesista, professor do ensino especial, terapeuta
da fala, psicólogo, assistente social...
10
5. RASTREIO DE AUDIÇÃO NO RECÉM-NASCIDO
Pela extrema importância da detecção precoce da surdez, como atrás foi referido, vale a pena
discutir quais os meios de realizar a avaliação auditiva no recém-nascido, e em que casos é que deve
proceder-se a tal avaliação.
O exame ideal é o que possa realizar-se logo após o nascimento, em qualquer tipo de ambiente
sonoro, que seja rápido, barato, não necessite de aparelhagem pesada nem de pessoal especializado, e que
seja 100% fiável (100% sensível e 100% específico). Esse exame ainda não existe. No entanto, têm-se
vindo a conseguir cumprir muitos dos objectivos do exame ideal, como veremos.
A outra questão que se coloca é então quem deve ser submetido ao rastreio de audição.
Avaliação/Rastreio da Audição
Exceptuando-se os casos em que a existência de surdez parecia ser provável dado o contexto
clínico, a detecção da surdez ficou desde sempre a cargo dos pais ou de outros familiares. De facto,
quando os pais de uma criança suspeitam que ela ouve mal, raramente se enganam.
Sistematizando a evolução da audição na criança, McCormick realizou um teste que permite aos
pais objectivar um pouco mais a existência da audição.23 Pouco após o nascimento, a criança reage a sons
muito altos com um sobressalto, ou cerrando ou abrindo muito os olhos. Pelo mês de idade, pode
suspender a actividade (sucção, movimento) quando se inicia um barulho prolongado subitamente (por
exemplo um aspirador).
Aos 4 meses, pode ficar sossegada ou sorrir ao ouvir uma voz mesmo sem conseguir ver quem a
pronunciou, podendo já virar os olhos ou a cabeça nessa direcção. Aos 7 meses, já se volta imediatamente
para o local da voz ou procura pequenos ruídos realizados ao lado da cabeça, desde que não esteja
distraída com qualquer outra coisa. Aos 9 meses, já ouve atentamente os seus familiares e procura a
origem de ruídos muito baixos que não consegue identificar. Já gosta de palrar alto e de forma tonal. Aos
12 meses, já responde ao nome e ao “não”, e pode responder à palavra “adeus” mesmo na ausência do
gesto que habitalmente acompanha esta palavra. Estas noções são úteis em termos de saber qual a normal
evolução da criança em relação aos estímulos sonoros, mas são obviamente muito pouco precisas para se
poder fazer um rastreio com base apenas na observação dos familiares mais próximos.
11
Testes Comportamentais
Nos anos 50-60 a avaliação da audição em numerosos centros baseava-se nos testes
comportamentais, avaliando-se até aos 6 - 7 meses os reflexos incondicionados, isto é, aqueles que surgem
espontaneamente sem requerer qualquer aprendizagem. Para crianças com menos de 6 meses de idade, o
teste consiste na observação da reacção da criança em sono pouco profundo, produzindo-se um som a 70 -
80 dB durante 2 segundos, e verificando-se se existe abertura dos olhos, encerramento forçado das
pálpebras, algum movimento, o acordar, ou até um sobressalto, nos 3 segundos que se seguem à emissão
do estímulo.19 O teste é repetido 2 vezes, devendo haver confirmação dos resultados.
Se houver apenas uma resposta positiva, aumenta-se a intensidade do som para 90 - 100 dB. Este
teste tem algumas características muito interessantes, como ser rápido, barato, não necessitar de
equipamento sofisticado e ser realizável em qualquer local sem ruído excessivo. No entanto, a sua
sensibilidade e especificidade são altamente variáveis em diferentes estudos, o que o torna menos
credível.24-25 Não se pode ter grande certeza na ausência de audição, no caso da criança ter ausência de
resposta à estimulação, nem afirmar que a criança ouve bem se tiver havido qualquer reacção que possa
ser entendida como uma resposta.
Testes Comportamentais Automatizados
Na tentativa de eliminar o componbente subjectivo da avaliação auditiva, surgiram em meados
dos anos 70 o Crib-o-gram (Simmons) e o Auditory Response Craddle (Bennett).
No Crib-o-gram, faz-se o registo gráfico da actividade no berço durante os 10 segundos que
antecedem a emissão do estímulo sonoro e nos 6 segundos que o sucedem. As respostas motoras da
criança ficam então gravadas através das oscilações do berço, e são posteriormente analisadas. Em
crianças da população em geral haverá 8% de falsos positivos, subindo esta percentagem para os 20% nas
crianças provenientes das unidades de cuidados intensivos.
Estas percentagens podem ser consideradas aceitáveis. No entanto, os trabalhos de Durieux-
Smith, comparando esta técnica com os potenciais evocados foram francamente desencorajadores: 50%
das crianças que passavam o rastreio dos PEATC falhavam o Crib-o-gram, enquanto que 30% das
crianças com perdas moderadas nos PEATC passavam no Crib-o-gram.26
No Auditory Response Craddle, faz-se o registo das respostas comportamentais também a
estímulos intensos de 85 dB. A almofada do berço, um cinto que envolve o tórax do recém-nascido e
12
mangas que lhe envolvem os membros monitorizam a resposta. Este teste parece dar resultados bastante
satisfatórios.27 Em 6000 crianças testadas por este método e seguidas durante 3 anos verificou-se que
apenas em 102 (1.7%) falharam dois testes, havendo algum grau de surdez em 20 deles. Apenas nas
crianças provenientes de Unidades de cuidados intensivos esta técnica parece ser pouco interessante.
Não deixa no entanto de ser uma técnica que utiliza estímulos de alta intensidade, morosa, com
equipamento delicado, de difícil manutenção e sempre dependente do estado geral da criança.
Audiometria de Resposta Cardiovascular
Nos anos 60 e 70 depositou-se grande esperança no registo das alterações do ritmo cardíaco em
resposta a estímulos sonoros para rastreio da audição em RN. No entanto, foi observada uma
variabilidade de resposta excessiva, pelo que foi abandonada.
Rastreio por Reflexos Acústicos
Um som com uma intensidade de 70 dB acima do limiar auditivo provoca uma contracção reflexa
de um pequeníssimo músculo do ouvido médio (músculo do estribo), que protege a cóclea de ruídos muito
intensos que a podem deteriorar. É, de certa forma, um “corta-corrente”. Estes reflexos surgem cerca de
70 dB acima do limiar auditivo.
Surgiram aparelhos capazes de detectar esta contracção e assim avaliar objectivamente a audição,
mediante a emissão dum estímulo intenso com a frequência de 220 Hz. São leves, portáteis e fáceis de
manusear em qualquer local. Verificou-se que, se a frequência do som emitido fosse de 660 Hz e não da
frequência habitualmente utilizada poderia ser um instrumento interessante pelos resultados obtidos. Se o
estímulo emitido fosse de 800 Hz obter-se-iam mesmo reflexos em 100% dos indivíduos normais.28No
entanto, basta que haja uma surdez de transmissão no ouvido médio de apenas 10 dB para que o reflexo já
esteja ausente em 80% dos casos.29 Ora, como é frequente haver este tipo de surdez em lactentes sem que
isso tenha significado clínico, surge então um número excessivamente elevado de falsos positivos.
A divulgação, durante o período em que se estudavam as possibilidades deste exame, dos
potenciais evocados auditivos, relegou-o para segundo plano como método de avaliação objectivo da
audição.
13
Potenciais Evocados Auditivos do Tronco Cerebral (PEATC)
Constituem o melhor método objectivo para testar a audição no lactente. Descrito pela primeira
vez no homem em 1970 por Jewett, exte exame veio revolucionar a avaliação objectiva da audição no
homem, continuando a ser o melhor método disponível.30
Como teste de rastreio da audição no lactente é extremamente válido e fiável. Permite verificar a
existência de audição no lactente mesmo na presença de outras patologias associadas, o que sucede com
alguma frequência em crianças provenientes de Unidades de Cuidados Intensivos.
No final dos anos 70 e princípio dos anos 80 popularizou-se em todo o mundo, iniciando-se a sua
prática no Hospital Maria Pia em 1991.
Este exame consiste no registo computorizado do sinal eléctrico amplificado transmitido a
eléctrodos colocados na cabeça da criança que, imóvel, é submetida à estimulação sonora. Ne écran do
computador surgem então ondas que correspondem ao avanço do sinal eléctrico desde o nervo auditivo até
regiões localizadas na profundidade do cérebro.
Através da análise da morfologia, amplitude e principalmente da latência das ondas, podemos
concluir se a criança ouve e, no caso de haver aumento de latência (o que indicará surdez), se essa surdez
é de transmissão (localizada no ouvido médio) ou neurossensorial. Mais ainda, neste último caso
determinar se essa surdez se situa na cóclea (surdez coclear) ou em estruturas cerebrais (surdez
retrococlear). No caso da ausência total de resposta, haverá então uma surdez completa ou cofose.
Figura 3 - Exemplo de um exame normal realizado no Serviço
As ondas são numeradas de I a V, sendo esta última a mais importante, já que é a última a
desaparecer quando se diminui o estímulo sonoro.31 Mantém-se até 10 dB acima do limiar auditivo. Esta
onda V, surge às 25 semanas de vida intrauterina a 75 dB32 e a 50 dB no recém-nascido, normalizando
progressivamente a sua latência até aos 2 anos de vida à medida que se vai dando a maturação do sistema
nervoso central. Como surge cerca de 10 dB acima do limiar auditivo, permite então saber qual a
intensidade a que a criança ouve, e não a intensidade a que a criança se assusta ou reage vivamente ao
som, como nos testes comportamentais que já abordámos anteriormente.Resumindo, trata-se de um teste
objectivo, muito sensível e específico, com boa determinação do limiar, e que permite testar os dois
ouvidos separadamente.33
14
Tem, no entanto, algumas desvantagens importantes. Só avalia a audição dos 2000 aos 4000 Hz,
isto é, as frequências muito agudas. Nada nos diz sobre a audição dos sons graves, onde se situam as
frequências da fala, e por conseguinte as frequências mais importantes para a aquisição precoce da
linguagem pela criança. E é justamente nas frequências graves que as crianças com surdez acentuada têm
resíduos auditivos, isto é, possuem alguma audição. Pode por isso considerar-se um exame pessimista:
temos na nossa consulta crianças que, embora lhes fosse diagnosticada uma surdez completa pelos
PEATC, chegaram à oralidade sem qualquer dificuldade, com excelente inteligibilidade, pois tinham uma
audição relativamente boa nas frequências graves.
Por outro lado, as crianças necessitam de estar imóveis, o que dos 5 - 6 meses até aos 3 - 4 anos
só se consegue mediante sedação profunda.34 Isto complica extraordinariamente a realização do exame, já
que se for feito no bloco operatório, poderão surgir múltiplas interferências no traçado, não se obtendo
frequentemente respostas concludentes.
Por último, não testam a função cortical, isto é, a integração, a compreensão do que se ouve, o
que também é obviamente uma limitação.
Utilização dos PEATC no Hospital Maria Pia
Em 1970 diversas associações americanas relacionadas com a otorrinolaringologia (AAOO -
American Academy of Oftalmology and Otolaringology), a pediatria (American Academy of Pediatrics) e
a audição e a fala (ASHA - American Speech and Hearing Association) reuniram-se para discutir a
utilidade de um rastreio de surdez no recém-nascido. Nasceu assim o Joint Committee on Infant Hearing
norte-americano. Este grupo constatou na altura a grande importância de uma detecção precoce da surdez,
mas dada então a impossibilidade de um rastreio universal, optou por criar o conceito do recém-nascido
com alto risco de surdez. Enumerou enão em escassos pontos quais as crianças a serem submetidas a
avaliação auditiva. Progressivamente, o conceito de criança de alto risco foi sendo aperfeiçoado e
ampliado até à sistematização de 1994, que ainda se encontra em vigor, e que utilizamos como referência
no nosso Serviço. É poventura uma das mais completas e actuais listas que apontam quais as crianças que
possuem um risco mais ou menos acentuado de surdez.35
Este registo de crianças de alto risco evidencia conceitos extremamente importantes do ponto de
vista didático, que sistematizam, não só o risco de surdez pré-natal, mas também nos alertam para a
surdez de início tardio, para a surdez progressiva ou para a surdez adquirida.
15
Não nos podemos esquecer, no entanto, que, mesmo utilizando critérios de risco tão completos,
apenas cerca de 50% de crianças com algum grau de surdez apresentam um destes critérios. Ou seja,
utilizando estas indicações de rastreio, metade das crainças com surdez não vão ser identificadas até
idades já muito tardias. Em geral, só por volta dos 2 - 3 anos é que se faz o diagnóstico da surdez em
crianças que não são submetidas a qualquer teste auditivo.
A - Recém-nascido (0-28 dias), quando não existe rastreio universal.
1. História familiar de surdez infantil neurossensorial hereditária
2. Infecção intrauterina por citomegalovirus, rubéola, sífilis, herpes ou toxoplasmose.
3. Anomalias craneo-faciais, em particular alterações morfológicas do pavilhão e do canal auditivo.
4. Peso ao nascimento inferior a 1500g.
5. Hiperbilirrubinemia a necessitar de exsanguíneotransfusão
6. Medicação ototóxica, em particular aminoglicosídeos em combinação com diuréticos da ansa.
7. Meningite bacteriana
8. Índices Apgar 0 - 4 no 1º minuto ou 0 - 6 aos 5 minutos
9. Ventilação mecânica com duração igual ou superior a 5 dias.
10. Estigmas ou outros achados associados a síndrome em que pode surgir surdez neurossensorial, de
transmissão, ou ambas
B - Crianças dos 29 dias aos 2 anos
1. Pais, ou encarregados de educação, preocupados em relação à audição ou atraso de linguagem
2. Meningite bacteriana e outras infecções relacionadas com surdez neurossensorial
3. Traumatismo craneano associado a perda de consciência ou fractura craneana
4. Estigmas ou outros achados associados a síndrome em que pode surgir surdez neurossensorial, de
transmissão, ou ambas
5. Medicação ototóxica, em particular aminoglicosídeos em combinação com diuréticos da ansa.
6. Otite média com efusão recorrente ou persistente com duração superior a 3 meses
C - Crianças dos 29 dias aos 3 anos que necessitam de monitorização periódica da audição.
Indicadores associados ao início tardio da surdez:
1. História familiar de surdez infantil hereditária
2. Infecção intrauterina por citomegalovirus, rubéola, sífilis, herpes ou toxoplasmose
3. Neurofibromatose tipo II e doenças neurodegenerativas
4. Hipertensão pulmonar persistente no período neonatal
Indicadores associados a surdez de transmissão:
1. Otite média com efusão recorrente ou persistente
2. Deformidades anatómicas ou outras alterações que atinjam a função tubar
3. Doenças degenerativas
Os potenciais evocados auditivos do tronco cerebral são realizados no nosso hospital com um
aparelho Neuropack II plus desde 1991 e desde 1997 também com um aparelho Ratia-alvar. Estes
16
exames são efectuados em lactentes com cerca de 3 meses de idade (idade corrigida). Pensamos que nesta
idade será atingido provavelmente o melhor compromisso entre a obtenção de resultados fiáveis (embora
ainda interpretados à luz do estadio de maturação) e o benefício de um diagnóstico precoce, além de não
ser ainda necessário realizar qualquer sedação.36 Simplesmente mandamos acordar a criança pela manhã
um pouco mais cedo do que o habitual, devendo apresentar-se em jejum. Antes do exame dá-se então o
biberão de leite, que se revela um excelente sedativo no lactente esfomeado e cheio de sono.
A partir dos 5 - 6 meses e até aos 3 - 4 anos já é muito difícil manter a criança imóvel sem a ajuda
de fármacos. Usamos então o pentobarbital de sódio (nembutal) rectal no dose de 5 mg / Kg. A criança
adormece durante pouco tempo, mas é geralmente o suficiente para efectuar o exame.
Figura 4 - Aspecto da realização do exame; a criança permanece tranquilamente ao colo da
mãe.
Em relação aos dados obtidos relativos apenas ao ano de 1998, verificamos que foram efectuados
354 exames, dos quais 149 foram realizados em lactentes provenientes da Maternidade Júlio Dinis, 53 da
Unidade de Cuidados Intensivos/ Consulta de Desenvolvimento do H. Mª Pia e 28 da Consulta de
Neuropediatria também do nosso hospital.
Por estes dados verifica-se já o peso do número de crianças que realiza os potenciais evocados
auditivos para despiste de surdez. Em relação à idade, verifica-se que a esmagadora maioria realiza o
exame antes dos 6 meses de idade. É portanto um bom indicador da nossa actividade em termos de
rastreio precoce. Cerca de metade dos exames são realizados antes do ano de idade. Se nos lembrarmos
que muitas das indicações para realização dos potenciais evocados auditivos surgem mais tardiamente,
isso significará que estaremos no bom caminho em termos de rastreio precoce.
Um dado curioso dos resultados de 1998 é que cerca de metade dos casos de surdez profunda
poderão ter como causa a prematuridade, como se vê na tabela.
11 anos
7 anos
3 anos
<6 meses
0 20 40 60 80 100 120
11 anos
7 anos
3 anos
<6 meses
Idade da realização dos PEATC/1998
(n = 354)
17
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Idade da realização dos PEATC/1998
(n=354)
Até 1 ano
Após 1 ano
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Resultados n= 354 %
Normal 251 71
Surdez de transmissão bilateral 43 12
Surdez de transmissão unilateral 13 4
Surdez neurossensorial bilateral 18 5
Surdez neurossensorial unilateral 12 3
Inconclusivo 14 4
Não adormeceu com pentobarbital 3 1
Tabela Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Causa da surdez nº
Peso à nascença < 1500 g 7
Congénita de causa desconhecida 3
Meningite bacteriana 2
Consanguinidade 1
Síndrome dismórfico não esclarecido 1
Displegia espástica 1
Tabela Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
18
Otoemissões acústicas
Após a revolução dos potenciais evocados, surgiu uma nova revolução em 1978, quando
Kemp descobriu as otoemissões acústicas (OEA) ou emissões otoacústicas. Trata-se de sons
captáveis no canal auditivo externo e gerados por algumas células especializadas da cóclea (células
ciliadas externas). Estes sons, emissões cocleares, são gerados como um subproduto da actividade
biomecânica da cóclea, podendo ser espontâneos ou provocados (evocados). Surgem espontaneamente
apenas em 40 - 60% dos ouvidos normais, não tendo por isso grande importância clínica na criança.27
Pelo contrário, as otoemissões acústicas provocadas são mensuráveis em praticamente todos os sistemas
auditivos periféricos com função normal. Existem dois tipos de métodos de medida correntemente usados
na clínica: as otoemissões dos produtos de distorção e as otoemissões acústicas transitórias.37-38
Em ambos os casos o sistema da medição inclui uma sonda que se coloca no canal auditivo
externo de forma estanque que contém um microfone destinado a captar a energia acústica e um
microaltifalante (no caso das otoemissões acústicas transitórias) ou dois microaltifalantes (no caso das
otoemissões acústicas dos produtos de distorção) que enviam o estímulo sonoro. O sinal captado pelo
microfone é então amplificado e a sua média computorizada de forma a aumentar a relação sinal / ruído.
No caso das otoemissões acústicas dos produtos de distorção, as otoemissões são específicas de
frequência. O estímulo sonoro é enviado pelos dois microaltifalantes, composto por dois sons puros de
frequência muito semelhante. A cóclea vai então emitir sons com frequência diferente da dos sons que a
estimularam. A resposta é medida ainda durante a emissão dos estímulos sonoros.
Surge de forma não linear, muito próxima da frequência dos estímulos que a provocaram. Isto
permite então testar frequência a frequência o funcionamento da cóclea, habitalmente dos 700 aos 6000
Hz. Por outras palavras, permite obter um verdadeiro audiograma objectivo: um “DPgrama”.39
No caso das otoemissões acústicas transitórias, apenas um microaltifalante é utilizado. A energia
acústica no canal auditivo externo é medida no espaço de tempo de 20 ms, logo após a cessação do
estímulo sonoro. Este é o tempo que demora a haver a dissipação do estímulo no canal auditivo, mas a
energia acústica medida nessa altura inclui já as emissões cocleares.
O único aparelho disponível comercialmente para medir as otoemissões transitórias é o ILO 88
(Otodynamics, Ltd.). Há a emissão de um estímulo tipo click. É não linear, por apresentar estímulos em
grupos de 4 : 3 de igual amplitude e um de polaridade invertida e amplitude 3 vezes superior. Este pulso
invertido anula ficazmente os outros 3 pulsos na resposta computorizada média eliminando assim
19
artefactos. A restante resposta acústica não linear no canal auditivo externo é então o resultado da
emissão coclear.
O ILO 88 emite 520 grupos de clicks, com uma intensidade em geral de cerca de 80 dB pe SPL,
cuja resposta é registada alternadamente em 2 gravadores. Estes 260 grupos de respostas de cada
gravador são comparados no écran dando-nos então imediatamente a reprodutibilidade. Quanto maior a
correspondência (reprodutibilidade) entre os traçados, maior a confiança de que uma emissão está
presente. Se houver uma reprodutibidade inferior a 50%, não se deverá considerar isso como uma
verdadeira resposta.
O aparelho possui também sistema de rejeição de ruído automático, interrompendo a emissão de
estímulos quando o ruído ambiente é superior a 47.3 dB SPL. O espectro frequencial situa-se entre os 500
e os 4000 Hz. Tal como nos potenciais evocados auditivos, as otoemissões acústicas estão presentes no
recém-nascido, mesmo nos prematuros de risco. O recém-nascido normoouvinte tem aliás a melhor
resposta, a mais forte, sendo em média de 25 a 30 dB SPL.
A amplitude da resposta das otoemissões acústicas tende a diminuir com a idade. Haverá uma
intensidade média de 20 db SPL até aos 10 anos, 17 db SPL dos 10 aos 20 anos e 10.9 db SPL dos 20 aos
30 anos de idade.39
Em boas condições o tempo necessário para testar cada ouvido é inferior a 1 minuto. Em
condições muito deficientes (ruído, má colaboração, etc), este tempo poderá ser alargado até 10 minutos.
De facto, é em geral um teste de muito rápida execução, com um sistema simples de medição, fiável,
objectivo e que requere uma preparação mínima do doente. Tem vindo a ser executado por pessoal não
médico (nem audiologista nem audiometrista) a quem são fornecidas em poucos dias as noções básicas de
funcionamento.
Parece estarmos a chegar próximo do exame ideal descrito no início deste capítulo...40
20
6. PRÓTESES AUDITIVAS
Como vimos anteriormente, a educação da criança surda passa obrigatoriamente pelo uso de
próteses auditivas o mais precocemente possível. A colocação de uma prótese num adulto é um processo
relativamente simplificado. Ele vai indicar-nos se o molde o magoa, se o ruído provocado pelo ambiente é
desagradável, se sente efectivamente benefício, o que também podemos objectivar facilmente, etc. Numa
criança, tudo isto se vai complicar.
Há vários tipos de próteses auditivas. Até há pouco mais de 10 - 15 anos, eram frequentemente
utilizadas no nosso Serviço as próteses de caixa. Estas são capazes de amplificações muito grandes, já que
o auscultador está bem separado do microfone e do amplificador, diminuindo muito o risco de feed-back
(“apitar” ou efeito de Larsen). Estavam pois indicadas sempre que havia um grau profundo de surdez.
Entretanto, as próteses retroauriculares foram sendo aperfeiçoadas atingindo uma capacidade de
amplificação semelhante à das próteses de caixa. O seu tamanho também tem diminuído, nomeadamente
no caso das próteses muito potentes, que doutro modo não poderiam ser colocadas no pavilhão auricular
dum recém-nascido. São pois estas próteses que prescrevemos quase sempre, já que são excepcionais os
casos em que existe atresia (inexistência) bilateral dos pavilhões auriculares ou dos canais auditivos
externos.
As próteses intracanalares (que se colocam totalmente no canal auditivo externo), não permitem
amplificação tão grande, são mais caras, têm menor duração das pilhas e estão mais sujeitas ao efeito de
Larsen, já que o microfone e o auscultador estão muito próximos. Naturalmente, têm também que ser
substituídas à medida que cresce o canal auditivo externo da criança, já que elas são o próprio molde da
prótese. Estão reservadas a adolescentes com perdas moderadas que já não querem usar prótese
retroauriculares.
O diagnóstico de surdez num recém-nascido é um acto complicado. Embora raramente, é inegável
a existência de falsos positivos, mesmo com os potenciais evocados, em particular se realizados no bloco
operatório. Não só não possuímos nesse local um fio de terra apropriado ao aparelho como as
interferências do restante equipamento utilizado são inevitáveis. Após a repetição dos potenciais evocados
auditivos, se necessário, a confirmação de surdez pelos testes comportamentais e com a concordância dos
pais (que observam atentamente este último tipo de testes igualmente) são prescritas as próteses auditivas.
Fazemos então a prescrição das próteses de forma empírica. No caso, por exemplo, de uma cofose
nos potenciais evocados auditivos, colocamos próteses auditivas retroauriculares muito potentes
bilateralmente logo no início.
21
A criança tem tendência a retirá-las e a brincar com elas. Explicamos aos pais a imperiosa
necessidade dela as usar sempre que possível. A criança deverá colocar as próteses logo de manhã e
retirá-las apenas à noite. Mesmo considerando que possa haver um período de adaptação, este não poderá
ir para além de um mês, o que já é muito tempo. É possível que, em algumas situações especiais, por
exemplo, em locais de ruído muito intenso, seja preferível desligar as próteses transitoriamente. O perigo
de sobreamplificação é real, já que como referimos, os potenciais evocados auditivos são um exame
pessimista. Pode haver bons resíduos auditivos nos graves que os potenciais evocados auditivos não
detectam. Por isso mesmo, sendo essenciais, os testes comportamentais vão-nos orientar também na
escolha da amplificação adequada.
À medida que vai sendo possível realizar um audiograma, torna-se então possível fazer correcções
mais adequadas.
Utilizamos no Serviço o analisador de próteses auditivas Rastronics, que nos permite, em função
do audiograma e das condições acústicas do canal auditivo externo, idealizar o ganho da prótese auditiva.
Com base nos limiares auditivos, sempre que os é possível obter, utilizamos então o método
prescritivo de próteses auditivas. Introduzimos o resultado do audiograma no referido analizador de
próteses e, em seguida, através de uma sonda colocada no canal auditivo externo avaliamos as condições
de ressonância do canal (o canal amplifica habitualmente as frequências de 3000 - 4000 Hz). A partir
destes resultados seleccionamos o método de cálculo pretendido que o computador do aparelho traz
incorporado (NAL ou POGO). Habitalmente, utilizamos o sistema NAL (National Acoustics
Laboratories), que nos vai então indicar qual a amplificação necessária para que a audição seja o mais
confortável possível ao nível das frequências da fala. Em função destes resultados, escolhemos então a
prótese mais adequada previsivelmente (grande potência, potência média, com amplificação preferencial
nos graves, etc) e regulamos os filtros passa alto, passa baixo e PC - peak clipping41 (corta-picos ou
corta-cristas) de modo a fazer coincidir o ganho ideal com o ganho real medido através da sonda ao nível
da membrana timpânica com a prótese colocada.
Figura 5 - A sonda vai captar o ganho real ao nível da membrana timpânica de um som
emitido a 60 dB a 1 metro de distância e ao mesmo nível do pavilhão auricular
Em relação à forma como é amplificado o som, há presentemente dois tipos de próteses auditivas:
as analógicas e as digitais. As analógicas são as que estamos neste momento a prescrever no Serviço.
Chamam-se analógicas porque transformam uma forma de energia, a sonora, num outro tipo de energia, a
22
eléctrica (e vive-versa) de forma directa. As digitais são de divulgação mais recente (1996) e codificam o
sinal sonoro num código digital, numérico, que nada se assemelha ao som que lhe deu origem.42 Este
código é em seguida processado por forma a obter uma amplificação que possa ser mais confortável, ou
melhor, dentro de objectivos que sejam previamente estabelecidos. Teoricamente funcionam melhor,
possibilitando uma melhor relação sinal/ruído, ocupam menos espaço, são mais fiáveis e poderiam ser
mais baratas, já que a qualidade dos componentes electrónicos num sistema digital é menos importante do
que num sistema analógico. No entanto, neste momento, ainda não são na prática e globalmente,
superiores às analógicas. No Serviço prescrevemos então, pelo menos por agora, próteses analógicas.
Há no entanto uma capacidade anunciada das próteses digitais que pode vir efectivamente a
revolucionar a reabilitação auditiva na criança. Trata-se das próteses de transposição. Este tipo de
aparelhos já existe há dezenas de anos. Já em 1952 o Prof. Tato, de Buenos Aires, tentou este método pela
primeira vez, com resultados por vezes animadores.9 Mas estes aparelhos são ainda hoje, apesar de já
muito aperfeiçoados, demasiado caros e frágeis, pouco adequados ao seu uso vulgarizado em crianças.43
Realizam um pequeno milagre que possibilita uma boa audição nas crianças com alguns resíduos
auditivos nos graves. Em muitos casos de surdez grave ou profunda, a criança mantém alguma audição
até aos 1000 Hz, que desaparece para frequências mais altas. Estas próteses não só amplificam o sinal
sonoro mas também o transpõem para frequências mais graves. Por exemplo, um som de 1000 Hz seria
amplificado e reproduzido a 600 Hz, ou um som de 2000 Hz amplificado e reproduzido a 750 Hz, etc.
Isto é, estas próteses converteriam sons inaudíveis em sons audíveis, não só pela amplificação, mas
também porque transformariam frequências inaudíveis em frequências audíveis comprimindo todas as
frequências num campo dinâmico mais estreito onde a criança tem alguma audição. Aguardamos com
expectativa este tipo de prótese, que as previsões mais optimistas indicam que estará disponível durante o
ano em curso...
7. CONSULTA DE GRUPO DE SURDEZ INFANTIL
Objectivos e Considerações Gerais
Até 1993, as crianças com surdez eram atendidas durante a actividade normal da consulta externa
do Serviço de ORL do Hospital Maria Pia, pelos diferentes médicos do Serviço.
23
Mas, dado que a atenção dispensada a estas crianças é frequentemente bastante mais demorada e
uma vez que apresentam problemas muito particulares em relação a diversos aspectos que vão desde um
diagnóstico preciso e correcto até à mais conveniente orientação futura da criança, foi criada, em
Novembro de 1993, uma consulta de grupo. Desde então, funciona com periodicidade semanal, nela
participando todos os médicos do Serviço.
Em Maio de 1996 elaborou-se um protocolo que permite rapidamente sistematizar os aspectos
comuns a avaliar (Tabela 4 ).
Esta recolha sistematizada dos dados permite obter uma panorâmica das causas e da sua evolução
temporal. Permite verificar o estado da situação em relação à idade do diagnóstico, idade em que são
prescritas as próteses auditivas e idade em que são efectivamente colocadas.
Consulta de Grupo de Surdez
Identificação
Gravidez. Parto. Peso ao nascimento.
Antecedentes pessoais (Apgar, ventilação mecânica, ototóxicos).
Antecedentes familiares (consanguinidade, história familiar de surdez).
Idade da suspeita. Idade do diagnóstico.
Idade do aparelhamento. Grau de surdez.
Apoio da terapia da fala e ensino especial (início, peiodicidade, fim)
Comunicação (verbal, gestual).
Árvore genealógica.
Testes audiométricos.
Potenciais evocados.
Reflexos estapédicos.
Avaliação comportamental.
Audiograma tonal.
Audiograma em campo livre com e sem próteses.
Testes laboratoriais e radiológicos.
Geneticista clínico.
Oftalmologista, outros.
24
Tabela 4
A consulta de surdez é o local privilegiado para discussão dos resultados obtidos no audiograma,
com a técnica de audiometria que os realiza. Este contacto revela-se obviamente muito frutuoso, dada a
por vezes difícil interpretação ou valorização dos resultados.
O contacto com outras especialidades, frequentemente com oftalmologia, neuropediatria,
nefrologia e com todas as outras em geral, é feito também de imediato, graças à acessibilidade e
permanente disponibilidade dos nossos colegas. O espaço físico da consulta externa do nosso hospital,
pequeno e a precisar de urgente substituição, tem afinal também vantagens, já que, pela sua exiguidade,
facilita um rápido contacto com outros médicos das mais diversas especialidades, todos eles com enorme
experiência em patologia infantil.
As crianças que são seguidas na nossa consulta de surdez são geralmente oriundas de todo o
Norte do país, mas também da Zona Centro. Alguns mais velhos foram inicialmente seguidos no Centro
de Audiofonologia de Alhos Vedros.
Abordagem clínica
A abordagem clínica dos doentes que chegam à consulta de surdez é diferente de acordo com a
idade e grau de estudo prévio (proveniência) que apresentam, já que surgem na consulta crianças com
idades completamente diferentes.
De qualquer forma, seguimos sempre os parâmetros referidos na tabela 4.
Sobre a gravidez, verificamos se foi ou não vigiada medicamente, se houve intercorrências víricas
ou outras, nomeadamente ameaça de abortamento e qual o tempo de gestação. Em relação ao parto,
verificamos se foi ou não prolongado, qual o tipo de parto, o peso ao nascimento e actualmente já é
mesmo possível saber qual o Apgar (parâmetros sobre o estado geral da criança) ao 1º e 5º minuto de
vida.
De facto, têm sido muito consideráveis os progressos relativamente ao apoio à parturiente e ao
recém-nascido em termos técnicos. O registo detalhado dos acontecimentos relevantes neste período,
nomeadamente em relação ao recém-nascido, é também uma realidade, sendo agora possível ter acesso a
muita informação útil no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil que possibilita, sem dúvida alguma, um
melhor entendimento e atendimento da criança por parte dos outros especialistas noutros locais.
Verificamos se houve ou não patologia peri-natal, nomeadamente com recurso a ventilação mecânica e/ou
25
ministração de medicamentos ototóxicos e necessidade de exsanguineotransfusão, geralmente por icterícia
grave ou incompatibilidade Rh.
Nos antecedentes pessoais é importante inquirir sobre algumas doenças, em particular a parotidite
epidémica (papeira ou trasorelho), sarampo, meningite ou patologia específica das vias aéreas superiores,
otites agudas ou otorreias crónicas, as quais têm frequentemente repercussão sobre o ouvido.
Na história clínica detalhada pesquisamos também a existência de parentesco próximo entre
progenitores (consanguinidade) e história de surdez em algum membro da família, cujo início tenha
ocorrido antes dos 30 anos de idade.
No exame físico há obviamente particular atenção em relação ao pavilhão auricular (anomalias,
local de implantação), canal auditivo externo e membrana timpânica, bem como a quaisquer
características (mancha branca no cabelo, alteração da íris, etc) ou dismorfias craneo-faciais que apontem
no sentido de se poderem encaixar as alterações num síndrome genético ou propiciar patologia infecciosa
do ouvido médio (ex: fenda palatina, fenda palatina submucosa, trissomia 21, etc).
A idade da suspeita de surdez,a idade e local do diagnóstico e a idade do aparelhamento são
sempre registadas.
Em relação à audição, anotamos se é uni ou bilateral, estabilizada, flutuante ou progressiva,
neurossensorial, de transmissão ou mista e ainda o grau de surdez em cada ouvido e qual o método
empregue para o quantificar.
Registamos também a existência de terapia da fala e ensino especial, nomeadamente o seu início,
periodicidade e eventual terminus, e o tipo de estabelecimento escolar frequentado (escola especializada ou
do ensino normal).
Avaliamos sucintamente a comunicação (verbal ou gestual) e a sua progressão. O sucesso escolar
é aqui, quando possível, avaliado.
É efectuada a árvore genealógica em todos os casos.
Em relação aos testes audiométricos, podemos realizar potenciais evocados auditivos se indicado,
e realizamos por norma o estudo timpanométrico44 e os reflexos estapédicos.
O audiograma tonal é obviamente o teste audiométrico mais importante no estudo das crianças
com esta patologia. Sucintamente podemos dizer que é a avaliação subjectiva (por necessitar da
colaboração voluntária da criança) da audição, frequência por frequência, determinando qual o limiar
auditivo nos 125, 250, 500, 1000, 2000, 4000 e 8000 Hz. Testa os dois ouvidos separadamente, e pode
realizar-se com elevadíssimo grau de confiança a partir dos 4 - 5 anos de idade.45
26
Figura 6 - Exemplo de um audiograma tonal com um tipo de traçado muito comum na surdez
congénita. Note-se a audição conservada nos graves e a surdez profunda nos agudos
A partir dos dois anos e meio, utilizamos já a audiometria lúdica, em que a criança realiza uma
pequena tarefa de cada vez que ouve um som (colocar pino num orifício, por exemplo). Antes desta idade
e a partir dos 6 meses, usamos os testes comportamentais. 46-50
Figura 7 - Execução da audiometria lúdica
Um teste que usamos por rotina é o audiograma em campo livre. O estímulo é enviado por
altifalantes, e testamos a audição sem próteses e em seguida com próteses, verificando assim o ganho
funcional obtido. Tem como defeito não testar separadamente os dois ouvidos.
Figura 8 - Execução da audiometria em campo livre
Analisamos em todas as consultas as próteses auditivas num aparelho específico para esse fim
(analisador de próteses) : ganho máximo e resposta em frequência e observamos o seu estado de
conservação, nomeadamente do molde.
Em relação aos testes laboratoriais, só excepcionalmente são requisitados: recém-nascidos e
lactentes de risco vêm já bem estudados. Poderia ser pedida a serologia para a rubéola, toxoplasmose e
sífilis, no sangue, e para o citomegalovirus na urina, mas realmente isso seria, no nosso caso, uma
redundância.
A análise de urina poderia ser realizada em adolescentes com surdez neurossensorial identificada
para despiste do síndrome de Alport. No entanto, os adolescentes já não são habitalmente enviados ao
nosso hospital. Assim, sucede geralmente o contrário: crianças com alterações da função renal ou suspeita
de síndrome de Alport são-nos enviadas para rastreio auditivo.
A função tiroideia também não é habitualmente estudada para despiste do síndrome de Pendred,
sendo pedida só no caso de suspeita clínica.
O electrocardiograma para despiste do síndrome de Jervell e Lange-Nielsen também não é pedido
por rotina, considerando-se ter um lugar secundário no estudo da criança surda.51
Os raios X podem identificar calcificações intracraneanas em crianças com toxoplasmose.
Surgem na displasia fibrosa lesões radiolucentes na abóbada craneana com aumento da densidade na base
27
do crâneo. Na prática têm sido pedidas para identificar as marcas digitais craneanas características do
síndrome de Crouzon.52
A tomografia computorizada é de vital importância nas crianças candidatas a implante coclear.
Uma vez que esta cirurgia não é realizada no nosso Serviço, achamos mais conveniente a TAC ser
efectuada pela equipa que orientará futuramente a criança, evitando assim eventuais repetições de exames.
A TAC pode ter interesse no estudo da surdez flutuante ou progressiva para despiste da fístula de
perilinfa, mas é pedida fundamentalmente para estudos de malformações do ouvido externo ou médio que
possam ter aparentemente correcção cirúrgica satisfatória.
O órgão da audição, a cóclea, está em íntima conexão anatómica com um órgão fundamental do
equilíbrio, o vestíbulo. A sudez neurossensorial e as alterações do equilíbrio estão por isso frequentemente
associadas. Muitas das crianças com surdez evidenciam algum desiquilíbrio nos primeiros anos de vida,
podendo começar a andar mais tardiamente, por exemplo. Não estamos, no entanto, a efectuar qualquer
estudo vestibulométrico no Serviço presentemente, o que está aliás, nestes casos, longe de ser
indispensável.
De fundamental importância é o apoio de outras especialidades, e muito em particular da
oftalmologia. Tem-se vindo a dar crescente importância ao exame oftalmológico, pois chega a haver
alterações em 50% das crianças surdas em algumas séries. Por outro lado, a visão é o sentido primordial
para, na reabilitação destas crianças, tentar substituir a audição. Tem uma enorme importância, quer na
leitura labial, como ainda na linguagem gestual.
Os achados oftalmológicos contribuem também para o enquadramento sindrómico de muitos
casos, o que contribui então para um diagnóstico correcto e permite realizar um prognóstico mais preciso.
Sempre que não há uma causa ambiental óbvia, podemos assumir, até prova em contrário, que a
surdez tem uma causa genética.53 Embora os médicos do Serviço tenham conhecimento e alguma
experiência na área da genética, fundamental numa primeira abordagem, estas crianças são enviadas com
alguma frequência ao Serviço de Genética do nosso Hospital, ou ao próprio Instituto de Genética, que
funciona justamente ao lado do edifício do Hospital Maria Pia. É de louvar também aqui a rapidez,
disponibilidade e interesse com que recebem estas crianças. O envio a um geneticista clínico é sistemático
no caso da criança apresentar pequenas (ou óbvias) dismorfias que se possam encaixar num síndrome
genético.
Resumindo, a surdez não deve ser encarada como uma doença, mas sempre como um sintoma de
uma doença, ainda que frequentemente seja o único.54
28
Resultados (etiologias)
Foram incluídas na consulta de grupo de surdez infantil todas as crianças com um grau de surdez
superior a 30 dB de perda uni ou bilateralmente (surdez moderada) de transmissão, neurossensorial ou
mista. A fórmula que utilizamos para determinar o grau de perda resulta da soma das perdas nos 500,
1000 e 2000 Hz e dividindo seguidamente por 3 o resultado obtivemos então a perda média em cada
ouvido. Nas crianças em que só é possível realizar os potencias evocados auditivos, consideramos surdez
profunda quando não há resposta a 80 - 90 dB em nenhum dos ouvidos. Os resultados que se apresentam
referem-se a crianças que têm sido seguidas na nossa consulta entre Maio de 1996 e Março de 2000,
portanto, durante cerca de 4 anos.
Não foram incluídas na estatística da consulta de surdez crianças que, embora possam apresentar
surdez progressiva e possam por esse motivo necessitar de acompanhamento por otorrinolaringologia não
apresentavam os critérios audiométricos referidos (ex: síndrome de Alport ou mucopolissacaridoses). Por
outro lado, não foram também incluídas crianças com surdez superior a 30 dB de perda uni ou bilateral e
cuja causa fosse atribuível exclusivamente à otite média com efusão ou otite média crónica.
Das 256 crianças seguidas na consulta de surdez, verificamos que 48 crianças apresentam surdez
unilateral (19%). Destas 48 crianças, 15 têm alterações marcadas do pavilhão auricular e do canal
auditivo externo (microtia e atresia do canal). Destas 15, apenas duas apresentam uma surdez profunda
unilateral, havendo num destes casos associação a um síndrome malformativo (sínd. Crouzon). Pelo
contrário, os casos de surdez unilateral sem malformações do pavilhão auricular ou do canal auditivo
externo são quase sempre de grau profundo.
Consulta de grupo de surdez infantil (n=256)
Bilateral (n=207)
81%
Unilateral (n=48)
19%
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Assim temos que, nos 16 casos de surdez unilateral de causa desconhecida, 15 são de grau
profundo e apenas 1 de grau moderado. Na surdez atribuível a parotidite epidémica (papeira), todos os 9
29
casos existentes são de grau profundo. Também os 2 casos atribuíveis à varicela são igualmente de grau
profundo. De notar, no entanto, que a varicela não é habitualmente considerada causa de surdez.
Estes dados levam-nos a acreditar que a grande maioria da surdez moderada unilateral não é
diagnosticada, já que não parece razoável acreditar que a surdez neurossensorial, quando surge de forma
unilateral e isolada seja quase sempre de grau profundo.
Das 256 crianças seguidas na consulta de surdez, 207 (81%) tem surdez bilateral. Verificamos
que cerca de metade, 102 crianças (49%), tem surdez moderada, isto é, o melhor ouvido tem uma perda
que se situa entre os 30 e os 70 dB. Têm então uma surdez profunda, isto é, uma perda superior a 70 dB
no melhor ouvido, 105 crianças (51%).
Distribuição segundo o grau de
surdez bilateral (n=207)
Profunda
(105)
51%
Moderada
(102)
49%
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Se distribuirmos as causas da surdez em relação ao nascimento, verificamos que dos 256 casos,
161 (80%), têm uma causa pré-natal, 25 casos têm uma surdez peri-natal (causa atribuível a problemas de
parto ou que surgem dos dias imediatos ao parto), o que corresponde a 12% dos casos.
Finalmente, a causa foi considerada pós-natal em 17 casos (8%).
Consulta de grupo de surdez infantil (n=256)
Pré-natal (161)
80%
Peri-natal (25)
12%
Pós-natal (17)
8%
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
A surdez pré-natal representa então o maior grupo de crianças com surdez bilateral da nossa
consulta. Destes 161 casos, verificamos que a maior parte (64 casos), a surdez é congénita de causa
30
desconhecida. Isto representa 31% dos 207 casos de surdez bilateral, sendo profunda em 38 casos e
moderada em 26.
O significado da palavra “congénito” é “presente ao nascimento”. No entanto, neste estudo,
quando referimos que uma surdez é congénita isso significa realmente que ela ocorreu no ventre materno e
está presente ao nascimento, ou que surgiu nos 2 anos posteriores. Este período de 2 anos pode parecer
excessivo, mas é perfeitamente aceitável se nos lembrarmos que a surdez na população em geral só é
diagnosticada aos 2 - 3 anos (no caso de não haver qualquer programa de rastreio). Quer isto dizer que
não é geralmente possível diferenciar uma surdez rapidamente progressiva que surge aos 8 - 12 meses
duma surdez grave existente já na altura do nascimento.
Congénita não significa obviamente que seja genética, embora frequentemente possa ser. Genética
significa que há genes anómalos na etiologia dessa surdez e por isso nos referimos frequentemente à
surdez genética como sendo surdez hereditária.
A surdez genética ou hereditária pode ser hereditária isolada, isto é, em que a surdez é o único
sintoma da doença. Isto sucede em 41 casos, ou seja, em 20% dos casos dos 207 de surdez bilateral. A
surdez hereditária isolada pode ter uma transmissão autossómica dominante (17 casos), em que apenas um
dos progenitores é portador do gene anómalo e manifesta geralmente também a doença, ou autossómica
recessiva, em que os 2 progenitores, embora não tendo aparentemente qualquer alteração notável, são
contudo portadores de genes alterados, podendo haver surdez em cerca de 25% dos seus descendentes
directos.
A surdez hereditária congénita, associada a síndromes bem conhecidos (ex: sínd. Waardenburg,
cromossomopatias, trissomias 2155 e 22, hipotiroidismo, etc), é responsável por 39 casos (19% dos 207
casos). O síndrome de Alport (4 casos), foi incluído neste grupo, embora a surdez só surja neste síndrome
mais tardiamente, a partir dos 6 - 7 anos, e principalmente na adolescência.
A surdez congénita pode ter uma causa adquirida, como na rubéola congénita, com 17 casos (8%
de 207) ou na infecção intra-uterina por citomegalovirus (apenas 1 caso de surdez unilateral e nenhum de
surdez bilateral, na nossa casuística).
A surdez peri-natal é responsável por 25 casos de surdez (12%), como já foi referido, sendo as
causas principais a prematuridade/ baixo peso ao nascimento (<1500 g), com 12 casos, e a anóxia neo-
natal, com 8 casos. Foi motivada por icterícia neo-natal que necessitou de exsanguineo-transfusão em 3
casos e incompatibilidade Rh que necessitou de exsanguineo-transfusão em 2 casos.
31
A esmagadora maioria dos casos de surdez pós-natal é motivada por meningite: 14 casos em 17
(8% de 207). Os restantes 3 casos de surdez pós-natal são considerados como adquiridos de causa
desconhecida. O síndrome de Alport foi considerado na surdez pré-natal, embora muito discutivelmente,
como referido.
E tiologia da surdez bilateral (n=207)
Congén. Desc.
31%
Hered. Isol.
20%
Hered. Assoc.
19%
Rubéola
8%
Peri-natal
12%
Meningite
7%
Outras
3%
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Em 4 casos, dos 207 com surdez bilateral, a surdez foi considerada de causa indeterminada, já
que a história clínica foi considerada excessivamente pobre para se poder fazer um diagnóstico correcto.
Tratam-se de crianças adoptadas ou a viver em orfanatos, cuja história pregressa não é conhecida ou é
pouco conhecida pelos encarregados de educação.
Discussão
Os resultados apresentados da nossa consulta de surdez infantil são razoavelmente sobreponíveis
aos de outras grandes séries a nível mundial. Se compararmos a nossa casuística com a de outros autores,
poderão eventualmente parecer não serem muitos significativos os nossos números. No entanto, os
trabalhos que analisam os resultados de crianças com surdez diagnosticada em hospitais (Newton, 1985;
Parving, 1988; Das, 1988; Dias, 1990) têm sempre números menores do que os que utilizam como
recrutamento escolas para crianças surdas ou crianças aparelhadas. Estas grandes casuísticas, com este
tipo de recrutamento, acabam aliás por não estudar as crianças com surdez moderada bilateral ou com
32
surdez unilateral, o que lhes poderá limitar as conclusões. Por outro lado, há diferenças que resultarão
inevitáveis, em virtude da época em que são realizadas. Bastam 20 anos de diferença entre a publicação de
resultados para que surjam diferenças mais ou menos consideráveis, resultantes do progresso do
conhecimento humano, nomeadamente e em particular da medicina.
A rubéola congénita, por exemplo, que ocupa ainda 8% dos casos da surdez bilateral na nossa
consulta de surdez, tem uma enorme tendência a diminuir drasticamente, uma vez que existe já uma
vacina razoavelmente eficaz, e que a sua ministração em Portugal é já universal, obrigatória e gratuita. O
mesmo se passa em relação a alguns casos de meningite, cuja vacinação faz prever a sua diminuição como
causa de surdez (Haemophilus influenzae tipo B).
Se recuarmos um pouco mais no tempo, as diferenças tornam-se abissais. Há cerca de 50 anos, o
Prof. Carlos Larroudé referia naquele que foi provavelmente o primeiro tratado de otorrinolaringologia de
língua portuguesa que “a surdo-mudez, quando congénita é quase sempre devida à sífilis”.56 Não temos
um único caso de sífilis na nossa casuística, e pensamos que isso corresponda efectivamente à realidade.
Por outro lado, os métodos diagnósticos também melhoraram, e os conceitos acerca das causas
também vão sendo alterados. A icterícia neo-neonatal era considerada uma das causas de surdez, e hoje
pensa-se que será um factor de risco apenas se houver critérios e necessidade de recorrer a exsanguineo-
transfusão.
Autores
Genética
Rubéola
Meningite
Neo-natal
Desconhecida
N
FRASER
R. Unido
1976
40.9%
6.4%
17.2%
11.8%
10.5%
3535
MARTIN
CEE
1982
11%
18%
17.2%
11%
39%
3462
PARVING
Dinamarca
1983
34%
16%
2.5%
14%
27%
117
NEWTON
R. Unido
1985
29.7%
10.8%
3.6%
13.5%
38.7%
111
DAS
R. Unido
1988
18.7%
5.8%
6.5%
15.5%
35.5%
155
DIAS
Portugal
1990
22.8%
11.5%
5.5%
15.9%
28.6%
754
Presente
33
estudo 25.7%
11.4% 10.4% 12.3%
36.2% 105
Tabela 5: Comparação dos valores obtidos relativamente às principais causas de surdez de
percepção bilateral de grau severo e profundo.
Em nenhum caso foi possível demonstrar a hereditariedade relacionada com o cromossoma X
(hereditariedade ligada ao sexo). Temos no entanto 2 casos de surdez moderada apenas de transmissão
(mas sem sinais inflamatórios ou pós-inflamatórios do ouvido médio) que eventualmente poderão estar
relacionados com a fixação do estribo (como sucede numa variedade de surdez ligada ao cromossoma X e
se associam a gusher perilinfático no caso de se tentar a resolução cirúrgica). Obviamente que não se
pode nestes 2 casos excluir a possibilidade de se tratar de uma mais vulgar otosclerose.
Surpreendentemente ou talvez não, felizmente, os ototóxicos foram responsáveis por zero casos de
surdez na nossa casuística. De facto, em apenas 3 casos há história de ministração de ototóxicos, mas em
dois deles houve anóxia neonatal, e no outro, a criança tem um síndrome polimalformativo que poderá,
mais provavelmente, ser responsável pela surdez. Estes dados revelam dois aspectos: por um lado, a
melhoria notável na assistência médica peri-natal, em que se evitam ao máximo causas iatrogénicas das
patologias, e por outro lado, evidencia a dificuldade prática em rotular a causa de surdez, o que sucede
com alguma frequência.
No caso dos ototóxicos deve ser no entanto referido que são os aminoglicosídeos, em particular se
associados a diuréticos de ansa, os fármacos grandes responsáveis pela surdez. No entanto, há referência
a um número reduzido de casos de surdez por ototóxicos durante a gravidez ou na infância, na literatura.57
Parece haver uma certa protecção nos recém-nascidos e crianças a este tipo de agressão medicamentosa.58-
59 Em relação à dificuldade em atribuir uma etiologia à surdez, é necessário por vezes optar pela que nos
parece ser, subjectivamente, a mais provável. No entanto, poderá haver algum efeito de soma em que as
duas possíveis causas (ou até três!) podem contribuir para o grau de surdez apresentado.
Cito o caso de uma criança que apresenta uma trissomia 21 associada, sem qualquer dúvida, a um
síndrome de Waardenburg. Aqui, o resultado foi uma ausência de resposta a estímulos sonoros de
qualquer nível de intensidade, em qualquer tipo de frequência (cofose bilateral). Dado não ser frequente a
cofose bilateral em nenhum destes dois síndromes quando se apresentam isoladamente, parece ser lícito
suspeitar que a sua associação possa ter contribuído conjuntamente para um resultado final agravado
neste sintoma comum.
34
Outro facto que merece ponderação é a proporção entre a surdez profunda e surdez moderada nas
diferentes etiologias. A título de exemplo, vejam-se os gráficos comparativos das maiores causas de
surdez congénita de etiologia conhecida.
Moderada Profunda0
20
Moderada Profunda
Grau de surdez na rubéola congénita (n=17)
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Moderada Profunda0
10
20
30
40
50
60
Moderada Profunda
Grau de surdez na surdez hereditária (n=80)
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Por outro lado, dado que a maior “causa” de surdez na criança é, de forma esmagadora, congénita
de causa desconhecida (31% da surdez bilateral na nossa casuística), é de presumir que outras causas
documentadas de surdez na criança, resultantes de situações muito frequentes que dão frequentemente
surdez como sintoma isolado possam estar sobrevalorizadas. Por exemplo, será que a prematuridade/
baixo peso/ anoxia neo-natal (20 casos em 207) são efectivamente responsáveis por 9.7% dos casos de
surdez na criança? (refiro estas entidades de causa peri-natal conjuntamente porque elas próprias são
frequentemente difíceis de destrinçar entre si). A resposta a esta pergunta só poderá ser dada pela análise
estatística cuidada dos dados que não possuímos no nosso Serviço, como por exemplo, saber que
percentagem de crianças tem este tipo de complicações na população de recém-nascidos em geral, não
35
bastando obviamente apenas os números referentes aos recém-nascidos nos grandes centros, para onde são
drenadas as sitações mais difíceis.
Assim, é de prever que as causas mais prevalentes de surdez possam por mera coincidência ser
sobrevalorizadas por terem incluídas no seu número crianças com outras etiologias não identificadas e que
acabariam por ser rotuladas de “congénita de causa desconhecida”.
Também não temos nenhum caso de surdez causada pela toxoplasmose congénita nem pela
neurofibromatose, já que os cerca de 40 casos de neurofibromatose seguidos no Hospital Maria Pia são
todos do tipo I (doença de Von Recklinghausen). Não há nenhum caso de neurofibromatose tipo II, que é a
patologia que se associa quase invariavelmente ao surgimento do neurinoma do acústico.
Os gráficos abaixo representados são relativos à idade em que há pela primeira vez suspeita de
surdez, geralmente por parte dos pais, e à idade do diagnóstico, em termos médios, em relação à surdez
congénita bilateral. Há como se vê um atraso de cerca de 2 anos na nossa casuística, o que é, infelizmente,
o normal em todos os países em que não existe rastreio universal de surdez. O diagnóstico só se faz neste
caso aos 2 - 3 anos. Felizmente, se verificarmos com que idade as crianças com esta patologia são em
média aparelhadas, observamos que isso acontece quase de imediato, com um intervalo de apenas 1 a 2
meses, o que pode ser considerado bastante razoável. Principalmente se tivermos em conta que as próteses
não são comparticipadas pelo Serviço Nacional de Saúde, e só recentemente começamos a oferecê-las no
nosso Hospital, por rotina, a crianças que tenham dificuldades económicas.
Surdez severa a profunda congénita
bilateral
0
5
10
15
20
25
30
35
40
0 1 2 3 4 >5
Idade da suspeita
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
36
Surdez severa a profunda congénita bilateral
0
5
10
15
20
25
30
35
0 1 2 3 4 >5
Idade média do diagnóstico
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Surdez severa a profunda congénita bilateral
0
5
10
15
20
25
30
35
0 1 2 3 4 >5
Idade do aparelhamento
Gráfico Erro! Argumento desconhecido de parâmetro.
Esta possibilidade de fornecermos gratuitamente as próteses a crianças necessitadas foi sem
dúvida um grande avanço, já que por vezes acontecia a criança ficar sem prótese muitos meses ou mais de
um ano por dificuldades na sua obtenção.
Por outro lado, o atraso entre a suspeita e o diagnóstico de surdez deve-se, nalguns casos, à
indevida tranquilização dos pais em relação à audição, já que a criança não apresenta geralmente qualquer
outra alteração. É pois de salientar mais uma vez que, se os pais suspeitam que a criança sofre de surdez,
isso é verdade, até prova objectiva em contrário.
O desenvolvimento deste subcapítulo, embora muito interessante do ponto de vista médico, está
naturalmente para além dos objectivos do presente trabalho.
Tratamento
37
Basicamente, o tratamento médico da surdez infantil consiste na colocação de próteses auditivas
tão precocemente quanto possível. A avaliação diagnóstica deve estar completada aos 6 meses de idade
altura em que a reabilitação deve estar iniciada em termos globais e multidisciplinares.
É obrigatória a vigilância médica periódica de acordo com a idade.
Uma criança com uma surdez neurossensorial recém-diagnosticada deve realizar audiogramas
cada 3 meses no primeiro ano, cada 6 meses durante os anos pré-escolares, e pelo menos uma vez por ano
até aos 15 - 16 anos.60
Esta vigilância periódica é extremamente importante por vários motivos. Permite confirmar o
nível de audição evitando ao máximo os erros de diagnóstico e monitoriza a audição, que pode ser
flutuante, o que acontece muito raramente, ou progressiva, o que acontece com mais frequência.
Na consulta avalia-se o canal auditivo externo, que tem tendência aumentada a acumular cerúmen
em virtude do molde da prótese o empurrar para dentro, removendo-o sempre que necessário. Verifica-se
se a pele do canal está saudável, ou se pelo contrário apresenta sinais inflamatórios: o molde pode estar a
traumatizar ou pode haver uma otite externa, que tem uma incidência bastante aumentada nestas crianças,
uma vez que a pele do canal auditivo tende a ficar macerada, propiciando o desenvolvimento bacteriano.
Verifica-se o estado da membrana timpânica, que nestas crianças pode ter sinais inflamatórios ou
evidenciar derrame intratimpânico. Como se referiu, a incidência de otite média com efusão está muito
aumentada nas crianças com surdez, o que tem consequências dramáticas a nível auditivo, já que
transforma facilmente uma surdez moderada numa grave ou uma grave numa profunda. A resolução
cirúrgica desta patologia nestas crianças é considerada a nível do nosso Serviço, uma prioridade.
Figura 9 - A maior parte das intervenções cirúrgicas realizadas nestas crianças destina-se
afinal a corrigir as otites médias com efusão, aqui tão frequentes e de graves consequências quando já
há uma surdez neurossensorial de base
Avalia-se a aceitação das próteses pelas crianças. É habitual as crianças mais pequenas
removerem-nas para brincarem com elas. Por vezes metem-nas na boca, o que para além de perigoso,
habitalmente as danifica, devido à humidade.
No entanto, pode haver efectivamente rejeição das prótese por diversos motivos. O mais
preocupante, embora raro, é o diagnóstico incorrecto de surdez, ou uma má adaptação da prótese, isto é,
uma amplificação não adequada ao tipo de perda auditiva.
Mais frequentemente, a rejeição resulta de um molde pouco confortável, que pode magoar, um
rolhão obstructivo de cerúmen que se pode tornar doloroso, um molde mal adaptado que propicia o
38
surgimento de feed-back (apito ou efeito de Larsen). Uma prótese com mau funcionamento também é
naturalmente rejeitada (pela sua inutilidade), pelo que se analisam as próteses auditivas sempre que a
criança vem à consulta. A rejeição não deve contudo ser apenas o resultado da avaliação subjectiva dos
pais, que reajem por vezes com a negação do problema como mecanismo natural de defesa e inerente à
natureza humana.
Nas crianças com surdez unilateral vigia-se com periodicidade anual o ouvido normal, geralmente
até aos 10 anos de idade.
No caso de haver malformações do pavilhão auricular, orienta-se a criança para a consulta de
cirurgia plástica, que é no nosso hospital a especialidade que resolve cirurgicamente estas situações do
ponto de vista estético. Essa cirurgia realiza-se entre os 6 e os 9 anos de idade, já que é aconselhável
aguardar que o pavilhão auricular normal, contralateral, atinja dimensões aproximadas das definitivas.
Quando há malformações graves do canal auditivo externo ou do ouvido médio, não estamos
presentemente a tentar a correcção cirúrgica. No entanto, há alguns anos atrás isso fazia-se
frequentemente, embora com resultados pouco claros. Esta é considerada por muitos autores a cirurgia
mais difícil ao nível do ouvido, porque, para além das complicações aumentadas, nomeadamente da
paralisia do nervo facial, os resultados são frequentemente decepcionantes. Pequenas malformações do
canal auditivo ou do ouvido médio podem no entanto ter solução cirúrgica, por vezes com excelentes
resultados.61 Em pequenas malformações tentamos por rotina resolver a surdez cirurgicamente.
Em apenas um caso se colocou no nosso hospital uma prótese fixa, um implante osteo-integrado
(BAHA - bone anchored hearing aid). Tratava-se de um síndrome de Treacher-Collins, tendo por isso
atresia de ambos os canais auditivos externos. Não foi incluído na presente casuística, dado que a cirurgia
se realizou em Janeiro de 95 pelo Dr. Arnaldo Matos, que deixou em seguida a função pública, não sendo
a criança seguida agora no nosso Serviço.
Nos casos de crianças com surdez grave ou profunda que não evidenciam progressos
significativos com as próteses auditivas após alguns meses de uso e reabilitação adequada por terapia da
fala e professor do ensino especial, colocamos então a hipótese de beneficiar de um implante coclear. Este
tipo de cirurgia não se realiza no nosso Serviço, sendo o Centro Hospitalar de Coimbra o único Centro a
nível nacional que tem apoio estatal específico para um Programa de Implantes Cocleares, pelo que é aí
que recomendamos que os pais dessas crianças recorram. Essa cirurgia realiza-se a partir dos 2 anos de
idade quando indicado, obtendo-se os melhores resultados nas crianças mais novas. Isto é óbvio se
recordarmos os conceitos de “período crítico” em que o cérebro da criança tem ainda uma grande
plasticidade, como referido no capítulo próprio. As crianças com mais de 4 anos não estão, por este
39
motivo, a ser implantadas neste centro. As crianças implantadas não se tornam, no entanto, em
normoouvintes, apesar dos resultados poderem ser considerados excelentes. São, como alguém referiu,
“surdos que ouvem”.
No entanto, são frequentes os casos em que as crianças implantadas fazem uma vida
perfeitamente idêntica aos normoouvintes, podendo, por exemplo, ter uma boa comunicação ao telefone. É
de realçar que, se a criança tiver tido audição, e em particular se adquiriu uma linguagem no período
adequado, deixa de haver limite etário para a colocação de implante coclear. Neste último caso, os
resultados na criança serão semelhantes aos do adulto que ficou subitamente surdo bilateralmente. Nestas
situações, alguns dias após a colocação do implante passa a haver uma audição praticamente equivalente
à audição fisiológica, quase normal.
8. PREVENÇÃO
Podemos dividir a prevenção da surdez em quatro grandes grupos com particularidades bem
distintas em termos de abordagem. Temos a prevenção de causas infecciosas, a prevenção de causas
genéticas, a prevenção da surdez congénita de causa desconhecida e a prevenção de causas perinatais.
Isto engloba a quase totalidade das causas de surdez, excluindo apenas na nossa casuística a
surdez por ameaça de abortamento (3 casos), a surdez adquirida de causa desconhecida (3 casos) e,
obviamente, a surdez de causa indeterminada em que os dados da história clínica são insuficientes para
um diagnóstico correcto.
Prevenção de causas infecciosas
Dentro das causas infecciosas há obviamente 2 grandes grupos: as congénitas, que podem impedir
a maturação intrauterina, nomeadamente da cóclea, daí resultando alterações anatómicas e histológicas
mais ou menos pronunciadas e as meningites, que vão destruir as células especializadas da cóclea, após a
sua completa e perfeita formação.
Dentro das causas infecciosas congénitas, a rubéola representa de longe a patologia que se espera
que venha a diminuir mais drasticamente. Esta vacina faz agora parte do Programa de Vacinação
40
Obrigatório Nacional de todas as crianças, independentemente do sexo, o que é uma avançada e excelente
medida. Infelizmente, a vacina não é de modo algum 100% eficaz. Newton refere que 25% dos casos de
rubéola congénita surgem em mães vacinadas.62 De qualquer forma, se a doença for erradicada, ou pelo
menos diminuir muito a sua prevalência, haverá também necessariamente uma diminuição dos casos de
rubéola congénita. Não é demais referir que esta vacina é, como muitas outras, obtida a partir de vírus
vivos atenuados. Tal como estas, a vacina da rubéola é absolutamente contraindicada durante a
gravidez pelos resultados desastrosos que poderá ocasionar.
A prevenção do sarampo faz-se também através da vacina obrigatória, com bons resultados.
A prevenção da parotidite epidémica faz igualmente parte do Programa de Vacinação
Obrigatório, embora com resultados relativamente pobres, se tivermos em consideração o enorme número
de crianças vacinadas que nos surge no Serviço de Urgência com esta patologia, embora habitualmente
com sintomas atenuados. Ainda está por esclarecer se é ou não eficaz na prevenção da surdez unilateral.
De qualquer forma, deve-se alertar qualquer mulher grávida (ou possivelmente grávida) que deve
evitar contacto com qualquer patologia que possa ter origem vírica
Em relação à toxoplasmose congénita, embora esta doença não tenha expressão aparente, na
nossa casuística, deve também informar-se a grávida da sua existência, gravidade e modo de transmissão.
São principalmente as fezes do gato que transmitem a doença ao homem, ou por contacto directo ou
através de legumes crus contaminados. Uma medida geral prudente é a ingestão de carne sempre bem
passada,por ser possível a contaminação através de outro tipo de hospedeiro. De qualquer forma, numa
série de 30 crianças com toxoplasmose congénita tratada ao nascimento com pirimetamina e sulfonamida,
não houve nenhum caso em que viesse a surgir surdez.63
Em relação à sifilis congénita, como já foi referido, não temos nenhum caso. A típica
apresentação da sifilis primária, facilmente diagnosticável, e a extrema eficácia da penicilina na
erradicação do Treponema pallidum, são provavelmente responsáveis pelo desaparecimento quase total da
sífilis como causa de surdez, quando ainda há escassas dezenas de anos era considerada a sua principal
causa (era pré-antibiótica).
É de referir que a sifilis congénita pode provocar surdez apenas no 3ª ou mesmo 4ª década de
vida, pelo que pode haver aparecimento de novos casos já fora do âmbito etário da nossa consulta.64
A outra importante forma de surdez de causa infecciosa é a surdez que surge após uma meningite
bacteriana. A instituição de uma terapêutica antimicrobiana precoce e eficaz teve efeitos espantosos na
redução da mortalidade por meningite. Infelizmente, o mesmo não aconteceu em relação à surdez após
meningite bacteriana. De facto, a antibioterapia não parece ter reduzido a incidência de surdez nestes
41
casos.65 Aqui, a prevenção da surdez é então possível apenas através da vacinação contra o Haemophilus
influenzae tipo B que foi recentemente introduzida no calendário de vacinação no nosso país. Recorde-se
que este agente é o segundo maior responsável pela surdez pós-meninigite, logo após o Streptococcus
pneumoniae.
Assim, é de prever que se assista, nos próximos anos, a uma redução da surdez pós-meningite, já
que esta vacina só muito recentemente foi tornada obrigatória.
Prevenção de causas genéticas
As causas genéticas ou hereditárias representam o maior contingente responsável pela surdez
bilateral na nossa consulta, com 77 casos (37.2%). A sua prevenção é pois fundamental para se poder
diminuir o número de crianças surdas.
Há diversas patologias em que o indivíduo afectado é o primeiro caso na família, sendo a sua
prevenção possível apenas através da amniocentese e interrupção da gravidez, se for essa a opção dos
pais, dentro do quadro legal vigente em Portugal. No entanto, a amniocentese não deve fazer-se por rotina,
e de qualquer forma não faz o dignóstico de um enorme número de patologias congénitas. Não será por
esta via previsivelmente que se pode diminuir a incidência de surdez.
A chave para se diminuir esta causa de surdez será o aconselhamento genético.
Harper definiu o aconselhamento genético como “o processo através do qual os doentes ou
parentes de risco de uma patologia, que pode ser hereditária, são avisados das consequências dessa
patologia, da probabilidade de a desenvolver ou transmitir e dos meios existentes para a prevenir ou
atenuar”.66
O factor crucial é, então, a identificação da doença, já que muitas alterações de genes são raras e
apenas descritas nalgumas famílias.67
A nossa consulta de surdez infantil tem o modo de transmissão da surdez hereditária bem
identificado na quase totalidade dos casos. Dos 77 casos de surdez considerada hereditária, apenas 4 se
associam a síndromes malformativos não esclarecidos. Serão provavelmente de causa genética (mas
poderão obviamente não ser) e não sabemos então o modo de transmissão. Temos então, como referido,
42
17 casos de surdez hereditária isolada autossómica dominante (8.2% de 207), em que há transmissão da
surdez a um máximo de 50% dos descendentes. Na prática é bastante menor, já que a expressividade e a
penetração são variáveis. Isto é, os genes alterados transmitem-se a 50% dos descendentes, mas estes nem
sempre apresentam a surdez, podendo no entanto transmiti-la por sua vez a 50% dos seus próprios
descendentes, se ficarem portadores.
A surdez hereditária isolada autossómica recessiva (11.6% de 207) não se transmitirá em
princípio a descendentes, a menos que casem com parentes, sendo no entanto todos os seus descendentes
portadores dos genes alterados.
Nos restantes casos de surdez associada a síndromes, a transmissão far-se-à também nestes
moldes (autossómica dominante ou recessiva), de acordo com o síndrome em causa, a menos que esse
síndrome provoque também esterilidade, obviamente. Raramente, a transmissão da surdez está associada
ao cromossoma X, como já foi referido.
Os genes recessivos não se expressam como referimos nos seus portadores. Assim, como forma
de prevenção genética destes ou doutros síndromes genéticos, é absolutamente desaconselhável a
consanguinidade, nomeadamente o casamento entre primos direitos.
O casamento entre surdos, sempre que não haja identificação da causa da doença, é também
desaconselhável. Embora geralmente nestas situações o filho seja normoouvinte, já que são inúmeras as
doenças, mesmo hereditárias com transmissão recessiva que podem dar surdez, a probabilidade do filho
ter surdez profunda está muito aumentada. O casamento entre surdos é no entanto uma questão delicada,
já que há efectivamente tendência a ser uma realidade.
Para além dessa propensão natural que existe para o casamento entre surdos em face das
circunstâncias ambientais, há também uma questão cultural. Em muitas comunidades surdas há por vezes
uma forte hostilidade de alguns dos seus membros à mais leve sugestão de que a surdez não deva ser
transmitida aos descendentes. Encaram a surdez não como uma doença, mas como uma diferença cultural
a preservar.68-70
Prevenção da surdez congénita de causa desconhecida
A surdez congénita de causa desconhecida representa o maior grupo da nossa cosuística, 31% dos
casos (64 em 207). Na maior parte dos casos é uma surdez profunda (38 em 64 casos), o que mostra a
gravidade deste problema.
43
A sua prevenção é impossível, uma vez que não temos qualquer ideia sobre a sua etiologia. Desta
forma, e uma vez que a surdez de causa infecciosa e de causa genética têm tendência a diminuir com a
melhor assistência médica, este grupo tenderá a aumentar em termos percentuais.
A sua prevenção só poderá vir a tornar-se uma realidade quando o diagnóstico etiológico for
esclarecido, constituindo este um importante desafio ao desenvolvimento médico em termos de
investigação.
Pappas, em 1983, referiu que a infecção pelo citomegalovírus era a principal causa de surdez
neurossensorial nas crianças.71
Foi levantada a possibilidade de grande parte da surdez congénita de causa
desconhecida ser provocada pelo citomegalovírus. De facto, isto não foi posteriormente confirmado,
mantendo-se a controvérsia acerca da importância deste vírus na etiologia da surdez na criança. Há
realmente aqui ainda um vasto campo a descobrir.
Prevenção de causas perinatais
Com a melhoria dos cuidados de saúde, nomeadamente graças ao esforço e capacidade das
equipas de neo-natologia, seria de esperar que situações de hipóxia ou outras complicações perinatais
diminuissem, e, desse modo, baixasse este grupo como causa de surdez. Contudo, esta melhoria nos
cuidados neo-natais permite também salvar vidas que de outro modo se teriam perdido, dado poderem ser
crianças com múltiplos problemas. Então, neste caso, a surdez neurossensorial perinatal tenderá também a
aumentar percentualmente.
Por outro lado, crianças com baixo peso (< 1500 g) têm maior probabilidade de apresentar vários
problemas, como sequelas neurológicas, perda auditiva ou visual, ou asma.
Desta forma, é de esperar que, em termos percentuais não se faça notar a louvável melhoria e
prevenção da surdez como causa perinatal nos próximos anos.
9. RASTREIO UNIVERSAL DE SURDEZ
Para se proceder a um rastreio de qualquer tipo, Wilson e Junger72
postularam os seguintes
critérios em 1968, na Organização Mundial de Saúde,e que se mantêm actuais:
1. A doença deve ser comum e grave.
44
2. A história natural da doença deve ser compreendida.
3. Deve haver um bom método de rastreio, que deve ser igualmente simples e seguro.
4. O programa de rastreio deve ser aceitável pelo público e autoridades.
5. O programa de rastreio deve demonstrar que os benefícios se sobrepõem aos custos.
A grande incidência da surdez infantil congénita (1 - 2 /1000) foi já referida, e os efeitos
altamente deletérios duma reabilitação tardia também já descritos e vivamente exemplificados
anteriormente neste artigo.
Em relação a estes aspectos vale a pena citar a posição da Joint Committee on Infant Hearing, de
1994, que indica textualmente “o objectivo da identificação universal das crianças com perda auditiva tão
cedo quanto possível”. E continua dizendo que “ todas as crianças com perda auditiva devem ser
identificadas aos 3 meses de idade e receber intervenção aos 6 meses de idade”.
Os custos de um rastreio são inegáveis e têm necessariamente que ser avaliados. Mehl e
Thomson73
avaliaram o custo do rastreio da surdez globalmente e do custo unitário por cada caso positivo,
comparando-as com os custos do rastreio de outras alterações congénitas como a fenilcetonúria,
hemoglobinopatias, fibrose cística e hipotiroidismo. Concluiram serem os custos mais baixos para o
rastreio de surdez.
Os programas de Rastreio Universal de Surdez dos Estados do Colorado e Rhode Island, que
foram pioneiros, evidenciaram por outro lado uma excelente aceitação por parte dos progenitores, sendo
absolutamente excepcionais os casos em que houve obstáculos à execução dos exames.
Fica então apenas por referir se há ou não um bom método de rastreio igualmente simples e
seguro, para que se cumpram todos os itens inicialmente enumerados. Como já vimos atrás, os avanços
nesta área têm sido imensos. Temos hoje essencialmente dois métodos preferenciais: os potenciais
evocados auditivos do tronco cerebral e as otoemissões acústicas transitórias. São actualmente
considerados os únicos métodos práticos e objectivos de rastreio. Cada um deles tem vantagens e
desvantagens e realmente nenhum deles é um teste comportamental.
Embora, tal como expusemos anteriormente, em algumas casos outros métodos de rastreio se
tenham revelado bastante eficazes, eles evidenciaram por qualquer motivo obstáculos à sua expansão. Os
locais pioneiros no Rastreio Universal de Surdez utilizaram a combinação dos dois métodos referidos:
otoemissões acústicas e potenciais evocados auditivos. Os seus resultados animadores ajudaram sem
dúvida à credibilização deste rastreio. Estima-se que nos Estados Unidos da América 25% dos recém-
nascidos já sejam submetidos a rastreio universal, e que na Áustria esse número atinja já os 50%, com
45
estes métodos.74
Numa grande parte dos países com boa assistência médica, a sua expansão oscilará
provavelmente entre estes valores, sempre em crescimento.
A expansão do rastreio tem-se feito ultimamente com as otoemissões acústicas transitórias, que
são em geral realizadas por pessoal não especializado, mas com formação específica nesta área, muito
particular. São realizados ainda nas primeiras horas de vida, antes da alta da Maternidade. Se a criança
não passa num segundo teste por otoemissões, o que poderá suceder em 2.5 a 5% dos casos, faz-se um
novo exame algum tempo depois, agora já com os potencias evocados auditivos. É aqui, aliás o ponto
fraco destes programas de rastreio, já que chega a haver absentismo na ordem dos 50% para realizar esta
nova avaliação.
Só após a realização dos potenciais evocados, acompanhados se necessário por testes
comportamentais, agora efectuados por pessoal altamente especializado e experiente, é que o médico,
necessariamente otorrinolaringologista, faz o diagnóstico de surdez e inicia então o processo de
reabilitação.
Há uma grande variedade de modelos de rastreio universal. Variam de acordo com o sistema de
saúde, tempo de permanência das mães na maternidade (ou outro local em que teve lugar o parto), pessoal
disponível, aparelhagem existente, experiência prévia dos técnicos diferenciados, etc.
É então necessário adaptá-los à realidade existente em cada local.
Em Portugal parece-nos haver boas possibilidades de encetar com êxito o Rastreio Universal, pelo
menos nos locais de maior movimento. E havendo essa possibilidade, não teremos essa obrigação ?
46
AGRADECIMENTOS
Para que seja possível a apresentação de casuísticas consideráveis, como a duma consulta de surdez
infantil (avaliação de 256 casos em cerca de 4 anos), ou dos resultados dos potenciais evocados (cerca de
350/ano), é necessária a colaboração de um grande número de pessoas que frequentemente não se chegam a
conhecer entre si. É o resultado do funcionamento de uma Instituição. Não resulta do trabalho de um só indivíduo.
Sendo assim, deve o autor agradecer a:
- Dr. José Manuel Pavão (Director do Hospital), por ter sabido, com inexcedível dedicação, levar sempre
mais longe a actividade e o nome do nosso hospital.
- Drª Margarida Medina (Directora Clínica), pela alegre e enérgica determinação com que tem defendido
e aumentado a actividade do Serviço de ORL (em particular).
- Dr. Felizardo Carvalho (Director de Serviço de ORL), pelo empenhamento com que tem superiormente
dirigido o Serviço.
- Prof. Dr. Alberto Trancoso, pela forma esclarecida como soube criar a consulta especializada de surdez.
- Dr. Aurélio das Neves, Dr. Arnaldo Matos e Drª Maria Carlos Sobral, a quem se deve a assistência
inicial de numerosas crianças da consulta de surdez agora referidas.
- Drª Teresa Soares e Dr. Felizardo Carvalho, que melhoraram o protocolo de observação sistemática das
crianças com surdez idealizado pelo autor.
- Dr. Dílio Alves, que sob a direcção da Drª Cândida Maia (Serviço de Neuropediatria do Hospital Maria
Pia), introduziu no nosso hospital os potenciais evocados auditivos.
- Drª Augusta Areias, que tomou a iniciativa de contactar o autor, o que possibilitou que este desse início
ao rastreio das crianças de risco da Maternidade Júlio Dinis.
- Dr. Vasco Oliveira, que colaborou com o autor na introdução do método prescritivo de próteses
auditivas no Serviço.
- Dr. Miguel Coutinho, por ter dado continuidade à realização dos potenciais evocados auditivos, que o
autor iniciou no Serviço de ORL, e por ter tratado estatisticamente os dados de 1998, realizados por ambos.
47
- Irmã Alda (Maria do Rosário Santos - técnica de audiometria), pela dedicação inexcedível com que
realizou todos os audiogramas e timpanogramas das crianças da nossa consulta.
- Todos os colegas do Serviço em geral, a exercer presentemente funções no Serviço, colaborando com o
autor na consulta de grupo de Surdez Infantil: Dr. Felizardo Carvalho, Drª Teresa Soares, Dr. Miguel Coutinho,
Drª Idalinda Duarte, Drª Carolina Serôdio e Dr. António Magalhães.
- Associação do Hospital Maria Pia, que gentilmente ofereceu o aparelho Rastronics, analisador de
próteses auditivas do Serviço (1995).
- Symington Port and Madeira Shippers, que gentilmente ofereceu o aparelho Ratia-Alvar, de potenciais
evocados auditivos do tronco cerebral (1998).
- Eng. Mário Jorge Alves e Vasco Cordovil, pelo processamento e arranjo gráfico do texto na versão
Windows 95, versão 7.0.
- Prof. Dr. Rui Nunes, pelo seu dinamismo na área da reabilitação da criança surda, pela possibilidade de
publicação do presente estudo e pela grata confiança depositada no autor.
- Drª Maria do Rosário Rodrigues, que dactilografou e se empenhou também na execução deste trabalho,
e a quem o autor o dedica.
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