TAVARES - A Retomada Da Hegemonia Norte-Americana

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  • 5/10/2018 TAVARES - A Retomada Da Hegemonia Norte-Americana

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    Revista de Economio Politica, Vol. 5, n? 2, abril-junho/1985

    A retomada da hegemonia norte-americana

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    MARIA DA CONCEIC;AO TAVARES*

    Ate 1980/81 nao era razoavel supor que os EVA conseguis-sem reafirmar sua hegemonia sobre seus concorrentes ocidentais emuito menos tentar transitar para uma nova ordem economicainternacional e para uma nova divisao de trabalho sob seu comando.Hoje essa probabilidade e bastante alta.

    Ate 0 final da decada de 70, nao era previsivel que os EVAfossem capazes de enquadrar dois paises que tinham uma impor-tiincia estrategica na ordem capitalista: 0 Japao e a Alemanha.Se os EVA nao tivessem conseguido submeter a economia privadajaponesa ao seu jogo de interesses e se a politica inglesa e alemanao fossem tao conservadoras, os EVA teriam enfrentado urn blococom pretensoes europeias e asiaticas de independencia economica.Deve-se salientar que, aquela altura, os interesses em jogo eram taovisivelmente contradit6rios que ~ tendencias mundiais erampolicentricas e parecia impossivel aos EVA conseguirem reafirmarsua hegemonia, embora continuassem a ser potencia dominante.

    Outras circunstiincias gerais que se tornaram manifestas nadecada de setenta pareciam colaborar para esta tese. 0 sistemabancario privado operava totalmente fora de controle dos bancoscentrais, em particular do FED. 0 subsistema de filiais transna-cionais operava divisoes regionais de trabalho intrafirma, a reveliados interesses nacionais american os, e conduzia a urn acirramento

    * Da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.5

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    da concorrencia intercapitalista que era desfavoravel aos EVA. Em sfntese a existencia deuma economia mundial sem polo hegemonico estava levan do a desestruturacao da ordemvigente no p6s-guerra e a descentralizacao dos interesses privados e regionais.

    Os desdobramentos da politica economica interna e externa dos EVA, de 1979para ca , foram no sentido de reverter estas tendencies e retomar 0 controle financeirointernacional atraves da chamada diplomacia do dolar forte.

    Como e do conhecimento geral, na ultima reuniao do FMI em 1979, Mr. Vo1cker,presidente do FED, retirou-se da reuniao, foi para os EVA e de hi declarou ao mundoque estava contra as propostas do FMI e dos demais paises-membros, que tendiam amanter od61ar desvalorizado e a implementar urn novo padrao monetario internacional.Volcker aduziu que 0 FMI poderia prop or 0 que desejasse, mas os EVA nao permitiriamque 0 d61ar continuasse se desvalorizando tal como vinha ocorrendo desde 1970, emparticular depois de 1973 com a ruptura do Smithsonian Agreement. A partir destareviravolta de Volcker, os EVA declararam que 0 dolar se manteria como padrso interna-cional e que a hegemonia de sua moeda ia ser restaurada. Esta restauracao do poderfinanceiro do FED custou aos EVA mergulharem a si mesmos e a economia mundialnuma recessso continua por tres anos. Quebraram inclusive varias grandes empresas ealguns bancos american os, alem de submeterem a pr6pria economia americana a umaviolenta tensao estrutural. 0 inicio da recessao e a violenta elevacao da taxa de jurospesaram decisivamente na derrota popular de Carter.

    Olhando os acontecimentos retrospectivamente, pode-se afirmar que a politicaeconomica do governo Reagan (que se seguiu a estes acontecimentos) nao resultouabsurda para os interesses nacionais americanos - como quase todos os econornis-tas apregoaram quando de sua formulacao - embora tenha ocasionado uma pressaoverdadeiramente "imperial" sobre 0 resto do mundo. Na verdade trata-se de uma politicaextremamente contradit6ria que nao decorreu de qualquer "conspiracao internacional",nem mesmo de urn solido acordo interno. Alias nao poderia haver acordo, quando 0Tesouro americano tern uma polftica, 0 FED tern outra, 0 pessoal da Calif6rnia ternumas ideias, 0 pessoal do middle-west e da costa leste tern outras totalmente diferentes.Em resumo, como resultado de urn intenso confronto de interesses e de conflitos internos,os EVA fizeram e continuam fazendo uma politica de varias faces que implicou iniciarurn processo de recuperacao economica cuja natureza peculiar era praticamente inirna-ginavel no infcio da decada de 80.

    Com efeito, alern do movirnento de restauracao do prestigio politico e ideol6gico,Reagan resolveu fazer uma coisa nunca vista, a saber uma politica Keynesiana bastarda, decabeca para baixo, combinada com uma politica monetaria dura. Redistribuir a renda em.favor dos mais ricos, aumentar 0 deficit fiscal e subir a taxa de juros e uma combinacaode politica economica explo siva, tanto do ponto de vista interno como internacional.No entanto, esta politica contradit6ria teve como resultado a recuperacao economicaamericana, na medida em que os EVA conseguiram submeter os seus parceiros a desafiarmiIitar e economicamente os seus adversaries.

    Por outro lado, ao manter uma politica monetaria dura e forcar uma supervalori-6

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    zacao do dolar, 0 FED retomou na pratica 0 controle do sistema bancario privado interna-cional e articulou em seu proveito os interesses do rebanho disperso. De fato, esse sistema,a partir da reviravolta de Volcker, seguida da quebra da Polonia, foi obrigado em primeirolugar a contrair 0 credito quase que instantaneamente, estancando 0 ritmo das operacoesno mercado interbancario e sobretudo a expansao de credito para os pafses da periferia.A reducao dos ernprestimos foi ainda mais violenta depois da crise do Mexico, pois nessaocasiao 0 sistema bancario privado reagiu em panico e refugiou-se nas grandes pracasfinanceiras. A partir daf 0 movimento do credito interbancario se orientou decisivamentepara os EVA e 0 sistema bancario passou a ficar sob 0 controle do FED. E nlio apenassob 0 controle da polftica monetaria, que dita as regras do jogo, as flutuacoes da taxa dejuros e do cambio, mas tambem a service da politica fiscal americana. A partir do iniciodos anos 80, todos os grandes bancos internacionais estao em Nova York, nao apenas soba umbrella do FED, mas tambem financiando obrigatoriamente - porque nao ha outraalternativa - 0 deficit fiscal americano.

    Tudo isso pode parecer muito estranho. Mas a verdade e que hoje presenciamos aseguinte situacso: os EVA apresentam um deficit fiscal de natureza estrutural cujaincompressibilidade decorre da pr6pria polftica financeira e da polftica arrnamentista,ambas agressivas e "imperials". 0 componente financeiro do deficit e crescente gracas amera rolagem da dfvida publica que fez com que ela dobrasse em apenas tres anos. Adfvida publica alcancou em 1984 cerca de um trilhao e 300 bilhOes de d6lares, cifrapr6xima a circulacao monetaria global no mercado interbancario internacional. Estadivida e 0 unico instrumento que os EVA tern para realizar uma captacao forcada daliquidez internacional e para canalizar 0movimento do capital bancario japones e europeupara 0mercado monetario americano.

    Ate 1981 s6 a politica economica da Inglaterra apoiava declaradamente a moedaamericana. O s japoneses mantiveram possibilidades reais de fazer uma politica monetariaautonoma e resistiram a adocao de politicas neoconservadoras apoiadas no receituariomonetarista. Varies outros parses como a Franca, a Austria, os do norte da Europa e atemesmo 0 Brasil tentaram resistir ao allnharnento auto matico da polttica economicaortodoxa. Todos tiveram claro, de 1979 a 1981, que nlio deviam alinhar-se, mas apesardisso todos foram submetidos. Todos os paises desenvolvidos do mundo, quaisquer quesejam seus governos - socialist as, socialdemocratas, conservadores etc. - estso pratica-mente alinhados em termos de politica cambial, politica de taxas de juro, politica mone-taria e politic a fiscal. 0 resultado deste movimento e que 0 espectro das taxas de cresci-mento, das taxas de cambio e das taxas de juro passou a ser concentrico ao desempenhodestas variaveis no ambito da econornia americana.

    Todos os pafses foram obrigados, nestas circunstancias, a praticar polfticas mone-tarias e fiscais restritivas e superavits comerciais crescentes, que esterilizam 0seu potencialde crescimento end6geno e convertem seus deficits publicos em deficits financeirosestruturais, imiteis para uma politica de reativacao econornica.

    Uma experiencia impressionante e mesmo dramatica de alinharnento da politicaeconornica ocorreu com 0 Japao. Este pais foi durante to do 0 ap6s-guerra 0 mais hete-

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    rodoxo em materia de politica economica. Fez investimento com credito de curto prazoe uma polftica monetaria solta, conglomerou 0 seu sistema empresarial com uma estruturade risco aparentemente impossfvel, fez pouco uso do mercado de a~oes e da dividapublica, enfim, produziu 0 seu proprio modelo nacional de desenvolvimento. Tentou em1975 urn plano de ajustamento interno condizente com as suas potencialidades, mas foiforcado progressivamente a abrir m ao de tudo isso e hoje esta inteiramente submetidoIi dinamica da economia americana. 0 Japao nao esta fazendo politica de desenvolvi-mento autonomo de qualquer especie, salvo de seguranca interna minima de sua socie-dade. 0 Japao esta com a maior parte de seu capital bancario e multinacional atado aosprojetos de recuperacao americana, com excedentes exportaveis gigantescos, sempossibilidade de retomar sua taxa de investimento e de crescimento hist6rica. Issosignifica que 0 mercado fmanceiro japones esta irremediavelmente atrelado ao ameri-cano, salvo urn acidente de percurso que podera ocorrer entre 1985 e 1987, desde que 0sistema bancario americana entre em turbulencia e 0 dolar desvalorize bruscamente- 0 unico ponto que ainda pode estar sujeito a uma possibilidade de ruptura capaz dedesestabilizar a hegemonia americana.

    Ha algurn tempo atras, tudo levava a crer que os EUA tinham perdido a capacidadede liderar 0mundo de uma maneira benefica, Isso continua a ser verdade. Mas por outrolado os americanos, indiscutivelmente, deram, de 1979 a 1983, uma demonstracao desua capacidade malefica de exercer sua hegemonia e de ajustar todos os pafses, atravesda recessao, ao seu desideratum. E 0 fizeram, esta claro, com uma arrogancia e com umaviolencia sem precedentes.

    A partir de 1984, segundo as proprias palavras da sua elite financeira, estao cobrandoao mundo uma nova divisao do trabalho e gabando-se de ser a "trade locomotive" darecuperacao rnundial.'

    Urn aspecto fundamental desse processo de restauracao da posicao hegemonica dosEUA fica evidente quando analisamos as suas relacoes economicas internacionais. Entre1982 e 1984, os EUA conseguiram dobrar 0 seu deficit comercial a cada ano, 0 quejunta mente com 0 recebimento de juros lhes perrnitiu absorver transferencias reais depoupanca do resto do mundo que s6 em 1983 corresponderam a cern bilhoes de d6lares, eem 1984 devem ter ultrapassado 150 bilhoes. Por outro lado suas relacoes de trocamelhoraram e os seus custos internos cafram, ja que as importacoes que os EUA estaofazendo s a o as melhores e as mais baratas do mundo inteiro. Assim, sem fazer qualqueresforco intensivo de poupanca e investimento, sem to car em sua infra-estrutura energetica,sem tocar na agricultura, sem tocar na velha industria pesada, os EUA estao moderni-zando a sua industria de ponta com equipamentos baratos de ultimo tipo e capitais derisco do Japao, da Alemanha, do resto da Europa e do mundo.

    A estrutura de comercio americana foi sempre simetrica e fechada. Os EUA expor-tavam e importavam materias-primas, alimentos, insumos industriais e bens de capital,

    1 Ver Morgan Garantee Trust, World Financial Markets, setembro de 1984.8

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    enfim, todos os itens importantes do comercio internacional. As relacoes economicas dosEUA com 0 resto do mundo nao podiam ser enquadradas dentro do esquema tradicionalcentro-periferia, Os EUA nao precisavam de uma divisao internacional de trabalho que osfavorecesse em termos absolutos ou relativos. 0 fato surpreendente e que agora estaoquerendo instaurar uma divisao internacional do trabalho em seu beneffcio exc1usivo.Ap6s terem exportado para 0mundo, durante mais de duas decadas, 0padrao tecnol6gicodo sistema industrial americana atraves das suas multinacionais, usam 0 seu poderhegemonico para refazer a sua posicao como centro tecnol6gico dominante. Assimutilizam-se dos seus bancos, do comercio, das finances e do investimento direto estran-geiro, para fazer 0 redeployment, apesar de terem perdido a concorrencia comercial paraas demais econornias avancadas e mesmo algumas semi-industrializadas,

    Os EUA estao agora investindo forte mente no setor terciario e nas novas industriasde tecnologia de ponta. Basta olhar a estrutura de investimentos em 1983 e 1984 paranotar a concentracao extrema de gastos em investimento nas areas de informatica, bio-tecnologia e services sofisticados. Os EUA nao estao interessados em sustentar a suavelha estrutura. Sabem tambern que nao tern capacidade de alcancar urn enorme booma partir de reformas nos setores industriais que lideraram 0 crescimento economicomundial no pos-guerra. Ao contrario, os EUA estao concentrando esforcos no desenvol-vimento dos setores de ponta e submetendo a velha industria a concorrencia interna-cional dos seus parceiros.

    Com os seus enormes deficits comerciais e a retomada do crescimento, garantema solidariedade dos seus s6cios exportadores, sobretudo Japao e Alemanha. Com as suasaltas taxas de juros reais, garantem a solidariedade dos banqueiros. E, com as joint-venturesdentro dos EUA, garantem sua posicao de avanco para 0 futuro; alem de ajudar a recupe-rar sua econornia nacional.

    Urn fato que deve ser salientado e que a recuperacao da econornia americana estasendo feita com credito de curto prazo e com endividamento crescente. Na pratica osamericanos estao aplicando a mesma tecnica que 0 Brasil e 0Mexico aplicaram recen-temente e que 0 Japao utilizou na decada dos cinquenta. Finalmente, os EUA desco-briram a tecnica latino-americana e japonesa de desenvolvirnento: financiamento doinvestimento com base em credito de curto prazo, endividamento externo e deficitfiscal. E como sua moeda e hegemonica e sobrevalorizada, a economia americana neminflayao tern. Alias, este e urn fato que deixa os economistas espantadissimos, poisse valesse 0 que dizem os monetaristas ou os keynesianos, ou qualquer livro-textotradicional, os EUA ja estariam experimentando urna inflayao galopante em virtudedo fantastico empuxe de demanda promovido por urna tecnica heterodoxa de pohticaeconomica,

    Urn exemplo desta heterodoxia diz respeito a politica orcamentaria. Os EUApraticamente estancaram 0 gasto em ber.s e services de utilidade publica, aumentaram 0dispendio no setor de armamentos e cortaram compensatoriamente os gastos com 0welfare. Em sfntese, trocaram as despesas de bem-estar social por armas e fizeram umaredistribuicao de rendas em favor dos ricos. Alem disso, reduziram acarga tributaria sobre

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    a classe media e praticamente eliminaram a incidencia de impostos sobre os juros pagosaos bancos para compras de consumo duravel. Propiciaram tarnbern depreciacoes acele-radas dos ativos e refinanciamento dos passivos de certas firmas. Nestas circunstancias, 0endividamento das famflias passa a ser urn excelente negocio, porque parte da cargafinanceira da dfvida e descontada no imposto de renda. Assim, tornou-se credito decurto prazo em larga escala para dar suporte a compra de casas e bens duraveis de consu-mo. Alem disso financiaram investimentos, no terciario e na industria de ponta, que naorequerem urn periodo de maturacao muito longo e cuja taxa de rentabilidade esperada emuito superior a taxa de juros nominal, em declinio. Este declinio da taxa de juros sedeve aparentemente a tres motivos interligados: a absorcao de liquidez intemacional, aposicao menos ortodoxa do FED e a queda da inflacao. Esta Ultima por sua vez se devea baixa de custos intemos provocada pela sobrevalorizacao do dolar e pela concorrenciadas importacoes, acarretando uma melhora nas relacoes de troca favoravel ao poder decompra dos salarios.

    Muitos esperavam que a partir de 1983 os EUA reverteriam a posicao superavitariafinal do balance de pagamentos, pois desde 1982 as rendas de capitais americanos noexterior nao vern cobrindo 0 deficit americana em transacoes correntes. Mas isso naoocorreu porque as entradas de capital estrangeiro se encarregam de fazer amplamenteesta cobertura. 0 investimento em capital de risco tambem tern aumentado. Somente 0Japao, por exemplo, investiu 10 bilhoes de d6lares no periodo de recuperacao e ja pro-jetou investir 40 bilhoes ate 0 final da decada, A Alemanha, por seu lado, deve terinvestido algo em tomo de 8 a 9 bilhoes, embora nao tenhamos os dados precisos sobreseu montante. Em suma, toda a Europa eo Japao estao investindo nos EUA; enquantoestes ultimos fizeram retomar parte dos capitais das filiais de multinacionais americanasque nao tern capacidade de expansao adicional no resto do mundo. Afinal, enquantoa periferia esta estancada e 0 resto do mundo cresce a 1 ou 2%, os EUA estiveramcrescendo a taxa de 7 a 8% no ultimo ana e meio.

    Apoiados neste enorme afluxo de capitais, os EUA puderam manter e ampliar umabrecha comercial cujos limites nao sao ainda visiveis. De 30 bilhoes em 1982 passou a60 bilhoes em 1983 e saltou para mais de 120 bilhoes em 1984. No ano que vern podeatingir 200 bilhoes e poderia continuar aumentando, se nao fosse pela desaceleracaodeliberada da economia americana, sirnplesmente porque ha capital sobrando no mundo.E este excesso de capital e de "poupanca extema" se deve a que 0 resto do mundoobedeceu a polftica conservadora, fosse qual fosse 0 tipo de govemo. Na verdade asincronizacao das polfticas ortodoxas obrigou todos os pafses a manter ern nfveisbaixos suas taxas de investimento e de crescimento e a forcar as exportacoes, Como urnreflexo do ajuste forcado, todos os pafses do mundo estao experimentando superavitsno balance comercial. Todos menos urn: os EUA.

    Eles abrem sua economia e ao faze-lo provo cam uma macica transferencia de rendae de capitais do resto do mundo para os EUA. Urn aspecto muito importante e que istopermite fechar 0 deficit estrutural financeiro do setor publico. Tudo se passa como secada vez que 0 FED joga tftulos de dfvida publica no mercado, de tivesse certeza que10

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    os tftulos serao colocados em todas as estruturas bancarias e junto a todos os rentistasdo mundo. 0 fato essencial e que todo 0 mundo esta financiando nao apenas 0 Tesouroamericano, especialmente seu componente financeiro, mas tambem os consumidorese investidores american os. Desta vez, e ao contrario da decada de 70, ocorreu transfe-rencia de "poupanca real" e nao apenas de credito, liquidez ou capital especulativo.

    Outra questao que deve ser esclarecida diz respeito a influencia da taxa de jurossobre 0 investimento. Muita gente afirma que 0 elevado patamar de taxa de juros real vaiacabar, cedo ou tarde, freando 0 gasto em investimento. Eu quero advertir que os ameri-canos nao estao financiando 0 investimento atraves do mercado de capitais. Nao himercado de capitais novos; 0 mercado relevante hoje e 0 monetario. Os americanos, valereafirmar, estao substituindo 0 tradicional endividamento de longo prazo (atraves daemissao de debentures, equities etc.) por credito de curto prazo ou utilizando recursospr6prios e capital de risco. Por outro lado, esta claro que esta situacao poe em riscomuitas companhias velhas e 0 valor de suas ayoes e debentures, Se uma grande compa-nhia quiser lancar, como varias tentaram fazer recentemente, alguns bilhoes em papeisno mercado de debentures, em uma semana est a mesma companhia estara obrigada arecompra-los, pois, caso contrario, 0 valor das ayoes certamente ira cair. Vale dizer, 0unico risco real que os EVA estso correndo e 0 de sofrer uma desvalorizacao brutal dasvelhas empresas cujas ayoes estao cotadas a urn valor distinto do efetivo. Diga-se depassagem, todos os grandes bancos que se envolveram com investimentos nos ramosprodutivos "velhos", ou em energia e agricultura, passaram e ainda passam por seriesproblemas. A quebra tecnica do Continental Illinois e urn exemplo claro disto. De outraparte, todos aqueles que investiram na California, no Silicon Valley, nos services, estaoem situacao extremamente favoravel.

    Retomando 0 argurnento principal, nao hi mais mercado de capitais stricto sensunos EVA. 0 mercado relevante tern sido 0 de dinheiro. 0 open market e overnight delesnao e menos louco do que 0 nossoembora seja uma loucura controlada pelo FED e naoa loucura "invertida" brasileira. A divida publica deles nso e menos louca do que anossa, mas e "proveitosa" ja que esta sendo financiada atraves da corrida de todos oscapitais bancarios do mundo para os EVA, 0 que obviamente ja nao ocorre com anossadfvida publica. Assim, enquanto n6s estamos obrigados a resolver 0 problema internodo financiamento publico a custa da inflacao e da elevacao dramatica dos juros intemos,os EVA ja nao sofrem qualquer pressao neste sentido. Os seus juros podem baixar desdeque mantenham urn ligeiro diferencial com os parses europeus. Pode-se assim dizer,a luz dos acontecimentos no inicio deste ano, que a "confianca" no d6lar advindada vit6ria de Reagan e da "solidariedade forcada dos banqueiros intemacionais" edificil de sofrer abalos. Assim, a desvalorizacao do d6lar, mesmo com uma politicamonetaria mais frouxa do FED e com 0 aumento do deficit americano, nao ocorreu.Pelo contrario sao os bancos centrais europeus que se dedicam desde fins de 1984a tentar evitar a desvalorizacao das suas pr6prias moedas. A Inglaterra acaba de pagaros seus services prestados aos EVA, sofrendo a maior desvalorizacao da libra emurnasemana.

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    Os EUA nao precisam resolver seu problema de financiamento interno enquanto ataxa de crescimento dos pafses europeus for inferior a taxa de crescimento americano,pois nao ha a menor possibilidade de os capitais do resto do mundo resolverem investirpreferencialmente nos seus pafses de origem enquanto estes nao retomarem taxas decrescimento sustentada. Ate agora estao investindo preferencialmente nos EUA, enquantoas politic as nacionais destinam-se exclusivamente a segurar as estruturas produtivasindustriais e, no caso do Mercado Comum Europeu, tarnbem as estruturas produtivasde alimentos. Os paises da Europa nao formularam, desde 0 ajuste recessivo, qualquerplano para restaurar solidamente 0 seu crescimento economico global. Apenas jogaramindividualmente e tentaram proteger-se para que 0 Japao nao invadisse mais os seusmercados. Mas ao mesmo tempo em que a concorrencia intercapitalista se acentua noresto do mundo, opera-se urn fantastico aumento de eficiencia das industrias modernasno Japao e em alguns pafses da Europa. E, como ja vimos anteriormente, os EUA estaoaproveitando esta situacao para modernizar sua estrutura produtiva as custas do resto domundo, inclusive da periferia latino-americana que ja transferiu nos ultimos anos quase100 bilhoes de d61ares entre juros e perda das relacoes de troca.

    A resposta europeia e japonesa tern sido forcosamente de "alianca" com os EUA;mas 0 seu destino de longo prazo como "periferia" do "centro" esta por ver-se.

    A arrogancia com que 0 relat6rio Morgan considera como area privilegiada deinteresse americana e sua "base ampliada no Pacifico", que inclui Canada, Mexico, Japaoe os NIC's asiaticos, esta preocupando seriamente a Europa. Esta continua paralisada, porrazoes de seguranca, pelas relacoes estrategicas de alinhamento auto matico com os EUAe por razoes economicas devidas a sua pr6pria incapacidade de fazer uma polftica econo-mica comum, a cornecar pela monetaria. A Inglaterra e a Alemanha, cada uma a suamaneira, jogaram urn papel decisivo na derrota dos projetos da socialdemocracia europeiae a Franca socialista sucurnbiu melancolicamente em seus projetos nacionais.

    Esperamos que quando reagirem politicamente nao seja tarde e nao estejam conde-nados ao papel de segunda periferia dos EUA.

    Caso os EUA consigam manter a atual politica com 0mesmo vigor ate 1988, semprovocar urn crash financeiro interno ou internacional (possibilidade que se torna cadavez mais remota), terao entao completado uma decada - de 1978 a 1988 - de absorcaode liquidez, capitais e credito do resto do mundo. Terao alcancado tambem urn qilin-quenio de crescimento a custa da estagnacao relativa dos seus competidores capitalistasmais importantes. Terse financiado a modernizacao do terciario e a remodelacao do seuparque industrial aproveitando as "economias extemas" do resto do mundo. Assim aretornada da hegemonia terminou convertendo finalmente a economia americana numaeconomia centrica e nao apenas dominante. Qualquer semelhanca com a Inglaterra doseculo XIX e mera analogia sem fundamento, dado 0 peso continental dos EUA e aexistencia da Uni[o Sovietica,

    Os problemas estruturais que os EUA tern ainda por resolver dizem respeito aoreajuste da sua infra-estrutura basica, que nao pode ser efetuado com dfvidas e capitalde curto prazo. Isso requer urn processo previo de consolidacao bancaria e de reestrutu-12

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    raylt'o da divida interna americana. Ao lado do volume da divida americana e do seudeficit fiscal, as dividas do 3~ Mundo sao uma gota d'agua." Perdemos a iniciativa e acapacidade de "chantagem" sobre os bancos americanos em 1982. Caso a reciclagemda estrutura fmanceira venha a ocorrer, e somente entao, os EUA poderao deixar 0dolar deslizar outra vez. Se 0 d61ar desvalorizar antes que isso ocorra, havera obvia-mente uma fuga macica de capitais e, em consequencia, 0 sistema fmanceiro americanopodera quebrar. Por isso e que, a menos que nso 0 possam evitar, os EUA nao devempermitir que 0 d61ar desvalorize substantivamente pelo men os ate 1988.

    Se forem confirmadas estas hip6teses, e os EUA nao mudarem as relacoes do FEDe do Tesouro com os bancos, 0 Brasil e os demais parses latino-american os estaraocondenados a renegociar a divida externa ano apes ano; se nao tomarem providenciasindividuais e coletivas de cooperacao para enfrentar este estado de coisas. Em qualquerhip6tese 0 Brasil se vera forcado a pagar pelo menos em parte os juros devidos aos ban-queiros internacionais e a tentar capitalizar a outra parte. 0 esforco exportador quevern acontecendo nos anos recentes nao e novidade mas esta seguindo urn padraointeiramente distinto daquele que prevaleceu ate 1978.

    Com efeito, na decada de 1970, especialmente no perfodo de endividamentoca6tico, que se iniciou em 1977, 0 Brasil fez urn enorme esforco de exportacao, tendodiversificado sua estrutura de comercio exterior. Neste perfodo, a balanca comercialbrasileira era superavitaria com relacao a America Latina, Africa e area socialista, edeficitaria unicamente com os pafses do Oriente Medic. Com relacao aos EUA e Europa,a posicao comercial brasileira era relativamente equilibrada ate 1978. Deste ano para ca,comecamos a enfrentar uma violenta desestabilizacao nos mercados internacionais demoedas nao conversiveis que nos obrigou, especialmente a partir de 82, a mudar inteira-mente a estrutura de comercio. Passamos a condicao de superavitarios em escala crescentecom os EUA e com a Europa, e estamos mais ou menos com a balanca comercial equili-brada com 0 resto das areas para as quais exportamos, alem de estarmos fazendo urnviolento esforco de substituicao de petroleo.

    Se os EUA que rem que paguemos a conta de juros, devem deixar que 0 Brasilacumule urn superavit comercial equivalente ao montante de juros devidos. Na verdade,isto nao esta ocorrendo, pois nos estamos mantendo urn superavit com os EUA superiora remessa de juros aos banqueiros americanos, embora inferior aos pagos ao conjunto dosistema bancario internacional. Isto e evidentemente uma situacao insustentavel, tantopara nos quanto para os banqueiros europeus. Quando 0 nosso superavit com os EUAdeixar de crescer por forca da desaceleracao da economia americana e 0 crescimentodo superavit com a Europa e 0 Japao nao acompanhar compensatoriamente (dadas assuas baixas taxas de crescirnento, protecionismo e a valorizaeao continua do dolar) ,

    2 Alilts uma das possiveis explicacoes para a mudanca de Solomon e Volcker em relar;:aoa capitali-zar;:ao dos juros dos paises devedores da periferia (com a qual pareciam estar de acordo ate julho doano passado) pode dever-se ao medo de uma mudanca nas regras do jogo que termine rebatendo for-temente em casa.

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    s6 restara ao Brasil a altemativa de negociar duro. Mesmo uma polftica conservadorae recessiva sera inutil dados os baixos nfvel e coeficiente de importacoes ja alcancados.

    Evidentemente que 0 problema do protecionismo permanece como uma fonteirnportante de conflito, mas os EVA estarao dispostos a ceder ate 0 limite do que precisemos pagar em juros devidos aos seus banqueiros. Ainda assim dificilmente conseguiremosmanter urn superavit com os EVA superior ao montante global de juros. Se renegociarmosa dtvida e a quantidade de juros a ser paga for menor, entao, automaticamente, 0 supera-vit devera tambern ser men or. Quer dizer, as perspectivas de crescimento das exportacoesdependem de uma tenaz: as condicoes de renegociacao da divida e 0 protecionismoamericana e europeu. Em sum a, temos estado inteiramente submetidos a pohtica econo-mica americana em materia de polftica de exportacao, polftica cambial e polftica dedfvida especificamente.Por este motivo a politic a cambial tern sido feita nos ultimos dois anos desconside-rando inteiramente a estrutura dos precos das exportacoes eo seu efeito sobre a inflacaoe as relacoes de troca. 0 Brasil tern feito desvalorizacoes cambiais alern do que precisa, emtermos das suas estruturas de precos intemos, exc1usivamente para concorrer. Ao contra-rio do que se tern dito, nos estamos, em termos da estrutura intema de custos das expor-tacoes, desvalorizando excessivamente e por isso perdendo nas relacoes de troca. Ou seja,estamos uma vez mais sendo forcados a fazer 0 contrario dos Estados Unidos,

    Os EVA nao vao (nem podem) abrir mao da relacao especial que mantern com 0Japao, Alemanha, Canada e Mexico, pois trata-se de espacos econornicos e politicos queprecisam controlar de alguma maneira. Na minha opiniao os pafses do Cone SuI nao saoimportantes para a estrategia de crescimento e de comercio americano. No caso doBrasil, em alguns mercados somos supridores de segunda linha de produtos agrfcolas, nosespacos abertos pelas flutuacoes cfc1icas da oferta americana. E af que a concorrenciasera mais acirrada e originadora de conflitos, se pretendermos manter nossa posicao nomercado intemacional a longo prazo. Textil, calcados, metalurgia e maquinas sao setoresnos quais teremos de enfrentar a disputa dos demais pafses pelo mercado americano.Do ponto de vista do investimento dire to americano, os setores "cobicados" ja forampublica e reiteradamente anunciados. Eles tern interesse prioritario nos setores de infor-matica, bancos e armas que slio os setores sobre os quais querem manter uma hegemoniaincontestavel e os que apresentam maiores possibilidades de expansao a longo prazo, paraos capitais americanos ja sediados no pais.

    Fora estas areas "contenciosas", que podem continuar a ser levadas com compe-ten cia pelo Itamarati, 0 que resta e saber se 0 Brasil e capaz de comportar-se como urn"devedor soberano" e renegociar a sua divida extema sem ceder nos seus interesses e semcriar falsas "chantagens" psicologicas, irrealizaveis na pratica, e que deixariam ainda maisfrustrada a nossa populacao, 0 que e intoleravel porem e nao reconhecer 0 nosso direitoa sobrevivencia e a nossa capacidade de autodeterminacao, a pretexto de "alinhamentosautornaticos", falsas hip6teses sobre a importancia do Brasil e sua relacao preferencialcom os EVA.

    A chamada "arrogancia ingenua do nacionalismo caboc1o" esta desaparecendo,14

  • 5/10/2018 TAVARES - A Retomada Da Hegemonia Norte-Americana

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    apesar dos esforcos dos conservadores para reaviva-lacomo espantalho. Pais soberano eaquele que reconhece a realidade mundial, mas nao se deixa intimidar por ela, fazendoescolhas corretas e negociando com seriedade e responsabilidade, tentando superar oslimites do Presente para abrir espaco ao Futuro.

    ABSTRACTUntil 1980/81 it was not reasonable to suppose that U.S.A. could be able to reaffirm its

    hegemony upon their western competitors, neither they had tried to pass to a new internationaleconomic order and to a new labor division which they coul control. Today this probabilityis very high.

    In case U.S.A. keep the present policy with the same vigour until 1988, without causingan internal or international financial crash, then they will complete a decade of absorptionof liquidity, capital and credit from the rest of the world. The U.S.A. will also reach a five-yeargrowth at the expense of the relative stagnation of their more important capitalist competitors.

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