Tarefas de investigação no ensino e aprendizagem das sucessões · professor pode escolher apenas...

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1 Tarefas de investigação no ensino e aprendizagem das sucessões Magda Pereira Escola Secundária com 3º CEB do Sabugal Manuel Joaquim Saraiva Departamento de Matemática da Universidade da Beira Interior, Covilhã 1. Introdução Como importante veículo para introduzir conceitos e ideias matemáticas e aprofundar os conteúdos já leccionados em aulas anteriores, torna-se fundamental que o professor proponha aos seus alunos situações que permitam explorar e descobrir Matemática. Investigar na sala de aula proporciona ao professor e aos alunos liberdade de criação, utilização e comparação de uma ampla variedade de representações mentais, de conjectura e de métodos de resolução. Mas, como integrar e implementar nas aulas tarefas de investigação matemática, atendendo à necessidade de leccionar os conteúdos matemáticos e de desenvolver as competências nos alunos explicitadas nos documentos oficiais? Como articular com as investigações outro tipo de tarefas, como a resolução de exercícios e problemas e os momentos de exposição de temas matemáticos? No âmbito de um estudo efectuado pela primeira autora do texto, aquando da realização de uma experiência com alunos do 11º ano de escolaridade, no estudo das sucessões, no ano lectivo 2002/2003, será apresentada uma tarefa de investigação matemática e as estratégias adoptadas pela professora/investigadora e pelos alunos, quer durante a implementação das tarefas, quer nas aulas que a mediaram, bem como algumas conclusões que decorreram do estudo em causa. 2. O conhecimento, o ensino, a aprendizagem e as tarefas de investigação na aula O conhecimento é hipotético e falível e a ciência progride a partir de problemas, conjecturas e refutações (Lakatos, 1976). No processo criativo da Matemática, e para Pólya (1977), a vertente indutiva assume um papel fundamental. Concordando com estas perspectivas, Braumann (2002) afirma que a aprendizagem da Matemática reveste- se de uma forte intervenção investigativa, onde a exploração, a descoberta de

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Tarefas de investigação no ensino e aprendizagem das sucessões

Magda Pereira Escola Secundária com 3º CEB do Sabugal

Manuel Joaquim Saraiva

Departamento de Matemática da Universidade da Beira Interior, Covilhã

1. Introdução

Como importante veículo para introduzir conceitos e ideias matemáticas e

aprofundar os conteúdos já leccionados em aulas anteriores, torna-se fundamental que o

professor proponha aos seus alunos situações que permitam explorar e descobrir

Matemática. Investigar na sala de aula proporciona ao professor e aos alunos liberdade

de criação, utilização e comparação de uma ampla variedade de representações mentais,

de conjectura e de métodos de resolução. Mas, como integrar e implementar nas aulas

tarefas de investigação matemática, atendendo à necessidade de leccionar os conteúdos

matemáticos e de desenvolver as competências nos alunos explicitadas nos documentos

oficiais? Como articular com as investigações outro tipo de tarefas, como a resolução de

exercícios e problemas e os momentos de exposição de temas matemáticos?

No âmbito de um estudo efectuado pela primeira autora do texto, aquando da

realização de uma experiência com alunos do 11º ano de escolaridade, no estudo das

sucessões, no ano lectivo 2002/2003, será apresentada uma tarefa de investigação

matemática e as estratégias adoptadas pela professora/investigadora e pelos alunos, quer

durante a implementação das tarefas, quer nas aulas que a mediaram, bem como

algumas conclusões que decorreram do estudo em causa.

2. O conhecimento, o ensino, a aprendizagem e as tarefas de investigação na aula

O conhecimento é hipotético e falível e a ciência progride a partir de problemas,

conjecturas e refutações (Lakatos, 1976). No processo criativo da Matemática, e para

Pólya (1977), a vertente indutiva assume um papel fundamental. Concordando com

estas perspectivas, Braumann (2002) afirma que a aprendizagem da Matemática reveste-

se de uma forte intervenção investigativa, onde a exploração, a descoberta de

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estratégias, a tentativa e o erro são processos que lhe estão inerentes e que se tornam

indispensáveis à sua aprendizagem.

Aprender é reconstruir com base na experiência, reconvertendo a informação

num bem intelectual (Dewey, 1897), o que leva a que a reflexão sobre a experiência

desempenhe um papel preponderante na educação do indivíduo. Deste modo, o

professor tem uma função central no processo de aprendizagem dos alunos, assumindo

uma função dinamizadora na implementação e no desenvolvimento do currículo (Pires,

1999) - encarado como o fruto daquilo que o professor modela na articulação da

prescrição oficial com as condições intrínsecas à sua prática, às novas ideias e aos

significados que possui, condicionados pela sua formação (Kilpatrick, 1999), e não

apenas como o que vem estabelecido nos documentos oficiais. Este papel

importantíssimo do professor é defendido de forma clara por Pires, para quem “qualquer

que seja o seu papel, mais renovador ou mais conservador, os professores são sempre

protagonistas fundamentais do desenvolvimento do currículo” (Pires, 1999, p.3).

Para que os alunos desenvolvam plenamente as suas competências matemáticas

e assumam uma visão alargada da natureza desta ciência, Ponte (2003) defende que as

tarefas de exploração e investigação têm de ter um papel importante na sala de aula. A

introdução de tarefas desta natureza não deve, contudo, ser interpretada com

exclusividade, tal como defende Goldenberg (1996). Para este autor, este tipo de tarefas

introduz alguma variedade na “dieta” da aula e permite aos alunos conjecturar, explorar

conexões matemáticas existentes entre vários conceitos e matérias, descobrir processos

de resolução e resultados, bem como diversificar actividades.

Ponte, Oliveira, Brunheira, Varandas e Ferreira (1999) definiram quatro etapas

características de uma investigação matemática: 1- Formular a questão a investigar; 2-

Formular conjecturas relativamente a essa questão; 3- Testar as conjecturas e,

eventualmente, reformulá-las; 4- Validar e comunicar os resultados. Para Ponte (2003),

por sua vez, uma tarefa de investigação tem quatro dimensões básicas: i) O grau de

dificuldade, ii) a estrutura, iii) o contexto referencial e iv) o tempo requerido para a

sua resolução. Nesta perspectiva, e para este autor, faz sentido considerar tarefas de

vários tipos e de natureza diferentes, como os exercícios, os problemas, as explorações e

as investigações – concordando, desta forma, com Goldenberg. Os exercícios são tarefas

de dificuldade reduzida e de estrutura fechada. Os problemas também têm uma estrutura

fechada, mas têm um grau de dificuldade mais elevado. As explorações são tarefas que

têm um grau de dificuldade reduzida, mas têm uma estrutura aberta, à semelhança das

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investigações. Estas são tarefas de estrutura aberta, mas com um grau de dificuldade

elevada. Podemos distinguir exploração de investigação consoante o grau de dificuldade

da tarefa, designando por exploração uma investigação fácil, tendo em conta que o que

as distingue é o seu grau de dificuldade.

Quando o objectivo de uma aula é promover a investigação matemática, o

professor pode escolher apenas uma situação e deixar para os seus alunos a definição

dos próprios problemas dentro da situação que, posteriormente, tentarão resolver

seguindo um determinado caminho, maximizando assim o desenvolvimento do seu

poder matemático.

Muito embora não haja uma metodologia universalmente aplicável sob a forma

de “receita”, no entanto existem estratégias de ensino e de organização do trabalho dos

alunos mais adequadas e outras mais inadequadas para cada fim pretendido e para cada

situação concreta, “cabe ao professor conhecer as alternativas disponíveis e conhecer-se

a si próprio, sabendo até que ponto é capaz de usar com confiança e desembaraço cada

uma delas.” (Ponte; Boavida; Graça; Abrantes; 1997, p.95).

3. A actividade

Neste estudo, as tarefas de investigação acompanharam todo o tema das

sucessões e foram elaboradas/adaptadas a fim de poderem permitir abordar cada tópico

e cada conceito que se pretendia introduzir, explorar, ou, ainda, consolidar. A resolução

de todas as tarefas teve pontos comuns, tais como: um relatório escrito elaborado pelos

alunos (em grupo), onde relataram os raciocínios efectuados pelos mesmos durante cada

resolução; uma reflexão crítica escrita, redigida por cada aluno (de forma individual),

destinada à exposição de questões pertinentes e de esquemas que auxiliaram à resolução

de cada tarefa; a apresentação das resoluções a toda a turma, num ambiente de saudável

discussão, moderado e gerido pela professora/investigadora.

A elaboração de um plano integrador da tarefa de investigação

Na elaboração do seu plano para integrar tarefas de investigação matemática no

tema das sucessões, a professora/investigadora teve em consideração a aquisição de

técnicas e conhecimentos matemáticos específicos sob progressivos níveis de

complexidade e de abstracção:

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Quando pensei num plano que integrasse investigações matemáticas pensei, simultaneamente, como conceber uma série de investigações que, além de se integrarem harmoniosamente no currículo oficial (permitindo abordar a maioria dos tópicos essenciais do tema das sucessões), constituíssem um todo encaixado, onde cada tarefa suceda, quer à tarefa anterior, quer à aprendizagem dos alunos.

(Registos da professora/investigadora, 19/03/03)

Assim, a professora/investigadora pressupôs o aluno como o principal agente da

sua própria aprendizagem e considerou ser importante o desenvolvimento de

determinadas capacidades, tais como, o raciocínio, a comunicação e o uso da

Matemática na interpretação e intervenção do real, com base na própria experiência. Por

outro lado, ao planificar aulas para a resolução e discussão de cada tarefa, pressupôs o

desenvolvimento da confiança, de hábitos de trabalho e persistência, do sentido da

responsabilidade, do espírito de tolerância e de cooperação.

A elaboração de um relatório escrito (contendo as resoluções de cada grupo),

bem como a sua posterior apresentação, destinou-se i) à procura de informação

necessária a cada resolução, ii) ao desenvolvimento da persistência na procura de

soluções para uma situação nova, iii) à avaliação e à tomada de decisões e iv) à

apresentação dos trabalhos de forma organizada e cuidada (atendendo à importância de

saber exprimir e fundamentar opiniões, bem como revelar espírito crítico).

A tarefa “Os números pitagóricos”

A tarefa Os Números Pitagóricos tem como objectivo a construção de fórmulas

que traduzam regularidades de sucessões de certos números figurados (números

pitagóricos), evidenciando a relação existente com a Geometria:

Investigação: Os Números Pitagóricos

Um exemplo de uma sucessão de números pitagóricos:

A sucessão de Números Hexagonais

... (a sequência continua) H(1)=1 H(2)=6 H(3)=15 H(n)= ?

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Ø Escolhe números pitagóricos (figurados) e investiga acerca da(s) regularidade(s)

da sucessão que o(s) gera. Todos os resultados e raciocínios devem ser detalhadamente explicitados num relatório.

As aulas que precederam a implementação da tarefa

As aulas que precederam a exploração da tarefa Os Números Pitagóricos

destinaram-se ao estudo, intuitivo e seguindo uma metodologia heurística, do conceito

de limite de uma sucessão e de progressão aritmética.

Foram analisadas pelos alunos, com a orientação e coordenação da

professora/investigadora, várias situações de sucessões monótonas e limitadas,

exemplos de sucessões que não sendo monótonas convergiam para um limite e

resolvidos exercícios de aplicação dos conceitos leccionados extraídos do manual dos

alunos (para reforçar a importância da prática adquirida com a resolução de exercícios,

na aprendizagem da Matemática).

Nesta fase da aula (seguindo uma metodologia de descoberta guiada) procedeu-

se à exploração da sucessão n

un1

= . Importa referir que o empenho demonstrado por

alguns alunos foi evidente. Houve alunos que não hesitaram em afirmar que se tratava

de uma hipérbole, mas com domínio IN. Houve, inclusivamente, alunos que fizeram a

analogia do limite da sucessão em causa com a assimptota horizontal da função

xxf

1)( = .

Ainda nas aulas que antecederam a exploração da tarefa Os Números

Pitagóricos, após terem sido realizados alguns exercícios e problemas do manual dos

alunos em torno do conceito de sucessão convergente, a professora propôs a seguinte

situação:

Professora: Lembram-se da sucessão de triângulos, que construímos com fósforos, que estudámos na segunda tarefa de investigação? Alunos (de um modo geral): Sim. Professora (escrevendo no quadro os primeiros termos da sucessão, com o respectivo esquema): Construímos 1 triângulo com 3 fósforos, 2 triângulos com 5 fósforos, etc. Então ...;7;5;3 321 === uuu .

...

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Alunos (de um modo geral): Sim.

Professora: Estudámos o facto desta sucessão se assemelhar à sucessão dos números ímpares maiores do que 1. Dissemos que o seu termo geral é: 12 += nun . Assim, nesta sucessão, o que acontece a

2u relativamente a 1u ? José: 2u é maior que 1u . Isto é, 2u tem mais duas unidades que 1u . Professora: Muito bem. E o que acontece a 3u relativamente a 2u ? Francisco: 3u também tem mais duas unidades que 2u . Professora: E o que acontece a 1+nu relativamente a nu ? Carolina: Também tem mais duas unidades. Professora (ao mesmo tempo que escrevia no quadro): Então podemos dizer que INn,uuuu nnnn ∈∀=−⇔+= ++ 22 11 ? Carolina: O resultado dessa subtracção é sempre igual a dois! Professora: Exactamente. A esse valor, que é sempre constante, vamos chamar razão. Tentem definir nu...,u,u e32 “à custa” de 1u e desta razão (r=2). José: Como? Professora (escrevendo no quadro):

...uuuu 2escrever podemos 5 de e 3 De 1221 +===

José: 27 233 +=⇔= uuu .

Professora: Mas, por sua vez, 212 += uu . Ou seja, 2)2(2 123 ++=+= uuu . Como se escreve 4u , em “função” de 1u e de 2? Quem quer vir fazer ao quadro?

Célia (levantou-se): Eu vou! Então temos: 2)2)2(( 14 +++= uu . Professora: Podemos tirar esses parênteses? Célia: Podemos. Fica: 22214 +++= uu .

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Professora: Quantas vezes adicionamos o valor 2, em 4u ? Célia: Adicionamos três vezes. Professora: E quantas vezes adicionamos o valor 2, em 3u ?

José: Duas vezes.

Professora: Quantas vezes adicionamos o valor 2, em 2u ? Bernardina: Uma vez.

Professora: Quantas vezes adicionaríamos o valor 2, em 30u ? Luís: Vinte e nove vezes. Professora: Então podemos dizer que 2)1(1 ×−+= nuun .

(Aula, 12/05/03)

Seguidamente, com o mesmo tipo de metodologia, estudou-se o conceito de

progressão aritmética e no final da aula foi marcado um trabalho de casa individual que

consistia na elaboração de um resumo daquilo que cada aluno aprendeu, que

dificuldades sentiu e como as ultrapassou. Pretendeu-se, com este trabalho de casa,

facilitar o processo de memorização das fórmulas de progressão aritmética, exercitar a

capacidade de comunicar por escrito uma ideia e ao mesmo tempo facilitar o processo

de reflexão de cada aluno.

As aulas relativas à implementação da tarefa

Nas aulas em que foram diversificados momentos de investigação, com

resolução de exercícios, de problemas e momentos de construção de situações novas

(em discussão orientada pela professora/investigadora), os alunos foram conduzidos ao

desenvolvimento da capacidade de articular conceitos e raciocínios (dentro da mesma

aula). De facto, no decorrer das discussões sobre a tarefa de investigação, a

professora/investigadora promoveu a apresentação colectiva dos processos de resolução

usados e respectivos resultados. Esta situação verificou-se com a sucessão dos números

quadrados, rectangulares, hexagonais, entre outros (em discussão orientada pela

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professora). Como exemplo, tem-se a sucessão dos números quadrados, e respectiva

discussão, apresentada pelo grupo 2, como a seguir se mostra na figura 1:

Figura 1: A sucessão dos números quadrados, do grupo 2

Carla (do grupo 2): Foi mais difícil definir a sucessão por recorrência do que através de um único termo.

Professora: Porquê? Carla: Por recorrência, tivemos que pensar na soma do termo anterior com um número ímpar, logo juntar a sucessão dos números ímpares (já nossa conhecida) ao termo de ordem anterior. Na sucessão definida através de um único termo geral (ver figura 2), bastou analisarmos que, de termo para termo, obtemos o quadrado do índice.

(Aula, 19/05/03)

Figura 2: A generalização da sucessão dos números quadrados, do grupo2

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No entanto, nesta fase, o grupo 5 mostrou-se muito perspicaz, dando

continuidade ao raciocínio do grupo 2, no que refere à sucessão dos números quadrados.

E, durante a apresentação do seu trabalho, este grupo referiu o seguinte, mostrando para

a turma o que tinha descoberto:

Bernardina (do grupo 5): A sucessão dos números quadrados, quando definida por recorrência, obtém-se se somarmos ao termo anterior um número ímpar (como já explicaram as nossas colegas do grupo 2). Mas se, em vez de somarmos um número ímpar ao termo de ordem anterior, somarmos um número par, obtemos uma sucessão de números rectangulares.

(Aula, 19/05/03)

E, em seguida, projectaram os resultados apresentados na figura 3:

Figura 3: A sucessão dos números rectangulares, do grupo 5

Contudo, neste momento da apresentação do grupo 5, a

professora/investigadora, disse o seguinte:

Professora: Muito bem! Mas, devemos ter o cuidado de, na representação analítica da sucessão por recorrência, apresentar também o primeiro termo. Para que deste modo a sucessão comece em 1u . Bernardina (do grupo 5): Pois é! Nós esquecemo-nos. Carla (grupo 2): Nós também nos esquecemos! Professora (enquanto escrevia no quadro): Não faz mal. Vamos escrever agora! Então a sucessão dos números quadrados representa-

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se analiticamente, por: ( ) 1,,12

1

1

1 >∈∀

++=

=

nINnnuu

u

nn

.

Analogamente, a sucessão dos números rectangulares, representa-se

por: .1,,2

2

1

1 >∈∀

+=

=

nINnnuu

u

nn

Mas nós ainda não

definimos, sem ser por recorrência, a sucessão dos números rectangulares. Como ficaria definida essa sucessão? Carolina (do grupo 4): Nós definimos no nosso relatório. Mas como queríamos gerir o tempo durante a nossa apresentação, acabámos por não mostrar a sucessão dos números rectangulares. Professora: Queres vir explicar como raciocinaram?

(Aula, 19/05/03)

A Carolina levantou-se e, numa atitude muito responsável e entusiasmada,

mostrou o acetato aos colegas, ao mesmo tempo que ia explicando. Essa explicação

apresenta-se na Figura 4:

Figura 4: Explicação da sucessão dos números rectangulares, do grupo 4

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Houve também outras discussões geradas em torno das sucessões construídas

pelos alunos, como foi o caso do modo distinto de explorar a sucessão dos números

hexagonais apresentada pelo grupo 1 (ver figura 5) e pelo grupo 4 (ver figura 7):

Figura 5: Esquema da sucessão dos números hexagonais, do grupo1

Professora: No grupo 1, expliquem-nos melhor como chegaram ao termo geral da sucessão dos números hexagonais.

César (do grupo 1, aluno tímido, com resultados pouco satisfatórios à disciplina): Nós começámos a pensar o que acontece com os índices (de termo para termo) e chegámos à fórmula do termo geral.

E apresentaram, sendo o José a intervir, a figura 5 conjuntamente com o que

haviam escrito no relatório (ver figura 6):

Figura 6: A explicação da sucessão dos números hexagonais, do grupo 1

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José (grupo 1): Nós descobrimos que cada termo se obtém ao multiplicarmos o seu índice por um número ímpar. Como esse número não é sempre o mesmo, pois o 1º termo obtém-se quando multiplicamos o índice 1 pelo número ímpar um, o 2º termo obtém-se quando multiplicamos o índice 2 pelo número ímpar três, ... . Para o termo de ordem n basta multiplicar n por 2n-1. Professora: E por que é que não multiplicaram por 2n+1? José: Porque queremos que a nossa sucessão comece em um e se multiplicássemos por 2n+1 ficaríamos com uma sucessão cujo 1º termo seria três.

Professora: Por que é que, no grupo 4, na sucessão dos hexágonos vocês agrupam as bolas em cada termo (ver figura 7)? Luís (grupo 4): Verificámos que num hexágono formado com uma unidade ( 1u ) temos um grupo de uma unidade; num hexágono formado com seis unidades ( 2u ) temos três grupos de duas unidades; num hexágono formado com quinze unidades ( 3u ) temos cinco grupos de três unidades; e por aí em diante.

Figura 7: Esquema da sucessão dos números hexagonais, do grupo4

Professora: Muito bem. Então e no termo de ordem n como funcionariam esses agrupamentos?

Luís: É fácil! No termo de ordem n temos um hexágono formado com 2n-1 grupos de n unidades cada; o nosso raciocínio é idêntico ao apresentado pelos nossos colegas do grupo 1, aliás a explicação que apresentámos no relatório é a mesma; mas, nós usámos agrupamentos de bolas para explicarmos o que se estava a passar de termo para termo

Professora: Muito bem!

(Aula, 19/05/03)

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A diversificação de raciocínios, em torno da mesma situação, permitiu

estabelecer conexões com conceitos já estudados como, por exemplo, as progressões

aritméticas ligadas a figuras geométricas (ver figura 8). É o caso da explicação dada

pelo grupo 4, na sucessão de números hexagonais que, além de evidenciar originalidade,

requereu certamente muita capacidade de articulação e abstracção face ao esquema

efectuado (ver figura 8):

Professora: Este tipo de sucessão (progressão aritmética), que vocês consideraram com base no esquema da sucessão dos números hexagonais, pode construir-se também para outras sucessões de números pitagóricos? Carolina (grupo 4): Penso que sim.

Figura 8: A extensão à sucessão dos números hexagonais, do grupo 4

Professora: Vamos pensar no esquema dos números pentagonais que também têm no enunciado. Também podemos construir uma progressão aritmética seguindo o vosso raciocínio?

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Figura 9: O esquema da sucessão dos números pentagonais, que consta no enunciado da tarefa

Carolina: Também. Nesse caso teríamos uma progressão aritmética de razão r=3, porque 7;4;1 321 === uuu e assim sucessivamente. Professora: E para os restantes esquemas de sucessões de números pitagóricos que estão no enunciado da tarefa também podemos construir progressões aritméticas seguindo o vosso raciocínio.

(Aula, 19/05/03)

O desenvolvimento da criatividade e da capacidade de estabelecer conexões foi

também reconhecido pelos alunos nas suas reflexões críticas à tarefa, como a seguir se

apresenta:

Esta tarefa, na minha opinião, foi muito interessante, porque permitiu-me reparar que uma sucessão pode ser vista de diferentes maneiras, em diferentes contextos. A mesma sucessão pode ser uma progressão aritmética, pode ser definida por recorrência, sem ser por recorrência, etc. Para além disso, com esta tarefa tive a oportunidade de dar asas à imaginação e à criatividade.

(Célia, Grupo 3, R.C, 12/05/03)

A implementação de um plano onde estão integradas, de forma mediada, tarefas

investigativas, a resolução de problemas e de exercícios auxiliou os alunos à percepção

da Matemática como um todo integrado, tal como referem alguns alunos e

concretamente a aluna Inês:

Agora percebi que as matérias de Matemática não são como as matérias de História ou de Geografia (por exemplo) em que se estuda uma matéria e ela pára nela mesma. Aqui na Matemática está tudo interligado. As investigações são um bom exemplo disso.

(Inês, Grupo 2, Entrevista, 12/06/03)

As aulas que sucederam a implementação da tarefa

A diversificação de tarefas associadas ao desenvolvimento da capacidade de

articular conceitos e raciocínios ficou, também, evidente na resolução da tarefa de

exploração que a professora/investigadora propôs aos alunos após a realização da

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investigação Os Números Pitagóricos. Esta exploração foi destinada à introdução do

conceito de progressão geométrica; constava da transmissão de um segredo, que

inicialmente apenas duas pessoas conheciam, mas que, de 10 em 10 minutos, foi sendo

revelado a três pessoas diferentes. Pretendia-se saber a quantas pessoas estava a ser

revelado o segredo passado uma hora do processo de transmissão começar, bem como

saber quantas pessoas já sabiam esse segredo passada essa hora. Posteriormente,

pretendia-se a generalização das duas situações referidas, ou seja, saber a quantas

pessoas estava a ser revelado o segredo, bem como saber quantas pessoas já tinham

conhecimento do segredo passado um determinado tempo.

A resolução e a discussão da exploração em causa decorreram em 90 minutos.

Inicialmente, foi dado tempo aos alunos para explorarem a tarefa. Posteriormente, a

professora/investigadora promoveu algum confronto de resultados e processos usados.

Figura 10: Resolução apresentada pelo grupo 4

Nenhum grupo conseguiu representar analiticamente uma expressão que

permitisse determinar o número total de pessoas que tinha conhecimento do segredo ao

fim de algum tempo (ver figura 10). Porém, em discussão colectiva, construiu-se essa

resposta, bem como o termo geral de uma progressão geométrica e a soma de termos de

uma progressão geométrica. A discussão em causa deu origem ao seguinte diálogo:

Célia (do grupo3): Nesta situação também temos uma razão, também é uma progressão aritmética? Professora: Obtemos um determinado termo somando essa razão ao termo anterior? Pedro (do grupo 4): Não, é multiplicando.

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Professora: Então não se trata de uma progressão como a que já estudámos (progressão aritmética), trata-se de um outro tipo de progressão, ou seja, trata-se de uma progressão geométrica. Agora que já definiram a sucessão por recorrência, tentem generalizar usando apenas uma única expressão. Pedro: Trabalhamos com a razão? Professora: Com a razão e com o primeiro termo.

(Aula, 22/05/03)

E, seguindo uma metodologia heurística, num raciocínio análogo ao usado na

aula onde foi construído o termo geral de uma progressão aritmética, construiu-se o

termo geral da sucessão em causa ( ),32 1 INnu nn ∈∀×= − e, seguidamente, a

professora formalizou o conceito de progressão geométrica e validou as respectivas

fórmulas (termo geral e soma de termos). Posteriormente, e procedendo de modo

análogo, construiu-se a expressão que representa a soma de termos da situação em causa

( )

−=−−=

−−

×=−

−×= 1331

231

231

312 nn

nn

nS .

Seguidamente, após ter terminado a resolução e discussão da tarefa de

exploração, foram realizados exercícios e problemas do manual dos alunos. No entanto,

no final da aula, face à receptividade dos alunos, a professora/investigadora sugeriu a

construção de um enunciado traduzível matematicamente por meio de uma progressão

geométrica, donde se evidenciaram algumas resoluções:

Num laboratório, dentro de um tubo de ensaio, fez-se uma experiência com bactérias. Chegou-se à conclusão que cada bactéria dá origem a três novas bactérias por dia. Sabendo que a experiência começou no dia 1 de Maio, quantas bactérias nascem no dia 30? E quantas bactérias nasceram durante o mês de Maio?

(José, Grupo 1, 29/05/03)

Assim, esta pequena tarefa (destinada a consolidar os novos conhecimentos

aprendidos acerca de progressões geométricas, identificação de uma progressão

geométrica, termo geral e soma de termos de uma progressão geométrica) reforça ainda

o desenvolvimento da criatividade e da capacidade de explorar situações.

4. Conclusão

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O modo como decorreram estas aulas realça a importância que teve, por parte da

professora/investigadora, a elaboração de um plano que integrava tarefas de

investigação matemática de acordo com os objectivos gerais da disciplina, no que refere

não só à aquisição de técnicas/conhecimentos, mas também quanto ao desenvolvimento

de valores/atitudes e ao desenvolvimento de capacidades/aptidões.

Nas aulas, o uso diversificado de momentos de descoberta guiada de conceitos

com actividade investigativa, com resolução de problemas e de exercícios conduziu a

uma maior percepção da Matemática como um todo integrado e promoveu a

criatividade e flexibilidade dos alunos ao nível da articulação de conceitos, estratégias e

raciocínios. Por outro lado, a implementação de investigações matemáticas reflectiu-se,

ainda, numa melhoria do desempenho dos alunos face a outro tipo de tarefas, como a

resolução de problemas, de exercícios e de tarefas de exploração.

Observou-se, também, o desenvolvimento de capacidades e aptidões gerais

como o desenvolvimento das capacidades de intuir, experimentar, testar, conjecturar,

generalizar e a do desenvolvimento do pensamento científico. A capacidade de

comunicar por escrito e oralmente foi promovida pela elaboração de relatórios escritos

pelos alunos e pela discussão colectiva dos processos usados, respectivamente.

Este estudo evidencia algumas vantagens da integração e implementação de

investigações no currículo da disciplina de Matemática – é possível, necessária e útil.

Contudo, ele centrou-se em apenas um tema do 11º ano de escolaridade – Sucessões.

Será, pois, desejável integrar tarefas de investigação perspectivando a sua

implementação nas aulas de Matemática de um modo contínuo e progressivo, quer ao

nível de um ano de escolaridade, quer ao nível de um ciclo escolar.

Referências

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Goldenberg, E. P. (1996). Quatro Funções da Investigação na Aula de Matemática. Em P. Abrantes, J. P. Ponte, H. Fonseca, L. Brunheira (Eds.), Investigações

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