TECNOCIÊNCIA E AS ANOTAÇÕES SOBRE: “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO.
-
Upload
tiago-aguiar -
Category
Education
-
view
2.495 -
download
68
description
Transcript of TECNOCIÊNCIA E AS ANOTAÇÕES SOBRE: “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO.
1
TECNOCIÊNCIA E AS ANOTAÇÕES SOBRE: “O CONCEITO DE TECNOLOGIA”
DE ÁLVARO VIEIRA PINTO.
GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR
ANALISTA DE TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA SECRETARIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA - PE
RECIFE, JUNHO DE 2013
Imagens fractais. Fonte Google
2
Neste ensaio o Autor GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR produz
suas REFLEXÕES sobre TECNOCIÊNCIA e suas ANOTAÇÕES sobre a
obra de ÁLVARO VIEIRA PINTO intitulada “O CONCEITO DE
TECNOLOGIA” publicada no Rio de Janeiro pela Editora Contraponto, em
2005, em dois volumes com 1.328 p.
“A tecnologia de qualquer tipo, constitui uma propriedade inerente à ação
humana sobre o mundo e exprime por essência a qualidade do homem, o
único ser vivo em todo o processo biológico, que se apodera
subjetivamente das conexões lógicas existentes entre os corpos e os fatos
da realidade e as transfere, por invenção e construção para outros corpos,
as máquinas. Graças a elas, altera a natureza, com uma capacidade de
ação imensamente superior à que caberia aos seus instrumentos inatos, os
membros de que é dotado. Pela faculdade tecnopoética, identificada à
invenção da máquina, o homem se afirma como ser pensante, não em
caráter abstrato, mas porque pensa segundo as leis da realidade.
Superpõe-se definitivamente aos animais brutos, incapazes de tornarem
sua a racionalidade a que obedecem”.
Álvaro Vieira Pinto
3
DEDICATÓRIAS
Este trabalho é dedicado à memória de:
Abreu e Lima, Visionário Pernambucano, Revolucionário Brasileiro e Herói Nacional da
Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia;
Pedro Pomar, Herói do povo brasileiro;
Álvaro Vieira Pinto, Filósofo e Cientista do Povo Brasileiro;
Don Helder Câmara, Arcebispo Brasileiro (Olinda e Recife);
Francisco Cândido Xavier, Renomado Espírita Brasileiro;
Darcy Ribeiro, Antropólogo e Cientista do Povo Brasileiro;
Paulo Freire, Pedagogo, Professor e Educador do povo Brasileiro;
Gregório Bezerra, Revolucionário e Comunista Brasileiro;
Osvaldo Orlando da Costa, Guerrilheiro Brasileiro;
Margarida Maria Alves, Agricultora Revolucionária Brasileira;
Francisco Julião, Líder Camponês e Político Brasileiro;
Francisco (Chico) Mendes, Extrativista e Ambientalista Brasileiro;
Caio Prado Júnior, Historiador e Ativista Marxista Brasileiro;
Celso Furtado, Economista e Historiador Brasileiro;
Leôncio Basbaun, Ativista Político, Historiador e Intelectual Brasileiro;
Florestan Fernandes, Sociólogo, Político e Marxista Brasileiro;
Josué de Castro, Humanista Internacional, Geografo e Cientista Brasileiro;
Milton Santos, Geógrafo e Cientista Social Brasileiro;
Miguel Arraes, Político Brasileiro e Governador de Pernambuco;
Todos eles, exemplos de vida e de amor ao Povo Brasileiro que, independentemente,
de suas formas de lutas e ações, foram os PROFETAS DO POVO BRASILEIRO.
Entre os vivos, dedico o trabalho aos meus filhos: Eugênio, Milena, Tiago e Lucas, à
minha esposa Mauriceia Marta Wanderley de Aguiar aos meus netos Thaís, Andrei e Ian Victor
ao meu Genro Fabrício Azevedo e aos colegas Vantuil Barroso Filho, George Emílio, Luís Perira
da S8ilva e ao mestre argentino Manuel Figueroa. Dedico-o, também, a todos aqueles e aquelas
que, no seu dia-a-dia, buscam construir um BRASIL GRANDE COM INCLUSÃO SOCIAL. Ao
Presidente LULA, na certeza de a esperança vencer o medo e de ele conformar uma ÉPOCA
HISTÓRICA NACIONAL mais significativa que as marcadas pelos eminentes e saudosos
presidentes: GETÚLIO VARGAS e JUSCELINO KUBITSCHEK
4
SUMÁRIO
DEDICATÓRIAS .........................................................................................................................3
APRESENTAÇÃO........................................................................................................................5
I. REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA.........................................................................................7
II. SINOPSES DAS REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA...............................................................14
III. AS ANOTAÇÕES DO LIVRO “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO
.................................................................................................................................................................322
PARTE I - ANÁLISES DE ALGUMAS NOÇÕES FUNDAMENTAIS ..................................................35
Capítulo I. EM FACE DA “ERA TECNOLOGIA”.............................................................................366
Capítulo II. O HOMEM E A MÁQUINA.......................................................................................399
Capítulo III. A TÉCNICA...............................................................................................................45
Capítulo IV. A TECNOLOGIA......................................................................................................55
PARTE II - O CONCEITRO DE RAZÃO TÉCNICA ........................................................................... 65
Capítulo V - AS ANTECIPAÇÕES DA “RAZÃO TÉCNICA”..............................................................70
Capitulo VI. O CONCEITO DE “TECNO-ESTRUTURA”..................................................................77
Capítulo VII. DESENVOLVIMENTO E CATEGORIAS DA RAZÃO TÉCNICA.....................................82
PARTE III - QUESTÕES DA TECNOLOGIA ATUAL .........................................................................90
CAPÍTULO VIII. TEMAS PROPOSTOS PELA CIBERNÉTICA ............................................................. 91
CAPÍTULO IX. NATUREZA E TIPOS DOS SISTEMAS CIBERNÉTICOS ............................... ...........99
CAPÍTULO X. PROBLEMAS GERAIS DA INFORMAÇÃO ............................................................... 106
CAPÍTULO XI. LÓGICA E INFORMAÇÃO ..................................................................................... 117
CAPÍTULO XII. O CARÁTER SOCIAL DA CIBERNÉTICA ................................................................ 123
CAPÍTULO XIII . O PROCESSO HISTÓRICO E O CARÁTER DA INTELIGÊNCIA ........................... 127
CAPÍTULO XIV. A CIBERNÉTICA E O DESTINO DO HOMEM ....................................................... 135
PARTE IV – TECNOLOGIA E PROBLEMAS DA EXISTÊNCIA ......................................................... 140
CAPÍTULO XV. AS PERSPECTIVAS DA TECNOLOGIA .................................................................. 141
CAPÍTULO XVI. TECNOLOGIA, ESCATOLOGIA E CLASSES SOCIAIS...... ....................................... 147
IV. CONCLUSÕES DO AUTOR ....................................................................................................151
O AUTOR ..................................................................................................................................176
NOTA 1: ..................................................................................................................................... 177
NOTA 2: ..................................................................................................................................... 178
5
APRESENTAÇÃO
O presente ensaio tem o propósito de trazer ao público em geral e, em particular aos
alunos e aos colegas do Autor o breve entendimento que tem sobre tecnociência, e, ainda, do
pensamento filosófico do Professor Àlvaro Vieira Pinto sobre “O Conceito de Tecnologia”.
O Autor presta serviços à Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco – SECTEC
que tem como vinculadas as seguintes organizações: ITEP, UPE, PORTO DIGITAL, PARQTEL,
FACEPE, Espaço Ciência e o Território Estadual de Fernando de Noranha. É, também, professor
das faculdades: Boa Viagem e São Miguel.
Em nenhum momento o Autor das Reflexões sobre Tecnociência e das Anotações do
livro “O Conceito de Tecnologia” teve a pretenção de seguir ou cumprir, na produção deste
ensaio, as normas da ABNT e muito menos submetê-lo a uma revisão gramatical e ortográfica
da língua portuguesa. Também, não procedeu qualquer revisão do conteúdo. Manteve seus
textos escritos de forma espontânea e coloquial (como se tivesse fazendo uma palestra ou
dando uma aula) na esperança de ser melhor inteligível ao leitor comum. Este trabalho será
disponibilizado no site www.geraldoaguiar.com.br para compartilhamento com aqueles
que se dignarem em apreciá-lo no todo ou em partes e, também, proceder suas críticas e
sugestões.
Vale informar que as presentes Reflexões sobre Tecnociência, e as Anotações, agora
apresentadas, são, ainda, uma continuação do trabalho intitulado “Apontamentos sobre
Consciência e Realidade Nacional de Ávaro Vieira Pinto”. O livro em dois volumes de
“Consciência e Realidade Nacional” sobre o qual se processou os Apontamentos foi produzido
pelo grande cientista, pensador e professor quando era Diretor do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros – ISEB do Ministério da Educação e Cultura extinto pelos militares em abril de 1964.
Os Apontamentos da obra do filosofo Alvaro Vieira Pinto já se encontram disponíveis para o
público da INTERNET no site www.geraldoaguir.com.br
Tanto as Reflexões quanto as Anotações são fiéis ao propósito do livro “O Conceito de
Tecnologia” e, tem a pretenção de ser uma sintese da dita obra de forma a contribuir ao
conhecimento que se tem sobre o assunto. As Reflexões refletem o texto que o Autor produziu
para a SECTEC sobre “Tecnociência, Sociedade e Meio Ambiente” e as Anotações foram
elaboradas seguindo fielmente as: partes, capítulos e tópicos correspondentes a obra de Álvaro
Vieira Pinto “O Conceito de Tecnologia”.
6
A linguagem utilizada pelo Autor é simples e direta, porque é do cotidiano daqueles
envolvidos com estudos e pesquisa cientifica, mas também, porque expressa a singeleza de
simples Reflexões, Anotações e Apontamentos e não a de um livro texto acadêmico clássico. Já as
transcrições do livro de Álvaro Vieira Pinto estão apresentadas entre as aspas que se encontram
nos períodos dos textos.
Com esse mínimo de informação espera-se estimular o público alvo às leituras mais
profundas, e quem sabe, colaborar para a ampliação do debate e da consciência crítica sobre
esses importantes assuntos entre aqueles que produzem, ensinam, divulgam e utiliza o
conhecimento científico e tecnológico inclusive o público leigo em geral.
A clientela alvo é como já se disse a de estudantes e profissionais que lidam com
tecnologia. Com um pouco de boa vontade, se incluí aqueles estudantes e profissionais das áreas
de: Ciências Humanas, Ciências Biológicas e Ciências Exatas na medida em que a abordagem é
transdisciplinar.
Em verdade, uns números cada vez maiores, de estudantes e profissionais de diferentes
áreas, percebem que, sem um conhecimento básico na temática da tecnociência, além de não
terem oportunidade de contribuir para o desenvolvimento dos conhecimentos: científico e
tecnológico sentem-se prejudicados na qualidade de sua labuta diária. Além disso, adquirem a
consciência de que é uma condição sine qua non, para tornar-se um bom profissional, conhecer a
linguagem técnica e científica seus métodos e, principalmente, entendê-la e criticá-la.
Claro está que aqueles leitores que tiverem acesso e procederem à leitura ou o estudo de
“O Conceito de Tecnologia” certamente, ao condicionarem seu ponto de vista, descobrirão textos
que necessariamente deveriam ser anotados e farão interpretações mais ricas e profícuas que as
apresentadas aqui pelo Autor das Anotações que limitou e condicionou seu ponto de vista às suas
atividades profissionais na SECTEC e aulas nas faculdades (FBV e São Miguel) e fica na esperança
de receber críticas e sugestões dos leitores no e-mail [email protected]
7
I. REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA
É sabido que em ciência, tecnologia, inovação, planejamento, coordenação, supervisão
e administração de atividades nas sociedades causam dissonâncias, transtornos e desconfortos
em níveis dos setores: público e privado, governos e de classes sociais em permanentes lutas de
interesses desde sua formação até os dias de hoje no modo de produção capitalista. Haja vista
o uso de epítetos ideológicos como são exemplos a chamada “era tecnológica”, aplicada à
sociedade contemporânea como se fosse à única fase revolucionária da tecnociência e “tecno-
estrutura” às corporações. A candura de tais conceitos é uma negação da história da
humanização do animal Homo sapiens sapiens em toda seu processo de hominização e
evolução até aos dias atuais.
Esses epítetos “era tecnológica” e “tecno-estrutura” passam a ter características
dominantes e ideológicas após a REVOLUÇÃO MUNDIAL DE 1968-1970 quando emerge o
processo de globalização do capital, simultaneamente, com a virada cibernética (ciberespaço),
a biotecnologia, a robótica e a nanotecnologia, agora, amparadas pela física quântica e seus
novos paradigmas.
Como apêndice do processo da Revolução Mundial de 1968-1970 aconteceu, também,
a mudança radical do código do modo de produção capitalista que na sociedade industrial era
de: concentração, centralização, padronização, sincronização e maximização e passou a ser
com a chamada “virada cibernética”, na sociedade em rede, a seguinte:
� Interatividade constituída de vasta rede de aparelhos eletrônicos interativos
onde é deslocado o poder das redes de televisão para os usuários na medida
em que estes podem modificar as imagens com total liberdade e, portanto,
atenuar ou erradicar a passividade do telespectador. Está imbricada ao
desenvolvimento da telemática e informática, principalmente via telefones
celulares
� Mobilidade característica da comunicação em linha imediata de qualquer lugar
para qualquer parte do planeta ou situação de trânsito ou lugar fixo. O
imediatismo da comunicação móvel ou fixa, inserta nesta categoria, permite a
efetividade da conversão ou transferência de informação de um meio para
outro instantaneamente
8
� Conversibilidade ou conectividade é a capacidade de transformar a
mobilidade de um sistema de aparelho para outro independentemente de uma
marca ou país de origem. A conversibilidade é, também, um elo fundamental
da rede interativa e de sua mobilidade
� Ubiqüidade consiste na sistemática disseminação dos sistemas de
comunicação em rede pelo mundo e por todas as classes e estratos sociais dos
países hegemônicos e periféricos. Esta categoria é responsável, hoje, pela
divisão da população mundial em "inforrica e infopobre”, ou seja, de
inclusão/exclusão digital
� Globalidade/mundialidade aponta para as ilações de troca onde se explicitam
os fenômenos políticos de mundialização versus fragmentação. Também, dá-se
o processo sócio-econômico de exclusão versus inclusão, ou a criação de um
sistema mundo onde, ainda, não se visualiza o novo rumo do existente modo
de produção capitalista ou de sua possível superação ou negação histórica, por
outro modo de produção que não se sabe qual é.
Nesse processo revolucionário os atores principais da sociedade deixam de serem os
estados nacionais que passam a se submeter ao poder e controle das grandes corporações
transnacionais que os capturam e induzem tal ideologia no sistema mundo do capitalismo.
Dentro dessa perspectiva fluem, também, os conflitos entre os estados ricos contra os estados
pobres sob a hegemonia, manipulação e controle das ditas corporações. Claro que, o processo,
gera o conflito Norte x Sul explícito, nos fóruns: Econômico Mundial (Davos) versus Social
Mundial (Porto Alegre que se reúna cada ano em um continente diferente) na mesma data em
que se realiza o de Davos.
É notório, também, que o modo de produção capitalista globalizado passa, hoje, por
uma crise sistêmica que pode levá-lo ao desespero apocalíptico ou abortar a perversidade de
seu metabolismo hedonístico de lucro e poder submetendo o poder das corporações aos
estados globalizados em blocos de integração recuperando ou criando uma nova forma de
convivência social que passa longe da destruição da natureza humana na sociedade
conformando novos avanços da tecnociência e da cibernética (agora induzida pelo sistema
nervoso central dos humanos e não mais como prolongamento de seu corpo) e que se discute
nesse ensaio.
9
O Ministério da Ciência e Tecnologia e as secretarias de ciência, tecnologia e inovação
dos estados brasileiros, têm na sua concepção (por indução do Governo Federal) a missão de
articular e apoiar o sistema de CT&I, para o desenvolvimento tecnológico, econômico, social e
ambiental visando promover a igualdade de oportunidades para todos a partir de um
pensamento muita das vezes ingênuo (oriundo do neocolonialismo) e, também, de uma
postura linear que acreditam ser crítica.
Sua visão está acoplada ao sistema nacional e estadual de CT&I e integrada às
corporações transnacionais e empresas inovadoras e competitivas distribuídas no território
nacional e demandantes de mão de obra local qualificada, com melhor padrão de vida para a
população.
A preocupação máxima neste ensaio é o propósito de inserir em um debate lógico,
sistêmico e holístico aquilo que foi tratado no trabalho realizado para a SECTEC tratando de:
TECNOCIÊNCIA, SOCIEDADE e MEIO AMBIENTE como reflexo da Revolução Mundial de
1968/1970 (cujo início se deu com os acontecimentos da primeira e segunda guerra mundiais)
e gestada na chamada Guerra Fria. Note-se que aquela Revolução, em muito modificou o
metabolismo do capital frente aos processos de trabalho. Até esse acontecimento todo o
movimento dos proletários ou trabalhadores era dirigido contra o capital e o capitalista, isto é,
“guerra” dos pobres contra os ricos através dos sindicatos e outras organizações e movimentos
reivindicatórios de trabalhadores. Já no período pós-revolucionário 1968-1970 tudo se inverte,
ou seja, a “guerra” passa a ser dos ricos contra os pobres refletindo-se no fato de milhões de
trabalhadores ou proletários implorarem aos capitalistas, estados e ao capital para lhes
explorarem através de um emprego ou ocupação e eles solenemente ignoram ou fazem
ouvidos de surdo-mudo sobre essas reivindicações em completo e perverso hedonismo
econômico-social.
Foram nos anos 68-70, do século passado, que teve início no planeta aquilo que se
convencionou chamar de “virada cibernética” que imprime às forças produtivas, às relações
de produção e à superestrutura noológica do modo de produção capitalista um salto
qualitativo com tendências a negá-lo e apontar sua substituição por um novo modo de
produção que não se sabe se será pior, ou melhor, que o atual. Este novo modo de produção,
ainda, muito nebuloso, focado para além da antroposfera (psicosfera, sócioesfera e noosfera)
leva e traduz a informação conceituada como “a diferença que faz a diferença” (Gregory
Bateson citado por Laymert) é totalmente, voltado para interesses hedonísticos imbricados ao
10
metabolismo do capital. É notório que toda biosfera passa, também, a ser matéria-prima para
atender o metabolismo do capital pelo seu potencial de informações (gene e DNA) para novas
tecnologias.
Hoje, a plutocracia que administra as corporações e se apropriarem dos estados
nacionais sabe que a riqueza maior existente no planeta é o acesso tecnológico e a apropriação
das informações dos genes, RNA e DNA e digital que fazem a grande diferença no sistema
mundo do capitalismo que se encontra momentaneamente em crise sistêmica. A informação e
a comunicação se transformaram em mercadorias e, por isso, são hoje por demais
desperdiçadas e apropriadas. Em contraponto a essa lógica do capital Maria Rita Kehl,
diferentemente de Bateson, pensa que “a informação, no sentido dos bites de informação,
nessa lógica do: 1+1+1+1,... ad infinitum, não produz diferença, mas indiferenciação. Ou seja,
na lógica do acréscimo de informação na cadeia sem que seja reformulá-la toda”. (Revolução
Tecnológica Internet e Socialismo, Câmara Brasileira do Livro, 2003, p. 37)
Essa narrativa leva a se ter necessidade de imbricar as estratégias, políticas e ações a
busca de informação, da criação e do desenvolvimento de banco de dados genéticos da flora e
da fauna dos biomas existentes nos estados brasileiros através de universidades públicas e
privadas e outras instituições científicas. Nos bancos genéticos de dados cabem, também,
peixes, moluscos, crustáceos, algas, insetos, fungos, liquens e outros seres vivos.
Em outras palavras “a virada cibernética”, quando associa o capital à informação e ao
conhecimento, adiciona às forças motrizes do capital (lucro e poder) uma nova qualidade a sua
fonte de informação e poder que é o genoma e o DNA de tudo que é vivo (através da biologia
molecular e da biotecnologia) para o processo de incessante acumulação de capital. Isso se dá
nos sistemas produtivos e de circulação de mercadorias e uso dos novos materiais, oriundos
daquilo que existe na natureza bruta, agora, transformados em mercadorias via inovação
tecnológica química, física, nanotecnologia, ciberespacial e outras técnicas doando ao recurso
natural absoluta infinitude contrariando o pensar ingênuo daqueles que apregoam que a
natureza do planeta está sobre utilizada pelos humanos.
Acelera-se, o fetiche dos recursos naturais como mercadoria a partir dos valores: de
uso, de troca e de desenvolvimento do processo de trabalho no desenvolvimento das forças
produtivas, suas correspondentes relações de produção e sua superestrutura noosférica ou
noológica.
11
A tecnociência como segmento da revolução do saber na sociedade da informação e
do conhecimento (conforme se mostra no ensaio supra dito) deve, provavelmente, adotar em
muitos casos, o conceito de Gregory Bateson sobre informação, ou seja: “a diferença que faz a
diferença” para cumprir sua missão dialética, didática e coordenadora das Políticas de Ciência,
Tecnologia e Inovação.
A essência da técnica em tal processo (no dizer de Álvaro Vieira Pinto) lhe são
conferidas pela acumulação qualitativa do trabalho humano em termos de resolver suas
contradições com a natureza e o cosmo que, como sabemos não é dotada da capacidade de
doar sentido salvo pela hominização do animal Homo sapiens sapiens, por ela criado, em seu
processo de evolução na biosfera. É o fazer bem e o fazer novo no propósito de se produzir,
manejar, e se criar alguma coisa que dá conteúdo a técnica. Já a ciência pode ser entendida no
seu sentido mais amplo, ou seja, referência a qualquer conhecimento ou prática sistemática
dos humanos. Etimologicamente, o seu conceito vem do latim scientia cujo significado é
conhecimento. Aqui se tratam das conveniências de se debater em conjunto ciência e
tecnologia.
A tecnociência quando associada ou aliada ao capital global através da informática de
dominação ou da informática da libertação gera infinitos processos de: combinação,
recombinação, regerenciação e reconfiguração de todas as matérias: viva e bruta existentes no
planeta.
Para estas Reflexões e Anotações se reproduz, em parte, aquele ensaio, com vistas ao
debate sobre Tecnociência pretendido no documento supra citado produzido para a SECTEC
(Secretaria de Ciência e Tecnologia), onde se recorreu a três importantes metodos científicos
de análises:
� Cartesiano de Francis Bacon, Descartes, Adam Smith, Hume, Darwin,
Newton, Liebnitz e outros cujos paradigmas estão sendo revisitados e revistos
a partir da teoria da física quântica e das teorias da complexidade e do caos
� Materialista dialético de Karl Marx, Engels, Kautsky, Plekanov, Rosa
Luxemburgo, Lukács, Meszáros, Álvaro Vieira Pinto e outros que dão
cientificidade à lógica e ao método dialético
� Complexidade ou dialético-sistémico-holístico de Edgar Morin, Fritjof Capra,
Michel Seres, Pedro Demo, Álvaro Vieira Pinto e outros.
12
Também, se buscou, em parte, às idéias de Jean Baudrillard, Laymert Garcia dos
Santos que, mesmo sendo laicas e lógicas, tendem a uma visão fatalista, apocalítica e
catastrófica da sociedade futura.
No ensaio supramencionado sobre “Tecnociência, Sociedade e Meio Ambiente” o
debate proposto continua vivo no presente trabalho. Para este propósito e informação ao leitor
aquele ensaio foi dividido em oito capítulos sendo o primeiro uma Introdução semelhante a
deste ítem.
O segundo capítulo, daquele ensaio produzido para a SECTEC, tratou de colocar o
leitor em contato com um conjunto de conceitos e reflexões que servem para um melhor
entendimento da proposição do Autor e que, por isso, estão aqui incorporados.
O capítulo terceiro estáva voltado para as forças produtivas, relações de produção e
superestrutura noológica da tecnociência na sociedade. Procurava-se nele tratar da gênese
das: tecnologias, ciências e sociedades. A aceleração total e a “virada cibernética” deram
origens aos comentário sobre os relatórios: Nora-Minc, Lugano e à Declaração do Milênio
elaborada pela ONU e nele comentadas. Também, aqui se reproduzem aquelas reflexôes.
O quarto capitulo tratou dos enfoques e análises da tecnociência na sociedade
contemporânea naquilo que diz respeito a:
� Processo de reconfiguração do trabalho na sociedade contemporânea
� Lógica neomalthussiana de extermínio dos pobres do mundo com ações
militares da OTAN, Estados Unidos, Inglaterra, França e Canadá com o
beneplácito da ONU e, também, do uso da biotecnologia com recombinações
de germes, doenças e pragas para flagelar os pobres do mundo islâmico da
Ásia e os negros da Africa
� Aliança do capital global com a tecnociência (“virada cibernética”) com vistas a
dotar as coorporações capitalistas transnacionais de super poderes e
exponenciação de seus lucros e suas externalizações ambientais a partir da
grande produção de lixo (por elas apelidados nos estados nacionais de
resíduos sólidos) e da poluição genética e sibernética que podem proporcionar
ao meio ambiente
� A tecnização da vida, a vida artificial - Cyborgs e robôs “que já pensam” que
tendem, aparentemente e ingenualmente, cada vez mais, a promover o
13
temido e falso “obsoletismo dos seres humanos” trabalhadores na sociedade,
assim como, os processos de trabalho com o seu sucateamento.
O capítulo quinto procurou trazer ao debate proposto a revolução cibernética-
informacional-biológica-molecular-digital e seus efeitos na sociedade contemporânea. O
próprio título do capítulo é um desafio no tocante a tecnociência e as ingenuidades explícitas
pelo mundo hegemônico e de dominação.
O capítulo sexto tratou da desconstrução da: ideologia do desenvolimento-
subdesenvolvimento, envolvendo: a natureza humana, a humanidade natural, a “obsolescência
do humano”, a população de não-pessoas sociais segundo o pensar cândido, o reconhecimento
e mudanças na antroposfera e de suas componentes: psicoesfera, socioesfera e noosfera.
O sétimo capítulo fez referências a apropriação do futuro através dos sete fios de
análises elaborados por Jeremy Rifkyn em seu livro “O Século da Biotecnológia” (São Paulo,
Makron Books, 1999).
O capitulo oitavo, remeteu o leitor a debater a doutrina/ideologica do ambientalismo
(A questão ambiental vista pelo Prof. Vantuil Barroso) via tecnociência com base na falsa e
ilusória destruição antropocêntrica do ambiente ou da natureza a partir do chamado efeito
estufa, buraco de ozônio e outras fraudes sob o beneplácito e propaganda do IPCC da ONU.
Coloca-se, hoje, essas fraudes ou doutrina/ideológica como tábula rasa da salvação terrestre
com alianças e subsídios das religiões abraâmicas monoteistas (judaismo, cristianismo e
islamismo) que propulgam a salvação celeste.
Essa doutrina/ideologica do ambientalismo macula a antroposfera e todos seus
componentes dialéticos (psicosfera, socioesfera e noosfera). O grande poder dessa nova
doutrina/ideologia está nos financiamentos, dos seus propósitos, por parte do Clube de Roma,
Clube de Paris e do CFR (Council on Foreig Relations) através de ONG e grandes corporações
transnacionais podendo levar, no campo noológico da humanidade, a horrores piores, dos já
vistos no nazismo e no estalinismo. Tudo isso, hoje, a partir da vulgarizada “virada cibernética”
naquilo que se volta e se imbrica a “lógica de extermínio” dos pobres implícita e explícita no
Relatório Lugano.
14
II. SINOPSES DAS REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA
A luz do tema proposto, neste e naquele ensaio, se desenvolve e se conecta, entre si,
os conceitos e as reflexões dos seguintes tópicos ou epítetos imbricados a tecnociência:
1. Conhecimentos: reflexivos e prospectivos. São atributos únicos dos humanos, são
os pontos ou referências que diferenciam o ser humano da sua natureza animal na qual está
inserto. É a razão e a essência do conhecimento humano reflexivo/prospectivo e noológicos,
que só o gênero Homo possui, na medida em que é o único ser vivo que projeta sua ação com
vistas à resolução de suas contradições com a natureza e entre si na sociedade. Sua essência no
processo de humanização está nas seguintes virtualidades ou virtualizações imbricadas à
cultura:
� Linguagem
� Técnica
� Sociedade (violência, contrato social)
� Arte.
Estas virtualizações são os elementos essenciais que conformaram e, ainda,
conformam os processos de evolução e hominização do gênero animal Homo sapiens sapiens
desde sua gênese evolutiva dos Australopitecos até aos nossos dias.
2. Conexões dialéticas e sistêmicas na antroposfera (psicosfera, sócioesfera e
noosfera). São essas categorias da antroposfera que dotam os humanos de consciência crítica e
raciocínio complexo do conhecimento do real e do virtual. Entende-se que o virtual tem como
negação dialética o atual. É a atualização que se opõe ou se torna o antônimo da virtualização
no real/realidade. Segundo Engels a dialética é a "grande idéia fundamental segundo a qual o
mundo não deve ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas como um
complexo de processos em que as coisas, na aparência estavam, do mesmo modo que os seus
reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias, passam por uma mudança ininterrupta de devir
e decadência, em que finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos
momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje". Para a dialética, as
coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa
está "acabada", encontrando-se sempre em vias de se transformar, desenvolver, emergir e
evoluir. Segundo ela, o fim de um processo é sempre o começo de outro. São quatro as leis da
dialética:
15
� Ação recíproca, unidade polar ou "tudo se relaciona"
� Mudança dialética, negação, negação da negação ou "tudo se transforma"
� Passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa
� Interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários
� Ordem, desordem e organização simultâneas e recíprocas.
Por suas leis a dialética afirmam que as coisas não existem isoladas, destacadas uma
das outras e independentes, mas como um todo unido, coerente e em conexões recíprocas.
3. Sociedade (forças produtivas, relações de produção e superestrutura noológica). A
sociedade é o ponto de partida para apreensão da tecnociência e da vida social humana em
toda sua complexidade. A tecnociência é parte da superestrutura da sociedade, portanto, pode
ser vista, ainda, como ideologia e está inserida na noologia. No dizer de Álvaro Vieira Pinto em
sua obra “O Conceito de Tecnologia” (Rio de Janeiro, Contraponto, 2005, 2 volumes, 1.328 p.)
“a técnica, de qualquer tipo, constitui uma propriedade inerente à ação humana sobre o mundo
e exprime por essência a qualidade do homem, o único ser vivo, em todo o processo biológico,
que se apodera subjetivamente das conexões lógicas existentes entre os corpos e os fatos da
realidade e as transfere, por invenção e construção para outros corpos, as máquinas. Graças a
elas altera a natureza, com uma espacialidade de ação imediatamente superior à que caberia
aos seus instrumentos inatos, os membros de que é dotado. Pela faculdade tecnicopoética,
identificada à invenção da máquina, o homem se afirma como ser pensante não em caráter
abstrato, mas porque pensa segundo as leis da realidade. Superpõe-se definitivamente aos
animais brutos, incapazes de tornarem sua a racionalidade a que obedecem”.
4. Informação. Segundo o pensar de Gregory Bateson, a informação é, “a diferença
que faz a diferença”, portanto, pode levar a total mudança no metabolismo da vida e do
capital, naquilo que toca as suas forças motrizes, lucro e poder. Também, da compreensão da
sociedade contemporânea a partir da “virada cibernética” entendida esta não como parte da
ideologia que prega a chamada “era tecnológica” como apologia do sistema mundo capitalista
e sua rapacidade através das corporações, via tecnociência sobre os povos do planeta
desapropriados dos fabulosos engenhos cibernéticos e robóticos atuais. Outrossim, de um
modo geral, segundo reza a Wikipédia, “Informação é o resultado do processamento,
manipulação e organização de dados, de tal forma que represente uma modificação
(quantitativa ou qualitativa) no conhecimento do sistema (pessoa, animal ou máquina) que a
16
recebe. Informação enquanto conceito carrega uma diversidade de significados, do uso
quotidiano ao técnico. Genericamente, o conceito de informação está intimamente ligado às
noções de restrição, comunicação, controle, dados, forma, instrução, conhecimento,
significado, estímulo, padrão, percepção e representação de conhecimento”. No que se
refere à comunicação humana a Wikipédia conceitua a como um processo que envolve a troca
de informações, e utiliza os sistemas simbólicos como suporte para este fim. Está envolvida
neste processo uma infinidade de maneiras de se comunicar: duas pessoas tendo uma conversa
face-a-face, ou através de gestos com as mãos, mensagens enviadas utilizando a rede global de
telecomunicações, a fala, a escrita que permitem interagir com as outras pessoas e efetuar
algum tipo de troca informacional. No processo de comunicação em que está envolvido algum
tipo de aparato técnico que intermédia os locutores, diz-se que há uma comunicação
mediada. O estudo da Comunicação é amplo e sua aplicação é ainda maior. Para a Semiótica,
o ato de comunicar é a materialização do pensamento/sentimento em signos conhecidos pelas
partes envolvidas. Estes símbolos são então transmitidos e reinterpretados pelo receptor. Hoje,
é interessante pensar também em novos processos de comunicação, que englobam as redes
colaborativas e os sistemas híbridos, que combinam comunicação de massa, comunicação
pessoal e comunicação horizontal. O termo comunicação também é usado no sentido de
transportes (por exemplo, a comunicação entre duas cidades através de trens). Comunicação
via mídias (falada, escrita, televisiva e INTERNET), e ciberespaço são as forças motrizes da
“virada cibernética” para o processo de acumulação incessante do capital e manipular a
sociedade não somente pela formação de opinião, mas, principalmente, pelo entretenimento e
propagandas subliminares, largamente usadas pelas corporações transnacionais.
5. Fetichismos dos recursos naturais. A partir de novos materiais, que os tornam
infinitos como são as necessidades humanas. Esse fetichismo leva as pessoas não somente a
ilusões e delírios à noosfera, mas também, às chantagens e fraudes ideológicas
(neomalthussianas via neoliberalismo) que primam em dizer que o planeta está sobre utilizado
e que não há lugar para os pobres que devem ser evitados (em sua gestação) ou exterminados
quando a ela sobrevivem. Haja vista o ressurgimento e adoção pelos estados nacionais de
doutrinas ultra-reacionárias que pregam radical controle de natalidades (cognominada por
Álvaro Vieira Pinto como complexo de Herodes) e o extermínio dos pobres como está explícito
na estratégia do Relatório Lugano. O controle da natureza pelos entes humanos envolve as
relações entre cultura e materialidade pelo processo de trabalho social que é histórico e,
17
portanto, dotado de sentido. O ser humano é a origem de finalidades na ação transformadora
no planeta, isto é, da conversão do desconhecido em conhecido. A própria consciência
humana é sabedora de que só da natureza pode emanar e advir os bens que lhe oferecerão a
infinitude dos recursos naturais para uma vida humanizada feliz quando, ainda, se envolve em
uma visão antro política no dizer de Morin. Esta é mediada pela sociedade a que os humanos
pertencem. Isto os obriga a se envolverem na trama das contradições dialéticas de ordem intra
e inter-humanas nos diferentes conflitos sejam eles: culturais, de classes sociais, religiosos,
raciais, étnicos, tribos, nações, etc. por um objetivo mediato a transformação da sociedade e a
humanização da existência que acontece pelo seu papel político. A antro política (Morin) ou
possibilidades de ações criativas representa o discurso de articulação e de inclusão da inclusão
social usando-se a tecnociência contemporânea ou os saberes: científicos, tecnológicos,
políticos e sociais configurados na não classe no dizer de André Gorz em “Adeus ao
Proletariado para além do Socialismo” (Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1987)
6. A Natureza humana. Esta se fundamenta na existência dos humanos na biosfera
com seus respectivos prolongamentos no reino da antroposfera, (Morin) ou ainda, como
“conjunto de características descritas pela filosofia, incluindo formas de agir e pensar, que todos
os seres humanos têm em comum” (Wikipédia). A esse respeito comenta Alvaro Vieira Pinto
“os animais inferiores não produzem. A natureza produz para eles tudo quanto necessitam. (...)
No homem, cessou o patrocínio direto da natureza. O animal humano foi dotado do recurso de
que necessita para resolver por si as suas contradições com o meio. Tal recurso foi a posse de
um sistema nervoso suficientemente desenvolvido para elaborar na forma de idéias abstratas e
universais, o reflexo da realidade, tornando-se capaz de comandar a produção dos meios de
vencer as dificuldades. (...) A fórmula que a natureza encontrou para realizar o tipo
qualitativamente superior de animal, que é o homem, foi investí-lo da função de produtor.(...)
Somente o homem é um animal que produz. Neste atributo encerra-se a essência de sua
realidade” (Contra-capa do livro “O Conceito de Tecnologia”. V. I, Rio de Janeiro, Contraponto,
2005).
7. Humanidade natural. Explicita-se como atributo da evolução do gênero animal
Homo sapiens sapiens na terra e que se diferencia de entes humanos já extintos e dos (futuros)
geneticamente modificados ou recombinados pela biotecnologia e pela robótica que venham a
existir como evolução natural da técnica. Vale se refletir sobre o paradoxo existente na cultura
dos indígenas da América Latina e, especialmente do Brasil, quando na sua cultura afirmam
18
existir: uma cultura muitas naturezas em contraponto ao ponto-de-vista ocidental da
existência de uma natureza e muitas culturas. Este paradoxo convida o leitor a um novo
enfoque para análise do processo de ocidentalização do mundo frente à humanidade natural.
Ver a história dos maias, astecas e incas antes da sua destruição ou do seu extermínio pelos
europeus colonizadores (espanhóis e ingleses)
8. Cibernética. Ciência da informação e da computação digital e responsável pela
vulgarmente chamada “virada cibernética” a partir da Revolução Mundial de 1968-1970 que
leva a humanidade à Revolução do Conhecimento e da Informação ou, ainda, à “Revolução
Informacional-Bio-Molecular-Digital” que se encontra em plena infância em seu processo
evolutivo nas sociedades humanas. O nascimento da cibernética como ciência, segundo a
Wikipédia, está, no entanto, associado aos trabalhos de Norbert Wiener juntamente com
outros investigadores (nomeadamente Arturo Rosenblueth professor na Universidade de
Harvard), a quem o governo norte-americano, durante a segunda guerra mundial, incumbiu à
tarefa de estudar a possibilidade de regular automaticamente o tiro da artilharia antiaérea. O
objetivo era elaborar uma máquina capaz de localizar o avião, prever qual o caminho que
seguia, e, por sua vez, prever as reações, simulações e estratégia do piloto. Foi na procura de
uma resolução para o caso, que os investigadores se aperceberam da unidade essencial entre
os problemas relacionados com a comunicação, controlo e mecânica estatística, quer na
máquina quer no ser vivo. Em 1943 é publicado um artigo por Wiener, Rosenblueth e Bigelow
que expõe a nova teoria, mas apenas quatro anos mais tarde a teoria é batizada por Norbert
Wiener com o nome de cibernética. Consagra-se como tecnociência a partir dos anos 1968-
1970. Na tecnociência da cibernética insere-se a Informática da dominação e a informática da
libertação na dualidade do seu uso na INTERNET ou ciberespaço nas sociedades humanas. A
informática é uma das ramificações da ciência cibernética. Esta trata, também, da: automação,
técnica dos computadores, teoria da informação, teoria dos sistemas, teoria matemática dos
jogos, teoria dos algoritmos e da regulação
9. Inteligência artificial. Esta se dá a partir de uma robótica que candidamente se
supõe que já pensa. Tal hipótese leva o pensar ingênua a induzir, cada vez mais, ao propalado
“obsoletismo dos entes humanos” e a modificação de sua natureza na biosfera. Esta avaliação
simplista da antroposfera (esfera da linguagem, tecnosfera, psicosfera, sócioesfera e noosfera)
que são partes da biosfera em toda sua plenitude e que, em nada, nega o processo de sua
evolução, mas pelo contrário, reafirma-o como um dado revolucionário na tecnociência. Já a
19
vida artificial, com vistas à criação ou invenção de Cyborgs, (Cybernetics Organisms) e, quiçá,
de uma vida silícica proveniente da possibilidade de vir haver replicação ou autopoiese
(tecnopoiese) de Nano Robôs quando usados em entes vivos de vida carbônica com replicações
autocriativa em base silícica.
Note-se que a nanotecnologia tem amplo uso na medicina humana e na veterinária.
Realmente tal evento não é uma probabilidade, mas pode vir a ser uma possibilidade cujas
conseqüências não se têm a mínima idéia de sentido para o bem ou para o mal de tal
tecnologia ou mutação. Talvez, caso aconteça, seja útil para a conquista de outros astros
celestes do sistema solar e outros ambientes terrestres inóspitos ou não, ainda, não
conquistados pelos humanos. O próprio grafeno é, hoje, um novo material mais forte e flexível
já demonstrado pela nanotecnologia e que consiste em uma folha de átomos de carbono
densamente compactados em uma grade de duas dimensões com aplicações muito superiores
ao do silício que revolucionou a cibernética. Tudo aponta que o grafeno venha, em muito
substituir o silício nas suas aplicações cibernéticas, robóticas, medicinais e aeroespaciais. O
grafeno valeu dois prêmios Nobel da física em 2010 ao cientista russo Konstanin Novoselov e
ao cientista holandês, nascido na Rússia, Andre Geim
10. Obsolescência do humano. Esta falácia que se projeta pela velocidade das
informações que tornam os seres humanos cada vez mais dependentes e “simbióticos” com as
máquinas insertas na estratégia de aceleração total que teve início no nazismo e no estalinismo
nos anos 30 e 50 do século XX. Esse conceito é de uma ingenuidade ímpar na medida em que é
sabido que o sistema nervoso central dos humanos projeta a técnica como parte da essência da
sua natureza humana que se realiza no processo de trabalho social.
A falsa “simbiose entre ser humana-máquina”, sem a menor dúvida, aparentemente,
em muito, se acelera em termos de mídia com as máquinas cibernéticas e robóticas no devir da
evolução das sociedades humanas sem que, por isso, torne os entes humanos obsoletos em sua
essência e criatividade com vistas as suas contradições com a natureza e seu controle sobre ela.
Logo, não tem procedência científica à probabilidade e a possibilidade do ente humano se
tornar obsoleto nas sociedades humanas. Uma análise heurística relativa à criação da técnica,
da máquina ou ferramenta mais simples até a da técnica da máquina ou ferramenta mais
complicada indica que toda e qualquer máquina/ferramenta produzida ou construída pelo ser
humano constitui uma mediação entre ele e a natureza com o fim de estabelecer sobre a
relação entre tal extrema outra relação de segundo grau, não percebida por muitos à primeira
20
vista, e, no entanto contendo a essência e a razão de ser da criação das máquinas, a saber, a
ligação pelo vínculo do trabalho, entre um ser humano e os seus semelhantes. Esta é uma das
razões de a cibernética ser sempre a tecnociência criada e aperfeiçoada pelos humanos para
auxiliar, com as máquinas eletro-eletrônico e robôs, na qualidade da produção de artefatos,
instrumentos e meios para solucionar dificuldades e problemas vividos pelos humanos.
Lembre-se que as máquinas, por mais sofisticadas e complicadas que sejam jamais terão
problemas pelo fato de não serem capazes de terem consciência e de doarem sentido. A sua
própria existência constituir solução final de problemas humanos. Foram e serão sempre
objetos do sujeito humano
11. Dimensão virtual da realidade versus dimensão da realidade virtual. A última é a
INTERNET ou ciberespaço. O “software” que faz parte da primeira dimensão participa dos
reinos dos animais, vegetais, seres inanimados e às máquinas. A dimensão da realidade virtual
vê os seres vivos como um “software”, ou como um design no seu plano molecular ou
elementos mínimos de informações genéticas e de DNA. Os Recursos genéticos e DNA como
informação, em banco de dados digitais, na aliança capital global com tecnociência para
maximização de lucro e poder nas grandes corporações transnacionais capitalistas, (hoje,
detentoras dos estados nacionais, insertos ou não, nos megablocos econômicos de integração
ou de livre comércio) são, sem dúvida, contemporaneamente, o capital mais importante.
Mesmo com tal perspectiva e horizonte objetivo é, por demais improváveis que venham a ser
um flagelo da técnica como preconizam os intelectuais e midiáticos detentores da consciência
singela.
Nada justifica que o ente humano venha pela tecnociência abdicar de continuar sua
eterna luta de mitigar e resolver sua contradição fundamental com a natureza e o cosmo. Como
Virtual (fenômeno com potencial ainda não realizado) pode e deve ser estudada a luz da
Semiótica peirceana que se preocupa com os fenômenos do universo. Segundo Pierre Lévy em
“O que é o Virtual?” (São Paulo, Editora 34, 1996) “o virtual não se opõe ao real, mas sim ao
atual. Contrariamente ao possível, estático e já construído, o virtual é como o complexo
problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanham uma situação, um
acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a
atualização”. Note-se que é muito comum se ler ou ouvir afirmações do tipo apropriação do
futuro e dimensão virtual da realidade com a tecnização da vida pela tecnociência e sua
correspondente apropriação pelas corporações capitalistas que tomaram e controlam os
21
estados nacionais e o desenvolvimento técnico e científico no planeta. É comprovado que no
processo de hominização do animal Homo sapiens o desenvolvimento da técnica sempre criou
essa apropriação de futuro a partir da virtualização da realidade mesmo sem se ter consciência
de sua atualização.
12. Mudanças climáticas. Este fenômeno é divulgado a partir da fraude do efeito
estufa e da equivocada eliminação do gás da vida vegetal CO² (dióxido de carbono) que é o
responsável através da fotossíntese pela produção de oxigênio que é o gás necessário a vida
animal no planeta. Essa fraude visa esconder efeitos muito mais deletérios da questão climática
que são as ondas eletromagnéticas Shumann desenvolvidas pelo Projeto Norte Americano
HAARD, abreviação de “Hight Frequency Active Auroral Reseaarch Programm” (Programa Ativo
de Alta Freqüência para a Pesquisa da Aurora Boreal), realizado em caráter secreto para fins
bélicos. Ver detalhes no livro de Kurt G. Bluchel intitulado “A Fraude do Efeito-Estufa”. (São
Paulo, PHL, 2008).
Este Projeto, Norte Americano, é de alta periculosidade para o planeta e para a
humanidade na medida em que se torna possível não somente provocar: terremotos, secas,
tempestades, furacões e outras calamidades e desastres em determinados territórios, assim
como, mudanças climáticas radicais em grandes e pequenas escalas. Ele é muito mais nocivo,
catastrófico e pernicioso do que a badalada fraude do efeito estufa. O HAARD, sim é que
deveria ser objeto de sérias preocupações da ONU, do campo religioso e dos estados nacionais
como um todo.
13. Relatório Nora-Minc (INFORMÁTICA: QUAL SOCIEDADE?). Redigido por Simon
Nora e Alain Minc, publicado em Le Nouvel Observateur, em 22 de maio de 1978, que mostra,
já naquela época, a formação de uma sociedade profundamente diferente, “capaz de trazer o
pior ou o melhor” da tecnociência cujo “novo desafio é o da incerteza: não há boas previsões,
somente boas perguntas”. Já o Relatório Lugano é o libelo ou tratado da inviabilidade da
população excluída no processo de globalização do capitalismo via Tecnociência. O Relatório
Lugano foi publicado na França em 1999 e apresentado no Fórum Social Mundial de Porto
Alegre em 2002. Nele se encontra toda a “lógica de extermínio” do processo da globalização
segundo análise de Laymert Garcia dos Santos na apresentação que fez, ao dito Relatório, na
edição em português analisado e apresentado com todo rigor crítico pela cientista Susan
George e publicado em São Paulo pela Editora Boitempo, em 2002. Na prática o Relatório
Lugano serve de Guia para as ações que Álvaro Vieira Pinto (Ver O Conceito de Tecnologia, v. I
22
p.504, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005) apelidou de “Complexo de Herodes”. Segundo ele “a
teoria e a prática do controle da natalidade, principal imposição atualmente feitos pelos centros
imperialistas aos povos subdesenvolvidos e colonizados enquadram-se numa forma de
concepção e de comportamento políticos a que julgamos caber, com justeza, o nome de
“complexo de Herodes”. Escolhemos o nome em alusão ao mito bíblico da matança dos
inocentes, porque nos parece resumir num conceito único, facilmente memorizável, o estado de
espírito, a ética, os interesses e os procedimentos que movem a mentalidade e a ação dos
dirigentes das nações hegemônicas e seus cúmplices nas regiões indefesas” (...) “A sentença
política, que sob o esburacado véu de concentração científica, impõe a pena da imolação dos
nascituros é ditada pela potência imperialista como punição pela culpa atual das populações
pobres de se multiplicarem ‘excessivamente’, mas na verdade visa a servir de meio preventivo
contra a proliferação de uma próxima geração de jovens reclamadores. O ‘complexo de
Herodes’ define-se pelo horror aos recém-nascidos, à infância, de onde surgirão as multidões
jovens cada vez mais numerosas e reivindicadoras de amanhã, as que pedirão contas às
gerações adultas da forma de sociedade que organizaram para a mocidade”.
14. Revolução molecular-digital no processo de trabalho. Com reconfiguração e
obsoletismo de muito dos processos de trabalho e doação de ênfase ao trabalho técnico-
científico para inovação tecnológica com vistas à produtividade do trabalho e à intensidade de
produção levam a competitividade e, em decorrência, ao hedonismo político-econômico das
corporações. Ainda, aponta para “o fim dos empregos” segundo o “futurologista” norte
americano Jeremy Rifkin (ver “O Fim dos Empregos”. São Paulo, Makron Books, 1995). Tal
maneira de pensar, sem dúvida, reflete mais um sentimento que uma crítica a realidade social
vigente no sistema mundo capitalista. Também, aparecem os epítetos de além do humano,
transhumano e póshumano como conceitos de caracteres difusos, e cândidos oriundos das
ciências: antropologia, psicologia, sociologia, biologia molecular e biotecnologia na tecnociência
das sociedades.
Na prática tais conceitos são estigmas da consciência ingênua numa tentativa de
macular o conceito de técnica como parte da essência humana no processo de acumulação
qualitativa do trabalho para resolver sua contradição básica com a natureza e o cosmo. Para
isso, vem eternamente criando confusos epítetos e, ainda, as “eras tecnológicas” e não apenas
a que, hoje, vivemos com o cognome, também, de “virada cibernética”. Agora, também, a
nanotecnologia imbricada ao reino dos estudos do átomo representa uma das mais
23
revolucionárias tecnologias. É a capacidade potencial de se criar coisas a partir do menor,
usando técnicas da ciência quântica. Está, em muito, associada a: medicina, eletrônica, ciência
da computação, física, química, biologia, robótica e engenharia dos materiais
15. Apropriação da vida. Pelo sistema privado de propriedades intelectuais e de
patenteamentos das criações e das descobertas científicas. Constitui-se, tal fato, na maior
aberração jurídica internacional sobre a tecnociência sob a égide ou controle das corporações
transnacionais capitalistas em seu domínio político-econômicas no planeta. Todo o aparato
sistêmico de saques pela lei internacional de patentes é protegido pela Organização Mundial do
Comércio (OMC), pela ONU e, principalmente, pelo Departamento de Estado dos EUA, que de
forma coercitiva faz valer as usurpações e a rapacidade das corporações sobre os países pobres
do mundo. Hoje, a rapina se dá pela pirataria dos países hegemônicos sobre a biodiversidade
dos países pobres via processos de transformações dos genes e do DNA da matéria viva nas
grandes universidades e laboratórios dos países centricos por meio de:
� Combinação
� Recombinação
� Regenciação
� Reconfiguração
16. Sociedade pós-catastrófica. Oriunda da tecnociência desenvolvida no Século XX
que levou a construção da bomba nuclear, testada na segunda guerra mundial (1945) em
cidades japonesas e do atual processo de globalização do capital que leva a geração de
populações das “não-pessoas sociais” e, ainda, de uma família cibernética sobre as cinzas da
antiga e destruída família nuclear-compulsória-patriarcalista. Mesmo esse fato de destruição ou
obliteração em massa da vida, pela bomba, não valida à necessidade de se desprezar ou de se
abdicar da tecnologia nuclear que, também, aufere grandes benefícios para a humanidade, haja
vista, que o flagelo da bomba foi um ato político do Presidente dos Estados Unidos e não
daqueles cientistas que criaram a tecnologia que tem, hoje, alto valor para a humanidade.
Mais do que nunca cresce a convição que as soluções para os problemas do mundo,
brasileiros, nordestinos e locais demandam, cada vez mais, tecnociência, logo, não é com
menos ciência e menos tecnologia que eles serão resolvidos. Outrossim, não escapa a
consciência crítica de que a tecnociência não é um sinônimo de progresso e desenvolvimento
ela pode ser tão nefasta e antiprogressista em seu uso na medida em que sua indução política
24
seja catastrófica ou nociva aos humanos ou tenha finalidades bélicas como almejam as
corporações transnacionais e aparelhos de estado do mundo cêntrico, muito em particular pelo
seu braço armado que é a OTAN. Os Estados Unidos tem veementemente ameaçado e
chantageado o planeta com suas idéias e declaraçõe sobre: “ciberterrorismo”, “ciberataques”,
“ciberdefesas” e “ciberguerras”. Também, é verdade que o desenvolvimento da tecnociência,
inserto na antro política, desejada pelos humanos só será realidades a partir de muito mais
ciência e muito mais tecnologias que as agora existentes.
Como já foi dito a essência da técnica e da sua natureza de processo lhe é conferida
pela acumulação qualitativa do trabalho humano. Segundo Álvaro Vieira Pinto a técnica é o
fazer bem e o fazer novo no propósito de se produzir ou se manipular alguma coisa ou, ainda,
de se transformar um bem livre em um bem econômico, particularmente, na eterna luta dos
humanos para resolver a sua contradição fundamental com a natureza/cosmo.
O primeiro (fazer bem) quando aprovado pelo consenso geral como vantajoso tende a
resistir às inovações tecnológicas que visam melhorar seus resultados e, dessa forma, assume
um caráter de inércia da técnica. Já o fazer novo (“know-how”) é sempre um caráter
revolucionário de mudança por ser criativo e inventivo no processo tecnológico acumulativo da
qualidade do processo de trabalho humano.
Esse fato remete o leitor para entender e apreender ao que vem a ser a infinitude de
todo e qualquer recurso natural em seu processo de transformação de bem livre para bem
econômico mesmo quando se trata de novos materiais oriundos do desenvolvimento da
tecnociência. Os novos materiais se contrapõem a toda e qualquer idéia de finitude e
esgotamento de um recurso natural mesmo quando considerado não renovável como é o caso
dos hidrocarbonatos. Não há justificativas na tecnociência para as afirmações correntes de que
o planeta está sobre utilizado e saturado pelas atividades humanas. As leis da termodinâmica
continuam em sua plenitude no planeta com referência a qualquer recurso natural tanto como
bem livre quanto como bem econômico mesmo com todo seu fetiche na sua aparência e
essência. Os órgãos técnicos e as universidades podem e devem se responsabilizar pela
produção de novos materiais e banco de genes e patenteá-los.
Em todo momento o desenvolvimento da tecnociência afeta o processo de trabalho
humano existente e sobre ele deposita o modo novo inovador, inventivo e mais perfeito de
fazer bem e de fazer novo. Essa sedimentação histórica do processo de trabalho distinto
qualitativamente e superpostas como escamas e camadas, revelam a natureza de processo do
25
desenvolvimento científico e técnico que levam a infinitude de todo e qualquer recurso natural
para atender infinitas necessidades humanas.
Toda tecnociência revela-se por meios de ensaios de erros e acertos nos quais a
imaginação dialoga com o real, até que, no curso desse confronto, tensão e contradição a
inteligência pelo seu conhecimento prospectivo e reflexivo capta nova propriedade do real ou
nova possibilidade de agir até então desconhecida. Dessa forma, a tecnociência altera os
modos de: produzir, distribuir e consumir mercadorias, proporcionando outro nível de
existência, política, ambiental, econômica e social dos humanos na antroposfera.
A tecnociência é de natureza qualitativa, acumulativa e não apenas quantitativa para a
obtenção e transformação indispensável de um bem livre em um bem econômico. A técnica é
sempre a criação do novo a partir do velho ou antigo, é, pois, desenvolvimento, inovação,
invenção e criação do novo.
17. Emergência. O conceito desse fenômeno é muito bem explicado por Edgar Morin
em seu livro “A Natureza da Natureza” que constitui o primeiro volume de “O Método”
apresentado ao público em seis volumes e editados, no Brasil, pela Sulina, Porto Alegre, 2005.
Segundo aquele pensador o conceito de emergência está associado às teorias dos Sistemas
Complexos e à Teoria do Caos. A emergência ocorre através do tempo como evolução do
cérebro humano através de milhares de gerações sucessivas. A explicação desse fenômeno
caracteriza o advento do pensar científico contemporâneo quando as explicações teológicas e
teleológicas foram deixadas de lado.
Segundo Morin “na idéia de emergência aparecem estreitamente ligadas às idéias de:
� Qualidade, propriedade,
� Produto, já que a emergência é produzida pela organização do sistema,
� Globalidade, já que ela é indissociável da unidade global,
� “Novidade, já que a emergência é uma qualidade nova com relação às
qualidades anteriores dos elementos”.
Segundo ele “qualidade, produto, globalidade, novidade são, portanto, noções que
precisam estar ligadas para se compreender a emergência”.
18. Teoria do Caos. Essa teoria, também, é preocupação do pensador e cientista Edgar
Morin que a vê como aquela teoria que para a física, a matemática, a geometria fractal e os
atratores explicam o funcionamento de sistemas complexos e dinâmicos. A essência do caos
26
descansa na dialética da desordem e ordem que a partir de interações leva a organização que,
por sua vez, leva a ordem que induz a desordem e suas interações que provocam nova
organização e, assim, ad infinito. Os cálculos matemáticos que envolvem a Teoria do Caos são
utilizados para descrever e entender fenômenos climáticos ou meteorológicos, crescimento de
populações, variações de ações nos mercados financeiros e movimentos de placas tectônicas
entre muitos outros problemas de alta complexidade. Uma das bases principais da Teoria é o
chamado “efeito borboleta” (teorizado pelo matemático Edward Lorenz em 1963) segundo o
qual “o bater de asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque”.
Logo tudo está interado com tudo. Também, segundo Morin “é preciso se render a uma nova
evidência. A gênese não cessou. Nós ainda estamos num universo que se dilata. Nós ainda
estamos num universo em que se formam galáxias e sóis. Nós ainda estamos num universo que
se desintrega e se organiza num mesmo movimento. Nós ainda estamos no começo de um
universo que morre depois do seu nascimento”. Com referências as Teorias: dos Sistemas
Complexos e do Caos aquele eminente pensador assegura que “assim, não apenas eu não
excluo como eu pressinto que a visão do mundo deverá ainda se transformar e se relativizar.
Como sempre, a mudança teórica virá da dialética entre descoberta surpreendente e uma
nova maneira de conceber as evidências”.
19. Cibercultura. Esse fenômeno tem início com a Revolução Mundial de 1968 -1970 a
partir das organizações em redes e a globalização do capital com as chamadas: “virada
cibernética” e revolução feminista. Está voltada ao gerenciamento da INTERNET e aos
agenciamentos sociais em rede das comunidades no espaço eletrônico virtual. Seu conceito
descansa nas maneiras pelas quais se dão os relacionamentos: políticos, antropo-sociais,
econômicos, culturais e filosóficos dos indivíduos conectados em rede de forma mundial.
É consenso entre os estudiosos que a Cibercultura não seja apresentada como uma
cultura pilotada pela tecnologia, mas pelos estabelecimentos de relações íntimas entre as
novas formas de comunicações e como se apresentam as relações sociais de produção por
meios digitalizados. A partir da caducidade ou do fim da família nuclear ou compulsória,
induzida pela revolução feminista e advento das técnicas digitais, observa-se que está em
gestação e desenvolvimento uma nova modalidade de família que talvez possa ser apelidada de
“família cibernética” na medida em que, praticamente, as novas formas de educação e de
convivências familiares se dão pela INTERNET através de computadores, telefones celulares e
outros aparelhos eletrônicos cada vez mais aperfeiçoados. Embora as pessoas, principalmente
27
crianças e adolescentes, se apresentem aparentemente solitários e isolados com o manejo das
máquinas cibernéticas digitais, no âmbito de suas residências familiares, elas se encontram de
fato conectadas com o mundo consolidando esse fenômeno de Cibercultura que necessita ser
bem avaliado pelas suas características positivas e negativas e de desajustes e ajustes em
relação aos antigos hábitos culturais e familiares da já quase extinta família dita nuclear.
20. Entropia e negentropia. Etimologicamente a palavra entropia vem do grego no
sentido de volta tendo como negação a negentropia ou a entropia negativa. Outrossim,
entropia possui importantes significados como sejam: medida da incerteza existente ante um
conjunto de mensagens das quais apenas só se recebe uma única. Está dialeticamente
imbricada a negentropia, detalhadamente estudada e apresentada por Edgar Morin em “O
Método” volume um “A natureza da Natureza” (Sulina. Porto Alegre, 2005). Na física é
entendida como magnitude termodinâmica que mede a parte de energia não utilizável contida
em um sistema, ou, ainda, a medida da desordem de um sistema. Morin quando analisa a
informação a partir da entropia-negentropia é enfático em afirmar que informação não é fysis,
não é massa, não é espírito é tautologicamente, informação. Vai além, dessa tautologia
afirmando que não há vida sem informação e vice versa. A informação como fenômeno da vida
está imbricada à termodinâmica pela entropia e a negentropia. Deduz-se, também, do
raciocínio de Morin que a cibernética como nova ciência só pode ser entendida a partir do
conceito de entropia e negentropia e dos turbilhões de reações químicas generativas da vida
em um processo evolutivo pela autopoiese, simbiose e mutação. A síntese da informação
encontra-se no RNA/DNA e no gene das células primevias da vida no planeta terra.
21. Lógicas: Formal e Dialética. Para o entendimento e apreensão dos assuntos
tratados neste ensaio é imprescindível ao leitor um mínimo de conhecimento do que vem a ser
as lógicas: formal e dialética. Costuma-se dizer, no cotidiano acadêmico e vulgar, que lógico é o
estudo filosófico do raciocínio válido e científico. A lógica tem como objeto as formas que a
argumentação pode tomar em caráter de validade ou de falácia. Em geral, a lógica se aplica a
diferentes ramos de raciocínios e do saber como são exemplos as disciplinas: filosofia,
matemática, semântica, cibernética, ética, ontologia ou metafísica, epistemologia e teoria da
argumentação. A lógica se diferencia na analogia e na metafísica onde é conhecida e estudada
como lógica formal ou simbólica quando faz inferência com o conteúdo puramente formal. A
lógica, como formal, lida com a relação entre conceitos. Seu principal fundador foi o filósofo
Aristóteles.
28
Na Grécia Antiga os gregos Heráclito de Efeso, Demócrito de Abdera, Zenon de Eléia,
Sócrates e Platão fundaram, com seus raciocínios em diferentes etapas e estágios, uma lógica
na base da contradição dialógica que, com o tempo e uso, passou a ser conhecida como lógica
dialética. Esta se diferenciou como idealista no caso de Platão (Diálogos) e Hegel
(Fenomenologia do Espírito) e materialista como em Engels (Dialética da Natureza), Marx (O
Capital e Escritos Filosóficos), Morin (O método - em seis volumes) e muitos outro pensadores e
ativistas revolucionários como Lenine, Mao Tse Tung, Rosa Luxemburg, etc.
Por sua grande versatilidade de uso entre os diferentes pensadores dialéticos essa
lógica passou a ser orientada por Leis configurando aquilo que se chama Método Dialético
Marxista que adotou as seguintes leis da dialética:
� 1ª Lei: Negação da negação ou tudo se transforma
� 2ª Lei: Ação recíproca ou tudo se relaciona
� 3ª Lei: Interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários
� 4ª Lei: Passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa.
Vale informar que todo o raciocínio dialético obedece, através das leis da dialética, o
seguinte trivio: Tese – Antítese – Síntese. No Brasil os principais pensadores dialéticos foram:
Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Leôncio Basbaun, Florestan Fernandes, Álvaro de
Farias, Álvaro Vieira Pinto, Paulo Freire e outros contemporâneos.
22. Antroposfera. É a parte da biosfera naquilo que se refere à vida dos seres
humanos e suas atividades no planeta. Por sua vez a antroposfera é constituída pelas
virtualidades e virtualizações que se deram no processo de hominização do primata antropóide
que deu origem ao Homo sapiens sapiens. Para melhor entendê-la é necessário conhecer suas
componentes abaixo discriminadas e explicitadas:
� Esfera da linguagem e comunicação humana. Constitui essa esfera aquela que
resulta da mutação, (segundo Chomsky) que levou à invenção e criação das
linguagens: faladas, orais, escritas, vocais, verbais, simbólicas, mímicas, sinais,
corporais, etc. que permitiram o animal primata antropóide (que viveu a perto
de dois milhões) e do Homo sapiens (perto de 100.000 anos atrás) se
humanizarem na medida em que substituía a comunicação e a aprendizagem
da repetição, pela comunicação e aprendizagem via processo de cognição na
29
transmissão de informações. Esse fato contribuiu, para desenvolver os
conhecimentos: reflexivos e prospectivos que diferenciaram os humanos das
demais formas de vida existentes na biosfera.
� Sociosfera. Oriunda da necessidade daqueles animais, em processo de
hominização, viverem, como requisito básico, em sociedade. É na sociosfera
que tem origem a violência a partir do momento em que o animal da espécie
Homo sapiens, passa a explorar outro inserto na criada propriedade privada
cuja gênese foi à primeira divisão social do trabalho, ou seja, a invenção ou
criação da agricultura concomitantemente com o processo do sedentarização
humana na passagem do modo de produção do comunismo primitivo para o
do escravista da antiguidade.
� Tecnosfera. É a habilidade e capacidade de os humanos poderem criar e
inventar ferramentas, máquinas e instrumentos de trabalho para o controle da
natureza com o propósito de resolver a sua contradição fundamental ou
básica com ela que se dá via processo de produção de bens para sua
subsistência necessária e obrigatoriamente em sociedade.
� Psicosfera. É a capacidade de os seres humanos poderem criar: deuses,
deusas, demônios, satanases, bruxas, mitos, fantasmas, tabus, totens,
paraísos, purgatórios, céu, extraterrestres, papafigos, lobisomens, superheróis,
sacis, caaporas, alienígenas, etc. Foi pela psicosfera que os humanos criaram e
desenvolveu o campo religioso, (mono e politeísta), fato histórico muito
importante e poderoso no processo civilizatório.
� Noosfera. Constitui a esfera das idéias. É também, conhecida como a “esfera
do pensamento humano”. É objeto da ciência noologia, ou seja, aquela que
tem como propósito o estudo das idéias.
Estas esferas que constituem a antroposfera, sem dúvida alguma, quando a ela se
conecta ou se acrescenta a arte tem-se aquilo que, com certeza, pode se chamar e se definir
como cultura que, na natureza, é atributo único e exclusivo do ser humano.
23. Ideologia do politicamente correto. Esta ideologia deletéria teve sua gênese no
campo religioso internacional, principalmente, pelos cristãos católicos romanos. É sem dúvia a
ideologia que, hoje, sutilmente, mais serceia e reprime o direito e liberdade de expressão do
30
indivíduo na sociedade brasileira na medida em que criou severos dispositivos jurídico-
institucionais para intimidar e punir todo e qualquer cidadão que, por motivos fúteis, pode ser
processado, colocando-o sempre em autodefesa e autocensura.
No Brasil essa ideologia está associada ao racismo, constrangimento pessoal,
intolerância, homofobia, machismo, feminismo, pedofilia, regionalismo e outras formas que são
julgadas juridicamente degradantes da dignidade humana. Sua maior nocividade, no campo
político, econômico e social brasileiro, está na sua transferência de objetivo para tratar os
coletivos humanos discriminados como pobres coitados ou, ainda, como coitadinhos que é o
seu viés mais anacional, deletério, conservador e pernóstico. A forma pela qual
institucionalmente rotula os pobres de coitadinhos essa ideologia é: mantenedora do status
quo; reacionária; ultraconservadora e mistificadora. O fato de tratar os cidadãos excluídos das
atividades econômico-sociais dos diferentes mercados brasileiros como pobres coitados, de
forma institucionalizada, a ideologia do politicamente correto em seu viés de pobres coitados,
faz abortar todo e qualquer projeto libertador das populações oprimidas e excluídas pelos
processos: políticos, sociais, ambientais e tecnológicos capaz de libertá-los.
Esta é, sem dúvida, a razão pela qual de em Pernambuco e no Nordeste a maioria
absoluta dos grandes projetos econômico-sociais abortarem, fracassarem e estarem sempre
vulneráveis à desenfreada corrupção dos plutocratas e cleptocratas que detém o parlamento, o
judiciário e o executivo brasileiro em todos os níveis de poder: federal, estadual e municipal.
Pelo seu generalizado uso a ideologia do politicamente correto/pobres coitados passou,
também, a ter imbricado em si as variantes de: social, ambiental, cultural e tecnologicamente
correto, e outras besteiradas. É valido chamar a atenção dos leitores que o tratamento dado
aos nordestinos e aos nortistas de pobres coitados é profundamente, discriminatório,
descabido e inaceitável na totalidade nacional. São exemplos de projetos falidos imbricados à
ideologia dos Pobres Coitados aqueles financiados pelo BIRD e BID: TIRIRI;
CATENDE/HARMONIA; POLONORDESTE; PRÓRURAL; PROMATA; CRÉDITO FUNDIÁRIO; DOM
HELDER CÂMARA; PCPR; PRODUZIR para não se falar dos frustrados, desencontrados e
descabidos projetos de colonização e reforma agrária do INCRA.
Ao se conceituar Corrupção Política como sendo transferência de recursos do setor
público para o setor privado vê-se que a maior corrupção política criada e institucionalizada no
Estado Brasileiro teve origem no governo FHC que é as chamadas Ementas Parlamentares pelas
31
quais os parlamentares se apropriam dos recursos públicos para promoverem o maior arbítrio
de política partidária à custa do erário público para se perpetuarem no poder.
32
III. AS ANOTAÇÕES DO LIVRO “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO
“A compreensão de uma obra complexa e criativa como a de Álvaro Vieira
Pinto passa pelo exame e discussão de pelo menos cinco pontos:
1º) o da lógica interna das proposições do autor;
2º) o da ideologia;
3º) o de algumas idéias vigentes na Europa nas décadas 1910 e1920;
4º) o da nossa história a partir de fins do século passado;
5º) o da indagação das propostas de outros autores ou doutrinas, ligadas
ao nacionalismo e anteriores a década de 1950.
A consciência de tais itens poderá nos ajudar a compreender a política
desse filósofo, sua teoria da educação, sua lógica, a teoria do
conhecimento e a ontologia.”
Jorge Roux
33
ÁLVARO VIEIRA PINTO
NASCEU EM CAMPOS em 11 de novembro de 1909 e FALECEU no RIO DE
JANEIRO em 11 de junho de 1987. MÉDICO, MATEMÁTICO, POLIGLOTA E FILÓSOFO.
PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO BRASIL (HOJE, UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO DE JANEIRO - UFRJ). EX-DIRETOR E PROFESSOR D0 ISEB (INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS
BRASILEIROS) DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA (INCENDIADO PELOS MILITARES NO
GOLPE DE ABRIL DE 1964).
AUTOR DOS SEGUINTES LIVROS:
� CONSCIÊNIA E REALIDADE NACIONAL. DOIS VOLUMES, 1.077P.
� CIÊNCIA E EXISTÊNCIA
� SETE LIÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DE ADUTOS
� O CONCEITO DE TECNOLOGIA. DOIS VOLUMES, 1.328P.
� POR QUE OS RICOS NÃO FAZEM GREVE?
� IDEOLOGIA E DESENVOLVIMENTO NACIONAL
� A QUESTÃO DA UNIVERSIDADE
� A SOCIOLOGIA DOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS
NOTA Recomendam-se aos leitores das presentes ANOTAÇÕES as leituras: da Nota do Editor
e, principalmente a Introdução do Livro intitulada ”O quarto quadrante do círculo de Álvaro
Vieira Pinto” produzida por Marcos Cezar de Freitas Professor da PUC-SP e Pesquisador do
CNPq.
Nos dois volumes do livro “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” o plano de trabalho de
ÁLVARO VIEIRA PINTO é constituído de quatro partes com 16 capítulos que serão neste ensaio
objetos de reflexões, Anotações e contextualizações de forma sinótica produzidas por Geraldo
Medeiros de Aguiar. Os erros e imprecisões nas interpretações, contextualizações e
compilações, encontradas nos textos dos capítulos, são de responsabilidade do Autor das
Anotações. As compilações do pensamento do filósofo estão nos textos sempre reproduzidas
em itálico.
34
VOLUME 1
Além da nota do Editor e da Introdução: O quarto quadrante do circuito de Álvaro
Vieira Pinto, acima citadas, o volume 1 contém as partes I e II de “O Conceito de Tecnologia”
35
PARTE I – ANÁLISE DE ALGUMAS NOÇÕES FUNDAMENTAIS
Essa parte do livro é constituída de quatro capítulos que remetem o leitor aos
assuntos objetos dos capítulos I a IV da supracitada obra. Todos serão objetos das
sinóticas Anotações a seguir apresentadas.
36
Capítulo I. EM FACE DA “ERA TECNOLOGIA”
Neste capítulo o pensador, poliglota, cientista e filosofo Álvaro Vieira Pinto em
seu livro “O Conceito de Tecnologia” desenvolve seu pensamento através de cinco tópicos
sinoticamente apresentados pelo Autor dessas Anotações.
1. O homem maravilhado. Aqui o poliglota, conhecedor de grego antigo, inicialmente
desconstrói o pensar hegemônico de intelectuais europeus na tradução de clássicos e tragédias
gregas para justificar a ocidentalização do mundo e uma falsa crise onde “a natureza humana
se substitui à natureza, ao mundo, como atual objeto de espanto, sem que disso os
contemporâneos tenham clara noção” acrescentando, ainda, “que o verdadeiro criador das
coisas é o homem, e não o mundo”. Demonstra com clareza Vieira Pinto, que “a atitude de
maravilhar-se com a criação humana não é apenas histórica, mas tem fundamento na
constituição da sociedade” como processo de humanização a partir da evolução dos primatas
que lhe deram origem. Explica ele, neste tópico, que a atitude de maravilhar-se com o processo
evolucionista e as criações dos seres humanos “não é apenas histórica, mas tem fundamento
na constituição da sociedade”.
2. A “era tecnológica” como ideologia. Nesse tópico o filósofo mostra que esses
raciocínios anestesiantes da ideologia das classes dominantes de endeusar o atual
desenvolvimento tecnológico pelas corporações que controlam os países cêntricos, apenas
buscam dois resultados: revestir tal ingenuidade com valor ético positivo e manejá-lo como
instrumento para silenciar as manifestações da consciência política e crítica das nações
subdesenvolvidas e emergentes com respeito ao seu desenvolvimento tecnológico. Politizando
este fato ele desconstrói a falsa ciência denominada “futurologia” com a assertiva de não ser
“possível prever o autêntico futuro sem reconhecer a possibilidade do surgimento do novo, do
inesperado e do imprevisível, resultante das transformações qualitativas que deverão ocorrer no
fluir da história”. Dessa forma ele ao aprofundar seu raciocínio crítico deixa claro e explícito a
“era tecnológica” como simples e alienante ideologia das classes que detém o poder nos países
hegemônicos.
3. O ponto de partida para a compreensão da técnica e da influência da mecanização
do trabalho. O pensador nesse tópico liga a técnica ao processo de produção de forma a
afirmar: “o que produz o que atualmente se produz é a estrutura econômica e política da
sociedade”. O filosofo mostra, ainda, que “toda possibilidade do avanço tecnológico está ligada
37
ao processo de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, a principal das quais se
cifra no trabalho humano”. Este é o ponto de partida para se entender e compreende a técnica
e sua influência na mecanização do processo de trabalho. A apologia que as classes dominantes
apregoam sobre a mecanização e automatizações do processo de trabalho as levam a propagar
no mercado rótulos e epítetos ingênuos da ideologia da propalada “era tecnológica” tais como:
”o homem e a técnica”, “tecnologia e humanismo”, “a técnica inimiga do homem’, “poder
avassalador da máquina”, “sociedade dirigida por cérebros eletrônicos” e outras mais. Com
respeito à compreensão da técnica afirma que “o homem se vai realizando na progressiva
conquista do conhecimento e nas ações técnicas pelas quais efetua o domínio da natureza”. Seu
ponto de chegada talvez seja explícito no fato de “o novo de cada momento representa sem
dúvida um novo diferente, distinto, possuindo caráter ímpar, do contrário não seria
reconhecido, mas deve ter, contudo algo em comum com todos os outros ‘novos’ precedentes,
justamente para ser percebido e conceituado como novo”.
4. A faculdade de projetar. Na introdução dessas anotações se falou do conhecimento
reflexivo (indutor da consciência) e do conhecimento prospectivo (doador da faculdade de
projetar). Explicitou-se, também, que são esses conhecimentos que diferenciam os seres
humanos de todos os demais entes vivos do planeta. Somente os humanos são dotados desses
conhecimentos que lhes permitem ter essa faculdade. No dizer do filósofo Álvaro Vieira Pinto
os entes humanos são os únicos seres vivos que projetam o seu ser, “mediante o trabalho
efetivo de transformações da sociedade material”. O projeto humano “é na verdade a
característica peculiar, porque engendra no plano do pensamento, da solução humana do
problema da relação do homem com o mundo físico e social”.
5. O conceito de produção e de “era tecnológica”. É sabido que os animais considerados
inferiores aos humanos ou chamados de irracionais não produzem, por ser a natureza
que produz para eles tudo quanto necessitam para viverem. Dependem totalmente do
meio ambiente em que vivem para não perecerem. Já o animal Homo sapiens sapiens,
humanizado em sua evolução, foi dotado pela natureza dos recursos que necessitava
para resolver por si suas contradições com a natureza, com a ecologia e com os seus
semelhantes em sociedade. Tais recursos resumem-se na “posse de um sistema nervoso
suficientemente desenvolvido para elaborar, em forma de idéias abstratas e universais,
o reflexo da realidade e capaz de comandar a produção, pelo indivíduo, dos meios de
vencer as dificuldades opostas à satisfação de suas exigências”. Por esse atributo (serem
38
dotados de um telecéfalo altamente desenvolvido e complexo) os humanos destacam-
se e se diferenciam frente ao “reino da animalidade inferior, que permanece
estacionada no nível de seres consumidores do que encontram ao redor” na natureza.
“Na oposição de consumidor e produtor está o caráter distintivo do salto qualitativo que
gerou o homem, e lhe dá sentido pelo qual se define, tanto ele quanto seus atos.”. Esta é
a razão de a técnica está presente por conceito e por definição em todo e qualquer ato
humano seja no fazer bem ou no fazer novo. Todo e qualquer ato humano nesses
aproximados trinta mil anos de história levou e levará diferentes “eras tecnológicas”
desde o machado de pedra do paleolítico até as mais complicadas e sofisticadas
máquinas cibernéticas, robóticas, biotecnológicas e nanotecnológicas. A natureza foi e
será sempre em parte subjugada pelos humanos, enquanto estes se fizerem presentes
no planeta mesmo no que pese a incomensurável violência da natureza no que toca às
suas freqüentes turbulências. Ela só age por causa e efeito e jamais doa sentido aos
fenômenos naturais, às coisas e à vida, por isso não tem problemas. O ente humano é o
animal que se produz a si mesmo pelas suas criações tecnocientíficas que lhe são
inerentes e, por isso, a história da técnica é evidentemente a história de todas as
produções humanas nos seus processos: virtual e atual de humanização.
39
Capítulo II. O HOMEM E A MÁQUINA
Na obra do cientista Álvaro Vieira Pinto, (“O Conceito de Tecnologia”) o presente
capítulo é contextualizado em sete tópicos sobre os quais o Autor, destas Anotações procede
as suas sinóticas e interpretações da seguinte maneira:
1. O fundamento da compreensão da máquina. Esse tópico visto criticamente pelo
filosofo leva o leitor a entender que a máquina desde as mais simples ferramentas até os mais
complicados artefatos ou máquinas automáticas, nanotecnológicas, cibernéticas, robóticas e
biotecnológicas, não tem inicio em si mesmas, mas sim naquelas que as antecedem sejam elas:
turbulentas, naturais e as criadas e produzidas pelos seres humanos. Por isso toda e qualquer
máquina é o resultado de um longo processo de acumulação de conhecimentos reflexivos e
prospectivos a respeito das propriedades dos corpos, dos materiais e dos fenômenos
encontrados na natureza. Daí ser a evolução do maquinismo o resultado da evolução do ser
humano que o constrói e que faz parte da linguagem usada no processo de trabalho principal
fator do processo de hominização pela via da técnica inserta na sociedade que promove a
cultura. Por isso é o ente humano o único ser vivo detentor de cultura e diferentes linguagens
em estado social. A máquina, segundo Álvaro Vieira Pinto, “resume uma forma de ser do
homem, um existencial, enquanto realização específica do homem, que nenhum animal é capaz
de efetuar”. É ingênuo pensar que “desde a entrada na era dos autômatos e dos computadores
eletrônicos ficou superada a reflexão sobre as máquinas simples, mecânicas, térmicas ou
elétricas.” Como médico que foi aquele pensador afirma que o cérebro “é um órgão que se
acha em pleno curso de desenvolvimento fisiológico seja com o aprendizado de idéias já
constituídas conforme acontece com as crianças ou nos adultos que as recebem de outros,
originais pelo pensador, matemático, físico ou técnico”. Segundo ele “na genealogia das
máquinas o primeiro motor é o humano, e isso em duplo sentido: ideal porque elas surgem do
projeto que só a constituição cerebral do homem é capaz de engendrar; e material, porque a
energia do corpo humano constitui a primeira fonte de movimento a ser aplicado aos mais
primitivos instrumentos e engenhos mecânicos. Mas as máquinas não se destinam à realização
de trabalho para um indivíduo isolado. O projeto de criá-las só pode ter origem e sentido no seio
de uma coletividade, de um grupo humano onde já vigoram relações normais de produção”. O
mestre Álvaro Vieira Pinto conclui esse tópico dizendo que “o papel decisivo da máquina, tanto
nas eras mais remotas quanto agora, consiste em modificar o sistema de relações de produção
40
do homem mediante a ampliação da rede de ligações com a natureza, dando-lhe a possibilidade
de possuir formas de ação sobre os corpos e as forças naturais, formas que significam o
aumento da capacidade de domínio do mundo circunstante. Essa alteração estabelece um
melhor um relacionamento qualitativo do sistema nervoso do homem com a natureza”. Fica
claro que nessas Anotações o Autor não leva em conta “as famílias das máquinas e o conceito
genérico de máquinas”, tratados por Edgar Morin em “A natureza da Natureza” que constitui o
volume um de “O Método” apresentado ao público mundial e brasileiro em seis volumes.
2. A evolução das máquinas e a libertação das energias humanas. É do
conhecimento geral que a lei que rege o processo de hominização e o progresso da
humanidade não consiste na diminuição, em valores absolutos, do processo de trabalho
humano, mas sim na transferência dele para modalidades mais nobres e mais difíceis. Como
consequência o aperfeiçoamento, cada vez maior, do maquinismo e, em geral, nas grandes
transformações tecnológicas libertam as energias humanas e contribuem para a oferta de mais
mercadorias e novos materiais até então inexistentes. A esse respeito o pensador Álvaro Vieira
Pinto adverte que “é preciso compreender que esse aperfeiçoamento enquanto tal não é da
máquina por si mesma, mas da consciência humana no conhecimento do mundo, refletindo-se
na série progressiva das criações mecânicas”. E acrescenta ele: ”as máquinas, até as
automáticas e as que poupam o trabalho intelectual, nada mais são do que modalidade de
mediação, cujo destino não reside na posse individual, mas no uso social, que se instalará
generalizadamente quando chegar a época na qual os instrumentos de produção retornarão á
sua origem, a sociedade de todos os homens”. Entre os humanos e as máquinas, desde a mais
simples a mais complicada, por eles criadas e inventadas no circuito de libertação de suas
energias são indutoras das transformações dos engenhos que produzem melhor os bens
econômicos que, por sua vez, recriarão os próprios entes humanos de modo a lhes darem
condições mais convenientes para sua vida social mais evoluída. Todos os passos de libertação
das energias humanas promovidos pela inovação tecnológica das máquinas conduzem a
entregar a máquina o serviço da sociedade como um todo. É bom lembrar que a cibernética, na
verdade sempre existiu nos computadores vivos (desde os seres unicelulares até aos mais
complexos) e, mesmo nos artefatos com outros nomes.
3. O homem e o significado das máquinas “criadoras” e “pensantes”. Nesse tópico o
filósofo dá inicio a desconstrução dos conceitos do pensar eurocêntrico sobre “máquinas
criadoras” e de “máquinas pensantes” a partir das idéias de Von Neumann de ser construível
41
uma máquina capaz de produzir qualquer outra inclusive ela própria explicando que “tal
máquina sempre existiu e esteve em ação, pois é o próprio sistema nervoso humano que criou
as máquinas até agora conhecidas e se reproduz a si mesmo no processo genético da
multiplicação de espécie”. Acrescenta o pensador “se algum dia se chegar a fabricar a máquina
capaz de engendrar diretamente outra máquina, planejando-a e executando-a, ainda aqui
estaremos em presença de uma obra humana, portentosa e admirável, sem dúvida, mas não
diferente em essência das precedentes na linguagem tecnológica”. Sobre a ingenuidade de se
falar e se reinficar os chamados ”cérebros eletrônicos” os apologéticos da cibernética esquecem
que “o cérebro está em outro lugar, na cabeça dos inventores e construtores” e não na máquina
depositária. Explica o filósofo “ocorreu no cérebro humano, no curso da evolução cultural, de
modo que a outorga às máquinas a função de realizar mecânica e eletronicamente tais
operações continua a ser um fato humano”... “pois foram fabricados com a missão explícitas de
funcionarem melhor, em termos físicos de velocidade e precisão, do que o pensamento capaz de
tê-los criado”. Segundo Vieira Pinto, “a máquina cibernética, para ser devidamente
compreendida na essência, tem de ser conceituada na perspectiva do processo biológico de
avanço e melhoria da função de comunicação entre indivíduos que se humanizaram e por isso
são capazes de recorrer a formas de transmissão de informações independentes da presença
física simultânea dos comunicadores. A máquina cibernética manifesta apenas a etapa atual do
avanço das exigências da comunicação social”. Epistemologicamente, as máquinas são objetos
que não trabalham na medida em que por definição o processo de trabalho significa um
atributo exclusivo do ser humano. O delírio de se atribuir às máquinas os processos de:
trabalho, pensar e ter problemas encobre e escamoteia o fato de quando o ente humano põe a
máquina a funcionar quem efetivamente está trabalhando é ele. “Se a base do pensamento
reside numa forma extremamente complexa do movimento da organização biológica da
matéria, a realização dele só tem lugar em condições sociais”.
4. A base social da máquina. A leitura desse item do capítulo “o homem e a máquina”,
pelo filósofo, “é sempre em função da fase da cultura vigente numa sociedade, de suas
exigências, que nela se originam as máquinas possíveis em tal situação, tanto no significado
criador, inventivo, quanto na posição passiva, meramente importadora de instruções ou dos
produtos acabados”. Segundo ele “a máquina corporifica um dos produtos da cultura, que por
sua vez representa a marcha do processo social da produção material da existência do homem
por ele mesmo. As estupendas criações cibernéticas com que hoje nos maravilhamos resultam
42
apenas do aproveitamento da acumulação social do conhecimento, que permitiu fossem
concebidas e realizadas”. Em todo o capítulo o mestre para tornar seu pensamento inteligível
procede na sua explicação a uma detalhada aplicação da lei dialética da transmutação do
acúmulo quantitativo em qualitativo. Mostra o pensador, que falta aos comentadores atuais da
base social da máquina, principalmente aos cibernéticos, “a noção global de processo histórico
e a compreensão da cultura e de seus produtos, como resultado da evolução biológica do
homem. Falta-lhes a percepção do caráter social da produção. Incorrem assim na separação
metafísica entre o produtor e o produto, sem ver a relação dialética que os liga e explica um
pelo outro”. Segundo ele “as lamentações da consciência ingênua sobre a desumanização por
efeito da civilização ‘mecanizada’ ocultam o fato essencial dos efeitos nocivos atribuídos à
última terem por origem, na verdade as estruturas sociais, diretamente, e não as relações no
ato da produção mantidas pelo trabalhador com os instrumentos, que aviltam a dignidade do
ser humano quando o tornam aparentemente ‘escravo da máquina’ ”. Prossegue seu raciocínio
de que “basta haver uma alteração no regime de posse das máquinas para cessarem de exercer
efeitos desumanos e revelarem a autêntica natureza de instrumentos intermediários de
produção, cuja finalidade definitiva está em servir toda humanidade, aumentando a
disponibilidade de bens de consumo e as condições de conforto”.
5. A historicidade e a definição da máquina. É dado, segundo Álvaro Vieira Pinto,
pela dialética “na perspectiva da gênese dela no processo histórico da sociedade que estimula a
criação do engenho porque suscita no pensamento do animal humano a concepção da
publicidade de utilizá-lo para resolver uma contradição com a natureza. Assim, nascendo para
servir de solução de uma contradição humana, a máquina, e em forma mais simplificada o
utensílio e a ferramenta vêm carregados de uma contradição interna que se resolverá pela sua
substituição por outra, mais perfeita, imaginada para superar as deficiências do tipo anterior.
Esta é a raiz do caráter contraditório de todo maquinismo, a que freqüentemente fazemos
alusão e se observa na descrição na história de um determinado ramo de sucessivos
maquinismos voltados à mesma atividade funcional. Ao surgir como recurso pelo qual o homem
soluciona uma contradição com a natureza, a máquina recebe do agente humano, ao realizar
as intenções dele, o caráter histórico as determinações dialéticas pertencentes originariamente
à ação do homem sobre o mundo”. Com tal sentido dialético as máquinas são objetos a que se
pode atribuir significado ambivalente, isto é, ora com operações voltadas para relações sociais
totalmente humanizadas, ora malignas, anti-humanas como aquelas que recebem
43
preponderadamente um sentido bélico de grande poder de destruição ou malefícios. Essa é a
razão de a tecnologia, seja ela qual for jamais ser neutra na medida em que está diretamente
condicionada ao uso político que a sociedade ou as classes dominantes lhe atribui ou lhe doam.
As máquinas devem ser incluídas nas bases materiais, históricas e sociais em que funcionam
para a satisfação das necessidades humanas pelo desenvolvimento das forcas produtivas das
quais fazem parte.
6. O homem e a regulação das máquinas. As máquinas não se auto-regulam porque
não tem consciência e interesse em fazê-lo, ou seja, não contem em si a finalidade de funcionar
bem. Um relê um robô e uns computadores não pensam, mas tem a função reguladora e,
assim, executam essa tarefa pela vontade e pelo pensamento do ser humano. Eles não têm
problemas e muito menos consciência do que fazem. A máquina é sempre um objeto e jamais
será um sujeito na historicidade do ser humano. “A máquina se constitui em exigência do
homem no curso do estabelecimento e de execução de finalidades a ele impostas pela
necessidade de conservação da existência. A máquina é um bem vital, um bem de produção de
ordem superior porque produz bens de produção de ordem elementar”. (...) ”Toda máquina é
uma máquina de uma máquina, no sentido em que constitui a forma de superação, a herança
multiplicada de outra anterior”. (...) “As máquinas incorporam a técnica, representam o caso
mais perfeito e comum em que esta se revela, mas não lhe dão origem, pois tal origem acha-se
em outro lugar, na ação humana, da qual a técnica é um dos aspectos existenciais”.
7. A consideração das máquinas em concreto. A dialética da ferramenta. A produção
desse tópico por Álvaro Vieira Pinto se aproxima muito do pensar dialético de Marx segundo o
qual o processo da máquina-ferramenta consiste em desprender a máquina da ferramenta
manual, em que inicialmente se baseava, e tomar forma livre, subordinada apenas à sua função
mecânica. Tal processo evolutivo far-se-á à custa da posição e resolução de contradições
dialéticas e está em pleno curso na fase de automação onde agora se penetra. Toda máquina
por um lado põe, isto é concretiza uma possibilidade de ação produtiva explicada pelos
conhecimentos que levaram a construção dela. A natureza não doa sentido nem tem
problemas e estratégia apenas age por causa e efeito e é dotada de incomensuráveis segredos.
“Na construção do conhecimento científico o homem luta contra o desconhecido, não contra o
dissimulado”. (...) ”A natureza não joga contra o homem, mas em compensação há nela um
infinito de virtualidades cognoscíveis, que desempenham permanentemente a função de
resistência e oposição, crescentes à medida que a inteligência humana penetra mais
44
fundamente em seus segredos, e estabelecem o conflito de base resolvido pelo avanço do
conhecimento, pela descoberta de novas forças motrizes e criação de maquinismos por ora
inimaginados”.
45
Capítulo III. A TÉCNICA
Este capítulo do livro “O Conceito de Tecnologia” foi desenvolvido pelo filósofo Álvaro
Vieira Pinto em 14 itens que o Autor destas Anotações apresenta, de forma sinótica, conforme
procedeu com os dois capítulos apresentados anteriormente.
1. Os dois aspectos da máquina. De um modo geral a máquina se apresenta com dois
aspectos: o estático quando está parada, se torna obsoleta, depreciada e sucateada e o
dinâmico quando em funcionamento. Ambos os aspectos estão sempre mutuamente unidos ou
associados. No aspecto estático a máquina parada permanece no estado de corpo físico.
Funcionando a máquina converte-se em instrumento de modificação do mundo externando a
racionalidade humana nela contida. Levando em conta esses aspectos das máquinas, o filosofo,
confirma que na máquina “a técnica, de qualquer tipo, constitui uma propriedade inerente à
ação humana sobre o mundo e exprime por essência a qualidade do homem, como ser vivo,
único em todo o processo biológico, que se apodera subjetivamente das conexões lógicas
existentes entre os corpos e os fatos da realidade e as transfere, por invenção e construção,
para outros corpos, as máquinas, graças aos quais vai alterar a natureza, com uma capacidade
de ação imensamente superior à que cabem nos seus instrumentos inatos, os membros de que é
dotado”.
2. Conceitos antigos da técnica: Aristóteles, Kant. A leitura que o filósofo faz sobre
este tópico aponta para Aristóteles sinoticamente, que para ele a “técnica, techne,
representada em latim pelo termo ars, é o conceito do trabalho sem a matéria... Aristóteles
considera a técnica um modo de ser específico do homem e a compreende como um conceito,
uma razão, um logos, que percebe a realização da ação, sendo lícito supor que ele imaginasse a
prefiguração dos resultados do ato, e assim, o tomasse por um dos elementos da constituição
da finalidade que determina a ação humana, pois somente o homem maneja instrumentos” (...)
”’A técnica surge quando a partir de muitas noções experimentais, se depreende um único juízo
universal, aplicável a todos os casos semelhantes.” Toda a análise, relativamente, detalhada de
Álvaro Vieira Pinto para Aristóteles teve como referências principais: The Work of Aristotle,
Oxford, Clarendon Press, 1912 e De Partibus Animalibus, I, 1, 640 a, 33. Também, serviu de
referência a obra Metafísica, A, 1, 981 a 985 Librairie J. Vrin, Paris, 1948. Com relação a Kant,
também com relativo detalhe, ele toma como referência básica a obra Kritik der Urteillskraft,
Vorlaender, Leipzig, 1962, p.254 onde ele sita o seguinte pensamento de Kant “ao
46
denominarmos técnica o procedimento (a causalidade) da natureza, em vista da semelhança de
finalidade que encontramos em seus produtos, dividimo-la (techinica intetionalis) e não
intencional (techinica naturalis). A primeira significaria que a capacidade produtiva da natureza
segundo causas finais tem de ser considerada uma espécie particular de causalidade; a
segunda, que no fundo é idêntica ao mecanismo da natureza”. Em seguida comenta que “Kant
dá-nos a base para compreender um dos componentes do ato técnico, seu fundamento na
lógica objetiva da realidade, consubstanciada nas leis do mundo natural”. Em suas análises o
pensador explicita os pontos de vistas de ambos os filósofos em relação aos conceitos antigos
de técnica.
3. Concepções contemporâneas da técnica. Nesse longo e detalhado tópico o filósofo
Álvaro Vieira Pinto adverte o leitor que o problema filosófico da técnica é uma das mais
freqüentes preocupações dos pensadores e ensaístas contemporâneos. Além das críticas que
faz ao pensamento de Spengler expresso em sua obra “A Decadência do Ocidente” onde
defende a tese de a técnica não dever ser compreendida partindo da ferramenta, mas pelo seu
manejo e fabricação de coisas. Explica que na sua obra se salva a sua idéia de a técnica se
apresentar como manifestação da vida humana. Também, nesse tópico, é que ele desconstrói o
pensamento e as teses de Martin Heidegger mostrando as falsidades conceituais e os
equívocos daquele que é considerado pelos acadêmicos e os pensadores eruditos eurocêntricos
e etnocêntricos como um “eminente filosofo da técnica”. A esse respeito Álvaro Vieira Pinto é
categórico em afirmar que “a teoria heideggeriana não passa de uma das múltiplas variedades
desse gênero de engano. Nela embora a técnica seja considerada como aspecto da
manifestação da verdade de ser, não há o menor traço de objetividade, inclusive porque o
conceito de ser nesse autor, como nos de sua parceria, reimprime a mais velha das formulas
metafísicas e nada tem a ver com o legítimo conceito de ser, entendido enquanto como
expressão da unidade material do mundo. Nem o ser nem a técnica são compreendidos pelo
pensador agora sumariamente discutido nas condições objetivas materiais, históricas, na sua
necessária realização sociais, em suma na vida real dos homens. Sendo uma das recentes
concepções a respeito do tema, reverenciado em certos círculos filosóficos, aos quais, aliás, se
endereçava uma vez mostrada à vacuidade, que é o único conteúdo do empolamento do texto
hermético, e a ausência de vinculação com os problemas autênticos da produção tecnológica
que os trabalhadores, e até empresários, enfrentam, cresce a justificação de nossa tentativa de
proceder a uma reflexão que escape do redemoinho de abstrações inúteis e de palavreado
47
eruditíssimo, mas inteiramente estéril”. (O pensamento de Martin Heidegger criticado por
Álvaro Vieira Pinto está na obra “A Questão da Técnica” Die Frage Mach der Technuk, Vortrage
und Aufsatze, Günter Neske Pfullingen, 1964).
4. A correta formulação da pergunta sobre a técnica. Nesse item o pensador, após
breves considerações sobre o pensar ingênuo de se vê e conceituar a técnica ele discorre que a
correta fórmula de se perguntar sobre a técnica está em enunciá-la de maneira a inquirir: “que
papel desempenha a técnica no processo de produção material da existência do homem por ele
mesmo? Unicamente nesta formulação o conceito de produção revela o significado culminante
que possui”. Esclarece, ainda, o filósofo, “não parece conveniente chamar de ‘técnica’ a prática
dos atos executados pela matéria viva desde que principia a se organizar com caráter vivo até
as formas animais superiores, porém irracionais. O termo tem aplicação justa quando designa a
execução humana de atos de produção e defesa da vida, feitos por força de um processo
qualitativamente diferente, impossível de encontrar-se nos brutos, a saber, o condicionamento
da ação a finalidade conceitualmente concebidas”. Conclui enunciando que “a técnica não
consiste, por conseguinte, num atributo de atos vitais em geral, mas somente caracteriza
aqueles que o homem executa em razão da condição existencial de produtor de si. Qualquer
reflexão filosófica sobre o conceito de técnica que a considere como simples modus faciendi,
mas não se interesse pelo sujeito executor nem procure determinar o significado dela em
quanto aspecto da base do modo social de produzir desvirtua esse conceito e deixa na sombra a
maioria de suas notas inteligíveis. Sendo a forma de produção de algum produto material ou
ideal, a técnica por natureza revela-se histórica, pois é o aspecto de um processo humano de
criação”.
5. A técnica não é o motor do processo histórico. Nesse breve item o filósofo Álvaro
Vieira Pinto se preocupa em desfazer as afirmativas ingênuas de que a técnica é o motor do
processo histórico negando que a técnica deva sobrepor-se à história. Segundo ele a técnica
está imbricada ao processo de hominização do animal Homo sapiens, ou seja, é cultura e parte
da ligação do ente humano ao mundo. Esse fato “decorre do aperfeiçoamento dos órgãos
perceptivos e cerebrais que desenvolvem como consequência a técnica, simples modo de ação
sobre o mundo e continuação direta, agora consciente, volitiva, intencional do que a natureza
fazia em favor das espécies inferiores para alcançar o mesmo fim, garantir a subsistência do ser
vivo”. Esse condicionamento não doa a técnica o atributo de ser o motor da história, mas
simplesmente, parte inseparável da cultura.
48
6. A técnica como vitória do homem sobre a natureza. Nesse tópico o pensador
discorre longamente sobre o processo de dominação da natureza pelo ser humano em tempo
historicamente longo a partir de determinada estrutura de relações sociais de produção, “visto
não poder fazer coisa alguma contra a natureza senão na medida em que se valem das forças
por ela postas ao seu alcance. Domina o mundo material no curso de um processo dialético, no
movimento de uma contradição, que exprime a relação com o universo, físico e social ao
expandir a área das forças que maneja”. Na sua apreensão e domínio da natureza quem se
expande é a razão humana e, não a natureza, que sempre foi tal como existe em seu processo
de formação e evolução. “O homem sempre progride na luta contra a natureza, porque tal é o
modo de ser em que consiste sua diferenciação biológica. A forma específica da vitória
continuamente conquistada é a técnica”. Afirma, ainda, o filósofo, que “biologicamente o
homem desafia a natureza, mas não a vence realmente com armas da mesma espécie que as
dela, a não ser a título de instrumento, e sim com outras, superiores e originais: as idéias
abstratas e a invenção imaginativa que movem a ação da técnica”. De passagem afirma que “o
animal evolui na natureza, o homem evolui na história. Melhor dito, é a natureza que evolui no
animal e por isso esse processo transcorre no puro curso físico, a chamada ‘história natural’. No
homem o processo desenrola-se no tempo historicizado, a saber, no plano da cultura. Por isso a
história natural do homem apresenta-se agora como a história natural da cultura. A técnica
pertence exclusivamente a esta última. A história natural da cultura tem de ser entendida em
função do movimento da base material onde assenta”.
7. A técnica, o passado e o futuro da humanidade. As referências às condições
sociais de produção. Neste tópico do capítulo III (A técnica) o mestre e filósofo Álvaro Vieira
Pinto desmistifica as profecias dos chamados “futurologistas” e o temor dos nostálgicos quanto
às indizíveis virtualidades e desenvolvimento das técnicas contemporâneas que cumprem, sem
dúvida alguma, um papel libertador do ser humano. Em sua crítica faz um virtuoso combate
àqueles que transformam e tratam a técnica como “uma coisa em si” fazendo dela os mais
fantásticos e ou perniciosos juízos de valor. Contra argumenta, a esses ensaístas, afirmando
que “ao contrário do que exprimem às concepções ingênuas a técnica em si não move a
história. Quem a impulsiona é a consciência dos homens que mediante a técnica, entre outros
recursos, investiga a realidade objetiva no campo físico e no sistema de relações sociais, e se
dispõe a intervir produzindo modificações històricamente visíveis. Nenhuma técnica existe a não
ser como fundo de determinada compreensão das propriedades dos corpos e da interação dos
49
fenômenos”. Apresenta como conclusão do item com a assertiva de que “todo inventor tem de
fundar o pensamento, as pesquisas, no estado da cultura do seu tempo. Porém tal estado
espelha e condensa o trabalho acumulado das massas na história pregressa da humanidade, de
modo que, em última análise, é sempre a ação do homem, pelo trabalho coletivo, que dá
suporte à invenção e emprego das técnicas”.
8. A semântica da técnica. A técnica como adjetivo. Nesse tópico, o poliglota, filólogo,
filósofo e pedagogo, Álvaro Vieira Pinto, debate a etimologia e a semântica da palavra técnica,
com grandes detalhes, (no latim e no grego) mostrando sua qualidade de adjetivo e não de
substantivo e, epistemologicamente, afirma que “a essência da técnica é a mediação na
obtenção de uma finalidade humana consciente. Embora esta se origine e se conserve no
pensamento do agente, a mediação que a deve concretizar tem de ser realizada no plano
objetivo, no mundo material, pela transformação dos objetos, pela criação de novas substâncias
e coisas, o que só pode acontecer com o emprego dos próprios corpos e das energias dos
fenômenos naturais de que o agente previamente se apossou, a ter formado o universo de
representações que os refletem veridicamente”. Mais adiante no texto ele explica que “na vida
corrente a rotina oblitera a percepção do aspecto essencial da técnica, mas a nós cabe insistir
sobre ele, porque de tal análise é que extrairemos a compreensão justa. Nossa tese
fundamental exprime-se nas seguintes palavras: a técnica define primeiramente uma qualidade
do ato material produtivo só no segundo momento do processo cognoscitivo se transfere do ato
ao agente, o homem que pratica atos técnicos, isto é, produtivos de um fim bem determinado.
São dois momentos de um processo mais amplo de abstração, que progride no sentido de fazer
esquecer o caráter originalmente objetivo do vocábulo, e conduzirá, no terceiro momento, à
substancialização da técnica, à transformação semântica que irá permitir vê-la na figura de
uma entidade. Surpreendemos aqui a passagem do adjetivo ao substantivo. Se o primeiro
momento consiste naquele em que a técnica não pode ser pensada separada do ato, o terceiro
representa aquele em que, em virtude dos mecanismos de abstração inerentes ao exercício do
conhecimento, a qualidade começa a ser conceituada à parte da ação qualificada do operador.
Vem a ser representada por um substantivo. O termo perde a categoria lógica e gramatical
legítima inicialmente possuída e se transfere para outra categoria, a dos entes substantivados”.
Conclui esse seu raciocínio da dubiedade do vocábulo técnica constatando que “o erro da
concepção idealista e anti-histórica da técnica reside na impossibilidade de perceber o vício de
raciocínio espelhado na troca de um adjetivo por um substantivo. Achamo-nos aqui na raiz de
50
uma modalidade comum de desenvolvimento semântico que irá florescer nas mais simplistas
especulações e teorias a que aludimos, mencionando alguns casos passados e atuais, e que,
todas têm como essência geral o engano da hipostatização da ‘técnica’. Seria errôneo julgar
que, sem querer e sem perceber, chegamos à mesma concepção exposta nas lucrubações de
Heidegger, a noção de técnica como ocultação do ser. Parece-nos que Heidegger, se em
palavras assim se exprime, dota a técnica de valor equitativo, de modo que ele quanto
Spengler, acaba por chegar ao resultado oposto ao que visa, na verdade em vez de mostrar a
técnica ocultando o ser, faz o ser ocultar a técnica. Esta convertida numa entidade em si, oculta
sua própria natureza”.
9. A compreensão ingênua da técnica. A técnica como fator da essência do homem.
Nesse tópica o filósofo mostra que a técnica não está oprimindo o ente humano, este é que,
felizmente, está cada vez mais submetendo a si a natureza material pelos incrementos de sua
capacidade de abstrair e dos conhecimentos reflexivos e prospectivos de que é dotado. Ao
contrário do que afirmam os representantes do pensar ingênuo “o progresso técnico
denunciado como maligno pela consciência simplista, manifesta na verdade a mais gloriosa e
benéfica criação do homem, porquanto é aquela que lhe permite evoluir, passando a condições
de vida mais humanas ao longo do segmento cultural de sua evolução animal”. Após proceder
em outras considerações das interpretações cândidas sobre a compreensão da técnica por
pessoas despreparadas, Álvaro Vieira Pinto afirma que “a técnica tem de ser entendida em
função do homem, e nunca em função dos procedimentos e métodos que emprega ou das
máquinas e aparelhos que consubstanciam operações. É o homem que inventa a técnica, com
isso carregando-se da responsabilidade dos atos executados com esse caráter. A técnica
ingressa como fator, na constituição da sua essência, porquanto ao se incorporar à cultura
existente no momento torna-se um legado que outras gerações recolherão e irá contribuir
para facilitar diferentes tipos de relações de trabalho entre os homens, na tarefa comum de agir
sobre a natureza e organizar a sociedade. Cada grande façanha técnica realizada pela
humanidade engendra a outras condições de vida e portanto estabelece o fundamento para a
instituição de uma nova essência para os seres humanos que vierem a existir em tempos
posteriores”. Esclarece, ainda, o grande pensador que “em todos os casos, na raiz da técnica há
sempre a finalidade do homem que se propõe executar uma ação modificadora da realidade
produtiva de um objeto ou de um efeito julgado, com motivo racional ou não, de nosso ponto de
51
vista cultural atual, e que só podem ser conseguidos pelo cumprimento ordenado de certas
operações”.
10. Condicionamento recíproco entre processo produtivo e técnica. De posse das
categorias da lógica dialética o filósofo Álvaro Vieira Pinto demonstra, nesse item, o
condicionamento da ação recíproca entre o processo de produção e a técnica mostrando que
no meio biótico da natureza somente o ser humano é um “produto-produtor” da natureza. Por
isso, além de produzir a si próprio, ele produz, na sua existência social, aqueles bens
econômicos (dotados de valor, valor de uso, valor de troca e valor desenvolvimento) que
consome doando, para tal fim, aos bens livres a necessária vinculação e articulação entre a
técnica, produção e conhecimentos imanentes à dialética da natureza, tão bem estudada e
explicitada por Engels (Dialética da Natureza e Anti-During) e por Marx (O Capital e Crítica a
Economia Política). Considera, ele, que o ser humano “representa para si a relação entre os
meios materiais ou idéias de que dispõe e emprega numa operação e as finalidades que deseja
satisfazer pelas aplicações desses meios”.
11. O significado da história das técnicas. Nesse tópico, o pensador, afirma que “a
técnica nela incluída a atuação da ferramenta mais tosca a da máquina mais moderna,
constitui uma manifestação da historicidade essencial do ser humano. O homem existe em
virtude dos atos produtivos que exerce, em escala crescente, de complexidade, resistindo às
forças ambientes, que do contrário o esmagariam. Pode-se, portanto, afirmar que ao progredir
na construção biológica do seu ser, já agora no segmento cultural, a série de tais atos
estabelece um curso histórico e desenvolve a particular história natural daquele animal
hominizado, a que o distingue enquanto espécie única, pois constitui o modo pelo qual se
diferencia em ser vivo racional. Se o sistema de reflexos condicionados de que se proviu ao
longo da evolução do sistema nervoso outorgou-lhe a capacidade de sobreviver, mediante
mecanismos de defesa agora de tipo criador e não mais adaptativos tais mecanismos, e as
técnicas a ele associadas, incluem-se nesses procedimentos, que são uma extensão de sua
biologia. Adquirem o cunho da historicidade, por ser o modo pelo qual esta se materializa
enquanto qualidade peculiar da duração do ser criador daqueles procedimentos da
subsistência”. Em seu pensamento dialético Álvaro Vieira Pinto desenvolve seu raciocínio sobre
o significado da história das técnicas fazendo referência à relação entre o indivíduo e a espécie.
Sob esse ângulo ele argumenta que “nos animais inferiores a espécie produz o indivíduo pelo
mecanismo de hereditariedade. Mas no homem, por ser o animal que inaugurou o segmento
52
cultural da evolução, graças à constituição para si do processo social produtivo, é o indivíduo
que produz a espécie. Entendemos esta última proposição no sentido de que o homem contribui,
pelo resultado do trabalho físico ou intelectual, para construir o patrimônio cultural da espécie,
a forma atual pela qual se diferenciam as etapas da evolução humana. No animal, a mutação
geradora de uma nova espécie tem exclusivamente caráter biológico, espontâneo e acidental,
enquanto no homem a mutação resulta da ação deliberada do indivíduo que se apossou do
conhecimento da realidade objetiva e, por via da capacidade racional desenvolvida em si,
utiliza-o para transformar não a estrutura anatômica e fisiológica, o que, aliás, já começam a
acontecer, com o prolongamento da vida média, as próteses orgânicas e a possibilidade de
intervenção no mecanismo genético, mas, sobretudo dá a si mesmo modos de convivência
social, regimes de trabalho produtivo, que diferenciam tipos humanos distintos”. Esse processo
de evolução cultural humana, onde a técnica é importante como indutora de hominização, é
necessário e obrigatoriamente histórico.
12. A contradição inerente à técnica. Nesse tópico, o pensador e filósofo brasileiro,
Álvaro Vieira Pinto, de forma enfática, usa seu profundo conhecimento das leis da dialética
para mostrar que “a contradição habita o coração da técnica”, principalmente, quando ela se
apresenta simultaneamente, como conservadora e revolucionária. Segundo ele a técnica, em
todas as formas em que se apresenta, suscita, a todo instante, a substituição do velho pelo
novo. Na verdade a técnica está imbricada “a lei dialética universal da negação da negação”
externando sempre seu caráter revolucionário a partir dos valores imanentes aos processos da
substituição do velho pelo novo. Ele mostra, ainda, que “o mesmo processo técnico que foi
criado para servir a um regime de produção incrementa simultaneamente, por motivos das
finalidades que permitem a consciência perceber a necessidade de supressão desse regime, sua
substituição por outro, mais rico de possibilidades humanas. Nesse novo momento, a técnica
adquirida continua a valer, se não foi de toda superada, mas quando permanece em vigor não
tem mais a significação primitiva de descoberta, para efeito de implementar uma forma de
trabalho, e sim declina o papel de sobrevivência, utilizada pelo regime sucessor se ainda tem
rendimento aproveitável e não está em oposição ás forças de produção trazidas à tona pelo
segundo momento histórico”. No desenrolar desse tópico ele adverte o leitor que é
“completamente falsa a concepção que pretende responsabilizar a técnica pelos resultados
desumanos que com freqüência acarretam, sem perceber procederes tais efeitos do regime de
produção que delas se utiliza”. A técnica, de um modo geral, pode ser usada para o bem ou
53
para o mal dependendo sempre das decisões políticas daqueles que dela se apropriam ou as
capturam, tanto em nível privado quanto público, de quaisquer modos de produção, ou mesmo
de grupos de indivíduos de uma determinada sociedade.
13. As técnicas lúdicas. Nesse item o leitor é remetido, pelo filósofo, às artes, aos
esportes, às festividades, ao folclore, aos entretenimentos ou a quaisquer divertimentos onde a
técnica necessária e obrigatoriamente se faz presente como parte do processo de hominização
e da cultura do animal Homo sapiens. Sendo as técnicas lúdicas (artes, esportes, folclore, etc.)
uma decorrência cultural do processo produtivo em que está imbricada a técnica é preciso
saber “que a contradição imposta pela realidade objetiva, física ou social atinge a todos os
homens, ou a um ponderável grupo. Não pode ser recusada, tendo por isso de ser resolvida por
todos, no esforço cooperativo de criar o conhecimento do mundo e transformá-lo, chamado
propriamente trabalho. Quando, porém, a resolução das contradições que se apresentam a
título de finalidades internas não necessárias só surgem no pensamento de alguns indivíduos
que encontram satisfação interior na realização desses fins gratuitos, mesmo que a ligação com
o mundo objetivo e dos condicionamentos daí resultantes não faltem nunca, o sentimento da
exigência interior, que se vai concretizar na obra de arte, no jogo ou no puro exercício esportivo
de atividade muscular, encontra-se unicamente em poucos indivíduos e neles alcança suficiente
grau de compulsão para levá-los à prática da resolução da contradição sentida”.
14. A ingenuidade da concepção da técnica como “fenômeno”. A origem da técnica e
o destino do homem. Ao afirmar que “o pensamento dialético é necessário para se
compreender a técnica”, o filósofo Álvaro Vieira Pinto mostra, nesse tópico, que “por definição
a técnica não pode reduzir-se a um fenômeno, etimologicamente uma manifestação exterior,
pois se inclui na essência do ser que a elabora, obrigado a fazê-la por imposição intrínseca,
natural, de sua constituição biológica exercida em condições sociais, se a identificamos à ação
do homem no mundo, que é o aspecto visível de realização operatória da essência do ser
humano”. Dos seus argumentos fica claro e explícito que a concepção, interpretação ou
redução do conceito de técnica ao de fenômeno é pura ingenuidade intelectual daqueles que a
assim considera. Confirma o filósofo que “a evolução natural do homem ultrapassou o campo
exclusivamente biológico, de substituição de estruturas gênicas, anatômicas e fisiológicas,
conforme acontecia nas fases pré-hominídea e hominídea, e se desenrola agora no campo da
produção material dos bens de existência, da organização social do trabalho e da criação dos
produtos culturais. A fabricação de um elemento transurânico ou a composição de um baião
54
são componentes do mesmo processo de desenvolvimento cultural em que, na verdade, quem
se está desenvolvendo não é a técnica, mas o homem em totalidade”. Esclarece, também, o
pensador, que “no processo da produção do ser social, a técnica não determina o destino do
homem, antes o homem determina o destino da técnica”. No caso do “homem ser o lobo do
homem” (segundo Hobes) e “usa a técnica como arma com fins homicidas, conforme a história
documenta com impressionante freqüência, tal resultado não deve ser imputado ao puro
emprego material da técnica, mas aos intuitos desumanos maliciosos a que pode servir, quando
manejada por uma consciência anti-social com propósito de dominação”.
55
Capítulo IV. A TECNOLOGIA
Este capítulo do livro “O Conceito de Tecnologia” foi produzido em 23 tópicos pelo
filósofo Álvaro Vieira Pinto e tem o propósito de, criticamente, desnudar e desmistificar os
diferentes conceitos, interpretações e entendimentos do vocábulo “tecnologia”. Dessa forma o
Autor, destas Anotações, procede a um sinótico comentário, sobre cada um dos itens, que
compõem o capítulo em tela.
1. As diferentes acepções do termo “tecnologia”. De acordo com o filósofo as
acepções da palavra tecnologia podem ser resumidas em quatro significados. O primeiro é
aquele etimológico que diz ser a tecnologia a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica,
ou também, com a noção de artes e de habilidades do saber fazer, e ainda, como modo de
produzir alguma coisa. O segundo, que é o mais usado e vulgar, trata da tecnologia como um
equivalente da técnica quando se apresenta como fazer bem ou, principalmente, um fazer
novo. O terceiro estritamente ligado a esse segundo entende a tecnologia como o “conjunto de
todas as técnicas de que dispõe uma determinada sociedade, em qualquer fase histórica de seu
desenvolvimento”. O quarto, e último significado, ver a tecnologia como uma ideologização da
técnica, ou seja, a ideologia da técnica.
2. A tecnologia como a epistemologia da técnica. Após analisar as considerações a
respeito da epistemologia da técnica nas obras de: sociologia, economia e nos tratados
voltados ao exame de técnicas, de artes particulares e dos abundantes julgamentos sobre a
tecnologia na literatura filosófica moderna e contemporânea, o pensador Álvaro Vieira Pinto
conclui, no presente tópico, que “na qualidade de fundamento, é nas relações sociais que cada
indivíduo encontra a possibilidade, ou não, de ter acesso aos bens de consumo a que aspira.
Cria-se assim uma epistemologia da técnica que, em vez de fundá-la na relação do homem com
a natureza, definidora do aspecto essencial, variando unicamente segundo as condições
determinadas pelo progresso científico, funda-a nas relações dos homens uns com os outros,
que são acidentais, enquanto formações históricas sucessivas. Descortina-se nesta observação a
inevitável conexão estabelecida, conseqüentemente, entre o estado de desenvolvimento das
técnicas e a elevação delas à categoria de ideologia social, conforme melhor se perceberá ao
comentarmos o quarto significado do conceito de ideologia”. Epistemologicamente a tecnologia
pode ser designada como uma ciência na medida em que apresenta generalizada composição
científica.
56
3. As concepções ingênuas da tecnologia elaboradas pelos técnicos. Nesse tópico, o
filósofo, retoma suas acertivas e teses apresentadas no seu livro “Consciência e Realidade
Nacional” (publicado pelo MEC-ISEB, em 1960) sobre consciência ingênua e consciência crítica,
com respeito ao desenvolvimento e ao papel dos técnicos, para criticar a consciência reflexa,
emanada deles, como mimetismo ideológico, dos centros metropolitanos ora das teorias do
status quo, ora das de dominação colonial dos centros hegemônicos sobre os países
subdesenvolvidos e emergentes. Por isso o mestre adverte que “a tecnologia defeituosa e
atrasada rouba a eficácia da produtividade do trabalho, reduz a disponibilidade de bens,
aumenta-lhes o preço, tornando-os inaccessíveis para a maioria dos homens. São males devidos
exclusivamente à técnica que, interpretada no papel de ‘daimon’ responsável pelo curso da
história, absolve os homens, e as classes, de quaisquer erros ou culpas, carregando em si a
causa das desgraças sociais presentes, e ao mesmo tempo, constitui a única Providência real,
aquela em que devemos depositar nossas mais fervorosas esperanças”. Na literatura vulgar e
mesmo na acadêmica o leitor se depara com inúmeras concepções ingênuas sobre tecnologia
que merecem do pensador crítico, de posse das leis dialéticas, denunciarem os sofismas
(principalmente dos defensores do status quo) e corrigir os interesses ocultos nelas implícitos
com o processo material de onde procedem. O pensador crítico deve sempre acompanhar as
perniciosas nuanças em muito utilizadas pela tecnocracia tanto das organizações públicas
quanto das privadas.
4. O conceito ingênuo de “explosão tecnológica”. Nesse item, o professor Álvaro
Vieira Pinto, dá continuidade às suas críticas revelando, ao público, a nocividade do pensar
ingênuo sobre a tecnologia e, muito em particular, naquilo que se convencionou chamar, na
literatura tecnocrática, de “explosão tecnológica”, na atualidade do desenvolvimento do
sistema mundo do capitalismo e, principalmente, do metabolismo do capital. Por ignorar o
significado das conexões históricas no processo evolutivo da tecnologia essa percepção da
“explosão tecnológica” é, hoje, estéril para avaliar situações passadas no processo de
hominização do animal Homo sapiens. É sabido que a tecnologia do presente é o anúncio e
virtualidade da tecnologia do futuro e depara-se com a vacuidade dessa ingênua percepção.
Por isso, o filósofo, afirma, nesse item do capítulo do seu livro “O Conceito de Tecnologia”, que
“a peculiar tendência da mentalidade ingênua atual, no campo mal vigiado dos
pronunciamentos sociológicos e científicos gerais, a ver por toda partes ‘explosões’, não apenas
a tecnologia, mas a demografia, a cultural, a universitária e muitas outras, parece ser uma
57
impregnação psicológica deixada no espírito dos estudiosos e literatos de escasso preparo
filosófico válida pela única explosão, sem precedentes, que conhecemos, está infelizmente de
todo real no seu criminoso significado, a bomba atômica, lançada sobre populações humanas
por uma potência imperialista num gesto intencionalmente genocida” e que obliterou mais de
150 mil indivíduos em muito pouco tempo.
5. Aspectos da teoria da técnica. A classificação das técnicas. Partindo da premissa de
que a técnica é um modo de ser e existencial do ente humano, o pensador Álvaro Vieira Pinto,
explica, nesse item, que para ingressar na concepção científica da tecnologia faz-se necessário
elaborar a teoria geral da técnica que, ele admite ter referências aos seguintes aspectos:
primeiro, a classificação das técnicas; segundo, a rentabilidade das técnicas; terceiro, o papel
das técnicas na organização das relações entre os humanos e, quarto, a função social das
técnicas: cibernéticas, robóticas, biotecnológicas e nanotecnológicas para a humanidade. Desta
forma é plausível que o leitor destas Anotações dê a devida atenção a estes aspectos quando
se depararem com a teoria da técnica e, principalmente de sua classificação.
6. A história e a historicidade das técnicas. Segundo o filósofo “a historicidade da
técnica não obedece a desejos subjetivos, mas exprime as etapas pelas quais vai passando o
processo intérmino de resolução, pelo homem, das contradições com a natureza e a sociedade,
limitantes da expansão da sua essência. História e resolução de contradições existenciais são
termos que significam a mesma coisa”. É marcante, em seu pensamento, que a historicidade
da técnica é parte da historicidade de um processo, ainda, mais radical e concreto que é a do
processo de trabalho do ser humano sobre a natureza de onde advém todo seu processo de
hominização e, conseqüentemente de sua cultura.
7. A práxis social e a personalidade do técnico. A apreensão e o conhecimento da
tecnologia, pelo ente humano, demandam que o mesmo esteja inserto em uma práxis. Por isso
a teoria da práxis remete o ser humano ao domínio, cada vez mais ativo, sobre o mundo
expressando-se, de um modo geral, na personalidade do técnico condicionado por processos
políticos de capacitação e de treinamento na práxis social no trabalho concreto. Corre-se,
assim, ao risco de se incutir ao técnico a ideologia eurocêntrica e etnocêntrica de caráter
neocolonial do tipo de que governar é sinônimo de administrar em vez da correta acertiva de
que governar é instituir um sistema de convivência humana no campo da ciência política,
entendida esta, como a ciência que tem como objeto o poder. Dessa forma é a práxis social do
ser humano que o induz a sua personalidade.
58
8. A doutrina “tecnológica” dos pensadores ingênuos. Nesse tópico o filosofo, Álvaro
Vieira Pinto, ideologiza e politiza essa doutrina “tecnológica” dos pensadores ingênuos
condicionando seu ponto de vista à realidade brasileira. Ele revela que essa doutrina “quando
confusamente estruturada e exposta, forma, aliás, que parece contribuir para aumentar-lhe o
feitiço, transita insensivelmente do conceito de ‘governo de uma empresa’ para o de ‘governo
de um país’, desvendando na verdade o objetivo secreto de toda essa maquinação ideológica.
Fica então patente a manobra sob-reptícia desejada pelos tecnocratas, em última instância, eco
do pensamento dos grupos detentores do verdadeiro poder, atrás deles escondidos”. Mostra,
ainda, que “a alienação do país em totalidade, a substituição de sua consciência de si por outra
inculcada de fora e imposta por todos os meios que a comunicação moderna faculta, representa
a expressão máxima da nocividade da tecnologia empregada na função de arma de
insensibilização, enfeitiçamento e espoliação, quando manejada intencionalmente por agentes
de interesses antinacionais, em condições de inicial e débil amadurecimento da consciência de si
da nação atrasada”. De um ponto de vista da consciência crítica sabe-se que governar, por
definição, é um conceito de ordem existencial e política e não de tecnologia que é um meio
para tal fim.
9. A equiparação verbal de “tecnologia” e “técnica”. Nesse item, do capítulo terceiro,
o professor Álvaro Vieira Pinto desnuda as obscuras intenções das classes detentoras do poder
político, principalmente acadêmicas, empresariais e tecnocratas, de equiparar e confundir os
vernáculos de tecnologia e de técnica. Revela o caráter ideológico para confundir e não se
distinguir o que vem a ser uma nação para si e uma nação para outras pelas vias do
desenvolvimento, transferência e comercialização das técnicas e da tecnologia com vistas
atender os interesses metropolitanos dos centos hegemônicos e imperialistas. Na sua análise
crítica brotam as revelações de que “a tecnologia de origem externa serve de instrumento para
a aceleração do desenvolvimento da nação retardada unicamente se for uma aquisição de livre
escolha por parte do seu centro soberano de poder político, que objetiva os propósitos da
autêntica consciência de si, a saber, a de suas massas trabalhadoras”. (...) ”Quando, porém, a
tecnologia for uma dádiva ou uma imposição de potências hegemônicas, necessariamente
exercerá efeito frenador sobre o desenrolar do processo da consciência de si no país recebedor,
ao mesmo tempo em que poderá estimular um limitado crescimento local, crescimento
consentido que naturalmente muito alegra os dirigentes nativos do momento. Os quais o
atribuem à própria operosidade e visão de estadistas. Na verdade, não passa de um
59
crescimento relativo, e forçado por um poder estrangeiro, só perceptivo quando comparado ao
estado anterior da mesma classe de fatores produtivos, mas que, medido em valor absoluto,
revela-se sempre negativo e prejudicial”. No Brasil um dos casos mais aberrantes foi à
introdução da matriz rodoviária nos transportes de cargas induzida pela importação da
indústria automobilística em detrimento da aquaviária e ferroviária.
10. A tecnologia como instrumento de dominação. Nesse item, o filósofo, mostra
como, historicamente, a tecnologia foi usada como instrumento de dominação pelos impérios
da antiguidade e medievais. Trata, também, em detalhes, de como, hoje, as classes sociais
detentoras do poder nos países cêntricos manipulam a tecnologia como instrumento de
dominação, através, principalmente, das corporações internacionais sob a égide daqueles que
fazem parte do G7, FMI, BIRD e do Fórum Econômico Mundial de Davos. Discorre, de forma
crítica, como são possíveis como as massas de uma nação subdesenvolvida ou emergente
podem construir uma consciência de si e uma consciência para si a partir da tecnologia. Sob
esse aspecto ele afirma que “no processo de criação da consciência de si dos povos subjugados
é possível distinguir dois momentos. O primeiro, aquele em que a passividade e o atraso das
áreas marginais eram total, e unicamente nos centros metropolitanos se fazia o progresso das
técnicas produtivas”. (...) “O segundo momento do processo de despertar da consciência de si
nos povos periféricos. Começando a compreender os presságios contidos nesse fenômeno, o
dominador percebe que a tecnologia, tão louvada enquanto lhe expressava com exclusividade o
prestigio de que se orgulhava e a força que manejava, torna-se agora mais diretamente
apontada para ele”. Deduz-se dos seus argumentos que, hoje, no sistema mundo do
capitalismo, as corporações internacionais usam e abusam da manipulação tecnológica e do
direito de apropriação de tecnologias pelo direito do estatuto de patentes.
11. A tecnologia como patrimônio da humanidade. Defendendo o princípio de
nenhuma sociedade de seres suficientemente hominizados poderia existir sem técnicas
correspondentes ao estado de crescimento de suas forças produtivas e de suas
correspondentes relações de produção o filósofo Álvaro Vieira Pinto, mostra que a tecnologia,
muito ao contrário de inúmeros postulados e insinuações de ser necessariamente apropriada e
patenteada por empresas, corporações e órgãos públicos, é, e deveria ser reconhecida sempre
como patrimônio da humanidade. Haja vista que faz parte da cultura e do processo de
humanização e, está imbricada a evolução dos humanos, logo, não poderia nem deveria ser
apropriada por qualquer instituição ou organização de uma determinada sociedade. Teria que
60
ser necessária e obrigatoriamente um bem livre como deveria ser a vida que, hoje, também, se
transforma em mercadoria no sistema mundo do capitalismo.
12. A exportação da tecnologia. Esse tópico é, minuciosamente, estudado, visto e
explicitado, pelo filósofo Álvaro Vieira Pinto, no que trata das mazelas nas negociações
internacionais de compra e venda da tecnologia como mercadoria e instrumento de
dominação, por parte dos países que se destacam como produtores dessa estratégica
mercadoria que é a tecnologia. Ele usando seu raciocínio dialético explica, ao leitor, que ao se
converter a tecnologia em mercadoria e a exportá-la, sem querer, contraditoriamente “o
dominador está entregando às massas externas dominadas um instrumento libertador não
porque a ‘tecnologia’ em si mesma, por virtude imanente, seja a criadora do salto
revolucionário, mas porque oferece um fundamento antes inexistente para a constituição da
consciência para si do colonizado, cuja primeira manifestação consiste em fazê-lo visto como
tal”. Assegura, ainda, que a “importação só tem a nocividade que, com razão, vemos apontada
por Leite Lopes quando a nação atrasada deixa de exercer o poder de decisão, inerente a sua
soberania política, e se submete ao comando cultural exterior”.
13. Os fundamentos sociais da tecnologia. Nesse item, do seu livro “O Conceito de
Tecnologia”, Álvaro Vieira Pinto afirma que “nenhuma tecnologia antecipa-se a sua época, ou a
ultrapassa, mas nasce e declina com ela, porque exprime e satisfaz carências que a sociedade
sentia em determinada fase de existência”. Por isso, afirma ele, “as diferentes formações
sociais, na seqüência histórica, refletem-se nas técnicas que manejam, levando os espíritos
superficiais ou desprevenidos a julgar, em virtude de uma ilusão de ótica, que a técnica por si
mesma passa a desempenhar a função de motor do processo histórico”. Esses teóricos
esquecem que “a tecnologia não é causa, mas mediação de que as forças em ascensão do país
pobre tomam consciência e de que precisam lançar mão para lutar contra velhas estruturas de
relações sociais, sustentadas por procedimentos obsoletos para se firmarem, recolherem a justa
parte que lhes compete dos proventos seletivos e, eventualmente chegarem a dominar o
sistema”. Esclarece ao leitor que “apesar das adversas condições reinantes, nas fases iniciais do
desenvolvimento do povo retardado, as leis da dialética do processo histórico estão a favor dele
e indicam que chegará fatalmente à fase superior, na qual tomará consciência de si, e elevará a
um mais claro estágio de sua percepção. Bastaria reler aprofundadamente as páginas da
chamada ‘dialética do senhor e do escravo’ da Fenomenologia do Espírito de Hegel, para se
perceber que no embate histórico o ‘senhor’ não tem futuro, porque, se tudo se transforma, o
61
senhor só poderá transformar-se no não senhor, por conseguinte extinguir-se enquanto tal,
desaparecer como entidade real. O escravo, o servo ou o assalariado, porém, estes são os
representantes e os proprietários do futuro, são desde já, mesmo em sua miserável condição
presente, os vitoriosos da história, porque para eles a transformação consistirá
necessariamente em negar a realidade atual, portanto em deixar de ser o que são, convertendo-
se de classe dominada não em dominadora, porque não haverá a quem dominar, mas em
humanidade finalmente livre, universamente portadora da consciência de si. Unicamente a essa
humanidade competirá possuir o mundo”.
14. A ideologização da tecnologia. Novamente, nesse tópico, de seus escritos o
filósofo Álvaro Vieira Pinto, volta a desconstruir o pensamento e as teorias de Martin
Haidegger caracterizando-o como cultivador das mistificações de aspectos eruditos da
tecnologia mostrando que ele “vivendo num universo de palavras, o pensador impressionista
tem como único problema combinar as que melhor se prestem a formar frases emocionantes ou
enigmáticas, e por isso fica obrigado a forjar miríficas e sibilinas questões para ter matéria
sobre a qual escrever seja lá o que for”. Na contra mão dos pensadores ingênuos e
impressionistas, Álvaro Vieira Pinto afirma “a história da técnica pavimenta a estrada da vitória
do homem, da afirmação de sua capacidade biológica de se fazer a si mesmo, cada vez em nível
de realização mais alto, graças exatamente à conquista e domesticação das forças que lhe são
antagônicas, que o aniquilariam ou o manteria na condição de animal comum, não fosse à
faculdade de pensamento desenvolvida por suas possibilidades de trabalho social cooperativo”.
15. A catábase da técnica. A tecnologia e a diferença de finalidade entre países de
níveis históricos distintos. Por catábase da técnica entende-se, segundo o pensador, que há no
seu conceito “valor paradigmático, pois revela, neste caso peculiar como no de muitos outros
universais, a exigência de compreender o conceito abstrato não em si mesmo, mas nas
manifestações singulares e concretas”. Respeitando o valor paradigmático da catábase o
filosofo leva o leitor a analisar a tecnologia e as diferenças de finalidades entre países de níveis
históricos distintos revelando que o “país atrasado também tem tecnologia, do contrário não
subsistiria”. Como a dialética tem como axioma, para o desenvolvimento, o fato de nenhum
país ser obrigado a seguir o caminho trilhado por outro, assim como, a inexistência de uma lei
que imponha universalmente a obrigatoriedade de se copiar modelos exógenos de
desenvolvimento. Foi a partir desses paradigmas que, o Autor dessas Anotações, desenvolveu,
para a SECTEC, entre outros, um anteprojeto sobre Tecnologias para APL de Fármacos e
62
Medicina Popular para mitigar as precaríssimas situações de saúde pública no Estado de
Pernambuco e na Região Nordeste do Brasil. Em termos de especificidades poder-se-ia almejar
ou focar os seguintes objetivos em nível de Região de Desenvolvimento (RD):
� Criar nos municípios principais de cada RD do Estado, Pólos de
Desenvolvimento de Produtos Farmacêutico-Fitoterápicos e de Cosméticos a
partir da flora e da fauna dos biomas existentes no Nordeste, particularmente
em Pernambuco, contribuindo para o desenvolvimento do empreendedorismo
nas RD;
� Cadastrar, em nível de cada RD, pessoas, estabelecimentos, organizações e
empresas formais e informais que lidam com produtos farmacêuticos e
medicina popular de forma a identificar quais dos produtos já podem ter sua
tecnologia patenteada e utilizada na saúde pública com o devido aval da
ANVISA para uso popular e para o SUS e quais delas devem ser inovadas pelo
projeto;
� Padronizar sob a égide do LAFEPE e outros laboratórios aqueles
medicamentos, cosméticos e produtos de higiene pessoal que podem ser
produzidos, exportados e mesmo fabricados nos países africanos e da America
do Sul através da cooperação internacional Brasil-África e do MERCOSUL;
� Substituir, ao máximo nível, as matérias-primas importadas dos países
cêntricos para o setor farmacêutico estadual e nacional e investir na
biodiversidade e biotecnologia interna dos biomas do Estado e do Nordeste
tornando-se soberano na produção de medicamentos e fármacos na cadeia
produtiva farmacêutica e de medicina popular;
� Agregar valores tecnológicos propiciando empreendedorismo e
desenvolvimento econômico-empresarial nos municípios das RD a partir de
linhas de créditos especiais do BNDES, BNB, BB e Caixa Econômica Federal para
a Cadeia Produtiva em discussão;
� Proporcionar, fomentar e inovar tecnologias desde o agricultor, (com plantio,
colheita e comercialização), passando pelos pesquisadores e empresários até o
patenteamento das tecnologias dos produtos finalizados proporcionando
63
benefícios a todos envolvidos na cadeia produtiva inclusive utilizando todo o
apoio do Sistema S e do ITEP;
� Tornar as atividades da cadeia produtiva, em debate, mais competitivas e
rentáveis a partir da adoção, inovação e transferências internas de tecnologias
de produção, de conservação e de serviços eficientes e adequadas via de apoio
creditício e formação de parcerias público-privadas e das economias chamadas
solidária e familiares;
� Inserir nas atividades produtivas cadastradas, em nível de RD, tecnologias e
inovações nos processos de fabricação e de circulação das mercadorias com
vistas a:
• Gerar empregos e melhorar as rendas geradas localmente nos municípios
das RD
• Aumentar a produtividade do trabalho e a intensidade da produção existente
• Exportar excedentes da produção para outros estados da União e para países
com grandes contingentes de indigentes e de pobres
• Aumentar, significativamente, o número de patentes, de tecnologias e de
produtos, assim como, suas inovações tecnológicas.
16. A tecnologia e as condições gerais do trabalho. Partindo do princípio que “o
trabalho constitui, por definição, um fenômeno total da sociedade, revelando-a em todos os
aspectos. Pelo trabalho, visando à produção em si, o conjunto social se apresenta formando a
verdadeira totalidade humana, e logo se desenham as relações dialéticas de implicação mútua
que ligam todas as fases”, o filósofo Álvaro Vieira Pinto demonstra, em suas análises desse
item, que a tecnologia para ser útil precisa antes de tudo ser necessária. Note-se que o Autor
dessas Anotações para produzir o anteprojeto acima sinoticamente apresentado, também,
levou em consideração o que o pensador tratou no seu livro “O Conceito de Tecnologia”.
17. O progresso tecnológico como fenômeno social total. Nesse tópico do livro “O
Conceito de Tecnologia” o cientista e pensador Álvaro Vieira Pinto põe a nu todas as relações
centro-periferia do sistema mundo do capitalismo. É nessa parte, ainda, que vem a tona as
formas pelas quais o progresso tecnológico como fenômeno social total induz e determina as
relações de domínio e de subordinação de uma nação pela outra devidamente imbricada ao
metabolismo do capital, mundializado ou globalizado para fim de exercer ações de rapina,
pirataria e de saque sobre os países atrasados através de suas corporações empresariais
64
transnacionais e ONG que se apossam e subordinam os estados nacionais sejam eles
desenvolvidos ou subdesenvolvidos. O filosofo mostra, também, os mecanismos pelos quais os
países cêntricos ou desenvolvidos cabestream ou garroteiam os países atrasados e emergentes
pelo progresso tecnológico para, por um lado, estabelecer o status quo para os
subdesenvolvidos e, pelo outro, indizível bem-estar e condições de qualidade de vida para os
estados desenvolvidos e, principalmente, imperialistas (G7) sob o manto da globalização do
capital. Nas palavras do mestre se vê que “de fato, enquanto o país atrasado, colonial, agrário,
dependente, repousa na conservação da tecnologia tradicional, o país desenvolvido repousa na
invenção tecnológica revolucionária. Esta parece-nos uma das reflexões de maior significação
para o exame do papel da técnica no desenvolvimento nacional. Por sua natureza dual e
contraditória, refletindo o caráter dialético de toda atividade humana, a técnica presta-se às
duas funções antagônicas. Serve para conservar o atraso, quando se constitui pela repetição,
em fator limitante da necessária transformação do trabalho das massas, que tem de fazê-lo
com os instrumentos e os métodos que os proprietários lhes põem nas mãos, uma vez que por
própria iniciativa não dispõe de força social, de inspiração intelectual, nem de recursos
econômicos para mudar de técnica. Na sociedade adiantada, ao contrário, o interesse do grupo
dominante situa-se na constante substituição da tecnologia, e para tanto estipendia a pesquisa
científica avançada. Sabe ter de apelar para este procedimento, mesmo à custa de lutas de vida
ou morte, entre setores rivais para conseguir posição eminente que detém o momento
histórico”. Após essas considerações, transcritas acima, o filosofo adverte que “os perigos que
ameaçam a nação imperialista são, portanto dois, o temor da derrota na carreira com os
congêneres e o terror infundido pelos inequívocos sinais de emergência da consciência
autônoma nas áreas dominadas. Tem de empregar todos os recursos da pressão e do suborno
para assegurar a distância em relação aos países atrasados, tanto mais quanto em seu espaço
nacional vê travarem-se agora os mais sérios combates, que não pode liquidar sob pena de
enfraquecer o sistema do capital, a competição entre setores da alta indústria e por fim entre as
unidades e empresas individuais”.
18. Tecnologia e pesquisa científica. A carência e disfunção da pesquisa científica no
Brasil, sem dúvida alguma, descansou e descansa, em grande parte, na estrutura do sistema
educacional, em especial o universitário, que se limitou e, ainda, se limita a um academicismo
estéril de ciências inúteis. Em nenhum momento, o sistema educacional brasileiro, como um
todo, foi capaz de buscar e implantar um propósito de emancipação nacional fortalecendo a
65
nação para dissipar a alienação cultural em favor de uma consciência crítica da realidade
nacional. Talvez essa tenha sido a razão do descaso com a tecnologia e com a pesquisa
científica. Em tese, manteve, mantém e fomenta uma consciência reflexa, oriunda dos países
cêntricos e uma profunda e detestável consciência ingênua, tanto no sistema de educação,
quanto na cultura nacional. Essa separação entre o sistema de ensino com a pesquisa científica
e tecnológica no Brasil, só, muito recentemente vem sendo superada com a criação de
instituições de pesquisas nacionais dentro de um sistema de C,T&I e de grandes empresas nos
campos: biotecnológico, agrícola e do agronegócios (EMBRAPA), hidrocarbonetos, plataformas,
refinarias e perfurações de poços de petróleo e gás no mar em grandes profundidades
(PETROBRÁS), telecomunicações e fibras óticas (TELEBRÁS), aviação (EMBRAER), energias
elétrica e do hidrogênio (ELETROBRÁS), nuclear e beneficiamento de urânio (NUCLEBRÁS e
NUCLEB), hemoderivados (HEMOBRÀS), vacinas (FIO CRUZ e BUTANTAN) mineração e logística
ferroviária e náutica (VALE e ALBRÁS), aeroespaciais (CEA, VLS, PMM, CBERS e ACS),
supercondutores e nanotecnologias (ITA, FINEP e CNPq), biocombustíveis (etanol e biodiesel), e
outras. No dizer do pensador Álvaro Vieira Pinto, “a ciência, ao avançar, vai deixando pelo
caminho as técnicas a que dá origem, as quais, por sua vez, adquirem vida própria, constituem
um plano definido do conhecimento”. Conclui o tópico advertindo que “a pesquisa tecnológica
do país pobre tem de ser integralmente obra dos cientistas da nação que planeja o
desenvolvimento para si, realizada com os recursos de que dispuserem”.
19. A tecnologia como ideologia. O conceito de ideologia empregado pelo filosofo, no
desenvolver desse item do seu livro, é semelhante aquele usado por seu principal discípulo que
foi o pensador pedagogo Paulo Freire, ou seja, “a ideologia tem a ver com a ocultação da
verdade dos fatos, com o uso da linguagem para encobrir a realidade” (Wikipédia). Álvaro
Vieira Pinto afirma que “a técnica representa o aspecto qualitativo de um ato humano
necessariamente inserido no contexto social que a solicita, a possibilita e lhe dá aplicação. Deste
modo, ao ser praticado estabelece constantemente um circuito de ligação entre o operário e o
meio, circuito que se reveste das características dialética da ação de retorno, susceptível de
descrição e modelagem em linguagem cibernética... Por este modo, a prática da técnica conduz
à modificação das idéias, podendo alterar as existentes, anulá-las ou produzir outras, novas”.
Adiante, nesse mesmo tópico, ele adverte o leitor sobre “a invasão cultural representada pela
importação da tecnologia, com o conseqüente entupimento das vias de vazão do gênio criador
nacional, manifesta-se no projeto elaborado e financiado pela potência imperial com o fim de
66
utilizar sua tecnologia para ‘formar escola’ no país atrasado, ou seja, fazê-la passar,
imperceptivelmente, pela tecnologia nativa. O sucesso dessa escamoteação depende apenas do
tempo, repetição dos passes hipnóticos culturais e repressão das vozes denunciadoras”. Note-
se, que nesse item, o filosofo também, desconstrói e denuncia um sem número de bravatas
sobre a tecnologia como ideologia usada pelos países cêntricos com fins de mais explorar,
domesticar e submeter a sua intelectualidade científica, aos seus desígnios, com vistas a evitar
o desenvolvimento tecnológico autêntico dos países atrasados e emergentes.
20. A tecnologia como conjunto das técnicas em vigor numa sociedade. O
importante nesse tópico do livro “O Conceito de Tecnologia” de Álvaro Vieira Pinto é a maneira
pela qual o filósofo trata do tema e desperta o leitor para as técnicas em uso na sociedade em
diferentes aspectos, estágios, setores e ações e as suas perspectivas de serem melhoradas e
inovadas nos países emergentes e atrasados com vistas a mitigar e sanar a dependência
tecnológica imposta pelos países cêntricos. Mostra o pensador, que, em geral, essas técnicas
em uso na sociedade periférica são muito bem dominadas pelas comunidades e populações
locais que as usam intensiva e criativamente e, apresentam fantásticas potencialidades de
serem, em muito, renovadas e inovadas bastando, para tais fins, de programas e projetos de
governo eficazes para a mobilização dos seus usuários. A esse respeito no tópico nº 15, deste
segmento, foi explicitado, pelo Autor dessas Anotações, a título de exemplo, idéias
metodológicas a um anteprojeto na cadeia produtiva de fármacos em Pernambuco através da
SECTEC e suas organizações vinculadas. Lembramos, ademais, que sobre o assunto o filósofo
adverte que “para isso, o essencial está em conceber o plano de desenvolvimento nacional em
função da realidade relativamente desenvolvida já obtida” (...) ”E o que se tem de dar às
massas trabalhadoras não é o resultado da tecnologia, mas a própria tecnologia. Esta deve
pertencer-lhes porque significa o conhecimento e a consciência do trabalho que fornecem”.
Após várias considerações sobre os princípios para uma política tecnológica nos países
periféricos ele é enfático em afirmar que “a nova tecnologia de algum modo tem de apoiar-se
na antiga, mesmo quando entre ambas ocorra um salto qualitativo dialético. Não pode nunca
ser lançada sobre a realidade existencial do trabalhador, como se este não praticasse ações de
caráter técnico, não possuísse tecnologia de alguma espécie. Pensar assim demonstra que o
pensador ou ensaísta incide no erro de fazer o trabalhador para a tecnologia em vez de fazer
esta para o trabalhador”.
67
21. O princípio de unidade da técnica. O planejamento planejado. Neste tópico
Álvaro Vieira Pinto recorre à historicidade e à gêneratividade da técnica, através dos tempos,
para mostrar o princípio de unidade da técnica, partindo da antiguidade até os nossos dias
quando usamos os artefatos ou aparelhos cibernéticos para o planejamento planejado como
método avançado de desenvolvimento tecnológico da humanidade como um todo. Referindo-
se a razão técnica ele assegura que ela sempre existiu, ou seja, ”desde que o antropóide
superior alcançou suficiente grau de hominização. A técnica convém sempre repetir, demonstra
por definição a inclusão da razão humana no mundo, no estágio em que se encontra a
capacidade de percepção e de raciocínio do único animal social, em um processo evolutivo,
mediante a prática da ação intencional produtiva”. Tanto isso é verdade que em determinada
parte do texto ele assegura que “o planejamento, sempre obrigatório, em épocas antigas era
implícito. Faltava a consciência dele enquanto ato específico, com seus condicionamentos e
técnica executiva peculiar preparatória do empreendimento social produtivo ou da ação política
do centro dirigente. A consciência capaz de delinear adequadamente os atos na qual é
prefigurada a operação prática a seguir, que agora se manifesta explicitamente, veio a se
constituir em função social definida, representando uma das fases do processo geral de
produção. Passou a ser um planejamento planejado com os numerosos recursos oferecidos pela
teoria econômica, a compreensão sociológica e os meios operatórios matemáticos, inclusive o
fornecido pelos aparelhos de computação. Vivemos numa época na qual só tem sentido e
rentabilidade o planejamento planejado”. Esta é, talvez, a razão pela qual o filósofo define o
planejamento “como o emprego conexo das técnicas, sempre existente em totalidade, para
realizarem uma finalidade concebida pela razão”.
22. As interpretações da tecnologia. A exigência de um sistema lógico definido.
Neste item se trata de desmistificar um grave equívoco sobre a técnica e a tecnologia, isto é,
supor que ambas se sobrepõem a sociedade como fenômeno de humanização tal como a
própria técnica. Para tal fim o filosofo se faz valer da concepção dialética segundo a qual se
“indica ser a sociedade o sujeito que domina a tecnologia, sempre em função da existente em
cada momento e conservada na memória social”. Ele assegura que “a tecnologia jamais poderia
superpor-se à sociedade, uma vez que é apenas a mediação total de que a humanidade, no
papel de único agente concreto, se utiliza para materializar suas finalidades, Por conseguinte,
as avançadas criações da técnica, na atualidade ou no futuro, não só não repelem a teorização
‘antiga’, mais exigem, do contrário não se explicaria o trânsito do passado ao presente”. Do
68
exposto se deduz que a tecnologia exige um sistema lógico definido para sua análise
epistemológica e sua completa inteligibilidade.
23. A tecnologia como escatologia. A superstição tecnológica. Antes de prosseguir
essas Anotações vale apena informar o leitor sobre o que vem a ser escatologia, isto é, parte
da teologia voltada para os últimos eventos da história do mundo e, principalmente, do destino
final do gênero humano. Logo se situa no campo religioso e nas chamadas ficções ditas
científicas e do futuro profetizado nos textos sagrados de diferentes religiões, sejam elas,
monoteístas ou politeístas. Nesse tópico, do seu livro, o pensador Álvaro Vieira Pinto mostra e
desconstrói os argumentos desses idealistas que além de pregarem uma visão apocalíptica da
técnica tentam sacralizar a tecnologia utilizando-se dos postulados ou paradigmas da velha e da
contemporânea escatologia dando origem a um sem número de superstições, mitos e falácias
tecnológicas desprovidas de quaisquer princípios ou de obediência às leis científicas. A visão
escatológica da tecnologia além do seu profundo messianismo mistifica a essência da técnica
através de uma falsa contradição entre o humano e a técnica como se ler nos escritos de
Martin Heidegger. Na prática, a tecnologia como escatologia, é a base sobre a qual se situa e se
difunde pela mídia e pelo academicismo inútil nas universidades a ideologia de dominação. Os
apologistas das mistificações escatológicas da tecnologia escamoteiam ou fingem ignorar “ser a
técnica uma maneira de se conceber a ação do homem, revelando-se, portanto inseparável do
sujeito agente e não podendo receber uma nota de valor por si mesma, uma vez que o valor
pertence inerentemente ao ato humano e só neste fundamento adquire sentido. Nenhuma
técnica é boa ou má, mas serve de índice de qualidade das ações humanas, definidas pelas
finalidades a que se destinam a realizar, situadas na origem dos atos, dos instrumentos e
métodos técnicos”. Com suas ilações de caráter retrógado, insertas na ideologia de dominação,
aqueles apologistas procuram negar a técnica como função cultural inerente aos humanos e,
portanto, negam que a técnica é, também, usada para justificar a apropriação privada do “mais
intransferível dos caracteres do homem, o seu trabalho. Não se trata de erro intelectual
acidental ou inconsciente, mas ao contrário de erro programado para fazer dele uma ideologia
de dominação”. Depois de desconstruir os argumentos dos ideólogos da escatologia da
tecnologia e das superstições tecnológicas o filósofo afirma: “para acabar com a superstição
messiânica da técnica, o único recurso eficaz consiste em instalar em lugar dela a consciência
dialética do significado da tecnologia. Esta concepção também abre perspectivas para o
futuro”.
69
PARTE II. – O CONCEITO DE RAZÃO TÉCNICA
Esta segunda parte do livro “O Conceito de Tecnologia” de Álvaro Vieira Pinto
compreende os capítulos V, VI e VII da sua obra e que compõem, ainda, o primeiro volume.
70
Capítulo V - AS ANTECIPAÇÕES DA “RAZÃO TÉCNICA”
Este capítulo do livro do filósofo Álvaro Vieira Pinto foi produzido em 11 (onze)
tópicos que serão objeto das sinóticas Anotações do Autor Geraldo Medeiros de Aguiar no
mesmo estilo das que foram feitas, anteriormente, para os capítulos da primeira parte. Nesta
segunda parte, já no capítulo V, o filósofo fala sobre o conceito de razão técnica e das suas
antecipações como um processo histórico da razão humana de um modo geral, descartando
quaisquer alusões sobre um dom sobrenatural pronto e perfeito como insinuam alguns
ensaístas ingênuos.
1. O surgimento da razão técnica. Neste tópico Vieira Pinto mostra que a razão
humana, sendo produto da evolução material do mundo é necessária e obrigatoriamente
histórica. Em suas análises ele desconstrói a “absurda antítese entre a técnica e a humanidade”.
Assegura que a razão técnica tem início na acumulação dos conhecimentos e das técnicas
anteriores “evidentemente com as características do determinismo não mecânico, não
linearmente causal, mas dialético, de acordo com o qual a razão revela-se simultaneamente um
resultado em contínua produção e uma mediação de ordem superior nesse mesmo processo”.
(...) “A ciência e a técnica são resultado da acumulação contínua e milenar de conhecimentos
que auspiciam cada nova aquisição”. Explica o filósofo, que a dialética é a lógica capaz de
explicar a relação entre o indivíduo e o processo inventivo. “Somente à luz da dialética, os dois
elementos, o indivíduo e o processo, não se desfiguram, conservam a identidade e a razão do
ser, mas se revelam na unidade que os associa no movimento onde ambos figuram”. Explica,
também, que “sem a compreensão dialética do processo da racionalidade, o desenvolvimento
da tecnologia fica entregue a si mesmo, plana solto no espaço, sem história e sem raízes, e por
isso sem razão suficiente. A razão suficiente da técnica encontra-se no complemento humano de
desvendamento das propriedades do mundo, atitude existencial que, configurada por abstração
numa entidade psicológica, recebe o nome de ‘razão’, mas na verdade constitui-se pela práxis
vital, e, portanto social, dessa mesma técnica, em suas manifestações pregressas”.
2. A dominação da sociedade pela tecnologia. Nesse segundo tópico, o cientista é
contundente no combate às ingenuidades apresentada em: livros, revistas e na mídia tais
como, “homem esmagado pela máquina”, “servo dos robôs que imprudentemente engendrou”,
“dominado pela tecnologia” e outros epítetos de iguais canduras, Em suas críticas a propalada
dominação da sociedade pela tecnologia, Vieira Pinto, ainda denuncia que esses “escritores que
71
vituperam a técnica são incapazes de distinguir o essencial e o acidental” e, “por isso
responsabilizam a tecnologia pela iminente derrubada da posição privilegiada, excelsa,
sutilmente referenciada de que gozam em sua qualidade de filósofos, ‘professores’, ‘homens
cultos’, expoente da intelectualidade, que resistem por todos os meios à ignomínia de se verem
confundir-se com a massa uniforme dos obreiros, à desonra de serem chamados de
trabalhadores”. Em continuidade aos seus argumentos ele é enfático em afirmar que “o mais
eficiente ardil da consciência ingênua consistiu sempre em procurar escapar da história, juiz
inapelável, com profundos veredictos condenatórios das cavilações sociológicas e filosóficas
mal-intencionadas”. Conclui o item mostrando que o interesse de fugir da história, dos arautos
do conservadorismo ideológico da tecnologia, explica-se pelo motivo do ocultamento do
passado e a sonegação do futuro que se divisado desde agora, “mostrará o prosseguimento do
processo de libertação do trabalhador, com a ajuda da expansão, até limites insuspeitados, do
poder da tecnologia inconcebivelmente aperfeiçoada”.
3. A racionalização como ideologia da tecnologia. O avanço indescritível e impetuoso
da tecnologia leva os humanos à racionalidade na compreensão do cosmo, do nosso sistema
solar, da natureza terráquea e das sociedades. Em contra ponto a essa racionalidade os
empresários e os ideólogos ingênuos da humanidade primam em fomentar e divulgar a
ideologia da racionalização da tecnologia. Nas palavras de Vieira Pinto “na perspectiva da
consciência empresarial figuram somente a quantidade e a qualidade dos produtos, medidas
pelos rendimentos capturados pelo proprietário. Não se incluindo em sua percepção do
processo produtivo o valor existencial do ser humano, no caso os trabalhadores utilizados, não
participam daquela representação, a título de notas do conceito de racionalização do trabalho,
os autênticos valores humanos, que nela deveriam figurar em primeiro plano. Embora
certamente nunca tenham ouvido falar deste conceito da ciência cibernética, os industriais de
fato concebem a fábrica e as empresas como ‘caixas pretas’, com relação às quais só importa
conhecer a entrada e a saída”. Depreende o Autor de essas Anotações ser obvio que as
chamadas “racionalização científica do trabalho” (faiolismo, tailorismo, fordismo, pós-
fordismo, etc.) não passam de fraudes da economia política do capitalismo para escamotear a
alienação do trabalho, genialmente mostrada por Charles Chaplin no seu filme “Tempos
Moderno”. Toda essa escamoteação tenta confundir os conceitos de produtividade do
trabalho, com o de intensidade do trabalho e de intensidade de produção (que embora
antagonicamente contraditórios sejam apresentados ao público como produtividade) com
72
respeito à quantidade e qualidade do trabalho vivo e do trabalho pretérito imbricados ao
processo de produção de mercadorias que as levam a ter valor, valor de uso, valor de troca e,
quiçá, valor desenvolvimento. Todos esses conceitos estão imbricados ao processo de produção
de bens econômicos via tecnologia. Note-se, ainda, que é o ambíguo e contraditório conceito
de produtividade que remete a chamada racionalização do trabalho (como ideologia da
tecnologia) ao conceito de competitividade, hoje, por demais usados no processo de
globalização do capital.
4. A contradição do crescimento sem independência tecnológica. Neste tópico Vieira
Pinto dá continuidade ao seu pensamento, do presente capítulo, contextualizando a
transplantação de tecnologias externas de propriedade de estrangeiros nos países atrasados ou
emergentes de forma a gerar grandes contradições no crescimento (por falta da independência
tecnológica) capaz de qualitativamente, transformá-lo em desenvolvimento. Outrossim, dentre
as contradições do crescimento , vividas por esses países, chega um momento em que os
jovens formam seu próprio centro de ação e vinculam-se aos autênticos interesses nacionais
criando as condições objetivas que levam os países a escaparem do engodo da consciência
reflexa importada pelas classes dominantes e conservadoras que se esforçam pela manutenção
do status quo. No processo de romper os grilhões que os amarram surgem oportunidades de se
criar uma consciência para si em substituição a situação de uma consciência para outros sob a
égide da dependência tecnológica. De aí por diante torna-se impossível pela dinâmica do
processo induzido pelo crescimento vegetativo a emergência do salto qualitativo de as forças
das massas trabalhadoras se capacitarem tecnicamente e, gradualmente expulsar as forças
sociais comprometidas com o status quo do país. Tanto isso é verdade que “a formação
tecnológica das novas gerações do país atrasado tem importância capital porque se trata de
engendrar um potencial de natureza revolucionária, embora nos primeiros tempos desempenhe
função progressista insuficiente, pouco visível e contraditória”. Nesse processo “as técnicas do
país subdesenvolvido se converterão em produtos de inteligência, que logo passarão a exportar,
em forma de produtos próprios deixando a postura de beatos assimiladores do saber de
procedência externa”. (...) “Serão as forças sociais jovens, não comprometidas e ansiosas de se
desenvolverem por si mesmas, que representarão os novos e eficientes fatores de propulsão
educacional, particularmente tecnológica”. (...) ”Ao se investir da consciência para si,
objetivamente traduzida em trabalhar para si, o país ingressa no caminho da libertação, toma
73
posse dos recursos de que dispõe os constituídos pelas riquezas materiais e, sobretudo o
representado pelo mais precioso deles, a capacidade criativa dos seus elementos humanos”.
5. A invenção da técnica e a ascensão histórica dos países subdesenvolvidos. Nesse
tópico o sábio Vieira Pinto enfatiza a necessidade de partir da realidade objetiva do país
atrasado para se criar uma consciência para si por parte das massas de trabalhadores com
vistas à invenção de sua própria tecnologia e sua ascensão histórica. Para isso, a descoberta e o
conhecimento da realidade do país atrasado são capitais, Desconstruindo o falso conceito de
que a invenção e o progresso da técnica repousam em si mesmos ele afirma que, nos campos
interno e externo, os “ideólogos do imperialismo não se cansam de entoar a serenata da auto-
reprodução para a técnica, cuja letra declara que os países desenvolvidos serão sempre os que
mais se desenvolvem sem indicar o papel da consciência e do trabalho das massas”. Com essa
ladainha esses ideólogos encobrem o fato de se exigir para a invenção da técnica a mediação
humana que “equivale a introduzir no problema um fator incerto, de dominação jamais
absoluta, o pensamento humano, em virtude da possibilidade do surgimento da livre
consciência para si, no curso do progresso da invenção” (...) ”O desenvolvimento da técnica tem
como causa não a expansão espontânea dela mesma, mas o desenvolvimento da razão humana
na progressiva e jamais interrompida conquista da natureza”. Em seguida a essa acertiva o
filósofo desconstrói as falsas teses e ingenuidades do ensaísta Jacques Ellul explícitas no seu
livro “A Técnica e o Desafio do Século” (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968).
6. O espantalho da técnica e as maliciosas intenções desse conceito. Trata-se nesse
tópico a contextualização que pretende justificar a “dominação do homem pelo homem por
intermédio da técnica, descarregando a culpa sobre ela”. Nas suas severas críticas àqueles que
chamam de “agentes propagadores da ideologia da submissão”, Vieira Pinto, mostra que
“atrás da técnica existe sempre outro homem, aquele que a concebeu, montou-a como
instituição social, tornou-se proprietário dela e apropriou-se dos bons resultados produzidos.
Deste modo nunca será a técnica, que não é ninguém, quem dominará o homem, mas outro
homem. Na verdade, com a técnica o que um grupo social faz é a montagem da estrutura de
dominação”. Continuando suas críticas aos ideólogos da submissão, Vieira Pinto, mostra o que
“está acontecendo, porém é um fato de ordem social, e não existencial. A técnica irá deixando
de ser propriedade privada para se tornar propriedade da sociedade inteira, e, portanto de
todos os homens, à medida que forem desaparecendo os antagonismos entre o indivíduo
trabalhador e grupos espoliadores seletos, que exercem domínio sobre o conjunto de seus
74
semelhantes.” Ao contrário das maléficas intenções dos ideólogos da submissão através de suas
maliciosas intervenções sobre os espantalhos da técnica, esta pela sua natureza de mediação
tem-se prestado a servir de biombo para a ocultação dos exploradores agora, com êxitos cada
vez menores. Ainda, nesse tópico, o filósofo faz ver ao leitor que “o homem só inventa as
técnicas de que necessita em cada época, e são aquelas que podem ser descobertas no tempo
considerado, em função, e com o auxílio, das que tem à disposição, ou seja, com base na
realidade material das que se acham ao seu alcance.”
7. As novas formas do espantalho da técnica surgidas com a automação. Aqui, nesse
tópico Álvaro Viera Pinto retoma sua crítica anterior e, em determinado momento, desconstrói
o pensamento e as teses de Michael Harrington explícitas nos seus livros: “A Revolução
Tecnológica e a Decadência Contemporânea” (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967) e “A
Outra América” (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1964). Em suas críticas ao pensamento
daquele ensaísta, pregadores da “perda do paraíso”, com o desenvolvimento da técnica no
período histórico contemporâneo com o processo de automação, como novo espantalho da
técnica, ele é enfático em afirmar: “importa aqui, porém, como sempre, mostrar a intencional
distorção dos fatos históricos enquanto maliciosa manobra da consciência ideológica
dominadora. Esse pensador anacrônico projeta no futuro, por temê-lo espavorido, a perda da
racionalidade humana. Para o filósofo dialético, que abrange a totalidade do processo de
hominização o que ocorreu de fato no curso da história foi exatamente o contrário”. Em sua
crítica ao espantalho da técnica surgida com a automação cibernética o filósofo ironicamente
responde àqueles maliciosos ensaístas, que pregam o domínio da técnica sobre os humanos,
que “a única coisa sensata – a última - que o homem tem a fazer é imobilizar-se, oferecer-se às
máquinas pensantes e implorar-lhes que lhe digam o que ele é”. Esses pregoeiros derrotistas
dos humanos e apologistas da técnica dominadora esquecem que “o acréscimo de
racionalidade consiste necessariamente no avanço para o futuro nunca no retorno à
Antiguidade remota ou próxima”.
8. Tecnologia e trabalho. O trabalho como modo de ser do homem. O conceito de
valor do Trabalho. A teoria da ética. Neste tópico do livro de Álvaro Vieira Pinto o leitor
depreende que ele atualiza e inova vários pensamentos de Karl Marx trazendo, assim,
contribuição ao método marxista. Revisita a teoria marxista do valor trabalho sem transbordar
para a economia política em termos de: valor, valor de uso e valor de troca, inerentes a toda e
qualquer mercadoria. “O trabalho constitui um diferencial do homem, nos aspectos definidos no
75
seu ser, tal como a técnica, porque não se pode conceber o indivíduo humano senão em sua
qualidade de trabalho”. (...) ”O homem tem de trabalhar, porque essa é a via que
biologicamente o processo de hominização tomou, quando o modo de produção da existência
para esse ser revestiu-se do caráter de produção social”. A partir desta acertiva o filósofo afirma
que os valores éticos estão imbricados ao processo de trabalho humano por ter sua gênese nas
relações sociais de produção. Assim, fica explícito que “o interesse último e definitivo de todo
código ético é o trabalho”, embora em todos os modos de produção, salvo no comunismo
primitivo ou tribal, se caracterizou pela sacralização da exploração do homem pelo homem,
razão pela qual “a figura do único robô real até hoje criado pelo homem, o trabalhador dirigido
pelo patrão”. É, sem dúvida, na acertiva supra que descansa a alienação do ser humano no
processo de trabalho, ou seja, quando perde sua essência com a obrigação de vender sua força
de trabalho a outro (capitalista) para poder subsistir socialmente.
9. Essência e forma do trabalho. A teoria dos valores representados pelos modos de
trabalho. Nesse tópico o filósofo Álvaro Vieira Pinto dá continuação a sua revisitação ao
método marxista atualizando alguns conceitos da teoria dos valores representados pelos
modos de trabalhar. Ainda, nesse item do seu livro, o filósofo adverte que “a mudança das
formas de trabalho, porque nelas se incluem as tecnologias, pertence à faixa cultural da
realidade social, mas em virtude da ação recíproca entre elas, forma e essência atuam
igualmente como fatores preparatórios da futura substituição da essência”. (...) “A significação
do trabalho conserva-se sempre a mesma e consiste na resolução de uma contradição vital, mas
o modo graças ao qual se realiza varia com a espantosa escala de sucessão e aperfeiçoamento
das técnicas por nós conhecidas”. Em suas análises o pensador afirma que “nunca o homem
será mais racional do que quando estiver cercado de máquinas efetivamente ao seu serviço,
desde que, por uma aberração do sistema de convivência social, não seja ele quem esteja
subordinado a elas”. Conclui o tópico do capítulo com a acertiva de “a substituição de valores
forma o âmago do processo de emancipação de que tanto falam os escritores progressistas, e
naturalmente se verificará em todos os terrenos, político, moral, econômico, jurídico, espiritual,
educacional, tecnológico e científico”.
10. O agente e o instrumento no trabalho em máquinas mecânicas ou cibernéticas.
Nesse item do capítulo V o filósofo Álvaro Vieira Pinto dá uma verdadeira aula sobre a
formação e evolução do primata hominídeo até o ser humano pela sua contradição com a
natureza que o leva a se tornar o único ser vivo no planeta a ser dotado de cultura. “A
76
passagem do estado biológico ao cultural dá-se pela mediação da existência humana
desenrolando-se em condições sociais, a saber, pela produção econômica da vida”, (...)
“Máquina alguma, nem o mais perfeito ‘cérebro eletrônico’, ou que outro nome se dá a esta
classe de engenhos, pode ter contradições com a natureza simplesmente porque não existiria.
Por definição a máquina não pode ter contradições com as leis do mundo material”. (...) “Desde
o simples espelho da ótica até os aceleradores de partículas, vemos os aparelhos científicos
funcionarem porque neles se realizam as propriedades dos corpos que tem por função revelar”.
Depois de comentar a maldição teológica sobre o trabalho braçal explícito em Gênese 3, 19 da
Bíblia o pensador explica que “somente a dialética, manejando o instrumento conceptual da
contradição, pode explicar com clareza a diferença entre a significação do homem e a da
máquina no sistema da produção. Secundariamente, fica anulado outro temor típico do pensar
ingênuo, o do destino do homem na ‘civilização do ócio’, supostamente preparada de modo
insensato pela ciência e pela tecnologia”. Essa é a razão de “a libertação do trabalho não
significa a extinção dele, mas a mudança de qualidade, apreciada pelos efeitos exercidos pela
maioria dos homens, configura o mais auspicioso passo no caminho da realização da dignidade
humana sem de modo algum se confundir com o ócio, o dolce far niente, imagem romântica,
impossibilidade histórica”. Finalizando o tópico, em apreço, ele declara que “na comunidade
que abandonou os valores do modo de vida capitalista, o lazer será um dos bens de produção
entregue pela sociedade aos seus membros para que dele façam um meio, em mediação
destinada a servir à realização de finalidades individuais. Longe, portanto de haver um cinzento
nivelamento na sociedade que venceu a alienação e a submissão ao trabalho físico,
extenuamente, o lazer passa a ser a finalidade do trabalho coletivo da sociedade organizada
com justiça, que permitiu a cada homem não a inatividade desonrosa e infecunda, mas ao
contrário a realização de si, nos mais íntimos e pessoais desejos que moverão a ação de cada
elemento social. O ócio e o lazer adquirem a função de mediação universal para que os homens
possam passar da condição do trabalho em si, ou alienado, à do trabalho para si, desalienado,
permitindo a realização do autêntico ser do homem no trabalho exclusivamente seu”.
77
Capitulo VI. O CONCEITO DE “TECNO-ESTRUTURA”
O presente capítulo foi desenvolvido pelo eminente pensador em seis tópicos que serão
resumidos nas Anotações conforme segue e seu desenvolvimento.
1. A ideologia da “tecno-estrutura”. O filósofo Álvaro Vieira Pinto inicia o presente
tópico tratando de examinar, criticar, desconstruir e desmistificar o ideológico da “tecno-
estrutura” do pensamento do diplomata, sociólogo e economista norte americano John K.
Galbraith autor da obra “O Novo Estado Industrial” (Civilização Brasileira, 2ª Ed. Rio de Janeiro,
1969). Aquele intelectual dos EE.UU (pragmatista - plutocrata) representante do capitalismo
imperialista de estado massageia o ego dos magnatas das grandes corporações internacionais
solidificando ideologicamente pelo conceito de “tecno-estrutura” os seus poderes mais
nefastos no ato que capturaram a ONU através, principalmente, do FMI, Banco Mundial e
outros organismos internacionais que orbitam em torno do CFR (Council on Foreign Relations),
Clube de Paris, Clube de Roma e Fórum Econômico Mundial (realizado anualmente, em Davos
na Suíça) e que se estendem, em rede, a todos os estados nacionais do sistema mundo do
capitalismo. Desnudando os mitos e denunciando as fraudes da ideologia da dominação
explícita no conceito de “tecno-estrutura”, na obra de Galbraith, o filósofo Vieira Pinto explica
ao leitor que muito ao contrário da proposição daquele ideólogo da dominação “o saber, a
informação, a tecnologia não determinam novo momento histórico da posição do centro do
poder, segundo pensa Galbraith, porque na sociedade à qual se refere, aqueles conhecimentos
são mercadorias que só podem ser compradas pelos poucos possuidores do capital, que
investem no poder de compra da informação, para fazer funcionarem as grandes corporações”.
Depois de contestar e criticar os postulados ideológicos da dominação ocultados no conceito de
“tecno-estrutura”, pregados por aquele ideólogo, ele argumenta sobre a impossibilidade de
haver nova formação histórica criada pela posse da tecnologia, razão pela qual ele argumenta:
“o que ocorre na sociedade capitalista desenvolvida é a passagem à procura de nova forma de
mercadoria predominante, passagem justamente que para ser possível exige a permanência
das condições de base. Não se trata de outro modo de produzir, pois sempre a produção foi
técnica, nem de diferente sistema de relações de produção, desde que os técnicos continuam
assalariados”. (...) “Nas condições de trabalho altamente tecnificado a ‘tecno-estrutura’ retira
todo o poder do técnico, moralmente rebaixado à categoria de empregado assalariado, por
mais regiamente pago que seja”.
78
2. A “tecno-estrutura” como degradação do homem. Aprofundando sua análise,
nesse tópico do capítulo seis, Álvaro Vieira Pinto, ao contrário dos pregadores da ideologia da
“tecno-estrutura”, argumenta sobre o quanto ela degrada o ser humano no sistema mundo do
capitalismo como instrumento da dominação das grandes corporações. Dessa forma, o filósofo
vê na tecno-estrutura a diluição do verdadeiro valor humano do indivíduo numa massa
incólume de serviçais anônimos, timoratos, inseguros e robotizados. Essa é a razão pela qual “a
produção intelectual dentro da tecno-estrutura perde o sentido humano, não pertence a
ninguém, porquanto se deve a um ‘grupo’ de técnicos, comprados no mercado, que, segundo
sabemos, mostram-se pouco exigente em matéria de inteligência”. Depois de mostrar a
degradação do ser humano pela tecno-estrutura, o filósofo é contundente na sua crítica
demonstrando que “o arranjo chamado ‘trabalho em equipe’ ou a ‘equipe de trabalho’, que a
‘tecno-estrutura’ se ufana de haver criado e de fazer funcionar tão bem, com geral alegria,
esconde realmente um embuste na forma em que é apresentado. Constitui de fato um grave
problema humano de produção técnica e científica de nosso tempo, exigindo amplas
modificações sociais para ser efetivamente solucionado De modo algum se reduz às
simplicidades com que o retratam os teóricos do novo estilo de alienação do trabalho, rotulado
de ‘tecno-estrutura’.” (...) “O técnico tem, por conseguinte, de tornar-se maleável e dócil,
chegando a alguns casos ao inconcebível grau de robotização em que aceita a incumbência de
fabricar com inconsciente alegria. requintados melhoramentos para a guerra atômica ou
bacteriológica”.
3. Negócio e informação. O engodo e a fraude criada por aquele ideólogo norte
americano a que denominou de tecno-estrutura, no dizer de Vieira Pinto, não se limita apenas
as proposições acima desconstruídas, mas também, a ingênua confusão e mistura entre os
conceitos de negócio e informação com uma enganosa ponte ideológica que constrói entre os
mesmos “destinado a ocultar a ação onipresente dos verdadeiros donos do negócio”. Evidencia-
se assim “a periculosidade da consciência maliciosa, que lança mão do truque da substituição
de rótulos para produzir efeitos sugestivos antagônicos, transmudando o bom em ruim, ou o
ruim em bom, o negócio capitalista em tecno-estrutura e a direção das organizações industriais
em um centro de informações, enquanto por baixo da manobra vocabular permanece invariável
e fato real”. Os empresários e a plutocracia tecno-burocrática do estado nacional a título de:
“coordenar”, “assessorar”, “organizar” ou “planejar” cria “uma penca de parasitas das
organizações empresariais e do Estado, alojados no sem-fim de comissões e comissões de
79
comissões, numa delirante catadupa de órgãos e subórgãos administrativos sem término
visível”. (...) “Verifica-se então que um dos traços exibidos pela ‘racionalidade’ da estrutura
encontra-se na indispensável presença de elementos ociosos, de emprego simbólico, simulado
ou duvidoso, oriundos da mesma alta esfera, e que não podem ser abandonados ao Léo nem
deixados ao relento, sob pena de desagregação do grupo”.
4. O embuste do conceito de “decisão de grupo”. Outra mistificação dessa maliciosa
ideologia que supostamente valoriza a técnica e os técnicos estão no seu enunciado de
“decisão de grupo”, denunciada por Vieira Pinto. Segundo o filósofo a “decisão de grupo”
criada e pregada por Galbraith em sua obra “constitui mais um embuste destinado, igualzinho
aos anteriores, por um lado a inocentar os únicos personagens efetivamente dotados de força
decisória, encobrindo-os tanto quanto possível, não os deixando aparecerem como tais a luz das
gambiarras, providência muito acertada porque lhes poupa a maior parte dos dissabores que o
exercício de poder acarreta, e por outro lado visa a lisonjear os técnicos, os assessores, os
projetistas, os tocadores de computadores e toda a variada fauna dos componentes da ‘tecno-
estrutura’’. (...) “Por conseguinte, o plano de ‘decisão de grupo’ mostra-se soberano, mas com
duas limitações. Uma proveniente de grupos isomorfos de empresas concorrentes ou de que
outro tipo sejam com as quais tem que lutar, ou ainda de grupos diferentes da mesma
organização, desejosos, porém, de meterem o bedelho onde não devem. A segunda limitação
provém do pequeno centro de proprietários ou maiores acionistas da corporação, que em casos
especiais, na verdade permanentemente, intervém no grupo de decisões formado pelos
tecnocratas, fiscaliza-o e dita em última instância a linha final de conduta, de forma velada,
polida sob ameaças tenuemente insinuadas, quando não na ‘base do berro’, como se costuma
dizer, revelando a habitual finura de trato desses importantes cavalheiros”.
5. A essência da “tecno-estrutura”. Nesse tópico o filosofo Vieira Pinto além de
mostrar a periculosidade da ideologia da “tecno-estrutura” ele demonstra de forma crítica a sua
essência ideológica em querer camuflar e negar a oposição entre o capital e o trabalho, assim
como, a luta de classes no sistema mundo do capitalismo remetendo o fenômeno para os
primórdios da revolução industrial. Para isso essa maléfica ideologia procura dar a entender
que as corporações imperialistas são democráticas, na medida em que os poderes de decisão
das mesmas não são dos detentores do capital, mas da chamada classe média (tecnocratas,
burocratas, intelectuais) subvertendo, assim, os fatos históricos. Sua essência está ainda, em
omitir os poderes dos capitalistas acionista das corporações imperialistas e, dessa forma, a
80
ideologia da “tecno-estrutura” transfere, divulga e prega a falácia das corporações terem
imbricado em si um humanismo organizacional em pró das sociedades em que se fazem
presentes. No dizer de Vieira Pinto “é escusado dizer que esta variação do mesmo tema
mistificador refere-se ao fato de já muito conhecido, da união geral de interesses das nações
capitalistas, obrigadas a se organizar em forma de mercados comuns, novos Avatares que
ajudam a esconder as permanentes finalidades da política imperialista dos grandes países
desenvolvidos”. (...) “As reflexões precedentes confirmam tudo quanto dissemos anteriormente
sobre a malignidade da noção de ’tecno-estrutura’ na verdade destinada a satisfazer um
objetivo teórico bem mais extenso do que a princípio se poderia esperar”.
6. A “tecno-estrutura” como modelo de desenvolvimento econômico. A ética da
“tecno-estrutura” e as recompensas prometidas aos técnicos que a integram. Finalizando o
capítulo VI com este tópico Vieira Pinto ao contextualizar a tecno-estrutura como modelo de
desenvolvimento econômico ele afirma que “são as massas trabalhadoras que instituem a
origem de todas as criações culturais e filosóficas, ciência, arte, indústria, tecnologia, são elas,
portanto as autênticas detentoras da racionalidade. Pelo grau em que determinada
comunidade realiza objetivamente os interesses delas mede-se o progresso da razão na história
universalmente, e na de cada povo em particular”. Como modelo de desenvolvimento
econômico a noção de tecno-estrutura deve ser abolida em todo e qualquer país atrasado na
medida em que é um instrumento sutil do imperialismo como centro de poder da organização
empresarial corporativa, servindo de hipocrisia sociológica aos intelectuais desavisados e
alienados dos países periféricos. Diz ainda o filósofo, que “o conceito de ‘modelo’ comporta
nesse projeto imperialista dois significados perniciosos, além de falsos, para os discípulos
primários: apresentar-se como solução única a ser copiada; e afirmar, contra a verdade dos
fatos, sua perfeição”. Essa enganadora ideologia do sistema mundo do capitalismo procura
ocultar o fato de que “o poder sempre pertence a uma classe restrita de indivíduos, definida por
sua função específica na produção social. Os técnicos não passam de trabalhadores intelectuais,
ou a meio caminho na escala entre os intelectuais e os braçais assalariados, por modalidades
atualmente disfarçadas com novos nomes e diferentes canais de pagamento, mas não menos
explorados do que as massas trabalhadoras em geral, sofrendo ademais a agravante de serem
doutrinados para não chegarem à consciência de sua situação e para se julgarem superiores aos
confrades operários, servindo na qualidade de exemplos, de instrumentos para a domesticação
destes últimos”. Sua ética “consiste numa ríspida confraria de moralistas, composta de
81
funcionários exemplares, devotados à conquista da sagrada finalidade da ‘maximização dos
lucros’, não para si, mas para um punhado de outros indivíduos que os professos desconhecem,
porém aos quais servem com a filial piedade devida ao patrão benfazejo”. Em nenhuma
hipótese se deve fazer uso dessa ideologia de dominação como paradigma de um autêntico
processo de desenvolvimento econômico, social e tecnológico em um país periférico ou
atrasado. Por isso essa concepção ideológica de “tecno-estrutura” (que foi e ainda é muito
usada nas academias no Brasil) precisa ser denunciada como um dos mais nocivos embustes
para seu autêntico desenvolvimento econômico, social e tecnológico.
82
Capítulo VII. DESENVOLVIMENTO E CATEGORIAS DA RAZÃO TÉCNICA
Este capítulo do livro “O Conceito de Tecnologia”, produzido pelo pensador-filósofo
Álvaro Vieira Pinto foi desenvolvido em dez tópicos cujas sinóticas Anotações seguem o
mesmo estilo e diapasão dos capítulos anteriores. Ressalve-se que este capítulo sétimo encerra
o primeiro volume com suas 531 páginas da monumental obra em discussão.
1. O autêntico caráter da razão técnica. Segundo o filósofo o autêntico caráter da
razão técnica está no ser humano que se revela como seu único e exclusivo sujeito ou agente,
isto é, não é a técnica que se racionaliza, mas sim o ente humano. Esta é a razão pela qual “o
destino da técnica, que jamais alcança a perfeição estabilizadora, em virtude do incessante
progresso de avanço da razão”. (...) “O esgotamento do conhecimento daquilo que há de
racional na técnica atualmente utilizada consiste exatamente em descobrir novos aspectos
racionais, outras possibilidades de produzir efeitos, que nela estavam contidos, mas não eram
compreendidos e por isso não podiam ser realizados por ela”. (...) “Toda técnica, por
conseguinte não só conduz a melhora de atos que já se vinham praticando, em modos menos
racionais e, portanto menos úteis, mas leva também à descoberta de outros, que representarão
inédito e constante florescimento da racionalidade”. Segundo, ainda, Álvaro Vieira Pinto o
progresso da razão técnica, consiste “na agilidade de combinar idéias preexistentes e de
inventar procedimentos que deverão ser depois transferidos para o plano da realidade material,
onde irão frutificar em técnicas e máquinas”. No planeta terra o único ser vivo a doar sentido é
o ser humano pela sua razão. Nem mesmo a natureza tem essa capacidade de doar sentido na
medida em que só age e reage por causa e efeito. A razão técnica está devidamente imbricada
na cultura do ente humano pelas virtualidades da: sociedade, linguagem e arte.
2. Os dois aspectos do processo da razão. O homem como produtor do que
consome. Nesse tópico são vistos e analisados pelo pensador Álvaro Vieira Pinto os dois
aspectos do processo da razão, ou seja, o elemento subjetivo que é a idéia tornada finalidade e
o comportamento em quanto fato ocorrido no desenrolar das transformações do mundo físico-
natural. Quanto ao produzir para consumir o filosofo afirma que “todos os seres do mundo vivo,
vegetais e animais, anteriores ao homem não consomem o que produzem. Distinguem-se
precisamente por consumirem o que não produziram. Consumir o que produz só o homem fará.
Este fato possui tão capital relevância que por ele se define a qualidade mais característica do
83
homem. De fato, para realizar essa façanha fica suposto que o ser vivo capaz de executá-la
mostra-se habilitado antes de produzir o que irá consumir sob forma de projeto de produzir
para si. Ora, dizer projeto significa referir-se a um ato de consciência que não se encontra em
nenhum animal, por adiantado que seja, porquanto exige a prévia constituição, a título de
finalidade subjetivamente concebida, da idéia daquilo que irá produzir”. Explica o filósofo que
todo ser vivo, exceto o ente humano, só consome o que a natureza lhe oferece e lhe impõe
aproveitar sob pena de extinção. Essa é a razão de o animal desprovido de consciência não ter
contradição com a natureza, como também às máquinas e aparelhos construídos pelos entes
humanos. Por várias razões analisadas, no tópico pelo emérito pensador, permite ao leitor
concluir que entre todas as razões a mais importante e essencial produção humana é o mundo
social em que vive. Nele o ente humano deixa de produzir não exclusivamente para si, mas para
o outro o que implica, também, ter um consumo em sociedade.
3. A razão é o resultado e a origem da faculdade de produzir. O fundamento social
da invenção. É obvio que o desenvolvimento da razão humana está no processo evolutivo da
sua capacidade e do seu aperfeiçoamento em produzir. Sabe-se, também que a produção está
imbricada a habilidade de inovar e inventar no processo de trabalho e não adaptar-se a
repetição de um automatismo biológico. Vale dizer que a razão humana descansa na
necessidade de os humanos viverem em sociedade onde depositam conhecimentos pela
cultura acumulada dos instrumentos de trabalho que viabilizam os aperfeiçoamentos da
tecnologia, da arte em seu processo vital e de controle da natureza. Por isso o viver em
sociedade dos humanos é que o leva ao fundamento social da invenção. Esse fato faz o filosofo
Álvaro Vieira Pinto argumentar que “o animal antropóide em via de hominização originou em si
uma nova faculdade de organização nervosa superior, a racionalidade, a saber, a capacidade de
representar em si, sob a forma de idéias abstratas as propriedades dos corpos e as leis dos
fenômenos naturais”. Politizando o leitor em termos de fenômenos concretos ele afirma que
“sem dúvida o mundo dos artefatos repousa sobre as substâncias naturais as matérias primas,
mas no plano do consumo direto do civilizado as últimas são ignoradas, figurando somente na
mira dos dirigentes da produção econômica, que por elas lutam num conflito feroz entre
potências predadoras, colonialistas e imperialistas, onde são sacrificados os autênticos
interesses humanos, inclusive a vida de milhões de homens”. (...) ”O homem consome
atualmente, a bem dizer a sua própria razão, sob a espécie de bens de utilidades”.
84
4. As categorias dialéticas do “ter” e do “haver”. Na visão de Vieira Pinto o “ter” e o
“haver” constituem “categorias dialéticas materiais distintas, refletindo a transmudação
biológica criadora do animal hominizado e expressando o aparecimento e o pleno exercício da
existência social”. (...) “Em tal situação o ‘haver depende do estado social e econômico do
indivíduo conforme apropriadamente se espelha na expressão ‘os haveres’”. (...) “O ‘ter’ que
representa um dado bruto da realidade natural, determinada substância, propriedade dos
corpos ou produto espontâneo do mundo vivo, que se oferece com o surgimento da sociedade”.
Depois de explicar dialeticamente e em detalhes a diferenciação do “ter” e do “haver” ele
afirma que “a passagem do ‘ter’ ao ‘haver’ diferencia existencialmente o modo de ser animal e
o humano, sendo marcada por duas importantes qualificações: (a) inaugura-se o regime de
trabalho produtivo como meio de acesso às disponibilidades da natureza; e (b) inicia-se o
processo de distanciamento do homem em relação aos dados imediatos do mundo natural, que
agora precisam ser conhecidos, e, portanto exigem mediações para se converterem em bens de
uso. O último aspecto indica o nascimento da tecnologia, coetâneo ao da hominização, porque
a passagem do ‘ter’ ao ‘haver’, constituindo a essência da produção, é obra da técnica. Vemos,
portanto, que a técnica, por este ângulo, revela ser a mediação transformadora do ‘ter’ em
‘haver’”.
5. A luta pela hominização e suas fases, primitivamente biológica e depois social.
Como o próprio tópico indica o filosofo Álvaro Vieira Pinto transita no, seu raciocínio, pelas
fases do processo de hominização do animal primata ao humano passando pela luta contra
seus predadores e fenômenos climáticos e ambientais da natureza até a origem das linguagens
já vivendo em sociedades que permitiu a comunicação pelo conhecimento reflexivo e não mais
repetitivo para sua evolução em diferentes gêneros homo, hoje extintos, salvo o sapiens
sapiens que, posteriormente criou a escrita, e conseguiu e consegue controlar a natureza para
sua subsistência em diferentes e diversificados modos de produção social, com diferentes
divisão social do trabalho, e níveis de tecnologia, originando nas sociedades a violência da
exploração de um homem por outro homem que segundo Hobes, no Leviatã, afirma ser o
homem o lobo do próprio homem. Aprofundando seu raciocínio sobre os processos em tela o
filósofo enfatiza, no tópico, a possibilidade de surgimento de uma época “em que cessará o
estado de contradição social, dando lugar a uma forma de convívio humano interiormente
pacificado pela supressão das discriminações e pelo êxito completo da exploração do único ser
que o homem tem o legítimo direito de explorar, porque o conquistou na primeva luta pela
85
constituição da espécie, a natureza”. Ainda, neste item do seu livro e dessas Anotações o
grande pensador brasileiro adverte que “as leis biológicas tem vigência necessária e imediata
sobre os homens, como não poderia deixar de ser, mas são mediatizadas pelas leis sociais, e por
isso na perspectiva proposta por estas é que se terá de atingir e estudar o plano biológico
fundamental. Daí a prioridade da luta pela transformação da sociedade. Por conseguinte,
enquanto persistirem as circunstâncias discriminatórias, o principal objetivo de qualquer ação
libertadora do homem situa-se no plano social”.
6. O ”complexo de Herodes”. Ao defender a tese de que “o principal produto do
homem é o homem”, Álvaro Vieira Pinto investe contra os defensores das idéias malthusianas,
na velha ou na nova versão, que, “por de todos intereresseiros e ligados as consolidação do
domínio dos países imperialistas, proclamam a noção ingênua da ‘explosão populacional’, como
se tal fenômeno alguma vez em qualquer tempo tivesse acontecido ou pudesse jamais
acontecer.” (...) “Este conceito cientificamente errôneo, destituído de fundamento objetivo e
moralmente repugnante, dadas as origens espúrias e as finalidades a que serve, passou agora a
ser usado a título de argumento sociológico para impressionar a imaginação do público
teledirigido, especialmente as classes semicultas, em particular os médicos dos países cultural e
politicamente subjugados”. Combatendo esse disfarçado e perverso genocídio de populações
humanas pobres e indefesas, muitas ainda, não nascidas. Essa abominável e repugnante idéia
de controle de natalidade nos países pobres do planeta torna-se mais detestável e imoral
política genocida do imperialismo oriundo do sistema mundo do capitalismo em sua fase de
globalização. Tanto é assim que Vieira Pinto ao combater e argumentar contra tal política
mostra com clareza no capítulo “que o aumento da população das áreas subdesenvolvidas
compõe o mais importante fator, a máxima riqueza de que dispõem na época atual os países
pobres para a rápida ascensão histórica, em vista da possibilidade do surgimento da consciência
crítica de si e da apropriação do progresso tecnológico, cada vez mais dificilmente conservado
em estado de segredo metropolitano”. Sua indignação e seus argumentos contra a política de
controle da natalidade levou o filósofo e pensador a proferir o texto a seguir: “A teoria e a
prática do controle da natalidade, principal imposição atualmente feita pelos centros
imperialistas aos povos subdesenvolvidos e colonizada, enquadram-se numa fórmula de
concepção e de comportamento políticos a que julgamos caber, com justeza, o nome de
‘complexo de Herodes’. Escolhemos o nome, alusão ao mito bíblico da matança dos inocentes,
porque nos parece resumir num conceito único, facilmente memorizável, o estado de espírito, a
86
ética, os interesses e os procedimentos que movem a mentalidade e a ação dos dirigentes das
nações hegemônicas e seus cúmplices nas regiões indefesas”. (...) “A sentença política que, sob
o esburacado véu de concentrações científicas, impõe a pena da imolação dos nasciturnos é
ditada pela potência imperialista como punição pela culpa atual das populações pobres de se
multiplicarem ‘excessivamente’, mas na verdade visa a servir de meio preventivo contra a
proliferação de uma próxima geração de jovens reclamadores. O ‘complexo de Herodes’ define-
se pelo horror aos recém-nascidos, à infância, de onde surgirão as multidões jovens cada vez
mais numerosas e reivindicadoras de amanhã, as que pedirão contras às gerações adultas da
forma de sociedade que organizaram para a mocidade”. Depois de muito argumentar contra a
ação imperialista dos países cêntricos contra os pobres do mundo através da política de
controle a natalidade Vieira Pinto trata da “vingança” dos oprimidos e afirma: “Se depois a
‘vingança’ se exteriorizar em ações oriundas de uma consciência de si, esclarecida, sabedora
das finalidades que deseja alcançar, e pelas quais lutará, este fato concretiza apena a
probabilidade biológica, que sempre resta a uma população votada ao massacre, de alguns de
seus membros salvos da fúria assassina dos atuais servidores do rei Herodes (Mateus, 2, 16),
hoje disfarçados em economistas, demógrafos, ginecologistas, jornalistas, missionários,
políticos e até sacerdotes de religiões que se presumiriam humanitários”. Antes de concluir seu
pensamento sobre o “complexo de Herodes”, por ele apelidado em suas digressões sobre a
política imperialista de controle da natalidade, ele explica que “justifica-se nossa digressão
sobre a questão do neomalthusianismo, aparentemente, não obrigatória no estudo do tema do
presente ensaio, porque ao mesmo tempo em que aproveitamos a oportunidade para
desmascarar um dos mais virulentos e desleais golpes ideológicos do imperialismo, que se
apresenta sob a flórida nomenclatura de ‘regulação da natalidade’, ‘planejamento familiar’,
‘reajuste biosociológico’ e mil outras designações despistadoras, comprovamos o significado
das criações científicas e tecnológicas enquanto antecipações da razão técnica, sempre com a
mesma finalidade de superar contradições impostas à existência, seja por fatores naturais
objetivos adversos, removidos pelos resultados da criação teórica decorrente do conhecimento
das leis dos fenômenos, sejam por fatores objetivos sociais a serem vencidos pela instituição de
um sistema racional de convivência humana”.
7. A expansão da razão, movimento correlato à expansão da população. Esse tópico
é visto pelo filósofo, no seu livro, como uma continuidade do anterior de forma a desnudar e
desmistificar o fenômeno da fome e de outros flagelos pelo excesso de populações. Ele
87
explicita, de forma clara, a intenção de se escamotear o processo de apropriação da produção e
da distribuição dos bens econômicos por uma classe de expropriadores capitalistas que
desafiam a expansão da razão humana atribuindo as adversidades e flagelos à expansão da
população. Essa é a razão pela qual Vieira Pinto mostra que “o vício da argumentação dos
herodianos de todos os tempos consiste em querer manter no plano biológico, interpretando-o
em caráter abstrato, a contradição entre o homem e a natureza – uma situação que na verdade
retrata exclusivamente uma contradição social concreta, a injusta estrutura da sociedade,
impedindo a distribuição equitativa dos benefícios que o progresso cultural permite à
humanidade colher, no grau de avanço do conhecimento existente em cada época”. Perto de
finalizar seu raciocínio sobre o tópico em tela ele afirma “sabemos perfeitamente que o
interesse dos dirigentes ovocidas das classes abastadas do centro imperial reside na contenção
da multiplicação do eventual exército inimigo, destruindo-o antes de vir a existir, num gesto
intencional de ‘canibalismo preventivo’”.
8. O desenvolvimento da razão técnica, reflexo do desenvolvimento da razão
teórica. “A técnica do futuro tem de ser criada com base na do presente. Já por isso representa
o prolongamento da razão técnica. Mas, sendo um processo, esse movimento não resulta de
uma determinação causal formal, e sim se produz pela intervenção da mediação dialética
constituída pela inteligência humana. A tecnologia progride sem cessar porque faz progredir a
razão subjetiva que apreende os efeitos dela sobre a produção material de bens e as influencias
exercidas nas relações sociais entre os homens durante o trabalho”. É assim que, sinoticamente,
o filósofo Vieira Pinto reflete o desenvolvimento da razão técnica demonstrando-a como
reflexo do desenvolvimento da razão teórica. Ao analisar o posicionamento dos teóricos da
cibernética ele conclui o tópico dizendo. “A consideração das relações entre a razão teórica e a
razão técnica dirige-se a um tema de suma importância para o julgamento da época presente,
na qual nos deparamos com artefatos produzidos pela avançada tecnologia e métodos de
interpretação da realidade, os servomecanismos e os processos de direção e controles
cibernéticos, onde se verifica o aparecimento de formas novas de atividade intelectual criadora
no domínio da técnica que propõe questões até aqui insuspeitadas, as quais somente podem
encontrar solução, segundo nosso modo de entender, com o auxílio da lógica dialética”.
9. O caráter simultaneamente contínuo e descontinuo do desenvolvimento. Este
aspecto da imbricação do desenvolvimento com a tecnologia é considerado pelo filósofo Vieira
Pinto como muito importante para entender esse fenômeno pela lei imanente que por força da
88
qual “cada técnica aponta os melhoramentos a sofrer, e por fim aquela que a deve substituir”.
Para compreender esse fenômeno o filosofa faz ver que dialeticamente “o processo da razão
técnica mostra-se contínuo quando o observarmos na sucessão oscilante dos produtos que o
compõem e das idéias inspiradoras da trama da sua fabricação; mas apresenta-se descontínuo,
se consideramos que entre um objeto técnico e o seguinte, ou entre uma idéia técnica e a que
sucede a ela dá-se a acumulação quantitativa do conhecimento científico, que propicia a
transformação qualitativa introduzida pela nova técnica emergente. De fato é preciso que certo
aparelho técnico encontre uso generalizado, difunda-se ou se multiplique em grande
quantidade para surgir a oportunidade de a razão inventiva perceber a possibilidade de incluir
nele uma modificação distintiva, ou, no caso extremo, inventar outro, fundado em princípio
diferente para substituí-lo”.
10. Passagem ao exame do conceito de “reinício da história”. Com este tópico
Álvaro Vieira Pinto conclui a parte dois e o volume 1 do seu livro “O Conceito de Tecnologia”
fazendo severas criticas àqueles que, ingenuamente, preconizam “o fim da história” ou o
“reinício da história” pela chamada “era ou revolução cibernética”. Satirizando ele afirma: “o
Prometeu cibernético, o robô onisciente e onipotente, eliminou o homem, ao roubar-lhe o fogo
da razão”.
89
VOLUME 2
“Para a mentalidade ingênua a nação é coisa que “já existe”, e
precisamente existe enquanto coisa. Está feita, sua realidade é completa,
ainda que se admitisse que sofresse modificações ao longo da história. (...)
Ora, o que a consciência crítica desvendará é justamente o oposto: é a
minha atividade que torna possível a existência da nação. A nação não
existe como fato, mas como projeto. Não é o que no presente a
comunidade é, mas o que pretende ser, entendendo-se a palavra
“pretende” em sentido literal, como “pré-tender”, tender para um estado
real. (...) A comunidade constitui a nação ao pretender ser, porque é assim
que a constitui no projeto de onde deriva a atividade criadora, o trabalho.
A nação resulta, pois, de um projeto da comunidade, posto em execução
sob a forma de trabalho”.
Álvaro Vieira Pinto
Consciência e Realidade Nacional, 1960.
90
PARTE III - QUESTÕES DA TECNOLOGIA ATUAL
Esta parte três da obra “O Conceito de Tecnologia” trata de sete capítulos (VIII, IX, X,
XI, XII, XIII E XIV) que terão suas Anotações apresentadas de forma sinótica segundo a lógica e
procedimentos apresentados pelo Autor no volume 1 da monumental obra científica de Álvaro
Vieira Pinto. Nestas Anotações do segundo volume, em suas partes três e quatro com seus
respectivos capítulos, o leitor tem a oportunidade de lidar, além do conceito de tecnologia, com
as categorias de informação e comunicação como conteúdo da ciência cibernética.
91
CAPÍTULO VIII. TEMAS PROPOSTOS PELA CIBERNÉTICA
Neste capítulo o filósofo dá inicio as suas análises desmascarando a concepção
“lotérica da história” denunciando que “poderosos escritos imperialistas planejam em
gigantescos computadores, obedecendo aos teoremas da teoria matemática dos jogos, a
estratégia mais eficiente para matar populações subdesenvolvidas, não é só a equiparação não
simbólica mas real da vida humana a uma carta de baralho que nos enche de horror, enquanto
prova de insenssibilidade moral”. Não é atoa que o braço armado dos países imperialistas do
chamado mundo ocidental que é a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) já vem
destruindo inúmeras populações subdesenvolvidas como são exemplos as da extinta Iugoslávia,
do Iraque, da Líbia e do Afeganistão só não entrando na Síria (agora em guerra civil) pela
ferrenha oposição da Rússia e da China no Conselho de Segurança da ONU que, também,
fustiga permanentemente o Irã e a Coréia do Norte. Por todas essas razões já previstas ele fazia
a seguinte advertência: “finalmente chegou a ora do término da funesta situação
habitualmente expressa no mote corrente ‘a exploração do homem pelo homem’ substituído
agora pela imparcial, infalível, racional e esperançosa divisa: ‘a submissão do homem às
máquinas calculadoras’, chamadas pelos ideólogos dos centros metropolitanos ‘maquinas de
governar’”.
1. A crença na renovação da história pelo surgimento da cibernética e das máquinas
processadoras de atividades intelectuais. Nesse tópico se questiona a natureza dos produtos
da inteligência cibernética com as finalidades e o destino dos seres humanos. Essa é a razão do
filósofo analisar “o papel que a cibernética desempenha nos vários ramos ainda mal
entrelaçados e também imperfeitamente delimitados em que se subdivide, a saber, a
automação, a técnica dos computadores, a teoria da informação, a teoria dos sistemas, a da
regulação, a teoria matemática dos jogos, a teoria dos algorítimos, entre outros”. Além de
proceder a crítica à crença na renovação da história pela cibernética e máquinas processadoras
de atividades itelectuais, Vieira Pinto, trata, também, dos problemas gerais que dizem respeito
à compreensão da máquina, da técnica e da tecnologia no desenvolvimento humano nessa
ingênua e atualmemente chamada “era tecnológica”.
2. O caráter histórico e dialético da cibernética. Neste ítem, do capítulo VIII, o
pensador Vieira Pinto, prima o leitor com explicações importantes e reveladoras do caráter
histórico e dialético da ciência cibernética. Para isso, ele desconstrói o pensar linear da lógica
92
formal daqueles que reinficam o grande progresso tecnológico da sociedade atual sem levar em
conta a dialética da história, principalmente, da lei da negação da negação. Com esse propósito
ele mostra que grandes e importantes passos ou processos da ciência cibernética, de hoje,
tiveram inicio histórico no chamado período renascentista, quando são negados os paradigmas
da órdem escolástica medieval pelos paradigmas, hoje, comhecidos como cartesianos, também,
já em acelerada fase de negação pelos paradigmas holísticos-sistêmicos induzidos da física
quântica. Referindo-se a linearidade do pensar metropolitano ele mostra que “a extravagante
idéia de que os grandes progressos técnicos da época atual deveriam concorrer para fortalecer
o regime que os possibilitou e os está executando, em vez de representarem o impulso que
engendrará nova etapa do processo da razão, espalhando suas influências inovadoras no
pensamento das massas trabalhadoras, levando-as a ter uma percepção de seu estado que nela
frutifica em projetos de modificação da realidade”.
3, A cibernética como totalidade é uma máquina cibernética. Neste ítem o filósofo
externa sua visão de que a cibernética “por sua natureza específica como ciência, só se torna
inteligível quando incorporada à compreensão dialética”. (...) “A cibernética, em totalidade,
constitui uma completa máquina cibernética à disposição do homem. Fica patente portanto que
a cibernética está indissoluvelmente ligada e subordinada ao homem”. (...) “A cibernética
compõe um dispositivo com o efeito de ciência que o homem incorporou à sua racionalidade
para melhor compreender o mundo e modificá-lo”. Com a tautologia de que “a cibernética
como totalidade é uma máquina cibernética”, o filósofo, Vieira Pinto, nos parece chamar a
atenção para o fato de o ser humano, na condição de criador e receptor do conhecimento
cibernético, fazer retroceder sua criação tecnológica, agora, não somente como extensão dos
seus membros e músculos, mas essencialmente do seu cérebro num processo indefinido de
circulação ampliada no grande circuito epistemológico da ciência e do saber tecnológico
contemporâneo.
4. Cibernética e teoria do conhecimento. Em suas análises do presente tópico, o
filósofo, parte do princípio que o ente humano “na condição de ser social, revela-se um animal
que conhece, Tão verdadeira é a presente afirmativa que somente com o auxílio dos
conhecimentos adquiridos, convertidos em idéias e expressos em palavras, é que se torna
possível configurar mentalmente e enunciar o próprio problema do conhecimento, propô-lo
como pergunta, duvidar de sua existência e seus resultados e iniciar, neste caso a partir do
nada, a ‘construção’ da teoria que o explique”. Novamente, aqui, o filósofo explicita que a
93
partir da teoria do conhecimento “toda técnica resume-se em responder a uma exigência da
sociedade. Se naturalmente são alguns poucos homens, os cientistas, preparados pelo estudo e
pela prática da pesquisa, os descobridores da resposta técnica eficaz, quase sempre
consubstanciada em inéditos procedimentos e maquinismos, não é possível deixar de levar
continuamente em conta que a exigência social é que suscita no espírito dos sábios e técnicos o
problema a resolver, dá-lhes os instrumentos culturais e as instalações materiais que permitirão
levar a efeito com sucesso suas potencialidades intelectuais de criação, surgidas da imaginação
imanente conjugada com a prática coletiva da produção. O caso da formação da cibernética,
enquanto ciência e conjunto de aparelhagens materiais, passará à história talvez como o
exemplo mais ilustrativo deste enunciado”. Sua tese principal nesse tópico é defender que o
ser humano “na condição de ser social, revela-se um animal que conhece”
5. As relações entre o homem e a cibernética. Neste ítem, suas análises vão buscar
essas relações na esperança do leitor apreendê-las como aspecto importante das relações
factuais entre os seres humanos e a ciência cibernética. È preciso não esquecer nessas relações
que toda e qualquer máquina cibernética, principalmente o computador, pertence de origem
ao ser humano e “nada lhe compete por direito independente ou transcedente, mas, ao
contrário, está obrigado a funcionar bem, regularmente para preencher as tarefas de que o
operador o encarrega”. O computador não pode criar e muito menos errar, “sem reparar que
todo esforço de reflexão e de engenhosidade tecnológica não tem sentido senão em função de
exigências humanas”. O computador e qualquer objeto ou aparelho cibernético por mais
complicado e aperfeiçoado que seja não tem contradição com a natureza e, portanto, não tem
problemas e, muito menos, consciência do que faz ou processa. Falta-lhe qualquer sentimento,
desejo e emoção. Por todas essas razões o computador e qualquer objeto ou máquina oriundo
da ciência cibernética não reproduz-se a si mesmo. É, por conseguinte sempre é um objeto e
jamais um sujeito capaz de substituir o trabalho intelectual criador do ente humano.
6. A informação como fenômeno universal ligado a todas as formas de movimento
da matéria e como fato humano. A base de classe da informação. Sua evolução cultural até
integrar-se no corpus da cibernética. Com esse extenso título, Álvaro Vieira Pinto, para este
ítem do capítulo VIII de seu livro, discorre inicialmente sobre a obra de Norbert Wiener
(considerado pai da cibernética) segundo o qual “a informação representa a idéia central da
cibernética”, fato esse que o filosofo acrescenta refletir “as necessidades da exigência humana,
origem da criação e desenvolvimento dos sistemas de informação e auto-regulação (...) definida
94
em plenitude no processo de relacionamento social dos seres humanos, e só aí é aplicada em
caráter absoluto, porque nesse nível supremo adquire o traço máximo que a define, o de ser um
existencial do homem”. A informação generativamente está contida no DNA e no gênes de
qualquer ser vivo. Quanto a base de classe da informação Vieira Pinto é categórico em
questionar que a informação no chamado período da “virada cibernética” entra na pauta dos
marqueteiros das grandes corporações como uma mercadoria imbricada ao metabolismo do
capital em termos de suas forças motrizes (lucro e poder) de tal forma a dá origem ao que hoje
chamamos de ciência da informática. Sem dúvida é nesse processo que se pode e deve estudar
e avaliar a base de classe social da informação e da informática em suas fases: empírica;
sociológica e de curta história devidamente imbricada ao lucro e poder e incorporando-se à
cultura e ao corpus da ciobernética.
7. À guisa de parêntese: dois exemplos de ingenuidade de pensamento no domínio
da cibernética e da tecnologia. Sinoticamente podemos externar o pensamento do filósofo de
forma a elusidar temas propostos pela cibernética. O primeiro exemplo de ingenuidade
analisada e desconstruida pelo filósofo Vieira Pinto é a definição do reconhecido biologo e
matemático inglês W. Ross Ashby sobre a noção de estado de um sistema em seu livro
“Introdução a Cibernética” (São Paulo, Perspectiva,1976) . A definição “entendemos por estado
de um sistema qualquer condição ou propriedade bem definida que possa ser reconhecida se
ocorrer de novo” é tautológica. De acordo com Vieira Pinto essa definição de estado de um
sistema “contém evidente tautologia. O autor não percebeu que a expressão ‘ocorrer de novo’
equivale a ‘ser reconhecida’. Com efeito, como poderemos saber se um ‘estado’ ocorreu de
novo’? A resposta é uma só: se reconhecermos como já tendo ocorrido. Logo, ‘ocorreu de novo’
e ’ser reconhecido’ são exatamente a mesma coisa, Um termo não pode servir de predicado a
uma proposição definidora de outra, pois é precisamente isso que se chama tautologia”. Ainda,
segundo Vieira Pinto, “a definição de “estado de um sistema”, para ter a generalidade que lhe
compete, deve ser de caráter objetivo, visto referir-se a sucessivas situações ou condições da
realidade, por conseguinte de um ser existente fora da consciência. Ora, esta exigência é
descomprida pela definição de Ashby. A proposição há pouco reproduzida manifesta
patentemente sua natureza inteiramente subjetiva. Tal caráter é, no entanto, inaceitável numa
definição que deve valer para sucessivos modos de ser de uma máquina ou funcionamento de
um organismo”. O segundo exemplo (contido entre outros) para expressar o pensar ingênuo no
domínio da cibernética encontram-se em autores “como Herbert Marcuse, Martin Heidegger e
95
congêneres, expresso no termo ‘técnica em escala planetária’. A leitura de qualquer livro de
vulgarização da cibernética, principalmente os que versam sobre a chamada ‘futurologia’,
mostra-nos frequentes ocorrências desta expressão”. Aqueles autores ignoram ou fingem
ignorar que “a técnica da qual agora se diz espalhada em escala planetária é naturalmente a
modalidade avançada, que tem origem e se apresenta concentrada nos países presentemente
hegemônicos”. (...) ”A extensão no espaço tem valor ideológico porque se supõe significar a
durabilidade no tempo, sinônimo de invariância da vigente situação de poderio imperialista de
base tecnológica”.
8. Algumas observações sobre a heurística. Por heurística entende-se, entre
diferentes sentidos a ela inerentes aquele semanticamente considerado como substantivo, ou
seja, identificadora da arte ou ciência do descobrimento já que se trata de cibernética como
invenção humana. Em referência a computação o sentido de eurística está voltado para
algorítmo de aproximação, isto é, “utiliza informação e intuição a respeito da instância do
problema e da sua estrutura para resolvêlo de forma rápida”. (Wikipédia). A eurística é, ainda,
conhecida e divulgada vulgarmente como “ciência do pensamento criador”. Este conceito é
criticado por Vieira Pinto em suas observações, ou seja, considerando-a “noção existente por si,
desligada do ser pensante, e colocar como pedra angular de sua construção o reconhecimento
de que o pensamento criador do homem, no sentido de possuido e exercido pelo homem, é o
mesmo pensamento criador do homem, no sentido gerador do homem”. Por isso ele usa o
conceito de Georg Klaus (Worterburch der Cybernetik, V, 1, Fischer Durckerei, Frankfuert am
Main, 1965) segundo o qual “a heurística é uma importante parte da lógica dialética” e que “a
heurística estuda efetivamente os casos ocorridos de descobertas e invenções e procura deduzir
deles leis gerais da descoberta e da invenção, independentemente da respectiva tarefa
concreta”. A incompreensão eurística da cibernética leva alguns humanos a ter a ilusão ou o
delírio de afirmar ingenuamente que a máquina venceu o homem em um determinado jogo de
xadrez sem levar em conta que a máquina sequer sabia que estava jogando e, sim, os
programadores humanos do supercomputador que eram de fato os vencedores. Segundo
Vieira Pinto “a solução cibernética será sempre limitada mesmo na programação
eufemisticamente ‘criadora’, pelas condições a ela imposta pelo construtor humano. O caráter
inventivo, enquanto propriedade da matéria complexamente organizada, tem-se mostrado até
agora intransferível”. Ainda, Klaus em seu “Dicionário de Cibernética” insinua que a lógica
dialética comprova ser os resultados do processamento inventivo dos autômatos nada mais do
96
que fazerem aplicar os dados da programação na partida que lhes são apresentados, “em
combinação com o método de ensaios e erros”.
9. O inconsistente problema da distinção entre o homem e os autômatos pensantes.
A simbiose entre o homem e a máquina. Na forma epistemológica como é entendido o
significado do conceito de simbiose entre dois organismos na natureza torna a pretenção
daqueles que pregam a simbiose homem-máquina cibernética uma fantasia ou delírio. A
questão de existir simbiose entre o humano e a máquina cibernética não tem absolutamente
nenhum sentido. Tal pretenção não passa de um problema inconsistente que foge a lógica de
uma situação objetiva. A máquina cibernética por mais complexa que seja é completamente
desprovida de: vontades, emoções, sentimentos, desejos para não se falar de conhecimentos
instintivos, reflexivos e prospectivos. Por tais motivos a máquina cibernética jamais poderá ter
uma simbiose com o ser humano acrescida, ainda, da ausência de finalidade senão aquela de
servir e “trabalhar” para o ente humano. Segundo o filósofo Vieira Pinto “o equívoco de
conceitos de gênero ‘simbiose homem-máquina’ consiste em colocar definitivamente o
problema na relação entre os dois elementos no plano formal, de onde não pode sair, A infeliz
situação assim criada exclui a possibilidade de esclarecer a teoria cibernética à luz da lógica
dialética”. (...) “A dialética ensina-nos que nenhum processo material se manifesta
indefinidamente contínuo, mas ao contrário em todos ocorrem saltos ou cortes, momentos
quando se verifica a passagem do movimento da matéria de um tipo para outro, superior em
complexidade, e por isso engendrando entes, procedimentos e resultados originais”. O conceito
de simbiose na natureza exige obrigatoriedade na relação entre os seres vivos que se associam.
No caso humano-máquina cibernética na melhor das hipóteses pode ser entendido pelo termo
protocooperação muito embora o conceito de multualismo facultativo seja melhor empregado
e representativo na medida em que na associação ou cooperação um existe independente do
outro.
10. A irrealidade do problema das máquinas ditas pensantes. A impropriedade do
recurso à semântica. O presente tópico é visto pelo filósofo Vieira Pinto não somente em
termos semânticos, matemáticos, mas, principalmente, naquilo que diz respeito a acertiva: “o
homem nunca é objeto e sim sempre sujeito, não se conhece a si por via de alguma definição,
porque sabe antecipadamente ser o autor de todas elas, inclusive da que possa oferecer em
relação a si e nas quais se deixa definir por um predicado, embora conheça que a escolha deste
revela um ato intelectual dele mesmo na condição de sujeito presente. Logo, o homem é um ser
97
sem predicados”. Já as máquinas cibernéticas ditas ”pensantes” são e serão sempre objetos
produzidos pelos humanos. Daí a impropriedade do recurso à semântica e ao tema proposto
pelos ingênuos adébitos da cibernética com suas máquinas “pensantes” e capazes (segundo
eles) de sucatear os seres humanos.
11. Algumas observações sobre a questão da inteligência das máquinas cibernéticas.
Neste capítulo “Temas Propostos pela Cibernética” o filósofo Vieira Pinto faz observações entre
as quais podemos anotar: limitação de apreciação classificatória e complexidade imposta pelo
formalismo com base no positivismo e behaviorismo radical; superação das divergências sobre
o que se deve entender por “pensamento” quanto ao seu significado e finalidade; apontar a
imprestabilidade de definições de “máquina pensante” por impossibilidade de as mesmas
poderem operar psicológica e noologicamente mesmo sob concepção do behaviorimo radical
ou filosófico muito criticado por Chomsky. Note-se, ainda, no tópico, a desconstrução da
concepção behaviorista do pensador britânico Ashby quando porocede equiparações da
inteligência com a atividade de “escolha da solução” e, também, com a de “escolha de formas
de ação” pelas máquinas cibernéticas. Acrescenta Vieira Pinto “entre o ponto de vista simplista
e superficial de Ashby e a verdadeira análise dialética da teoria do conhecimento, que dará a
correta compreenção do que seja a ‘inteligência’, situa-se uma tentativa intermediária de
interpretação do mesmo tema”. Concluindo suasimpressões o filósofo afirma “a máquina não
tem motivos, muito menos poderes, para precisar de julgar, pois quem a emprega é outro, o
construtor, o técnico, o industrial, e só estes tem critérios para julgá-la em qualquer de suas
propriedades”.
12. O equívoco das projeções futurológicas e seu caráter ideológico. Nesse ítem
Vieira Pinto procede uma veemente crítica ao novo ramo de saber que ele afirma ser “uma
espécie de emanação da cibernética, que atende pelo codinome de ‘futurologia’. Não a se veja
uma manifestação de desprezo se assim tratamos essa pseudociência, mas a consideramos
deste modo porque de fato representa um nome de guerra, usado na guerra travada pela
inteligência dos grupos exploradores dos centros metropolitanos imperiais, no âmbito da
cultura, contra os esforços dos países subdesenvolvidos para se livrarem das limitações
imobilizadoras de seu pensamento para si”. (...) “A ‘futurologia’ dos novelistas do capitalismo
não passa de um embuste de escribas das áreas imperiais, desejosos de se infiltrarem na
respeitável linhagem dos utopistas para confundir com os destes os produtos de sua incidiosa
imaginação”. Tal pseudociência (futurologia) não passa de mais um viés da ideologia da
98
dominação com vistas a destruir todos os anseios dos povos emerdentes e atrasados em
construirem uma nação para si em cada território que habitam com a identidade de país. Para
tanto, tentam impedir ou desviar o surgimento de novas forças políticas no palco dos
acontecimentos da luta libertária que tende a negar o nefaso metabolismo do capital em
querer destruir os pobres do planeta via guerras localizadas (principalmente pela OTAN) ou
pelo complexo de Herodes já comentado nestas Anotações. (Capítuo 6, ítem 6)
99
CAPÍTULO IX. NATUREZA E TIPOS DOS SISTEMAS CIBERNÉTICOS
Neste capítulo IX de “O conceito de Tecnologia” o cientista Álvaro Vieira Pinto
dispensa qualquer comentário sobre o seu propósito de escrevê-lo como o fez no capítulo VIII.
Outrossim, nele são produzidos 12 tópicos importantes ao seu pensamento e que a seguir se
procede as suas respectivas Anotações tão sinóticas quanto as já feitas para os capítulos
anteriores tanto do volume I quanto do volume II.
1. A divisão dos sistemas cibernéticos. Neste primeiro tópico se trata de esclarecer ao
leitor uma distinção entre os objetos dos quais o filósofo se ocupa e a cibernética. Para tanto,
ele refere-se do ponto de vista lógico a dois tipos principais de sistemas cibernéticos: aqueles
que são cibernéticos por natureza e aqueles que o são por construção. A presente distinção é
de grande valor epistemológico porque no primeiro caso se inclui os seres vivos e os processos
político-sócio-econômicos cuja apreensão cibernética é explicativa. Já o segundo tipo de
sistema refere-se aos autômatos, máquinas, servomecanismos, computadores, robôs cuja
apreensão é representativa. A partir dessa tipificação sistêmica o filósofo explica como essas
compreenções se dão nos planos: formal e dialético.
2. O raciocínio por analogia em cibernética. Definição e limitação. Como o próprio
titulo do ítem indica trata-se aquí de se revelar as nuâncias do raciocínio analógico na
cibernética com respectiva definição e limitação. Com relação aos tipos de raciocínio
cibernético apresentados no tópico anterior pelo filósofo ele é categórico em afirmar “que
ambos os tipos, em sua concepção, modo de processamento e natureza dos resultados, não se
desprendem do plano lógico formal, que na verdade não poderiam abondonar”. Anotações
deveras importantes nas análises do cientista Álvaro Vieira Pinto são as definições e maneiras
de uso dos significados de: analogia; dedução e indução que não podem ser confundidas
quanto as suas aplicações no campo formal em que se inserem. Explica ele que “a palavra
grega ‘analogia’ significa proporção, e assim era empregada em matemática, aritmética ou na
geometria para estabelecer relações de proporcionalidade entre grandezas, valores, números,
por exemplo na igualdade de frações proporcionais, ou entre figuras, no estabelecimento de
relações isomorfas ou projetivas”. Em seus raciocínios sobre a aplicabilidade da analogia o
filósofo explica que esta ”embora seja por si só um procedimento formal, envia-nos ao plano da
dialética, cujas leis a dominam”. Explica, também, como o ser humano “está inserido no
100
processo da vida e da sociedade, e daí extrai os elementos com que compõe os modos formais
de pensar, expressivos das relações superficiais externas entre os objetos”. Tratando da
categoria de universalidade Álvaro Vieira Pinto é categórico em afirmar ser a categoria de
totalidade “a única e universal lei da realidade, a que exprime a inclusão de qualquer ser ou
fenômeno, com sua legalidade específica, num processo único que a consciência reflete, não por
havê-lo adquirido ou composto mediante a reunião de aspectos sucessivos das transformações
empíricas do mundo pela apreensão das relações internas, dialéticas, presentes ou qualquer
porção do todo, e que o exprimem enquanto unidade material de tudo quanto existe”. Em suas
análises ele chama a atenção dos cibernético sobre a necessidade de não confundirem
“analogia com identidade, vício de raciocínio a que quase sempre incoscientemente
sucumbem”.
3. A máquina cibernética como exteriorização do pensamento. “A máquina não
pensa, mas é o homem que pensa sobre aquilo que a máquina lhe transmite, porque a
organizou exatamente para ter tal desempenho. O pensamento da máquina nunca deixa de ser
na verdade um pensamento do homem incluído na máquina e posteriormente recolhido dela”. É
assim que o cientista Vieira Pinto trata do delírio dos cibernéticos que ideológicamente pregam
aos incautos a existência de máquinas pensantes não reconhecendo na máquina cibernética
apenas a exteriorização do pensamento humano nela contido. De falácia em falácia os ingênuos
cibernéticos ocultam “a simples expressão ‘programar’ um mecanismo cibernético já demonstra
a subalternidade e a ausência de inventiva dos servomecanismos, o papel de objetos da ação
humana, o caráter intransferível de sujeito desempenhado pelo homem nessa operação, pois
exclusivamente para ele aquele termo tem sentido”. Como exteriorização do pensamento
humano nas máquinas cibernéticas vale distinguir que “a constituição de campos definidos de
conhecimento como a biocibernética de particular importância para elucidação de questões
essenciais da fisiologia e da patologia humanas, define hoje um triunfo da pesquisa científica
que a ninguém é lícito ignorar ou menosprezar. Mas a fecunda relação recíproca entre os dois
termos no correlacionamento entre o homen e a máquina, inadmissivelmente chamado
‘simbiose’, não supera os limites do modo de pensar por analogia, sobre o qual expusemos
algumas considerações críticas”. (...) “mas o construtor age sempre em função da ligação
objetiva com o mundo onde se situa e em obediência à logica superior que preside as relações
entre o homem e seus produtos materiais, por um lado, e entre os homens, em sociedade, por
101
outro. Ora são exatamente estas modalidades existenciais de relacionamento humano os
objetos da análise dialética”.
4. As limitações do procesamento cibernético do pensamento. Nesse tópico o
cientista Vieira Pinto continua com seus raciocínios sobre o propósito do capítulo IX com vistas
a levar o leitor a ver as limitações, na alusão deste ítem, com vistas a uma dialética do real. Em
determinado momento ele afirma que “a energia física possuída pelo ser humano é limitada e
em quase todos os aspectos inferior à de algum animal. Faltam-lhe até aparelhos sensoriais
possuídos por outros animais para se orientar na execução de seus programas geneticamente
embutidos, chamados instintos. Mas tal inferioridade física e perceptiva vê-se compensada pela
posse da inteligência ideativa, que lhe dá o domínio dos objetos ou dos fenômenos do mundo,
pelo fato de representá-los em caráter abstrato nas idéias formadas a respeito deles e de
descobrir as leis a que obedecem”. O processo cibernético das chamadas máquinas “pensantes”
é limitado, também, pelo fato de a máquina cibernética ser incapaz de abstrair e
cognitivamente inventar os instrumentos de poder para o controle da natureza. Ela é e será
sempre controlada, manipulada e usada para as finalidades virtuosas ou não dos entes
humanos. Segundo o filósofo é importante saber que “o caráter próprio de todo instrumento ou
ferramenta consiste em produzir, ou como se diz agora em linguagem cibernética, processar
informações. Qualquer instrumento elaborado pela inteligência humana tem por finalidade
intrínseca fornecer informações ao homem, mesmo porque se assim não fosse não teria valor
instrumental, seria imprestável”. Por todos esses motivos e outros aqui não explicitados nos
dão a certeza de que “o limite das possibilidades das máquinas calculadoras cibernéticas, que
estabelece a diferença qualitativa em relação ao cerébro, está marcado pela incapacidade de
efetuarem verdadeira abstração iodeativa”.
5. A passagem do pensamento formal ao dialético na atividade construtora. Neste
tópico o cientista e filósofo Vieira Pinto volta a tratar dos dois sistemas tipológicos da
cibernética, ou sejam, aquele cibernético por natureza e os que são por construção a fim de
melhor explicitar a passagem do pensamento formal ao dialético. Para tanto, seu raciocínio
aponta para o leitor o ensinamento de que “os servomecanismos, os computadores e os
dispositivos auto-reguladores precisam superar o nível superficial da analogia, da cópia
mecânica ou da semelhança funcional a fim de receberem a interpretação definitiva,
obrigatoriamente de órdem dialética”. A análise e a compreensão de tal distinção é que leva o
102
leitor a apreender a passagem do pensamento formal ao dialético na atividade construtora dos
entes humanos.
6. Considerações sobre o significado da lógica formal e da lógica dialética. Segundo
Vieira Pinto “tudo quanto é natural tem caráter dialético porque constitui um processo”. A
partir dessa premissa o filósofo analisa o significado da lógica formal e, também, da lógica
dialética diferenciando-as em suas aplicações em fatos reais. Nas suas considerações ele diz
que “a verdade da teoria lógica generalizada consiste na seguinte lei, definidora da totalidade
da natureza pensante do homem: precisamos da lógica dialética para entender a lógica formal,
e precisamos da lógica formal para exprimir a lógica dialética”. Continuando seus comentários
sobre o significado da lógica formal e da lógica dialética o cientista acrescenta as seguintes
considerações: “o pensamento real, enquanto fenômeno total, só pode ser transmitido do
cérebro de um homem, onde se origina, a do outro homem, igual fisiologicamente ao primeiro.
A máquina ‘pensante’, sendo na melhor das hipóteses – esta mesma ideal – um símile
analógico do cérebro, não pode desempenhar, na mais esperançosa das concessões, senão o
lado formal do pensamento vivido. Por isso, o computador pode ser programado para processar
informações em ligações inferenciais, digitais, estocásticas, markovianas, ou seja, tudo quanto
de algum modo pertence ao lado formal do raciocínio”. (...) “A idéia ou a lei da dialética são a
representação do universal concreto, enquanto o termo formal limita-se a enunciar o universal
abstrato, um mero conteúdo formal em si, sem a concomitante noção do processo histórico a
que pertence o ser refletido, no estado de conceito, no pensamento”. (...) “Sem dúvida, a
dialética constitui uma ciência compendiada e assim estabeleceu todo o elenco de leis e
categorias. Apresenta-se com caráter de sistema, em sentido relativo, aberto, dinâmico,
correspondendo aos aspectos e relações gerais que o pensamento reflete ao apreender a
realidade em sua universalidade”.
7. O procedimento metodológico fundamental na análise teórica do pensamento
cibernético. Em complemento a inteligibilidade da natureza e tipos dos sistemas cibernéticos,
neste ítem, o filósofo empreende a tarefa de explicitar ao leitor o procedimento metodológico
principal para as análises teóricas do pensamento cibernético. Afirma, para tanto que “o
computador mais perfeito não passa de um análogo ou isomorfo do cérebro humano, porque
somente por construção tem as qualidades possuídas, enquanto o órgão vivo as deve à
natureza. A cibernética operacional, ‘engenheiral’, segundo parece comerçar-se a dizer, revela-
se sempre formal, no seu plano próprio, enquanto a cibernética dos organismos vivos, no seu
103
plano natural, mostra-se dialética por essência”. O filósofo com essa acertiva considera esse
procedimento metodológico de distinção entre os tipos de sistemas cibernéticos (por natureza
e por construção) fundamental para as análises teóricas do pensamento cibernético.
Demonstra, ainda, que “a introdução do artefato cibernético, no curso da história dos meios
humanos de produção mostra a dependência dessas criações em relação ao estado de
desenvolvimento cultural da humanidade”. Esse raciocínio leva o leitor à certeza de que “a
ciência cibernética e seus produtos estão sempre na dependência da sociedade que os
engendra, sustenta e desenvolve”.
8. O homem introduz no processo natural os seres cibernéticos por construção. Neste
tópico o cientista Vieira Pinto explica como e o fato de o ser humano introduzir nas sociedades,
a partir do processo natural (principalmente de informações dos genes e dos DNA), os seres
cibernéticos por construção. Talvez seja essa uma das razões do grande pensador (Nobel de
Biologia) Gregory Bateson ter em seus escritos, referentes à cibernética, conceituado
informação como “a diferença que faz a diferença”. Neste tópico Vieira Pinto trata, ainda, do
conceito de mediação como base da teoria cibernética incluso o vasto alcance dos reflexos
condicionados e incondicionados. Por isso ele afirma que “uma vez admitida a presença e
atividade do homem, o conceito de mediação é afetado, deixando de ser o simples aspecto do
condicionamento objetivo de certos fenômenos naturais e tornando-se um determinante
voluntariamente introduzido no processo natural. Assim se concilia esta afirmação com o que
expusemos em linhas atrás. Depois de construída a máquina, não estamos mais no reino da
natureza bruta mas no da natureza hominizada, na qual portanto o elemento subjetivo se
materializa em seres construídos, embora tal só possa acontecer porque existiam previamente
condicionamentos independentes da consciência, porém aptos a receber a função de efetuar a
interferência do pensamentoi no movimento exterior da realidade. A ferramenta mais simples
ou a máquina mais complexa mostram então ser mediações para a consciência que apreende o
processo da realidade em seu desenrrolar e vê suas criações atuando como fatores atuantes
nesse desenrolar”. (...) “A cibernética confirma portanto as teses da concepção dialética
objetiva da história, que a concebe desenrolar-se primeiramente num estágio biológico, para
chegar posteriormente à etapa humana, já então com caráter social”.
9. A definição da cibernética. Formalmente cibernética é definida como a ciência que
se ocupa com a informação, comunicação e controle de máquinas, seres vivos e entes sociais
através de analogias com máquinas eletrônicas ou servomecanismos. Em consequência dessa
104
definição formal a cibernética é reduzida “a uma analogia superficial ingênua julgar que os
servomecanismos solucionem por auto-regulação uma contradição surgida no curso do seu
funcionamento”. Por isso, Vieira Pinto rever criticamente as definiçõe de Norbert Wiener, Hans
Lend, Ross Ashby, Georg Klaus, V. Cuba, K. Hubner e outros pensadores para a partir da clásica
definição de J. Guillaumaud concluir que “a cibernética abrange as teorias do comando e da
comunicação na máquina, no animal e na sociedade, ou seja na natureza inteira”. Em
continuação ao seu reciocínio ele afirma que a partir da ciência cibernética “foi possível
encontrar a base objetiva de que até então se carecia para afirmar e justificar a dialética da
natureza”. Vale lembrar, ainda, que Viera Pinto, em sua análise da definição da cibernética,
entende-a “ao mesmo tempo ciência e prática instrumental, é inteiramente um produto
cultural” que, em geral, é esquesida, ocultada ou omitida pelos pensadores supra mencionados.
“A cultura não poderia surgir a não ser tendo por base a evolução biológica, na fase em que o
animal humano se mostra capaz do exercício do trabalho” (isso se dá com a criação da
linguagem, da vida em sociedade/violência, das técnicas e das artes).
10. Cibernética e dialética da natureza. Neste tópico, o filósofo afirma que “no caso
da cibernética, sendo essa ciência em última análise dialétioca, segundo comprova
indiscutivelmente a natureza do objeto mais geralmente indicado, os sistemas dinâmicos, tem-
se de entender o modo pelo qual neste caso particular se opera o processo abstrativo”. Para
melhor esclarecer a dialética da natureza, Vieira Pinto, deixa explícito: “o que existe é a
universal e perpétua ação recíproca das partes da realidade umas sobre as outras e das
totalidade sobre seus elementos e vice-versa, demontrando assim a existência objetiva do
fundamento de um conceito geral, que de há muito era reconhecido a título de categoria
dialética do mundo natural, antes de alguém poder sonhar que a cibernética surgiria um dia
para resaltar o significado dessa lei universal da realidade, mostrando-a em ação, com
características peculiares em cada caso, no dinamismo interno dos seres vivos, da sociedade e
dos mecanismos calculadores ou diretores”. (...) “A dialética não configurou apenas a lógica do
pensamento correto, mas tem este significado porque rege a totalidade das transformações do
mundo natural, do qual no curso do tempo em certa época começa a emergir o pensamento
racional”.
11. O equívoco da distinção entre o ser vivo e a máquina entendida como questão
semântica. Neste tópico Alvaro Vieira Pinto além de desconstruir o pensamento do eminente
matemático e pricipal criador da cibernética Norbert Wiener explicita a sua ingenuidade na
105
distinção entre o ser vivo e a máquina entendida por ele como uma questão semântica por
ignorar as leis da dialética. Tanto é assim que o filósofo chama a atenção “seria isso anular a
semântica, que legitimamente pretende ser a ciência capaz de examinar o motivo do significado
dos conceitos e palavras. A concepção de Wiener só não destrói a cibernética porque a faz
depender de uma coisa inexistente, uma semântica que, pela concepção do autor, deixa de ter
sentido; uma semântica que seria a teoria encarregada de dar sentido às noções porém não
teria ela própria qualquer sentido. É de estrranhar que seja essa a concepção da semântica
possuida por um digno matemático, que deveríamos supor abalizado em conhecimento de
lógica moderna. Declarar que os problemas de uma ciência resolvem-se de acordo com as
conveniências idividuais equivale a excluir tal conjunto de conhecimentos da categoria de
‘ciência’, pois não se conhece nenhuma que aceite esse estravagante critério de constituição de
sua verdade. A admissão dele corresponderia a admitir no recinto das ‘ciências’ qualquer
reunião de conhecimentos fantasistas, pretenção que a semântica tem a obrigação de repelir,
mostrando a vacuidade dos imaginários elementos, para não se equiparar à astrologia, à
numerologia, à heraldica, à escatologia teológica, à samsara budista, à psicanálise, à
quiromância e tantas outras charlatanices ‘sábias’. Certamente, a intenção de um matemático
como N. Wiener não terá sido esta”.
12. Da entropia à primeira aproximação ao problema da essência da informação.
Concluindo o capítulo IX do seu livro, Vieira Pinto remota-se a Clausius que em 1850 descobre
o princípio da entropia e das leis da termodinâmica que na cibernética passa a ter muita
importância com o nome de negentropia (entropia negativa) para a inteligibilidade do processo
de informação (segundo Morin em “O Método livro 1 - A Natureza da Natureza). Segundo o
filósofo Vieira Pinto “convém repetir que a entropia continua sendo um conceito
termodinâmico pertencente, nas relações que retrata, a um único plano da realidade, ao passo
que supõe a existência da matéria viva e especialmente do ser vivo consciente na relação com a
matéria inerte convívio dos organismos uns com os outros. A informação estabelece a categoria
mais geral da relação entre os dois tipos qualitativamente distintos, enquanto graus
dialeticamente diferenciados de estruturas da realidade material, entre si e o mundo que lhes é
exterior”.
106
CAPÍTULO X. PROBLEMAS GERAIS DA INFORMAÇÃO
Igualmente ao capítulo anterior o cientista e filósofo Alvaro Vieira Pinto
dispensa qalquer comentário introdutório sobre o propósito em escrevê-lo e passa diretamente
ao tema construído através dos seguintes tópicos aqui anotados sinoticamente como
aconteceu com os anteriores.
1. Os tres graus de funcionamento da informação. Dando início ao conteúdo do
capítulo neste ítem além dos três graus de funcionamento da informação discute-se a formula
de Shannon e a introdução da ordenação binária (0 e 1, ser e não ser ou sim e não) que, hoje, é
a base e a linguagem sobre a qual se orienta a teoria da informação. Na verdade a natureza não
procede por escolhas entre o ser e o não ser, mas sim “na não exclusão, na conjunção ou
unidade dos contrários, não limitados à oposição binária”, ou seja, formalmente explícita
“mediante o cálculo lógico de tabulação bivalente”. Segundo, ainda, Vieira Pinto “a informação
é um conceito que tem de ser apreendido no exame do processo de sua história natural, ou seja,
de sua gênese e evolução enquanto propriedade da matéria, em geral, desenvolvendo-se em
tres graus: (a) na matéria inerte; (b) na matéria organizada em escala pré-consciente; (c) na
matéria organizada no estado de sistema que possui a modalidade distintiva de movimento
representada pela função da consciência”. Adiante o filósofo acrescenta que “o homem só é tal
porque se tornou um vivente apto a escolher e procurar conscientemente as informações
circulantes na natureza exterior a ele, tendo como caso particular, de caráter qualitativo
distinto, as que partem de indivíduos semelhantes seus e lhe são voluntariamente dirigidas”. (...)
“O que caracteriza a teoria autêntica da informação é o caráter dialético, que consiste em
abstrair a noção de informação como fenômeno geral da matéria em movimento, resultantes
das propriedades objetivas manifestadas pelos seres e processos que compõem cada fase desse
movimento absoluto”. Considera, também, que “a etapa suprema da evolução da informação
define-se como aquela em que o fenômeno de transmissão física de um conteúdo significativo
tem início ou término no funcionamento cerebral do ser humano”.
2. A informação como idéia e finalidade da consciência. Aqui, neste ítem, o filósofo
explica e discute as razões de a informação consistir “na produção, pelo pensamento, de idéia
físico, biológico ou social que são reflexos da realidade na consciência e impelem esta a usar a
captação do conhecimento assim praticada, no estado de idéia”, isto é, para os diferentes
efeitos por ele apresentados no texto. Dessa forma o filósofo Vieira Pinto deixa claro os efeitos
da informação como idéia e, também, como finalidade da consciência na acepção de ela ser
107
reflexo da realidade dos entes vivos, principalmente, dos humanos. Já a finalidade da
informação entre os humanos é apresentada como um estado da cultura nas sociedades por
eles criadas, vividas e desenvolvidas. “O fato culminante e o núcleo do tema da informação,
agora chamada ‘informática’, é a relação entre consciências, aquilo que certas filosofias
idealistas chamavam de ‘intersubjetividade’, contemplando-a apenas no espaço ilusório das
noções existenciais abstratas e sem fundamento material. Daí a importância capital de
esclarecer a passagem do conteúdo de uma mensagem, fisicamente transportada, ao estado de
idéia”.
3. A razão de ser da incorporação da teoria da informação ao domínio da
cibernética. Quando a definição de cibernética é explícita como ciência dos sistemas dotados
de auto-regulação e de retorno imbrica-se a ela o de informação na medida em que há
circulação de efeitos de ações referentes ao estado de um elemento que pode estabelecer
circuitos de relações causais recíprocas oriúndas da própria auto-regulação e retorno. Entende-
se, assim, a razão de ser da incorporação da teoria da informação de Shannon ao domínio da
cibernética de Wiener. Nesse sentido o que efetivamente acontece é a cibernética “vir a
acentuar, racionalizar e calcular um aspecto por demais conhecido da informação, quer na
fisiologia animal, onde se processa por mecanismos nervosos e hormonais, quer nas relações
humanas, porquanto jamais se ignorou que, neste último caso, no convíviu social, a divulgação
de conhecimentos sempre se acompanhou de ações de retorno, originada da parte informada
sobre a informante”. Segundo o cientista Vieira Pinto “a informação que circula na máquina é
na verdade informação humana, nela depositada por construção ou dela extraída igualmente
por construção”. (...) “É em obediência à lógica imanente aos processos biológicos que os seres
vivos engendrados pela natureza acham-se providos dos conceitos de auto-regulação de que
necessitam segundo o modelo de sua constituição orgânica, pelos quais se tornam recebedores
e transmissores da informação que lhes permite o funcionamento vital e a sobrevivência”. Essa
é a razão pela qual o metabolismo do capital, também, transformou a vida de bem livre para
bem econômico, ou seja, em mercadoria. Hoje, o gene e o DNA (maiores detentores de
informações) dos seres vivos são os principais alvos ou objetos das forças motrizes (lucro e
poder) das corporações empresariais e das instituições de pesquisas do sistema mundo do
capitalismo.
108
4. A teoria da informação e a natureza da consciência. A teoria da informação, no
plano da racionalidade, identifica-se com a realização do processo dialético do conhecimento
do conhecimento. Esse fato remete o leitor a apreender, também, a natureza da consciência
como reflexo da realidade objetiva e como centro da racionalidade humana. Feita esta acertiva
vale dizer que esse conceito de consciência permite aos humanos detectarem as ações
recíprocas imbricadas ao movimento da matéria que não aceita explicação causal, mas apenas
dialética. Por isso nos seres vivos “a dialética do projeto existencial está estreitamente
vinculada à informação, na gênese e na circulação do saber que preenche o conteúdo da
mensagem existencial”. Cabe, aqui, repetir que o ser humano em sua qualidade e virtuosidade
“é o único animal que produz a própria existência, porque conquistou o poder de adquirir a
informação necessária para efetuar tal atividade produtiva, enquanto os demais viventes
apenas se reproduzem sem a responsabilidade de se produzir”.
5. O perigo das confusões metafísicas na compreensão dos sistemas dinâmicos auto-
reguladores. Neste tópico o pensador Vieira Pinto esclarece e adverte aos leitores sobre as
possíveis confusões metafísicas na leitura e compreenção dos sistemas dinâmicos auto-
reguladores advindos de interpretações de estudiosos como são exemplos Georg Klaus
(pensador dialético) e W. Ross Ashby (metafísico-formal) por ele criticados nas compreenções
daqueles tipos de sistemas que são fundamentais à inteligibilidade da ciência cibernética.
Frente as possíveis confusões no campo da visão metafísica ele adverte que “a prática da
‘simulação’ aponta, numa ocorrência típica da lei da negação da negação, a necessidade de
outra forma de raciocínio, superior, que não trabalha com simulações mas remete diretamente
aos dados reais dos problemas pelos objetos e fatos com que o homem defronta, tal como são
encontrados, e às leis gerais a que efetivamente obedecem”. Sob este ângulo se dá a
compreensão dos sistemas dinâmicos auto-reguladores a partir dos entendimentos que se tem
do real e do possível nas operações abstrativas para se extrair conceitos gerais dessa base de
entendimento ou de interpretação. Sob esse aspecto as análises se voltam para visões das
lógicas: metafísica e dialética sobre a compreensão dos sistemas dinâmicos auto-reguladores.
6. Observações preliminares à comprensão da informação. A cibernética como
ciência tem sua origem e desenvolvimento na chamada guerra fria, herdando dela um caráter
bélico simultaneamente na extinta União Soviética e, principalmente, nos Estados Unidos da
América. Seu principal idealizador foi o eminente matemático britânico W. Ross Ashby a partir
de suas cogitações matemáticas tendo como grande executor John Von Neumann funcionário
109
das Forças Aéreas Norteamericanas. Em todo esse tópico o pensador e matemático Álvaro
Vieira Pinto desconstrói o pensamento filosófico de Ashby de tal forma a considerá-lo um
behaviorista sem desconhecer nele seus méritos científicos como grande matemático. A
cibernética trata de máquinas efetivamente existentes para produzir informações mas entende,
também, que muitas outras podem ser imaginadas e a seguir concretamente construídas.
Ainda, em sua crítica ao eminente matemático Ashby, o filosofo Vieira Pinto além de o
considerar behaviorista reduz o seu pensamento “à seguinte fórmula: pretende definir o
conteúdo de uma informação partindo de uma informação sem conteúdo”. Assim, afirma que
“é preciso atingir os conceitos e leis da dialética contidas em todo o corpo de conhecimentos
científicos, particularmente a distinção entre a noção de processo linear irreversível e a de
processo retroativo”. (...) “A cibernética só poderá ser uma ciência fundando-se sobre dados
reais, embora tenha por procedimento normal de trabalho abstrair deles conteúdos formais,
fornecedores de elementos para a constituição de um corpo de conhecimentos, válidos
exatamente porque refletem aspectos das coisas materiais a que se referem”.
7. O problema cibernético da natureza da informação. A questão da verdade. A
teoria da informação, no pensar de Álvaro Vieira Pinto, só tem fundamento se for erigida com
caráter de construção lógica unitária reconhecendo “a existência de algo que se pode chamar
‘informação’ no mundo dos corpos e fenômenos inanimados, nos dos seres vivos, em particular
do homem, e no conjunto dos artefatos criados especialmente para a produção, transporte,
armazenagem, entrega e interpretação de sinais inteligíveis partidos de um dos membros
informativo e reconhecidos pelo outro”. Depois de explicar a lei dialética da ação recíproca na
cibernética e na natureza da informação o filósofo Vieira Pinto passa, mais uma vez, a
desconstruir o pensamento de Martim Heidegger, sobre o assunto, considerando-o “o rei do
trocadilho filosófico” , ou seja, aquele pensador que “constrói uma filosofia de palavras” com a
resalva, ainda, de abranger “todo o universo do calembur, passatempo que pratica tanto
valendo-se das facilidades acidentalmente oferecidas pelo próprio idioma quanto pelas que
descobre nas expedições arqueológicas ao mundo das línguas mortas”. No que trata da verdade
ele afirma que “por excelência, é sempre chamada apokalypsis, de acordo com a correta
composição lexiológica, que emprega o prefixo apo e o verbo kalyptos, que igualmente significa
ocultar. A revelação, conforme o análogo latino indica, equivale ao descobrimento do que está
oculto à compreensão humana, mas a palavra usada pelos interessados especialistas antigos
não é alétheia, embora seja difícil supor que os escritores eclesiásticos de língua grega não
110
tivesse notado a aproximação, a sinomímia entre os dois vocábulos”. Em termos, ainda, da
natureza da informação e seus saltos qualitativos ele explica que “o primeiro foi a passagem do
nível puramente biológico ao humano; o segundo, que em larga medida se surperpõe ao
processo de desenvolvimento do primeiro, foi a passagem ao processamento social da
informação; o terceiro, depois de longa evolução que levou a criação das sociedades com
divisões antagônicas, foi o ingresso na fase em que a informação não só advém de outro ser
humano, tal qual na fase precedente, onde era processada por ser condição de possibilidade de
sobrevivência coletiva da espécie, mas se converte em meio de defesa do indivíduo contra os
elementos da própria espécie”. Também, neste tópico o filosofo chama a atenção do leitor para
o fato de existirem muitos enganos quanto a gênese da linguagem e da informação,
principalmente, pela constituição do pensamento lógico abstrato, geralmente, formal residindo
na atitude tipicamente metafísica.
8. A teoria da informação e a noção de “modelo interior”. À esse tópico Vieira Pinto
dedica profunda reflexão à teoria da informação para, em seguida, proceder a explicitação da
noção de modelo interior. Logo de início injforma ao leitor que “os seres vivos inferiores
também são portadores de modelos internos do ambiente; do contrário, dizemos nós,
dificilmente se compreenderia de que modo seriam capazes de se situar em relação ao mundo,
reagir acertadamente às ações e estímulos que sofrem e atuar segundo reações vitalmente
proveitosas para eles”. Também nos autômatos os seres humanos, por construção, introduzem
modelos internos artificiais de modo a que os artefatos cibernéticos respondam com perfeição
aos comandos a eles atribuídos ou programados o que o fazem sem possibilidades de
cometerem erros. Por isso ele afirma que “nada há que objetar à equiparação gratuíta, para
simples fins sistemáticos, da consciência, do genoma animal e da memória do computador”. (...)
“Para efeito da teoria da informação, pode-se definir o animal como o ser que contém um
modelo fixo, hereditário, de entradas possíveis, invariáveis em qualidade, para condicionarem o
desencadear de sídas de igual caráter. Somente à custa da inviariabilidade do ‘modelo’ ele
consegue sobreviver”. Depois de muito explicar diferenças existenciais entre os humanos e os
animais chamados irracionais com respeito a teoria da informação, Vieira Pinto, conclui que ”o
animal sobrevive graças ao que não sabe; e por isso está obricado a procurar a estabilidade; o
homem sobrevive graças ao que sabe, e por isso vê-se forçado a procurar a instabilidade,
representada pela contínua variação do crescente conteúdo de sua consciência, de sua
capacidade racional de refletir o mundo objetivo”. Sobre o conceito de modelo ele afirma que
111
expressa simplesmente um instrumento metodológico e é uma porta aberta para
interpretações formais e metafísicas ou idealista da consciência.
9. O modelo interior nos seres cibernéticos, naturais e por construção. De modo a
melhor explicitar seu pensamento sobre este tópico com o devido condicionamento do seu
ponto de vista ao “O Conceito de Tecnologia”, o filósofo Vieira Pinto, esclarece que o conceito
de modelo adquire nova qualidade quando é atribuído aos autômatos ou seres cibernéticos por
construção, ou seja, são criados por humanos que operam em função da imagem da realidade
exterior que possuem em si. Nos seres cibernéticos naturais, principalmente no domínio dos
humanos segundo Georg Klaus “não há informação sem consciência”. Por isso, Vieira Pinto
adverte ao leitor de que “havendo por ora quase completa liberdade na aplicação do termo
‘modelo’ a qualquer produto ideal ou material resultante da elaboração investigadora, a
palavra apresenta-se despojada do valor indicativo de um conteúdo seguro, sendo empregada
cega e enfermamente como coisa certa e sabida, mas de fato deixando o estudioso na dúvida
quanto ao sentido a ela empregado pelo especialista que a utiliza”. Depois de muito analisar e
comentar sobre a etimologia e a epistemologia de uso de modelos interior e exterior aos seres
cibernéticos naturais e por construção, o filósofo encaminha seu raciocínio para mostrar que “o
trabalho do homem não pode ser realizado senão graças à cooperação vigilante,
permanentemente ‘projetante’ e inventiva da inteligência que dirige os movimentos dos
membros, em uma forma fisiológica completamente distinta do comando das atividades
orgânicas dos animais pelos gânglios, cordões ou mesmo centros nervosos que lhes são
peculiares. No homem o trabalho físico não pode ser dissociado do intelectual”. (...) ”Há
exigência de um empenho intelectual constantemente crescente para superar as máquinas já
construídas e inventar outras, ainda melhores e mais eficazes, que as substituam, significando
essa troca o desenvolvimento da técnica”. Sobre a problemática do presente ítem o pensador
afirma que ‘A cibernética liga-se deste modo à teoria geral da produção da existência pelo
homem, para si, e faz parte em caráter simultaneaqmente teórico e operatório, tanto da
antropologia filosófica quanto da economia social”.
10. A modelação cibernética. A teoria da caixa preta. Neste tópico o pensador
Álvaro Vieira Pinto procede severas críticas às modelações cibernéticas para visão de futuro e,
principalmente, a teoria da caixa preta que, segundo ele, foi ingenuamente criada pelo
eminente matemático W. Ross Ashby considerado um dos pais desta emergente ciência que é
a cibernética. Ashby, porém, sempre esteve encarnado à lógica formal metafísica das ciências
112
matemáticas. Essa é a razão de o filósofo dizer que a máquina cibernética em seu
funcionamento ”condensa um compêndio de lógica formal, embora no interior, por construção,
se processem relações de natureza dialética, por exemplo o rwetorno da informação aos órgãos
internos de decisão e o projeto dela corresponda à negação dialética de uma etapa anterior de
instrumentos operadores mais simples”. Sobre a teoria da caixa preta, pensada por Ashby, o
filósofo, em contraponto, afirma que “a noção de caixa preta tem de ser entendida na
qualidade de conceito provisório, servindo de peça de andaime, que logo se esvazia de
significado e função quando se descobre o que há no interior dela, fazendo=a perder o caráter
metodológico que lhe é atribuído. Faz=se imperioso acentuar que o papel de peça metódica, a
caixa preta é utilizada com o fim de deixar de ser caixa preta, de cofre de segredos destinados a
ser arrombado, com o que fica confirmado repetida e plenamente a tese dialética da
penetração infinita pela razão do desconhecido do mundo”. (...) “É preciso dizer não passar de
pueril simplicidade intelectual supor que a relação entre o observador e o mundo tenha algo de
comum com caixas pretas”.
11. A suposição ingênua de que a informação é o motor da história e o determinante
das relações sociais. Sobre o conteúdo deste tópico as análises de Vieira Pinto são
contudentes em desconstruir e condenar esse tipo de pensamento simplista não somente pelo
desconhecimento da história e, principalmente, pela apologética, reificação e poço de
ingenuidade supor e considerar a informação como motor da história e determinante das
relações sociais. Em sua veemente crítica aqueles intelectuais que professam tamanha
ingenuidade Vieira Pinto, em relação ao que defende Ashby e em parte por Norbert Wiener
sobre o assunto afirma “por falta de esmerada reflexão crítica e da necessária teoria dialética,
incidem nessas trivialidades, que em si mesmas só mereciam ser acolhidas com benevolente
sorriso, mas de fato perdem a qualidade de inocentes pela influência que a indiscutível
autoridade científica dos locutores exerce sobre a mentalidade de discípulos desprotegidos”.
Indignado por tamanhas ingenuidades daqueles pensadores , também, acompanhados por M.
Mac Luhan e H. H. Rapp ele adverte que “os próceres da cibernética, que declaram ser a
humanidade dominada pela força da informação, demonstram não ter tido o cuidado de se
informar suficientemente sobre a amplitude e as resonâncias gerais dos problemas de que
profissionalmente se ocupam. A cibernética nasce com a reivindicação de ser a ciência que
busca constituir a teoria geral da informação, e no entanto parece não ter resumido a
indispensável informação sobre si mesma. Efetivamente, demonstra não conhecer as
113
repercussões dos resultados do trabalho com que empreende a própria construção. Seus
arquitetos pretendem construir uma ciência que deveria abarcar todo o conhecimento humano,
mas dão provas de ignorar as conexões gerais do saber científico”. (...) “O processo social é que
condiciona a comunicação e as mensagens, de qualquer espécie, entre os homens, desde o
fornecimento dos conteúdos que interessa transmitir até a criação dos meios que tornam
possível o transporte das mensagens notícias e imagens. Não poderia ser dirigido ou regulado
por aquilo que, no estado de mediação, mostra-se subproduto da comunicação existencial”.
12. As transformações tecnológicas e a periodização da história. Neste tópico o
filosofo recorre à noção de espaço e tempo tanto sob a ótica da lógica formal, assim como, da
lógica dialética. Em relação a história, o tempo é a própria história do tempo, ou seja, “o tempo
é a medida da história no sentido em que define a posição dos acontecimentos numa sucessão,
e outros conceitos afins, como os de simultaneidade, distância, intervalo, repetição, etc.”.
Dentro dessa lógica “a tecnologia por si só, ou qualquer de suas manifestações, não pode
corporificar o motor da história”. Por isso “cabe às máquinas e à técnica o papel de mediação,
segundo o tipo de retração, na ação dos homens uns sobre os outros” conforme se dão nos
processos de produções em seus notáveis progressos tecnológicos, através dos tempos, na
comquista da natureza. Dai se dão as periodizações das transformações tecnológicas relevantes
no processo objetivo na periodização da história que assume de fato a situação de motor da
história da humanidade. Daí a técnnica ser sempre mediação da ação humana sobre a natureza
e o que “cria a história é o confronto do homem com o mundo no ato social do trabalho”. Não é
atoa que “os acontecimentos políticos de excepcional retumbância, a queda dos grandes
impérios, o surgimento de novas religiões, as guerras ‘mundiais’, no sentido em que para a
época se justificava este objetivo, ou com realizações tecnológicas imponentes, profundas
reviravoltas idéias científicas ou a descoberta de imprevisíveis e poderosíssimas fontes de
energia que dotam a humanidade de poderes tão formidáveis que a distinguem dos estágios
anteriores”. Portanto, a história se constitui “como conceito pela sucessão dos esforços que a
razão humana tem despendido nos diversos sistemas filosóficos, e, na época moderna, nas
teorias físicas para definir o conceito de tempo, chegando na correta compreensão filosófica, a
entender que é uma das formas fundamentais objetivas de existência da matéria, tal como o
espaço”. É dessa forma que a “consciência vê como história a sucessão dos fatos e processos
materiais, e portanto, com este modo de refletir a realidade, historiciza o tempo”.
114
13. O conceito de programação e as significações ingênuas que lhe são atribuídas. As
análises de Vieira Pinto, neste tópico, dizem respeito aos conceitos: formal e dialético de
programação e, em função das ações e relações humanas de produção, aos significados
ingênuos a elas atribuídas. Para tanto, ele opõe aos conceitos ingenuamente concebidos de
(fantasias e falácias) dos apologistas da cibernética a acertiva do fato concreto da existência da
“impossibilidade imanente das criações racionais” dos humanos. A atividade de programação
“sempre se realizou normalmente em todas as sociedades desde a aurora da hominização,
porque faz parte da realidade do homem” e não somente com as criações e usos dos
servomecanismos como querem os ingênuos cibernéticos. “Nenhuma sociedade deixou de
programar o seu destino”. (...) “A tecnologia sendo sempre um fato social, repousa sobre a
realidade do homem, que não só a concebe, executa e usa, mas a transforma em mediações
para suas finalidades, que explicita nas circunstâncias oferecidas pelos sistemas de relações
sociais vigentes”. Segundo o filósofo “o conceito de programação desempenha
simultaneamente papel máximo na teoria abstrata da cibernética e na prática da construção de
engenhos, especialmente os destinados à simulação de atividades humanas, mas serve
igualmente para fundamentar a analogia entre o caso biológico e o mecânico ou eletrico. Ora o
efeito desse conceito sem as devidas reservas e os esclarecimentos críticos exigidos torna-se
indevido e tende a gerar confusões teóricas, conforme de fato acontece e está documentado no
entendimento equivocado de numerosos estudiosos do assunto. Precisamos dizer uma vez mais
que a porta de entrada para a compreensão global da cibernética situa-se na distinção entre
organismos cibernéticos por natureza e os que são por construção”. É necessário saber que o
ente humano é sempre o sujeito do processo de programação e que a natureza “entrega ao
animal uma programação pronta, completa e definitiva, entrega ao homem apenas a
capacidade de programar-se a si mesmo” na medida em que o ser humano “adapta-se à
natureza adaptando-a ativamente às suas necessidades, ou seja, à solução de seus problemas”.
14. A delegação da programação e os tipos formal e dialético da mediação. Neste
tópico o pensador Vieira Pinto, em suas análises, parte do princípio da delegação da
programação entre os humanos se processar a partir da comunicação existencial e de sua ação
social sobre a natureza de tal forma a produzir bens econômicos para sua subsistência.
Segundo ele a programação da produção de mercadoria “não se define pelos instrumentos com
que é feita nem pelos sistemas de direção mecânica, ou de outra espécie seja, a que se submete,
e sim pelo complexo de relações de convivência social onde se exerce. Nenhuma mudança nas
115
máquinas ou na regulação delas pode abrir uma fase histórica, quem a faz são os homens
movidos por finalidades interiores abstratamente concebidas e levadas à prática na luta que
são obrigados a travar pela solução de suas contradições com a natureza ou com outros
homens, na criação de novas formas de convívio social”.(...) “A produção não deve ser definida
em função da máquina, da qualidade e perfeição desta, e sim em função do sistema de relações
sociais que a desenvolve”. Em relação aos demais seres vivos a delegação da programação é
totalmente preparada e dotada pela natureza. Por essa razão o filósofo trata das visões: formal
e dialética das mediações que se dão no processo de delegação da programação. Ainda, em
suas cosiderações sobre as mediações formal e dialética ele afirma que “a racionalidade
manifestada pela máquina calculadora será limitada e nã autônoma, porquanto a máquina não
precisa funcionar, não tem essa exigência interna”. Tanto a delegação quanto a projeção “é um
ato do pensamento dialético do homem, que concebe e sustenta a relação de ação recíproca,
expressa no dispositivo, por ele estabelecida entre seu pensamento e o objeto produzido”.
15. A transmissão da racionalidade e a noção do código genético. No pensamento do
filósofo Vieira Pinto “o que distingue a transmissão da razão humana é o caráter cultural, ou
seja, a inclusão das informações a transmitir num depósito social de conhecimentos, de onde o
recebedor reativa o conteúdo que adquire”. Afirma, ainda, que “a natureza específica do saber
reside em sua fecundidade, visto somente ser possível desenvolver a cultura com a cultura”. Nos
humanos “a transmissão da razão não deriva de uma imposição instintiva, como nos animais,
mas da exigência de conservação da sociedade, que não se mantém senão ampliando seu teor
de racionalidade”. (...) “Nos seres vivos inferiores a razão não cresce nem diminui, porque a
rigor não lhes pertence nem nele tem sede. Na máquina encontra-se um terceiro caso. A razão
está igualmente presente e em funcionamento nela, mas nem foi recebida diretamente da
natureza nem se expande por força da sua mesma transmissão histórica. Nela, a razão tem
sede igualmente no exterior, na cultura produzida pelo homem que chegou ao nível de produzí-
la”. (...) “A máquina tem assim uma história, porém esta lhes é exterior, ao contrário do que se
dá com a evolução biológica das espécies animais, cuja história se realiza em sua própria
sucessão vital, por motivo das acomodações e seleções que cada estrutura viva presente
permite, chegando em certos momentos a um salto qualitativo como é o surgimento de nova
espécie”. Quanto ao código genético ele apresenta as noções básicas do mesmo condicionando
seu ponto de vista ao conteúdo do presente capítulo e conclui com uma frase dos Autores do
Tratado de Bioquímica da Universidade de Oregon que se resume no seguinte:”Nosso
116
conhecimento atual sobre o código genético resultor na maior parte de estudos in vitro sobre
sistemas sem células [cell-free systems] feitos por grande número de pesquisadores em muitos
laboratórios”.
16. A informação idéia subjetiva e elemento de programação cibernética. Neste
tópico o filosofo Álvaro Vieira Pinto conclui o capítulo X do seu livro “O Conceito de
Tecnologia” mostrando que “o ser humano é um produto da história da natureza, assim como a
cibernética é um produto da história do homem . Se a criação do homem deve-se à evolução
biológica, a criação da cibernética deve-se a evolução social. A natureza, ao criar o homem não
resolveu nehuma contradição sua, simplesmente porque a natureza não produz, mas o homem
resolveu uma contradição particular da sua espécie, ao criar a cibernética, porquanto esta lhe
serve de instrumento para as finalidades produtivas que o movem e que ele não pode recusar”.
Com esses argumentos ele discorre sobre a informação como idéia subjetiva e elemento
fundamental de programação cibernética para atender necessidades humanas. Em sua
argumentação ele é altivo em afirmar que “a alienação do homem consiste no rebaixamento da
esência ética do indivíduo ao papel de máquina produtiva com a qual o trabalhador não guarda
nenhuma relação existencial, não percebendo naquilo que fabrica a exteriorização do seu
projeto de ser”. Conclui afirmando que “a sociologia das máquinas cibernéticas não pertence a
elas, mas ao homem. As influências que exercem no meio onde se situam não as afetam em
nada, mas à sociedade que as constrói ou recebe. Sua programação, rígida ou flexível, ou seja,
de rigidez probabilista, leva-a a cometer os mais grosseiros erros, com o mesmo brilho com que
no comum dos casos realiza espetaculares desempenhos úteis”.
117
CAPÍTULO XI. LÓGICA E INFORMAÇÃO
Neste capítulo do seu livro “O Conceito de Tecnologia” o pensador e filósofo Álvaro
Vieira Pinto, a partir de dez tópicos, traz ao leitor os fundamentos da lógica e da informação no
contexto da parte dois do seu livro, ou seja, “o conceito de razão técnica” no âmbito da
tecnologia face a nova ciência cibernética. A seguir seguem as sinóticas Anotações de cada um
dos ítens que configuram o capítulo em tela.
1. O surgimento da ciência cibernética e das máquinas auto-reguladoras. Os
problemas lógicos envolvidos na questão. O conceito de feedback ou retroação ou, ainda, alça
de retorno quando imbricado aos servos mecanismos se constitui no circuito sistêmico de
comunicação como a noção básica para o surgimento da teoria e da prática da ciência
cibernética. O avanço tecnológico de tal fenômeno científico é que além de dá surgimento às
máquinas auto-reguladoras, que criam, também, em consequência, problemas de órdem
epistemológica ao desenvolvimento da lógica formal no contexo da metafísica matemática que
a envolve. Daí a desconstrução feita pelo filósofo de vários conceitos e acertivas que levaram e
levam muitos pensadores a tratarem a cibernética com grandes características do pensar
ingênuo. Claro que o desconhecimento da lógica dialética como visão fundamental da nova
ciência deu margem a que proliferassem inúmeros problemas lógicos envolvidos no tratamento
da ciência cibernética e da informática. “Nenhum instrumento ou máquina dispensa a
interferência contínua do cérebro humano para a operação direta dos seus efeitos. Mais tarde,
quando dotada de dispositivos auto-reguladores, dispensa o permanente manejo pelo homem.
Foi então que esse dispositivo em razão de se haver tornado material, manejável, planejável,
veio a ser tomado por ‘modelo’ do que se passa no cérebro humano e na matéria viva em geral,
no estado de relação imediata com o mundo”.
2. As dificuldades relativas à compreensão lógica da informação. No ítem anterior se
falou sinteticamente de problemas lógicos envolvidos na ciência cibernética. Admite-se que
eles contribuem para isso com dois incorretos modos de interpretar e ver a informação. O
primeiro, está na falta de visão histórica do deenvolvimento das recentes máquinas
cibernéticas e suas vinculações e conexões com as precedentes e, o segundo, por está voltado
para o modo formal de pensar que expusa a visão histórica por ignorar a lei dialética da ação
recíproca e ver a realidade com o sentido de totalidade. Esta representa um “conceito mortal
para o positivismo lógico, fazendo do engenho cibernético, do computador uma totalidade
fechada sobre si mesma”. Esse posicionamento teórico leva, sem dúvida, às dificuldades
118
relativas à compreensão lógica da informação entre os humanos sem se falar que a natureza
não cria e não doa sentido à modelos que, para ela, são desconhecidos e, consequetemente,
também, contribuem para o fato de ela não ter e eximir-se problemas. Muito dos teóricos
cibernéticos ignoram que as linguagens, como propriedades dos seres humanos e, portanto,
um produto de uma mutação fisiológica na sua evolução natural alcança as fases: social da
existência e da cultura fatos que são inesistentes nos demais seres vivos do planeta. Tal
fenômeno, sem dúvida, é a razão de “a teoria da informação começa a constituir-se na prática
social da convivência produtiva entre os homens, porque unicamente nessas condições, e
suposto existirem os dispositivos anatômicos e fisiológicos suficientes, é que há o que informar”.
3. O perigo de fazer a teoria da informação repousar numa concepção mágica do
mundo. Todo sistema de informação cibernética via computadfores se processa em uma base
binária de “dois estados, inconciliáveis, a abertura ou o fechamento”, zero e um ou, ainda, sim e
não. Considerando-se que toda idéia consiste em uma informação, o filósofo afirma que esta
“em seu mais alto significado epistemológico, supõe a presença da consciência e de seus modos
peculiares de ação e reação, depende da constituição da imagem subjetiva da realidade
objetiva do mundo exterior, e por isso incorpora à sua explicação a teoria generalizada da
gênese da consciência enquanto fato específico da história natural do homem”. As especulações
e mesmo as teorias de seus criadores como Norbert Wiener e outros estudiosos cibernéticos,
pelas suas apologias ideológicas à nova ciência cibernética e sua teoria, tendem a inserir um
risco ou delírio de fazer da informação uma concepção mágica do mundo. O perigo de se
ideologizar a teoria da informação como uma concepção mágica do mundo pelos cibernéticos,
sem dúvida, leva essa nova ciência a uma profunda descaracterização e vulgarização. É
importante saber que “não é a informação que se inclui no circuito da realidade viva do
6homem, mas sim o homem que fica incluído no circuito da informação” .
4. Informação e conteúdo semântico. A escolha entre elementos de uma
alternativa como condição do cálculo cibernético. Neste tópico, o professor e filósofo Vieira
Pinto, desconstrói alguns pensamentos dos criadores da teoria matemática da informação
Claude E. Shannon e Warren Weaver que “utilizam a palavra ‘informação’ em sentido diferente
do habitual”. Afirma o filósofo que “a distinção semântica serve para estabelecer a diferença
entre sentido e transmissão de uma mensagem”. Argumenta ele que “em primeiro lugar,
devemos considerar inteiramente falso que a cibernética tenha de ser compreendida na
condição de uma parte da engenharia, porque esta colocação nada esclarece, já que mais
119
impreciso ainda é o significado daquilo que hoje em dia se deve entender por ‘engenharia’. (...) “
em segundo lugar, a coesão entre mensagem e sentido revela-se vital para a cibernética,
confere-lhe a razão de ser desenvolvido com caráter de ciência definida”. Quanto a escolha
entre elementos de uma alternativa do cálculo cibernético mostra-se que “apesar de haver
esforços de matrizes operatórias de base 10, a cibernética preferiu a simplificação máxima,
aquela que oferece à escolha do agente somente os ramos de uma alternativa”. Sabe-se,
entretanto, que no mundo atual “ninguém pensa por escolhas binárias sucessivas, mas ao
contrário esforça-se tão amplamente quanto possível por abranger a realidade presente em
totalidade”. (...) “O método do cálculo cibernético representa o completo divórsio em relação ao
tipo de procedimento vital que o pensamento humano executa para enfrentar as situações
vividas”.
5. A pergunta sobre a essência da informação. No presente tópico o Professor Vieira
Pinto dá continuação a sua desconstrução de vários pensamentos de um dos pais da
cibernética Norbert Wiener sobre a essência da informação que se resume a uma tautologia
“informação é iunformação”. O filósofo contextualiza, também, o pensamento do pensador
Georg Klaus sobre a essência da informação no contexto da distinção dos “três aspectos
essenciais da matéria: o aspecto de substância, o aspecto de energia e o aspecto de
informação” para conceituar e caracterizar a essência da informação como sendo o modo de
relacionamento material, social do ser vivo, principalmente, humano com o mundo. Assegura,
ainda o filósofo, que “a informação não pode ser concebida, no nível das estruturas orgânicas
superiores, sem o duplo aspecto do recebimento de uma influência proveniente de algum dado
objetivo e de resposta ativa, operacional, transformadora, socialmente útil, partida da
consciência”. (...) “Impossível separar a informação e o fenômeno universal da ação recíproca
entre as partes da matéria, em totalidade”. (...) “A informação está associada a uma forma
altamente organizada de movimento da matéria, sem a qual decairia na condição de seu
contrário, o ‘ruído’, que é o modo não estruturado de transmissão de partículas ou de energia
de um ponto a outo do espaço, de um sujeito cognoscitivo a outro, sém porém achar-se
submetido a um procedimento físico desejável de mobilidade da matéria”.
6. Informação, estrutura da matéria e produção social. Segundo o filósofo Vieira
Pinto, a informação em sua constituição natural, “caminha sempre de alguém a alguém, de
alguma coisa a outra”. Garante, o pensador, que sem risco de erro “a informação sempre
esteve a serviço da produção social, sendo movida por ela e se desenvolvendo em razão das
120
exigências feitas com esta finalidade”. (...) “A produção social condiciona duplamente a
expansão da informação. Primeiramente, é preciso que uma sociedade esteja informada em
geral de uma de uma nova exigência nela organizada, quase sempre em função das
anteriormente satisfeitas, para envidar os esforços produtivos destinados a atendê-la. Em
segundo lugar, tendo descoberto que a informação condiciona o incremento da produção, e
portanto o consumo de bens materiais e culturais , a sociedade passa a empregar
intencionamente a divulgação do saber por todos os meios de comunicação descobertos, tendo
em vista o aumento do número de consumidores, porque tal é o processo mais eficaz de
enrrequecimento nas estruturas onde vigora a apropriação privada do rendimento coletivo”.
7. A formação do conceito de informação. O gênio e a criação da obra de arte. Neste
tópico o pensador Vieira Pinto leva o leitor a entender a relação entre formação e informação
cuja feição histórica mostra que é a formação que precede a informação sem qualquer
separação radical. Nas suas explicações ele faz a ponte entre as categorias de: formação,
informação e comunicação mostrando que esta “deve chamar-se existencial porque pertence a
existência”. A partir da idéia e da prática da comunicação ele imbrica a ela as noções de
formação e informação para mostrar as virtualidades do processo de trabalho em linguagem
inteligível da comunicação, assim como, a criação do universo da subjetividade emocional,
amorosa, ideológica e mistica. No conceito de comunicação ele insere, ainda, o de “educação
habitual que está instituída de modo a tornar-se a escola da inércia”. (...) “Nenhuma sociedade
estruturada em desigualdades de situações culturais e econômicas entre seus membros educa
para a transformação”. Quanto ao gênio e a criação da obra de arte ele procede a uma
dialetização das categorias de velho e antigo em relação ao novo. Assim procedendo ele leva o
leitor a compreender o sentido de que “o envelhecer estabelece a única maneira de levar ao
homem em vez de nagação da vida a afirmação da vida, no florescimento daquilo quie os
antepassados puderam criar, sendo recebido pela juventude do futuro como a doação de que
precisava para se fazer original e jóvem”.
8. As etapas da constituição do conceito de informação. Ainda, neste ítem o filósofo
Álvaro Vieira Pinto continua suas apreciações e suas críticas ao pensamento de Norbert
Wiener e de Georg Klaus sobre o conceito de informação que, segundo ele, passa
necessariamente por três etapas de caráter dialético insertas em dois momentos. “A princípio
a informação tem por conteúdo o fenômeno objetivo e universal da relação recíproca de todas
as formas de matéria, no estado bruto, do ser material em si. Representa a forma, igualmente
121
generalizada, do que virá a ser chamada mais tarde ‘reflexo’, quando suas manifestações em
estruturas mais complexas. A informação passa a um segundo e terceiro estágios em seu
processo evolutivo, abrangendo as modalidades, de complexidade crescente, dos atos reflexos
pelos quais se realizam as ações e reaçoes do ser vivo, tanto no intercâmbio com o mundo
exterior quanto na economia interna, na interregulação, por motivo nervoso e hormonal, do
funcionamento dos órgãos”. (...) “A comunicação na forma mais elevada da informação, é um
fato exclusivamente humano. Somente no plano da subjetividade, assim criado, adquire plena
significação e se expande sem limites”. (...) “A cibernética engloba a tecnologia da
comunicação, esforça-se principalmente por estudar o processamento da informação nas
máquinas especialmente construídas para recebê-la, armazená-la processá-la e devolvê-la ao
homem em condições operatórias que este ser dificilmente igualaria e em muitos lhe são
superiores”. (...) “As novas formas em que se efetua a informação nos computadores pertencem
ao homem e não aos maquinismos, pois fazem parte da evolução cultural da humanidade e
jamais se destacam do solo de racionalidade que as sustentam”.
9. Algumas observações sobre os caracteres das lógicas formal e dialética. Neste
tópico o pensador e filósofo Álvaro Vieira Pinto embora não trate da lógica como ciência
elabora um conjunto de observações que caracterizam as lógicas: formal, metafísica e dialética
quanto às questões da tecnologia atual e, principalmente, naquilo que se refere a lógica
imbricada à informação. Logo de início ele estabelece a premissa de que “o pensar define o ato
original do homem, sendo por isso impossível reduzí-lo a objeto de pergunta de fato, uma vez
que se confunde com a atividade real e comunicativa do ser racional que alcançou o eatágio
social de exercício do trabalho produtivo da existência”. Ao condicionar seu ponto de vista aos
propósitos do capítulo ele assegura que “a teoria cibernética da informação tem de suportar a
prova da quantificação e da operação por máquinas construídas segundo o modelo sugerido,
devendo atender às finalidades esperadas”. Quanto aos dois planos lógicos objeto deste ítem
ele frisa “contudo constituirem uma única ciência da lógica, porque não há compartimentos
divisórios no âmbito do pensamento, que apreende a realidade na totalidade de seus aspectos
e opera segundo os modos legítimos de alcançar a verdade”. Depois de descrever e
contextualizar oito caracteres da lógica formal ele conclui que “a dialética se estrutura no mais
amplo sistema de apreensão e explicação da realidade física, social e mental, englobando a
título de caso particular o legítimo exercício da lógica formal”.
122
10. Sinal e informação. Teoria gnosiológica e teoria cibernética. Neste último tópico
do capítulo XI o cientista Álvaro Vieira Pinto leva o leitor a entender a importância dos sinais
na ciência cibernética chegando a explicitar na acertiva que “o sinal sensível, olfativo, visual,
sonoro, ultrasonoro ou térmico, da proximidade do objeto, do ser vivo consumível, não se acha
ligado por laços exteriores ao sistema cibernético de ações recíprocas e retroações que
determinarão os movimentos de captura e deglutização dos alimentos, mas por laços internos
irremoviveis e não aleatórios da constituição desse gênero de sistema”. Em seguida, a esse
argumento, ele afirma que “no autômato cibernético, porém, o sinal coincide com a informação
que enuncia, porque o engenho foi contruído para ter esse modo de funcionamento. Por
conseguinte, em tal caso a coincidência do sinal com a informação resulta no projeto arbitrário
do fabricante do maquinismo”. De um ponto de vista teórico o ser humano “não somente
fabrica o bem a respeito do qual precisa ser informado, mas cria igualmente a informação que
associa a esse bem para reconhecê-lo. Vemos portanto que, nq perstectiva dialética, ateoria
formalista é abstrata revela sua insuficiência e parcialiodade”. Já na perspectiva da teoria da
informação “constituindo ela própria uma informação, para ser compreendida exige o emprego
da informação que a precede. Sendo função de seus estados anteriores, deveria ser
matematicamente interpretada como auxílio de funções hereditárias, fórmula de cálculo que no
caso teria razoável aplicação”. (...) “A cibernética não se confunde com a filosofia. Ao contrário,
depende da reflexão gnosiológica e epiostemológica para se constituir em saber inteligível,
coordenado e dotado de feição científica”. Sendo impossível que as máquinas possam idealizar
qualquer teoria por serem absolutamente desprovidas de cultura que somente se processa no
indivíduo em sociedade na qual a máquina é e será sempre um objeto do sujeito humano. É
preciso repetir e enfatizar que “a cibernética em totalidade enquanto teoria e coleção de
máquinas e aparelhos automáticos e retroativos, compõe um imenso siborg no qual se realiza a
união do homem com a máquina. Se os seres vivos e o homem, em particular, são os únicos
organismos cibernéticos por natureza, os outros o são em caráter derivado, secundário, e por
isso dependem necessariamente do cérebro humano que contém a teoria da realidade deles e
as finalidades que explicam e determinam sua construção”.
123
CAPÍTULO XII. O CARÁTER SOCIAL DA CIBERNÉTICA
Neste capítulo o cientista e filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, em seu livro “O
Conceito de Tecnologia”, em cinco tópicos, externa seu pensamento com respeito ao caráter
social da cibernética mesmo que, para isso, volte a desconstruir pensamentos, acertivas e teses
de grandes pensadores e criadores da ciência cibernética como são exemplos Norbert Wiener e
W. R. Ashby contrapondo sempre ao pensar formal daqueles pensadores o pensar dialético.
Dessa forma, a seguir, se procede, de maneira sinótica, as devidas Anotações seguindo o
mesmo estilo que foi adotado nos capítulos anteriores.
1. O caráter social da cibernética e o conceito de homeostase social. Neste tópico o
eminente pensador e filósofo Vieira Pinto inicia o capítulo defendendo e explicando o caráter
social da cibernética e procedendo críticas, a partir dos circuitos retroativos dos sistemas, ao
uso do conceito de homeostase à sociedade. Segundo ele “importa-nos indicar o significado
errôneo e as intenções ocultas de que se reveste a transladação desse conceito do campo da
biologia para o da sociologia e da política”. (...) “A primeira objeção que precisamos tornar logo
clara é que o fenômeno da homeostase nada tem de privativo do homem em seu
correlacionamento fisiológico interno e externo, mas possui base mais vasta, abrangendo toda
a esfera da matéria viva organizada nas inúmeras espécies componentes dos reinos animal e
vegetal. A presente observação tem valor decisivo porque revela o erro de quantos julgam
estarem passando lìcitamente da realidade individual do homem para a realidade social dele”.
A partir da sua crítica Vieira Pinto politiza o problema e mostra os interesses obscuros e
ideológicos daqueles estudiosos que se prestam a defender os interesses imperialistas que
inclusive doam “as imposturas jurídicas instituídas a conveniente máscara científica”. (...)
“Ignoram os sociólogos e cibernéticos dessa estirpe a noção das exigências lógicas impostas a
toda extrapolação de um campo da realidade para outro, de natureza diferente. Unicamente a
título de metáfora seria lícito, mas mesmo assim desaconselhável pelas confusões insinuadas,
usar a expressão ‘homeostase’ no terreno social”. (...) “Na verdade, não pode haver homeostase
social , pois os confrontos de fatores não se faz entre forças livres em ação recíproca mas pela
regulação forçada exercida por um centro de poder interno, ou, no caso das sociedades
submissas, externo, que dita arbitrariamente, de acordo com seus interesses, os limites dentro
dos quais fica permitida a variação da intensidade dos impulsos em presença. Nas sociedades “a
presença de um centro de poder com eficiente comando dos atos de transformação social
exclui, como logicamente incompatível, a aplicação do conceito de homeostase”. Ainda, no
124
desmonte do pensar cibernético a partir do conceito de homeostase social ele enfatiza que a
sociedade, “não constitui um sistema dialético de órdem biológica, e muito menos por
construção. A sociedade representa um sistema superior regido por leis dialéticas de órdem
qualitativamente distinta, superposto ao plano da existência individual, porque se funda na
correlação entre os homens motivada pelas exigências do trabalho produtivo”.
2. O culto e o domínio da informação. A passagem do plano biológico ao social.
Novamente neste ítem o cientista Álvaro Vieira Pinto dá continuidade ao desmonte do pensar
de Norbert Wiener quando em seus escritos faz ingenuamente verdadeiro culto ou apologia ao
domínio da informação sem entender que a unidade social em tempo algum “se funda sobre a
circulação de informação, mas sobre a atividade de produção da existência pelo trabalho”. A
reificação da informação por Wiener (e alguns seguidores) o leva a equívocos no plano da
passagem do biológico ao social como é o caso de ele acreditar na homeostase social. Outro
fato desconhecido por aquele pensador, conhecido como pai da cibernética, é que “a coesão
social não pode depender da informação, porque evidentemente precisa existir primeiro alguma
forma de coesão entre os membros de uma comunidade para haver possibilidade de colher a
informação e interesse de transmiti-la”. Por fim, Vieira Pinto, neste tópico, mostra que “é uma
observação errônea julgar que a informação, como tal, seja fator causal de coesão de qualquer
organismo social, quando o mínimo de instrução histórica basta para mostrar que seus efeitos,
aliás sempre relativos e em nada coincidentes com que a respeito dela pensam acatados
cibernéticos, dependem da natureza de cada estrutura nacional particular, podendo ter
resultado demolidor”.
3. A informação e as transformações sociais. Partindo do princío de que “o
desenvolvimento da história é que cosntitui o motor da informação”, e que “a informação
resume-se portanto numa pura mediação, num instrumento a serviço das intenções dos homens
e das classes sociais” o professor e filósofo Vieira Pinto, passa a tratar do papel da informação
nas transformações sociais que relativamente não é função da velocidade da informação como
querem muitos dos pensadores cibernéticos contemporâneos. Tanto isso é verdade que “em
qualquer tempo e em qualquer sociedade a informação realmente necessária e decisiva para a
condução dos negócios públicos era veiculadas aos centros de poder e destes irradiava, sob sob
forma de órdens e determinações configuradoras da atividade humana no terreno político,
econômico, cultural, religioso ou administrativo, com a velocidade máxima permitida pelos
recursos de transmissão da época. A noção de ‘lentidão’ da transmissão é secundária, porque a
125
velocidade não forma um elemento constitutivo da natureza da mensagem, e sim apenas afeta-
lhe os efeitos práticos, com a relatividade correspondente a cada momento. O que porém tem
significado essencial é o conteúdo da mensagem”. Após varias considerações o filósofo afirma
que não foi a informação que criou a massa, e muito menos o que os propagandistas ingênuos
hoje chamam de ‘cultura de massas’. “A transformação da informação em mercadoria é que
explica a proliferação dela, pois passou a ser bem de consumo para multidões humanas que
cresciam por outros motivos, se alfabetizavam e ganhavam interesses econômicos universais
pelo aumento da consciência para si”.
4. A “intersubjetividade” assegurada pela informação e a crença de que a natureza
do homem depende das velocidades das informações. Este tópico representa para o Autor
destas Anotações uma das mais contudente crítica à informação como mercadoria feita pelo
filósofo Álvaro Vieira Pinto dos meios de comunicação das mídias: escrita, falada, televisa,
digital pela Internet e, também, pela violência visual e comunicativa da propaganda. Antes
mesmo de proceder suas críticas o cientista trata do significado da mensagem como uma
exteriorização da consciência humana e da intersubjetividade que leva ao conhecimento do eu
e do outro dialéticamente vinculados no plano existencial. É na sua análise que flui a acertiva
de que “o existencialismo mostra-se gnosiologicamente uma concepção impossível, um contra-
senso, uma contradição em termos, porque na há existência sem subsistênciaq. A rigor
deveríamos dizer que a subsistência enquanto processo antropogênico, precede a existência”.
Ao rever e criticar teses ingênuas referentes a natureza do homem depender da velocidade das
informações ele é enfático em refutarf que a “tese pueril de que a natureza do homem depende
da qualidade, modo de transmissão e velocidade das informações recebidas e transmitidas.
Nesta concepção, todas as idéias acham-se completamente invertidas. Nem a natureza do
homem está sujeita à informação, nem a velocidade das mensagens desempenha qualquer
papel constitutivo do ser humano”. Depois de muito conjecturar e desmontar teses ingênuas
sobre a temática do presente tópico Vieira Pinto afirma que “tornada veículo de propaganda, e
portanto suspeita, sabendo-se haver se tranformado em instrumento de infiltração ideológica
ou de promoção comercial, a notícia vem a ser recebida a contragosto, como uma interrupção
intusa, um accessório desagradável do reduzido prazer que talvez alguém ainda espere de uma
transmissão pelo rádio ou pela televisão. A transformação da informação em mercadoria
destinada a produzir a venda de outras mercadorias degradou-a à condição socialmente,
rebaixou-a a condição de mercadoria de segunda órdem, dotou-a do caráter de inoportunidade
126
e enfado que até então não tinha, e aviltou-a ao ponto de ser o que não se deseja, porque dela
nada se espera de importante, igualando-a ao importuno dos anúncios de página inteira dos
jornais”. (...) “O excesso e a perfeição dos meios tecnológicos de nada valem contra a
mercadilização das mnensagens e seu caráter socialmente desiteressante e com elevada
frequência deseducativo, quando não diretamente prejudicial aos propósitos econômicos e
culturais do povo”. Depois de muito denunciar as manipulações ideológicas veiculadas pelos
meios de cominicação, no sistema mundo do capitalismo, o pensador mostra o quanto a
informação contribui para aprofundar o atraso dos povos oprimidos e como se aplica como
instrumento importante à teoria da dominação pelos centros metropolitanos ou hegemônicos.
5. A simploriedade das explicações dos grandes acontecimentos históricos em função
da comunicação. Dois exemplos anedotários. O filósofo, cientista e pensador brasileiro Álvaro
Vieira Pinto conclui o presente capítulo de “O Conceito de Tecnologia” especialmente sobre o
caráter social da cibernética com uma velada crítica à simploriedade das explicações de alguns
intelectuais sobre grandes acontecimentos históricos em função do processo de comunicação.
Para ilustrar a candura das explicações representativas do pensar ingênuo sobre o tema ele
recorre a dois exemplos anedotários que podem ser lidos e avaliados pelos leitores de sua
importante obra acima citada. Pela singeleza das explicações ideológicas, ali apresentadas pelos
cândidos intelectuais e por ele criticadas, apenas anotamos para o leitor a importante acertiva
de que “a astúcia dos literatos assalariados para a defesa da classe dominante consiste em
desviar a atenção dos fatos essenciais para outros, secundários e irrelevantes, e ainda por cima
falsificados, a fim de chocar o leitor, sabendo que toda novidade propositadamente aberrante
aglomera admiradores”.
127
CAPÍTULO XIII . O PROCESSO HISTÓRICO E O CARÁTER DA INTELIGÊNCIA
No presente capítulo o professor, pensador e filósofo brasileiro leitor a pensar
dialéticamente sobre o processo histórico e o caráter da inteligência nos humanos. Para tal fim
ele desdobrou o conteúdo do capítulo em nove tópicos que o Autor das Anotações
sinoticamente apresenta na forma abaixo.Álvaro Vieira Pinto desenvolve seu raciocínio de tal
forma a levar o
1. A compreensão da comunicação e a análise do conceito de “massas”. Neste tópico
o pensador e professor Álvaro Vieira Pinto retoma o seu conceito de massa detalhadamente
estudado e explícito em sua monumental obra “Consciência e Realidade Nacional” (ISEB, 1960)
cujas paráfases se encontram nos “Apontamentos sobre a Consciência e Realidade Nacional
de Álvaro Vieira Pinto” que pode ser consultada no site do Autor dessas Anotações
www.geraldoaguiar.com.br e, também, compartilhar com o leitor. Já quanto a compreensão
da comunicação o filósofo deixa claro que, em geral no processo da vida no planeta “a
comunicação pertence aos processos biológicos embutidos na espécie”, enquanto que nos
humanos “a comunicação deixa de ter por base as exigências biológicas da espécie para se
condicionar às exigências sociais da espécie”. Para enfatizar suas análises sobre o seu conceito
de massa o professor condicionando seu ponto de vista ao ítem em tela afirma que “o
autêntico significado do fato social chamado ‘massa’ consiste no valor humano adquirido pelo
agregado de consciências individuais, cada qual dotada de uma compreensão da realidade, de
finalidades que movem a luta para obter as condições de existência que vislumbram poder
conquistar e na coesão desse feixe de forças sociais num movimento por um objetivo comum,
que transforma o suposto rebanho inerme e na dependência de caudilhos ou empresários que
lhe usurpam a direção em uma formidável unidade de ação histórica”. Ele conclui o tópico
advertindo o leitor que “a comunicação, negado o valor existencial, torna-se um ingrediente
farmacológico. Concebida a comunicação no papel de agente externo à realidade do homem, é
fácil convencer os dirigentes sociais de que o manejo dos meios informativos constitui a mais
poderosa força para mover os seres humanos a seguir os rumos ou a consumir os produtos,
tanto ideológicos quanto materiais, que as frações dominantes desejam impingir à grande
maioria da humanidade”.
2. Ingenuidade sobre a função da imprensa e a velocidade da comunicação. O filósofo
inicia este ítem desconstruindo o pensar ingênuo de Mac Luhan sobre a incorporação social da
128
técnica tipográfica e da função da imprensa, contestando-o com a acertiva de que não foi a
imprensa que criou o homem e sim este que por motivo das condições sociais em que passou a
viver foi que criou a tipografia e a imprensa. Denuncia, também, que desde sua invenção a
imprensa sempre foi “privilégio dos grupos e classes que delas necessitavam, nunca se
estendendo além desse círculo às massas em geral”. Já quanto “a velocidade de informação em
todos os tempos foi função das exigências técnicas da produção e, o que nestas está implícito,
do governo de cada sociedade em uma fase do respectivo desenvolvimento. Em última instância
a comunicação identifica-se sempre a um fenômeno social realizado pelo encontro entre um
homem e outro”. Assim, se desmistifica a crença de que “o processo de comunicação se realiza
pela ligação do indivíduo ao aparelho difusor de notícias”, (...) “Por trás do aparelho, do filme,
do jornal, dos figurantes e faladores, está o outro homem, o proprietário ou comandante do
processo informativo, o verdadeiro personagem fantasma, mas nem por isso menos real, com o
qual se defronta sem percebê-lo, conforme é da natureza dos genuínos fantasmas, o pacífico, e
quase sempre ingênuo leitor, ouvinte ou assistente”. Nenhum dos pregadores de ingenuidades
sobre o papel ou função da imprensa ou das mídias de comunicação contemporânes, incluso a
Internet, pode ignorqar ou ocultar que o interesse humano “pelo relacionamento com o mundo
é inversamente proporcional ao grau de informação difundida, e quase toda desperdiçada em
cada época”. Por isso, afirma e adverte o grande pensador e filósofo brasileiro que “a fraude
econômica e ideológica do poder atribuído à informática, que longe de ser a compulsória
imposição do ‘mundo’ pela comunicação tecnológica, distribuída forçosamente a todos os
homens por igual, continua encontrando como fator obstrutivo e limitante um atributo
essencial do homem, enquanto pessoa única e induplicável, a vontade de fazer socialmente o
mundo para si”. Vieira Pinto finaliza o tópico dizendo que “a história conhece várias épocas e
formações distintas, mas as leis universais que a regem são sempre as mesmas, diferindo tão-
somente na diversidade das formas das situações objetivas globais, incluindo as realizações
tecnológicas a que se aplicam em cada fase”.
3. A produção automática e automatizada não define uma nova espécie de
formação social. Neste ítem o cientista Álvaro Vieira Pinto é enfatico em argumentar e afirmar
que “a produção automática não cria nenhuma espécie de formação social e a prova nos é dada
pelo fato de, em sentido geral, ser adotada, e achar-se em plena expansão, em países de
regimes sociais e políticos diferentes”. (...) “A criação tecnológica não atua como fator
autônomo no curso da história, dela não decorre imediatamente uma nova situação, mas
129
representa apenas a substituição de um tipo de mediação por outro, o que portanto não lhe
retira jamais o valor de mediação, não a promove ao status de causa”. Argumenta que “a
vinculação do homem à máquina configura um fato histórico, assume feição característica em
cada época e tende a diminuir, nos aspectos de ações diretas penosas, com o progresso da
ciência e da tecnologia, passando de modalidades ainda pesadas às de controle e de projeto e
vigilância da produção”. (...) “A tecnologia de que uma sociedade dispõe constitui um fator de
sua estrutura, e assim sofre a influência de todas as modificações nela verificadas ao mesmo
tempo em que cria condições, por seu particular progresso, para o eventual surto de novos
fatores de transformação”. Ainda em sua argumentação ele afirma que em todas as situações
“a máquina enquanto tal não faz a história, nem sequer atua no papel de determinante
irresistível das ações humanas. Ao contrário, por ser a máquina uma criação do homem,
manifesta a aparência de ação causal, porque sobre ele podem refletir os efeitos de sua
atuação econômica, dando a ilusão óptica de causa, superpondo-se à verdadeira e única razão
determinante dos acontecimentos históricos, a luta dos homens pela solução das contradições
com o mundo natural e com a trama de relações sociais incapazes de assegurar a todos, com
justiça, liberdade, bem-estar e possibilidade de progresso cultural”.
4. A aceleração do processo histórico. Este tópico do presente capítulo é, sem dúvida,
aquele em que o professor e filósofo brasileiro Àlvaro Vieira Pinto estende sua argumentação
para demostrar a imbricação do desenvolvimento tecnológico à aceleração do processo
histórico de hominização do animal Homo sapiens. Tanto é assim que a evolução, o progresso
da ciência, da inteligência e da tecnologia é antes de tudo, segundo ele, um progresso do ser
humano. “Na verdade o que se acelera não é em essência o desenvolvimento da tecnologia
mas o desenvolvimento da hominização”. (...) “Por conseguinte importa-nos cultivar aquilo que
efetivamente o pensamento crítico nos ensina: (a) que uma transformação tecnológica,
enquanto tal, não implica a passagem de uma formação histórica a outra; (b) que todas as
épocas dão aos contemporâneos o mesmo direito de as julgarem extraordinárias; (c) que a
aceleração existe, o progresso tem curso exponencial, mas sempre foi assim, e por isso não há
sentido em considerar miraculosa a imensa quantidade de dispositivos técnicos quer hoje nos
cercam , chegando a substituir quase totalmente a natureza no papel de ‘mundo’ físico, para o
indivíduo urbanizado dos países desenvolvidos”. Com respeito às idéias de futuro na acepção do
presente que se deseja venha a ser Álvaro Vieira Pinto considera que “as considerações sobre o
futuro são parte integrante da filosofia técnica, porque aquilo que realmente se trata de
130
compreender consiste no progresso temporal da racionalidade humana, espelhado nas
realizações que, em, cada época, o homem consegue levar a cabo para alcançar um melhor
desempeho biológico e cultural da existência no mundo onde vive. O homem tem de modificar o
mundo à imagem de suas finalidades, mas a alteração significa oferecer às gerações seguintes
um ‘mundo’ diferente do recebido do passado e, mesmo, diferente do presente. Por isso, toda a
tecnologia identifica-se por definição a um projeto do homem, ou, segundo bem exprime a
etimologia da palavra, ao ‘lançar-se para a frente’, a antecipação da racionalidade futura, na
esfera de objetos circunstantes, que passarão a existir, e na forma das relações sociais que se
espera entrarão a vigorar”. Ainda, segundo o filósofo a espécie humana “não se destacou das
condições fisiológicas animais racionais por um fenômeno imcompreensível ou por um fiat
divino, e sim porque em obediência as próprias leis da evolução filogenètica, o homem
enveredor pelo caminho do aproveitamento da ação coletiva do grupo sobre a natureza, a
saber, constituiu-se em animal que empreendeu sistemática e definitivamente a construção do
seu mundo pelo trabalho social”. (...) “O cerebro é o único órgão humano em contínua e
acelerada expansão, porém tal crescimento não assumiu a aparência de aumento visível de
massa, mas consistiu no aperfeiçoamento das funções representativas e volitivas”. Sem dúvida
descansa, neste fato, a grande expansão, aceleração, desempenho, desenhvolvimento e caráter
da inteligência do ser humano.
5. O trabalho e a evolução do progresso tecnológico. O pensador e professor Álvaro
Vieira Pinto ao afirmar que “a crença numa fase ‘pré-lógica’ da vida social da humanidade
pertence ao romantismo da consciênci ingênua de etnólogos e filósofos de exaltada imaginação
e excelentes dotes literários” dá início a crítica das análises do presente ítem com o propósito
de esclarecer a candura de muitos intelectuais, entre eles Rose Marie Muraro (A automação e
o futuro do homem, Vozes, Petrópolis, 1968), com respeito ao conceito de trabalho e da
evolução do progresso tecnológico. Tanto isso é verdade que o professor e filósofo em sua
crítica afirma que “o processo inteiro da hominização e da pré-hominização, e contém, ademais,
a maior parte do tempo em que nem o homem nem os hominídeos tinham aparecido, nem
talvez os platirrinos houvessem ainda se destacado dos prossímios, não se sabendo se já
existiriam pliopitecos, oreopitecos e driopitecos, estes últimos prováveis ancestrais dos
pongídeos, os atuais gorilas, chimpanzés, orangotangos e ramapitecos, ora extintos. Só
existiriam talvez antepassados quadrúpedes, animais muitíssimo mais remotos. Por isso, dizer
que 95,5 % da vida humana passou-se na pré-história equivale enunciar uma frase insensata e
131
impressionista, incompreensível mesmo em termos puramente biológicos, porquanto jamais
poderíamos chamar de ‘humano’ esse longo segmento da evolução do filo que viria dar, depois
o surgimento dos primatas, os primeiros indivíduos indentificáveis como pertencentes ao gênero
homo. Temos aqui um bom exemplo das artimanhas impressionistas destinadas a espicaçar e
desorientar a imaginação de incautos leitores”. Ainda, em suas apreciações o pensador conclui
que “os devaneios da imaginação dos diletantes da tecnologia se tornam mais visíveis,
caminhando no sentido da crescente irresponsabilidade característica da ‘futurologia’, é na
discussão do problema da automação. Não se trata de simplesmente demonstrar a capacidade
dos engenhos automáticos de executar trabalho, antes de exclusiva realização humana, mas
planejá-lo, inventá-lo e desempenhá-lo”.
6. A impossibilidade de a máquina dispensar o trabalho humano. Neste tópico o
pensador e filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto põe em discussão a “compreensão da
natureza do trabalho” para aprofundar seu parecer sobre a impossibilidade de a máquina vir
um dia a dispensar o trabalho humano. Em virtude da inteligibilidade e compreensão do vem a
ser o processo de trabalho humano o pensador e filósofo destaca uma reflexão da lógica
dialética existencial que segundo ele “pode servir-nos de axioma fundamental: uma máquina é
capaz, em certo sentido apenas, de substituir o homem na execução de um determinado
trabalho, apreciando-se a mudança pelo aspecto referente à produção dos mesmos resultados,
mas nenhuma máquina, nem o conjunto de todas elas, , substitui o trabalho enquanto tal,
porque por definição a máquina não trabalha, só o homem. O equívoco consiste aqui em supor
que produzir os mesmos resultados seja sinônimo de trabalhar”. (...) “O trabalho, sendo aspecto
do ser moral e social do homem, não admite substituição pelo funcionamento de nenhum
engenho artificial”. È notório e sabido que a “criação das máquinas, de qualquer espécie, não
constitui função nem objetivo da cibernética e sim da inteligência humana, que só se vale
presentemente dos conhecimentos cibernéticos para fazer o que sempre fez, construir os
engenhos materiais destinados a uma finalidade social produtiva, conforme em todos os
tempos aconteceu, muito antes de alguém sonhar com a nova ciência”. Ainda com respeito ao
processo de trabalho humano vale apenas refletir sobre a acertiva do filósofo segundo a qual “o
trabalho só tem sentido em relação ao homem, porque apenas este ser possui, com a natureza
contradições que tão-somente se resolvem por meio do trabalho. A máquina, por automatizada
que seja, não pode ‘trabalhar’, pois não tem razão para fazê-lo. Apenas cumpre o programa
nela embutido e se limita, mesmo nos casos, ainda a bem dizer hipotéticos, em que planeja e
132
constrói outras, a realizar aquilo que o verdadeiro criador, o cérebro humano, determinou-lhe
executar. O trabalho humano prossegue, assim, sem solução de continuidade na máquina
automatizada, porque esta não mudou de caráter, não deixa de ser uma mediação entre os
homens e a natureza”. Para finalizar as Anotações, sobre este ítem, vale lembrar que o filósofo
tem toda razão quando afirma que “a automação simplificou, unificou o domínio do homem
sobre as máquinas , representando assim um triunfo da evolução cultural. A idéia da máquina
escapar do domínio humano, dispensá-lo ou chegar a superar em capacidade pensante o
cérebro que a produziu, faz parte do fabulário de nossa época, sendo ainda veiculada por
escritores ávidos de escândalo intelectual, esforçando-se por estimular um público que começa
a dar indisfarçáveis sinais de fadiga e insensibilidade a esse novo bestiário, substituto das
antigas e emocianantes fabulosas narrativas medievais”.
7. A inteligência do homem e a “inteligência” das “máquinas. Este tópico é, sem
dúvida, um dos mais extensos do capítulo e da obra, como um todo, e que será muito
simplificado nestas Anotações por o Autor apelar aos leitores que pela sua importância
epistemológica o leiam no original da obra do filósofo. Neste ítem Álvaro Vieira Pinto
desmistifica e problematiza pensamentos do tipo do que aqui transcreve-se, ou seja: “É logica a
conclusão de que o desenvolvimento dos sistemas paralelos e a miniaturização dos circuitos
eletrônicos eventualmente levarão ao desenvolvimento de autômatos inteligentes sintéticos,
possuindo uma inteligência incomparavelmente superior à de qualquer ser humano”. Esse
paradigma de infantilidade da intelectualidade ingênua foi proferido e escrito por conhecidos
intelectuais norteamericanos no livro “Inteligence in the Universe” (Prentice Hall, Nova York,
1966). Refutando esta e outras cândidas acertivas o filósofo brasileiro afirma que “a
inteligência é um modo de ser da matéria organizada em estruturas vivas, e por isso encontra-
se em toda a série animal, numa escala de graus continuamente crescente, constituída, em
todas as etapas, pela capacidade da matéria viva de refletir os aspectos do mundo circunstante
que lhe importa conhecer para a conservação da vida, de acordo com o tipo de estrutura
orgânica possuído por determinada espécie animal”. Segundo ele a inteligência não surge no
ser humano já constituído, mas sim em todo seu processo de hominização, paticularmente,
com o surgimento das idéias abstratas universais. Por isso possui “a capacidade de produzir
representações qualitativamente diferentes das possuidas pelos seres inferiores”. “ No homem ,
a representação assume o caráter de idéia, por conseguinte constitui-se com os atributos de
abstração e generalidade, que transfomam a função biológica e de representação da realidade
133
em capacidade cognoscitiva que, de pleno direito, se chama inteligência propriamente dita”. De
toda argumentação do filósofo sobre inteligência fica fácil deduzir que a máquina cibernética é
desprovida de qualquer tipo de inteligência na medida em que não tem idéias e muito menos
qualquer tipo de emoção e contradição com a natureza e, mais ainda, nenhuma estrutura
orgânica. Apenas, se apelidou e se atribuiu o termo de “Inteligência artificial” a alguns
atributos e desempenhos de algumas máquinas cibernéticas e robóticas sem que, por isso, se
possa aceitar a existência de uma inteligência artificial silísica. Em verdade a máquina
cibernética não tem inteligência alguma na forma em que a mesma se manifesta e existe nos
seres vivos. Esta é uma das razões pela qual “o autômato, não sendo vivo, não exige adaptação
alguma, além da embutida por construção no maquinismo, representando na verdade a
adaptação das finalidades do construtor à realidade material em que põe o engenho a
funcionar”.
8. O processo de superação da inteligência. Neste tópico o professor e filósofo Álvaro
Vieira Pinto dá continuidade ao seu pensamento ou raciocínio sobre o processo de superação
da inteligência. Para tanto, ele chama a atenção para o fato das chamadas inteligências:
artificial; mecânica e eletrônica não terem propósitos próprios a realizar. O autômato não tem
nenhum atributo para criar autobenefícios incluso o de evoluir para uma melhor perfeição
estética e funcional pela razão de não ser dotado de exigências e finalidades autônomas. Para
se chegar ao processo de superar e sobrepujar a inteligência os humanos tiveram que criar e
solidificar virtualidades que permitissem, na sua evolução, passar da fase instintiva à fase
cultural. Para entender tal processo é necessário “assinalar duas noções: (a) a sucessão entre
uma fase puramente biológica e outra, assinalada pelo surgimento da cultura; (b) o homem só
se realizou plenamente quando incluiu a atividade do pensamento abstrato na esfera da
cultura, porque superou definitivamente a ambiguidade do período de transição do antropóide
superior para o ser caracterizado pela instauração de um habitat construído pelas relações
sociais de produção de bens necessários”. Acredita-se que “somente a posse das idéias permite
a formação de um universo de pensamento onde a consciência, definida como o funcionamento
do relacionamento das representações com o mundo que refletem, logo estabelece ligações
internas, que vão se complicando, pela descoberta de elos cada vez mais complexos, até o
ponto onde surge a possibilidade de estruturar a imagem interior da realidade em função de
uma das idéias”. Essa talvez seja a razão de a inteligência humana esteja ligada ao pensamento
134
e à realização da linguagem, da técnica, da arte e da sociedade que tem imbricada em si a
violência original que é, da exploração de um humano por outro.
9. O autômato não trabalha. Para concluir o capítulo, em apreço, o filósofo Vieira
Pinto argumenta e apresenta, neste ítem, a sua acertiva de que qualquer máquina cibernética
seja ela um computador, um robô ou um autômato não trabalha. Ele afirma, em suas
argumentações, que os autômatos não podem trabalhar porque não tem existência e
convivência social, logo não tem finalidades são desprovidos de cultura e do processo de
trabalho que, no planeta, é privativo e exclusivo dos humanos. É sabido que
epistemologicamente o conceito antropológico, cultural, político e social de trabalho só tem
sentido quando vinculado ou imbricado ao ser humano e nada tem a ver com aquele conceito
usado pela física clássica, particularmente referentes aos movimentos dos corpos. Tanto isso é
verdade que mesmos os semoventes, inclusos os escravos, jungidos a qualquer instrumento ou
meio de trabalho, não trabalham. “Executam tão somente um penoso esforço muscular a eles
impostos pelo homem, que os utiliza no papel de mediações físicas para realizar a produção”.
135
CAPÍTULO XIV. A CIBERNÉTICA E O DESTINO DO HOMEM
Este capítulo foi desenvolvido em seis tópicos voltados ao trato da ciência e da
tecnologia cibernética em relação as especulações sobre o destino da humanidade ou, ainda,
ao viés ingênuo do destino do ser humano. O cientista e filósofo brasileiro Alvaro Vieirab Pinto,
munido da lógica dialética, dá continuidade às suas críticas não somente ao “jogo de palavras”
mas, principalmente, ao modo formalista de pensar dos cibernéticos clássicos. Desse modo, ele
combate a veneração e reificação da nova ciência, movida por notáveis tecnologias que passam
pela ação da atualização do virtual ao ponto de prospectar a realidade de uma tecnoesfera à
antroposfera.
1. A exigência da interpretação dialética dos fatos e problemas cibernéticos. Com
vistas a evitar delírios e ilusões com respeito a ciêcia e tecnologia cibernéticas o pensador supra
citado discorre sobre a necessidade ou exigências da interpretação dialética dos fatos e
problemas da cibernética. Argumenta ele que “a dialética, enquanto ciência do pensamento,
constituída em concepção da realidade e método epistemológico, uma vez que reflete a
dialética perpetuamente em ação na evolução do mundo material, não equivale, no rigor da
palavra, a um instrumento, não só porque tal maneira de ver suporia a exterioridade dela em
relação ao pensamento, tal como o martelo em relação à mão, mas ainda porque é ela mesma
a lei, ou o conjunto de leis, a que obedece a formação do próprio pensamento e que lhe dá o
fundamento para a verdade última das operações que realiza”. Depois de mostrar que o
maquinismo cibernético supõe sempre, também, a possibilidade de ser melhorado, ele conclui
que nenhuma máquina será capaz de inventar na medida em que por definição nada lhe falta e
nada tem a aprender. Argumenta, ainda, que “unicamente o ser humano aprende, e somente o
faz porque precisa aprender. No homem o processo de aprendizagem adquire o único autêntico
sentido, elevando-se ao plano existencial e realizando-se conscientemente como função social.
O aprendizado constitui um ato essencial à conservação do conjunto social e pertence
exclusivamente à sociedade, que lhe dá fundamento e o pratica continuamente a fim de
preparar seus membros para o melhor desempenho da capacidade de cada qual no processo
coletivo de produção”.
2. A noção de aprendizagem. A partir da noção de aprendizagem supra fica patente
que sómente os humanos aprendem na medida em que a suposta aprendizagem de outros
seres vivos não passa do “exercício prescrito e invariável de comportamento inerentes à espécie,
que determina nos adultos o desempenho das ações relativas à prole”. As ações institivas nos
136
animais inferiores, para os filhotes exercerem determinadas funções naturais da espécie, nada
tem de aprendizagem na medida em que os adutos não sabem o que estão ensinando, pois não
doam sentido à ação que é hereditária e repetitiva. Nos humanos as ações de aprendizagem
são necessaria e obrigatoriamente culturais onde as ações cognitivas de mediação são
conhecidas como educação cuja prática é a aprendizagem. Em outras palavras vale dizer que
nos humanos o ato de aprender não se reduz ao modo de adaptação para a sobrevivência no
ambiente natural e sim para sua autocriação cultural no processo social ou coletivo da
produção para sua subsistência. A ação de trabalho social inovador pela educação e
aprendizagem dos humanos nesse processo é que lhe dá o atributo de ente humano já que o
animal não se educa é apenas amestrado. É, também, uma infantilidade fantasiosa se pensar
ou admitir que uma máquina pode aprender e pensar como querem os cibernéticos formalistas
e ingênuos. “Os autômatos não possuem nem criam relações uns com os outros. No autômato
os condicionamentos a que obedece foram-lhe impostos por construção pelo artífice humano, e
deles não tem consciência”. É preciso ressaltar que “as matrizes de aprendizagem não dotam o
autômato da capacidade de produzir o ‘seu trabalho’, que continua sendo do homem, ao qual,
como os demais instrumentos,servem de mediação, apenas mais complexa”. Entre muitas
outras esta é uma das razões do filósofo argumentar que “no nível epistemológico não se brinca
com as palavras. O ‘jogo de palavras’ pode ser uma atitude graciosa, inteligente ou pedante em
muitas outra manifestações da inteligência, menos no terreno científico”. Ainda, para Vieira
Pinto, “aprendizagem não significa adaptação nem mesmo no estado cultural de determinado
tempo, mas exatamente o oposto, ou seja, a aquisição de instrumentos para a não adaptação
ao estado atual, graças a transformação deste em nova situação, representativa de maior
progresso”.
3. Os fatos cibernéticos e a unidade dos processos materiais. Neste tópico o
pensador ecientista Álvaro Vieira Pinto mostra “que a cibernética tem por objeto fenômenos
que se passam em tres ordens diferentes de seres, constituindo, no entanto, um legítimo
conhecimento unitário. Na série que vai da máquina simples ao cérebro de um indivíduo genial,
passando pela escala inteira dos vivos irracionais, há tanto um aspecto comum quanto um
diferencial. O que todos os degraus tem em comum consiste na unidade da matéria a qual se
reduzem, porque, seja qual for o tipo de estrutura viva ou inerte, obedece sempre as mesmas
leis universais do movimento da matéria, cuja expressão geral configura a dialética da
realidade. Entretanto, as leis universais particularizam-se em modalidades especiais para cada
137
ordem de seres considerados, desde os materialmente brutos até os vivos, culminando na
manifestação mais perfeita, o cérebro humano ”. Dentro da presente unidade dos processos
materiais os fatos cibernéticos podem ser resumidos, para efeito deste ítem, na acertiva do
filósofo de que “nenhuma máquina trabalha para si, e sim todas para o homem”. Outro fato
cibernético crucial “é que a automação e a auto-regulação não romperam a relação entre o
homem e a máquina. Dão-lhe nova forma, apresentam-na em inéditas modalidades, aquelas
que caracterizam nosso tempo”.
4. O conceito de controle. A retroação do segundo grau. Neste tópico se explica na
máquina cibernética o conceito de controle e, principalmente, o de retroação de segundo grau.
Argumenta-se, inicialmente, que “o sistema total compõe-se então do cérebro do inventor, mais
o do construtor a que se junta posteriormente o do operador, demais de um sistema primário de
autocontrole embutido no maquinismo”. Já a retroação cibernética, em termos geral, é
remetida à especial e importante “diferenciação entre o conhecimento na máquina e o
conhecimento da máquina” que dentro de um processo de retroação de segundo grau exige a
presença humana. Vieira Pinto assegura, ainda na cibernética, que “a noção de controle exige
um apuramento que o pensar formal se revela impotente para fornecer” por não ir além da
causalidade linear. Na retroação de segundo grau há uma demanda do “conhecimento da
máquina como totalidade que representará o papel de nova ‘entrada’ no circuito cibernético do
pensamento inventivo humano”.
5. A automação e sua influência nas condições do trabalho. Neste tópico do presente
capítulo são retomadas por Vieira Pinto as idéias e críticas do processo de automação, agora,
sob a ótica de sua influência no processo de trabalho. Além de argumentar sobre como se
prolonga o processo de trabalho com a criação do emprego na fase capitalista pré-industrial e
seu aperfeiçoamento na fase industrial, Alvaro Vieira Pinto trata da chamada ociosidade do
trabalho nas empresas que tem a pretensão de sua automatização. Assegura ele, em suas
considerações, que com o progresso e automação das máquinas na era industrial e,
principalmente, aquele “propiciado pela cibernética o trabalho humano não desaparece,
apenas muda de qualidade, tornando-se, em valor cultural muito mais intenso que
anteriormente”. (...) ”A possibilidade de constituir centrais autômatizadas para controlar o
funcionamento de um conjunto enorme de variadas máquinas representa um triunfo da
racionalidade do conhecimento humano, mas não há sistema regulador, por gigante que seja,
capaz de encerrar o processo de criação contínua de novas máquinas e de tornar surpléfuas
138
organizações ainda mairores exigidas pela produção social”. Assegura, ainda, o pensador que
“se mais homens deixam de trabalhar nas formas penosas, haverá maior disponibilidade de
indivíduos que, se devidamente educados, ingressarão no setor criador da sociedade, nos mais
diversos campos da cultura, da pesquisa, do conhecimento, da arte e do próprio
desenvolvimento da automação”. Sobre a questão da ociosidade do trabalho, hoje muito
discutida, o filósofo “mostra que o conceito de mão-de-obra ociosa não se define pelo fato do
indivíduo estar ou não trabalhando nas formas catalogadas de emprego, e portanto sendo
remunerado, mas deve ser interpretado pelo valor qualitativo do trabalho efetivamente
exercido no contexto social”. Esclarece também, que “a automação por si gera o reforço
imediato da consciência social esclarecida tem de ser recebida com reservas no âmbito do país
subdesenvolvido, sendo conveniente examinar e discutir-lhe os efeitos em circuitos restritos”.
6. O conceito ingênuo de “destino do homem”. Neste último tópico, do presente
capítulo, o cientista Àlvaro Vieira Pinto trata detalhadamente do uso e do sentido do conceito
ingênuo de o “destino do homem”, hoje, muito em voga e pregado pelos aurautos da ideologia
da dependêcia dos países periféricos aos países cêntricos imperialistas. Esses ideólogos
confundem intencionamente o sentido do que vem a ser o tabalho do futuro e o futuro do
trabalho que são especies antagônicas da consciência social com respeito ao processo
tecnológico. Enquanto para as classes dirigentes, burocratas, empresários e idustriais,
comprometidos com o trabalho do futuro, a educação é entendida e praticada como exigência
da tecnologia. Para os trabalhadores de um modo geral que pensam no futuro do trabalho a
tecnologia é entendida e apreendida como exigência da educação. A análise dessa
complexidade da consciência social com respeito ao trabalho futuro e ao futuro do trabalho
mostra que “antes, os jovens reivindicavam a criação da universidade para si; agora,
reivindicam a criação da sociedade para si. A diferença é enorme e capital, porque na primera
situação a classe dirigente dispunha de meios para atender; pelo menos em certa medida, aos
reclamos do estudantado, mas na segunda evidentemente nada de positivo poderá fazer,
porquanto está em questão a estrutura de relações de produção que ortogam aos grupos
econômicos, políticos e culturais dominantes a proeminência e os benefícios a que de modo
algum seriam capazes, voluntária e pacificamente, de renunciar”. O desenrrolar político desta
contradição da consciência social aponta para que “o problema do destino do homem compete
ao homem, unicamente a ele diz respeito, à sua consciência de si e do mundo e não às
máquinas ou técnicas que cria, pois tem caráter existencial e ético, e será resolvido, como
139
sempre foi, pela passagem de uma condição histórica de vida, de trabalho e convivência a
outra, mais humanizada”. Ao contrário do que pensam e pregam os ingênuos das classes
dominantes detentores de poder político, social, econômico e tecnológico no sistema mundo
do capitalismo “o destino do homem nunca deixou de ser o mesmo, e se conservará inalterado,
porque pertence à natureza desse animal social. Define-se pelo incremento do domínio das
finalidades existenciais e morais sobre a natureza, pondo os corpos e as forças físicas a serviço
da satisfação das necessidades verdadeiramente humanas, com o fim de constituirem a base
material de um melhor sistema de relações de convivência social, formando o conjunto de
circunstâncias objetivas que permitirão a todos os membros da espécie, sem discriminações,
alcançar o estado que, emocionamente, chama-se felicidade. O vetor constante na trajetória da
hominização sempre foi, e será esse”. O filósofo e cientista brasileiro Álvaro Vieira Pinto, em
contraponto à visão ingênua de que a tecnologia é ou representa uma ameaça ao destino do
homem, conclui o capítulo argumentando que “o destino do homem não está ameaçado pela
automação ou por qualquer outra tecnologia atual ou futura, mas pelo uso que desses
instrumentos alguns homens, organizados em centros de decisões das classes dirigentes,
possam fazer contra outros”.
140
PARTE IV – TECNOLOGIA E PROBLEMAS DA EXISTÊNCIA
Nesta quarta parte do seu livro “O Conceito de Tecnologia” o pensador, filósofo e
cientista brasileiro Àlvaro Vieira Pinto encerra sua monumental obra com mais dois capítulos
voltados para a tecnologia e os problemas da existência dos povos espoliados e oprimidos pelos
países cêntricos imperialistas do sistema mundo do capitalismo.
141
CAPÍTULO XV. AS PERSPECTIVAS DA TECNOLOGIA
Neste capítulo o professor e filósofo Álvaro Vieira Pinto encaminha ao leitor o
conteúdo do seu pensamento em sete tópicos que o Autor destas Anotações os resumiu
(seguindo o mesmo padrão dos anteriores) buscando o máximo de fidelidade ao que consta no
livro “O Conceito de Tecnologia”.
1. A cibernética, nova versão da mathesis universalis. Contrapondo-se aos velhos
ideais pitagóricos e platônicos da mathesis universalis que muito dos cibernéticos reivindicam
e tentam enquadrar a nova ciência cibernética. O pensador Álvaro Vieira Pinto afirma que ”a
cibernética jamais poderia representar é o papel de ciência universal, não apenas porque ela
própria constitui uma das ciências, de direito igual às restantes, mas ainda porque, em razão de
sua natureza, depende especificamente de numerosas outras para se organizar e progredir”.
Novamente, neste tópico, o filósofo volta a desconstrui e condenar o pensamento e as teses de
Martin Heidegger que ele julga especulativo, falso e inviesado na sua pretenção da unificação
das ciências pela tecnologia. Todas as especulações, do velho pensador alemão, sobre o
assunto não passam de um ilusório e descabido pragmatismo que tende a transformar-se em
delírio.
2. A cibernética filosofia metropolitana. Neste ítem o filósofo denuncia “os interesses
da dominação metropolitana induzirem seus ideólogos a procurarem sempre algum artefato
teórico que possam distribuir ao mundo subdesenvolvido a fim de confirmarem a superioridade
econômica e cultural, manterem a subalternidade da consciência periférica e fortalecerem os
grilhões da subserviência e da alienação”. Em suas argumentações Vieira Pinto além de
denunciar tal fato explicita como os detentores do poder nos países cêntricos usam e fazem da
cibernética uma ciência com alto teor ideológico de dominação como filosofia metropolitana.
Tanto isso é verdade que os dominadores a partir da tecnologia cibernética continuam a
divulgar infalíveis instruções ideológicas para evitar qualquer tipo de ameaça à inversão
cultural, ou seja, que o receptor dessa tecnologia passe a categoria de produtor. Mesmo assim
vários países periféricos vem conseguindo romper o cerco como é o caso dos paíse hoje
conhecidos como NICS. Essa é a razão de o filósofo combater a finalidade de avasalamento da
cibernética quando afirma “não basta automatizar a fábrica, torna-se necessário automatizar a
sociedade, o que, em última análise, significa automatizar, ou robotizar o homem, o
trabalhador, o pensador”. Muitos dos reinficadores da máquina cibernética reagem a
142
reconhecer que em qualquer circunstância “o significado da máquina decorre do papel social
que desempenha, na perspectiva dos interesses dos homens seus criadores”. (...) ”o homem é o
ser a quém a sociedade atribui a função existencial de projetar o seu ser”.
3. A ingenuidade do conceito de “revolução cibernética”. Outra ingenuidade muito
combatida por Álvaro Vieira Pinto é aquela que presume e prega, nos dias atuais, a chamada
“revolução cibernética”, ignorando que a qualidade de tal revolução está como nas demais que
já passaram, isto é, na qualidade social do existente humano, ou seja, no “regime de relações
produtivas em que obrigatoriamente tem de viver, dá-lhe traços distintivos que serão as
verdadeiras notas lógicas definidoras do conceito de humanismo”. Esquecem eles que “a
tecnologia só pode se tornar revolucionária quando se converte na tecnologia da revolução”. A
falácia da chamada revolução cibernética nos termos dos seus apologistas, leva aqueles
ingênuos a partir do criado “transumanismo” se fundamentarem na suposta concepção do
“homem informatizado” e apresentá-lo como essência da técnica em uma antevisão da
tecnologia do futuro. Toda ingenuidade desses pregoeiro está na reação de admitir e conceber
que “a tecnologia não pode ser por si mesma fator revolucionário pela simples razão de estar
sempre em modificação e consistir na introdução de puras mediações que irão criar condições
novas para o desempenho da atividade social dos homens. Esses aspectos não a caracterizam
como causa dos acontecimentos históricos, mas significam exatamente o oposto. A tecnologia
simplismente fornece novos elementos que irão ingressar nas formas tomadas pelo curso
histórico em virtude da ação que o impulsiona, proveniente do único e verdadeiro agente motor,
o homem, que tem de enfrentar contradições com a realidade a fim de executar o trabalho
produtivo, modo pelo qual se realiza a si mesmo”. Por isso e também, por não ter exigências
próprias e não poder condicionar por si só qualquer processo histórico revolucionário da
sociedade a tecnologia cibernética não pode induzir uma revolução, daí a ingenuidade do
conceito de “revolução cibernética”.
4. Tecnologia, subdesenvolvimento e domestificação do futuro. Depois de
argumentar no final do ítem anterior que “a aquisição da técnica não é um fato técnico, e sim
político, uma decisão da vontade soberana dos legítimos representantes e dirigentes do país
pobre”, o filósofo, cientista e professor Álvaro Vieira Pinto, neste tópico, empreende a tarefa
de explicar ao leitor a interconexão da tecnologia, subdesenvolvimento e domesticação do
futuro nos países pobres ou emergentes como o Brasil nas perspectivas da tecnologia. Para
este mister ele inicia explicando e mostrando as artimanhas dos países cêntricos hegemônicos
143
sobre os países periféricos ou subdesenvolvidos em duas insuficiências com dois sentidos:
“primeiro, o povo pobre possui sempre um grau, embora inferior, de tecnologia, que pode ser a
base para rápido desenvolvimento; segundo, o acesso à tecnologia representa um fato político,
depende do poder de soberania de que o povo atrasado dispõe. Com efeito, por um lado os
problemas tem de ser resolvidos por ele mesmo, ou seja, cabe-lhe a invenção e a adaptação de
técnicas que atendam as suas necessidades, sem estar obrigado a importar aquelas
correspondentes à solução de problemas de uma conjutura superior e alheia; e por outro lado,
toda tecnologia não passa de uma mercadoria, com preço de mercado e pode ser importada na
quantidade e qualidade desejadas, desde que existam os recursos financeiros necessários. O
importante está em ser o planejamento da aquisição da técnica dirigido pelo centro interno de
poder estranho a injunções estrangeiras, em benefício exclusivo do povo que decide tomar a si a
conduta, do seu destino”. Depois de muito desconstruir o engodo e a fraude proporcionado
pela ideologia da falsa disciplina “futurologia” apregoada e divulgada pelos centros acadêmicos
dos países imperialistas do sistema mundo do capitalismo, Vieira Pinto conclui o ítem,
afirmando que “os povos atrasados, pela reintegração em si de seus valores artísticos
autênticos, pela intransigente defesa deles e repúdio à intromissão desfiguradora exercida
pelas formas julgada submissa, ganham o recurso que lhes faltava para terem a revelação da
sua verdade e enfrentarem com vantagem o adversário”.
5. O futuro, projeção ideológica da tecnologia. Tratando ainda, das perspectivas da
tecnologia, o pensador Álvaro Vieira Pinto, neste tópico, retoma o conceito autêntico de futuro
para esclarecer, ao leitor, as artimanhas da aprojeção ideológica da tecnologia sob a égide dos
intelectuais dos centros imperialistas insertos no processo de globalização do capital. Com este
propósito ele esclarece que “o futuro compõe uma dimensão permanente da história, e assim,
um modo de percepção pela consciência da temporalidade inerente ao fluxo dos
acontecimentos naturais. No campo social o futuro configura-se pela possibilidade de
transformações sociais revolucionárias e pela realização de criações do pensamento,
particularmente o exercício do poder inventivo, que determinarão novas formas de organização
da sociedade e das mediações tecnológicas”. Com esta e outras acertivas o filósofo, no
desenvolver do ítem, desmonta, mais uma vez, as pretenções e fraudes da falsa ciência
denominada “futurologia”, hoje, amplamente praticada e divulgada pelas universidades dos
países metropolitanos como projeção ideológica do desenvolvimento tecnológico e
particularmente, das técnicas utilizadas nas máquinas cibernéticas.
144
6. As bases sociais do futuro da tecnologia. No presente tópico o cientista Álvaro
Vieira Pinto dá continuidade ao desmonte da “futurologia”, como ciência, e leva o leitor ao
conceito de aventura no intuito de buscar as bases sociais do futuro da tecnologia. Para tanto,
assegura que “nenhum outro ser, inerte ou vivo, tem futuro, pois tudo quanto lhe pode
acontecer no tempo adiante está prescrito pela causalidade linear do sucesso dos fenômenos
físicos ou pelas leis da evolução biológica, que não pode compreender ou modificar. O homem,
no entanto, ao compreender a historicidade em que a consciência envolve a temporalidade do
universo exterior, cria o futuro enquanto dimensão do tempo adiante de si, para prendê-lo de
acontecimentos dos quais será o autor. Assim a aventura, ‘o ir ao que vem’ traduz o encontro
dele com ele mesmo, do eu projetante com o eu projetado. A história pregressa da humanidade
foi constituída pela série de projetos dos homens e por isso, embora paradoxamente, talvez seja
perfeitamente lícito dizer que a única ‘futurologia’ possível é a que se espelha no passado”. Esta
é a razão pela qual o futuro da tecnologia está ligado e imbricado ao modo de produção
capitalista atual com todas suas contradições de classes sociais e que, sem dúvida, prospectará
a realidade do por vir. Por isso, “a revolução do futuro está sendo feita hoje, assim como a de
agora manifesta o afloramento do que foi preparada no passado, tanto mais influente quanto
mais recente”. O futuro é sempre a virtualidade do passado em sua atualização. “O futuro da
tecnologia está intimamente dependente das bases sociais que o preparam desde agora, e o
irão concretizar adiante. Não há evolução tecnológica autônoma, independente do advento de
novas modalidades de convivência humana”. Considerando que o conceito de horizonte é uma
linha imaginária que enquanto mais dela pretendemos nos aproximar mais ela se distancia na
mesma proporção do campo ótico do observador. Vê-se, assim, que “o conceito de ‘horizonte’
possui significado dialético, em contraposição ao de ‘alvo’ ou ponto de chegada. O homem
nunca chega existencialmente a ponto algum, mas está sempre se movimentando no círculo de
um horizonte ilimitado, ampliado a cada nova conquista da ciência e da justiça social”. (...) “O
conceito de ‘horizonte’ implica a escolha de direções, cada uma das quais admite a contrária”. É
sabido que toda invenção está imbricada ou contida no conhecimento possuído no presente.
Por isso, Vieira Pinto argumenta que “só é possível inventar o que está em condições de
inventabilidade, ou seja, aquilo que tem amadurecidas no dia de hoje as condições objetivas
para se constituir em idéias apta a ser levada á realização material ou a ser incorporada, com
caráter de novo conhecimento, ao plano ideal do saber teórico”. (...) “Toda decisão no sentido
da libertação de maior número de possibilidades de concretização das aptidões humanas
145
redundará em crescente aproveitamento da inteligência criadora, e portanto, em última
análise, em mais prósperas condições de invenção tecnológica”.
7. Os equívocos a respeito do “destino do homem”. A pergunta “Quem produz o
produtor?” O pensador, filósofo e professor Álvaro Vieira Pinto conclui o capítulo as
perspectivas da tecnologia trazendo ao leitor os eqívocos a respeito do tão apregoado “destino
do homem” como panaceia de muitos intelectuais ingênus e ou adeptos da teoria da
dominação. Também, traz ao leitor seu pensar crítico sobre o processo de educação a luz das
perguntas: Quem produz o produtor? E Quem educa o educador? Essas duas perguntas são
referentes ao tão discutido “o destino do homem” nos meios acadêmicos e, ainda, sobre “o
futuro da tecnologia” ambas já anotadas anteriormente. Quanto a questão de Quem produz o
produtor? Vale lembrar que “a tese fundamental da dialética existencial não idealista tem por
enunciado a proposição que define o homem como o ser que produz a sua existência”. Já
quanto ao destino do homem se fez referência nestas Anotações no capítulo XIV (A cibernética
e o destino do homem) constante de seis tópicos onde inclusive se anotou sobre o conceito
ingênuo de o destino do homem razão pela qual omite-se várias anotações críticas produizidas
pelo Filósofo neste tópico. Outrossim, convém explicitar que Vieira Pinto é enfático em afirmar
que “a tecnologia não decide do destino do homem mas é este que, pelo modo que como usa a
tecnologia atual, dentro das coações impostas pelas relações sociais com os semelhantes e
possibilidades de operação sobre a natureza, enquanto instrumento de pesquisa, decide do
destino da tecnologia”. (...) “O homem é o ser que produz a sua existência, mediante a produção
de tudo aquilo quanto sustenta-o, exprime-o, desenvolve-o e perpetua-o, incluindo-se nesse
conjunto não unicamente as bases materiais da vida mas igualmente a criação das idéias,
reflexos da realidade, que representam um produto específico da consciência conquistada na
evolução orgânica”. Naquilo que trata da questão Quem educa o educador? O filósofo afirma
“o verdadeiro educador do educador não estava no passado e sim no presente, envolve o atual
professor por toda parte e sobre ele atua incessantemente. Essa particular atividade, quem a
exerce não é uma pessoa, mas a sociedade que, com efeito, educa constantemente não apenas
o educador, pela formação cultural nele depositada, mas igualmente o educando, o aluno, pois
este só existe enquanto tal, a saber, enquanto ente que deseja ou necessita educar-se, porque a
mesma sociedade, em qualquer grau de progresso cultural e tecnológico, o constitui como
educável e exigente da educação que receberá do educador. O mestre representa uma figura
simplesmente funcional dentro de um processo de absorção cultural, operando
146
obrigatóriamente pela sociedade sobre todos os membros”. É importante lembrar novamente
que o processo de hominização foi baseado no processo de trabalho com vistas a subsistência
da espécie, necessariamente, vivendo em sociedade que, por sua vez, induziu a criação e
evolução da linguagem para sua comunicação capaz de vencer o processo de aprender por
repetição substituído-o pelo de cognição onde, também, se inseria a técnica que dinamiza e
amplia os conhecimentos reflexivos e prospectivos já insertos no telecéfalo daquele primata
que se humanizou, ou seja, o elevou do plano unicamente animal ao plano da cultura. Talvez,
por isso, o filósofo é taxativo em afirmar que “o homem não se humanizou sozinho,
individualmente, nem na aurora da existência, nem em qualquer outro momento da história,
inclusive na época atual. Em todos os tempos, os conhecimentos que adquiriu e as técnicas que
inventou tiveram a função de vínculos de ligação social no desempenho do trabalho, e por isso
foram os decisivos agentes impulsionadores do processo de humanização, que não terá
término”. Finalmente conclui o capítulo com a acertiva de que “o ser biológico do homem não
será compreendido senão invocando a realidade social desta única espécie animal,
particularmente a condição de autor e executor da cultura, do conhecimento, da ciência, que
lhe fornecem os instrumentos para se interpretar a si mesmo e à totalidade do processo
universal de evolução da matéria viva, de onde deriva e que nele culmina”. Do exposto, neste
tópico, deduz-se que “a resposta à pergunta enunciada tem de ser esta: quem produz o
produtor é o processo biológico de hominização na sua forma superior, social”.
147
CAPÍTULO XVI. TECNOLOGIA, ESCATOLOGIA E CLASSES SOCIAIS
Este último capítulo da obra do cientista, professor e filósofo brasileiro Álvaro Vieira
Pinto intitulada “O Conceito de Tecnologia” foi por ele produzido em sete tópicos onde o leitor
será muito bem informado sobre: tecnologia, escatologia e classes sociais. O propósito do
Autor das Anotações, sobre este capítulo XVI, é fechar o pensamento crítico deste “filósofo
pobre de um país subdesenvolvido” que, no seu juizo de valor, foi um dos maiores
revolucionários e mais lúcido filósofo do Brasil e da América do Sul e, porque não dizer, de
todos os povos oprimidos do planeta. Em nenhum momento de sua obra ele deixa de politizar
os problemas concretos que dizem respeito aos povos pobres do planeta e oprimidos pelos
países cêntricos imperialista do sistema mundo do capitalismo.
1. O progresso técnico e os problemas morais. As relações do progresso técnico com
os problemas morais são explícitas de tal forma que o leitor possa entender que a moral
(conjunto de valores éticos) de uma sociedade implica sempre na defesa do coletivo contra o
indivíduo para que ele não seja ele e, sim um ente ou produto social. Essa foi, sem dúvida, a
razão de Marx ter afirmado que “não é a consciência do ser humano que determina a sua
existência e sim a sua existência social é que determina a sua consciência”. Logo, conclui-se que
você não é você e sim um produto da sociedade em que vive. Com respeito ao progresso
técnico é logico que as classes dominantes (detentoras de poder) o ideologiza em seu proveito
em duas funções ou sentidos básicos: “(a) a função catártica, pela qual a maquinaria, as
instalações, os recintos fabris e dermais implementos das organizações técnicas, agora
prediletamente a automação, são apresentados como responsáveis pelos males sofridos pela
humanidade... (b) a função messiânica, em virtude da qual a técnica passa a ser apreendida
pelo lado oposto, pela valoração ‘boa’, humana, libertadora que possui”. Por conta desses
aspectos ideológicos do progresso técnico é importante que a consciência crítica do leitor
adote sobre o tema uma axiologia dialética. Para tanto, há que se divorciar da visão linear e dos
paradigmas do pensar cartesiano.
2. Defesa das concepções expostas neste ensaio. A noção crítica da ética. O
significado da história. Neste tópico o filósofo Álvaro Vieira Pinto apresenta seus argumentos
devidamente imbricados à gênese da violência na sociedade a partir do que Marx identificou,
estudou e explicou em toda sua monumental obra a “exploração do homem pelo homem” em
todos os modos de produção conhecidos, salvo no do comunismo primitivo ou tribal que durou
148
mais de 30 mil anos no processo de hominização sendo negado pelas diferentes formas ou
vieses do escravismo da antiguidade com duração de aproximadamente 8 mil anos. Com
respeito a noção crítica de ética ele afirma que “por definição, o homem existe como ser ético,
no sentido de precisar do livre consentimento dos semelhantes para realizar aquilo que constitui
a sua dignidade e caráter inigualável, a saber, a parte que lhe toca na produção social de bens,
materiais ou intelectuais, mediante a capacidade de trabalho que pode colocar ao dispor, não
de um senhor ou patrão, mas de toda a ciomunidade. Ninguém vive nem produz isoladamente”.
Já quanto o significado da história ele demonstra que a “história desdobra um extenso
panorama onde se exibe a coincidência das determinações livres da vontade humana individual
com as possibilidades objetivas, regidas por leis próprias”, (...) “A história estabelece a síntese
dos projetos, intenções, desejos, sempre subjetivos e ideais, dos homens com a racionalidade
das tranformações materiais que o estado do ser social torna exequíveis. Por isso, a história
revela-se como obras dos homens, mas obra dos homens na história. Noutras palavras, a
história engendra-se dentro dela mesma”.
3. A incompreensão do significado humano da tecnologia. Neste tópico o cientista e
filósofo Álvaro Vieira Pinto dá combate às ingenuidades e às falácias daqueles que negam ou
degridem o significado humano da tecnica e do seu papel inevitalvemente libertador de todos
aqueles que no processo de hominização tornaram-se entes culturais. Consequentemente, o
filósofo contesta as visões inúteis da erudição dos zoroastrianos e do ferrenho pessimismo
escatológico e escolástico dos intelectuais dos campos religiosos monoteístas e politeístas
sobre a incompreenção do significado humano da tecnologia. Em contraponto ele mostra,
ainda, que “a simples existência do homem prova a vitória da técnica sobre a natureza, do
contrário não haveria o ser racional”. Quanto aos inocentes ideólogos da teoria da dominação e
a incompreensão de se pensar, divulgar e pregar que “a técnica disvirtua a personalidade
humana” o filósofo contra argumenta mostrando que “a estabilidade da essência humana
significa um absurdo lógico e uma inverdade histórica. A essência do homem não consiste em
um bem abstrato, numa realidade impalpável e espiritual, mas tem sentido porque representa
um fato concreto, o conjunto de relações sociais que configuram objetivamente o ser de cada
indivíduo nas condições onde vive. Por isso varia ao longo da história, mudando com a
sociedade que a determina. A personalidade do homem configura um dado histórico”. Ainda,
sobre as incompreenções e as falácias deses ingênuos pregadores sobre o papel maléfico da
técnica em uma “sociedade de consumo” o pensador refuta tal falácia com a acertiva de que “o
149
‘erro’ da ‘sociedade de consumo’ não reside efetivamente no consumo, direito natural de todos
os homens, mas exatamente na falta de consumo pela grande maioria das massas,
especialmente nos países subdesenvolvidos. A ânsia de consumir somente se revela imoral e
desumana quando ostentada pelos que desfrutam preferencial e privadamente dessa
possibilidade, rersultante da espoliação exercida sobre os demais. Somente deve ser qualificado
indigno o consumir de quém não produz”. Vieira Pinto conclui o tópico com a acertiva de que
”não se acuse simploriamente a tecnologia de destruir a pessoa; são as sociedades de produção
capitalista que não estão construídas para servir à humanização do homem”.
4. O conceito ingênuo de “guerra da natureza humana contra a tecnologia”. Neste
tópico o filósofo e professor Àlvaro Vieira Pinto desconstrói o pensamento de Toynbee quando
se refere a “guerra da natureza humana contra a tecnologia” mostrando toda ingenuidade
daquele renomado intelectual assegurando que “a natureza humana nunca foi estável e não se
pode substantivá-la fora da realidade social e histórica do homem concreto, vivendo em
determinado lugar e em certo tempo, pertencente a uma cultura, membro de tal classe,
submetido a um regime de trabalho e a definidas relações de convivência”. Argumenta, ainda,
que “a natureza do homem, como de qualquer ser vivo, resulta primordialmente da evolução do
mundo material, que lhe serve de base”. (...) “A personalidade do homem de hoje define-se
como a de quem vive com a tecnologia que criou e não versus a tecnologia, segundo o pueril e
quase insensato julgamento de Toynbee”. Também, com respeito ao desmonte do que escreve
Toynbee sobre a guerra da natureza humana contra a tecnologia, Vieira Pinto contra
argumenta mostrando que “ a técnica identifica-se com a mão do homem, executando a ação
suspirada pelo pensamento. Odiar a técnica ou vituperá-la significa ou infantilismo intelectual
ou decidida cumplicidade com as forças sociais que lhe dão desumano emprego. Quem a culpar
desculpa o verdadeiro culpado. A técnica entendida na verdadeira significação lógica, tem de
ser sempre um ‘bem’, porque constitui um dado do conhecimento da realidade”. Este tópico é
finalizado pelo filósofo mostrando que “a liberdade tem que ser compreendida em sentido
concreto, e será então definida como a capacidade de executar atos materiais libertadores. Tais
atos são aqueles que contribuem para construir um regime de relações sociais no qual cada
homem adquira o poder de realizar fácil e amplamente as formas de criação cultural e de
aquisição do conhecimento que sua racionalidade imanente e a capacidade de imaginação lhe
outorgam; no qual se organize coletivamente a humanização das normas de trabalho em um
sistema que permita a todos a atingirem o estado existencial a que se costuma dar a
150
designação emocional, mas nem por isso menos real, de felicidade. A técnica, corretamente
interpetrada, identifica-se com o poder de executar o máximo de possíveis atos libertadores,
conforme percebe até mesmo a sociologia vulgar, que apesar de tudu compreende o papel dela
na libertação do homem do trabalho manual, e agora, em crescente medida, do trabalho
mental”. Esses breves argumentos podem desmistificar essa falsa “guerra da natureza humana
contra a tecnologia” tão propalada por incautos intelectuais e acadêmicos brasileiros.
5. A concepção escatológica da tecnologia. É sabido que a escatologia se confunde
com o apocalipse na medida em que ambas as visões tem como objeto a explicação e previsão
do fim do mundo. Por essa e outras razões é que a concepção escatológica da tecnologia é, em
outras palavras, a de que a tecnologia, agora, represente a forma cientíca da escatologia. No
dizer de Vieira Pinto “toda escatologia por definição equipara-se a uma infantil atitude de
pensamento, ligada a formulações sibilinas ou cabalhísticas, que pretende atualmente apoiar-se
em argumentos imaginariamente fornecidos pela ciência e pela tecnologia de nossos dias”. (...)
“Toda escatologia está envolvida no clima de mistério e inquietude correspondente à etapa
mística do pensamento, ainda desarmado de instrumentos lógicos para enfrentar
racionalmente o curso dos fenômenos naturais e interpretar a relação entre eles e a vida
humana”. Acrescenta, também, o pensador, ao seu raciocínio as tentativas de se arrastar a
ciência e a tecnologia para o âmbito ou fosso da revelação irracional. Daí vem as sua acertiva de
que “os despreparados filósofos da técnica, especialmente os comentadores da cibernética,
expõem muitas vezes o conhecimento da realidade em termos místicos e se esforçam por
introduzir no círculo do pensamento lógico uma série de problemas imaginários, obrigando a
discussão, pelos autênticos homens de ciência, de questões que representam tão-somente
sobrevivências de fases superadas da marcha da racionalidade do espírito humano. Um desses
pseudoproblemas identifica-se com a escatologia”. Dessa forma esses arautos do pensar
ingênuo místico que fazem a apoteose das catástofes esquecem ou ocultam a verdade de que
“a natureza não pode ser ‘má’ porque não atua segundo finalidades. Segue seu curso, em
obediência a determinações casuais onde se espelha a lógica dos processos materiais que a
constituem”. Por essa razão a natureza é desprovida de ter problemas e de ser incapaz de doar
sentido a qualquer tipo de fenômeno. Esses apologistas das catástrofes naturais e sociais
primam por ignorar que “a todo instante a humanidade está terminando e começando, não
simplesmente no aspecto biológico da sucessão dos seres que a compõem, mas igualmente no
151
aspecto histórico, na série de transformações sociais pelas quais passa, sem jamais permanecer
imodificada”.
6. Tecnologia e classes sociais. É sabido por todos os cientistas sociais que a técnica é
independente das classes sociais, logo inexiste uma classe social portadora e criadora da
técnica para aplicá-la. Outrossim, existem relações sociais muito complexas entre a tecnologia e
as classes sociais no processo de produção de bens econômicos ou mercadorias seja ele no agro
ou na urbe. Isto porque “a classe tem apoio na técnica, não porque dela essencialmente se
origine, mas porque se baseia nos procedimentos tecnológicos que, por serem instrumentos da
produção já privadamente apropriada, lhe permitem substituir com as características que a
marcam e as forças que asustentam”. O filósofo Álvaro Vieira Pinto, em determinado
momento do presente tópico, trata do que vem a ser “a técnica de ser classe”, ou seja, explica
ele que “enquanto modo de ser do homem situado numa classe, o exercício do feixe de atitudes
e o culto das idéias e valores que a caracterizam torna-se uma técnica. Tanto é assim, que só
por esse meio o indivíduo vem a ser reconhecido como membro de tal classe. Ser classe constitui
uma técnica de existir e manter-se no curso da história. Por isso, pertencer a uma classe
significa, automaticamente e em caráter pré-consciente, investir-se do conjunto das técnicas
que permitiram a ela constituir-se, perdurar e possuir a função social que lhe é peculiar. Ser
classe dominante supõe o emprego de numerosas técnicas, dando em resultado a sustentação
social que possui, por exemplo o comando dos meios coercitivos, ideológicos e materiais em
virtude dos quais se configura, defende e assegura o poder”. A esse respeito vale lembrar que
“as frações minoritárias, dominantes não cedem espontaneamente nem por acordo pacífico os
conhecimentos e a maquinaria em que se apoiam, e daí resulta a situação social em que as
massas, dotadas, de modo geral, de tecnologia inferior, tem de enfrentar com recursos mais
pobres a técnica superior e a capacidade de invenção e de melhoramento ciosamente
guardadas pelas elites”.
7, A tecnologia e a noção de “classe ociosa”. Neste útimo tópico do último capitulo do
seu livro “O Conceito de Tecnologia” o filósofo e cientista Álvaro Vieira Pinto dedica-se a
desconstruir o elenco de ingenuidade impricada ao conceito de “classe ociosa” tanto
etimológica quanto ideologicamente. Este conceito muito divulgado e badalado pelo discurso
acadêmico e dos ociosos intelectuais comprometidos com o status quo da chamada sociologia
da técnica. Em contraponto às inocentes formulações sobre o dito conceito o filósofo mostra
àqueles incautos intelectuais que “uma classe existe unicamente com fundamento no processo
152
da produção social, em virtude do papel que nele desempenha. É função da propriedade dos
instrumentos, máquinas e dinheiro, do modo pelo qual participa do esforço geral para obter os
bens exigidos pela sociedade e que se revela capaz de fabricar, dado o estado da ciêcia e da
tecnologia de cada época”. (...) “Por definição não existe ‘classe’ ociosa, porque se trata de uma
noção contraditória. Uma classe desse tipo seria aquela que se descuidasse de tomar as
providências e de empregar a tecnologia que justamente a constituem como tal, não estivesse
ocupada em manter as condições materiais que, por hipótese, lhe permitem tornar-se ociosa.
Ora essa eventualidade é evgidentemente inconcebível”. (...) “O ócio de um pequeno grupo
reflete a plena intensificação do esforço de outros, mediante as numerosas modalidades de
apropriação do rendimento do trabalho alheio”.(...) “A desocupação real é impossível, a não ser
quando vista pelo aspecto negativo, reverso de uma exigência absoluta, na verdade enquanto
transferência para uma forma de atividade não reconhecida como trabalho, por exemplo a
procura do autêntico trabalho”.
153
IV. CONCLUSÕES DO AUTOR COM VISTAS AO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL
De tudo que foi escrito neste Ensaio o Autor não podia se omitir de apresentar ao
leitor suas opiniões conclusivas sobre o que se pode e se deve fazer para transformar o Brasil
de uma nação para outras em uma NAÇÃO PARA SI. Com este propósito expõe os seguintes
elementos para uma Política de Desenvolvimento Nacional, ainda, inspirado no que escreveu o
saudoso Professor e Filósofo Álvaro Vieira Pinto quando Diretor do ISEB.
1. A REPRESSÃO AO CAPITAL PRIVADO ESTRANGEIRO ESPECULATIVO
O capital estrangeiro especulativo equivale sempre a uma forma de alienação do
trabalho do povo brasileiro. É por isso que o humanismo-nacionalista ou o patriotismo têm
como conteúdo ideológico, para emancipação econômica e política do País, a repulsa ao capital
estrangeiro, particularmente, o especulativo.
O capital estrangeiro, não passa de uma ficção econômica, constituída graças à
legislação colonial. Esta permite a um mínimo de doação inicial acrescentar volume
imensamente maior de capital gerado no País, para formar, em conjunto o que a lei considera
"capital estrangeiro", assegurando-lhe o direito de remeter lucros extorsivos para o exterior. As
empresas estrangeiras operam na verdade com o dinheiro aqui arrecadado, tendo o seu magro
dispêndio primitivo regressado ao país originário, depois de haver montado a máquina
pneumática de sucção do dinheiro do povo brasileiro. Exemplo claro desse fato foi que levou o
entrególogo Fernando Henrique Cardoso a não somente privatizar as empresas estatais e para-
estatais de capital nacional, mas principalmente aliená-las a muitas das empresas estrangeiras.
Dessa forma subtraiu a ocupação ou o emprego dos brasileiros e criou empregos para os
anacionais que passaram a comandar as empresas antes nacionais que já em tempos pretéritos
obrigaram a estatizar aquelas sucatas para apossarem-se das divisas ganhas pelo Brasil no
período da 2ª Guerra Mundial.
A novidade e periculoside do capital estrangeiro principalmente o especulativo ou
financeiro está sempre em seu caráter de determinar o sentido da economia brasileira
independentemente dos interesses e necessidades nacionais e, particularmente, do povo. Essa
é a razão de se argumentar que, enquanto o capital estrangeiro for vital para o país, não se
deve recebê-lo sem um rigoroso controle. A frase tem sabor evidentemente paradoxal, mas
tem um sentido profundo, sério e sólido. Significa que, enquanto o Brasil estiver nas fases vitais
154
de seu desenvolvimento, é que se torna imperiosa a substituição dessa espécie de capital por
outra, a nacional. Quando o país tiver alcançado a fase em que domina tecnologias
contemporâneas e tem autonomia de sua economia, em que a submete à lei da própria
totalidade, pode se quiser receber capital de fora, que já então não tem meios de se impor
como força política e fundamento de atitudes político-ideológicas. Por isso cabe dizer que só se
deve receber o capital de fora quando dele não mais se precisa. Não se deve agora receber o
capital estranho exatamente porque é vital, ou seja, com rigor etimológico, significa a vida, que,
em tal caso, seria dada por outrem, quando é evidente que quem deve dar a vida são os
brasileiros.
Para fazer frente aos entregologos, adeptos ou paladinos do capital estrangeiro, os
críticos têm como teorema central da teoria humanista-nacionalista do processo brasileiro, o
seguinte: é sempre em última análise o trabalho das massas que financia o desenvolvimento do
Brasil. Mesmo quando, em fase inicial, o capital entra como fator decisivo, na verdade, a
expectativa dos lucros e do poder que irá obter à custa do trabalho do povo é o que explica a
presença dele, logo, é na verdade o trabalho do povo o fator fundamental do desenvolvimento.
A ficção do desenvolvimento econômico ajudado de fora deve ser denunciada como simulação
de vantagens das elites para encobrir a realidade da exploração. Os arautos do capital privado
estrangeiro apregoam a impossibilidade de o povo organizado pelo seu estado nacional
impulsionar o desenvolvimento do País sem ajuda externa, tais as somas exigidas para instalar
as obras de base como aconteceu no Japão. Cumpre a consciência crítica de a realidade
brasileira contemporânea contestar o raciocínio de que a consciência do dominador se utiliza,
fundada em teorias econômicas estrangeiras procedentes das áreas dominantes,
propositalmente forjadas para servir à exploração das nações subdesenvolvidas.
Não se deve se emocionar quando se ouvem as lições desses “cientistas” nem se
inquietar sobre o bom fundamento de suas conclusões. Sabe-se que a ciência em que fulguram
como catedráticos abalizados é produto ideológico da situação de domínio de sua classe e de
seu grupo nacional. Quando se lêem os escritos dos pontífices do entreguismo, dos
entrególogos e ideólogos do colonialismo, não se deve comover-se com os argumentos caso
apresentem contra o modo de pensar crítico, porque tudo o que dizem decorre de premissas
que são exatamente aquilo que se está pondo em dúvida. Não é de admirar que se refutem, ou
nem sequer se dêem a essa pena, limitando-se a sorrir por sua inocência, diletantismo ou
petulância. Da parte crítica, o que se faz é pôr em questão a totalidade de sua ciência,
155
mostrando que se trata de um caso de alienação cultural, de reflexo do saber alheio. Em última
análise, se é o trabalho do povo que vai pagar, com acréscimo exorbitante, o capital
emprestado para as obras do desenvolvimento, significa dizer que as fontes dos recursos são na
verdade internas. No caso de o pagamento ser feito sobre o valor emprestado, tem-se de fazê-
lo com o capital que se gera aqui mesmo, sob forma de trabalho.
Na atual estrutura econômica brasileira, tudo está organizado para favorecer o
desenvolvimento impulsionado pela contribuição do capital estrangeiro. Nada há de admirar,
portanto, se, ao observar a realidade, os analistas simplórios concluem por considerar
indispensável à participação do capital externo. É evidente que assim tem de ser, se tudo foi
preparado para isso. Mas basta que se conceba a possibilidade de outra estrutura econômica
no País, para se compreender que nela os recursos internos seriam suficientes para promover o
desenvolvimento, sem recorrer à colaboração e, portanto, sem a dependência, do capital
alienígena. Indiscutivelmente, sem o capital externo não se pode manter essa estrutura que aí
está. Mas nada impede que o País dirigido por nova consciência política de seu destino
histórico, organize sua economia de modo a transformar a força de trabalho da população em
origem de recursos para obter os meios tecnológicos de se desenvolver. Para tanto, deve usar a
intermediação apenas do capital gerado em seu interior e possuído exclusivamente por quem
só tem interesse no progresso nacional.
Basta que o governo federal com o respaldo dos Estados Federados decida executar
diferente política econômica para encontrar meios de se obter internamente, e externamente
em operações não onerosas de governo a governo, os capitais necessários aos
empreendimentos básicos, pois na verdade é sempre o trabalho das massas que financia o
desenvolvimento do País. A PETROBRÁS e a ELETROBRÁS são claros exemplos dessa assertiva
como foram no passado a CVRD e a TELEBRÁS. A intervenção do capital privado estrangeiro
principalmente o financeiro é indébita e procura parasitar um processo social que pode ser
feito mesmo sem ela, uma vez que os fatores objetivos requeridos estão aqui. A periculosidade
do capital colonizador atinge o grau máximo no comércio externo de investimentos,
representado pelas companhias de crédito, financiamentos e investimentos em favor da
instalação de novas empresas estrangeiras, porque, em tal caso, trata-se não apenas da simples
ocorrência do mal, mas da presença do transmissor do mal. No caso de aceitá-lo há que se ter
rigoroso controle como se faz na China.
156
Terão de ser sumariamente proscritas, no mesmo ato pelo qual o poder nacional retira
dos bancos estrangeiros a capacidade de receber depósitos de residentes no País. Suprime-se,
assim, a forma mais grave de alienação econômica, as do dinheiro em espécie que é, em muito,
incluso em sistemas de lavagens com destino aos paraísos fiscais mantidos pelos países
hegemônicos. O sofisma do desenvolvimento do país pobre à custa dos outros, os ricos,
somente se sustenta pela falta de reflexão sobre o simples fato de que o capital nem aqui nem
lá fora caiu do céu, não nasceu espontaneamente, mas deriva do trabalho das massas
assalariadas, se o povo brasileiro trabalha o suficiente para remunerar com altos juros o
investimento externo aqui aplicado, se a mais valia nacional se mostra capaz de retribuir e
restituir o capital investido se pode produzir bastante capital para pagar o capital recebido,
devolvendo-o, em prazo extremamente curto, ao país de origem, e passando a remeter daí por
mesma necessidade que obriga o País a libertar-se da alienação internacional de seu trabalho.
A sustentabilidade do desenvolvimento faz-se sentir no âmbito interno sob forma de
rápida elevação de padrão de vida das massas, pela valorização do trabalho, do qual devem
auferir os frutos legítimos. Somente a remodelação da estrutura econômica, modificando
coletivamente as condições de vida das massas, conduzida por uma política nacional
conseqüente, resolverá os problemas sociais do momento. Não há que contar com outro meio.
A simples caridade nada constrói objetivamente senão asilos, orfanatos, hospitais e
reformatórios e a eterna escravidão. Deixam intactas as verdadeiras causas das infelicidades
sociais, que só serão anuladas com a efetiva alteração das bases materiais da existência das
massas, o modo de trabalho, o regime de produção a que se acham submetidas. O espírito de
lucro máximo privado será forçado a ceder lugar ao espírito do interesse coletivo. É engano
pensar que o simples aumento dos índices de intensidade e produtividade do trabalho e dos
bens de consumo, a elevação dos salários, a munificência dos serviços sociais postos à
disposição dos trabalhadores pelas empresas consigam resolver os problemas vitais que os
afligem. Poderão atenuar as agruras do momento, mas serão sempre medidas caritativas, que
medeiam sem curar, diante de lucros que em verdade se referem ao capital nacional reposto
em lugar do estrangeiro, já devolvido, então de fato o capital necessário ao País está aqui,
potencialmente, sob forma dos fatores que o produzem.
São impedimentos de ordem institucional, decorrentes da falta de consciência política
nacional, por sua vez decorrente da falta de participação das massas no processo político, que
impossibilitam o capital potencial de se constituir em força econômica atual para tornar o País
157
autônomo. Se há geração interna de capital para pagar com altos juros aquele investido de
fora, e, se não houvesse, este não seria investido, então há capital para ser utilizado pelo
próprio País. Cabe ao governo federal referendado pelos Estados Federados promover pela
política nacional o aproveitamento do trabalho do povo como origem dos recursos internos,
suprimindo o lucro estrangeiro e a ação de seus agentes, nativos ou forâneos, sempre
desmoralizadores do esforço do povo.
A avassaladora invasão dos investimentos alheios, que agora funcionam como
mecanismo esvaziados do capital nativo nas empresas nacionais estabelecidas há muito tempo,
deve ter um paradeiro, porque se está configurando para o País. Isso conforma um dilema fatal
que se apresenta a toda nação dependente, em rápido esforço de desenvolvimento e próxima
do ponto em que divisa a possibilidade de alcançar o nível de plena independência econômica e
de soberania. É o dilema que surge quando se indaga do destino a dar aos lucros do capital
estrangeiro aplicado em nossa economia. Dois caminhos se abrem, e somente dois: ou esses
lucros são remetidos para fora, entregues aos especuladores e investidores estrangeiros; ou,
por diversas modalidades, são reinvestidos no País. No primeiro caso, temos a exploração, a
sangria, o depauperamento, a servitude. No segundo, produz-se o alargamento da área de
dominação estrangeira.
Dessas alternativas não há como fugir, tendo ambos os desfechos desfavoráveis para o
país subdesenvolvido. Se os lucros são remetidos, o capital, ao cabo de algum tempo, retorna
ao país de origem, e o que fica é uma bomba de sucção indefinida de novas quantidades de
capitais constantemente gerados pelo trabalho das massas nativas na empresa estrangeira. Daí
em diante, toda vez que essa fábrica produz uma unidade de certo produto aqui consumido,
origina ao mesmo tempo um quantum de lucro, desnecessariamente enviado para fora, a fim
de pagar aquilo que chamamos a dívida infinita e impagável contraída com o investidor
alienígena. Nenhuma reflexão sobre o problema dos capitais estrangeiros pode ignorar este
princípio: a vantagem ou a nocividade de tais capitais têm de ser medidas pelo projeto
emancipador que a consciência crítica das massas já é capaz de conceber.
2. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA HUMANIZAR A
EXISTÊNCIA
No regime em que vive o povo brasileiro o simples enunciado da idéia de "sacrifício do
povo", a exigência de "apertar o cinto”, constitui crime político-ideológico, e só explicável
158
quando se encontra em representantes da consciência ingênua reacionária e de apátridas.
Repetidas vezes se tem declarado que o subdesenvolvimento do País se identifica com a
desumanização da existência do povo. O ser humano do país atrasado é um ente desprovido
de sua essência humana, tal o estado de miséria, ignorância e enfermidade em que vive. É um
ser alienado de si mesmo, não possuidor daquilo que o deveria definir como ser humano. Esse
conceito tem valor capital para interpretar a realidade brasileira contemporânea e equacionar
os seus problemas. Não se deve jamais esquecer que as realizações econômicas, tecnológicas,
políticas e ambientais são momentos de um processo pelo qual o ente humano se aproxima de
sua essência, para chegar algum dia a possuí-la em sua plenitude. A política do
desenvolvimento sustentável em bases nacionais e não como situação de status quo constitui o
verdadeiro humanismo concreto. É o bem-estar do povo todo que inspira a política autêntica
do desenvolvimento sustentável em alicerces nacionais, não o de uma fração social, mesmo
sendo esta livre de filiações estrangeiras. Sua indiscutível origem interna não lhe assegura
privilégios para espoliar o restante da população.
3. O MONOPÓLIO ESTATAL DOS FATORES ECONÔMICOS BÁSICOS
Não é possível pretender alterar consideráveis aspectos da superestrutura econômica,
fazendo passar importantes setores de produção para as mãos da iniciativa genuinamente
nacional, se aqueles empreendimentos se conservam fora do comando político interno da
sociedade. A posse, por agentes estrangeiros, e mesmo por particulares nacionais, dos
instrumentos e insumos básicos da produção, representados pela energia elétrica, pela
telemática básica, por combustíveis líquidos e sólidos, por jazidas de minérios essenciais, bem
como a sua exploração e comércio, impedem o poder político do povo de aproveitar em seu
benefício exclusivo a potência econômica corporificada nesses instrumentos.
O monopólio estatal de todas as fontes de energia e dos grandes recursos minerais
básicos impõe-se como medida fundamental de toda política nacional. Não se admitem
distinções nessa matéria. Nos países em desenvolvimento somente o Estado Nacional como
agente político da sociedade está em condições de fazer frente a tão formidáveis investimentos
como são exemplos a PETROBRÁS, a ELETROBRÁS e a NUCLEBRÁS. Se as indústrias sediadas no
País não pertencem de fato ao País, ou seja, se não estão em seu poder todos os fatores
produtivos, deve-se, para efeito de apreciar o grau de avanço do processo de libertação
159
econômica. Vale considerar tão inexistente essa industrialização quanto se estivesse localizada
fora de seu território e apenas para que remeta lucros e mercadorias.
A indústria estrangeira corporativa é sempre indústria no estrangeiro. Sem dúvida, o
emprego da mão de obra local e o adestramento técnico nativo contribuem para estabelecer
certa diferença entre um caso e outro, e dar um mínimo de valor útil à indústria estrangeira
implantada no País. Mas na prática esse proveito torna-se imperceptível, e mesmo em alguns
casos ilusório, comparado com as ruinosas conseqüências que tem para o curso geral do
desenvolvimento sustentável nacional a entrega de nossa indústria ao capital estrangeiro. É
uma política que não contribui para suprimir as servidões econômicas, antes as multiplica e as
reforça. Cria a falsa consciência industrial, a que julga haver o país se agigantado porque
ostenta um parque fabril relativamente desenvolvido e promissor. Na verdade, essa
industrialização não constitui senão a expansão estrangeira sobre o País. Não caracteriza o
próprio desenvolvimento, mas o desenvolvimento dos outros em terras brasileiras. Significa
que se exporta a mão de obra nacional sem sair-se do território, mas fazendo sair, isso sim, os
lucros que advêm do trabalho dela.
Está claro que todo trabalho sempre traz vantagens e deixa no Brasil resultados úteis,
por exemplo, melhoria das condições de vida da população desenvolve sua consciência social,
leva as fábricas estrangeiras a pagarem impostos às instituições de previdência, consome
matérias primas nacionais etc. Mas, na perspectiva de um pensamento sociológico e político, e
não apenas econômico esses fatos são secundários. Enquanto o essencial está em saber se ao
lado, de certos efeitos valiosos que possam alegar, não ocultam malefícios reais ao processo da
emancipação, impedindo o País de executar uma política econômica que, dando os mesmos
favoráveis resultados, tenha como finalidade última conquistar a plena autonomia. Para isso
faz-se necessário que lhe seja conferido o monopólio íntegro, sem fissuras ou subterfúgios, da
produção de energia e de sua distribuição às indústrias particulares e aos serviços públicos
como de telemática. Toda fonte de riqueza que, por seu crescimento, alcance desmesurado
poder de coação social, precisa ser colocado sob o controle do Estado Nacional, isto é, do povo
politicamente organizado, para não se converter em instrumento de exploração e
empobrecimento da população. É exigência do momento histórico, no regime vigente, uma
defesa da sociedade, a qual, se não a praticar, corre o perigo de aumentar rapidamente suas
pressões internas e chegar ao ponto explosivo.
160
4. A DEFESA DA INDÚSTRIA NACIONAL AUTÊNTICA
Significando a industrialização à mudança qualitativa da sociedade mediante a qual se
aparelha para levar a cabo as fases superiores da cadeia de atos produtivos, de modo a
engendrar em seu interior a totalidade do produto. Essa radical diferença de estrutura importa
em completa utilização por ela mesma dos recursos de que dispõe, e evidentemente obriga a
cessar a prática colonial de exportar as matérias-primas minerais e agrícolas para serem
elaboradas alhures. A industrialização é sinal de desenvolvimento porque indica que a
comunidade nacional se aparelhou para fabricar por si e para si os bens materiais de que
necessita.
A nação precisa ter o completo comando de seu aparelho político, econômico e
tecnológico, para conduzir a sua industrialização em condições que excluam a espoliação por
parte de outra. Com essa observação, patenteia-se um aspecto da teoria da industrialização
que, não fosse aclarado, poderia induzir o enganoso julgamento e ocasionar graves confusões
nas propostas da política nacional. Quer-se referir ao fato de não ser qualquer industrialização
que significa o real progresso da sociedade a uma etapa superior de desenvolvimento, mas
somente aquela que é feita mediante o integral processamento das operações fabricadas pelos
verdadeiros agentes e atores do processo nacional de desenvolvimento.
Favorecer a entrada da indústria estrangeira é favorecer a saída do trabalho nacional.
É degradar o valor humano do operário nacional. A situação do habitante do País pobre não
lhe permite constituir-se em forças capaz de criar o País autônomo sem a força do seu Estado
Nacional.
5. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL
A ocupação das áreas desabitadas do País faz parte da nova teoria política, que não
mais dissocia o fato histórico dos fundamentos geográficos. A existência desse problema
constitui uma peculiaridade do Brasil, por sua extensão e sua diversa densidade demográfica
constituída de um povo novo. Há um componente geográfico nos temas sociológicos nacionais,
que impossibilitam as generalizações irrefletidas e deve precaver contra abstrações
imprudentes, obrigando a mencionar as disparidades regionais, as diferenças demográficas e as
inconcebíveis diferenças de renda entre as pessoas como categorias sempre presentes em
qualquer análise da realidade.
161
Reclama-se a devida atenção para as desigualdades regionais e a concentração de
renda pessoal. É o meio de denunciar quaisquer manobras de agentes do capitalismo
internacional com suas ONGs como verdadeiras cavalo de Tróia na Amazônia Brasileira. Mesmo
de algum empresário e político nativo destinado a conservar o desnível, vantajoso para esses
exploradores, mas repudiado pela consciência nacional, cujo objetivo supremo está em
promover a igualdade do desenvolvimento econômico-social-ambiental e do bem-estar
humano em todas as regiões do País. Tudo tem de ser feito para extinguir as disparidades
regionais e pessoais de renda o mais breve possível. A condição para isso, entretanto, está em
partir do reconhecimento de tais disparidades. Se as medidas governamentais forem tomadas
ignorando esse dado objetivo, determinarão ao invés de extinção o exarcebamento.
A postura político-ideológica nacional deve incluir como ponto primordial de seu
programa a ocupação territorial. Deve colocar todas as grandes questões econômicas,
ambientais e sociais na perspectiva que as associa intimamente à diversidade demográfica e à
existência de correntes migratórias internas relacionadas com a presença de enormes espaços
vazios no interior, com o crescimento vegetativo global da população e as imensas distâncias
entre os grupos humanos. Convém observar que a realidade objetiva da distância manifesta um
dado específico da fisionomia social e ambiental do Brasil, que falta a quase todas as
comunidades dos países metropolitanos, de pequenas dimensões, e em conseqüência não
figura na meditação de seus sociólogos e filósofos.
No país pequeno, a distância é sempre concebida entre ele e os outros, distantes dele.
Para o país pequeno, distante é outro país; para o Brasil, distantes são os aglomerados
humanos do povo brasileiro, incluso as comunidades dos indígenas em todo território. Para o
primeiro, distância quer dizer diferença, para o Brasil, quer dizer identidade. Nesse caso, a
distância é interior a todos os habitantes no território brasileiro. Esse fato determina um
significado existencial único, original, distinto quanto à vivência e ao pensamento da distância,
que jamais o pensador metropolitano dos países pequenos será capaz de alcançar. Admitir que
para o Brasil a distância não separasse, mas ligasse, é coisa dificilmente concebível pela
mentalidade do pensador europeu e japonês. Para o país menor, a idéia de distância contém a
nota de diversidade entre os pontos distantes, mas no caso do Brasil transporta ao contrário o
sentido de identidade entre os locais afastados um do outro, pois são implicitamente
concebidos como pertencentes ao mesmo ser nacional.
162
Não é um hábito a consciência social pensar a distância entre os brasileiros e entre
povos de outro país. À distância para os brasileiros não é uma relação externa; o brasileiro é
distante de si mesmo e não dos outros. A familiaridade com o espaço, o hábito de pensar nos
longos afastamentos, a convivência normal com remotas populações patrícias e a métrica social
e cultural que daí deriva tudo isso é específico da existência dos brasileiros e os distingue das
comunidades de limites estreitos. Hoje, não tem cabimento pensar na imensidão do Brasil e
imaginá-lo vagamente em sua pujança futura. A percepção que se deve ter obrigatoriamente
do espaço disponível é a preocupação de melhor ocupá-lo e utilizá-lo. Vivendo esse novo estilo
de pensar, o modo crítico, percebe que precisa ocupá-lo rapidamente, é essa "ocupação
antecipada”, ou "pré-ocupação" que se apresenta ao espírito como "preocupação" política.
6. A REFORMA AGRÁRIA
Por reforma agrária entende-se o conjunto de medidas que visam a transformar a
existência das massas que vivem no agro, diante da alteração de suas relações de produção,
modos de trabalho e regimes de propriedade da terra, integrando-as no movimento geral de
ascensão do nível de vida do povo do País. Incorporando-as ao processo do desenvolvimento. É
um tema de grande complexidade, não admite ser tratado na forma simplificada e dogmática
que lhe desejam dar muito daqueles que por ela propugnam. Deve se opor às tendências
progressistas do desenvolvimento, que ameaçam abalar-lhes o mundo de crenças e de
interesses materiais e na verdade seriam incapazes de dizer em que consiste ou como fazê-la.
A diferença nos modos de trabalho nas relações de produção entre a cidade e o
campo, decorrente da divisão social do trabalho, constitui uma contradição na estrutura da
sociedade, ainda hoje, não resolvida, e condiciona em cada um desses setores modalidades
particulares ao desenvolvimento sustentável das respectivas forças produtivas. Considerando-
se o País como o Brasil, onde as formas de trabalho rural se encontram entre as mais
adiantadas, por um lado, e entre as mais atrasadas, pelo outro. O desnível entre o avanço do
processo tecnológico do desenvolvimento e em seus aspectos industriais, por isso urbano, e em
seus aspectos agrários, torna-se cada vez maior e mais visível.
A desigualdade alcançou presentemente a um ponto tal que veio a se constituir em
elemento da consciência coletiva. Só agora isso acontece e se deve ao processo de
desruralização e do progressivo afavelamento do chamado setor urbano do desenvolvimento.
Por isso, nos dias atuais começa a surgir como tema imperioso à questão da existência agrária,
163
e impostergável a necessidade de alterar a presente situação. Tendo o País alcançado
significativo nível de desenvolvimento industrial e urbano, a contradição entre estes e o do
campo assume tamanho vulto que começa a penetrar a consciência do trabalhador rurícola,
forçando a classe dos senhores de terra a se preocupar com o problema. Sabendo que o
término das presentes relações de produção será também o fim de seu domínio e das
vantagens excepcionais de que desfruta, a classe senhorial verifica que precisa antecipar-se a
todos, propondo, antes que outras forças sociais o façam, uma reforma agrária, que conterá,
sem duvida alguma, restrições aos seus atuais privilégios, mas deixando-a ainda em condições
confortáveis.
Para atenuar a contradição entre o trabalho citadino e o do agro deve-se discernir a
solução razoável mediante um conjunto de medidas políticas que transformem as relações de
produção e o regime de propriedade da terra a que está acorrentado o trabalhador do campo.
Esse é o objetivo. As particularidades do método são numerosas e implicam medidas
econômicas, jurídicas, compensatório-assistencialistas, entre as quais avulta em primeiro lugar
a divisão do latifúndio e o confisco pelo Estado Nacional das propriedades inaproveitadas para
serem entregues aos agricultores sem terra ou com pouca terra e, ademais, a posse legal da
terra por aquele que a cultiva, a associação dos produtores em organismos coletivos de
produção, a mecanização do trabalho, a melhoria da habitação familiar, o fornecimento de
energias rurais, o crédito efetivo para custeio das safras, o acesso fácil aos mercados
consumidores, a facilidade de transporte, a alfabetização das populações, a higiene e a
assistência médica. Essas ações resumem-se em dois pontos: suprimir as relações de servitude,
ainda existentes, e incorporar o campo ao mercado nacional, do qual ainda está em larga
margem semi-ausente.
É importante frisar que numerosos componentes do processo de reforma agrária estão
situados fora do campo, dizem respeito ao progresso da industrialização, que fornecerá as
bases de utilização de fertilizantes e defensivos, da mecanização da lavoura, da eletrificação
agrícola. São fatores que determinam pressões econômicas internas, exigindo o alargamento
do mercado consumidor, a divisão dos latifúndios, e muitas outras medidas que vem dar um
paradeiro ao sistema colonial ainda em grande parte vigente. A inadiável transformação da vida
agrária apresenta condições objetivas para gerarem dentro e fora do agro, à premissa teórica
que permitem deduzir o elenco de medidas prática como conteúdo de uma só consciência
crítica, a que reflete a totalidade do processo de desenvolvimento no grau em que agora se
164
encontra. O problema agrário consiste, antes de tudo, em transformar as relações de produção
no trabalho do campo, com o fim de elevar o padrão de existência do operário agrícola e do
agricultor. A essência social do problema comanda todos os demais aspectos. A reforma agrária
tem por fim, fundamentalmente, humanizar a existência do trabalhador da gleba, o que só será
conseguido modificando-se o atual sistema de trabalho e a posse da terra.
É ingênuo, e quase ridículo, esperar que a reforma agrária no Brasil possa ser
promovida pelo governo federal ou pelos estaduais, constituído em sua maior parte de
latifundiários, ou tendo nessa classe as suas raízes políticas. Se isso pudesse acontecer, seria
coisa inaudita na historia, vir-se se uma classe decretar a restrição de seus privilégios sociais,
por abnegação para com os desesperados. A não ser que se apresentem condições para fazê-lo
por via revolucionária, somente quando o desenvolvimento da consciência nacionalista nas
massas do agro, conjugado ao movimento dos trabalhadores urbanos, conseguirem elevar as
assembléias 1egislativas e aos postos de direção um número suficiente de legítimos
representantes dos agricultores. Será lícito esperar o projeto racional de reforma agrária. Antes
disso, ter-se-á de assistir apenas a grosseiros e mistificadores ensaios de “reformas". Essas
insinuadas pela classe de grandes proprietários ou por instituições de simples socorro
espiritual, que visam na verdade diminuir um pouco a ameaça de irrupção das massas dos
minifundiários e dos sem-terra, supondo que se antecipam os seus anseios, realizando-os antes
que elas mesmas o façam com sua própria força.
A verdadeira transformação da existência do homem do campo somente será
realizada quando se tiver reunidos em todos os setores do País as forças sociais que a possam
levar o efeito. Ora, essas forças são, no próprio campo, as massas rurais, mas são, também, as
massas urbanas, em cuja consciência se apresenta como medida consentânea com seus
interesses, e justificada pela ideologia progressista que naturalmente adotam.
Tratando-se de derrocar os privilégios da classe dominante no campo, os latifundiários
e seus serviçais, não é possível contar senão com a força das massas oprimidas no campo e na
cidade, associada aos setores de outras classes para os quais haja igualmente interesse em ver
promovido à reforma agrária. Pensar fora desse molde é fazer do tema objeto de considerações
morais e cair na simploriedade de apresentar um problema social como se fosse um dever de
consciência moral. A mudança na existência agrária, representando a troca do padrão de vida
do contingente humano mais extenso da comunidade nacional, é tarefa que incumbe às massas
165
como força consciente, a que trarão valioso concurso alguns setores de outras classes sociais a
quem a humanização da vida no agro também possa interessar.
A reforma agrária constitui aspecto particular do processo geral da sociedade, do
movimento transformador de todas as suas estruturas, e não se realiza apenas pela ação da
fração social diretamente interessada, mas pela comunidade toda, em seu conjunto.
Permanecendo dominante a figura do grande latifundiário, do escravocrata, do "coronel"
prepotente e retrógrado do fazendeiro ausente, do usineiro, do arrendatário explorador, da
empresa estrangeira açambarcadora da produção conservada o sistema de crédito privilegiado
a certas áreas e conjunturas, distribuído como munificência do poder aos apaniguados por
políticos descomprometidos e corruptos, desprovido o interior de vias de penetração e
circulação mercantil, o estado de pauperismo agrário em nada seria modificado pela simples
declaração jurídica de propriedade de diminuto pedaço de terra, logo fraudada em seus efeitos
libertadores por manobras econômicas que a anulariam como medida progressista. A posse de
terra por seus reais trabalhadores, os colonos que aí labutam só terá valor de passo inicial para
modificar as condições reais de vida se for acompanhada das demais medidas que assegure a
abertura do mercado, a quebra da atual correlação entre a oferta e a procura de mão-de-obra e
a instituição das relações capitalistas nas áreas onde ainda não existem.
A divisão e a posse da terra são medidas justas e indispensáveis, mas, por si só,
incompletas. A elas têm de seguirem-se muitas outras, impostas pelo processo econômico total
do País. A reforma agrária não se reduz a um problema jurídico apenas, mas de cunho
existencial, diz respeito ao modo de ser do homem que trabalha a terra, modo de ser que
reflete a etapa vigente do processo de desenvolvimento. Não se deve esquecer que o quadro
de espantosa desumanidade como se apresenta a existência do trabalhador rural representa
um modo de ser do homem; e um tipo de existência. Para abolir tal situação, tem-se de indagar
as causas que a explicam. Verifica-se que elas são basicamente de ordem econômica, as
relações de produção e o regime de trabalho, tendo por cobertura formal um sistema de
relações jurídicas e uma constelação de valores éticos, que se destinam a justificar o estado
vigente. Para suprimir esse quadro, humanizando o ente humano do interior, há que abolir
todas as causas que se conjugam para estabelecer o atual modo desumano de existir.
A reforma agrária não resulta de um decreto, mas da conquista de novo momento de
um processo. Não depende da decisão intelectual, mas da dinâmica dos fatores reais da
sociedade inteira. Não há, a rigor, reforma "agrária”, pois não se trata de reformar o campo,
166
mas a totalidade da realidade nacional. E no âmbito da sociedade como um todo, do processo
de desruralização e não, isoladamente, no das suas áreas agrícolas, que se tem de pensar o
problema agrário. Não é a legislação que determina a reforma agrária, é a efetiva ocorrência de
uma reforma da realidade da existência humana e das relações de produção no campo que se
manifesta sob as espécies de lei agrária.
7. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE PLENA SOBERANIA
O supremo traço distintivo da realidade da nação subdesenvolvida é a ausência de
soberania. No plano internacional suas ações são comandadas pelo sistema de forças que a
domina. Não tem expressão própria, pois não figura como sujeito histórico livre e sim como
reflexo das nações soberanas (G7) a que está ligada por dependência econômica. Não constitui
um ser para si, não enuncia no plenário mundial uma opinião onde retrate a vontade do povo,
mas acompanha docilmente a do grupo hegemônico de que não sabe se desvincular. O país
subdesenvolvido tem uma diplomacia de etiqueta, só para uso de cerimônia, para
representação formal no plano internacional. Não lhe traz benefícios, e, mesmo, talvez, em
alguns casos contra o propósito de seus executantes individuais, tão fascinados que disso não
se apercebem só lhe acarreta servitude e aumento de exploração. Dessa forma, o aparelho que
deveria servir à comunicação internacional dá em resultado a incomunicabilidade do país, pois
aqueles que por ele falam não são realmente porta-vozes do que têm a dizer.
A alienação, quase universal, de seus representantes diplomáticos leva a nação
subdesenvolvida a se constituir em ser histórico afônico que ninguém de fora escuta, porque o
que tem a dizer não lhe chega aos ouvidos, e o que ouve é apenas o eco da palavra alheia. O
mais grave, porém, é que a privação de soberania não arrasta apenas o país à fase caudatária
do protagonismo alheio nos prélios internacionais, mas importa na intromissão da potência
dominante na vida interna da nação pobre, especialmente pela influência que exerce sobre as
deliberações de sua política econômica. Se o primeiro aspecto representa o caudilismo da
nação dominada, o segundo corporifica o imperialismo da nação dominante. Em ambos os
casos, existem uma razão comum para essas inadmissíveis atitudes: a ausência de soberania, de
que padece a nação subdesenvolvida.
O livre exercício de todas as modalidades de domínio é permitido pelo primarismo do
desenvolvimento nacional. Por isso, qualquer movimento que signifique elevação na escala do
desenvolvimento sustentável torna-se sinônimo de aquisição, ao menos potencial, de
167
soberania. Se o incremento dessa qualidade define o processo de desenvolvimento sustentável,
deve-se medir o grau de avanço da realidade nacional pelo teor de independência demonstrada
pelo país no trato internacional. Breve chega-se ao ponto no qual se romper a falsa
correspondência entre o interior, pleno de atividade, e a vida de relação mundial, débil, incolor,
inexpressiva, obediente aos interesses da nação hegemônica.
Aproxima-se de uma crise, certamente produzida por algum ato mais violento da
pressão imperialista, em que de repente o País percebe achar-se dotado de alto poderio
internacional e resolver agir em concordância com a consciência desse fato. Por enquanto,
porém, persiste, em parte, o descompasso e a falta de correspondência, sem embargo de um
ou outro fraco e confuso pronunciamento, de algumas pretensões ainda abstratas, mais
significativas como alvissareiros sintomas de futuras virilidades do que como operações capazes
de trazer imediatos resultados úteis. À medida que progride o desenvolvimento sustentável,
articula-se contra ele manobras de pressão externa, que por algum tempo são infelizmente
bem sucedidas.
A existência de uma camada de empresários e de políticos ligados ao capital externo
assegura aos interesses estrangeiros uma corte de emissários e agentes internos com forte
poder de decisão. Dirigindo setores vitais da política financeira ou diplomática do País,
imprimem-lhe naturalmente os rumos que satisfazem suas convicções e conveniências, em
alguns indivíduos com tranqüila consciência de servir realmente à nação. Somente quando se
investe dos predicados de nação soberana, ou seja, quando as forças autenticamente nacionais
se apossarem do comando do processo econômico e financeiro, chega-se ao grau superior do
desenvolvimento, caracterizado pela condição de "desenvolvimento para si". Até lá, está-se
realizando um desenvolvimento controlado por estranhos, a serviço deles; na verdade, estar-se
efetuando um "desenvolvimento para outro", desenvolvendo-se até o ponto, e no ritmo em
que não ponha em perigo a supremacia das atuais grandes potências, particularmente do G7.
Convém não esquecer que o Brasil figura entre as três únicas nações do mundo atual que
possuem condições de alcançar o plano máximo de grande potência, mediante rápido e
iminente desenvolvimento como é exemplo a China.
Sua extensão, riqueza de recursos e possibilidade de mercado interno credenciam-no a
tanto, e disso melhor sabem os outros do que os próprios brasileiros. Não é sem motivo que
consideram o Brasil como espaço econômico a ser imediatamente ocupado, antes que mesmo
dele os brasileiros tomem conhecimento e posse. Enquanto permanecer na etapa de economia
168
periférica, complementar das economias capitalistas dominantes, viver-se-á um processo
econômico reflexo, servindo preferentemente aos dominadores e só secundariamente aos
próprios interesses do seu povo. Esta situação de complementaridade econômica espelha-se no
comportamento de servitude política internacional e de subserviência diplomática.
8. A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL COM AS NAÇÕES EM LUTA
PELA LIBERTAÇÃO
O esforço que o País deve empreender para conquistar sua plena autonomia não se
realiza num espaço histórico vazio, nem se reduz a um combate singular entre ele e uma
potência dominante, que o subjuga. Representa uma façanha nacional, tendo por cenário a
totalidade mundial, onde outras comunidades se empenham igualmente na luta pela
libertação. Não pode deixar de figurar na carta de princípios humanistas a solidariedade com as
nações que se acham em condições semelhantes às do Brasil e porfiam em alcançar para si os
mesmos bens que almejam. Deve, pois, ser estabelecido o princípio de integral apoio a essas
nações, com as quais convém estabelecer vínculos de amizade e auxílio, organizando, em forma
de parciais sistemas de forças internacionais, blocos de influências nas assembléias mundiais a
fim de defender os interesses comuns.
Neste momento, quando tantas comunidades do continente africano se levantam e
proclamam sua autonomia política e forcejam por afirmar a independência econômica, é dever
dos brasileiros estreitarem os laços de solidariedade com tais nações, e com as demais do
mundo periférico, para travar em conjunto a luta que é de todas contra os mesmos adversários.
O processo da realização objetiva da unidade dos povos e das classes, na parte do mundo onde
se acha corporificado na dominação imperialista, evolui em função das relações que as áreas
periféricas são obrigadas a manter com os centros dominantes. Como tais relações não são
fixas, mas formam, elas próprias, um processo, será em função deste que se desenvolverá o
outro, o das relações de congraçamento entre as nações menores. Pelo fato de estarem todas
elas, de um modo ou de outro, cativas da mesma influência espoliadora, será pelo teor de
liberdade que cada qual venha a conseguir que se deverão apreciar suas possibilidades de se
associar com outras nações de igual situação, para efeito de um desempenho mundial
unificado. O conceito de humanismo concreto tem de ser interpretado como os procedimentos
pelos quais os países se integram num internacionalismo autêntico, o das nações em luta pela
humanização da vida de suas populações.
169
O nacionalismo como sinônimo do humanismo concreto, ao afirmar-se e consolidar-se
em seus princípios, conduz o país a identificar-se com um internacionalismo que não o destrói,
não revoga nenhuma de suas teses, não substitui nenhuns de seus ideais. Antes encontra
nessa nova etapa a plena realização daquilo que pregava. O País não se desfigura, nem
renuncia a nada do que a específica ao se solidarizar com outros que segue o mesmo caminho e
procuram atingir os mesmos fins. Quando houver conquistado a condição de pleno
desenvolvimento, sob a direção do pensamento humanista, o País terá trilhado um caminho
histórico diverso daquele seguido pelas atuais potências dominantes. Estas precisam fazer-se
imperialistas para galgar a culminância a que chegaram. Por isso terão de ser derrotada no
sistema que instituíram para vencer, tal situação devem sofrer alterações internas que as
tornem membros pacíficos, respeitáveis e úteis da vindoura totalidade universal de nações.
Mas os países que se elevarem a completa autonomia pela via do humanismo concreto, tendo
abolido ao longo da sua marcha histórica todas as formas de espoliação de suas próprias
massas trabalhadoras, chegarão ao plano de desenvolvimento superior. São inocentes de
qualquer crime contra a humanidade, contra nações mais fracas e, desse modo, integrar-se-ão,
sem violências recíprocas, na sociedade ecumênica futura, onde terá definitivamente cessado
toda espécie de exploração humana.
Não há de ser, é claro, o tipo de associações internacionais atualmente existentes,
mas nova espécie de comunidade, na qual cada membro se integra por se haver despojado do
aparelho da dominação que exercia sobre outros povos ou sobre as classes trabalhadoras de
seu próprio âmbito. Quando se observa o atual panorama do mundo periférico e verifica-se por
toda parte um vigoroso surto nacionalista, deve-se compreender a concordância ideológica de
todos esses movimentos e o sincronismo com que se desenrolam como efeito de uma causa
semelhante atuando sobre todos os países subdesenvolvidos.
O nacionalismo aparece como fenômeno internacional constante para o humanismo
concreto porque é a resposta dada por toda nação atrasada à agressão partida do mesmo
adversário de todas elas, o centro dominante. A uniformidade da resposta explica-se pela
identidade do estímulo. Desse modo, quando cada país constrói seu projeto de existência
autônoma visando embora unicamente à servitude particular de que padece, está contribuindo
para a atuação congênere de todos os demais, está igualmente libertando os outros. Os atos de
cada um que se liberta libertam ao mesmo tempo os outros, e isso em virtude de destruírem a
nefasta hegemonia e hierarquia preestabelecida, própria do sistema imperialista.
170
9. A EDUCAÇÃO POPULAR PARA O DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento se acompanha sempre de um processo de transformação
qualitativa da consciência nacional. Tal consciência está em relação dialética com as
modificações objetivas da realidade: de um lado, é produzida pelo grau de apropriação do real
por parte da comunidade, para seu benefício, mas, por outro lado, o domínio da realidade
depende da percepção que a consciência social tem do estado da realidade e da lógica dos
acontecimentos. A educação, consistindo no processo pelo qual se expande e multiplica a
consciência social útil, tem de ser fundamentalmente popular e libertadora.
O desenvolvimento sustentável implica o progresso da consciência, e este se acelera
pela educação, mas para que isso aconteça faz-se necessário que a educação vise à totalidade
das massas trabalhadoras e se descaracterize, cada vez mais, como privilégio das elites. A
educação de que o país em esforço de desenvolvimento necessita é assunto eminentemente
político, e deve ser definida sob a inspiração de justa teoria sociológica do processo nacional,
pelos representantes políticos da consciência comunitário-libertadora. A escola e a
universidade não podem fazer a revolução de que o Brasil precisa, simplesmente porque é a
revolução nacional e nela a educacional que tem de fazer a escola e a universidade de que o
Brasil precisa.
A escola não faz a revolução porque a revolução tem de ser feita nela; logo, será
conduzida por outras forças, que nela terão de operar a transformação indispensável. É inútil e
ingênuo esperar que o processo educacional a universidade se reforme a si mesma, por
iniciativa exclusiva dos elementos que a compõem, professores e alunos. Não existe na historia
exemplo de tal fato, de um grupo de privi1igiados no país subdesenvolvido onde a educação é
um benefício de classe, de etnia e de raça. A rigor, até os alunos o são, instalados num castelo
de sinecuras, honrarias e vitaliciedades, abrir mão dos proveitos em que se reclinam a assumir
o papel de fator de vanguarda no processo social.
A função proveitosa que a escola e a universidade devem desempenhar tem de lhe ser
imposta de fora para dentro, pelas forças políticas, particularmente pelas comunidades
organizadas, que, ao impulsionar a alteração da sociedade, a transformarão em órgão
cooperante no desenvolvimento sustentável do País.
Na situação de subdesenvolvimento, caracterizado pela inevitável alienação cultural, a
escola e a universidade não passa de simples ornamento social, cenáculo de marginais cultos e
171
de ociosos mais ou menos instruídos. Em tal estado, a escola e a universidade não é exigida
como força propulsora da comunidade, pois os elementos que objetivamente movem o
processo nacional, justamente porque são ativos, estão situados fora daquela área, não
precisam ir ali aprender como fazer o que de útil estão fazendo. A escola e a universidade,
ainda, mera requinte de luxo da classe dominante para alojar seus rebentos intelectuais,
permanece à margem do movimento social-comunitário, pois não tem nele qualquer papel a
desempenhar salvo reeducando-se a partir do humanismo concreto.
10. A CULTURA DO POVO
A teoria do desenvolvimento e a pratica política que lhe corresponde constituem por si
nova forma de cultura com raízes nacionais. A anterior, que se identificava, na visão crítica, com
"a cultura" pura e simples, correspondia à fase de nosso desenvolvimento, que, com razão,
denomina-se colonial ou semicolonial. Seus traços marcantes foram à alienação do saber, o
mimetismos, a transplantação, o horror aos problemas brasileiros, o modismo metropolitano.
Admitindo-se que o transplante e a alienação, foi um modo de ser inevitável dado à etapa de
dependência econômica em que o país vivia e vive, compreendem-se que só agora, quando se
ingressa na fase de desenvolvimento sustentável, está-se em condições de produzir de modo
consciente, e em forma crítica, aquilo que antes desejava fazer, exprimir o próprio ser, mas
objetivamente não conseguia, porque não dispunha de condições para criar instrumentos
intelectuais autônomos que permitissem interpretar sua realidade. Somente agora se abre para
a cultura brasileira uma era de existência original, onde a produção cultural começa a ser feita
para satisfazer a exigência da nação. Existir para os brasileiros, é exprimir seu próprio ser, tal é
o fim da nova cultura que o desenvolvimento sustentável propicia.
São inevitáveis que se constituam diferentes estilos artísticos, inéditos modos de
pensar, linguagem própria, criações arquitetônicas pictóricas e cinematográficas de caráter
novo e original, na sociedade que rompe o cerco histórico. A conquista de um destino livre
representa, por si, feito de tal magnitude, pelo que custou de trabalho, luta e fé, que se oferece
como manancial de infinitas criações culturais. Para a nação em fase de eclosão de suas
potências criadoras, ver-se a si mesma como o ser que se fez o que é agora e constitui "motivo"
artístico inesgotável. A cópia de sentimentos que sugere é inédita, não se compara em nada ao
que experimentava quando se entregava aos motivos alheios. O mesmo se dá com qualquer
forma de arte sensível as novas condições de existência do povo. Fica como prova de alienação
172
e arcaísmo o culto dos valores estéticos anteriores, os que pertenceram a artistas que, na falta
de intensa motivação nacional autêntica e superior. Muitos se apegam ao folclórico, ao colorido
dos aspectos elementares da vida popular, ou vão buscar a inspiração nas classes cultas dos
países metropolitanos ou hegemônicos.
A genuína cultura nacional não constitui, a rigor, um item do programa nacionalista,
porque, em verdade, resulta dele. Mas, representa um resultado dialético, que reflui sobre a
causa, modifica-a contribuindo para torná-la mais eficiente. A cultura nacional não deve ser
entendida apenas como expressão resultante das condições da existência nacional, pois
constitui fator eminentemente ativo do processo de desenvolvimento pelo qual se engendra
essa própria existência. Sendo autêntica, nela se refletem, nas modalidades e estilos que
assume as reivindicações populares, nela se manifestam os projetos de ação social que a
comunidade sugere, nela vêm à luz os novos valores, os ideais nascentes que começam a
reclamar vigência na consciência coletiva. Nesse sentido, deflui da cultura um efeito positivo
sobre o processo do desenvolvimento, o qual ê decisivamente influenciado pelas
representações ideológicas, pelas teorias, idéias e exigências artísticas que esse mesmo
processo permite produzir. Há, pois, uma relação dialética de ação recíproca entre os aspectos
espirituais do desenvolvimento sustentável, representados pelas idéias e produtos da criação
cultural e os aspectos materiais em que se corporificam as transformações da realidade. Como
o desenvolvimento, vai surgindo à consciência crítica mais rigorosa, exigente e exata. A cultura
do povo, exprimindo essa consciência em crescimento, desempenha papel unificador, pela
forma como apresenta à consciência social a imagem de sua realidade. A unidade de cultura
que o processo nacional tende a produzir representa no plano da consciência social aquilo que
é a totalidade do País no plano objetivo para a sustentabilidade do seu desenvolvimento.
Do exposto, urge que se pregue, no Brasil, a necessidade da convocação de uma
Assembléia Nacional Constituinte (nunca um congresso constituinte) para elaboração de um
novo contrato ou pacto social entre o estado e a sociedade brasileira (com total mutação dos já
caducos, entulhados, esclerosados e disfuncionais poderes do Estado no Brasil).
Ao ignorar e ao omitir-se do debate sobre as questões acima citadas as
escolas/universidades do Brasil deixam de pesquisar e analisar a conveniência e a necessidade
de se construir uma nação para si sob a ótica ou égide da educação para o humanismo
concreto. Apenas, pregoam e confina-se em um processo educacional (ou deseducacional)
173
alienado e alienante como parte de um nocivo e perverso universalismo ocidental que breca,
em todas as instâncias, os propósitos do humanismo concreto no Brasil.
Neste momento, observa-se (governo Lula) movimentos embrionários que pregam e
praticam um novo contrato social (a revelia do estado) nos princípios da filosofia da libertação
com vistas a uma ética de responsabilidade fundamentada na práxis e subjetividade da
libertação como conteúdo de um novo processo educacional para os movimentos sociais.
Por todos esses motivos é que, o AUTOR, em seu livro “Agenda 21 e desenvolvimento
sustentável. Caminhos e desvios”. (Olinda editor Livro Rápido) desenvolve as idéias para um
modelo autônomo de desenvolvimento sustentável para o Brasil, com vistas a induzir uma
política nacional que leva a um processo educacional libertador ou ao humanismo concreto
com vistas à construção de uma nação para si. As idéias do modelo contrapõem ao
universalismo ocidental um universalismo real do qual o Brasil é portador tanto em sua cultura
(profundamente miscigenada) tanto em sua formação étnica oriunda do processo de
miscigenação racial e cultural mais bem sucedido do planeta.
No modelo, está implícita, a necessidade da convocação de uma Assembléia
Constituinte ou de reformas constitucionais que venha ao encontro da construção do novo
pacto ou contrato social na medida em que o agora existente divorciou o estado (poderes
legislativo, judiciário e executivo) da sociedade brasileira. Na prática os poderes do estado
brasileiro são, incomensuravelmente, corporativos, regidos e constituídos de plutocratas
irresponsáveis com fortes vieses de burocratas e cleptocratas quando vistos pela desenfreada
corrupção que envolve os poderes do estado. Em tese, também, são os responsáveis por uma
das maiores concentrações de renda pessoal no planeta e desigualdades sociais entre pessoas e
entre regiões. Raros são os democratas de fato no estado, até mesmo porque os que assim se
autodesigna, em um partido político, não passam de emperdenidos plutocratas-reacionários.
Essa situação de divorcio entre o estado e a sociedade brasileira tende a fracionar a
família compulsória brasileira através da violência e da guerra civil (não declarada e ainda não
reconhecida) em que se vive em todo o território nacional. Isso se dá, principalmente, nas
cidades do país onde impera a insegurança social e o crime organizado (devidamente protegido
pelo judiciário com indescritível impunidade) e, em plena simbiose, com os cleptocratas que
giram em torno do legislativo, judiciário e do executivo.
A falência dos poderes do estado compromete o projeto político e o humanismo
concreto para a construção de uma nação para si no Brasil. Observa-se no cotidiano da
174
sociedade a intensificação, cada vez mais, da violência do estado contra a população que se
sente sem referência alguma para ser do Brasil e do mundo. Isso a leva a ter, sempre, a
sensação de apenas estar no mundo ou em um território que não é o seu e, portanto, tende a
perder sua autoestima, a fragmentar-se e a inviabilizar-se como povo e como nação.
Acredita-se que as advertências e denúncias devem necessariamente fazer parte de
um processo educacional que leve a sociedade brasileira ao encontro do humanismo concreto a
partir de um novo e virtuoso processo educacional que tenha em suas entranhas o novo pacto
ou contrato social. Lembre-se que, para tanto, o conceito de humanismo concreto está
imbricado à antítese da alienação humana pelo trabalho, pela mente e pela consciência.
Há que se lutar, aqui e agora, por esse contrato ou pacto social onde se possa ter um
processo educacional que tenha por princípio o humanismo concreto nos termos aqui
definidos. É importante ter consciência de que a atual crise do sistema mudo do capitalismo
tem as seguintes causas:
� Transformação de tudo em mercadorias
� Privatização dos bens livres e da natureza como um todo
� Colapso dos sistemas morais e éticos nas diferentes sociedades
� Intensificação da queda das margens de lucro
� Gigantismo de corporações com aumento dos seus poderes
� Formação de zonas opacas no próprio sistema do capitalismo
� Aceleração da desruralização do mundo
� Aprofundamento das crises fiscais dos estados nacionais
� Transposição de fronteiras de todos os tipos na caça ao lucro pelas
corporações
� Intensificação do consumo como ruptura social e das sociedades
� Democratização do uso de armamentos a nível planetário com aumento da
grande e da pequena violência
� Imigração de indivíduos dos países pobres para os países mais ricos, quase
sempre, em regressão populacional
� Aumento das incertezas e da insegurança social, econômica e ambiental
� Crises energéticas e ecológicas globais
� Mutações dos estados nacionais e formações de megablocos econômicos
175
� Unilateralismo crescente nas decisões internacionais, particularmente, pelos
Estados Unidos da América do Norte como expoente máximo do império.
O pior da atual crise do sistema mundo do capitalismo é que tem aspectos históricos
altamente indesejáveis tais como ser de âmbito global, ou seja: ter caráter universal, ter escala
temporal prolongada ou permanente, ter seu modo de evolução rastejante e ser estrutural
afetando a totalidade das sociedades e a vida humana no planeta.
Finalizando, vale apresentar os paradigmas para uma educação com vistas ao
humanismo concreto:
� Enfatizar e competência nos pilares do processo educacional: aprender a ser,
aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver
� Ter visão sistêmica do processo de conhecimento a partir de uma visão
complexa em contraponto a visão linear
� Estimular o ambiente plural e multidimensional para uma visão holística da
realidade
� Induzir e estimular o aprendiz a ser agente e autor do processo educacional
� Delimitar a aprendizagem não por espaço físico, mas pela concepção dos
pilares da educação do saber (acima citados) em quaisquer ambientes
� Integrar o conhecimento desde a unidisciplinaridade até a
transdisciplinaridade passando pelo corte transversal da interdisciplinaridade
� Desenvolver formas sofisticadas de comunicações multidimensionais e
sensoriais
� Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes apropriadas para o
humanismo concreto ou antropolítica.
176
O AUTOR
Foi chefe de vários departamentos e integrou diversas equipes de planos e
projetos de desenvolvimento na SUDENE onde trabalhou 22 anos. Atuou na
elaboração dos planos diretores de: Recife, Fortaleza, Belém, João Pessoa,
Teresina e outros. Foi Consultor Sênior do Plano Diretor dos Recursos Hídricos
do Nordeste e do Plano de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Rio Itapecuru (MA) pela
Geotécnica. Consultor Sênior da FAO, OEA, IICA, BID em diferentes oportunidades. Professor
Universitário de diferentes disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação na UFRPE,
UFPE, FBV e Faculdade São Miguel. Autor de trabalhos em co-autoria ou não em revistas
científicas no Brasil, República Tcheca, República da Eslováquia, Polônia e Nicarágua. Tem
vários livros e artigos publicados versando sobre planejamento e desenvolvimento econômico-
social e meio ambiente. No momento é Analista de Tecnologia e Inovação da Secretaria de
Ciência e Tecnologia (SECTEC) do Estado de Pernambuco e professor na FBV da DeVry Brasil.
Tem currículo detalhado no Sistema Lates. Seu correio eletrônico é [email protected] e
telefones (81) 3465-7718, 3326-6428 e 9273-5945. Site: www.geraldoaguiar.com.br
177
NOTA 1:
Como Analista de Tecnologia e Inovação o Autor produziu no âmbito da SECTMA
(Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente - PE) hoje, extinta, os seguintes ensaios
técnicos:
1. Considerações sobre: Políticas, Estratégias, Planos, Programas e Projetos de Desenvolvimento Sustentável. 2009. 79p.
2. Arranjos Produtivos Locais (Clusters) para a Companhia Agrícola Harmonia (Usina Catende). 2009. 11p.
3. Anotações sobre Análise da Realidade Brasileira Contemporânea. 2009. 128p. 4. Considerações sobre o Plano Político Pedagógico (PPP) para as Escolas Técnicas de Nível
Médio Estadual. 2009. 11p. 5. Programa Multifuncional e Multissetorial Integrado Sustentável - PMMIS. 2009. 68p. 6. Integração CVT com APL nas Regiões de Desenvolvimento de Pernambuco. 2009. 41p. 7. Plano Estadual de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável Municipal – PEDSM. 2009.
49p. 8. Idéias para o Programa de Ração Balanceada (Bóia dos Animais) 2009. 8p. 9. Apresentação do PMMIS-APL. 2009. 15p. 10. Programa Multifuncional e Multissetorial Integrado Sustentável (PMMIS) para a
Catende-Harmonia. 2009. 68p. 11. Sugestões de Ações para APL com vistas ao Desenvolvimento Sustentável das Regiões
de Desenvolvimento (RD) de Pernambuco. 2010. 20p. 12. Plano Estratégico Situacional para o Estado de Pernambuco. 2010. 36p. 13. Referências para um Plano de Sustentabilidade do Pró-APL SECTMA-ITEP. 2010. 30p. 14. Plano Diretor Participativo Municipal. 2010. 88p.
178
NOTA 2:
Na SECTEC (Secretaria de Ciência e Tecnologia - PE) o Autor também como Analista de
Tecnologia e Inovação produziu os seguintes ensaios/anteprojetos:
1. Educação pela Qualidade para os Complexos de Infra-estruturas e Industriais de Base - CIIB. 2010. 16p.
2. Organização da Secretaria da Agricultura e Reforma Agrária (SARA) para o Desenvolvimento Sustentável de Pernambuco. 2010. 21p.
3. Programa Conexão Cidadã do Estado de Pernambuco. 2011. 60p. 4. Complexo Turístico para Pernambuco. 2011. 21p. 5. Programa Conexão Cidadã no Estado de Pernambuco. 2011. 60p. 6. SECTEC (Introdução a um Debate sobre Tecnociência e Sociedade) 2011. 66p. 7. Projeto de Inovação e Capacitação Tecnológica de Jovens em HHP-FAO-
PNUD. 2012. 08p. 8. Projeto Tecnológico: Água, Produção e Vida Saudável no Semi-árido de
Pernambuco. 2012. 69p. 9. Tecnologia para Fármacos e Medicina Popular em Pernambuco. 2012. 20p. 10. Desenvolvimento Sustentável de Pernambuco. 2010. 21 p. 11. Impactos da Implantação da Ferrovia Transnordestina no Desenvolvimento
dos Cerrados e Sertões Nordestinos com Ênfase ao Estado de Pernambuco. 2012. 24p.
12. Tecnociência e as Anotações sobre: O “Conceito de Tecnologia” de Álvaro Vieira Pinto. 2013. 135 p.