Tango Duarte
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Heloísa de Araújo Duarte Valente Brasil
A media luz: alguns tons para uma escuta
clariaudiente do tango brasileiro1
A matéria do tango Tratar da matéria do tango é, antes de mais nada, tratar de uma longa viagem: ao
próprio gigantismo do planeta; ao próprio âmago da linguagem musical. O tango é um
gênero que vem resistindo às modas, aos modismos, aos bruscos solavancos que
movimentam a própria história do mundo. Dotado de uma admirável capacidade de
movência (Zumthor), a passagem de guerras, revoluções tecnológicas parece nada ter
feito senão realimentá-lo. O tango é um gênero nômade (Pelinski, 1995) que, tendo fixado
raízes em determinado espaço-tempo, transpõe-se para outras culturas, de acordo com
as feições locais. Se não é a primeira música popular urbana a ter sido levada às mídias,
pelo menos encontra-se entre as primeiras delas. De todo modo, com maior ou menor
freqüência, trata-se de uma música que há mais de cem anos permanece constantemente
nas mídias.
1 Agradeço o apoio financeiro da Fapesp, que me concedeu bolsa de pó-doutorado.
A media luz
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Dito isto, temos a dizer, de chofre: não existe tango, mas tangos. Ainda que a
vertente mais importante dele seja a originária na bacia do Rio da Prata - matriz de outros
tangos subseqüentes - não se pode desprezar a presença de outros tangos ou mesmo as
derivações do tango rioplatense. É o caso do tango brasileiro, do qual nos ocuparemos
adiante.
Antes de avançarmos a estas questões, cabem algumas considerações iniciais. O
tango toca profundamente no imaginário de um substantivo número de pessoas;
independentemente do nível de aproximação com essa música. Não é raro observar nas
pessoas um sorriso discreto, um olhar brilhante e imaginativo (para não dizer
deslumbrado) quando o assunto tango vem à baila. Às vezes, a expressão gestual se
abre em palavras, numa uma exclamação espontânea:- Que lindo! O que pensam tais
pessoas a respeito do tango? Que traços característicos bombardeiam a sua imaginação?
Não há dúvida de que tal comportamento está diretamente ligado a certos valores
culturais que permeiam a própria história do tango. Não se restringe ao submundo do
tango, transgressor, apaixonado e delinqüente; ou ao mais lamurioso e lacrimejante dos
rincões sentimentais.
O universo temático do tango se nutre, em grande medida, dos próprios
sentimentos e valores (não raro estereotipados) que a um só tempo o vitimam e o
ajudaram a edificá-lo. Por razões diversas, o tango vive, em grande parte, ainda hoje,
aprisionado numa imagem construída em torno de uma galeria de personagens que se
autoflagelam, lastimando perdas (de amores, da juventude, da mãe), desvios morais que
condenaram à perdição da alma (prostituição, traição); ao mesmo tempo, fala-se com
ternura e saudade do passado pobre e feliz, da pátria que ficou para trás. Estes temas
são comuns não apenas no tango. Podem ser facilmente localizáveis em outros gêneros
como no fado e em algumas vertentes do canto flamenco, pelo menos no que tange à
perspectiva temática da letra: solidão, nostalgia, saudade, perda, lembrança, melancolia;
sentimentos que derivam de um pano de fundo comum, que toca diretamente às raízes da
cultura: a morte.
É certo que tais características são comuns às canções do final do século XIX em
diante, quando a industrialização promovida pelo capitalismo crescente arrancou
Heloísa de Araújo Duarte Valente
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comunidades rurais e as encaixotou nas fábricas. Nostalgia que desponta como busca de
identidade: o (i)migrante colocado à margem, tenta recuperar-se nos mitos de origem,
abrindo caminho para a criação de uma cultura das bordas e dos arredores. Entretanto,
existe algo no tango, talvez no seu tom, na sua ambiência, que o diferencia das outras
canções. Música de origens múltiplas e mestiças – predominantemente ibéricas (e aqui
incluam-se as influências mouras e judaicas nela já anteriormente embutidas), italianas e
gauchescas – formam diferenciadas paisagens sonoras que tracejam paisagens de
memória confluentes.
Contudo, apesar dessa imagem inicial calcada, do tango desembocam outros
afluentes. No caso argentino, o tango nasceu instrumental e brejeiro, há mais de cem
anos. Apenas quando passou a receber letra tornou-se canção sentimental; mais
precisamente, a partir de 1917, ano em que Gardel grava Mi noche triste. E assim
permaneceu por mais de vinte anos. Na década de 1940, o tango rioplatense contava
com duas vertentes centrais: o tradicionalista, mais dirigido aos salões de baile, e o
evolucionista, mais preocupado com o aspecto musical. É quando músicos de formação,
interessados no gênero, o adotam sob outra perspectiva: torna-se, a partir daí, material de
base para a elaboração de obras de alta complexidade técnica e composicional. Nesse
entretempo, o tango já havia se espalhado por países e culturas tão distantes e diferentes
entre si como a França, a Alemanha, a Finlândia ou o Japão.
Sobre as origens do tango
Gênero prolífico e mutante, o tango reluta, desde seu surgimento, a declarar
origens precisas. Vários estudos há referentes ao tema; igualmente numerosas são as
suposições acerca das suas raízes, não existindo ainda um consenso entre os autores2
(Appril, 1998; Grünewald, 1994; Kiefer, 1983; Salinas Rodríguez, 1994, entre outros).
2 Um levantamento a esse respeito é empreendido por José Gobello, no 1º volume da Historia del Tango (1976). O autor chega a sugerir a hipótese de que o termo tenha origens lusitanas, derivada do verbo tanger (1976: 139-140).
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Ainda assim, é muito freqüente a associação etimológica do termo tango aos bailes
africanos acompanhados por tambor, ainda no século XIX (Salinas Rodríguez, 1994: 122).
Estes bailes acompanhados por tambor teriam supostamente, como característica algum,
toque particular que teria sido assimilado na constituição rítmica do tango. De maneira
mais ou menos próxima, o tango estaria atrelado à dança.
A relação entre música e dança também é encontrada em Mário de Andrade que
registra, em seu Dicionário de Música Brasileira, algumas definições coligidas, nesse
sentido: “1.Dança com canto popularizada nas Américas Central e do Sul e na Espanha
no início deste século, caracterizada pelo ritmo 4/8 (semicolcheia, colcheia, semicolcheia,
2 colcheias)”. Andrade retoma a obra de Maria Mercedes Griffin, para quem as
componentes básicas do tango encontrar-se-iam em três danças de fórmula rítmica
semelhantes. Estas teriam contribuído para a fixação do novo gênero. São elas:
“o tango da Andaluzia (Espanha), a habanera (Cuba) que na Espanha foi muitas vezes confundida com o tango, e a milonga, de Buenos Aires (Argentina), que sofreu influência dos ritmos negros. A milonga, originalmente uma forma lírica, passou a ser dançada depois de sua mistura com a habanera; foi esta a dança que sobreviveu à passagem do século, sendo conhecida como tango”.
(1989: 501)
Conforme apontam diversas fontes, por volta de 1880, o tango já apresentava
características de música argentina.
Um outro elemento vem dificultar ainda mais a compreensão acerca da sua
natureza e do seu domínio. No primeiro volume da essencial Historia del Tango, Blas
Matamoro, mostra que não havia um consenso claro, por parte das pessoas daquela
época sobre o que vinha a ser exatamente o tango; tanto é verdade que, quando este
começa a expandir-se, no final do século XIX, chega a ser confundido com outros
gêneros, como milonga, habanera3, zarzuela, candombe negro (1976:57). Já em seus
primórdios, o tango deixava-se levar por seu caráter resvaladiço mutante, nômade...
3 Apesar de existir o aportuguesamento havaneira, proposto por Mário de Andrade, mantemos a forma espanhola, por ser de domínio comum.
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Tratando-se de uma modalidade de canção das mídias, a história do tango
rioplatense já é bastante longa, contando com diversos documentos, relativamente à sua
evolução: fonogramas, revistas, arquivos de jornais, depoimentos de músicos, críticos e
diletantes em grupos de discussão na Internet4, entre outros. Felizmente, tem sido e vem
sendo objeto de estudo em vários locais do mundo, em suas diversas modalidades
(dança, poesia, música). Estas razões permitem-nos evitar de repetir o que já se encontra
didaticamente exposto nas incontáveis histórias do tango, tais como o clássico El tango,
de Horacio Salas (1989), Le siècle d’or du tango (1998) ou El tango – su historia y
evolución (1999), ambos de autoria de Horacio Ferrer; ou ainda o Guide du tango, de
Pierre Monette (1992) - apenas para citar alguns títulos mais recentes.
O tango brasileiro: variações em duas coplas
1a. copla Existe uma variante do tango que se deu no Brasil5 e que teve, por sua vez, outros
desdobramentos; sofreu igualmente influência da habanera. Aqui, a habanera mesclou-se
à polca e ao lundu. Embora haja uma idéia aceita pelo senso comum de que o tango
brasileiro e o maxixe designem um mesmo gênero musical - tango seria um eufemismo
para atenuar o espírito lascivo do maxixe - tal afirmativa não é aceita pelo musicólogo Luiz
Heitor Correia de Azevedo, para quem o maxixe não constitui, em si, um gênero musical,
mas, antes de tudo, uma coreografia:
“Maxixe foi, a princípio, uma maneira de dançar a polca, a habanera ou o tango, que desta tinha derivado. Segundo o depoimento de cronista da época, a polca era então dançada, no Rio de Janeiro, com arrastar de pés e ondulações nos quadris. Tais requebros, descendentes em linha direta da maneira de bailar crioula, é que haviam de caracterizar o maxixe. Não se sabe ao certo nem como nem por que tal designação foi dada à nova dança. O fato é que no século XIX raramente se encontram peças musicais assim
4 Consulte-se, especialmente, a página dedicada a Astor Piazzzolla: [email protected]. 5 Paulo P. Augusto adverte para o fato de que a expressão tango brasileiro é incorreta; na verdade, dever-se-ia, considerá-lo, mais precisamente, como tango carioca (1997:117).
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denominadas, apesar da dança se ter tornado muito popular e ser praticada entusiasticamente fora dos salões: nos palcos dos teatros ligeiros ou em bailes populares. O que há são polcas-maxixes ou tangos-maxixe.(...) Não havia música chamada maxixe; mas, apenas, polcas ou tangos amaxixados”
(1956: 147-148)
Ao que acrescenta Paulo Augusto: o maxixe coreografava tangos, mas não
somente tangos: havia também outros gêneros como a valsa que assimilaram a
coreografia do maxixe (1997:123).
Tomando por base a asseveração de Luiz Heitor, podemos observar que as
nuanças entre um e outro gênero não se mostravam muito precisas, além de se
mesclarem com a dança. Ainda assim, a partir da década de 1870, o tango aqui composto
e executado já apresenta características autóctones. Sobre isso, afirma Mário de
Andrade:
“Numa coleção de tangos e havaneras, editadas por Henrique Levy, São Paulo, legítimos lundus dançados de negros, como O amor tem fogo, e o Chô Araúna vêm indicados como ‘tangos’ no subtítulo. O mesmo que ‘habanera brasileira’, segundo A. Friedenthal que analisou a melodia O Amor tem fogo, do início da década de 1880: ‘uma dança muito popular, cuja apresentação coreográfica é a mesma que nas Índias Ocidentais e em outros países. O acompanhamento do conhecido ritmo da habanera é, em geral, o mesmo no Brasil e nos países ibero-americanos”.
(Andrade, 1989)
O primeiro tango brasileiro tenha sido, possivelmente, Olhos matadores (1871), de
Henrique Alves de Mesquita, logo seguido de Ali Babá (Kiefer, 1983: 36), esclarece o
compositor Bruno Kiefer, tomando por referência os estudos de Baptista Siqueira. Ainda
na mesma década de 1870, Chiquinha Gonzaga compõe vários tangos (brasileiros)
obtendo grande sucesso. Estes dados provam que o tango brasileiro é anterior ao
argentino - o que implica dizer que não há tango, mas tangos.
De todo modo, o tango brasileiro é normalmente associado a um gênero
instrumental e mais ainda, à figura de Ernesto Nazareth que, embora não tenha sido o
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responsável direto pela sua fixação6, pelo menos foi ele quem consolidou o gênero,
deixando inúmeras obras definitivas para piano. Do seu repertório constam mais de
noventa tangos. Além daqueles denominados apenas como tangos, encontram-se
também: “tango característico, tango carnavalesco, tango meditativo, tango de salão,
tango fado, tango habanera, tango milonga e tango argentino” (Mozart de Araújo apud
Kiefer, 1983: 42-43). Além de Nazareth, outros compositores interessaram-se pelo tango,
ao longo das décadas seguintes7.
Como sinalizam estes autores, havia uma certa flexibilidade na classificação dos
diferentes tangos, na Argentina e no Brasil de finais de século XIX e, em ambos os
países, o gênero se misturava. O que ocorre é que não havia, de fato, a necessidade de
estabelecer fronteiras nítidas entre o tango de origem rioplatense ou brasileira. O sucesso
estrondoso do tango portenho em Paris, em 1913, entretanto, tornará necessária a
criação de uma distinção de nacionalidade. Arraigado em Paris, o tango argentino,
estabelecer-se-á como dança social em todo o mundo, amoldando-se ao perfil local (Nova
Iorque, Tóquio, Berlim Madri etc.). O tango, enquanto gênero musical, é dotado de grande
movência (Zumthor, 1997), permitindo-se transfigurar, expandir-se em suas formas
nômades (Pelinski, 1995). O Brasil também não escaparia das influências do tango
rioplatense, absorvendo-as de maneira bastante peculiar.
2a. copla O tango rioplatense no Brasil: Como acabamos de observar, existiu, de fato, um
tango brasileiro, protagonizado pela figura de Nazareth. Mas este gênero musical ainda
faria uma segunda entrada no país. Sabe-se que o tango portenho já se havia
estabelecido na capital francesa nos primeiros anos do século XX. Em 1913, seu sucesso
é estrondoso, propagando-se por toda a Europa e, de lá para a América do Norte, Oriente 6 Quando Nazareth lançou a primeira peça onde a palavra tango aparecia (Rayon d’Or, polca-tango), tal gênero musical já era bastante conhecido e praticado entre os compositores locais (Kiefer, 1983: 42). 7 O Dicionário de Música Brasileira registra as seguintes obras intituladas Tango, criadas pelos seguintes compositores: Francisco Mignone (1931), Meneleu Campos (1897). Como Tango Brasileiro: Alexandre Lévy (1890), André de Sá Pereira (s/d), Chiquinha Gonzaga (1880), Isaías Sávio, para violão (s/d); Najla Jabor (s/d), para orquestra. Com outros epítetos: Tango caprichoso, para violino e orquestra: Francisco
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e Extremo Oriente. No Brasil, chega por volta da década de 1920. Nossos ouvidos se
abrem para o tango cantado, sobretudo e, mais ainda, para a voz inolvidável de Carlos
Gardel. O tango argentino passa a ser traduzido, adaptado, parodiado.
O tango portenho transplantou-se como tango nômade no Brasil, em modos
diversos. De fato, é curioso observar que, no processo de territorialização (Pelinski, 1995),
o tango foi assimilado no país de diversas formas e teve enorme repercussão: quer como
tango argentino em versão original, quer traduzido para o português. José Lino Grünewald
apresenta uma vasta relação de tangos criados por compositores brasileiros ou radicados
no Brasil, assim como de tangos argentinos que passaram por adaptações, no período de
1927 a 1929 (1994: 23-30). Francisco Alves gravou versões de vários êxitos de Gardel,
obtendo grande sucesso (Adiós Muchachos, Noche de reyes, Esta noche me emborracho,
Mi Buenos Aires querido, Amores de estudiante). Além das versões originais e adaptadas,
alguns compositores, como a dupla Herivelto Martins/ David Nasser chegaram a compor
vários tangos argentinos (nômades) que se notabilizaram na voz de Nelson Gonçalves:
Carlos Gardel, Hoje quem paga sou eu; Vermelho 27; Estrelas na lama.
No que tange à temática, o tango assume o papel catártico da canção trágica: o
tango desdobra-se em citação, evocação, metalinguagem. Empenhados no gênero
musical e também na temática, letristas e cantores levam ao limite extremo alguns dos
exageros que as narrativas do tango apresentam: “Fui cão de uma mulher/ a quem
julgava honesta/ tratou-me como um cão/ e eu lhe fazia a festa” (Grünewald, 1994: 30).
Até o momento, parece-nos, ainda não existem explicações teóricas que justifiquem a
formação do gosto por temáticas dessa natureza.
Enquanto a preocupação com os textos é perseguida às últimas conseqüências,
não podemos afirmar que, em termos musicais, o zelo siga o mesmo termo, no que tange
ao emprego dos recursos expressivos. Perdem-se o recitativo, os floreios e ornamentos
instrumentais; o emblemático bandoneon, via de regra, desaparece, sendo substituído
pelo acordeão; os contrastes até violentos de modos de ataque se atenuam
consideravelmente. Por sua vez, o cantor opta pela empostação e articulação bastante
Braga (1937);Tango-batuque, de Luciano Gallet (1918; 1919), entre outros. Com exceção dos títulos onde não está especificado o meio de expressão, fique subentendido o piano.
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marcada, diferentemente do tanguero mais castiço, que oscila seu fraseado entre sotto
voce e a voz de peito, opta por um fraseado com voz de peito. Em síntese, podemos
afirmar que a vertente brasileira do tango cantado é menos rica em contrastes - o que a
torna menos interessante, no aspecto composicional.
A partir da década de 1950 a presença do tango torna-se pouco representativa. O
Brasil se volta para a Bossa Nova e outras bossas (rock, Tropicália), de modo que a
presença do tango estará mais relacionada às antigas peças compostas para piano, como
as de Ernesto Nazareth, constantes nos programas curriculares dos conservatórios
musicais. O tango reaparecerá de tempos em tempos, sob um enfoque
predominantemente caricatural, simbolizando erotismo, exotismo, afetação quando não
pornografia - e essa concepção estigmatizada caracterizará (assim como ainda hoje)
diversas trilhas sonoras de propagandas e de filmes, ainda que as composições não
tenham sido realizadas com fins satíricos ou paródicos, dos quais O último tango em
Paris, de Gato Barbieri e Toda nudez será castigada, de Astor Piazzolla são exemplos.
Ainda assim, a associação de tango a erotismo parece inescapável...
O tango no Brasil tem, assim, um papel, não apenas na história da linguagem
musical que ainda não foi suficientemente inventariado ou discutido. Descrever o seu
processo de territorialização poderia ser um bom começo. Tal tarefa, ao que tudo indica,
até o presente momento, não foi ainda levada adiante, embora alguns elementos possam
ser colhidos na pesquisa publicada por Grünewald (1994)8. Certamente, um estudo crítico
dos elementos que compõem o imaginário dos temas das canções, bem como as
variantes da performance (Zumthor, 1997), arranjos instrumentais, entre outros, poderiam
contribuir para melhor compreender essa música que, de algum modo, é o retrato sonoro
da história cultural de nosso país.
8 Este trabalho em curso vem deparando com dificuldade de acesso às fontes primárias. Infelizmente, muito embora haja boa vontade e solicitude por parte dos bibliotecários, os arquivos não dispõem de recursos que ofereçam ao consulente catálogos completos, ainda que não informatizados; a audição de discos e outras mídias, via de regra, só pode ser feita no local, que nem sempre possui os aparelhos de reprodução. Mais ainda: simples cópias (textos, fitas magnéticas) têm custo elevadíssimo e são limitadas a poucas unidades por pessoa. Como se isto não bastasse, entidades representativas como o MIS-Rio de Janeiro, oferece um período de atendimento que muito deixa a desejar. A disposição dos pesquisadores particulares é que, muitas vezes, acaba por cumprir a parte que seria, por dever e justiça, do Ministério da Cultura.
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Dicionário musical brasileiro. (coordenação: Flávia Toni, 1984-1989). Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: MINC; São Paulo: Edusp; IEA-USP.
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