TCC - Voyeurismo Digital

21
FACULDADE IMPACTA DE TECNOLOGIA VOYEURISMO DIGITAL E A DESCONSTRUÇÃO DA PUBLICIDADE NO YOUTUBE JONATAS FRÓES PEREIRA SÃO PAULO 2014

Transcript of TCC - Voyeurismo Digital

Page 1: TCC - Voyeurismo Digital

FACULDADE IMPACTA DE TECNOLOGIA

VOYEURISMO DIGITAL E A DESCONSTRUÇÃO DA PUBLICIDADE NO YOUTUBE

JONATAS FRÓES PEREIRA

SÃO PAULO

2014

Page 2: TCC - Voyeurismo Digital

2

FACULDADE IMPACTA DE TECNOLOGIA

VOYEURISMO DIGITAL E A DESCONSTRUÇÃO DA PUBLICIDADE NO YOUTUBE

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Faculdade Impacta de

Tecnologia como requisito para

obtenção de título de pós-graduação em

Marketing Digital por Jonatas Fróes

Pereira.

Orientação: Prof. Gustavo Tijolo

Page 3: TCC - Voyeurismo Digital

3

RESUMO

Este artigo visa analisar e compreender a origem dos videologs, o poder de influência

adquirido pelos produtores de conteúdo para YouTube como formadores de opinião e entidades

exibicionistas, e por quê o conteúdo produzido por essas mídias é consumido por uma audiência

devotada e praticante ativa de um voyeurismo digital. Também é objetivo desse projeto entender

o interesse que marcas têm em anunciar dentro desse ambiente cedendo sua comunicação ao

produtor anônimo, que insere a publicidade de forma sucinta e contextualizada em seu conteúdo,

sem alterar a abordagem ou tom de comunicação com o qual já está habituado a criar. Para

fundamentar a presente pesquisa, alguns vídeos de canais populares no YouTube brasileiro foram

acompanhados e analisados entre outubro de 2013 e janeiro de 2014, aplicando-se uma pesquisa

etnometodológica para a interpretação dos dados coletados.

PALAVRAS-CHAVE

Videolog; YouTube; Vlogueiro; Voyeurismo Digital.

INTRODUÇÃO

A popularização das redes sociais foi um fator de mudança fundamental para a

reconfiguração da comunicação midiática. O emissor pós-moderno envia sua mensagem para o

receptor que a decodifica e responde, transformando a comunicação unilateral comum nas mídias

tradicionais em um debate entre as partes. É possível afirmar que o usuário de redes sociais hoje

possui voz ativa, e que suas mensagens são assimiladas por outros usuários, e até mesmo

corporações. Logo, qualquer indivíduo pode conquistar uma audiência.

Ao compreender esse cenário, pessoas comuns vislumbraram a oportunidade de propagar

suas histórias, habilidades e experiências ao produzir conteúdos para veicular em seus canais

pessoais. “‘O da poltrona’ não é mais um ser inanimado, ele tem histórias para contar, fatos para

reclamar ou simplesmente manifestar sua opinião diante das experiências vividas” (FILHO;

SILVA, 2012). Ainda que criados de forma amadora, esses conteúdos encontram receptores de

Page 4: TCC - Voyeurismo Digital

4

vínculo emocional próximo ao autor, como seus amigos, familiares e conhecidos, que por sua vez

podem utilizar as mais diversas ferramentas disponíveis no ambiente digital para compartilhar

esse material com outros indivíduos, e assim sucessivamente. Este é o chamado marketing viral

que “pode ser descrito como qualquer estratégia que encoraje as pessoas a passar uma mensagem

para outras pessoas” (CAVALLINI, 2008). Atualmente, os produtores de conteúdo mais

dedicados divulgam suas produções em diversas redes sociais visando alcançar o maior número

de pessoas possível e, consequentemente, conquistar uma audiência espantosamente grande.

Não podemos ignorar que no desenvolver deste processo um conteúdo bem aceito pela

audiência tende a fidelizá-la, elegendo seu produtor como uma referência naquele tipo de criação.

Também devemos considerar que se um determinado conteúdo torna-se popular, seu autor

adquire status equivalente e transforma-se em uma espécie de celebridade cultuada por grupos

específicos de usuários. Somente no Brasil o acesso à Internet já conta com mais de 102,3

milhões de usuários de acordo com pesquisa divulgada pelo Ibope Media em 10 de julho de 2013

e, portanto, é importante ressaltar que “em uma sociedade midiática como a que vivemos, se

antes a celebridade era aquela que aparecia na televisão, hoje a celebridade é também aquela que

se destaca na rede mundial de computadores” (JESUS, 2011).

Mas o que, especificamente, motiva o público que constitui uma audiência a compartilhar

e acompanhar com frequência pontual o conteúdo produzido por indivíduos anônimos e

amadores? Que fatores elevam uma pessoa comum ao patamar de celebridade - ou até mesmo

ídolo -, para a população digital, armando-a com um poder de influência equivalente, senão

superior, ao de algumas mídias tradicionais? Podemos responder tais perguntas analisando o

contexto cultural de nossa sociedade com relação ao espetáculo midiático e vislumbrando a

contribuição das redes sociais na potencialização do culto à celebridade. A facilidade

proporcionada pelos mecanismos de busca vicia o usuário da internet a conviver com as

novidades e informações que circulam um determinado indivíduo com uma dinâmica imediatista,

e as redes sociais os aproximam de seu objeto de pesquisa em um nivelamento humano, de igual

para igual, transmitindo a sensação de proximidade, afinidade e até mesmo amizade. Criou-se um

batalhão de voyeurs digitais da vida alheia, que acompanham cada passo, comentário e

atualização de seus ídolos por janelas e fechaduras cibernéticas, interagindo e participando de

Page 5: TCC - Voyeurismo Digital

5

cada novo status como se fossem responsáveis pelo andar do cotidiano daquelas pessoas, “sem

precisar se esconder, nem se limitar a ver o que o acaso, ou a proximidade física, o permite"

(LATOUR, 2002).

Com base nas constatações feitas aqui anteriormente, produzi esse texto com o objetivo

de analisar o efeito que os conteúdos criados por usuários especificamente do YouTube - os

chamados vloggers ou youtubers - causam na comunicação online, o poder de influência destes

perante sua audiência digital e como a publicidade enxerga o potencial dessas novas mídias, por

meio de uma pesquisa etnometodológica aplicada em vídeos de alguns dos principais canais do

YouTube brasileiro entre outubro de 2013 e janeiro de 2014..

METODOLOGIA

A metodologia de pesquisa utilizada neste projeto para interpretação dos fatos e

argumentação tangível da hipótese utilizada como base de todo o artigo é a etnometodológica. De

acordo com Garfinkel (1967) a pesquisa etnometodológica é utilizada sempre que se torna

necessário analisar as atividades de um indivíduo ou grupo de pessoas por meio de suas ações

diárias comuns, por um período de tempo pré-determinado e em um espaço pré-estabelecido.

Os objetos de estudo deste artigo são vídeos de canais do YouTube de grande

popularidade, que possuem frequência de publicações e audiência fiel à programação do canal, e

que trabalham permanentemente ou temporariamente com ações publicitárias de produtos,

serviços, marcas e/ou eventos promocionais. A análise etnometodológica visa mostrar o poder de

influência dos anônimos-celebridade que produzem conteúdos para esses canais, e o impacto que

sua comunicação tem na publicidade, por meio das estatísticas coletadas em cada vídeo e teor dos

comentários publicados pela audiência.

Todos os objetos estudados nessa pesquisa não possuem características constantes

(reformulação do conteúdo ou republicação do mesmo com alterações de roteiro e/ou contexto)

ou imutáveis (com restrições de interação para a audiência ou anulação de espaços para

comentários), viabilizando uma análise interpretativa de qualquer dado público disponibilizado

na página dos vídeos.

Page 6: TCC - Voyeurismo Digital

6

CONCEITOS

VIDEOLOGS E O COMPORTAMENTO DA AUDIÊNCIA PERANTE O CONTEÚDO

NO YOUTUBE

Os vídeologs - também chamados popularmente de vlogs - são a evolução óbvia do

conteúdo estimulado pela melhoria de conexão com a Internet, via banda larga e, principalmente,

pelo surgimento de equipamentos e ferramentas de fácil assimilação que permitem a criação e

edição de vídeos. “O videolog é mais uma maneira que o internauta encontrou para divulgar suas

ideias, suas produções artísticas ou simplesmente emitir opiniões a respeito de um determinado

assunto” (JESUS, 2011). Com dispositivos eletrônicos multifuncionais cada vez mais completos,

uma pessoa comum pode gravar um vídeo sobre qualquer tema, de qualquer lugar, a qualquer

momento, e disponibilizá-lo na rede sem ter qualquer experiência prévia nesse tipo de trabalho

tendo em vista que “a web 2.0 possibilita ao usuário produzir conteúdo, de uma forma simples e

de fácil manipulação de interface” (FILHO; SILVA, 2012).

O surgimento do YouTube em 2005, site desenvolvido exclusivamente para a

visualização e publicação de vídeos, democratizou a veiculação desse tipo de material. “O

YouTube, assim como parte considerável dos sites e comunidades virtuais da internet é um

hipertexto, um texto estruturado em rede, constituído por nós e organizado por links que indicam

as possíveis passagens entre um nó e outro” (LÉVY, 2007). O usuário cria nesse ambiente alguns

conteúdos para entreter outros usuários e ao mesmo tempo mostrar-se, externando suas opiniões e

sentimentos. “Hoje as pessoas parecem viver em função de relatar posteriormente o que fizeram

em suas páginas pessoais (...) como se suas experiências só existissem no momento em que são

exibidas, postadas e visualizadas, ou seja, midiatizadas” (FILHO; SILVA, 2012).

Os videologs costumam ser espontâneos, desprovidos de roteiros pré-estabelecidos por

seus criadores, normalmente baseados em assuntos que estão sendo comentados nas redes sociais

para aproximar o conteúdo da realidade do usuário da Internet. O objetivo principal dos vídeos

produzidos é gerar diversão e entretenimento com os quais a audiência possa se identificar, para

criar nela o hábito de revisitar, reassistir e propagar o material proposto. “Quanto mais caseiros os

Page 7: TCC - Voyeurismo Digital

7

vídeos, melhores, pois assim o internauta sente-se mais próximo daquele entretenimento”

(JESUS, 2011). Grande parte dos produtores criam personagens para si mesmos, tendo em vista

que também são os atores de suas peças. Em seus vídeos, os videologgers assumem

características que nem sempre são comuns à sua personalidade verdadeira para agradar a

audiência e aumentar sua visibilidade na web. “Ali ele escolhe como quer ser visto pelos outros,

configura uma identidade, fazendo recortes do seu perfil, mostrando alguém geralmente mais

atrativo que na realidade” (FILHO; SILVA, 2012).

Muitas das técnicas adotadas na gravação de videologs provêm do formato já existente na

programação da mídia televisiva parecendo “ser uma espécie de evolução da televisão, ou pelo

menos um desdobramento da mesma” (FILHO; SILVA, 2012). Normalmente, há um

apresentador responsável pela articulação da mensagem e pela apresentação de um tema, que

estabelece um argumento e o desenvolve em programas periódicos. Todavia, diferente da TV, o

apresentador não restringe sua comunicação, criando produções totalmente opinativas, pessoais e

livres sem importar-se com o linguajar, com o reflexo que elas poderão ter na audiência ou com o

teor do que está sendo apresentado. Também não há qualquer tipo de preocupação explicita com

o feedback que poderá ser dado pela audiência, que é sempre convidada a interagir por meio de

comentários após a conclusão do vídeo - ou por meio de vídeos-resposta, uma prática pouco

comum aqui no Brasil - para estender um diálogo nas redes sociais. A sensação que se tem é de

que a mensagem é produzida pelo emissor para o próprio emissor, ignorando-se a decodificação e

aceitação da mesma pelo receptor e colocando-o em segundo plano na comunicação. Ao mesmo

tempo, há uma certa preocupação do emissor em criar uma mensagem acessível para sua

audiência, como analisado pelo Prof. Dr. Flavi Ferreira Lisboa Filho e Ariéli Adolpho da Silva:

“O videolog parece trazer uma nova tendência na linguagem

empregada pelos apresentadores em relação a sua audiência.

Diferente do habitual visto na TV, onde o apresentador se coloca

a todo o momento preocupado com o telespectador, tentando

integrá-lo ao contexto do programa, os atores dos videologs

parecem fazer exatamente o contrário, ofendendo e deixando o

público de lado. A falta de cuidado com a fala soma ao caráter

caseiro e “desleixado”, talvez por esse fator os atores incorporem

uma espécie de personagem que desdenha de sua audiência,

quando na verdade, preocupam-se com ela. Caso contrário, não

fariam os vídeos periodicamente” (FILHO; SILVA, 2012: p. 10).

Page 8: TCC - Voyeurismo Digital

8

Essa personificação dicotômica nem sempre agrada o público que evidencia sentimentos

ambíguos a respeito dos apresentadores, oscilando dos elogios mais consistentes às críticas mais

resistentes, algumas vezes pejorativas. Entretanto, cabe à audiência filtrar aquilo que realmente

lhe interessa, tendo em vista que o conteúdo é veiculado em um ambiente flexível que permite

seu descarte ou sua replicação instantaneamente.

É correto considerar que parte desse comportamento também é resultado da aglomeração

de características herdadas do formato televisivo que ainda eleva seus apresentadores ao status de

celebridade. “A celebridade é a ‘autoridade’ do provisório. Seus representantes são os que sabem

lidar com moda e tecnologia a serviço da moral do entretenimento. Afinal com esta moral, a

celebridade é programada para idolatrar o momentâneo e desaparecer com ele” (COSTA, 2004).

Ao assumir-se como apresentador, o autor do videolog transforma-se no principal responsável

pela informação veiculada em seu canal, uma referência sobre o conteúdo proposto, além de ser o

principal responsável pela captação e manutenção da audiência. Caracterizado como

apresentador, é identificado pelo público como autoridade e como tal agrega seguidores a cada

nova publicação, sendo obrigado a melhorar seu discurso, carisma e presença frente às câmeras

para que o canal não se perda entre as milhares de horas de conteúdo publicados a cada minuto

no YouTube. O autor, espontaneamente, celebritiza-se e arca com as consequências de ser uma

celebridade.

Videologgers carregam consigo a responsabilidade de manter uma audiência elevada e

constante para se manter na “mídia”, ou podem cair facilmente no esquecimento tão rapidamente

quanto conquistaram grande exposição. Para tanto, precisam ousar, se diferenciar, quebrar alguns

paradigmas, o que consequentemente os direciona para caminhos não convencionais totalmente

opostos aos da TV, que muitas vezes não agradam uma audiência específica, mas que podem

garantir uma viralização mais rápida e a conquista de uma audiência maior, ainda que temporária.

Alguns até aderem à algumas sugestões de seus espectadores, de temas à modificações na

mecânica da gravação, com o intuito de dar à audiência aquilo que ela quer ver, mas dificilmente

creditam a ideia ao público, absorvendo-a para si.

“Uma das características mais constantes da ciberarte é a

participação nas obras daqueles que as provam, interpretam,

Page 9: TCC - Voyeurismo Digital

9

exploram ou leem. Nesse caso, não se trata apenas de uma

participação na construção do sentido, mas sim uma coprodução

da obra, já que o 'espectador' é chamado a intervir diretamente na

atualização (a materialização, a exibição, a edição, o desenrolar

efetivo aqui e agora) de uma sequência de signos ou de

acontecimentos” (LÉVY, 2007: 135-136).

Mas, considerando a postura adotada pelos videologgers, o que motiva a permanência da

audiência? Existem alguns fatores que contribuem com a subsequência do público nesse cenário

descrito anteriormente. Ainda que a postura do apresentador seja contraditória ao convencional, o

amadorismo das produções e a proximidade proporcionada pela Internet geram identificação e

compreendem completamente o modelo de eficácia de uma celebridade de Terence A. Shimp

(2002), na qual uma celebridade é correspondida pela audiência ao gerar credibilidade, transmitir

conhecimento, chamar a atenção para aquilo que está sendo proposto com seu poder de atração,

ser respeitada (majoritariamente) por sua opinião e gerar identificação por similaridade. Diferente

da celebridade idealizada pela mídia televisiva, a web celebridade é mais humana, tangível e real,

o que aproxima a audiência. “Estas novas mídias não apenas informam e entretém seus

consumidores, mas também constroem a emocionalidade deles” (JESUS, 2011).

O espectador do videolog assiste porque consegue se enxergar no lugar do apresentador,

que é uma pessoa normal como ele, e também acredita poder produzir um conteúdo amador igual

ou melhor do que aquele que está assistindo. Inconscientemente, os videologs despertam o desejo

(ou instinto) individual que o ser humano tem de ser uma celebridade e o glamour que a

democratização da fama pode proporcionar. Por isso mesmo que, ao analisarmos os comentários

presentes em um vídeo, identificamos uma mistura de sentimentos que vão da admiração ao ódio,

da afeição ao desprezo, motivados pelo desejo de se estar ali, sendo o centro das atenções, e pela

inveja de não o ser, exatamente como descrito por Fred Inglis (2012): "O glamour é objeto da

inveja em carne e osso. A psicose (...) é circular e sem trégua: move-se do desejo para a inveja, e

desta para a compra, para a decepção, para a raiva ou resignação e de volta para o desejo".

Outro fator que interfere diretamente na continuidade da audiência de um videolog

provém do sentimento que o produto final proporciona ao seu espectador, que o consome apenas

por associar esse momento à felicidade. “Ouvir outra pessoa, escolhida por eles, formulando

Page 10: TCC - Voyeurismo Digital

10

ideias e expondo pensamentos que eles próprios gostariam de exteriorizar, funciona como uma

válvula de escape para sentimentos e emoções reprimidos” (JESUS, 2011). Mais do que consumir

os vídeos, os espectadores consomem a satisfação de escutar uma pessoa comum expôr

exatamente aquilo que eles mesmos pensam, o que dá uma nova consistência para o conteúdo

criado pelo videologger, gerando afinidade. Podemos identificar isso facilmente em alguns

comentários feitos em vídeos dos principais canais de videologgers brasileiros, como o Mas Poxa

Vida do PC Siqueira, Mundo Canibal dos irmãos Piologo ou até mesmo do Galo Frito.

Estruturados de forma quase padronizada, os comentários são iniciados com um elogio direto,

continuados com uma opinião pessoal e um agradecimento pelos temas abordados em questão, e

concluídos com uma sugestão de tema para um próximo vídeo.

Por fim, há também o fator da proximidade desencadeado pela encontrabilidade da

informação possibilitada pelos mecanismos de busca afinados e redes sociais. Ao utilizarmos

palavras-chave relacionadas a um videologger ou simplesmente seu nome em qualquer pesquisa,

é possível encontrar uma infinidade de resultados com conteúdos e informações sobre quem é

aquele indivíduo, o que ele faz, o que ele fez, seus hábitos e até mesmo as pessoas com quem se

relaciona. Quando o público conhece mais profundamente aquela web celebridade e percebe que

ela está acessível para um bate-papo, uma troca de mensagens por e-mail ou até mesmo pelas

redes sociais, e que é possível alcançá-la por meio de interações simples que qualquer um faz

com qualquer amigo no cotidiano, cria-se uma proximidade palpável e a sensação de que essa

pessoa faz parte também de seu círculo de amizades. As redes sociais permitem que qualquer

nova atualização seja acompanhada em tempo real com ferramentas simples e isso gera um

hábito na audiência que observa calmamente e acompanha os passos de seu ídolo sabendo que

poderá ter um retorno dele em qualquer comentário, em uma espécie de voyeurismo voluntário.

No próximo tópico, este fator será analisado com maior profundidade.

VOYEURISMO DIGITAL

A ciência medicinal aponta o voyeurismo como uma parafilia identificada por

“comportamentos sexuais que se desviam do que é geralmente aceito pelas convenções sociais,

podendo englobar comportamentos muito diferentes e com diferentes graus de aceitabilidade

Page 11: TCC - Voyeurismo Digital

11

social” (L. MANUILA, 2001). Inicialmente, foi definido como o ato de se observar indivíduos

nus ou durante atividades sexuais de forma bisbilhoteira, escondida, sem que os principais atores

da cena descobrissem que estavam sendo observados. Normalmente, o agente do voyeurismo

realiza tal prática por ter algum desejo sexual pelo observado, conquistando um prazer físico ao

praticar tal espionagem. Entretanto, nunca houve uma regra que explicasse ou definisse

completamente quem seria ou não um voyeur, ou qualquer explicação definitiva para esse gosto,

podendo-se inserir na definição formal qualquer indivíduo que observe alguém sorrateiramente

sem ser descoberto, em qualquer ocasião. O voyeurismo foi profundamente trabalhado no cinema

no século XX, tendo como principal destaque o suspense “Janela Indiscreta” de 1954, dirigido

por Alfred Hitchcock e baseado em um roteiro de Cornell Woolrich, publicado originalmente em

1942, no qual o espectador se insere no contexto do filme como personagem voyeur. A

curiosidade ocultada por fechaduras e janelas sempre interessaram a indústria do entretenimento

sendo tema central de filmes, músicas e até mesmo revistas, como no caso da famosa Playboy,

por exemplo, que buscou no decorrer de sua história desnudar algumas das mais belas

celebridades, modelos e artistas, dando acesso aos seus corpos nus a qualquer pessoa que tivesse

a habilidade (e curiosidade) de ver.

Já no século XXI, os reality shows obtiveram um crescimento de audiência em projeção

geométrica, impulsionados por produções cada vez mais elaboradas dos canais de TV no Brasil.

Programas como o Big Brother Brasil (comumente contraído para a sigla BBB) desenvolveram

uma enorme janela indiscreta que fornece a milhões de pessoas a possibilidade de observar a vida

de indivíduos comuns no conforto do próprio lar. Muitas vezes acompanhado por familiares e

amigos, utilizando a tela da televisão como uma espécie de fechadura digital habilitada para uma

checagem panorâmica da rotina desses anônimos, qualquer pessoa passou a poder observar de

longe, registrar momentos e acompanhar cada movimento da vida alheia. “A janela da televisão é

aberta e as pessoas, na sua atitude voyeurista, não resistem e chegam a sentir necessidade de

transgredir valores burgueses de preservação da intimidade, para espionarem os outros”

(CASTRO, 2006). O voyeurismo foi massificado e amplificado pela tecnologia, permitindo que

todos dessem uma “espiadinha”, termo utilizado frequentemente pelo apresentador Pedro Bial.

Associados à internet, os milhares de voyeurs da “casa mais vigiada do Brasil” passaram a

compartilhar informações sobre os participantes confinados, seus hábitos, suas conversas e

Page 12: TCC - Voyeurismo Digital

12

imagens e vídeos de suas ações diárias. Aos poucos, os mais curiosos começaram a pesquisar

mais profundamente os participantes na web, visualizando informações em seus perfis de redes

sociais, arquivando fotos tiradas antes do programa e garimpando comentários em busca de fatos

que justificassem sua identificação com a persona do indivíduo e que aprimorassem seu discurso

de torcedor, ou que comprovassem alguma polêmica sobre um determinado participante,

revertendo sua popularidade para anulá-lo do jogo. As vidas privadas dos participantes anônimos

passaram a ser de domínio público. E observar as pessoas de forma discreta deixou de ser algo

incomum, tornando-se um hábito.

Mas foi nas redes sociais que o voyeurismo massificado pela tecnologia se intensificou de

forma abrupta, em especial com a grande adesão do público às redes sociais. Desde a explosão do

Orkut no Brasil, a proximidade hipotética criada pelos canais sociais fez com que o voyeurismo

passasse a integrar o cotidiano das pessoas como um hábito natural. Hoje é bastante atípico

conhecer indivíduos que não utilizam esses canais diariamente para manter contato com pessoas

que em algum momento passaram pela sua vida, ainda que seja apenas para acompanhar

parcialmente o que essas conexões sociais estão fazendo em seus cotidianos. Mesmo que estes

usuários não participem ativamente desses espaços virtuais inserindo novos conteúdos

constantemente, estão presentes e acompanhando cada passo de seus conhecidos, amigos,

parentes, ex-namoradas(os) e até mesmo pessoas com as quais se identificam e que,

oportunamente, gostariam de se relacionar presencialmente, no mundo real. Ao observar uma

foto de perfil de um conhecido ou desconhecido, é corriqueiro que o usuário visite sua página,

leia sua descrição, analise seu álbum de fotos e publicações que realiza na rede antes de enviar

uma mensagem para iniciar uma conversa, movimento que estabelece afinidades mínimas e

argumentos para que o diálogo possa existir. Após o diálogo, caso sejam identificados atributos

positivos que aumentam o interesse pelo indivíduo, o processo é realizado novamente de forma

sistemática por diversas vezes, investigando-se insistentemente os mesmos dados em busca de

informações que estreitem a relação. Esse processo pode ser identificado como voyeurismo

digital. “O voyeur digital é alguém que investiga a vida das pessoas na internet com um interesse

exagerado” (CHAVEZ; FAYAD, 2013).

O voyeur digital nutre certa obsessão pelo conhecimento profundo da vida alheia, obtendo

Page 13: TCC - Voyeurismo Digital

13

algum prazer em ver (ou ler) o que está acontecendo, memorizando conversas e publicações

inteiras, sem interagir com o indivíduo que é seu objeto de pesquisa (ou prazer). Na maioria dos

casos, os alvos observados nem mesmo sabem que estão sendo investigados por alguém

remotamente, que registra qualquer movimentação por trás da tela de um computador.

Atualmente, qualquer pessoa pode ser vítima de um voyeur digital e sequer saber disso.

A prática do voyeurismo em ambiente digital acarreta em discussões sobre os problemas

de segurança que esses hábitos podem gerar nas redes sociais ou qual é o limite legal desses atos,

em termos de privacidade. Também debate-se sobre até que ponto pode-se considerar que a

prática stalker (do inglês, “perseguidor”) não é um crime, tendo em vista que não há como

monitorar ou controlar os voyeurs digitais. Entretanto, nenhuma discussão desencadeia em

propostas e soluções, pois deixam de considerar que tal hábito só existe porque os observados o

permitem, tendo em vista que são responsáveis por todo e qualquer conteúdo que compartilham

em suas redes sociais. Quem acumula material publicamente o faz porque quer ser visto, e,

portanto, colabora ativamente com o voyeurismo digital munindo seus adeptos com um volume

considerável de informação que pode ser analisada a qualquer momento. “Deixamos nossa vida

exposta. Mostramos fotos e vídeos. Dividimos nossa felicidade e frustrações. É mais ou menos

como ser vigiado pelo buraco da fechadura, enquanto do outro lado da porta, nu, você canta e

dança ‘sozinho’” (FRANCO, 2012). É óbvio que nem todo indivíduo compreende o quão

exposto está nos ambientes virtuais que compõem a web, permitindo inocentemente que seus

dados estejam públicos para a análise de qualquer pessoa, mas alguns o fazem propositalmente

por ter algum prazer em se expor, de forma exibicionista.

O exibicionismo digital, assim como o voyeurismo, também pode ser classificado como

“uma parafilia de desvio sexual manifestado pelo desejo incontrolável de obter satisfação no fato

puro e simples de exibir-se nu” (L. MANUILA, 2001). Os anônimos-celebridade presentes no

YouTube beneficiam-se da prática voyeurista de seu público para obter maior alcance e

aglomerar uma audiência maior a cada vídeo afinal “no mundo dos videologs qualquer um pode

ser celebridade e tornar-se astro de seu próprio reality show” (JESUS, 2011). Para tanto,

consomem assiduamente qualquer rede social, compartilhando novas informações a todo

momento como uma alternativa para estar presente nos momentos em que não publicam novos

Page 14: TCC - Voyeurismo Digital

14

vídeos. Entre uma nova opinião e uma nova foto publicadas nos momentos, os vloggers

permeiam as lacunas da comunicação com inserções que direcionem seus seguidores para seus

vídeos mais antigos, fazendo com que as visualizações aumentem. Suprem aqui o desejo dos

voyeurs digitais fornecendo informações para serem investigadas, mas também se satisfazem ao

permanecer como centro das atenções, buscando onipresença no ambiente digital. Além de

cantarem e dançarem nus, sabem que não estão sozinhos sendo observados pelas fechaduras e

frestas, e se aproveitam dos benefícios que podem coletar desse momento, além de gostar disso.

Devemos considerar que uma parcela considerável dos exibicionistas digitais acaba se

expondo continuamente em busca da fama. Tornar-se uma celebridade instantânea, ou

permanente em raríssimos casos, é uma aspiração de diversos videologgers, que investem cada

vez mais em suas produções para conquistar públicos maiores e mais fiéis. “As redes sociais na

internet são constituídas de representações de atores sociais e de suas conexões” (RECUERO,

2009). Podemos concluir que o videologger exibicionista atua em sua individualidade em busca

do sucesso com sua audiência, ampliando o alcance de sua comunicação e reconhecimento,

atraindo uma audiência voyeurista cada vez maior que ajuda a consolidar sua imagem como

celebridade na web, instantânea ou não.

A influência adquirida com esse ciclo vicioso atrai o mercado publicitário que busca

insistentemente se inserir dentro de tal contexto, visto o grande potencial de comunicação que um

videologger possui junto à sua audiência, desencadeando em um novo movimento de mídia que

usa os influentes anônimos-celebridade como mídia.

A DESCONSTRUÇÃO DA PUBLICIDADE NA ERA DO YOUTUBE

Historicamente, a publicidade sempre foi utilizada como ferramenta essencial na mudança

do comportamento de consumo, auxiliando na difusão de produtos, marcas e serviços por meio

de conceitos criativos que despertassem, consciente ou inconscientemente, novas necessidades

e/ou desejos em seus potenciais públicos-alvo. Para tanto, adaptaram-se a diversas mídias que

evoluíram e continuam evoluindo ainda hoje, visando estar onde está também o consumidor.

O propósito básico das redes sociais, de estreitar relacionamentos e promover conversas

Page 15: TCC - Voyeurismo Digital

15

em tempo real, também cria oportunidades para as marcas, levando-se em consideração que

relatos testemunhais positivos aumentam sua credibilidade e potencializam suas qualidades, com

experiências reais de pessoas igualmente reais. As empresas começam a compreender que para

estar presente na vida das pessoas não podem contar apenas com campanhas de marketing

criativas anunciadas em diversas mídias, consumindo rios de dinheiro para que a exposição

impacte massivamente a população. Precisam gerar identificação por meio de afinidade, fazer

parte, estar contextualizados, inseridos entre as comunidades e encontrar o público efetivo que se

busca que acredita e consome seus produtos e serviços frequentemente. Como analisado por Seth

Godin (2011) “estamos neste novo modelo de comunicação onde o caminho para a mudança não

será construído usando dinheiro ou poder para pressionar o sistema. Será construído por meio da

liderança de tribos”.

Para liderar comunidades, as marcas precisam constituir uma imagem significativa para

seu público, inserida entre interesses comuns que fazem parte de sua cultura e sendo assimilada

como apoiadora de um movimento e/ou causa. “É uma questão de encontrar um grupo que está

desconectado, mas que já tem um objetivo em comum. Não se trata de persuadir pessoas a

quererem algo que eles ainda não têm. Os Beatles não inventaram os adolescentes, por exemplo.

Eles simplesmente decidiram liderá-los” (GODIN, 2011).

Com base nisso, os principais videologgers, como anônimos-celebridade que são não se

descaracterizam como pessoas comuns que possuem grande poder de influência nas redes sociais.

Suas opiniões e comentários podem motivar milhares de pessoas, principalmente quando

positivas, e mudar a percepção da audiência sobre determinado produto, marca ou serviço.

Mesmo em momentos efêmeros, os produtores de conteúdo para YouTube são fortes lideranças

que podem influenciar grupos e comunidades (ou tribos) com interesses em comum. E, é claro, as

marcas buscam ferozmente estar associadas a esses indivíduos que têm o poder real de

transforma-las ou amplificar suas atuações sem a necessidade de investimentos abusivos

necessários em outros meios.

Ações de merchandising e product placement são as mais comuns, mas existem diversos

novos formatos que permitem a exposição publicitária no conteúdo de vloggers, livres da

Page 16: TCC - Voyeurismo Digital

16

comunicação formal adotada em outras mídias como TV ou rádio. Para ter a atenção do público,

a veracidade da informação precisa ser convincente, fazer parte do discurso e não ter qualquer

intervenção forçada que possa interromper a continuidade dos vídeos. As marcas se submetem ao

controle total do videologger para ter espaço e surfar na onda do voyeurismo digital, pois dessa

forma conseguem penetrar no inconsciente das comunidades que acompanham fielmente cada

passo de seu objeto de desejo, o exibicionista anônimo. Para poupar tempo (e dinheiro) as marcas

abrem mão do core de sua comunicação adotando os movimentos que já acontecem pela internet

e dão total liberdade para que os youtubers façam de seus produtos e serviços o que bem

entenderem.

Diversos exemplos práticos do que foi analisado aqui anteriormente estão disponíveis no

YouTube, em canais grandes e relevantes ou não. Em alguns casos, vemos marcas um pouco

mais atentas às consequências que podem decorrer da exposição não monitorada de seus produtos

e/ou serviços, como no vídeo “Primeiras experiências” publicado no canal Não Faz Sentido

(disponível em http://bit.ly/PrimeirasExp), do empresário Felipe Neto. Nele, há um anúncio

evidente da marca Chiclets, inserida de forma bastante inteligente e divertida no tema “primeiro

beijo”. Felipe Neto, conhecido por produzir alguns vídeos polêmicos, preocupou-se em inserir o

produto de forma sucinta e foi bastante eficiente em sua manobra. Evitando ao máximo palavrões

e surtos histéricos, naturais em seus vídeos, conseguiu expor a goma de mascar por pouco mais

de 15 segundos para mais de 3 milhões de espectadores. Em seu livro, “Não Faz Sentido - Por

trás da Câmera”, Neto explica como foi o processo de inserção da marca e negociação do

merchandising:

“A oportunidade era maravilhosa e arriscada ao mesmo tempo. O

merchandising era algo absolutamente comum em todo tipo de

entretenimento ao redor do mundo (...). Porém até aquele

momento, canais do YouTube não tinham e eu sabia que isso

causaria repúdio por parte do público defensor de que 'o

amadorismo tem que ser para sempre amador'. (...) Aceitei, sob

uma condição: eles não poderiam dizer o que eu teria que falar ou

a forma como teria que falar” (NETO, 2013).

A estratégia adotada por Neto teve bons resultados impactando diretamente cerca de 23%

do público, e satisfez tanto o anunciante quanto sua audiência que deixa claro em comentários

Page 17: TCC - Voyeurismo Digital

17

como (sic) “Kk, ele comprou 1quilo mesmo de chiclete kkk” ou (sic) “cara, vc gosta muito

mesmo de chiclets”, que o publieditorial não foi incômodo e conseguiu inserir-se, certeiramente,

no conteúdo proposto. Em outros comentários, percebemos que os usuários nem mesmo

perceberam tratar-se de uma propaganda, trazendo opiniões e experiências da própria audiência

em uma continuidade da conversa proposta no vídeo, como no exemplo “Eu sempre ando com

uma caixinha de Tic-Tac!” no qual um fã cita um produto concorrente, ou no comentário “Eu

também não tinha visto a propaganda do chiclete. Estava lendo o livro hoje e me deparei com

este detalhe que precisava ver”, comprovando que a proposta de comunicação do autor para a

marca não foi absorvida de forma negativa.

Já no canal 5inco Minutos da apresentadora e atriz Kéfera Bunchmann, o mesmo tipo de

publieditorial para a marca de bolos Ana Maria no vídeo “Como amenizar sua TPM” (disponível

em http://bit.ly/AmenizaTpm) não foi igualmente funcional. O público identificou a brincadeira

com o produto no final do vídeo, mas não assimilou a publicidade da marca. Além disso, o

produto foi inserido em um contexto que não é habitual de seu consumo e teve sua imagem

denegrida pela apresentadora. Comentários como (sic) ''’ZEIVAAA, tem bolo no seu chao’ sua

grosseira” ou (sic) “Bolinho ana Maria </3 que nojooo” comprovam que a brincadeira não foi

bem aceita e o humor adotado para a realização do vídeo acabou não sendo eficaz perante

aproximadamente 28% da audiência e, muito menos, para a marca.

Em outros casos, a criatividade e irreverência fazem com que a publicidade fuja do padrão

ainda que inserindo o produto em situações inusitadas, sendo totalmente positiva. Um dos

exemplos mais criativos foi publicado no vídeo “Batman em Wall Street e Nerd Nerf” do canal

NerdOffice (disponível em http://bit.ly/NerdNerf), gerenciado pelos empresários Alexandre

Alottoni e Deive Pazos, a dupla Jovem Nerd. Para anunciar as armas de brinquedo N.E.R.F. da

Hasbro regravaram cenas do filme “O Exterminador do Futuro 2” em seu escritório. O vídeo é

um dos mais visualizados do canal e um dos primeiros a aparecer nas buscas do YouTube ao

pesquisarmos a palavra “nerf”.

Há também casos de múltiplos anúncios em um mesmo vídeo, algo ainda pouco comum

nos canais brasileiros. Apesar do pessimismo, depressão e palavrões mais do que frequentes na

Page 18: TCC - Voyeurismo Digital

18

postura e cultura do apresentador PC Siqueira, as marcas Gallo e Sony aparecem juntas em um

mesmo vídeo do canal de culinária O Rolê Gourmet, também liderado pelo novato Otávio

Albuquerque. No vídeo “Quesadilhas da Meia Idade” (disponível em

http://bit.ly/QuesadilhasMeiaIdade) os produtos são destacados durante a preparação de uma

receita, e são ofuscados pela participação especial do convidado Di Ferrero, vocalista da banda

NX Zero. Ainda assim, entre citações polêmicas e consumo alcoólico, as marcas são percebidas

pelo público sem perder sua essência.

Em todas as situações apresentadas, as marcas abriram mão de sua comunicação para

integrar os canais, se inserir no DNA do conteúdo proposto naquele ambiente e conquistar a

audiência voyeurística das celebridades-anônimas que os lideram. Em algumas ocasiões o

resultado foi extremamente positivo, mas nem sempre houve sucesso. Dar liberdade total para o

produtor do conteúdo ainda é uma estratégia arriscada e que pode trazer consequências

irremediáveis, mas ainda assim valem o risco para movimentar um grupo de pessoas que já estão

inseridos em uma rotina voyeurista e que, porventura, podem associar a publicidade ao seu objeto

de observação contínua.

EXCESSO DE LIBERDADE E SEUS RISCOS PARA A PUBLICIDADE EM

VIDEOLOGS

Após ter realizado essa análise em diferentes canais do YouTube, concluo que agências e

empresas estão à deriva quando falamos sobre publicidade digital. A utilização de videologgers

para campanhas é bastante importante, em especial para a obtenção de alcance em comunidades

consolidadas e em ambientes propícios, mas deveria ser mais bem elaborada e mensurada para

que houvesse projeções consolidadas dos resultados e impacto efetivo da comunicação perante o

público. Ainda que a influência de anônimos-celebridade sejam extremamente relevantes para um

produto, marca ou serviço, é muito arriscado e até mesmo incoerente descentralizar a

comunicação dando liberdade total para que a mídia se responsabilize pela criação do anúncio.

Perde-se identidade, perde-se credibilidade e transmite-se uma sensação de preguiça e descaso na

construção da campanha. Casos como o do vídeo de Chiclets feito por Felipe Neto ou do

brinquedo N.E.R.F. anunciado pela dupla do NerdOffice podem ser considerados bem sucedidos,

Page 19: TCC - Voyeurismo Digital

19

desencadeados por bom senso dos gestores destes canais que conseguiram de forma criativa obter

ótimos resultados sobre o montante investido, mas também são casos isolados. Quantos outros

influenciadores poderiam cometer um deslize como o da apresentadora Kéfera Bunchmann,

prejudicando a imagem da marca? Quantos produtos, marcas e/ou serviços poderiam ser

associados com temas polêmicos em função de um discurso mal elaborado por um anônimo-

celebridade? E como mensurar o impacto disso? Podemos, inclusive, ser mais abrangentes e

considerar os mesmos aspectos para outras redes sociais como Instagram, Facebook ou Orkut,

tendo em vista que o voyeurismo digital é uma característica aplicada em qualquer ambiente

online, produzindo celebridades-anônimas influentes em qualquer ambiente online.

Assim como em qualquer outra mídia, os videologs deveriam ser tratados como meio,

cabendo aos responsáveis pelo anunciante desenvolver qualquer tipo de comunicação e orientar

de forma controlada a veiculação do anúncio. Dessa forma, garante-se a integridade da imagem

da marca e reduzem-se os riscos de uma possível crise ou decodificação adversa da mensagem

transmitida. O relacionamento entre anunciantes e veículo também deve ser construído e mantido

para que o anúncio não soe falso ou descontextualizado. E esse é um trabalho contínuo, longo,

que exige um bom acompanhamento e não somente a compra de um espaço publicitário. O

mercado publicitário precisa olhar mais profundamente para o potencial dessas novas mídias para

regulamentar o segmento e garantir que a comunicação deferida nos canais seja assertiva,

eficiente e rentável, tanto em vendas quanto em branding. Não podemos generalizar, é claro, pois

há quem trabalhe da forma correta, mas ainda há muito que amadurecer nesse mercado para

torna-lo realmente profissional.

Utilizar os videologs de forma estratégica poderá trazer bons resultados e aumentar o

consumo, desde que seja feito de forma criativa e condizente com a personalidade do produto,

marca ou serviço anunciado. Caso contrário, é um risco que, associado ao poder de viralização

das redes sociais, pode trazer resultados extremamente negativos e prejudiciais para o anunciante.

Page 20: TCC - Voyeurismo Digital

20

BIBLIOGRAFIA

CASTRO, Douglas Caputo de. Do Voyeurismo à Visibilidade: Os "Reality Shows" na TV

Brasileira. Brasilia: UnB, 2006.

CAVALLINI, Ricardo. O marketing depois de amanhã: explorando novas tecnologias para

revolucionar a comunicação. 2.ed. rev. São Paulo: Ed. do Autor, 2008.

COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: o corpo e o consumismo na moral do

espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1992.

DEGÁSPERI, Israel. Key insights from 2012 and what they mean for the coming year.

ComScore, 2013. Disponível em: << http://pt.slideshare.net/idegasperi/dados-comscore-2013-

sobre-o-comportamento-brasil >>. Acesso em: 01 Dez. 2013.

FAYAD, Gallardo. Stalkear, el voyeurismo en la era digital. Diario Los Andes. Mendoza,

2013. Disponível em: << http://www.losandes.com.ar/notas/2013/5/12/stalkear-voyeurismo-

digital-713866.asp >>. Acesso em: 11 Jan. 2014.

FELINTO, Erick. Videotrash: O Youtube e a cultura do spoof na Internet. Revista Galáxia.

São Paulo, 2008. Disponível em:

<<http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/galaxia/article/viewFile/6662/6022>>.

Acesso em: 25 Nov. 2013.

FILHO, Flavio Ferreira Lisboa; DA SILVA, Ariéli Adolpho. A Linguagem Publicitária dos

Videologs. Chapecó: Intercom, 2012.

GODIN, Seth. Tribos: Nós Precisamos que Você nos Lidere. São Paulo: Alta Books, 2013.

Page 21: TCC - Voyeurismo Digital

21

GONÇALVES, Marco Antonio; HEAD, Scott (Org.). Devires imagéticos: a etnografia, o outro

e suas imagens. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 154-178.

INGLIS, Fred. Breve História da Celebridade. 1.ed. São Paulo: Versal, 2012.

JESUS, Marina Oliveira de. Videologs: uma nova mídia e seu efeito construtor de

emocionalidade. São Paulo: CELLACC/ECA-USP, 2011.

L. MANUILA et al. Dicionário Médico. Lisboa: Climepsi Editores, 2001.

LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Bauru: EDUSC,

2002.

LÉVY, Pierre. A emergência do cyberspace e as mutações culturais. São Paulo: Editora 34,

1994.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1994.

NETO, Felipe. Não Faz Sentido: por trás da câmera. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

SHIMP, Terence A. Propaganda e Promoção: Aspectos Complementares da Comunicação

Integrada de Marketing. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2002.

TANJI, Thiago. Por minuto, 100 horas de vídeos são postados no YouTube. São Paulo, 2013.

Disponível em: << http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/por-minuto-100-horas-de-video-

sao-postadas-no-youtube >>. Acesso em: 01 Dez. 2013.

UOL. Número de internautas no Brasil ultrapassa 100 milhões, segundo Ibope. São Paulo,

2013. Disponível em: << http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/07/10/numero-de-

internautas-no-brasil-ultrapassa-100-milhoes-segundo-ibope.htm >>. Acessado em: 01 Dez.

2013.