Sustentabilidade - Pedro Jacobi

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O COMPLEXO DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE A problemática da sustentabilidade assume, neste final de século, um papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvol- vimento e das alternativas que se configuram. O quadro socioambiental que caracteriza as sociedades contem- porâneas revela que o impacto dos humanos sobre o meio ambi- ente estão se tornando cada vez mais complexos, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. O conceito de desenvolvimento sustentável surge para enfrentar a crise ecológica, sendo que, pelo menos, duas correntes alimentaram esse processo. A primeira tem relação com aquelas correntes que desde a econo- mia influenciaram mudanças nas abordagens do desenvolvimento econômico, notadamente a partir dos anos 70. Um exemplo dessa linha de pensamento é o trabalho do Clube de Roma, publicado sob o título de Limites do crescimento, em 1972, que propõe, de forma catastrofista, para se alcançar a estabilidade econômica e ecológica, o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial, mostrando a realidade dos recursos limitados e indicando um forte viés para o controle demográfico. A segunda está relacionada com a crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo, que se difundiu a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, quando a questão ambiental ganha visibilida- de pública. Assim, o que se observa é que a idéia ou enfoque do desenvolvimento sustentável adquire relevância num curto espaço de tempo, assumindo um caráter diretivo nos debates sobre os ru- mos do desenvolvimento. Em 1973, Maurice Strong utilizou pela primeira vez o conceito de ecodesenvolvimento para caracterizar uma concepção alternati- va de política de desenvolvimento. (Brusecke, 1996) Os princípios básicos foram formulados por Ignacy Sachs (1993), tendo como Meio Ambiente e Sustentabilidade Pedro Jacobi Professor da Faculdade de Educação da USP e presidente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP. 175 Desenvolvimento e Meio Ambiente

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Sustentabilidade - Pedro Jacobi. Meio ambiente e sustentabilidade.

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O COMPLEXO DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE

A problemática da sustentabilidade assume, neste final de século,um papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvol-vimento e das alternativas que se configuram.

O quadro socioambiental que caracteriza as sociedades contem-porâneas revela que o impacto dos humanos sobre o meio ambi-ente estão se tornando cada vez mais complexos, tanto em termosquantitativos quanto qualitativos. O conceito de desenvolvimentosustentável surge para enfrentar a crise ecológica, sendo que, pelomenos, duas correntes alimentaram esse processo.

A primeira tem relação com aquelas correntes que desde a econo-mia influenciaram mudanças nas abordagens do desenvolvimentoeconômico, notadamente a partir dos anos 70. Um exemplo dessalinha de pensamento é o trabalho do Clube de Roma, publicadosob o título de Limites do crescimento, em 1972, que propõe, deforma catastrofista, para se alcançar a estabilidade econômica eecológica, o congelamento do crescimento da população global edo capital industrial, mostrando a realidade dos recursos limitadose indicando um forte viés para o controle demográfico.

A segunda está relacionada com a crítica ambientalista ao modode vida contemporâneo, que se difundiu a partir da Conferência deEstocolmo em 1972, quando a questão ambiental ganha visibilida-de pública. Assim, o que se observa é que a idéia ou enfoque dodesenvolvimento sustentável adquire relevância num curto espaçode tempo, assumindo um caráter diretivo nos debates sobre os ru-mos do desenvolvimento.

Em 1973, Maurice Strong utilizou pela primeira vez o conceito deecodesenvolvimento para caracterizar uma concepção alternati-va de política de desenvolvimento. (Brusecke, 1996) Os princípiosbásicos foram formulados por Ignacy Sachs (1993), tendo como

Meio Ambiente e Sustentabilidade

Pedro JacobiProfessor da Faculdade de Educação da USP e

presidente do Programa de Pós-Graduação em

Ciência Ambiental da USP.

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pressuposto a existência de cinco dimensõesdo ecodesenvolvimento, a saber:• sustentabilidade social,• sustentabilidade econômica,• sustentabilidade ecológica,• sustentabilidade espacial e• sustentabilidade cultural, introduzindo um im-

portante dimensionamento da sua complexi-dade. Esses princípios articulam-se com asteorias de autodeterminação que estavamsendo defendidas pelos países não-alinha-dos desde a década de 60.

Essas cinco dimensões refletem a leitura queSachs faz do desenvolvimento dentro de umanova proposta, o ecodesen-volvimento , que propõeações que explicitam a ne-cessidade de tornar compa-tíveis a melhoria nos níveisde qualidade de vida e apreservação ambiental. Oecodesenvolvimento apre-sentava-se mais como umaestratégia alternativa à or-dem econômica internacio-nal, enfatizando a importân-cia de modelos locais base-ados em tecnologias apro-priadas, em particular paraas zonas rurais, buscandoreduzir a dependência téc-nica e cultural.

Os pressupostos do ecode-senvolvimento e outras for-mulações desenvolvidas nos anos 70 conse-guiram introduzir o tema ambiental nos esque-mas tradicionais de desenvolvimento econômi-co prevalecentes na América Latina e, a partirdeles, avançou-se na adoção de políticasambientais mais estruturadas e consistentes.Esse processo configura-se a partir daimplementação de análises setoriais e especí-ficas que permitiram introduzir propostas,notadamente relativas ao manejo de recursos.

O ecodesenvolvimento surge para dar uma res-posta à necessidade de harmonizar os proces-sos ambientais com os socioeconômicos,

maximizando a produção dos ecossistemaspara favorecer as necessidades humanas pre-sentes e futuras. O ecodesenvolvimento apre-sentava-se como excessivamente alternativopara que as correlações de forças dentro dosistema dominante lhe permitissem extrapolarprincípios aceitáveis, desde os níveis locais/microrregionais até a escala global, em que seexplicitam atualmente os problemas do meioambiente, do desenvolvimento e da ordemmundial. (Herrero, 1997) Segundo esse autor,provavelmente a maior virtude do ecodesen-volvimento seja que, além de incorporar defini-tivamente os aspectos ecológicos no plano te-órico, enfatiza a necessidade de inverter a ten-

dência autodestrutiva dosprocessos de desenvolvi-mento no seu abuso con-tra a natureza.

Muitos desses esforçosforam esvaziados ou per-deram impulso durante osanos 80, apesar da cres-cente atuação do movi-mento ambientalista, emvirtude da centralidadeque assume a crise eco-nômica. Entretanto, caberessaltar que, se no terre-no prático o tema foi esva-ziado, o mesmo não ocor-reu no plano teórico, namedida em que foi desen-volvida vasta produção in-telectual e científica, da

qual o enfoque do desenvolvimento sustentávelé parte componente.

Nas duas décadas subseqüentes, o principaldeterminante para a crescente confluência dasduas vertentes – economicista e ambientalista– deveu-se principalmente ao avanço da criseambiental, por um lado, e ao aprofundamentodos problemas econômicos e sociais para amaioria das nações. Dentre as transformaçõesmundiais nessas duas décadas, aquelas vin-culadas à degradação ambiental e à crescentedesigualdade entre regiões assumem um lugarde destaque que reforçou a importância de se

...o principal determinante

para a crescente confluência

das duas vertentes – econo-

micista e ambientalista – de-

veu-se principalmente ao

avanço da crise ambiental,

por um lado e ao aprofun-

damento dos problemas eco-

nômicos e sociais para a mai-

oria das nações.

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adotar esquemas integradores. Embora ambosos processos tenham sido concebidos inicial-mente de maneira fragmentada, sem vin-culações evidentes, hoje torna-se mais explíci-ta a sua articulação dentro da compreensão deuma crise que assume dimensões globais. Ar-ticulam-se, portanto, de um lado, os impactosda crise econômica dos anos 80 e a necessi-dade de repensar os paradigmas existentes, e,de outro, o alarme dadopelos fenômenos de aque-cimento global e a destrui-ção da camada de ozônio,dentre outros problemas.

Assim, o que se observa éque, enquanto se agrava-vam os problemas sociaise se aprofunda a distânciaentre os países pobres e osindustrializados, emer-giram com mais impactodiversas manifestações dacrise ambiental, que se re-lacionam diretamente comos padrões produtivos e deconsumo prevalecentes.Interessa, entretanto, res-saltar que a estrutura domovimento ambiental bra-sileiro assume uma configuração multissetoriale mais complexa no final da década de 80, de-mandando atores com práticas centradas nabusca de uma alternativa viável de conserva-ção e/ou restauração do meio ambiente degra-dado. Nesse quadro, destacam-se algumas or-ganizações ambientalistas que se capacitamcada vez mais para exercer uma nítida influên-cia sobre as agências estatais de meio ambi-ente, sobre o Poder Legislativo, sobre a comu-nidade científica e o empresariado.

Esse contexto gerou condições de maior reper-cussão para um questionamento do processoem curso, que busca articular desenvolvimen-to e meio ambiente a partir do momento emque os enfoques dos organismos internacionais

1 Esse relatório é resultado do trabalho da comissão World Comission on Environment and Development, da ONU, presidida por Gro Harlem Brundtlandt e

Mansour Khalid, daí o nome do relatório final.

passam a internalizar a problemática da pre-servação e a defesa do meio ambiente.

A partir de 1987, com a divulgação do Relató-rio Brundtlandt1, também conhecido como Nos-so Futuro Comum, a idéia do desenvolvimentosustentável é retomada, representando um pon-to de inflexão no debate sobre os impactos dodesenvolvimento. O relatório é o resultado de

uma comissão da ONU eparte de uma abordagemem torno da complexidadedas causas que originamos problemas socioeco-nômicos e ecológicos dasociedade global. Não sóreforça as necessárias re-lações entre economia,tecnologia, sociedade epolítica, como chama aatenção para a necessida-de do reforço de uma novapostura ética em relação àpreservação do meio am-biente, caracterizada pelodesafio de uma responsa-bilidade tanto entre as ge-rações quanto entre os in-tegrantes da sociedadedos nossos tempos.

O Relatório Brundtlandt apresenta uma lista deações a serem tomadas pelos Estados e tam-bém define metas a serem realizadas no nívelinternacional, tendo como agentes as diversasinstituições multilaterais. Os resultados, nestefinal de década, estão muito aquém das expec-tativas e decorrem da complexidade de esta-belecer e pactuar limites de emissões, prote-ção de biodiversidade, notadamente nos paí-ses mais desenvolvidos.

No processo que conduziu à Conferência dasNações Unidas sobre o Meio Ambiente e o De-senvolvimento – a Rio 92 – o enfoque foi ado-tado como um marco conceitual que presidiutodo o processo de debates, declarações e

...a estrutura do movimento

ambiental brasileiro assume

uma configuração multisse-

torial e mais complexa no fi-

nal da década de 80, deman-

dando atores com práticas

centradas na busca de uma

alternativa viável de conser-

vação e/ou restauração do

meio ambiente degradado.

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documentos formulados. Assim, a interdepen-dência entre o desenvolvimento socioeconômi-co e as transformações no meio ambiente, du-rante décadas ignorada, entrou tanto no dis-curso como na agenda de grande parte dosgovernos do mundo. A conferência represen-tou o primeiro passo de um longo processo deentendimento entre as nações sobre as medi-das concretas visando reconciliar as ativida-des econômicas com a necessidade de pro-teger o planeta e assegurar um futuro sus-tentável para todos os povos . O relatório re-presenta o que, segundo alguns analistas, podeser denominado de refor-mismo-otimismo desde aperspectiva de expansãodo sistema econômicodominante.

É importante ressaltarque, apesar das críticasa que tem sido sujeito, oconceito de desenvolvi-mento sustentável re-presenta um importanteavanço, na medida emque a Agenda 21 Glo-bal , plano abrangentede ação para o desen-volvimento sustentável no século XXI, consi-dera a complexa relação entre o desenvolvi-mento e o meio ambiente numa variedade deáreas.

A adoção do conceito por organismos interna-cionais marca a afirmação de uma filosofia dodesenvolvimento que, a partir de um tripé, com-bina eficiência econômica com justiça social eprudência ecológica, como premissas da cons-trução de uma sociedade solidária e justa.

As dimensões apontadas pelo conceito de de-senvolvimento sustentável contemplam o cál-culo econômico, o aspecto biofísico e o com-ponente sociopolítico , enquanto referenciaispara a interpretação do mundo e para possibi-litar interferências na lógica predatória prevale-cente. O fator diferenciador entre ecodesenvol-vimento e desenvolvimento sustentável re-side a favor deste último quanto à sua dimen-

são globalizante, tanto desde o lado doquestionamento dos problemas ambientaiscomo desde a ótica das reações e soluções quesão formuladas pela sociedade.

O desenvolvimento sustentável não se refereespecificamente a um problema limitado deadequações ecológicas de um processo soci-al, mas a uma estratégia ou modelo múltiplopara a sociedade, que deve levar em conta tantoa viabilidade econômica como ecológica. Numsentido abrangente, a noção de desenvolvimen-to sustentável leva à necessária redefinição das

relações sociedade hu-mana/ natureza e, por-tanto, a uma mudançasubstancial do próprioprocesso civilizatório.Isso se integra plena-mente dentro das cincodimensões enunciadaspor Sachs (1993) e in-troduz o desafio de pen-sar a passagem do con-ceito para a ação.

Numa reflexão nessadireção, é preciso per-ceber a existência de

um conjunto de restrições tecnológicas, cultu-rais, econômicas e socioambientais , das quaisefetivamente dependem as possibilidades re-ais de aplicação prática dessas premissas. Afalta de especificidade e as pretensõestotalizadoras têm tornado o conceito de desen-volvimento sustentável difícil de ser classifica-do em modelos concretos e operacionais e ana-liticamente precisos. Por isso, ainda é possívelafirmar que não constitui um paradigma no sen-tido clássico do conceito, mas uma orientaçãoou um enfoque, ou ainda uma perspectiva queabrange princípios normativos.

Freqüentemente observa-se o conceito de de-senvolvimento sustentável como idéia-forçaintegradora, apesar do consenso que tem sidoconstruído e que serve para impulsionar osenfoques integradores entre meio ambiente edesenvolvimento, assim como de forma para-lela entre economia e ecologia. Pode-se afir-

...a noção de desenvolvimento

sustentável leva à necessária

redefinição das relações socie-

dade humana/ natureza e, por-

tanto, a uma mudança substan-

cial do próprio processo civili-

zatório.

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mar que a transcendência do enfoque sobre odesenvolvimento sustentável radica-se mais nasua capacidade de idéia-força, nas suas reper-cussões intelectuais e no seu papel articuladorde discursos e de práticas atomizadas e que,apesar de seguirem fragmentados, têm umamatriz única, originada na existência de umacrise ambiental, econômica e também social.

O desenvolvimento sustentável somente podeser entendido como um processo em que, deum lado, as restrições mais relevantes estãorelacionadas com a exploração dos recursos,a orientação do desenvolvimento tecnológico eo marco institucional. De outro, o crescimentodeve enfatizar os aspectos qualitativos,notadamente aqueles relacionados com a eqüi-dade, o uso de recursos– em particular da ener-gia – e a geração de re-síduos e contaminan-tes. Além disso, a ênfaseno desenvolvimento devefixar-se na superaçãodos déficits sociais nasnecessidades básicas ena alteração de padrõesde consumo, principal-mente nos países de-senvolvidos, para podermanter e aumentar os recursos-base, sobretu-do os agrícolas, energéticos, bióticos, minerais,ar e água.

A questão que se coloca é: como superar ascontradições e qual o alcance de propostas al-ternativas no atual cenário mundial?

O que se observa é que o desequilíbrio acelera-do na apropriação e uso dos recursos e do capi-tal ecológico, que sistematicamente favorece ocentro dominante do sistema econômico, tem aforça potencial de concentrar os problemas domeio ambiente e do desenvolvimento. A estru-tura desigual no acesso e distribuição dos re-cursos do planeta e a influência que exercem asdisparidades dos poderes econômicos e políti-cos agudizam de forma desproporcional as de-sigualdades sociais e internacionais e os desa-justes ambientais, à medida que o sistema eco-

nômico mundial se aproxima dos limites ecoló-gicos do ecossistema global.

Assim, a idéia de sustentabilidade implica aprevalência da premissa de que é preciso defi-nir uma limitação nas possibilidades de cresci-mento e um conjunto de iniciativas que levemem conta a existência de interlocutores e parti-cipantes sociais relevantes e ativos através depráticas educativas e de um processo de diálo-go informado, o que reforça um sentimento deco-responsabilização e de constituição de va-lores éticos. Isso também implica que uma po-lítica de desenvolvimento na direção de umasociedade sustentável não pode ignorar nemas dimensões culturais nem as relações depoder existentes e muito menos o reconheci-

mento das limitaçõesecológicas, sob pena deapenas manter um pa-drão predatório de desen-volvimento.

Atualmente, o avançorumo a uma sociedadesustentável é permeadode obstáculos, na medi-da em que existe umarestrita consciência nasociedade a respeito das

implicações do modelo de desenvolvimento emcurso. Pode-se afirmar que as causas bási-cas que provocam atividades ecologicamentepredatórias podem ser atribuídas às institui-ções sociais, aos sistemas de informação ecomunicação e aos valores adotados pela so-ciedade. Isso implica principalmente a neces-sidade de estimular uma participação mais ati-va da sociedade no debate dos seus destinos,como uma forma de estabelecer um conjuntosocialmente identificado de problemas, objeti-vos e soluções. O caminho a ser desenhadopassa necessariamente por uma mudança noacesso à informação e por transformaçõesinstitucionais que garantam acessibilidade etransparência na gestão. Existe um desafio es-sencial a ser enfrentado e este está centradona possibilidade de que os sistemas de infor-mações e as instituições sociais se tornemfacilitadores de um processo que reforce os

A questão que se coloca é:

como superar as contradições

e qual o alcance de propostas

alternativas no atual cenário

mundial?

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argumentos para a construção de uma socie-dade sustentável, a partir de premissas cen-tradas no exercício de uma cidadania ativa ena mudança de valores individuais e coletivos.Para tanto é preciso que se criem todas ascondições para facilitar o processo, suprindodados, desenvolvendo e disseminando indica-dores e tornando transparentes os procedi-mentos através de práticas centradas na edu-cação ambiental, que pos-sam garantir os meios decriar novos estilos de vida,desenvolver uma consci-ência ética que questioneo atual modelo de desen-volvimento marcado peloseu caráter predatório epelo reforço das desigual-dades socioambientais.

A sustentabilidade comonovo critério básico e inte-grador precisa estimularpermanentemente as res-ponsabilidades éticas, namedida em que a ênfasenos aspectos extra-econô-micos serve para reconsiderar os aspectos re-lacionados com a eqüidade, a justiça social e aética dos seres vivos.

AS CIDADES E A NECESSIDADE DE IMPLEMENTAR

POLÍTICAS DE SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

A reflexão em torno das práticas sociais, numcontexto urbano marcado pela degradação per-manente do meio ambiente e do seu ecos-sistema, não pode prescindir da análise dosdeterminantes do processo, dos atores envol-vidos e das formas de organização social quepotencializam novos desdobramentos e alter-nativas de ação numa perspectiva de susten-tabilidade. A noção de sustentabilidade implicauma necessária inter-relação entre justiça so-cial, qualidade de vida, equilíbrio ambiental e anecessidade de desenvolvimento com capaci-dade de suporte.

No contexto urbano metropolitano brasileiro, osproblemas ambientais têm se avolumado a pas-

sos agigantados e a sua lenta resolução temse tornado de conhecimento público pela viru-lência do seu impacto – aumento desmesura-do de enchentes, dificuldades na gestão dosresíduos sólidos e interferência crescente dodespejo inadequado de resíduos sólidos emáreas potencialmente degradáveis em termosambientais, impactos cada vez maiores da po-luição do ar na saúde da população.

A preocupação com odesenvolvimento susten-tável representa a possi-bilidade de garantir, se-gundo Rees (1988), mu-danças sociopolíticasque não comprometamos sistemas ecológicos esociais nos quais se sus-tentam as comunidades.É cada vez mais notóriaa complexidade desseprocesso de transforma-ção de um cenário urba-no crescentemente nãosó ameaçado, mas dire-tamente afetado por ris-

cos e agravos socioambientais.

Adotamos os argumentos de Beck (1994) rela-tivos à configuração de uma lógica da distribui-ção de riscos. Isso é plenamente compatívelcom os aspectos acima apresentados, uma vezque o desafio que está colocado é o de criar ascondições para, se não reduzir, pelo menos ate-nuar o preocupante quadro de riscos existente,que afeta desigualmente a população. Os ris-cos, segundo Beck, estão diretamente relacio-nados com a modernidade reflexiva e os aindaimprevisíveis efeitos da globalização.

O tema da sustentabilidade confronta-se como que Beck denomina de paradigma da soci-edade de risco . Isso implica a necessidade damultiplicação de práticas sociais pautadas pelaampliação do direito à informação e da educa-ção ambiental numa perspectiva integra-dora.Trata-se de potencializar iniciativas a par-tir do suposto de que maior acesso à informa-ção e transparência na gestão dos problemas

A noção de sustentabilidade

implica uma necessária

inter-relação entre justiça

social, qualidade de vida,

equilíbrio ambiental e a ne-

cessidade de desenvolvi-

mento com capacidade de

suporte.

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ambientais urbanos pode significar uma reor-ganização de poder e autoridade.

A passagem da compreensão dos problemasambientais de uma ótica mais centrada nas ci-ências naturais para um escopo mais abran-gente sobre o tema inclui também o componen-te social, ampliando a compreensão da ques-tão para uma dimensão socioambiental, não seesquecendo de levar em conta critérios cultu-rais e determinações específicas das políticaspúblicas.

A preocupação com otema do desenvolvimen-to sustentável introduznão apenas a sempre po-lêmica questão da capa-cidade de suporte2, mastambém os alcances e li-mites das ações destina-das a reduzir o impactodos agravos no cotidianourbano e as respostaspautadas por rupturas nomodus operandi da omis-são e conivência com aspráticas autofágicas pre-dominantes.

Torna-se preciso incrementar os meios e o aces-so à informação, assim como do papel indutivodo Poder Público, na oferta de conteúdosinformacionais e educativos, emergem indaga-ções quanto aos condicionantes de processosque ampliem as possibilidades de alteração doatual quadro de degradação socioambiental.

O tema dos resíduos sólidos é provavelmenteaquele que melhor exemplifica as possibilida-des de formulação de políticas públicasminimizadoras ou preventivas. Entretanto, a ti-midez das iniciativas e a descontinuidade daspolíticas têm criado um verdadeiro círculo vici-oso pautado pela lógica da paralisia e oenfrentamento através de práticas alternativasda lógica do status quo. Diversas experiências

2 O texto de Daniel Hogan Crescimento populacional e desenvolvimento sustentável, publicado em Lua Nova, São Paulo: Cedec, n. 31, 1993, apresenta uma

excelente reflexão em torno desse tema.

...maior acesso à informa-

ção e transparência na ges-

tão dos problemas ambien-

tais urbanos pode significar

uma reorganização de poder

e autoridade.

bem-sucedidas de gestão a partir de práticasalternativas mostram que é possível rompercom o círculo vicioso existente e engajar a po-pulação em ações pautadas pela co-respon-sabilização e compromisso com a defesa domeio ambiente. (Cirs, 1998)

Em nenhum outro caso existem, segundo White& Whitney (1992), condições tão favoráveispara estabelecer os vínculos entre a atividadehumana e o sistema ecológico como quanto àforma como uma sociedade administra os

dejetos que produz. Esseargumento é vital, umavez que transcende o as-pecto específico da ges-tão dos resíduos sólidose abre um vasto campode aprofundamento emtorno dos meios e finspara atingir algum grau desustentabilidade socio-ambiental. Outros temasurbanos que, por excelên-cia, estão relacionadoscom o da sustentabilidadesão as opções de trans-porte, o planejamento e

uso do solo e o acesso aos serviços de sanea-mento e infra-estrutura básica, todos eles vin-culados à potencialização de riscos ambientais.

O principal desafio nos dias atuais é que as ci-dades, independentemente do seu porte, cri-em as condições para assegurar uma qualida-de de vida que possa ser considerada aceitá-vel, não interferindo negativamente no meioambiente do seu entorno e agindo preventiva-mente para evitar a continuidade do nível dedegradação, notadamente nas regiões habita-das pelos setores mais carentes.

A sua inclusão na esfera da sustentabilidadeambiental implica uma transformação para-digmática, constituindo-se em elemento comple-mentar para atingir um desenvolvimento econô-mico compatível com a busca de eqüidade.

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A modernização dos instrumentos requer umaengenharia socioinstitucional complexa, apoi-ada em processos educacionais e pedagógi-cos, para garantir condições de acesso dos di-versos atores sociais envolvidos e notadamentedos grupos sociais mais vulneráveis, às infor-mações em torno dos serviços públicos e dosproblemas ambientais.

Tendo como referência o agravamento dos pro-blemas e a crescente sensação de paralisia einsolubilidade dos impactos destrutivos da cri-se do metabolismo urba-no, o desafio ambientalurbano deve centrar-seem ações que dinami-zem o acesso à consci-ência ambiental dos ci-dadãos a partir de um in-tenso trabalho de educa-ção. Mas também é im-portante estar conscien-te das dificuldades quehoje existem para via-bilizar, por exemplo, pro-postas que articulam re-dução da degradaçãoambiental com geraçãode renda. Embora essetema seja objeto de projetos pautados pela von-tade política dos administradores municipais,nem sempre a intencionalidade é bem-sucedi-da ou bem compreendida pelos moradores. Tra-ta-se de programas que exigem um período deamadurecimento e cuja legitimação é bastantelenta por parte dos diversos estratos sociais.(Jacobi, 1994)

Atualmente vive-se uma situação contraditória,que tem, se não desestimulado, pelo menos di-ficultado a manutenção de iniciativas dereciclagem através de cooperativas de cata-dores. Trata-se de experiências que devem servalorizadas, apesar da sua pequena escala,porque geram benefício econômico (garantia derenda estável às famílias envolvidas); benefí-cio ambiental (reciclagem de diversos materi-ais ) e benefício social, pois esse trabalho pro-porciona possibilidades de integração social depessoas que sempre estiveram marginalizadas.

O cenário atual, marcado pela crescente ex-clusão social provocada por um mercado detrabalho cada vez mais seletivo, introduz umfator complicador, uma vez que um númerocada vez maior de pessoas não tem outra op-ção senão trabalhar em empregos socialmen-te excluídos. As massas crescentes de desem-pregados que potencialmente poderiam ser ab-sorvidas em cooperativas de reciclagem têmcontra si a quase total inexistência de meca-nismos que incentivem a expansão desse tipode iniciativa.

O grande desafio que secoloca é, por um lado,gerar empregos compráticas sustentáveis e,por outro, fazer crescero nível de consciênciaambiental, ampliando aspossibilidades de a po-pulação participar maisintensamente nos pro-cessos decisórios comoum meio de fortalecer asua co-responsabiliza-ção na fiscalização econtrole dos agentesresponsáveis pela de-

gradação socioambiental.

Finalmente, é importante ressaltar que umaagenda para a sustentabilidade ambiental ur-bana deve levar em conta a relevância de esti-mular a expansão dos meios de acesso a umainformação geralmente dispersa e de difícil com-preensão, como parte de uma política de forta-lecimento do papel dos diversos atoresintervenientes.

O momento atual exige que a sociedade este-ja mais motivada e mobilizada para assumirum caráter mais propositivo, assim como parapoder questionar de forma concreta a falta deiniciativa dos governos para implementar polí-ticas pautadas pelo binômio sustentabilidadee desenvolvimento, num contexto de crescen-tes dificuldades para promover a inclusão so-cial. Diversas experiências bem-sucedidas,principalmente por parte de administrações

o desafio ambiental urbano

deve centrar-se em ações que

dinamizem o acesso à consci-

ência ambiental dos cidadãos

a partir de um intenso trabalho

de educação.

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municipais, mostram que, havendo vontadepolítica, é possível viabilizar ações governa-mentais pautadas pela adoção dos princípios

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