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Senac - Aclimação  Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira História da América Latina: Modos de pesquisar, modos de ensinar a aprender São Paulo 2014

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  • Senac - Aclimao

    Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira

    Histria da Amrica Latina:

    Modos de pesquisar, modos de ensinar a aprender

    So Paulo

    2014

  • Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira

    Histria da Amrica Latina:

    Modos de pesquisar, modos de ensinar a aprender

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao SENAC Campus Aclimao, como exigncia parcial para obteno do ttulo de especialista em Docncia no Ensino Superior. Orientadoras: Prof. Ma. Idelta Bianca de Souza Diniz. Prof. Dra. Beatriz Di Marco.

    So Paulo

    2014

  • F383eFerreira, Ana Luiza de Oliveira Duarte

    Histria da Amrica Latina: modos de pesquisar, modos de ensinar a aprender/

    Ana Luiza de Oliveira Duarte FerreiraSo Paulo, 2014.

    Orientadoras: Idelta Bianca de Souza Diniz; Beatriz Di Marco

    142 f.

    Trabalho de concluso do Curso de Especializao em Docncia no Ensino

    Superior Centro Universitrio Senac - Unidade Aclimao, So Paulo, 2014.

    1. Historiografia latino-americana. 2.Pedagogia. 3. Didtica. 4. Plano de Ensino.

    I. Diniz, Idelta Bianca de Souza. II. Marco, Beatriz Di. III. Ttulo.

    CDD 370

  • Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira

    Histria da Amrica Latina: modos de pesquisar, modos de

    ensinar a aprender.

    Trabalho de concluso de curso apresentado ao Senac

    Campus Aclimao, como exigncia parcial para obteno do

    ttulo de especialista em Docncia no Ensino Superior.

    Orientadoras: Prof. Dra. Beatriz Di Marco

    Prof. Ma. Idelta Bianca de Souza Diniz

    A banca examinadora dos Trabalhos de Concluso,

    em sesso pblica realizada em / / 2014, considerou o(a) candidato(a):

    1) Examinador(a)

    2) Examinador(a)

    3) Presidente Prof. Dra. Beatriz Di Marco

  • AGRADECIMENTOS

    Aos professores inspiradores desta instituio, pela oportunidade de renovao,

    aprendizagem, dvidas e alegrias compartidas. Aos colegas de turma por, sendo

    diversos, crticos e sensveis, me ensinarem tanto.

    A meus pais e irmos: referncia que se manifesta em tudo de bonito que penso,

    escrevo, fao e desejo.

    Carolina Gonzalez e Miriane Miti, pela parceria. Ao Eduardo Freitas e ao

    Fernando Magnusson, pela generosidade.

    E ao meu beb Miguel, presente.

  • Certamente porque o racionalismo europeu impede de ver que a realidade no termina no preo dos tomates ou dos ovos. A vida cotidiana na Amrica Latina nos demonstra que a realidade est cheia de coisas extraordinrias. A esse respeito costumo citar o explorador norte-americano F.W.Up de Graff, que no final do sculo passado [XIX] fez uma viagem incrvel pelo mundo amaznico, onde viu, entre outras coisas, um arroio de gua fervente e um lugar onde a voz humana provocava chuvas torrenciais. Em Comodoro Rivadavia, no extremo sul da Argentina, os ventos do plo levaram pelos ares um circo inteiro. No dia seguinte, os pescadores tiraram em suas redes cadveres de lees e girafas. Em Os funerais da mame grande, conto uma impensvel, impossvel viagem do papa a uma aldeia colombiana. Lembro-me de ter descrito o presidente que o recebia como calvo e rechonchudo, a fim de que no se parecesse com o que ento governava o pas, que era alto e ossudo. Onze anos depois de escrito esse conto, o papa foi Colmbia e o presidente que o recebeu era, como no conto, calvo e rechonchudo. Depois de escrito Cem anos de solido, apareceu em Barranquilla um rapaz confessando que tem um rabo de porco. Basta abrir os jornais para saber que entre ns acontecem coisas extraordinrias todos os dias. Conheo gente inculta que leu Cem anos de solido com muito prazer e com muito cuidado, mas sem surpresa alguma, pois afinal no lhes conto nada que no parea com a vida que eles vivem.

    Gabriel Garcia Mrquez, Cheiro de goiaba (1982)

  • RESUMO O presente trabalho abordou como a Histria da Amrica Latina vem sendo produzida, e como pode ser melhor trabalhada em cursos de Histria, no ensino superior, no Brasil. O objetivo era atualizar conhecimentos, assim como aprofundar meu acervo pessoal, de maneira a refletir criticamente sobre modos de produo de conhecimento histrico que j esto consolidados nos grandes centros culturais do Ocidente, e modos de produo interessantes para a abordagem das questes latino-americanas. Era tambm expandir acervo de reflexes sobre a docncia, considerando proposies de tericos/pedagogos consagrados, assim como pesquisas sobre experincias prticas no nvel bsico e tambm em faculdades de nosso pas, para a estruturao de um plano de ensino (com claros objetivos, contedos, estratgias de ensino/aprendizagem, estratgias de avaliao). A hiptese que como pesquisa e ensino ocorrem, no mbito da Histria da Amrica Latina, de forma desarticulada, tal campo historiogrfico no se consolida, e no ganha fora e expresso nas escolas de nvel bsico. Concluiu-se, portanto, que na formao dos novos docentes dos ensinos Fundamental II e Mdio deve haver uma renovao crtica da nfase em questes histrico-identitrias latino-americanas, mas que tal movimentao deve ocorrer lado a lado a uma revalorizao dos modos de se trabalhar temas e problemticas relativos Amrica Latina nas salas de aula. Para uma rica Histria da Amrica Latina, pesquisa e ensino articulados. Palavras-chave: 1. Histria da Amrica Latina. 2. Historiografia Latino-americana. 3. Ensino de Histria. 4. Ensino Superior. 5. Didtica. 6. Plano de Ensino.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO

    9

    2 A HISTRIA DA AMRICA LATINA: MODOS DE ESTUDAR

    19

    2.1 TENDNCIAS NOS GRANDES CENTROS DE SABER 20

    2.2 TENDNCIAS LATINO-AMERICANAS 27

    3 A HISTRIA DA AMRICA LATINA: MODOS DE ENSINAR A APRENDER

    35

    3.1 PLANO DE ENSINO 36

    3.2 OBJETIVOS 40

    3.3 CONTEDOS 46

    3.4 ESTRATGIAS DE ENSINO/APRENDIZAGEM 47

    3.5 ESTRATGIAS DE AVALIAO 53

    3.6 QUADRO SINTICO 62

    4 CONSIDERAES FINAIS

    76

    REFERNCIAS

    78

    APNDICE A RENOMADOS HISTORIADORES LATINOAMERICANOS DO SCULO XX

    82

    APNDICE B SUGESTO DE PLANO DE AULA

    85

    APNDICE C SUGESTO DE SEQUNCIA DIDTICA PARA ENSINO A DISTNCIA

    104

    APNDICE D SUGESTO DE PROJETO INTERDISCIPLINAR

    117

  • 9

    1 INTRODUO

    As proposies esboadas neste Trabalho de Concluso de Curso partem de

    reflexes desenvolvidas ao longo do curso de ps-graduao em Docncia no

    Ensino Superior, ministrado no SENAC-Aclimao. Corresponde, assim,

    sistematizao de conhecimentos construdos em parceria com os professores desta

    instituio e tambm com os colegas de turma, sobre a situao dos professores de

    nvel superior no Brasil de hoje: obstculos institucionais, problemas scio-culturais,

    possibilidades que se abrem, teorias que despertam, prticas que inspiram.

    Especificamente, o objetivo aqui , por um lado, refletir sobre como a

    disciplina Histria da Amrica Latina vem sendo ministrada nos cursos de Histria,

    em nvel superior, no Brasil. Mas tambm apresentar propostas de abordagem, por

    parte dos professores de faculdades brasileiras, que permitam aos alunos de

    Bacharelado e de Licenciatura em Histria desenvolverem/aprimorarem a anlise

    critica sobre diferentes verses da Histria latino-americana.

    Penso que, ao considerar a Amrica Latina como tema, no ensino superior,

    o aluno de Histria segue tendo acesso a um modelo de aprendizagem to

    conteudista quanto costumam ter os alunos dos Ensinos Mdio e Fundamental II. E

    acredito ser interessante que, em um e outros mbitos, se observe a histria, e

    especificamente a histria de nosso continente, como uma cincia em construo.

    Desde o movimento historiogrfico/epistemolgico dos Annales, na Frana,

    tm-se dito que a Histria deve focar a produo de novas informaes, mas

    tambm a crtica de conhecimentos j cristalizados, que podem decorrer na

    elaborao de novos conhecimentos/percepes acerca de clichs, fatos clebres,

    datas comemorativas, eventos e personagens consagrados (BURKE, 2002).

    Encarando o saber histrico dessa forma, ao longo da disciplina de Histria

    da Amrica Latina os alunos deveriam vivenciar a oportunidade de avaliar

    criticamente uma ampla gama de percepes acerca de passado coletivo de

    brasileiros, mexicanos, argentinos, venezuelanos, etc. E assim se fariam aptos no

    apenas a elaborar pesquisa rigorosa, que resultaria num artigo cientfico publicvel,

    sobre um determinado tema latino-americano de seu interesse, ou de interesse

    atual. Eles desenvolveriam/aprimorariam um olhar sempre desperto para

  • 10

    deturpaes, usos polticos, anacronias, ideologizaes, de forma a se posicionarem

    sempre de maneira consciente e bem medida, no que diz respeito a toda sorte de

    fatos de ontem que ainda fazem eco nas sociedades da Amrica Latina de hoje.

    Em outras palavras, o aluno experimentaria a histria como uma cincia

    caracteristicamente poltica, e que trabalha com verses. Melhor seria que, num

    curso de Histria da Amrica Latina, treinariam o olhar para o fato de que no h

    uma verdade posta a ser decorada e reproduzida, ou uma verdade a ser descoberta.

    Mas uma srie de noes cuja condio de veracidade deve ser averiguada, de

    forma subjetiva mas sistemtica.

    Antes de mais acredito ser fundamental, porm, apresentar conceitos

    principais a serem trabalhados ao longo de todas as pginas desta monografia.

    Primeiramente, importante aludir ao que a meu ver vm designar os termos

    Amrica Latina; e, junto a isso, aludir importncia de ns, brasileiros, nos

    dedicarmos crtica dos modos de ser e viver, e crtica do passado e das

    memrias relativas a essa poro do continente americano.

    Na sequncia desta Introduo, considero importante referir-me criao de

    institutos de pesquisa e de ensino brasileiros voltados s experincias histricas

    latino-americanas suas propostas e elaboraes. E, por fim, abordar as leis

    pertinentes ao ensino da Histria no nvel superior e no nvel bsico, no Brasil, e

    possveis implicaes delas numa abordagem mais profcua do passado do

    continente latino-americano.

    Como pontuei acima e o leitor acompanhar nos captulos que compe este

    trabalho, tenho como premissa a ideia da Histria como cincia em construo. A

    ideia de Amrica Latina, enquanto histrica, deve ser observada da mesma

    maneira.

    Chama-se Amrica Latina ao trecho da Amrica que a partir do sculo XVI

    foi colonizado por povos de origem latina; sobretudo portugueses, espanhis e

    franceses. Trecho que engloba, portanto: Brasil, Mxico, Argentina, Venezuela,

    Bolvia, Brasil, Chile, Colmbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala,

    Haiti, Honduras, Nicargua, Panam, Paraguai, Peru, Repblica Dominicana,

    Uruguai.

  • 11

    Tal denominao tardou, contudo, a ser largamente empregada. Como nos

    lembram FARRET e PINTO (2011), ganhou proeminncia num contexto de difuso

    da ideologia panlatinista, por fora de um imperador da Frana oitocentista

    Napoleo III. Esse dspota francs, sobrinho do clebre personagem histrico que

    deps Maria Antonieta e Lus XVI, desejava exercer influncia poltico-cultural para

    alm das fronteiras de seu pas. E ousou traar uma ideia genrica de latinidade

    como marco de identificao entre americanos de norte e sul, portugueses,

    espanhis e franceses.

    Outras expresses foram empregadas desde ento, como: simplesmente

    Amrica, Hispanoamerica (com a excluso do Brasil, de colonizao lusa, assim

    como de pases de colonizao francesa, como o Haiti), Iberoamrica, e Amrica

    Ibrica. Porm, ante o esforo de diferenciao dessa populao americana frente

    aos Estados Unidos, mas tambm ante as antigas naes colonizadoras, a

    identificao com a Frana prevaleceu, e o nome Amrica Latina passou a ser o

    mais corriqueiro (IDEM, p. 29).

    Desde o incio do sculo XX, ampliou-se, entre ns latino-americanos, o

    esforo por pensar sistematicamente a conformao, as especificidades, os dilemas

    e as possibilidades de desenvolvimento desta desprezada e problemtica poro da

    Amrica. Conforme nos sugere de PIZARRO (1993), as potncias europeias

    estavam em guerra, os poderosos Estados Unidos mergulhavam em uma grande

    crise, e ns circunstancialmente enfrentvamos a urgncia e abravamos a chance

    de nos interpretarmos: com certa autonomia, alguma crtica, muita esperana.

    Segundo PIZARRO (1993), destacaram-se, pois, escritos informais e

    generalistas; at porque a experincia universitria latino-americana era ainda

    difusa. Jornalistas, literatos e artistas se incumbiram da tarefa, e elaboraram textos

    em uma estrutura pouco afirmativa, e estilisticamente potica: a estrutura do

    ensaio.

    Deve-se fazer notar, com PIZARRO (1993), que, a despeito da diversidade de

    percepes e compreenses, os ensastas latino-americanos de princpios do sculo

    XX sempre consideraram como fundamental a sutil relao entre passado e

    presente; Histria e identidade atual, nos destinos de nossos pases. Algo

  • 12

    semelhante ao que propuseram os Annales franceses, e que tm proposto os seus

    principais herdeiros, entre outros.

    Outro aspecto em comum entre esses ensastas latino-americanos dos

    princpios dos novecentos que tomaram como fato que a Amrica Latina seria

    composta por pases que possuem especificidades bem marcadas; que o continente

    seria cravado de diversidades geogrfica, climtica, tnica, cultural, religiosa. E que

    justamente tais variaes, contrapostas, fariam deste um continente especial: tratar-

    se-ia daquele, em todo globo, mais marcadamente mestio (PIZARRO, 1993).

    H, ento, boas razes para se considerar a Amrica Latina como um recorte

    interessante: para ns, brasileiros, tal subcontinente abriga um complexo de povos

    mais amplo, de maneira que focando-o escapamos a patriotismos vazios; e, ao

    mesmo tempo, remetemo-nos a um conjunto de significados, sem que nos percamos

    na contempornea tendncia do individualismo neoliberal.

    Na atual conjuntura poltica internacional, ademais, temos que diversos

    lderes polticos latino-americanos, dentre os quais os dois ltimos presidentes

    brasileiros, tm se destacado como alternativas prprias, autnticas, ao

    neoliberalismo imposto pelos Estados Unidos e potncias europeias. Repensar a

    histria de nosso subcontinente nos ajuda, afinal, a entender os processos que nos

    levam s condies histricas de hoje, assim como muitos dos discursos dos quais

    dispem lderes como Lula, Dilma Roussef, os mexicanos Manuel Lopez Obrador e

    Enrique Pea Nieto, os argentinos Kirchner, os venezuelanos Nicols Maduro e o

    falecido Hugo Chavez, o boliviano Evo Morales.

    Ora, desde aqueles princpios do sculo XX at nos tempos atuais, foram

    criadas inmeras universidades, centros de pesquisa e faculdades especialistas, que

    foram enfrentando novas demandas e expectativas sociais, continentais, mundiais.

    A reflexo histrica, nesse devir, ganhou novas dimenses, propsitos e

    mtodos. E a abordagem das problemticas latino-americanas chegou aos dias de

    hoje como bem pouco expressiva; os povos latino-americanos, em suas similitudes

    histricas, culturais e polticas, e em sua diversidade de procederes e

    deslocamentos, vm sendo bem pouco estudados. Menos ainda no Brasil. Ns,

    brasileiros, optamos, em nossos cursos de Histria, por focar a histria

  • 13

    estadunidense e europeia (s quais chamamos Histria Universal), o nacional, o

    regional/estadual, ou alguns setores de nossa populao, como indgenas e negros.

    So poucas as organizaes que no Brasil se dedicam de maneira focada

    Amrica Latina e suas questes. Em So Paulo temos o Memorial da Amrica

    Latina, um enorme complexo arquitetnico em quase total desuso nos ltimos anos,

    mas que, mesmo em face das dificuldades como o incndio que no ano passado

    destruiu o auditrio Simon Bolvar , vai se reestruturando e propondo exposies,

    shows e cursos a respeito das especificidades que marcam as trajetrias histricas,

    polticas, sociais e culturais de brasileiros, mexicanos, argentinos, etc.

    Algumas instituies de pesquisa so bons exemplos: o Programa de Ps-

    graduo em Interunidades para Estudo da Integrao da Amrica Latina

    (PROLAM), da Universidade de So Paulo; o Centro de Estudos Latino-Americanos

    sobre Cultura e Comunicao (CELACC), da Escola de Comunicao e Artes (ECA)

    da Universidade de So Paulo; e o Centro Angel Rama (para estudos da Literatura e

    da cultura latino-americanas), da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    (FFLCH) da Universidade de So Paulo.

    No Rio de Janeiro, h o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos

    (CEBELA), o Programa de Estudos de Amrica Latina e Caribe (PROEALC), do

    Centro de Cincias Sociais (CCS), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e o

    Observatrio Poltico Sul-Americano (OPSA), do Instituto Universitrio de Pesquisa

    do Estado do Rio de Janeiro (IUPERJ). Por fim, h o Instituto de Estudos Latino-

    americanos (IELA), da Universidade Federal de Santa Catarina; e o Centro de

    Estudos Sociais/ Amrica Latina (CES/AL), que agrega pesquisadores da

    Universidade de Coimbra (Portugal) e da Universidade Federal de Minas Gerais.

    Como se v pelas siglas supracitadas, entretanto, essas so instituies

    sobretudo voltadas reflexo sociolgica e literria, e, embora contem com a

    participao de historiadores, arquivistas e muselogos, no conferem destaque

    abordagem historiogrfica. H, de fato, em So Paulo, o Laboratrio de Estudo de

    Histria das Amricas, da USP, o Centro de Estudos de Histria da Amrica Latina

    (CEHAL), da Pontifcia Universidade Catlica da So Paulo (PUC-SP), e a

    Associao Nacional de Pesquisadores e Professores de Histria das Amricas, que

  • 14

    se rene em eventos bianuais. Porm, a grande maioria dos pesquisadores

    interessados em temas latino-americanos esto dispersos pelo pas.

    Disso podemos depreender que a formao de nossos graduandos em

    Histria se faz desligada de rica mas truncada produo de informao e crtica.

    Deve-se estar atento, porm, ao fato de que, conforme anunciado pginas

    antes, meu objetivo, neste Trabalho de Concluso de Curso, no to somente

    avaliar as condies do pesquisador da Histria da Amrica Latina no Brasil, mas do

    professor que se dedica aos temas a ela pertinentes.

    Nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Histria do Brasil (PARECER

    CNE/CES 492/2001), sublinha-se a necessidade de se articular Bacharelado e

    Licenciatura, quer dizer, os mbitos da pesquisa e do ensino. Faz-se, ali, a crtica de

    uma tendncia da dcada de 1960, no Brasil, do currculo mnimo, que estabelecia

    o que todos os cursos, em todo o pas, deveriam ministrar aos graduandos. Naquela

    poca, em consonncia com os interesses antidemocrticos da elite que controlava

    a presidncia, a Histria servia como referencial identitrio alienante: cardpio de

    ttulos, heris e datas s quais os bons cidados brasileiros deveriam recorrer,

    acriticamente, para se sentirem brasileiros e ajustados socialmente. Ento, aos

    alunos de histria do Ensino Superior ou do Ensino Fundamental II e Mdio no

    caberia refletir sobre o passado, mas apenas decorar e comemorar o que era

    selecionado como til pelo Estado.

    Distintamente, as novas Diretrizes sugerem preocupao com a formao de

    alunos, no nvel superior, interessados na produo de conhecimento e reflexo

    histrica: para atuarem criticamente tanto como pesquisadores, quanto como

    arquivologistas, museologistas, e, por fim (ou principalmente) professores do Ensino

    Bsico. Tais propostas ecoam toda uma tendncia de valorizao no apenas dos

    crditos obtidos em salas de aula, mas tambm em iniciao cientfica, projetos de

    extenso, seminrios extraclasse, participao em eventos cientficos, e na prtica

    docente e estgios supervisionados; quer dizer: ecoam a valorizao do

    conhecimento histrico e das prticas essenciais de sua produo e difuso

    (PARECER CNE/CES 492/2001, p. 7).

    O leitor poderia contrapor-se a meus argumentos em prol da necessidade de

    valorizao das aulas de Histria latino-americana no Ensino Superior e Bsico, com

    um argumento legal: as Diretrizes apontam como interessantes para os alunos

  • 15

    brasileiros alguns enfoques de contedos que merecem ser praticados; e no inclui

    a Amrica Latina entre eles. Registrou-se, de fato, no texto do documento, o elogio a

    experincias com a Histria Antiga, a Histria Medieval, as Histrias Regionais, e

    tambm a Histria da frica e Indgena.

    Contudo, eu diria que diversos outros instrumentos legais e consultivos

    educacionais de nosso pas expressam a importncia da valorizao, por parte dos

    professores de histria, da questo da memria coletiva, das identidades, e da

    considerao do plural entorno escolar; o respeito s diferenas, diversidade.

    Refiro-me sobretudo Lei de Diretrizes e Bases (1996, artigo 6, primeiro pargrafo),

    e prpria Constituio (1988, artigo 242). Mas tambm aos Parmetros

    Curriculares Nacionais, que propem referenciais crticos a serem explorados pelos

    professores de nossas escolas de ensino bsico, aqueles que nossos cursos de

    Histria formam: concentrarem-se em elementos cognitivos, afetivos, sociais e

    culturais que constituem a identidade prpria e a dos outros; e nos processos de

    construo da memria social, partindo da crtica dos diversos lugares de memria

    socialmente institudos (2000, p. 26).

    Em 2003 foi promulgada a Lei n 10.639, que tornou obrigatrio no nvel

    bsico o ensino da Histria e da Cultura Africanas, e em 2008 a Lei n 11.645, que

    alterou o texto da anterior e tornou obrigatrio o ensino da histria e cultura afro-

    brasileira e indgena.

    Tais normas, aes governamentais que foram ao encontro de antigas

    demandas dos movimentos sociais, de fato impulsionaram a reflexo, e tm ajudado

    a promover mudanas nos modos de se olhar nossa diversidade, de se elaborar

    planos de aula, de se acessar informaes sobre nosso passado coletivo. A partir da

    homologao das leis, surgiram inmeros cursos de especializao, assim como

    fruns de debates. Pode-se argumentar, ento, a necessidade de nova lei, que

    regulamente agora o ensino sobre a Amrica Latina.

    Porm to somente atendendo ao chamado de todas as normas

    anteriormente citadas e j institucionalizadas o ensino de Histria da Amrica Latina

    pode-se renovar. Basta os professores de Histria de nosso pas atentarem para um

    aspecto das novas leis que vo alm do conteudismo: elas no sugerem apenas que

    nossos docentes abordem temas relativos ao negro e ao indgena no Brasil, mas

    que assim fazendo promovam farta discusso sobre diversidade cultural, explorao

  • 16

    material, excluso social. Ora, falar em Amrica Latina no implica em falar em

    trocas e imperialismo? No implica em falar em violncia histria? No implica em

    falar em negros e indgenas, calados no passado e no presente dos mais diversos

    pases deste subcontinente?

    A abordagem crtica e criativa da histria da Amrica Latina, efetivamente, me

    parece terreno frtil para tais pretenses.

    O curso de Histria oferecido pela Universidade de So Paulo prope como

    ideal que j no primeiro semestre os alunos estabeleam contato com a Histria da

    Amrica, com foco no perodo Colonial. Um ano depois, apenas, conforme a grade

    proposta pela faculdade, os alunos voltariam a estudar especificamente o passado

    de nosso continente, na disciplina Histria da Amrica Independente I; e, logo na

    sequncia, no semestre seguinte, Histria da Amrica Independente II.

    Os alunos do curso de graduao da USP tm ainda a possibilidade de cursar

    inmeras disciplinas optativas, dentre as quais: Histria das Ideias Polticas na

    Amrica Colonial, Histria das Religies e os encontros culturais entre Europa e

    Amrica, e Histria da Amrica Pr-Hispnica.

    Na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, os alunos estudam histria

    da Amrica em diversos semestres. Tal como no caso da USP, espera-se que o

    aluno curse quatro disciplinas dedicadas a tais temticas e problemticas. So elas:

    Histria Americana antes da Conquista Europeia, Histria da Amrica Colonial

    Espanhola, Amrica: gnese e formao do Estado, Amrica: Amricas

    movimentos sociais, diversidades, identidades.

    Na Universidade Paulista (UNIP), contudo, apenas duas disciplinas concedem

    enfoque a tais questes: Histria da Amrica Colonial e Histria da Amrica

    Independente. E, nas Universidades Anhanguera, apenas uma: Histria da Amrica.

    A respeito, podemos fazer trs observaes. Primeiro, muitas dessas

    disciplinas se concentram na realidade hispnica. Elas se abrem a um recorte mais

    amplo, que se perde em alongadas reflexes sobre a histria dos Estados Unidos, e

    exclui possibilidades claras de comparao ou relao entre a histria brasileira e a

    histria de nossos vizinhos de continente. No h o propsito de analisar a Amrica

    Latina em si poro hispnica e lusa, aproximaes e distines.

  • 17

    Segundo, que a estruturao de tais disciplinas tomou como base,

    regularmente, recortes temporais; e no a tomada de uma viso crtica acerca da

    histria da Amrica Latina. Conforme venho pontuando, mais interessante seria

    trabalhar os contedos e temas relativos ao passado de nosso continente como

    construo, e analisar as formas como essas construes se deram, e se

    legitimaram.

    Dentre as disciplinas optativas propostas pelo Departamento de Histria da

    USP consta uma cujo plano foi recentemente aprovado e que aproxima do que

    proponho neste Trabalho de Concluso de Curso: Estudos latino-americanos

    fico e Histria. Na PUC, a disciplina que mais se aproxima Histria Americana

    antes da Conquista Europia: ensino e pesquisa.

    Em terceiro lugar, notvel, a partir da observao das grades curriculares e

    ementas analisadas que as universidades de maior expressividade internacional,

    como produtoras de conhecimento cientfico, historiogrfico, revelem uma

    preocupao maior com a Histria da Amrica Latina. Por outro lado, as instituies

    que se responsabilizam por formar a maior parte dos futuros professores de histria

    do Ensino Bsico, quelas nas quais os alunos se dedicam menos pesquisa do

    que Licenciatura, no esto solidamente envolvidas com propsito de pensar e

    fazer pensar sobre as especificidades histricas latino-americanas.

    A hiptese geral com a qual trabalho , ento, que, como a histria da

    Amrica Latina, trabalhada por historiadores e por professores universitrios de

    Histria de nosso pas, ainda vive em grande desprestgio ou desarticulao/

    desorganizao, os professores do Ensino Fundamental II e Mdio (muitas vezes

    mal formados, mal informados, e dispondo de livros didticos evasivos a respeito)

    tendem a incorrer em abordagens bem simplistas e conteudistas. Eles tendem a

    incorrer em abordagens que fogem da proposta da Histria como cincia em

    construo e tambm da proposta da Histria como disciplina que mescla pesquisa

    e ensino. Eles tendem a incorrer em abordagens que redundam em aulas pouco

    atrativas e cognoscitivamente ou socialmente pouco relevantes.

    A proposta deste Trabalho de Concluso de Curso justamente se opor a tais

    movimentos. Aqui no se pretende, efetivamente, a reforma dos currculos dos

    cursos de Histria de nosso pas, de maneira a incluir uma nova disciplina

  • 18

    obrigatria s grades. A idia compor um repertrio de reflexes sobre a produo

    historiogrfica na Amrica Latina, sobre a Amrica Latina, e divulgada no Brasil; e

    tambm, atravs da composio da proposta pedaggica de um plano de trabalho

    docente, apresentar um cardpio de sugestes para abordagem dessas reflexes

    em salas de aula do ensino superior brasileiro focando a formao de

    pesquisadores-professores e professores-pesquisadores.

    A metodologia da qual me sirvo , basicamente, vasta reviso bibliogrfica.

    Percorrerei autores clssicos da historiografia e da Pedagogia, e analisarei trocas

    entre grandes nomes, mais recentes, estrangeiros, brasileiro, e latino-americanos

    em geral. No campo da Histria, merecem destaque os j citados Annales (dentre os

    quais Lucien Febvre e Marc Block, Jacques Le Goff e Philiphe Aris), Richard Morse,

    Tzvetan Todorov; ainda Jurandir Malerba. No campo da Educao, Marcos Masetto,

    Antonio Carlos Gil, Gilberto Teixeira, entre outros autores da rea da Histria, que

    no Brasil trabalham a Amrica Latina: sobretudo Circe Bittencourt e Maria de Ftima

    Sabino Dias.

    Este escopo se dividir, logo, em dois captulos. Num primeiro captulo, ser

    apresentada uma atualizao e contextualizao de temas relativos Histria da

    Amrica Latina: formas como a histria da Amrica Latina escrita,

    metodologicamente, dentro e fora da Amrica Latina. Num segundo captulo, sempre

    fundamentada por reflexes de autores reputados que pensaram a educao e

    pensam o ensino superior, apresento um plano de ensino para uma disciplina que

    focasse o subcontinente latino-americano de forma inovadora.

  • 19

    2 A HISTRIA DA AMRICA LATINA: MODOS DE PESQUISAR

    O objetivo deste captulo aprofundar e atualizar todo um acervo de conhecimentos,

    garantindo subsdios relacionados a meu campo especfico de atuao a Histria

    da Amrica Latina para que, no prximo captulo, as reflexes sobre a docncia no

    ensino superior se dem de forma mais slida e profcua. Aqui, portanto, a ideia

    uma discusso temtica, a ser, adiante, desdobrada em uma discusso pedaggica.

    Especificamente, o presente captulo se prope a analisar como a Histria da

    Amrica Latina pode vir e vem sendo trabalhada e avaliada, nos ltimos anos. E

    busca responder aos seguintes questionamentos: Quais conceitos tm merecido

    nfase pelos investigadores estrangeiros que nos inspiram? Quais metodologias tm

    intrigado e motivado a ns, brasileiros/latino-americanos? Temo-nos apresentado

    passivamente, como reagentes s ponderaes propostas nos grandes centros

    culturais do Ocidente? Que concepes temos inspirado, enriquecido, desdobrado e

    renovado?

    A hiptese por ora defendida a de que tendemos a encarar no apenas

    nossas experincias scio-polticas como deformaes, se comparadas a modelos

    europeus e norte-americanos; de que tendemos a encarar nossas reflexes e

    nossos modelos de crtica como menos interessantes ou vlidos do que os modelos

    concebidos na Europa e nos Estados Unidos. A pesquisa e a docncia que se

    dedicam Histria da Amrica Latina tendem a corresponder, assim, a um espao

    de reflexo sobre atraso, dependncia, cpia e deturpaes de segunda classe,

    quando no apenas obrigao enfadonha.

    Visando avaliar como a Histria da Amrica Latina vem sendo ou poderia ser

    melhor trabalhada em nossos cursos de formao de pesquisadores e professores,

    me dedico, afinal, a refletir sobre questes menos contextuais e institucionais, e

    mais conceituais e metodolgicas. A desenvolver vasta reviso bibliogrfica; intensa

    busca e anlise crtica de reflexes tericas a respeito da pesquisa histrica, dentro

    e fora de nosso subcontinente, voltando o foco, sempre, s problemticas que

    envolvem pases latino-americanos.

    Num primeiro tpico, observar-se-o tendncias terico-metodolgicas em

    trabalhos de pesquisadores dos grandes centros culturais do Ocidente, com foco na

  • 20

    Frana. Sero abordadas proposies de expoentes da dita Escola dos Annales,

    que surgiu em princpios do sculo XX, e de historiadores que so considerados

    seus herdeiros, e que so tambm representativos dos chamados estudos

    culturais, como Jacques LeGoff (2003) e Phillipe Aris (2010).

    Depois, observar-se- como os mencionados entendimentos e prticas

    franceses vm sendo apropriados e ressignificados entre os investigadores

    brasileiros e latino-americanos que se dedicam ao estudo da histria da Amrica

    Latina.

    O ponto de partida para tanto sero algumas snteses elaboradas desde

    meados da dcada de 1960: as reflexes do professor brasileiro Jurandir Malerba

    (2009), da pesquisadora espanhola Marta E. Casas Arz (1994), e do historiador

    norte-americano Stanley J. Stein(1964).

    Embora a inteno seja reunir e organizar informaes, no se pretender

    compor um quadro fechado, mas crtico e, portanto, caracterizado por ns e lacunas.

    As periodizaes propostas por esses autores, ento, servem como ponto de

    partida, mas no como tabus. E os entendimentos que eles apresentam em suas

    anlises aqui surgem como pontos de vista e no como concluses a serem

    reproduzidas.

    Em meio diversidade e s complexidades vislumbradas, sero destacados

    alguns conceitos que, na produo historiogrfica se repetem, e que no se deseja

    que acabem por engessar-se: como a noo de identidade local, nacional,

    transnacional, latino-americana. A ideia , afinal, que aquilo que nos prprio e que

    nos permite identificar possa ser avaliado de maneira radical, a partir de observao

    rigorosa que autores estrangeiros nos inspiram, mas tambm que podemos inspirar

    em autores do estrangeiro.

    2.1 Tendncias nos grandes centros de saber

    Como as universidades do Brasil surgiram bem tardiamente, tomou-se como

    referncia de estruturao de cursos e de estudos especializados, em grande parte

  • 21

    das vezes, grupos e investigadores franceses. No caso especfico da Histria, tem-

    se como referncia de renovao um movimento denominado Escola dos Annales.

    O historiador ingls Peter Burke escreveu um breve mas fundamental estudo

    a respeito. Em A Escola dos Annales: a revoluo francesa da historiografia (1997),

    ele nos conta que, influenciados pela sociologia de Augusto Comte e mille

    Durkhein, na primeira metade do sculo XX os historiadores Marc Bloch e Lucien

    Febvre trabalharam na edio de uma revista que se pretendia liderana intelectual

    nos campos da histria social e econmica; porta-voz (...) de difuso dos apelos

    dos editores em favor de uma abordagem nova e interdisciplinar da histria

    (BURKE, 1997, p. 33).

    Bloch e Febvre foram profundamente crticos historiografia consolidada em

    sua poca. Segundo Burke, condenavam o culto a trs dolos: o dolo poltico, o

    dolo individual, e o dolo cronolgico (BURKE, 1997, p. 21). E propunham uma

    histria-problema (BURKE, 1997, p. 26).

    Conforme Burke (1997, p. 25), Febvre se preocupou em considerar, nos

    conflitos entre indivduos, grupos e sociedades, atravs da histria, no apenas as

    razes econmicas e materiais, mas tambm as geogrficas, intelectuais,

    sentimentais, simblicas; compondo abordagens interdisciplinares. Fez, portanto, a

    crtica a outra tendncia que, a partir da Alemanha, vinha se consolidando nos

    estudos histricos mais analticos: o foco na infraestrutura econmica, feito sob

    inspirao de Karl Marx.

    A crtica de Bloch historiografia tradicional, factual, centrada em grandes

    homens, e tambm ao economicismo marxista foi por ele sintetizada em um clebre

    livro, escrito durante a Segunda Guerra Mundial, quando ele, lutando junto

    resistence franaise, foi feito prisioneiro do exrcito alemo. Em Apologia da histria

    ou o ofcio do historiador (1944), Bloch refletiu sobre a legitimidade e utilidade do

    profissional da Histria, opondo-se subservincia dos pesquisadores que, ligados

    aos Estados nacionais, se restringiam abordagem de clichs alienantes; quer

    dizer, Histria comemorativa, patritica, acrtica, ufanista. Mas tambm se ops

    ideia de que um estudo sobre a histria apenas ganharia importncia na medida em

    que serve ao poltico-revolucionria. Nesse sentido, ele escreveu: histria,

    mesmo que fosse eternamente indiferente ao homo faber ou politicus, bastaria ser

  • 22

    reconhecida como necessria ao pleno desabrochar do homo sapiens (BLOCH,

    2001, p. 45).

    Na escrita dos Annales, portanto, a Histria deixava de ser uma cincia do

    passado para ser um processo de integibilidade, uma cincia em construo. Os

    pesquisadores deveriam, pois, assumir claramente seu quinho de responsabilidade

    no pela descoberta de determinados fatos e/ou detalhes acerca desses fatos, ou

    pelo desvendamento de equvocos e contradies do que se tem como memria

    oficial. Sob inspirao de Febvre e Bloch, deveriam responsabilizar-se e engajar-se

    na produo de conhecimento histrico crtico e atual.

    Da abordagem interdisciplinar proposta pelos Annales, nas primeiras dcadas

    dos novecentos, sublinha-se recentemente um profcuo debate com a Antropologia.

    As mentalidades, o intelecto, as sensibilidades passam a ser considerados em

    relao dialgica com o poltico, o social, o material, o econmico.

    Dentre os herdeiros franceses dessa tradio dos Annales, destaca-se hoje o

    nome de Jacques Le Goff; que tornou-se clebre por seus estudos sobre a Europa

    medieval, como: Os intelectuais na Idade Mdia (1957), O nascimento do purgatrio

    (1981), O imaginrio medieval (1985), O Deus na Idade Mdia (2003).

    Em seu clssico sobre Histria e memria (2003) Le Goff discute como essa

    subjetivao do trabalho e dos temas historiogrficos repercute em complexificao

    do ofcio do historiador. Ora, se devemos levar em conta o foco concedido pelo ser

    que analisa, e se nos interessamos mais e mais pela dimenso psicolgica, mental,

    sentimental dos atores histricos, a noo de uma Histria universal perde sentido.

    Ele escreve: quando as naes do Terceiro Mundo se preocupam [...] com

    documentar-se de uma histria [...] permite-se tipos de histria extremamente

    diferentes daqueles que os ocidentais definem como tal (LE GOFF, 2003, p. 16).

    Outro historiador que hoje atua sob inspirao de Febre e Bloch Philippe

    Aris, cujos estudos sobre mentalidades e hbitos, na Frana, conquistaram grande

    pblico leitor em todo mundo. Dentre seus trabalhos, mereceram destaque: A

    criana e a vida familiar no Antigo Regime (1960), O homem diante da morte (1977).

    Aris foi tambm o idealizador de uma coleo, dividida em quatro volumes,

    que conta com a contribuio de diversos pesquisadores, e percorre aspectos da

    histria cotidiana francesa, em diversas eras: da Antiguidade ao feudalismo, do

  • 23

    Renascimento ao Iluminismo, das revolues e imperialismos at chegar

    contemporaneidade. Editado post morten por dois de seus grandes amigos e mais

    reputados pesquisadores da Frana George Duby e Roger Chartier Histria da

    vida privada (2009) conta, em suas mais diversas tradues, com o texto de uma

    conferncia proferida por Aris em Berlim, no ano de 1983, intitulada A propsito da

    histria do espao privado.

    Nesse texto, Aris (2009) discute o conceito de privado, antepondo-o ao de

    pblico; e demarca que, embora os interesses individuais, familiares e subjetivos se

    fizessem notveis desde os tempos mais remotos, antes que o advento da

    modernidade se tornasse imperativo o coletivo era espao que se sobrepunha s

    formas de pensar, sentir, se expressar. Aris propunha, pois, que trabalhssemos

    uma diversidade considervel de registros deixados por homens e mulheres, no

    passado, desde o surgimento da modernidade, para compreender como a casa, o

    lar e necessidades especficas vo se desligando de uma viso de todo social.

    Tanto os trabalhos de Le Goff, quanto de Aris, como herdeiros das

    proposies apresentadas pelos Annales, denotam alguns entendimentos gerais que

    passam a percorrer preocupaes de historiadores em todo o mundo. Os

    entendimentos que entre ns brasileiros tendem a ser apontados como os mais

    importantes so trs.

    Primeiramente, o interesse por uma variada gama e tipos de fontes: de

    documentos oficiais estatais, dos quais se extraem dados quantitativos, a textos

    clssicos da Filosofia e Teologia, dos quais se analisam modos de pensar e sentir;

    de construes arquitetnicas e obras de arte a cartas pessoais, testamentos e

    inventrios, nos quais se buscam entendimentos acerca de padres de

    comportamento.

    Depois, a rejeio das snteses histricas globais e da noo de progresso

    histrico, linear; a viso da Histria como uma cincia em construo, e da

    necessidade de se trabalhar com recortes temporais e temticos.

    Por fim, e como terceira tendncia, o estudos de Le Goff e Aris ilustram a

    preocupao, caracterstica do pensamento ocidental de meados do sculo XX, com

    a desconstruo das identidades.

  • 24

    Segundo Ana Carolina Escosteguy (2001), nesse momento da histria do

    Ocidente, em razo da derrota dos governos totalitaristas, do fim dos poderes

    imperialistas na frica e na sia, e da ascenso dos projetos neoliberais de

    administrao dos Estados-nao, os chamados estudos culturais apontaram para

    a relativizao da noo de identidade nacional. Essa relativizao ocorreu

    sobretudo de duas maneiras: as identidades nacionais passaram a ser vistas como

    uma construo que em grande medida serve a interesses bastante especficos, em

    cada pas e tambm fora dele; as identidade nacionais ofuscam as diversidades de

    concepes, modos de ser e querer, que caracterizam os homens e mulheres que

    habitam um mesmo territrio.

    Dedicada crtica das anlises culturais que vm caracterizando diversos

    campos do saber da Filosofia Sociologia, da Poltica ao Direito, da Geografia

    Histria a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Beatriz Resende

    (2002, p. 49), afirma: na pluralidade cultural, no reconhecimento das diversas

    subjetividades, nas mltiplas identidades [...] que est a possibilidade de se

    reconhecer o completo, o outro.

    E ela acrescenta que hoje o intelectual no tem mais a funo de porta-voz

    dos que no tm voz que preferem falar por si mesmos , tarefa de mediador entre

    poderosos e oprimidos, como acontecia com o intelectual moderno; contudo, resta-

    nos ainda a funo crtica (2002, p. 22). E o que constitui, de fato, essa funo

    crtica, para o historiador de hoje?

    No campo da investigao histrica, certas tendncias desses estudos

    culturais foram criticadas pelo pesquisador, tambm francs, Franois Dosse autor

    de A Histria em migalhas (1992), e Imprio do Sentido (2003).

    De fato, Dosse no se volta contra os grandes nomes do movimento

    historiogrfico que em seu pas ganhou projeo a partir das primeiras dcadas do

    sculo XX, ou a profissionais competentes, como Le Goff e Aris. Dosse (1992)

    observa a relevncia das questes propostas por esses pesquisadores e, a respeito

    dos dois ltimos, destaca o interesse por refletir criticamente sobre a forma como o

    conhecimento histrico vem sendo elaborado.

    Dosse aponta, no trabalho de Febvre e Bloch, como de Le Goff e Aris, a

    valorizao da histria-problema, no exerccio de tentativa de uma verso mais

  • 25

    abrangente, articulada, entre diversos campos do saber histrico. Dos dois

    primeiros, podemos citar, por exemplo, respectivamente, os sempre-mencionados

    artigos Une esquisse dhistoire compare (1924) e Pour une histoire compare des

    socits europennes (1928).1 Dos dois outros historiadores, mais jovens,

    respectivamente, os livros: Histria e memria (2010) e Ensayos de la memoria

    (1996).2

    Porm, Dosse (1992) acredita que recentemente historiadores que se dizem

    inspirados pelos Annales abandonaram a tentativa de uma histria total e,

    atendendo aos interesses de uma indstria editorial despolitizada, alienada e

    alienante, focam aspectos deslocados, curiosidades, perfumaria.

    A Dosse incomoda toda uma tradio, dispersa mas notvel, de estudos que

    a partir deles vm dominando a historiografia mundial. No primeiro de seus livros

    acima citado, A Histria em migalhas, ele condena, ento, que o desesperado e

    talvez um tanto anacrnico anseio de vencer o paradigma de uma Histria

    comprometida tenha decorrido na departamentalizao, na burocratizao de

    nossos institutos de pesquisa, e na opo por trabalhar temas suprfluos,

    desconectados.

    Na segunda das obras de Dosse acima citada, O imprio do sentido (2003),

    ele sublinha a importncia, pois, dos historiadores se engajarem na elaborao de

    significaes mais amplas, que conectem os homens e mulheres de hoje e os

    engajem na aventura de entendimento acerca do passado coletivo, e das

    descontinuidades e continuidades que caracterizam o devir histrico. Dosse (2003,

    p. 17) afirma:

    As cincias humanas entraram na poca daquilo que Anthony Giddens qualifica como dupla hermenutica, como um processo complementar de traduo e de interpretao que concede ao presente uma prevalncia. O presente tornou-se categoria pesada que ultrapassa nosso espao de experincia convida a uma releitura memorial e simblica do passado.

    1 Sem traduo para o portugus.

    2 Tambm sem traduo para o portugus.

  • 26

    Ora, tais reflexes nos remetem a um dos mais interessantes pesquisadores

    norte-americano dedicados anlise dos percursos histricos latino-americanos:

    Richard Morse, autor de O espelho de Prspero. Segundo Morse (1988, p. 118):

    O historiador tem a obrigao profissional de reconhecer um horizonte temporal mais amplo, no com a esperana de encontrar revelaes apocalpticas, [...] mas simplesmente de demonstrar usos apropriados de uma perspectiva temporal generosa. O historiador, afinal de contas, no deveria se contentar em enterrar acontecimentos passados e heris mortos, pois a matria com que trabalha o tempo mesmo, passado ou futuro, e as mltiplas compreenses que podem proporcionar diferentes intervalos.

    Em meio ao movimento descrito por Dosse, e tal como Morse (2000)

    pensando a respeito do contexto latino-americano, merece destaque o trabalho do

    filsofo francs Tzvetan Todorov (1999). Em uma incurso pela histria da

    colonizao de nosso continente, Todorov logrou apresentar uma das mais

    interessantes reflexes sobre a mentalidade moderna, sobre os sujeitos modernos

    de ontem e de hoje.

    De seu livro mais clebre, A conquista da Amrica: a questo do outro (1999),

    duas reflexes merecem destaque: de um lado, como as identidades se

    estabelecem de forma relacional, e como as viagens ao Novo Continente e seus

    habitantes serviram como ponto de partida para que o homem europeu, moderno, se

    pensasse como distinto do homem medieval; de outro lado, como nessas migraes,

    ainda assim, o homem europeu tomou-se homem universal, as diferenas

    inerentes foram negadas, e classificadas como sintoma de impropriedade e

    inferioridade.

    Da, podemos dizer que mais recentemente os historiadores estrangeiros,

    replicando e renovando a tradio dos Annales, tm focado questes, das quais

    destacam-se trs, relevantes para ns brasileiros:

    Primeiro, o interesse por fontes diversas (inclusive originrias em diversos

    cantos do mundo). Depois, a idia do historiar como um dilogo entre o passado e o

    presente, sempre mutvel, e do compromisso social do historiador como algo

    tambm a ser criticamente elaborado por cada um de ns, ainda que em ltima

    instncia sempre vinculado prtica da desconstruo das verdades institudas. Por

  • 27

    fim, nesta linha, o interesse pela diversidade; e a noo tanto das identidades como

    construes sociais, como da Histria como uma cincia em construo.

    Disso urge, afinal, uma pergunta: como essa historiografia foi percebida e

    percebeu a realidade histrica especfica da Amrica Latina? Eis o tema do tpico a

    seguir.

    2.2 Tendncias latino-americanas

    Em A Histria na Amrica Latina, Jurandir Malerba apresenta duas percepes

    acerca dos modos de produzir Histria, academicamente, no Brasil e outros pases

    da Amrica Latina: a condio de atraso, e a condio de dependncia.

    Quando se refere a um dito atraso de nossa produo, em relao

    produo francesa e norte-americana, Malerba pontua (2009, p. 68):

    a historiografia brasileira percorre o mesmo itinerrio da latino-americana, em geral com duas dcadas de atraso em relao s discusses e viradas temticas/tericas/epistemolgicas que se passam nos grandes centros.

    Ele tambm pondera que os estudos mais interessantes e crticos comearam

    a surgir, entre ns, a partir de uma dupla influncia a j mencionada Escola dos

    Annales, e o marxismo: Essa tradio que mistura aportes dos Annales com os

    ensinamentos do marxismo mais arejados, no dogmtico, rendeu o que de melhor

    se produziu nos ltimos 30 anos na historiografia latino-americana (MALERBA,

    2009, p. 48).

    Seguindo um raciocnio semelhante, a professora Marta E. Casas Arz

    (1994) pontuara, em breve artigo:

    la renovacin de la Historia en Amrica Latina procede, en su mayor parte, de pensadores forneos o de aquellos investigadores y cientficos sociales que cursaron sus estdios en Europa y Estados Unidos, recibiendo en estos pases la influencia de las nuevas corrientes historiogrficas. Estas empiezan a incidir a partir de la dcada de 1950, especialmente en los aos sesenta, cuando los historiadores latinoamericanistas y los latino-americanos empiezan a modificar la forma de hacer historia de Amrica.

  • 28

    Se a historiografia latino-americana tomou como referncia pensamentos e

    mtodos consagrados em instituies estrangeiras, segundo Malerba (2009), a isso

    se associa o fato de que a profissionalizao dos historiadores brasileiros bastante

    recente. Em Antes da dcada de 1960, uma das sees iniciais do livro de A Histria

    na Amrica Latina, esse autor lembra que a dita histria tradicional teria sido

    praticada por intelectuais no especializados, no profissionais, autodidatas, at

    ento.

    No Brasil, as primeiras universidades modernas surgiram apenas na dcada

    de 1930: a Universidade de So Paulo foi fundada em 1934, a extinta Universidade

    do Brasil, em 1937; e os cursos de formao de cientistas nas reas de Humanas s

    comearam a funcionar sistematicamente a partir de ento. Daquele momento, so

    considerados pais da historiografia nacional (mas no propriamente historiadores)

    jornalistas e juristas tais como Sergio Buarque de Holanda e Manoel Bomfim.

    Porm, Malerba (2009) observa que tal fenmeno no exclusivamente

    perceptvel entre ns brasileiros. Embora universidades tenham sido criadas h

    muito na poro hispanohablante do territrio latino-americano, a profissionalizao

    tardia dos historiadores pode ser observada em qualquer outro pas da regio.

    No Mxico, por exemplo, havia desde o perodo colonial a Real y Pontifcia

    Universad de Mxico, cuja formao era essencialmente teolgica, generalista e

    elitista. Uma nova verso, mais moderna e ansiando por uma maior

    profissionalizao dos intelectuais mexicanos, foi criada sob inspirao do

    positivismo, por ministros do ditador Porfrio Diaz, em 1911: era a Universidad

    Nacional de Mxico. Porm, fato que at que no contexto da Revoluo Mexicana

    a referida instituio passou por diversas alteraes incluiu um projeto menos

    cientificista e mais humanista, menos tcnico e mais filosfico, e ganhou o carter de

    autnoma, da passar a se ser denominada, a partir de 1915, Universidad Nacional

    Autnoma de Mxico (UNAM). Entretanto, fato que at que se consolidasse, em

    meados do sculo XX, nela se destacaram os nomes de no-especialistas, como o

    filsofo ensasta mexicano Samuel Ramos, e o editor Daniel Coso Villegas

    (FERREIRA, 2013).

    A importncia no Brasil da historiografia francesa se faz bastante notvel

    justamente na profissionalizao de nossos estudiosos e interessados no estudo do

  • 29

    passado de nossos pases, especificamente, e da Amrica Latina como um todo.

    Como nos lembra Malerba (2009), os institutos de Cincias Humanas de nossas

    primeiras universidades ao serem criados contaram com as ditas misses

    francesas, quer dizer, com o convite e a vinda de professores franceses. Entre os

    anos de 1935 e 1937, a Universidade de So Paulo, por exemplo, contou com a

    presena de outro dos grandes expoentes da Escola dos Annales, neste Trabalho

    de Concluso de Curso ainda no mencionado: Fernand Braudel.

    A respeito dos demais pases latino-americanos, Malerba (2009) menciona a

    passagem de Lucien Febvre, em 1937, por Argentina e Uruguai.

    Malerba comenta, ainda, a criao, em 1944, do Instituto Francs da Amrica

    Latina, no Mxico; em 1947, do Instituto Francs de Santiago, no Chile; e em 1948,

    do Instituto Francs de Estudos Andinos, no Peru. Por fim, destaca a dedicao do

    historiador francs Pierre Chaunu a nosso subcontinente, o que rendeu obras-

    referncia para todo historiador da regio, como Histoire de lAmerique Latine

    (1949), L'Amrique et les Amriques de la prhistoire nos jours (1964).

    Mas pode-se destacar, tambm, o historiador Jacques Chevalier, autor de

    LAmrique latine. De lIndpendance nous jours. E, mais recente, as pesquisas

    desenvolvidas por Serge Gruzinsky, autor de Histoire de Mexico (1996) e La Pense

    mtisse (1999).

    No se pode deixar de pontuar, entretanto, que j em meados do sculo XX

    nas reflexes sobre a histria latino-americana ganhou destaque outra influncia: a

    norte-americana. Conforme Malerba (2009), nesse momento foram fundadas nos

    Estados Unidos instituies e organizados eventos para agrupar pesquisadores

    interessados na histria dos mais diversos pases que formam a Amrica Latina.

    So exemplos: a Latin America Studies Association, o National Directory of Latin

    Americanists e a Conference on Latin American History.

    ento que ganha projeo um grupo de pesquisadores que foram

    classificados latinoamericanistas: pesquisadores de origem estadunidense,

    voltados a entender os grandes ns histricos dos pases com os quais a potncia

    norte-americana divide o continente. Malerba cita como mais representativos os

    trabalhos de Marshal Eakin, Magnus Morner, Stanley Stein, Thomas Skidmore e

  • 30

    John Johnson; e os caracteriza como notveis pela sofisticao metodolgica

    (MALERBA, 2009, p. 32).

    nesse contexto que ganha projeo um outro pesquisador, aqui j

    mencionado: Richard Morse. Morse publicou no apenas O espelho de Prspero,

    sobre a histria do pensamento ibero-americano, at meados da dcada de 1988.

    Ele tambm foi autor de um importante e sistemtico estudo sobre a urbanizao da

    cidade de So Paulo A formao histrica de So Paulo (1954), e uma coletnea

    de ensaios sobre Filosofia, Sociologia e Literatura na Amrica Latina - A volta de

    McLuhanama (1990).

    Tais instituies e pesquisadores foram responsveis, afinal, pela composio

    de parcerias com investigadores nossos. Segundo Malerba (2009, p. 31), muitos

    historiadores latino-americanos vm sendo formados, treinados em instituies

    americanas, desde o ensino universitrio bsico at a ps-graduao.

    Da, de acordo com a interpretao de Malerba, teriam surgido os trabalhos

    mais interessantes, no campo da Histria, em territrio latino-americano. A partir de

    tais influncias, a seu ver, que foram surgindo organizaes locais, mais ou menos

    articuladas a institutos e atreladas a investimentos estrangeiros como, na dcada de

    1960, a Comisso Econmica para a Amrica Latina (CEPAL), e, na dcada de

    1970, o Conselho Latino-americano de Cincias Sociais (CLACSO), com sua

    Comisso de Histria Econmica (MALERBA, 2009).

    Porm, as teses do atraso e da dependncia da produo historiogrfica

    brasileira e hispano-americana, no que diz respeito produo francesa e norte-

    americana, podem ser questionadas. De fato, antes da dcada de 1960

    (MALERBA, 2009, p. 17), os pesquisadores dedicados histria do subcontinente

    tendiam a no ser especialistas ou profissionais exclusivamente dedicados a tanto.

    Muitos deles, contudo, mesmo fora das universidades desenvolveram trabalhos que

    se caracterizavam por inovaes terico-metodolgicas. Alguns, por inspirao

    prpria e do meio, e como geniais eruditos chegaram a propor reflexes

    semelhantes quelas que estavam sendo propostas nos grandes centros francs e

    norte-americano.

    provvel que o equvoco de Malerba corresponda opo de tomar como

    referencial a periodizao proposta pelo professor norte-americano Marshall Eakin,

  • 31

    em Latin American history in the United States: from gentlemen scholars to academic

    specialists (1998). Num mesmo sentido, o equivalente equvoco da professora Arz

    (1994) parece ter decorrido do fato de ela haver tomado como ponto de partida a

    sntese do historiador Magnus Morner, The study of Latin American history today

    (1973).

    O professor norte-americano Stanley Stein (1964) efetivamente nos

    apresentara uma abordagem um tanto distinta, na qual a produo historiogrfica

    latino-americana aparecia em um recorte temporal mais amplo. Em Historiografia

    latino-americana: balance y perspectiva, ele analisara os temas predominantes em

    estudos que, desde princpios do sculo XVIII, quer dizer, a partir das

    independncias das naes deste subcontinente, vinham se dedicando histria

    dos povos que aqui viveram e vivem.

    O j citado investigador ingls Peter Burke (1997) um bom exemplo de

    estrangeiro que buscou perceber a produo latino-americana a partir dos interesses

    e concepes prprios do continente latino-americano. Assim, compreendeu que

    desde as primeiras dcadas do sculo XX ensastas brasileiros, mesmo pouco

    acadmicos, propuseram j concepes historiogrficas bastante interessantes, e

    autnticas.

    Conforme Burke (1997, p. 5), em 1930, quando [por exemplo Gilberto] Freyre

    comeou a trabalhar em Casa-grande & senzala (1933), Bloch e Febvre ainda no

    tinham estabelecido suas reputaes internacionais e mesmo assim seus estudos

    sobre a sociedade colonial brasileira j se caracterizavam: por partir de uma gama

    diversa de fontes, por romper com a tradicional histria factual e focada em heris,

    por problematizar verses da histria consolidadas, e por considerar a identidade

    nacional brasileira como plural e complexa.

    Est claro que especificamente Freyre, distinto dos aqui citados Holanda e

    Bomfim, foi um especialista, estudioso da Antropologia, e graduado nos Estados

    Unidos. Mas, quando escreveu seus estudos mais vigorosos, sua vivncia

    acadmica era ainda inspida, e digna de nota sua preocupao em ser visto como

    escritos lato sensu e no como um cientista (FERREIRA, 2013).

    Ademais, se observarmos as questes mais caras a LeGoff e Aris

    (historiadores franceses, como vimos, de meados do sculo XX), constatamos que

  • 32

    j vinha sendo proficuamente trabalhadas por diversos ensastas latino-americanos

    desde as primeiras dcadas do sculo XX.

    Burke (1997) refere-se a Freyre, que, efetivamente, considerou a importncia

    da dimenso privada, se espraiando sobre o pblico, em territrio e mentes

    brasileiros muito antes de LeGoff e Aris publicarem seus primeiros estudos.

    E tambm nos servem como bons exemplos os trabalhos do brasileiro

    Holanda Razes do Brasil (1936) e do mexicano Ramos El perfil del hombre y la

    cultura en Mxico. Esses dois autores, tal como Freyre, bem antes dos ditos

    estudos culturais e pouco iniciados nos trabalhos dos Annales consideraram, num

    vis antropolgico, os modos de pensar e se portar de brasileiros e mexicanos, e

    atriburam, de forma semelhante, o seguinte veredito: em terras latino-americanas,

    atravs da histria, diferente do que Aris proporia a respeito do europeu o

    privado sempre tenderam a sobrepor o pblico (FERREIRA, 2013).

    Malerba afirma, ao final de A Histria na Amrica Latina (2009, p. 111), que

    os estudos de histria da vida privada, recentes, remetem aos estudos

    quantitativos, de demografia histrica, que caracterizaram as primeiras geraes da

    Escola dos Annales. Tomando em conta as reflexes por ora postas, conclui-se que

    na Amrica Latina o quadro foi um tanto distinto. O interesse pelo estudo das

    contradies entre o poder da esfera familiar ante os interesses coletivos antecedeu

    a especializao dos estudos histricos, e se fez, ainda, em obras de cunho

    ensastico e marcadas por metodologia ainda pouco rigorosa.

    Outro aspecto importante, que no se deve deixar escapar: Stein se negava a

    perceber a existncia de uma historiografia latino-americana simplesmente porque,

    sob seu ponto de vista, no haveria tendncias gerais observveis em meio a uma

    pluralidade e descontinuidade. Para esse historiador, poder-se-ia falar em Amrica

    Latina quando se considera o perodo colonial, mas, cruzada a fase dos controles

    metropolitanos e pronto institudos dos Estados nacionais, os regimentos, leis e

    referenciais identitrios, debiles son las bases de nuestras generalizaciones

    (STEIN, 1964, p. 5). Las cuestiones histricas de estos pases no son comparables

    sino en um sentido muy extremo (STEIN, 1964, p. 7).

    Mesmo considerando nossa produo historiogrfica atrasada e

    dependente, Malerba (2009) compreende, porm, que entre os pesquisadores

  • 33

    estrangeiros e ns latino-americanos divergem os temas que so foco de interesse.

    Para ele, por exemplo, os norte-americanos latinoamericanistas, desde a dcada de

    1960, se interessam por abordar nossos problemas relativos constituio de

    regimes polticos, que se tm afastado tanto dos valores liberais, quanto dos valores

    democrticos. Por outro lado, os pesquisadores brasileiros, mexicanos, chilenos,

    argentinos revelariam interesse por questes como as desigualdades sociais e de

    oportunidades, os entraves postos reforma agrria, e a dependncia financeira em

    relao aos organismos reguladores internacionais.

    E fato que o prprio Stein mesmo defendendo que no h uma linha

    referencial que se possa chamar latino-americana deixa escapar que, por toda a

    histria da historiografia latino-americana, nota-se a insistncia, cada vez mais viva

    e profcua, da revaluacin de las races de su poder de recuperacin, ou que

    muchos de sus eruditos e intelectuales hablan de su passado y de su presente

    colonial (STEIN, 2009, p. 30). Quer dizer: acaba por sugerir que o passado colonial

    um tema de comum e geral preocupao do qual se ocupam os historiadores mais

    genunos, da Amrica Latina.

    Conforme Malerba (2009), o pesquisador britnico Ronald Munch, editor da

    revista Latin American Perspectives, prope severas crticas produo

    historiogrfica latino-americana de hoje, que insistiria em abordar a formao dos

    Estados nacionais como complexa, e determinada por interesses estrangeiros. Para

    tal crtico, diz Malerba, deixa de fazer sentido falar em imposio cultural, se

    pensarmos que toda cultura mltipla, complexa, e hbrida; e se, desde a Idade

    Moderna e o movimento das Grandes Navegaes, estamos cada vez mais

    conectados.

    Contra tal diagnstico, se volta o norte-americano Mark Berger, autor de

    Under Northern Eyes: Latin American Studies and U.S. Hegemony in the Americas

    (1995), e tambm o argentino Atilio Boron. De acordo com Berger, os Estados

    Unidos tm exercido grande influncia sobre os modos de os latino-americanos

    perceberem a si mesmos. J Boron, conforme Malerba (2009) e lembrando Dosse,

    condena o conformismo de um pensamento fragmentado sobre uma realidade

    complexa, contraditria, dinmica e multifacetada, e aponta como funo social

    dos intelectuais locais justamente propor modos de observao integrados e

    integradores.

  • 34

    Por fim, lembrando Morse Malerba refere-se a Carlos Aguirre Rojas, e sua

    tese, segundo a qual os ltimos anos apontariam para a irrupcin del presente en la

    Histria; quer dizer:

    a ideia de que o presente imediato ir se manifestar com muito mais fora na historiogrfica, rompendo com a rgida diviso at ento vigente entre presente e passado, e inscrevendo a atualidade, a contemporaneidade nos objetos de pesquisa histrica (MALERBA, 2009, p. 107).

    Eis uma chamada, para que os historiadores latino-americanos assumam

    suas responsabilidades como homens do presente, no apenas cumprindo com os

    itinerrios terico-metodolgicos ditados nos grandes centros de saber do Ocidente,

    com os quais dialogamos. Mas avaliando-a criticamente. E, assim, assumindo os

    riscos e encargos deste continente que os abriga; terreno sobre o qual se desenrola

    uma histria especfica e complexa, a ser compreendida em suas peculiaridades,

    qualidades e relaes, e onde nasceu e brota uma historiografia rica e profcua.

  • 35

    3 AMRICA LATINA: MODOS DE ENSINAR A APRENDER

    Este captulo parte das anlises apresentadas na seo anterior, para ponderar

    sobre a prtica docente. Sempre considerando a problemtica da valorizao da

    Histria da Amrica Latina, sero desenvolvidas reflexes sobre a importncia do

    planejamento para a prtica docente. E, assim, ser apresentado, pouco a pouco, o

    projeto de uma disciplina. Ao final, consta um quadro sintico cujas partes equivalem

    s partes componentes de um bom plano de ensino: objetivos, contedos,

    estratgias de ensino/aprendizagem, e estratgias de avaliao, cronograma e

    bibliografia.

    Ao longo de todo este captulo, so levadas em conta tanto a teoria

    pedaggica em geral, quanto o exerccio da docncia, especificamente no mbito da

    Histria da Amrica Latina. Tendem a ser hoje bem mais ricos os debates sobre a

    prtica em salas de aula do Ensino Fundamental II e Mdio; o que nos leva

    concluso de que os professores de faculdades de nosso pas tm muito a aprender

    com o nvel bsico. Porm, a reflexo sobre abordagem da Amrica Latina com

    crianas e jovens tambm segue sendo rara e pouco difundida.

    Servem como principais aportes para pensar a didtica no ensino superior:

    Marcos Masetto, Antonio Carlos Gil, Gilberto Teixeira, Deaquino. E sobre avaliao:

    Romanowisk e Wachowicz, Gerson Pastre Oliveira, Isabel Franchi Cappelletti,

    Charles Hadji.

    Como principais aportes para se pensar o ensino de Histria da Amrica

    Latina podemos citar diversos renomados investigadores como Luiz Estevam

    Fernandes, da Universidade de Ouro Preto, e Marcus Vinicius de Morais, da

    Universidade Federal de Vitria (ambos associados Associao Nacional de

    Pesquisadores de Histria da Amrica Latina e Caribe (ANPHLAC). Esses, volta e

    meia, publicam exerccios reflexivos que estabelecem pontes entre seus trabalhos

    como historiadores e suas vises acerca da prtica docente no mbito escolar.

    Porm, sistematicamente interessadas no ensino de Histria da Amrica

    Latina os nomes que merecem destaque so os das professoras Circe Bittencourt e

    Maria de Ftima Sabino Dias. Bittencourt, da Universidade de So Paulo, tem

    extensa produo a respeito da docncia, na rea de histria, e no nvel bsico, e

  • 36

    destaca-se como primeira pesquisadora a atentar para a necessidade de se pensar

    as latino-americanidades (SALOMN, 2012).

    Dias, na Universidade Federal de Santa Catarina, desenvolve, desde 2003,

    projeto na Escola de Aplicao da dita instituio: a disciplina de Estudos Latino-

    americanos. Atuando lado a lado com os professores que ministram ELA, Dias

    organiza grupos de discusso, fruns, encontros, publicaes que consideram

    desde aspectos mais tericos a embasar a ao, at mais sociolgicos, a respeito

    dos resultados (SALOMN, 2012).

    Talvez falte na bibliografia de ambas autoras sugestes mais tcnicas.

    Amarrando suas reflexes a percepes decorrentes da prtica da prpria autora

    deste Trabalho de Concluso de Curso, com proposies dos supracitados

    influentes pedagogos, o presente captulo tem como objetivo propor discusses mais

    pragmticas sobre a docncia no campo da Histria da Amrica Latina.

    3.1 Plano de ensino

    Demerval Saviani (1987) diferencia planejamento e plano de ensino; e

    apresenta o primeiro como ponto de partida necessrio para o segundo.

    Planejamento, diz Saviani, seria todo o processo de aes concretas, que partem

    de reflexo coletiva, e se direciona prtica; plano o registro, a documentao

    de tais vivncias. Sendo assim, o plano, para ele, tem uma dupla importncia: ao

    mesmo tempo resultado de prticas, e ponto de partida para novas reflexes e

    novas iniciativas.

    Sobre a relevncia de se refletir sobre exerccio docente, escreve Regina

    Barros Leal, da Universidade de Fortaleza, em referncia aos trabalhos de Donald

    Schon:

    Donald Schon tem sido uma referncia terico-metodolgica dos profissionais que atuam na rea de formao de professores por afirmar que os bons profissionais utilizam um conjunto de processos que no dependem da lgica, da racionalidade tcnica, mas sim, so manifestaes de sagacidade, intuio e sensibilidade artstica. Schon orienta para que se observe estes professores para averiguarmos como desenvolvem suas prticas, como fazem e o que fazem, para colhermos lies para nossos programas de formao (LEAL, 2005, p. 4).

  • 37

    Para pensar uma disciplina dedicada Histria da Amrica Latina devemos,

    portanto, no apenas pretender a composio de um plano claro, bem ordenado,

    articulado. Mas tambm um plano que leve em considerao o que vem sendo

    debatido a respeito do ensino de Histria, em geral, no Brasil.

    Aryana Lima Costa professora da Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte se dedica formao de professores de Histria, no mbito universitrio. Ela

    considera em especial a questo do plano de currculo X prtica na sala de

    aula/planos de curso de cada professor-formador-de-professores, e pontua certa

    distncia:

    Preservando-se a margem de autonomia individual com que cada um pode vir a se relacionar com o currculo, a partir deste que se constitui uma identidade ao curso, um propsito para os quatro anos que se planejam ali; quatro anos que necessitam ser estruturados sob uma lgica que lhes d coerncia, coeso e continuidade, pressupondo o exerccio de uma articulao entre seus integrantes. A maior parte de seus objetivos, inclusive, listada enquanto sendo de competncia de todos, como coletividade (COSTA, 2011, p. 4).

    Costa tambm analisa a atuao docente em diversos cursos no Brasil,

    dentre os quais o de sua instituio (a UFRN). E defende que os professores

    universitrios consideram que a dimenso pedaggica de seu ofcio se d por

    exerccio de uma personalidade voltada para o professorar um jeito, uma

    vocao. Ou algo experimentado, que se repete como frmula, a qual ,

    igualmente, naturalizada. Segundo nos mostram entrevistas por ela realizadas

    quando da elaborao de sua dissertao, muitos profissionais da rea pontuam

    como base de suas condutas docentes a atuao de seus prprios professores, e

    defendem o tradicionalismo didtico nas universidades.

    Em uma dessas conversas, uma colega props:

    Tem uma medida, talvez a mais humilde de um professor, que: ele um bom explicador de coisas. Ento se conseguir explicar bem um certo tema j t valendo, j comeou a brincadeira e saber indicar onde se encontram informaes mais profundas sobre o tema, tanto em termos de documentos quanto de referncias (COSTA, 2011, p. 30).

  • 38

    possvel que muito do que se produz sobre tais questes esteja disponvel

    aos professores universitrios num lcus muito mais acessvel do que se pode

    supor: na prpria universidade, em cadeiras vizinhas s dos professores-

    pesquisadores. H hoje em dia inmeros profissionais dedicados a refletir sobre o

    ensino de Histria, ainda que se voltem prtica no Fundamental II e no Mdio.

    Carlos Tasso Eira Deaquino (2007) trabalha com o conceito de andragogia,

    frequentemente utilizado como significando: modos de se trabalhar com a educao

    de adultos. Ele se distinguiria de Pedagogia, que se refere educao de crianas.

    Reflete, ento, sobre os esteretipos dos professores do ensino superior, e do

    ensino bsico. Enquanto o primeiro seria mais brincalho, mais leve, e talvez mais

    performtico; o segundo seria mais afetivo, mas tambm mais dramtico, passivo,

    irritvel. O pblico das faculdades e universidades se caracterizaria por motivao

    intrnseca, profissional, especialista; e das escolas, por motivao extrnseca (a

    figura dos pais), amadora, generalista e superficial (DEAQUINO, 2007).

    Os principais problemas encontrados no dia-a-dia de sala de aula seriam,

    porm, bem comuns a um e outro contexto: tanto no ensino superior, como no

    bsico, h dificuldade de aprendizagem (confuso mental, estagnao), indisciplina

    (cansao, preguia dos alunos, antipatia entre docentes e discentes), tdio e

    desinteresse. Tudo isso resultado de uma total falta de identificao dos alunos em

    relao ao professor e a toda a dinmica do processo educativo. Entre os discentes

    de faculdades, a constante eu j sei o suficiente, e os discentes de escolas, a

    constante eu no sei, e no quero saber (DEAQUINO, 2007).

    As solues propostas por Deaquino (2007) so tambm comuns, e pode-se

    dizer que partem de uma percepo geral: ensino superior e ensino bsico podem

    aprender um com o outro andragogia e pedagogia devem se mesclar tanto em um

    como em outro caso.

    preciso, por exemplo, ao ver desse autor (DEAQUONO, 2007), que o

    professor universitrio seja mais pedaggico, e tenha uma maior preocupao com

    os registros, e com a orientao dos alunos: organize o contedo de maneira bem

    estruturada, articulada, exponha os objetivos, esclarea as estratgias de ensino e

    de avaliao.

  • 39

    Para Marcos Masetto (1996), da Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo, planejar essencial, pois garante clara orientao de professores e alunos no

    sentido do aprendizado.

    Para abraar tais propsitos de forma clara e efetiva, a seu ver, os planos de

    ensino devem ser compostos de algumas partes essenciais, nas quais o docente

    considera os princpios pedaggicos que nutrem seu fazer: objetivos, contedos,

    estratgias de ensino/aprendizagem, estratgias de avaliao, dos quais deve

    dispor; tambm fala em cronograma e bibliografia. Tais partes devem aparecer

    integradas entre si, e com o todo.

    Gilberto Teixeira (2008), da Universidade de So Paulo, afirma que o

    planejamento ajuda a prever, organizar, racionalizar e por isso contribui para uma

    ao docente caracteristicamente mais eficiente.

    Tal previso, organizao e racionalizao, porm, deve contar com alguns

    requisitos primordiais: ser concebido de maneira a ajustar-se a novas demandas

    (flexibilidade), e se estruturar em nveis articulados plano de ensino: global, plano

    de unidade: parcial, plano de aula: dirio/concreto (coerncia).

    A professora Helenice Aparecida Bastos Rocha (2003) docente da

    Universidade Estadual do Rio de Janeiro, da Universidade Federal Fluminense e

    tambm do Colgio Pedro II na ANPUH de 2003 tomou como ponto de partida os

    clssicos trabalhos de Jos Carlos Libneo, e criticou que tanto esse autor quanto

    muitos dos pesquisadores que se tm dedicado noo de plano de ensino e

    plano de aula o fazem de forma desarticulada. Ela lembra, ento, que em Didtica

    (1992) o captulo dedicado ao plano escolar (dcimo captulo) aparece deslocado do

    captulo dedicado Aula como forma de organizao do ensino (oitavo captulo).

    Em sua experincia na formao de professores, teria observado tal

    tendncia: tm-se a elaborao de planos de ensino embasados por vasta leitura,

    mas que no se expressam o que realmente os professores vivenciam com os

    alunos, em sala. E essa vivncia se faz em blocos separados, toda recordada; no

    possuiu um sentido que o professor proponha com os alunos, nem uma inteno de

    que significados sejam tecidos conjuntamente.

  • 40

    Especificamente a respeito do que ela observa sobre a disciplina de Histria

    ministrada por seus alunos em formao e em instituies de Ensino Mdio e

    Fundamental II, ela diz:

    Na aula de Histria, h ainda, mesmo que fracamente, o vnculo entre perodos histricos e a seqncia cronolgica dos fatos histricos a ensinar, algumas vezes no explorados. [Mas] para o aluno do curso de Histria, os vnculos entre os contedos so construdos fora da aula, pelo seu prprio conhecimento (ROCHA, 2003, 2).

    Como alternativa, Rocha sugere em conformidade com o texto dos

    Parmetros Curriculares Nacionais (1997) que os professores estruturem suas

    aulas no em funo dos contedos, mas de problematizaes. E aqui a autora

    remete idia, mencionada no captulo anterior deste TCC, de histria problema.

    (ROCHA, 2003, p. 3). Ela nos fala, pois, em sequncias didticas, e projetos.

    A sequncia didtica incluiria caractersticas que Deaquino, Masetto e Gil

    destacam em um bom plano de ensino: organizao, clareza e articulao. Seria ela

    o ordenamento de objetivos pedaggicos em atividades diversas sobre contedos

    estruturados, em aulas que correspondem a passos que se do a partir dos

    anteriores, a encontros que dialogam (ROCHA, 2003).

    No que diz respeito aos projetos, ela afirma que no precisam ser

    necessariamente projetos institucionais, de grande escopo, que envolvam toda a

    instituio ou inmeros profissionais. Trabalhar com projetos corresponde, diz, a to

    somente a iniciativa de propor aos alunos metas bem estruturadas, com margem de

    manobra at que se alcance um dado produto final mais abrangente do que a

    realizao de provas e trabalhos (ROCHA, 2003).

    3.2 Objetivos

    Para Masetto (1996), em seu plano de ensino o professor deve propor

    objetivos gerais (que remetem ao final do curso, e so mais filosficos, polticos,

    sociais) e objetivos especficos (por unidade, mais concretos, didticos). Quanto aos

    objetivos gerais, convm sublinhar: num plano de ensino tudo parte e se integra a

  • 41

    eles contedos, estratgias de ensino/aprendizagem, estratgias de avaliao.

    Eles devem, ademais, ser realistas, para no comprometer o todo proposto.

    Ora, se conforme Rocha em sequncia didtica e em projeto

    problematizar deve ser o grande objetivo de todo plano de ensino, como

    problematizar a Histria da Amrica Latina? Seguindo o raciocnio esboado no

    captulo anterior deste Trabalho de Concluso de Curso, questionando a maneira

    como nossa histria vem sendo contada, lida, recontada dentro e fora das cearas

    acadmicas.

    Os professores venezuelanos Janette Garca Yepez e Pedro Rodrguez Rojas

    propem que, a respeito da Amrica Latina, o senso comum se divide sobretudo em

    trs tipos de olhares, todos eles partindo de parmetros ajenos impuestos (YEPEZ;

    ROJAS, p. 7). Um primeiro, que ele denomina leyenda blanca, estaria focado na

    Histria colonial, e traria implcito que foi da Europa que vieram as bases das

    civilizaes latino-americanas atravs da importao de concepes de ensino, de

    universidade, de organizao, de progresso. Um segundo, que ele denomina

    leyenda negra, tambm focado na Histria Colonial, proporia a cultura europia

    tendo-nos deixado todo um legado de violncia, escravido, usurpao e

    intolerncia. Um terceiro olhar, desta vez mais interessado nos movimentos de

    independncia de nossos pases e de consolidao dos Estados Nacionais, seria

    mais marcadamente narrativo e apologtico, conferindo foco a heris, datas,

    eventos.

    Em nossas salas de aula brasileiras podemos observar a notvel presena

    dos trs. Desde o Ensino Fundamental nossos professores, mal informados no que

    diz respeito histria latino-americana, tratam-nos (brasileiros, mexicanos,

    argentinos) como meros imitadores subservientes, como vtimas, e/ou como platia

    para festividades que muitas vezes no fazem o menor sentido; at porque nos so

    apresentadas mais como exticas do que como relacionadas com nossas vidas,

    nosso interesses individuais e coletivos, de hoje.

    Maria de Ftima Sabino Dias (1998), da Universidade Federal de Santa

    Catarina, considera a importncia dos historiadores positivistas franceses na

    definio dos critrios atravs dos quais a Histria vem sendo abordada nas escolas

    brasileiras, desde o sculo XX. Os prprios marcos temporais gerais Idade Antiga,

  • 42

    Idade Mdia, Idade Moderna e Idade Contempornea ignoram a dinmica prpria

    de nosso devir histrico latino-americano. Assim, raro, por exemplo, que nas aulas

    sobre Antiguidade sejam abordados maias, astecas, ou incas civilizaes

    riqussimas culturalmente e extremamente complexas em sua organizao poltico-

    social.

    Ainda hoje, afirma a professora, os currculos franceses seguem ignorando a

    histria latino-americana. Os maias, astecas e incas, por exemplo, so trabalhados

    apenas quando das Grandes Navegaes. Ora, eis a viso de um europeu, que se

    abre ao contato com o Novo Continente apenas nesse momento da histria. Porm,

    faz sentido que ns abordemos a situao da mesma maneira? Para Dias (1998),

    replicamos a perspectiva francesa sem crtica, de forma enviesada, pouco

    interessante para ns.

    Luiz Estebam Fernandes e Marcus Vinicius de Moraes, analisam os livros de

    histria adotados no Ensino Mdio, no Brasil, e observam tendncia parecidas.Eles

    sugerem trs vertentes interpretativas da historia da Amrica Latina, notveis nos

    livros mais adotados pelos professores de Histria do Ensino Mdio, no Brasil; e as

    associa a vertentes interpretativas clssicas, da historiografia latino-americanas.

    Seriam elas: a viso eurocntrica, a vitimizao, e uma mais moderna, ligada aos

    Annales e chamada histria vista de baixo.

    A primeira, parte dos relatos dos colonizadores Hernn Cortez e Francisco

    Pizarro, e incorpora metodologia positivista europia. Toma como fontes os

    trabalhos de William Prescott, The conquest of Mexico, e Jacques Soutelle, A vida

    cotidiana dos astecas na vspera da conquista espanhola. Nela, o ndio figura

    apenas como um ser passvel de receber a civilizao importada da Pennsula

    Ibrica, e a conquista apresentada como uma fatalidade (FERNANDES;

    MORAES, 2003, p. 147).

    A segunda, parte dos relatos de missionrios como Bartolomeu de Las Casas,

    que em nenhum momento questiona a dominao, mas sim o modo como estava

    sendo realizada (FERNANDES; MORAES, 2003, p. 150). Um autor mais recente,

    que retoma esse olhar fatalista, teleolgico, mas lamentatrio, derrotista, citado por

    Fernandes e Moraes e Eduardo Galeano, do clssico As veias abertas da Amrica

    Latina.

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    A terceira viso analisada por tais pesquisadores remete a estudos mais

    recentes, realizados em grande parte por historiadores latino-americanos

    identificados com a Histria Social. Busca resgatar o lado do vencido, do

    conquistado, e valoriz-lo. Mas, nas entrelinhas, sonha-se em ser o conquistador, o

    desenvolvido, o branco (FERNANDES; MORAES, 2003, p. 154).

    Fernandes e Moraes propem, pois, que os professores faam a crtica de

    tais elaboraes, em sala de aula. E, ao focarem a histria da Amrica Latina, no

    deixem de observar que cada fonte expressa um ponto de vista complexo, e nada

    inocente. Pontuam:

    Os acontecimentos so repensados constantemente, na tentativa de confeccionar essa viso de si mesmo, individual, que cria, assim, uma histria que sempre muda, que muitas vezes revisitadas, mas que sempre a mesma coisa: a busca da identidade. [...] Essa no apenas a conquista do territrio, mas a conquista da escrita, a conquista da Histria (FERNANDES; MORAES, 2003, p. 156).

    A professora Kalina Vanderlei Silva (2006), da Universidade de Pernambuco,

    sugere dilogo entre Histria e Literatura como um vrtice que amarre uma proposta

    de ensino universitrio de histria com a prtica da pesquisa sobre as experincias

    histricas latino-americanas, e sobre as construes discursivas a respeito de

    nossas identidades.

    Em primeiro lugar, porque o estudo da literatura produzida na Amrica Latina

    garantiria uma viso mais ampla para o futuro pesquisador/professor acerca da

    multiplicidade latino-americana, da multiplicidade de fontes a disposio, e dos

    modos de se observar essa multiplicidade e de trabalhar com elas.

    Acreditamos, e vemos os resultados cotidianamente, que a Arte e a Literatura possibilitam uma abertura de perspectiva, uma viso de mundo mais cosmopolita para esses futuros professores de Histria. Ou seja, uma viso mais humanista (SILVA, 2006, p. 8).

    Em segundo lugar, porque, a seu ver, despertaria no investigador/docente um

    sentido mais profundo, auto-reflexivo, do prprio ofcio de historiar.

    Acreditando que toda interpretao um exerccio, e que a boa compreenso das fontes histricas depende de sua boa interpretao a partir do conhecimento do contexto histrico das mesmas, entendemos que a Literatura quando trabalhada em conjuno com a pesquisa histrica pode assumir a funo

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    pragmtica de exerccio interpretativo. (...) Os debates que entrelaam Literatura, Histria, assim, discutindo enredo e narrativa, tambm so um exerccio de teorizao sobre a Histria (SILVA,

    2006, p. 9).

    por isso que se considera interessante uma disciplina, focada na Amrica

    Latina, seja desenvolvida conforme proposto no quadro sintico includo ao final

    deste captulo. L o leitor verificar na ementa e objetivos gerais a inteno de no

    apenas somar informaes e dados sobre o passado dos pases latino-americanos,

    mas a anlise das verses sobre esse passado, e a compreenso de que toda

    investigao a respeito nada mais que a composio de uma nova verso.

    O estudo da histria da Amrica Latina deve corresponder, portanto, no

    somente a uma opo de recorte, mas de reflexo. O professor/pesquisador de

    Histria dedicado s latino-americanidades deve ser um professor/pesquisador

    atento a questes como: identidade, autenticidade, imposio cultural/ imperialismo,

    disputas de poderes simblicos. E, nesse