TECNOCIÊNCIA E AS ANOTAÇÕES SOBRE: “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO.

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1 TECNOCIÊNCIA E AS ANOTAÇÕES SOBRE: “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO. GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR ANALISTA DE TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA SECRETARIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA - PE RECIFE, JUNHO DE 2013 Imagens fractais. Fonte Google

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Neste ensaio o Autor GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR produz suas REFLEXÕES sobre TECNOCIÊNCIA e suas ANOTAÇÕES sobre a obra de ÁLVARO VIEIRA PINTO intitulada “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” publicada no Rio de Janeiro pela Editora Contraponto, em 2005, em dois volumes com 1.328 p.

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TECNOCIÊNCIA E AS ANOTAÇÕES SOBRE: “O CONCEITO DE TECNOLOGIA”

DE ÁLVARO VIEIRA PINTO.

GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR

ANALISTA DE TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA SECRETARIA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA - PE

RECIFE, JUNHO DE 2013

Imagens fractais. Fonte Google

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Neste ensaio o Autor GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR produz

suas REFLEXÕES sobre TECNOCIÊNCIA e suas ANOTAÇÕES sobre a

obra de ÁLVARO VIEIRA PINTO intitulada “O CONCEITO DE

TECNOLOGIA” publicada no Rio de Janeiro pela Editora Contraponto, em

2005, em dois volumes com 1.328 p.

“A tecnologia de qualquer tipo, constitui uma propriedade inerente à ação

humana sobre o mundo e exprime por essência a qualidade do homem, o

único ser vivo em todo o processo biológico, que se apodera

subjetivamente das conexões lógicas existentes entre os corpos e os fatos

da realidade e as transfere, por invenção e construção para outros corpos,

as máquinas. Graças a elas, altera a natureza, com uma capacidade de

ação imensamente superior à que caberia aos seus instrumentos inatos, os

membros de que é dotado. Pela faculdade tecnopoética, identificada à

invenção da máquina, o homem se afirma como ser pensante, não em

caráter abstrato, mas porque pensa segundo as leis da realidade.

Superpõe-se definitivamente aos animais brutos, incapazes de tornarem

sua a racionalidade a que obedecem”.

Álvaro Vieira Pinto

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DEDICATÓRIAS

Este trabalho é dedicado à memória de:

Abreu e Lima, Visionário Pernambucano, Revolucionário Brasileiro e Herói Nacional da

Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia;

Pedro Pomar, Herói do povo brasileiro;

Álvaro Vieira Pinto, Filósofo e Cientista do Povo Brasileiro;

Don Helder Câmara, Arcebispo Brasileiro (Olinda e Recife);

Francisco Cândido Xavier, Renomado Espírita Brasileiro;

Darcy Ribeiro, Antropólogo e Cientista do Povo Brasileiro;

Paulo Freire, Pedagogo, Professor e Educador do povo Brasileiro;

Gregório Bezerra, Revolucionário e Comunista Brasileiro;

Osvaldo Orlando da Costa, Guerrilheiro Brasileiro;

Margarida Maria Alves, Agricultora Revolucionária Brasileira;

Francisco Julião, Líder Camponês e Político Brasileiro;

Francisco (Chico) Mendes, Extrativista e Ambientalista Brasileiro;

Caio Prado Júnior, Historiador e Ativista Marxista Brasileiro;

Celso Furtado, Economista e Historiador Brasileiro;

Leôncio Basbaun, Ativista Político, Historiador e Intelectual Brasileiro;

Florestan Fernandes, Sociólogo, Político e Marxista Brasileiro;

Josué de Castro, Humanista Internacional, Geografo e Cientista Brasileiro;

Milton Santos, Geógrafo e Cientista Social Brasileiro;

Miguel Arraes, Político Brasileiro e Governador de Pernambuco;

Todos eles, exemplos de vida e de amor ao Povo Brasileiro que, independentemente,

de suas formas de lutas e ações, foram os PROFETAS DO POVO BRASILEIRO.

Entre os vivos, dedico o trabalho aos meus filhos: Eugênio, Milena, Tiago e Lucas, à

minha esposa Mauriceia Marta Wanderley de Aguiar aos meus netos Thaís, Andrei e Ian Victor

ao meu Genro Fabrício Azevedo e aos colegas Vantuil Barroso Filho, George Emílio, Luís Perira

da S8ilva e ao mestre argentino Manuel Figueroa. Dedico-o, também, a todos aqueles e aquelas

que, no seu dia-a-dia, buscam construir um BRASIL GRANDE COM INCLUSÃO SOCIAL. Ao

Presidente LULA, na certeza de a esperança vencer o medo e de ele conformar uma ÉPOCA

HISTÓRICA NACIONAL mais significativa que as marcadas pelos eminentes e saudosos

presidentes: GETÚLIO VARGAS e JUSCELINO KUBITSCHEK

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIAS .........................................................................................................................3

APRESENTAÇÃO........................................................................................................................5

I. REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA.........................................................................................7

II. SINOPSES DAS REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA...............................................................14

III. AS ANOTAÇÕES DO LIVRO “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO

.................................................................................................................................................................322

PARTE I - ANÁLISES DE ALGUMAS NOÇÕES FUNDAMENTAIS ..................................................35

Capítulo I. EM FACE DA “ERA TECNOLOGIA”.............................................................................366

Capítulo II. O HOMEM E A MÁQUINA.......................................................................................399

Capítulo III. A TÉCNICA...............................................................................................................45

Capítulo IV. A TECNOLOGIA......................................................................................................55

PARTE II - O CONCEITRO DE RAZÃO TÉCNICA ........................................................................... 65

Capítulo V - AS ANTECIPAÇÕES DA “RAZÃO TÉCNICA”..............................................................70

Capitulo VI. O CONCEITO DE “TECNO-ESTRUTURA”..................................................................77

Capítulo VII. DESENVOLVIMENTO E CATEGORIAS DA RAZÃO TÉCNICA.....................................82

PARTE III - QUESTÕES DA TECNOLOGIA ATUAL .........................................................................90

CAPÍTULO VIII. TEMAS PROPOSTOS PELA CIBERNÉTICA ............................................................. 91

CAPÍTULO IX. NATUREZA E TIPOS DOS SISTEMAS CIBERNÉTICOS ............................... ...........99

CAPÍTULO X. PROBLEMAS GERAIS DA INFORMAÇÃO ............................................................... 106

CAPÍTULO XI. LÓGICA E INFORMAÇÃO ..................................................................................... 117

CAPÍTULO XII. O CARÁTER SOCIAL DA CIBERNÉTICA ................................................................ 123

CAPÍTULO XIII . O PROCESSO HISTÓRICO E O CARÁTER DA INTELIGÊNCIA ........................... 127

CAPÍTULO XIV. A CIBERNÉTICA E O DESTINO DO HOMEM ....................................................... 135

PARTE IV – TECNOLOGIA E PROBLEMAS DA EXISTÊNCIA ......................................................... 140

CAPÍTULO XV. AS PERSPECTIVAS DA TECNOLOGIA .................................................................. 141

CAPÍTULO XVI. TECNOLOGIA, ESCATOLOGIA E CLASSES SOCIAIS...... ....................................... 147

IV. CONCLUSÕES DO AUTOR ....................................................................................................151

O AUTOR ..................................................................................................................................176

NOTA 1: ..................................................................................................................................... 177

NOTA 2: ..................................................................................................................................... 178

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APRESENTAÇÃO

O presente ensaio tem o propósito de trazer ao público em geral e, em particular aos

alunos e aos colegas do Autor o breve entendimento que tem sobre tecnociência, e, ainda, do

pensamento filosófico do Professor Àlvaro Vieira Pinto sobre “O Conceito de Tecnologia”.

O Autor presta serviços à Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco – SECTEC

que tem como vinculadas as seguintes organizações: ITEP, UPE, PORTO DIGITAL, PARQTEL,

FACEPE, Espaço Ciência e o Território Estadual de Fernando de Noranha. É, também, professor

das faculdades: Boa Viagem e São Miguel.

Em nenhum momento o Autor das Reflexões sobre Tecnociência e das Anotações do

livro “O Conceito de Tecnologia” teve a pretenção de seguir ou cumprir, na produção deste

ensaio, as normas da ABNT e muito menos submetê-lo a uma revisão gramatical e ortográfica

da língua portuguesa. Também, não procedeu qualquer revisão do conteúdo. Manteve seus

textos escritos de forma espontânea e coloquial (como se tivesse fazendo uma palestra ou

dando uma aula) na esperança de ser melhor inteligível ao leitor comum. Este trabalho será

disponibilizado no site www.geraldoaguiar.com.br para compartilhamento com aqueles

que se dignarem em apreciá-lo no todo ou em partes e, também, proceder suas críticas e

sugestões.

Vale informar que as presentes Reflexões sobre Tecnociência, e as Anotações, agora

apresentadas, são, ainda, uma continuação do trabalho intitulado “Apontamentos sobre

Consciência e Realidade Nacional de Ávaro Vieira Pinto”. O livro em dois volumes de

“Consciência e Realidade Nacional” sobre o qual se processou os Apontamentos foi produzido

pelo grande cientista, pensador e professor quando era Diretor do Instituto Superior de Estudos

Brasileiros – ISEB do Ministério da Educação e Cultura extinto pelos militares em abril de 1964.

Os Apontamentos da obra do filosofo Alvaro Vieira Pinto já se encontram disponíveis para o

público da INTERNET no site www.geraldoaguir.com.br

Tanto as Reflexões quanto as Anotações são fiéis ao propósito do livro “O Conceito de

Tecnologia” e, tem a pretenção de ser uma sintese da dita obra de forma a contribuir ao

conhecimento que se tem sobre o assunto. As Reflexões refletem o texto que o Autor produziu

para a SECTEC sobre “Tecnociência, Sociedade e Meio Ambiente” e as Anotações foram

elaboradas seguindo fielmente as: partes, capítulos e tópicos correspondentes a obra de Álvaro

Vieira Pinto “O Conceito de Tecnologia”.

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A linguagem utilizada pelo Autor é simples e direta, porque é do cotidiano daqueles

envolvidos com estudos e pesquisa cientifica, mas também, porque expressa a singeleza de

simples Reflexões, Anotações e Apontamentos e não a de um livro texto acadêmico clássico. Já as

transcrições do livro de Álvaro Vieira Pinto estão apresentadas entre as aspas que se encontram

nos períodos dos textos.

Com esse mínimo de informação espera-se estimular o público alvo às leituras mais

profundas, e quem sabe, colaborar para a ampliação do debate e da consciência crítica sobre

esses importantes assuntos entre aqueles que produzem, ensinam, divulgam e utiliza o

conhecimento científico e tecnológico inclusive o público leigo em geral.

A clientela alvo é como já se disse a de estudantes e profissionais que lidam com

tecnologia. Com um pouco de boa vontade, se incluí aqueles estudantes e profissionais das áreas

de: Ciências Humanas, Ciências Biológicas e Ciências Exatas na medida em que a abordagem é

transdisciplinar.

Em verdade, uns números cada vez maiores, de estudantes e profissionais de diferentes

áreas, percebem que, sem um conhecimento básico na temática da tecnociência, além de não

terem oportunidade de contribuir para o desenvolvimento dos conhecimentos: científico e

tecnológico sentem-se prejudicados na qualidade de sua labuta diária. Além disso, adquirem a

consciência de que é uma condição sine qua non, para tornar-se um bom profissional, conhecer a

linguagem técnica e científica seus métodos e, principalmente, entendê-la e criticá-la.

Claro está que aqueles leitores que tiverem acesso e procederem à leitura ou o estudo de

“O Conceito de Tecnologia” certamente, ao condicionarem seu ponto de vista, descobrirão textos

que necessariamente deveriam ser anotados e farão interpretações mais ricas e profícuas que as

apresentadas aqui pelo Autor das Anotações que limitou e condicionou seu ponto de vista às suas

atividades profissionais na SECTEC e aulas nas faculdades (FBV e São Miguel) e fica na esperança

de receber críticas e sugestões dos leitores no e-mail [email protected]

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I. REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA

É sabido que em ciência, tecnologia, inovação, planejamento, coordenação, supervisão

e administração de atividades nas sociedades causam dissonâncias, transtornos e desconfortos

em níveis dos setores: público e privado, governos e de classes sociais em permanentes lutas de

interesses desde sua formação até os dias de hoje no modo de produção capitalista. Haja vista

o uso de epítetos ideológicos como são exemplos a chamada “era tecnológica”, aplicada à

sociedade contemporânea como se fosse à única fase revolucionária da tecnociência e “tecno-

estrutura” às corporações. A candura de tais conceitos é uma negação da história da

humanização do animal Homo sapiens sapiens em toda seu processo de hominização e

evolução até aos dias atuais.

Esses epítetos “era tecnológica” e “tecno-estrutura” passam a ter características

dominantes e ideológicas após a REVOLUÇÃO MUNDIAL DE 1968-1970 quando emerge o

processo de globalização do capital, simultaneamente, com a virada cibernética (ciberespaço),

a biotecnologia, a robótica e a nanotecnologia, agora, amparadas pela física quântica e seus

novos paradigmas.

Como apêndice do processo da Revolução Mundial de 1968-1970 aconteceu, também,

a mudança radical do código do modo de produção capitalista que na sociedade industrial era

de: concentração, centralização, padronização, sincronização e maximização e passou a ser

com a chamada “virada cibernética”, na sociedade em rede, a seguinte:

� Interatividade constituída de vasta rede de aparelhos eletrônicos interativos

onde é deslocado o poder das redes de televisão para os usuários na medida

em que estes podem modificar as imagens com total liberdade e, portanto,

atenuar ou erradicar a passividade do telespectador. Está imbricada ao

desenvolvimento da telemática e informática, principalmente via telefones

celulares

� Mobilidade característica da comunicação em linha imediata de qualquer lugar

para qualquer parte do planeta ou situação de trânsito ou lugar fixo. O

imediatismo da comunicação móvel ou fixa, inserta nesta categoria, permite a

efetividade da conversão ou transferência de informação de um meio para

outro instantaneamente

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� Conversibilidade ou conectividade é a capacidade de transformar a

mobilidade de um sistema de aparelho para outro independentemente de uma

marca ou país de origem. A conversibilidade é, também, um elo fundamental

da rede interativa e de sua mobilidade

� Ubiqüidade consiste na sistemática disseminação dos sistemas de

comunicação em rede pelo mundo e por todas as classes e estratos sociais dos

países hegemônicos e periféricos. Esta categoria é responsável, hoje, pela

divisão da população mundial em "inforrica e infopobre”, ou seja, de

inclusão/exclusão digital

� Globalidade/mundialidade aponta para as ilações de troca onde se explicitam

os fenômenos políticos de mundialização versus fragmentação. Também, dá-se

o processo sócio-econômico de exclusão versus inclusão, ou a criação de um

sistema mundo onde, ainda, não se visualiza o novo rumo do existente modo

de produção capitalista ou de sua possível superação ou negação histórica, por

outro modo de produção que não se sabe qual é.

Nesse processo revolucionário os atores principais da sociedade deixam de serem os

estados nacionais que passam a se submeter ao poder e controle das grandes corporações

transnacionais que os capturam e induzem tal ideologia no sistema mundo do capitalismo.

Dentro dessa perspectiva fluem, também, os conflitos entre os estados ricos contra os estados

pobres sob a hegemonia, manipulação e controle das ditas corporações. Claro que, o processo,

gera o conflito Norte x Sul explícito, nos fóruns: Econômico Mundial (Davos) versus Social

Mundial (Porto Alegre que se reúna cada ano em um continente diferente) na mesma data em

que se realiza o de Davos.

É notório, também, que o modo de produção capitalista globalizado passa, hoje, por

uma crise sistêmica que pode levá-lo ao desespero apocalíptico ou abortar a perversidade de

seu metabolismo hedonístico de lucro e poder submetendo o poder das corporações aos

estados globalizados em blocos de integração recuperando ou criando uma nova forma de

convivência social que passa longe da destruição da natureza humana na sociedade

conformando novos avanços da tecnociência e da cibernética (agora induzida pelo sistema

nervoso central dos humanos e não mais como prolongamento de seu corpo) e que se discute

nesse ensaio.

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O Ministério da Ciência e Tecnologia e as secretarias de ciência, tecnologia e inovação

dos estados brasileiros, têm na sua concepção (por indução do Governo Federal) a missão de

articular e apoiar o sistema de CT&I, para o desenvolvimento tecnológico, econômico, social e

ambiental visando promover a igualdade de oportunidades para todos a partir de um

pensamento muita das vezes ingênuo (oriundo do neocolonialismo) e, também, de uma

postura linear que acreditam ser crítica.

Sua visão está acoplada ao sistema nacional e estadual de CT&I e integrada às

corporações transnacionais e empresas inovadoras e competitivas distribuídas no território

nacional e demandantes de mão de obra local qualificada, com melhor padrão de vida para a

população.

A preocupação máxima neste ensaio é o propósito de inserir em um debate lógico,

sistêmico e holístico aquilo que foi tratado no trabalho realizado para a SECTEC tratando de:

TECNOCIÊNCIA, SOCIEDADE e MEIO AMBIENTE como reflexo da Revolução Mundial de

1968/1970 (cujo início se deu com os acontecimentos da primeira e segunda guerra mundiais)

e gestada na chamada Guerra Fria. Note-se que aquela Revolução, em muito modificou o

metabolismo do capital frente aos processos de trabalho. Até esse acontecimento todo o

movimento dos proletários ou trabalhadores era dirigido contra o capital e o capitalista, isto é,

“guerra” dos pobres contra os ricos através dos sindicatos e outras organizações e movimentos

reivindicatórios de trabalhadores. Já no período pós-revolucionário 1968-1970 tudo se inverte,

ou seja, a “guerra” passa a ser dos ricos contra os pobres refletindo-se no fato de milhões de

trabalhadores ou proletários implorarem aos capitalistas, estados e ao capital para lhes

explorarem através de um emprego ou ocupação e eles solenemente ignoram ou fazem

ouvidos de surdo-mudo sobre essas reivindicações em completo e perverso hedonismo

econômico-social.

Foram nos anos 68-70, do século passado, que teve início no planeta aquilo que se

convencionou chamar de “virada cibernética” que imprime às forças produtivas, às relações

de produção e à superestrutura noológica do modo de produção capitalista um salto

qualitativo com tendências a negá-lo e apontar sua substituição por um novo modo de

produção que não se sabe se será pior, ou melhor, que o atual. Este novo modo de produção,

ainda, muito nebuloso, focado para além da antroposfera (psicosfera, sócioesfera e noosfera)

leva e traduz a informação conceituada como “a diferença que faz a diferença” (Gregory

Bateson citado por Laymert) é totalmente, voltado para interesses hedonísticos imbricados ao

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metabolismo do capital. É notório que toda biosfera passa, também, a ser matéria-prima para

atender o metabolismo do capital pelo seu potencial de informações (gene e DNA) para novas

tecnologias.

Hoje, a plutocracia que administra as corporações e se apropriarem dos estados

nacionais sabe que a riqueza maior existente no planeta é o acesso tecnológico e a apropriação

das informações dos genes, RNA e DNA e digital que fazem a grande diferença no sistema

mundo do capitalismo que se encontra momentaneamente em crise sistêmica. A informação e

a comunicação se transformaram em mercadorias e, por isso, são hoje por demais

desperdiçadas e apropriadas. Em contraponto a essa lógica do capital Maria Rita Kehl,

diferentemente de Bateson, pensa que “a informação, no sentido dos bites de informação,

nessa lógica do: 1+1+1+1,... ad infinitum, não produz diferença, mas indiferenciação. Ou seja,

na lógica do acréscimo de informação na cadeia sem que seja reformulá-la toda”. (Revolução

Tecnológica Internet e Socialismo, Câmara Brasileira do Livro, 2003, p. 37)

Essa narrativa leva a se ter necessidade de imbricar as estratégias, políticas e ações a

busca de informação, da criação e do desenvolvimento de banco de dados genéticos da flora e

da fauna dos biomas existentes nos estados brasileiros através de universidades públicas e

privadas e outras instituições científicas. Nos bancos genéticos de dados cabem, também,

peixes, moluscos, crustáceos, algas, insetos, fungos, liquens e outros seres vivos.

Em outras palavras “a virada cibernética”, quando associa o capital à informação e ao

conhecimento, adiciona às forças motrizes do capital (lucro e poder) uma nova qualidade a sua

fonte de informação e poder que é o genoma e o DNA de tudo que é vivo (através da biologia

molecular e da biotecnologia) para o processo de incessante acumulação de capital. Isso se dá

nos sistemas produtivos e de circulação de mercadorias e uso dos novos materiais, oriundos

daquilo que existe na natureza bruta, agora, transformados em mercadorias via inovação

tecnológica química, física, nanotecnologia, ciberespacial e outras técnicas doando ao recurso

natural absoluta infinitude contrariando o pensar ingênuo daqueles que apregoam que a

natureza do planeta está sobre utilizada pelos humanos.

Acelera-se, o fetiche dos recursos naturais como mercadoria a partir dos valores: de

uso, de troca e de desenvolvimento do processo de trabalho no desenvolvimento das forças

produtivas, suas correspondentes relações de produção e sua superestrutura noosférica ou

noológica.

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A tecnociência como segmento da revolução do saber na sociedade da informação e

do conhecimento (conforme se mostra no ensaio supra dito) deve, provavelmente, adotar em

muitos casos, o conceito de Gregory Bateson sobre informação, ou seja: “a diferença que faz a

diferença” para cumprir sua missão dialética, didática e coordenadora das Políticas de Ciência,

Tecnologia e Inovação.

A essência da técnica em tal processo (no dizer de Álvaro Vieira Pinto) lhe são

conferidas pela acumulação qualitativa do trabalho humano em termos de resolver suas

contradições com a natureza e o cosmo que, como sabemos não é dotada da capacidade de

doar sentido salvo pela hominização do animal Homo sapiens sapiens, por ela criado, em seu

processo de evolução na biosfera. É o fazer bem e o fazer novo no propósito de se produzir,

manejar, e se criar alguma coisa que dá conteúdo a técnica. Já a ciência pode ser entendida no

seu sentido mais amplo, ou seja, referência a qualquer conhecimento ou prática sistemática

dos humanos. Etimologicamente, o seu conceito vem do latim scientia cujo significado é

conhecimento. Aqui se tratam das conveniências de se debater em conjunto ciência e

tecnologia.

A tecnociência quando associada ou aliada ao capital global através da informática de

dominação ou da informática da libertação gera infinitos processos de: combinação,

recombinação, regerenciação e reconfiguração de todas as matérias: viva e bruta existentes no

planeta.

Para estas Reflexões e Anotações se reproduz, em parte, aquele ensaio, com vistas ao

debate sobre Tecnociência pretendido no documento supra citado produzido para a SECTEC

(Secretaria de Ciência e Tecnologia), onde se recorreu a três importantes metodos científicos

de análises:

� Cartesiano de Francis Bacon, Descartes, Adam Smith, Hume, Darwin,

Newton, Liebnitz e outros cujos paradigmas estão sendo revisitados e revistos

a partir da teoria da física quântica e das teorias da complexidade e do caos

� Materialista dialético de Karl Marx, Engels, Kautsky, Plekanov, Rosa

Luxemburgo, Lukács, Meszáros, Álvaro Vieira Pinto e outros que dão

cientificidade à lógica e ao método dialético

� Complexidade ou dialético-sistémico-holístico de Edgar Morin, Fritjof Capra,

Michel Seres, Pedro Demo, Álvaro Vieira Pinto e outros.

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Também, se buscou, em parte, às idéias de Jean Baudrillard, Laymert Garcia dos

Santos que, mesmo sendo laicas e lógicas, tendem a uma visão fatalista, apocalítica e

catastrófica da sociedade futura.

No ensaio supramencionado sobre “Tecnociência, Sociedade e Meio Ambiente” o

debate proposto continua vivo no presente trabalho. Para este propósito e informação ao leitor

aquele ensaio foi dividido em oito capítulos sendo o primeiro uma Introdução semelhante a

deste ítem.

O segundo capítulo, daquele ensaio produzido para a SECTEC, tratou de colocar o

leitor em contato com um conjunto de conceitos e reflexões que servem para um melhor

entendimento da proposição do Autor e que, por isso, estão aqui incorporados.

O capítulo terceiro estáva voltado para as forças produtivas, relações de produção e

superestrutura noológica da tecnociência na sociedade. Procurava-se nele tratar da gênese

das: tecnologias, ciências e sociedades. A aceleração total e a “virada cibernética” deram

origens aos comentário sobre os relatórios: Nora-Minc, Lugano e à Declaração do Milênio

elaborada pela ONU e nele comentadas. Também, aqui se reproduzem aquelas reflexôes.

O quarto capitulo tratou dos enfoques e análises da tecnociência na sociedade

contemporânea naquilo que diz respeito a:

� Processo de reconfiguração do trabalho na sociedade contemporânea

� Lógica neomalthussiana de extermínio dos pobres do mundo com ações

militares da OTAN, Estados Unidos, Inglaterra, França e Canadá com o

beneplácito da ONU e, também, do uso da biotecnologia com recombinações

de germes, doenças e pragas para flagelar os pobres do mundo islâmico da

Ásia e os negros da Africa

� Aliança do capital global com a tecnociência (“virada cibernética”) com vistas a

dotar as coorporações capitalistas transnacionais de super poderes e

exponenciação de seus lucros e suas externalizações ambientais a partir da

grande produção de lixo (por elas apelidados nos estados nacionais de

resíduos sólidos) e da poluição genética e sibernética que podem proporcionar

ao meio ambiente

� A tecnização da vida, a vida artificial - Cyborgs e robôs “que já pensam” que

tendem, aparentemente e ingenualmente, cada vez mais, a promover o

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temido e falso “obsoletismo dos seres humanos” trabalhadores na sociedade,

assim como, os processos de trabalho com o seu sucateamento.

O capítulo quinto procurou trazer ao debate proposto a revolução cibernética-

informacional-biológica-molecular-digital e seus efeitos na sociedade contemporânea. O

próprio título do capítulo é um desafio no tocante a tecnociência e as ingenuidades explícitas

pelo mundo hegemônico e de dominação.

O capítulo sexto tratou da desconstrução da: ideologia do desenvolimento-

subdesenvolvimento, envolvendo: a natureza humana, a humanidade natural, a “obsolescência

do humano”, a população de não-pessoas sociais segundo o pensar cândido, o reconhecimento

e mudanças na antroposfera e de suas componentes: psicoesfera, socioesfera e noosfera.

O sétimo capítulo fez referências a apropriação do futuro através dos sete fios de

análises elaborados por Jeremy Rifkyn em seu livro “O Século da Biotecnológia” (São Paulo,

Makron Books, 1999).

O capitulo oitavo, remeteu o leitor a debater a doutrina/ideologica do ambientalismo

(A questão ambiental vista pelo Prof. Vantuil Barroso) via tecnociência com base na falsa e

ilusória destruição antropocêntrica do ambiente ou da natureza a partir do chamado efeito

estufa, buraco de ozônio e outras fraudes sob o beneplácito e propaganda do IPCC da ONU.

Coloca-se, hoje, essas fraudes ou doutrina/ideológica como tábula rasa da salvação terrestre

com alianças e subsídios das religiões abraâmicas monoteistas (judaismo, cristianismo e

islamismo) que propulgam a salvação celeste.

Essa doutrina/ideologica do ambientalismo macula a antroposfera e todos seus

componentes dialéticos (psicosfera, socioesfera e noosfera). O grande poder dessa nova

doutrina/ideologia está nos financiamentos, dos seus propósitos, por parte do Clube de Roma,

Clube de Paris e do CFR (Council on Foreig Relations) através de ONG e grandes corporações

transnacionais podendo levar, no campo noológico da humanidade, a horrores piores, dos já

vistos no nazismo e no estalinismo. Tudo isso, hoje, a partir da vulgarizada “virada cibernética”

naquilo que se volta e se imbrica a “lógica de extermínio” dos pobres implícita e explícita no

Relatório Lugano.

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II. SINOPSES DAS REFLEXÕES SOBRE TECNOCIÊNCIA

A luz do tema proposto, neste e naquele ensaio, se desenvolve e se conecta, entre si,

os conceitos e as reflexões dos seguintes tópicos ou epítetos imbricados a tecnociência:

1. Conhecimentos: reflexivos e prospectivos. São atributos únicos dos humanos, são

os pontos ou referências que diferenciam o ser humano da sua natureza animal na qual está

inserto. É a razão e a essência do conhecimento humano reflexivo/prospectivo e noológicos,

que só o gênero Homo possui, na medida em que é o único ser vivo que projeta sua ação com

vistas à resolução de suas contradições com a natureza e entre si na sociedade. Sua essência no

processo de humanização está nas seguintes virtualidades ou virtualizações imbricadas à

cultura:

� Linguagem

� Técnica

� Sociedade (violência, contrato social)

� Arte.

Estas virtualizações são os elementos essenciais que conformaram e, ainda,

conformam os processos de evolução e hominização do gênero animal Homo sapiens sapiens

desde sua gênese evolutiva dos Australopitecos até aos nossos dias.

2. Conexões dialéticas e sistêmicas na antroposfera (psicosfera, sócioesfera e

noosfera). São essas categorias da antroposfera que dotam os humanos de consciência crítica e

raciocínio complexo do conhecimento do real e do virtual. Entende-se que o virtual tem como

negação dialética o atual. É a atualização que se opõe ou se torna o antônimo da virtualização

no real/realidade. Segundo Engels a dialética é a "grande idéia fundamental segundo a qual o

mundo não deve ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas como um

complexo de processos em que as coisas, na aparência estavam, do mesmo modo que os seus

reflexos intelectuais no nosso cérebro, as idéias, passam por uma mudança ininterrupta de devir

e decadência, em que finalmente, apesar de todos os insucessos aparentes e retrocessos

momentâneos, um desenvolvimento progressivo acaba por se fazer hoje". Para a dialética, as

coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa

está "acabada", encontrando-se sempre em vias de se transformar, desenvolver, emergir e

evoluir. Segundo ela, o fim de um processo é sempre o começo de outro. São quatro as leis da

dialética:

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� Ação recíproca, unidade polar ou "tudo se relaciona"

� Mudança dialética, negação, negação da negação ou "tudo se transforma"

� Passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa

� Interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários

� Ordem, desordem e organização simultâneas e recíprocas.

Por suas leis a dialética afirmam que as coisas não existem isoladas, destacadas uma

das outras e independentes, mas como um todo unido, coerente e em conexões recíprocas.

3. Sociedade (forças produtivas, relações de produção e superestrutura noológica). A

sociedade é o ponto de partida para apreensão da tecnociência e da vida social humana em

toda sua complexidade. A tecnociência é parte da superestrutura da sociedade, portanto, pode

ser vista, ainda, como ideologia e está inserida na noologia. No dizer de Álvaro Vieira Pinto em

sua obra “O Conceito de Tecnologia” (Rio de Janeiro, Contraponto, 2005, 2 volumes, 1.328 p.)

“a técnica, de qualquer tipo, constitui uma propriedade inerente à ação humana sobre o mundo

e exprime por essência a qualidade do homem, o único ser vivo, em todo o processo biológico,

que se apodera subjetivamente das conexões lógicas existentes entre os corpos e os fatos da

realidade e as transfere, por invenção e construção para outros corpos, as máquinas. Graças a

elas altera a natureza, com uma espacialidade de ação imediatamente superior à que caberia

aos seus instrumentos inatos, os membros de que é dotado. Pela faculdade tecnicopoética,

identificada à invenção da máquina, o homem se afirma como ser pensante não em caráter

abstrato, mas porque pensa segundo as leis da realidade. Superpõe-se definitivamente aos

animais brutos, incapazes de tornarem sua a racionalidade a que obedecem”.

4. Informação. Segundo o pensar de Gregory Bateson, a informação é, “a diferença

que faz a diferença”, portanto, pode levar a total mudança no metabolismo da vida e do

capital, naquilo que toca as suas forças motrizes, lucro e poder. Também, da compreensão da

sociedade contemporânea a partir da “virada cibernética” entendida esta não como parte da

ideologia que prega a chamada “era tecnológica” como apologia do sistema mundo capitalista

e sua rapacidade através das corporações, via tecnociência sobre os povos do planeta

desapropriados dos fabulosos engenhos cibernéticos e robóticos atuais. Outrossim, de um

modo geral, segundo reza a Wikipédia, “Informação é o resultado do processamento,

manipulação e organização de dados, de tal forma que represente uma modificação

(quantitativa ou qualitativa) no conhecimento do sistema (pessoa, animal ou máquina) que a

16

recebe. Informação enquanto conceito carrega uma diversidade de significados, do uso

quotidiano ao técnico. Genericamente, o conceito de informação está intimamente ligado às

noções de restrição, comunicação, controle, dados, forma, instrução, conhecimento,

significado, estímulo, padrão, percepção e representação de conhecimento”. No que se

refere à comunicação humana a Wikipédia conceitua a como um processo que envolve a troca

de informações, e utiliza os sistemas simbólicos como suporte para este fim. Está envolvida

neste processo uma infinidade de maneiras de se comunicar: duas pessoas tendo uma conversa

face-a-face, ou através de gestos com as mãos, mensagens enviadas utilizando a rede global de

telecomunicações, a fala, a escrita que permitem interagir com as outras pessoas e efetuar

algum tipo de troca informacional. No processo de comunicação em que está envolvido algum

tipo de aparato técnico que intermédia os locutores, diz-se que há uma comunicação

mediada. O estudo da Comunicação é amplo e sua aplicação é ainda maior. Para a Semiótica,

o ato de comunicar é a materialização do pensamento/sentimento em signos conhecidos pelas

partes envolvidas. Estes símbolos são então transmitidos e reinterpretados pelo receptor. Hoje,

é interessante pensar também em novos processos de comunicação, que englobam as redes

colaborativas e os sistemas híbridos, que combinam comunicação de massa, comunicação

pessoal e comunicação horizontal. O termo comunicação também é usado no sentido de

transportes (por exemplo, a comunicação entre duas cidades através de trens). Comunicação

via mídias (falada, escrita, televisiva e INTERNET), e ciberespaço são as forças motrizes da

“virada cibernética” para o processo de acumulação incessante do capital e manipular a

sociedade não somente pela formação de opinião, mas, principalmente, pelo entretenimento e

propagandas subliminares, largamente usadas pelas corporações transnacionais.

5. Fetichismos dos recursos naturais. A partir de novos materiais, que os tornam

infinitos como são as necessidades humanas. Esse fetichismo leva as pessoas não somente a

ilusões e delírios à noosfera, mas também, às chantagens e fraudes ideológicas

(neomalthussianas via neoliberalismo) que primam em dizer que o planeta está sobre utilizado

e que não há lugar para os pobres que devem ser evitados (em sua gestação) ou exterminados

quando a ela sobrevivem. Haja vista o ressurgimento e adoção pelos estados nacionais de

doutrinas ultra-reacionárias que pregam radical controle de natalidades (cognominada por

Álvaro Vieira Pinto como complexo de Herodes) e o extermínio dos pobres como está explícito

na estratégia do Relatório Lugano. O controle da natureza pelos entes humanos envolve as

relações entre cultura e materialidade pelo processo de trabalho social que é histórico e,

17

portanto, dotado de sentido. O ser humano é a origem de finalidades na ação transformadora

no planeta, isto é, da conversão do desconhecido em conhecido. A própria consciência

humana é sabedora de que só da natureza pode emanar e advir os bens que lhe oferecerão a

infinitude dos recursos naturais para uma vida humanizada feliz quando, ainda, se envolve em

uma visão antro política no dizer de Morin. Esta é mediada pela sociedade a que os humanos

pertencem. Isto os obriga a se envolverem na trama das contradições dialéticas de ordem intra

e inter-humanas nos diferentes conflitos sejam eles: culturais, de classes sociais, religiosos,

raciais, étnicos, tribos, nações, etc. por um objetivo mediato a transformação da sociedade e a

humanização da existência que acontece pelo seu papel político. A antro política (Morin) ou

possibilidades de ações criativas representa o discurso de articulação e de inclusão da inclusão

social usando-se a tecnociência contemporânea ou os saberes: científicos, tecnológicos,

políticos e sociais configurados na não classe no dizer de André Gorz em “Adeus ao

Proletariado para além do Socialismo” (Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1987)

6. A Natureza humana. Esta se fundamenta na existência dos humanos na biosfera

com seus respectivos prolongamentos no reino da antroposfera, (Morin) ou ainda, como

“conjunto de características descritas pela filosofia, incluindo formas de agir e pensar, que todos

os seres humanos têm em comum” (Wikipédia). A esse respeito comenta Alvaro Vieira Pinto

“os animais inferiores não produzem. A natureza produz para eles tudo quanto necessitam. (...)

No homem, cessou o patrocínio direto da natureza. O animal humano foi dotado do recurso de

que necessita para resolver por si as suas contradições com o meio. Tal recurso foi a posse de

um sistema nervoso suficientemente desenvolvido para elaborar na forma de idéias abstratas e

universais, o reflexo da realidade, tornando-se capaz de comandar a produção dos meios de

vencer as dificuldades. (...) A fórmula que a natureza encontrou para realizar o tipo

qualitativamente superior de animal, que é o homem, foi investí-lo da função de produtor.(...)

Somente o homem é um animal que produz. Neste atributo encerra-se a essência de sua

realidade” (Contra-capa do livro “O Conceito de Tecnologia”. V. I, Rio de Janeiro, Contraponto,

2005).

7. Humanidade natural. Explicita-se como atributo da evolução do gênero animal

Homo sapiens sapiens na terra e que se diferencia de entes humanos já extintos e dos (futuros)

geneticamente modificados ou recombinados pela biotecnologia e pela robótica que venham a

existir como evolução natural da técnica. Vale se refletir sobre o paradoxo existente na cultura

dos indígenas da América Latina e, especialmente do Brasil, quando na sua cultura afirmam

18

existir: uma cultura muitas naturezas em contraponto ao ponto-de-vista ocidental da

existência de uma natureza e muitas culturas. Este paradoxo convida o leitor a um novo

enfoque para análise do processo de ocidentalização do mundo frente à humanidade natural.

Ver a história dos maias, astecas e incas antes da sua destruição ou do seu extermínio pelos

europeus colonizadores (espanhóis e ingleses)

8. Cibernética. Ciência da informação e da computação digital e responsável pela

vulgarmente chamada “virada cibernética” a partir da Revolução Mundial de 1968-1970 que

leva a humanidade à Revolução do Conhecimento e da Informação ou, ainda, à “Revolução

Informacional-Bio-Molecular-Digital” que se encontra em plena infância em seu processo

evolutivo nas sociedades humanas. O nascimento da cibernética como ciência, segundo a

Wikipédia, está, no entanto, associado aos trabalhos de Norbert Wiener juntamente com

outros investigadores (nomeadamente Arturo Rosenblueth professor na Universidade de

Harvard), a quem o governo norte-americano, durante a segunda guerra mundial, incumbiu à

tarefa de estudar a possibilidade de regular automaticamente o tiro da artilharia antiaérea. O

objetivo era elaborar uma máquina capaz de localizar o avião, prever qual o caminho que

seguia, e, por sua vez, prever as reações, simulações e estratégia do piloto. Foi na procura de

uma resolução para o caso, que os investigadores se aperceberam da unidade essencial entre

os problemas relacionados com a comunicação, controlo e mecânica estatística, quer na

máquina quer no ser vivo. Em 1943 é publicado um artigo por Wiener, Rosenblueth e Bigelow

que expõe a nova teoria, mas apenas quatro anos mais tarde a teoria é batizada por Norbert

Wiener com o nome de cibernética. Consagra-se como tecnociência a partir dos anos 1968-

1970. Na tecnociência da cibernética insere-se a Informática da dominação e a informática da

libertação na dualidade do seu uso na INTERNET ou ciberespaço nas sociedades humanas. A

informática é uma das ramificações da ciência cibernética. Esta trata, também, da: automação,

técnica dos computadores, teoria da informação, teoria dos sistemas, teoria matemática dos

jogos, teoria dos algoritmos e da regulação

9. Inteligência artificial. Esta se dá a partir de uma robótica que candidamente se

supõe que já pensa. Tal hipótese leva o pensar ingênua a induzir, cada vez mais, ao propalado

“obsoletismo dos entes humanos” e a modificação de sua natureza na biosfera. Esta avaliação

simplista da antroposfera (esfera da linguagem, tecnosfera, psicosfera, sócioesfera e noosfera)

que são partes da biosfera em toda sua plenitude e que, em nada, nega o processo de sua

evolução, mas pelo contrário, reafirma-o como um dado revolucionário na tecnociência. Já a

19

vida artificial, com vistas à criação ou invenção de Cyborgs, (Cybernetics Organisms) e, quiçá,

de uma vida silícica proveniente da possibilidade de vir haver replicação ou autopoiese

(tecnopoiese) de Nano Robôs quando usados em entes vivos de vida carbônica com replicações

autocriativa em base silícica.

Note-se que a nanotecnologia tem amplo uso na medicina humana e na veterinária.

Realmente tal evento não é uma probabilidade, mas pode vir a ser uma possibilidade cujas

conseqüências não se têm a mínima idéia de sentido para o bem ou para o mal de tal

tecnologia ou mutação. Talvez, caso aconteça, seja útil para a conquista de outros astros

celestes do sistema solar e outros ambientes terrestres inóspitos ou não, ainda, não

conquistados pelos humanos. O próprio grafeno é, hoje, um novo material mais forte e flexível

já demonstrado pela nanotecnologia e que consiste em uma folha de átomos de carbono

densamente compactados em uma grade de duas dimensões com aplicações muito superiores

ao do silício que revolucionou a cibernética. Tudo aponta que o grafeno venha, em muito

substituir o silício nas suas aplicações cibernéticas, robóticas, medicinais e aeroespaciais. O

grafeno valeu dois prêmios Nobel da física em 2010 ao cientista russo Konstanin Novoselov e

ao cientista holandês, nascido na Rússia, Andre Geim

10. Obsolescência do humano. Esta falácia que se projeta pela velocidade das

informações que tornam os seres humanos cada vez mais dependentes e “simbióticos” com as

máquinas insertas na estratégia de aceleração total que teve início no nazismo e no estalinismo

nos anos 30 e 50 do século XX. Esse conceito é de uma ingenuidade ímpar na medida em que é

sabido que o sistema nervoso central dos humanos projeta a técnica como parte da essência da

sua natureza humana que se realiza no processo de trabalho social.

A falsa “simbiose entre ser humana-máquina”, sem a menor dúvida, aparentemente,

em muito, se acelera em termos de mídia com as máquinas cibernéticas e robóticas no devir da

evolução das sociedades humanas sem que, por isso, torne os entes humanos obsoletos em sua

essência e criatividade com vistas as suas contradições com a natureza e seu controle sobre ela.

Logo, não tem procedência científica à probabilidade e a possibilidade do ente humano se

tornar obsoleto nas sociedades humanas. Uma análise heurística relativa à criação da técnica,

da máquina ou ferramenta mais simples até a da técnica da máquina ou ferramenta mais

complicada indica que toda e qualquer máquina/ferramenta produzida ou construída pelo ser

humano constitui uma mediação entre ele e a natureza com o fim de estabelecer sobre a

relação entre tal extrema outra relação de segundo grau, não percebida por muitos à primeira

20

vista, e, no entanto contendo a essência e a razão de ser da criação das máquinas, a saber, a

ligação pelo vínculo do trabalho, entre um ser humano e os seus semelhantes. Esta é uma das

razões de a cibernética ser sempre a tecnociência criada e aperfeiçoada pelos humanos para

auxiliar, com as máquinas eletro-eletrônico e robôs, na qualidade da produção de artefatos,

instrumentos e meios para solucionar dificuldades e problemas vividos pelos humanos.

Lembre-se que as máquinas, por mais sofisticadas e complicadas que sejam jamais terão

problemas pelo fato de não serem capazes de terem consciência e de doarem sentido. A sua

própria existência constituir solução final de problemas humanos. Foram e serão sempre

objetos do sujeito humano

11. Dimensão virtual da realidade versus dimensão da realidade virtual. A última é a

INTERNET ou ciberespaço. O “software” que faz parte da primeira dimensão participa dos

reinos dos animais, vegetais, seres inanimados e às máquinas. A dimensão da realidade virtual

vê os seres vivos como um “software”, ou como um design no seu plano molecular ou

elementos mínimos de informações genéticas e de DNA. Os Recursos genéticos e DNA como

informação, em banco de dados digitais, na aliança capital global com tecnociência para

maximização de lucro e poder nas grandes corporações transnacionais capitalistas, (hoje,

detentoras dos estados nacionais, insertos ou não, nos megablocos econômicos de integração

ou de livre comércio) são, sem dúvida, contemporaneamente, o capital mais importante.

Mesmo com tal perspectiva e horizonte objetivo é, por demais improváveis que venham a ser

um flagelo da técnica como preconizam os intelectuais e midiáticos detentores da consciência

singela.

Nada justifica que o ente humano venha pela tecnociência abdicar de continuar sua

eterna luta de mitigar e resolver sua contradição fundamental com a natureza e o cosmo. Como

Virtual (fenômeno com potencial ainda não realizado) pode e deve ser estudada a luz da

Semiótica peirceana que se preocupa com os fenômenos do universo. Segundo Pierre Lévy em

“O que é o Virtual?” (São Paulo, Editora 34, 1996) “o virtual não se opõe ao real, mas sim ao

atual. Contrariamente ao possível, estático e já construído, o virtual é como o complexo

problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanham uma situação, um

acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a

atualização”. Note-se que é muito comum se ler ou ouvir afirmações do tipo apropriação do

futuro e dimensão virtual da realidade com a tecnização da vida pela tecnociência e sua

correspondente apropriação pelas corporações capitalistas que tomaram e controlam os

21

estados nacionais e o desenvolvimento técnico e científico no planeta. É comprovado que no

processo de hominização do animal Homo sapiens o desenvolvimento da técnica sempre criou

essa apropriação de futuro a partir da virtualização da realidade mesmo sem se ter consciência

de sua atualização.

12. Mudanças climáticas. Este fenômeno é divulgado a partir da fraude do efeito

estufa e da equivocada eliminação do gás da vida vegetal CO² (dióxido de carbono) que é o

responsável através da fotossíntese pela produção de oxigênio que é o gás necessário a vida

animal no planeta. Essa fraude visa esconder efeitos muito mais deletérios da questão climática

que são as ondas eletromagnéticas Shumann desenvolvidas pelo Projeto Norte Americano

HAARD, abreviação de “Hight Frequency Active Auroral Reseaarch Programm” (Programa Ativo

de Alta Freqüência para a Pesquisa da Aurora Boreal), realizado em caráter secreto para fins

bélicos. Ver detalhes no livro de Kurt G. Bluchel intitulado “A Fraude do Efeito-Estufa”. (São

Paulo, PHL, 2008).

Este Projeto, Norte Americano, é de alta periculosidade para o planeta e para a

humanidade na medida em que se torna possível não somente provocar: terremotos, secas,

tempestades, furacões e outras calamidades e desastres em determinados territórios, assim

como, mudanças climáticas radicais em grandes e pequenas escalas. Ele é muito mais nocivo,

catastrófico e pernicioso do que a badalada fraude do efeito estufa. O HAARD, sim é que

deveria ser objeto de sérias preocupações da ONU, do campo religioso e dos estados nacionais

como um todo.

13. Relatório Nora-Minc (INFORMÁTICA: QUAL SOCIEDADE?). Redigido por Simon

Nora e Alain Minc, publicado em Le Nouvel Observateur, em 22 de maio de 1978, que mostra,

já naquela época, a formação de uma sociedade profundamente diferente, “capaz de trazer o

pior ou o melhor” da tecnociência cujo “novo desafio é o da incerteza: não há boas previsões,

somente boas perguntas”. Já o Relatório Lugano é o libelo ou tratado da inviabilidade da

população excluída no processo de globalização do capitalismo via Tecnociência. O Relatório

Lugano foi publicado na França em 1999 e apresentado no Fórum Social Mundial de Porto

Alegre em 2002. Nele se encontra toda a “lógica de extermínio” do processo da globalização

segundo análise de Laymert Garcia dos Santos na apresentação que fez, ao dito Relatório, na

edição em português analisado e apresentado com todo rigor crítico pela cientista Susan

George e publicado em São Paulo pela Editora Boitempo, em 2002. Na prática o Relatório

Lugano serve de Guia para as ações que Álvaro Vieira Pinto (Ver O Conceito de Tecnologia, v. I

22

p.504, Rio de Janeiro, Contraponto, 2005) apelidou de “Complexo de Herodes”. Segundo ele “a

teoria e a prática do controle da natalidade, principal imposição atualmente feitos pelos centros

imperialistas aos povos subdesenvolvidos e colonizados enquadram-se numa forma de

concepção e de comportamento políticos a que julgamos caber, com justeza, o nome de

“complexo de Herodes”. Escolhemos o nome em alusão ao mito bíblico da matança dos

inocentes, porque nos parece resumir num conceito único, facilmente memorizável, o estado de

espírito, a ética, os interesses e os procedimentos que movem a mentalidade e a ação dos

dirigentes das nações hegemônicas e seus cúmplices nas regiões indefesas” (...) “A sentença

política, que sob o esburacado véu de concentração científica, impõe a pena da imolação dos

nascituros é ditada pela potência imperialista como punição pela culpa atual das populações

pobres de se multiplicarem ‘excessivamente’, mas na verdade visa a servir de meio preventivo

contra a proliferação de uma próxima geração de jovens reclamadores. O ‘complexo de

Herodes’ define-se pelo horror aos recém-nascidos, à infância, de onde surgirão as multidões

jovens cada vez mais numerosas e reivindicadoras de amanhã, as que pedirão contas às

gerações adultas da forma de sociedade que organizaram para a mocidade”.

14. Revolução molecular-digital no processo de trabalho. Com reconfiguração e

obsoletismo de muito dos processos de trabalho e doação de ênfase ao trabalho técnico-

científico para inovação tecnológica com vistas à produtividade do trabalho e à intensidade de

produção levam a competitividade e, em decorrência, ao hedonismo político-econômico das

corporações. Ainda, aponta para “o fim dos empregos” segundo o “futurologista” norte

americano Jeremy Rifkin (ver “O Fim dos Empregos”. São Paulo, Makron Books, 1995). Tal

maneira de pensar, sem dúvida, reflete mais um sentimento que uma crítica a realidade social

vigente no sistema mundo capitalista. Também, aparecem os epítetos de além do humano,

transhumano e póshumano como conceitos de caracteres difusos, e cândidos oriundos das

ciências: antropologia, psicologia, sociologia, biologia molecular e biotecnologia na tecnociência

das sociedades.

Na prática tais conceitos são estigmas da consciência ingênua numa tentativa de

macular o conceito de técnica como parte da essência humana no processo de acumulação

qualitativa do trabalho para resolver sua contradição básica com a natureza e o cosmo. Para

isso, vem eternamente criando confusos epítetos e, ainda, as “eras tecnológicas” e não apenas

a que, hoje, vivemos com o cognome, também, de “virada cibernética”. Agora, também, a

nanotecnologia imbricada ao reino dos estudos do átomo representa uma das mais

23

revolucionárias tecnologias. É a capacidade potencial de se criar coisas a partir do menor,

usando técnicas da ciência quântica. Está, em muito, associada a: medicina, eletrônica, ciência

da computação, física, química, biologia, robótica e engenharia dos materiais

15. Apropriação da vida. Pelo sistema privado de propriedades intelectuais e de

patenteamentos das criações e das descobertas científicas. Constitui-se, tal fato, na maior

aberração jurídica internacional sobre a tecnociência sob a égide ou controle das corporações

transnacionais capitalistas em seu domínio político-econômicas no planeta. Todo o aparato

sistêmico de saques pela lei internacional de patentes é protegido pela Organização Mundial do

Comércio (OMC), pela ONU e, principalmente, pelo Departamento de Estado dos EUA, que de

forma coercitiva faz valer as usurpações e a rapacidade das corporações sobre os países pobres

do mundo. Hoje, a rapina se dá pela pirataria dos países hegemônicos sobre a biodiversidade

dos países pobres via processos de transformações dos genes e do DNA da matéria viva nas

grandes universidades e laboratórios dos países centricos por meio de:

� Combinação

� Recombinação

� Regenciação

� Reconfiguração

16. Sociedade pós-catastrófica. Oriunda da tecnociência desenvolvida no Século XX

que levou a construção da bomba nuclear, testada na segunda guerra mundial (1945) em

cidades japonesas e do atual processo de globalização do capital que leva a geração de

populações das “não-pessoas sociais” e, ainda, de uma família cibernética sobre as cinzas da

antiga e destruída família nuclear-compulsória-patriarcalista. Mesmo esse fato de destruição ou

obliteração em massa da vida, pela bomba, não valida à necessidade de se desprezar ou de se

abdicar da tecnologia nuclear que, também, aufere grandes benefícios para a humanidade, haja

vista, que o flagelo da bomba foi um ato político do Presidente dos Estados Unidos e não

daqueles cientistas que criaram a tecnologia que tem, hoje, alto valor para a humanidade.

Mais do que nunca cresce a convição que as soluções para os problemas do mundo,

brasileiros, nordestinos e locais demandam, cada vez mais, tecnociência, logo, não é com

menos ciência e menos tecnologia que eles serão resolvidos. Outrossim, não escapa a

consciência crítica de que a tecnociência não é um sinônimo de progresso e desenvolvimento

ela pode ser tão nefasta e antiprogressista em seu uso na medida em que sua indução política

24

seja catastrófica ou nociva aos humanos ou tenha finalidades bélicas como almejam as

corporações transnacionais e aparelhos de estado do mundo cêntrico, muito em particular pelo

seu braço armado que é a OTAN. Os Estados Unidos tem veementemente ameaçado e

chantageado o planeta com suas idéias e declaraçõe sobre: “ciberterrorismo”, “ciberataques”,

“ciberdefesas” e “ciberguerras”. Também, é verdade que o desenvolvimento da tecnociência,

inserto na antro política, desejada pelos humanos só será realidades a partir de muito mais

ciência e muito mais tecnologias que as agora existentes.

Como já foi dito a essência da técnica e da sua natureza de processo lhe é conferida

pela acumulação qualitativa do trabalho humano. Segundo Álvaro Vieira Pinto a técnica é o

fazer bem e o fazer novo no propósito de se produzir ou se manipular alguma coisa ou, ainda,

de se transformar um bem livre em um bem econômico, particularmente, na eterna luta dos

humanos para resolver a sua contradição fundamental com a natureza/cosmo.

O primeiro (fazer bem) quando aprovado pelo consenso geral como vantajoso tende a

resistir às inovações tecnológicas que visam melhorar seus resultados e, dessa forma, assume

um caráter de inércia da técnica. Já o fazer novo (“know-how”) é sempre um caráter

revolucionário de mudança por ser criativo e inventivo no processo tecnológico acumulativo da

qualidade do processo de trabalho humano.

Esse fato remete o leitor para entender e apreender ao que vem a ser a infinitude de

todo e qualquer recurso natural em seu processo de transformação de bem livre para bem

econômico mesmo quando se trata de novos materiais oriundos do desenvolvimento da

tecnociência. Os novos materiais se contrapõem a toda e qualquer idéia de finitude e

esgotamento de um recurso natural mesmo quando considerado não renovável como é o caso

dos hidrocarbonatos. Não há justificativas na tecnociência para as afirmações correntes de que

o planeta está sobre utilizado e saturado pelas atividades humanas. As leis da termodinâmica

continuam em sua plenitude no planeta com referência a qualquer recurso natural tanto como

bem livre quanto como bem econômico mesmo com todo seu fetiche na sua aparência e

essência. Os órgãos técnicos e as universidades podem e devem se responsabilizar pela

produção de novos materiais e banco de genes e patenteá-los.

Em todo momento o desenvolvimento da tecnociência afeta o processo de trabalho

humano existente e sobre ele deposita o modo novo inovador, inventivo e mais perfeito de

fazer bem e de fazer novo. Essa sedimentação histórica do processo de trabalho distinto

qualitativamente e superpostas como escamas e camadas, revelam a natureza de processo do

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desenvolvimento científico e técnico que levam a infinitude de todo e qualquer recurso natural

para atender infinitas necessidades humanas.

Toda tecnociência revela-se por meios de ensaios de erros e acertos nos quais a

imaginação dialoga com o real, até que, no curso desse confronto, tensão e contradição a

inteligência pelo seu conhecimento prospectivo e reflexivo capta nova propriedade do real ou

nova possibilidade de agir até então desconhecida. Dessa forma, a tecnociência altera os

modos de: produzir, distribuir e consumir mercadorias, proporcionando outro nível de

existência, política, ambiental, econômica e social dos humanos na antroposfera.

A tecnociência é de natureza qualitativa, acumulativa e não apenas quantitativa para a

obtenção e transformação indispensável de um bem livre em um bem econômico. A técnica é

sempre a criação do novo a partir do velho ou antigo, é, pois, desenvolvimento, inovação,

invenção e criação do novo.

17. Emergência. O conceito desse fenômeno é muito bem explicado por Edgar Morin

em seu livro “A Natureza da Natureza” que constitui o primeiro volume de “O Método”

apresentado ao público em seis volumes e editados, no Brasil, pela Sulina, Porto Alegre, 2005.

Segundo aquele pensador o conceito de emergência está associado às teorias dos Sistemas

Complexos e à Teoria do Caos. A emergência ocorre através do tempo como evolução do

cérebro humano através de milhares de gerações sucessivas. A explicação desse fenômeno

caracteriza o advento do pensar científico contemporâneo quando as explicações teológicas e

teleológicas foram deixadas de lado.

Segundo Morin “na idéia de emergência aparecem estreitamente ligadas às idéias de:

� Qualidade, propriedade,

� Produto, já que a emergência é produzida pela organização do sistema,

� Globalidade, já que ela é indissociável da unidade global,

� “Novidade, já que a emergência é uma qualidade nova com relação às

qualidades anteriores dos elementos”.

Segundo ele “qualidade, produto, globalidade, novidade são, portanto, noções que

precisam estar ligadas para se compreender a emergência”.

18. Teoria do Caos. Essa teoria, também, é preocupação do pensador e cientista Edgar

Morin que a vê como aquela teoria que para a física, a matemática, a geometria fractal e os

atratores explicam o funcionamento de sistemas complexos e dinâmicos. A essência do caos

26

descansa na dialética da desordem e ordem que a partir de interações leva a organização que,

por sua vez, leva a ordem que induz a desordem e suas interações que provocam nova

organização e, assim, ad infinito. Os cálculos matemáticos que envolvem a Teoria do Caos são

utilizados para descrever e entender fenômenos climáticos ou meteorológicos, crescimento de

populações, variações de ações nos mercados financeiros e movimentos de placas tectônicas

entre muitos outros problemas de alta complexidade. Uma das bases principais da Teoria é o

chamado “efeito borboleta” (teorizado pelo matemático Edward Lorenz em 1963) segundo o

qual “o bater de asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque”.

Logo tudo está interado com tudo. Também, segundo Morin “é preciso se render a uma nova

evidência. A gênese não cessou. Nós ainda estamos num universo que se dilata. Nós ainda

estamos num universo em que se formam galáxias e sóis. Nós ainda estamos num universo que

se desintrega e se organiza num mesmo movimento. Nós ainda estamos no começo de um

universo que morre depois do seu nascimento”. Com referências as Teorias: dos Sistemas

Complexos e do Caos aquele eminente pensador assegura que “assim, não apenas eu não

excluo como eu pressinto que a visão do mundo deverá ainda se transformar e se relativizar.

Como sempre, a mudança teórica virá da dialética entre descoberta surpreendente e uma

nova maneira de conceber as evidências”.

19. Cibercultura. Esse fenômeno tem início com a Revolução Mundial de 1968 -1970 a

partir das organizações em redes e a globalização do capital com as chamadas: “virada

cibernética” e revolução feminista. Está voltada ao gerenciamento da INTERNET e aos

agenciamentos sociais em rede das comunidades no espaço eletrônico virtual. Seu conceito

descansa nas maneiras pelas quais se dão os relacionamentos: políticos, antropo-sociais,

econômicos, culturais e filosóficos dos indivíduos conectados em rede de forma mundial.

É consenso entre os estudiosos que a Cibercultura não seja apresentada como uma

cultura pilotada pela tecnologia, mas pelos estabelecimentos de relações íntimas entre as

novas formas de comunicações e como se apresentam as relações sociais de produção por

meios digitalizados. A partir da caducidade ou do fim da família nuclear ou compulsória,

induzida pela revolução feminista e advento das técnicas digitais, observa-se que está em

gestação e desenvolvimento uma nova modalidade de família que talvez possa ser apelidada de

“família cibernética” na medida em que, praticamente, as novas formas de educação e de

convivências familiares se dão pela INTERNET através de computadores, telefones celulares e

outros aparelhos eletrônicos cada vez mais aperfeiçoados. Embora as pessoas, principalmente

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crianças e adolescentes, se apresentem aparentemente solitários e isolados com o manejo das

máquinas cibernéticas digitais, no âmbito de suas residências familiares, elas se encontram de

fato conectadas com o mundo consolidando esse fenômeno de Cibercultura que necessita ser

bem avaliado pelas suas características positivas e negativas e de desajustes e ajustes em

relação aos antigos hábitos culturais e familiares da já quase extinta família dita nuclear.

20. Entropia e negentropia. Etimologicamente a palavra entropia vem do grego no

sentido de volta tendo como negação a negentropia ou a entropia negativa. Outrossim,

entropia possui importantes significados como sejam: medida da incerteza existente ante um

conjunto de mensagens das quais apenas só se recebe uma única. Está dialeticamente

imbricada a negentropia, detalhadamente estudada e apresentada por Edgar Morin em “O

Método” volume um “A natureza da Natureza” (Sulina. Porto Alegre, 2005). Na física é

entendida como magnitude termodinâmica que mede a parte de energia não utilizável contida

em um sistema, ou, ainda, a medida da desordem de um sistema. Morin quando analisa a

informação a partir da entropia-negentropia é enfático em afirmar que informação não é fysis,

não é massa, não é espírito é tautologicamente, informação. Vai além, dessa tautologia

afirmando que não há vida sem informação e vice versa. A informação como fenômeno da vida

está imbricada à termodinâmica pela entropia e a negentropia. Deduz-se, também, do

raciocínio de Morin que a cibernética como nova ciência só pode ser entendida a partir do

conceito de entropia e negentropia e dos turbilhões de reações químicas generativas da vida

em um processo evolutivo pela autopoiese, simbiose e mutação. A síntese da informação

encontra-se no RNA/DNA e no gene das células primevias da vida no planeta terra.

21. Lógicas: Formal e Dialética. Para o entendimento e apreensão dos assuntos

tratados neste ensaio é imprescindível ao leitor um mínimo de conhecimento do que vem a ser

as lógicas: formal e dialética. Costuma-se dizer, no cotidiano acadêmico e vulgar, que lógico é o

estudo filosófico do raciocínio válido e científico. A lógica tem como objeto as formas que a

argumentação pode tomar em caráter de validade ou de falácia. Em geral, a lógica se aplica a

diferentes ramos de raciocínios e do saber como são exemplos as disciplinas: filosofia,

matemática, semântica, cibernética, ética, ontologia ou metafísica, epistemologia e teoria da

argumentação. A lógica se diferencia na analogia e na metafísica onde é conhecida e estudada

como lógica formal ou simbólica quando faz inferência com o conteúdo puramente formal. A

lógica, como formal, lida com a relação entre conceitos. Seu principal fundador foi o filósofo

Aristóteles.

28

Na Grécia Antiga os gregos Heráclito de Efeso, Demócrito de Abdera, Zenon de Eléia,

Sócrates e Platão fundaram, com seus raciocínios em diferentes etapas e estágios, uma lógica

na base da contradição dialógica que, com o tempo e uso, passou a ser conhecida como lógica

dialética. Esta se diferenciou como idealista no caso de Platão (Diálogos) e Hegel

(Fenomenologia do Espírito) e materialista como em Engels (Dialética da Natureza), Marx (O

Capital e Escritos Filosóficos), Morin (O método - em seis volumes) e muitos outro pensadores e

ativistas revolucionários como Lenine, Mao Tse Tung, Rosa Luxemburg, etc.

Por sua grande versatilidade de uso entre os diferentes pensadores dialéticos essa

lógica passou a ser orientada por Leis configurando aquilo que se chama Método Dialético

Marxista que adotou as seguintes leis da dialética:

� 1ª Lei: Negação da negação ou tudo se transforma

� 2ª Lei: Ação recíproca ou tudo se relaciona

� 3ª Lei: Interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários

� 4ª Lei: Passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa.

Vale informar que todo o raciocínio dialético obedece, através das leis da dialética, o

seguinte trivio: Tese – Antítese – Síntese. No Brasil os principais pensadores dialéticos foram:

Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Leôncio Basbaun, Florestan Fernandes, Álvaro de

Farias, Álvaro Vieira Pinto, Paulo Freire e outros contemporâneos.

22. Antroposfera. É a parte da biosfera naquilo que se refere à vida dos seres

humanos e suas atividades no planeta. Por sua vez a antroposfera é constituída pelas

virtualidades e virtualizações que se deram no processo de hominização do primata antropóide

que deu origem ao Homo sapiens sapiens. Para melhor entendê-la é necessário conhecer suas

componentes abaixo discriminadas e explicitadas:

� Esfera da linguagem e comunicação humana. Constitui essa esfera aquela que

resulta da mutação, (segundo Chomsky) que levou à invenção e criação das

linguagens: faladas, orais, escritas, vocais, verbais, simbólicas, mímicas, sinais,

corporais, etc. que permitiram o animal primata antropóide (que viveu a perto

de dois milhões) e do Homo sapiens (perto de 100.000 anos atrás) se

humanizarem na medida em que substituía a comunicação e a aprendizagem

da repetição, pela comunicação e aprendizagem via processo de cognição na

29

transmissão de informações. Esse fato contribuiu, para desenvolver os

conhecimentos: reflexivos e prospectivos que diferenciaram os humanos das

demais formas de vida existentes na biosfera.

� Sociosfera. Oriunda da necessidade daqueles animais, em processo de

hominização, viverem, como requisito básico, em sociedade. É na sociosfera

que tem origem a violência a partir do momento em que o animal da espécie

Homo sapiens, passa a explorar outro inserto na criada propriedade privada

cuja gênese foi à primeira divisão social do trabalho, ou seja, a invenção ou

criação da agricultura concomitantemente com o processo do sedentarização

humana na passagem do modo de produção do comunismo primitivo para o

do escravista da antiguidade.

� Tecnosfera. É a habilidade e capacidade de os humanos poderem criar e

inventar ferramentas, máquinas e instrumentos de trabalho para o controle da

natureza com o propósito de resolver a sua contradição fundamental ou

básica com ela que se dá via processo de produção de bens para sua

subsistência necessária e obrigatoriamente em sociedade.

� Psicosfera. É a capacidade de os seres humanos poderem criar: deuses,

deusas, demônios, satanases, bruxas, mitos, fantasmas, tabus, totens,

paraísos, purgatórios, céu, extraterrestres, papafigos, lobisomens, superheróis,

sacis, caaporas, alienígenas, etc. Foi pela psicosfera que os humanos criaram e

desenvolveu o campo religioso, (mono e politeísta), fato histórico muito

importante e poderoso no processo civilizatório.

� Noosfera. Constitui a esfera das idéias. É também, conhecida como a “esfera

do pensamento humano”. É objeto da ciência noologia, ou seja, aquela que

tem como propósito o estudo das idéias.

Estas esferas que constituem a antroposfera, sem dúvida alguma, quando a ela se

conecta ou se acrescenta a arte tem-se aquilo que, com certeza, pode se chamar e se definir

como cultura que, na natureza, é atributo único e exclusivo do ser humano.

23. Ideologia do politicamente correto. Esta ideologia deletéria teve sua gênese no

campo religioso internacional, principalmente, pelos cristãos católicos romanos. É sem dúvia a

ideologia que, hoje, sutilmente, mais serceia e reprime o direito e liberdade de expressão do

30

indivíduo na sociedade brasileira na medida em que criou severos dispositivos jurídico-

institucionais para intimidar e punir todo e qualquer cidadão que, por motivos fúteis, pode ser

processado, colocando-o sempre em autodefesa e autocensura.

No Brasil essa ideologia está associada ao racismo, constrangimento pessoal,

intolerância, homofobia, machismo, feminismo, pedofilia, regionalismo e outras formas que são

julgadas juridicamente degradantes da dignidade humana. Sua maior nocividade, no campo

político, econômico e social brasileiro, está na sua transferência de objetivo para tratar os

coletivos humanos discriminados como pobres coitados ou, ainda, como coitadinhos que é o

seu viés mais anacional, deletério, conservador e pernóstico. A forma pela qual

institucionalmente rotula os pobres de coitadinhos essa ideologia é: mantenedora do status

quo; reacionária; ultraconservadora e mistificadora. O fato de tratar os cidadãos excluídos das

atividades econômico-sociais dos diferentes mercados brasileiros como pobres coitados, de

forma institucionalizada, a ideologia do politicamente correto em seu viés de pobres coitados,

faz abortar todo e qualquer projeto libertador das populações oprimidas e excluídas pelos

processos: políticos, sociais, ambientais e tecnológicos capaz de libertá-los.

Esta é, sem dúvida, a razão pela qual de em Pernambuco e no Nordeste a maioria

absoluta dos grandes projetos econômico-sociais abortarem, fracassarem e estarem sempre

vulneráveis à desenfreada corrupção dos plutocratas e cleptocratas que detém o parlamento, o

judiciário e o executivo brasileiro em todos os níveis de poder: federal, estadual e municipal.

Pelo seu generalizado uso a ideologia do politicamente correto/pobres coitados passou,

também, a ter imbricado em si as variantes de: social, ambiental, cultural e tecnologicamente

correto, e outras besteiradas. É valido chamar a atenção dos leitores que o tratamento dado

aos nordestinos e aos nortistas de pobres coitados é profundamente, discriminatório,

descabido e inaceitável na totalidade nacional. São exemplos de projetos falidos imbricados à

ideologia dos Pobres Coitados aqueles financiados pelo BIRD e BID: TIRIRI;

CATENDE/HARMONIA; POLONORDESTE; PRÓRURAL; PROMATA; CRÉDITO FUNDIÁRIO; DOM

HELDER CÂMARA; PCPR; PRODUZIR para não se falar dos frustrados, desencontrados e

descabidos projetos de colonização e reforma agrária do INCRA.

Ao se conceituar Corrupção Política como sendo transferência de recursos do setor

público para o setor privado vê-se que a maior corrupção política criada e institucionalizada no

Estado Brasileiro teve origem no governo FHC que é as chamadas Ementas Parlamentares pelas

31

quais os parlamentares se apropriam dos recursos públicos para promoverem o maior arbítrio

de política partidária à custa do erário público para se perpetuarem no poder.

32

III. AS ANOTAÇÕES DO LIVRO “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO

“A compreensão de uma obra complexa e criativa como a de Álvaro Vieira

Pinto passa pelo exame e discussão de pelo menos cinco pontos:

1º) o da lógica interna das proposições do autor;

2º) o da ideologia;

3º) o de algumas idéias vigentes na Europa nas décadas 1910 e1920;

4º) o da nossa história a partir de fins do século passado;

5º) o da indagação das propostas de outros autores ou doutrinas, ligadas

ao nacionalismo e anteriores a década de 1950.

A consciência de tais itens poderá nos ajudar a compreender a política

desse filósofo, sua teoria da educação, sua lógica, a teoria do

conhecimento e a ontologia.”

Jorge Roux

33

ÁLVARO VIEIRA PINTO

NASCEU EM CAMPOS em 11 de novembro de 1909 e FALECEU no RIO DE

JANEIRO em 11 de junho de 1987. MÉDICO, MATEMÁTICO, POLIGLOTA E FILÓSOFO.

PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO BRASIL (HOJE, UNIVERSIDADE FEDERAL DO

RIO DE JANEIRO - UFRJ). EX-DIRETOR E PROFESSOR D0 ISEB (INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS

BRASILEIROS) DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA (INCENDIADO PELOS MILITARES NO

GOLPE DE ABRIL DE 1964).

AUTOR DOS SEGUINTES LIVROS:

� CONSCIÊNIA E REALIDADE NACIONAL. DOIS VOLUMES, 1.077P.

� CIÊNCIA E EXISTÊNCIA

� SETE LIÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DE ADUTOS

� O CONCEITO DE TECNOLOGIA. DOIS VOLUMES, 1.328P.

� POR QUE OS RICOS NÃO FAZEM GREVE?

� IDEOLOGIA E DESENVOLVIMENTO NACIONAL

� A QUESTÃO DA UNIVERSIDADE

� A SOCIOLOGIA DOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

NOTA Recomendam-se aos leitores das presentes ANOTAÇÕES as leituras: da Nota do Editor

e, principalmente a Introdução do Livro intitulada ”O quarto quadrante do círculo de Álvaro

Vieira Pinto” produzida por Marcos Cezar de Freitas Professor da PUC-SP e Pesquisador do

CNPq.

Nos dois volumes do livro “O CONCEITO DE TECNOLOGIA” o plano de trabalho de

ÁLVARO VIEIRA PINTO é constituído de quatro partes com 16 capítulos que serão neste ensaio

objetos de reflexões, Anotações e contextualizações de forma sinótica produzidas por Geraldo

Medeiros de Aguiar. Os erros e imprecisões nas interpretações, contextualizações e

compilações, encontradas nos textos dos capítulos, são de responsabilidade do Autor das

Anotações. As compilações do pensamento do filósofo estão nos textos sempre reproduzidas

em itálico.

34

VOLUME 1

Além da nota do Editor e da Introdução: O quarto quadrante do circuito de Álvaro

Vieira Pinto, acima citadas, o volume 1 contém as partes I e II de “O Conceito de Tecnologia”

35

PARTE I – ANÁLISE DE ALGUMAS NOÇÕES FUNDAMENTAIS

Essa parte do livro é constituída de quatro capítulos que remetem o leitor aos

assuntos objetos dos capítulos I a IV da supracitada obra. Todos serão objetos das

sinóticas Anotações a seguir apresentadas.

36

Capítulo I. EM FACE DA “ERA TECNOLOGIA”

Neste capítulo o pensador, poliglota, cientista e filosofo Álvaro Vieira Pinto em

seu livro “O Conceito de Tecnologia” desenvolve seu pensamento através de cinco tópicos

sinoticamente apresentados pelo Autor dessas Anotações.

1. O homem maravilhado. Aqui o poliglota, conhecedor de grego antigo, inicialmente

desconstrói o pensar hegemônico de intelectuais europeus na tradução de clássicos e tragédias

gregas para justificar a ocidentalização do mundo e uma falsa crise onde “a natureza humana

se substitui à natureza, ao mundo, como atual objeto de espanto, sem que disso os

contemporâneos tenham clara noção” acrescentando, ainda, “que o verdadeiro criador das

coisas é o homem, e não o mundo”. Demonstra com clareza Vieira Pinto, que “a atitude de

maravilhar-se com a criação humana não é apenas histórica, mas tem fundamento na

constituição da sociedade” como processo de humanização a partir da evolução dos primatas

que lhe deram origem. Explica ele, neste tópico, que a atitude de maravilhar-se com o processo

evolucionista e as criações dos seres humanos “não é apenas histórica, mas tem fundamento

na constituição da sociedade”.

2. A “era tecnológica” como ideologia. Nesse tópico o filósofo mostra que esses

raciocínios anestesiantes da ideologia das classes dominantes de endeusar o atual

desenvolvimento tecnológico pelas corporações que controlam os países cêntricos, apenas

buscam dois resultados: revestir tal ingenuidade com valor ético positivo e manejá-lo como

instrumento para silenciar as manifestações da consciência política e crítica das nações

subdesenvolvidas e emergentes com respeito ao seu desenvolvimento tecnológico. Politizando

este fato ele desconstrói a falsa ciência denominada “futurologia” com a assertiva de não ser

“possível prever o autêntico futuro sem reconhecer a possibilidade do surgimento do novo, do

inesperado e do imprevisível, resultante das transformações qualitativas que deverão ocorrer no

fluir da história”. Dessa forma ele ao aprofundar seu raciocínio crítico deixa claro e explícito a

“era tecnológica” como simples e alienante ideologia das classes que detém o poder nos países

hegemônicos.

3. O ponto de partida para a compreensão da técnica e da influência da mecanização

do trabalho. O pensador nesse tópico liga a técnica ao processo de produção de forma a

afirmar: “o que produz o que atualmente se produz é a estrutura econômica e política da

sociedade”. O filosofo mostra, ainda, que “toda possibilidade do avanço tecnológico está ligada

37

ao processo de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, a principal das quais se

cifra no trabalho humano”. Este é o ponto de partida para se entender e compreende a técnica

e sua influência na mecanização do processo de trabalho. A apologia que as classes dominantes

apregoam sobre a mecanização e automatizações do processo de trabalho as levam a propagar

no mercado rótulos e epítetos ingênuos da ideologia da propalada “era tecnológica” tais como:

”o homem e a técnica”, “tecnologia e humanismo”, “a técnica inimiga do homem’, “poder

avassalador da máquina”, “sociedade dirigida por cérebros eletrônicos” e outras mais. Com

respeito à compreensão da técnica afirma que “o homem se vai realizando na progressiva

conquista do conhecimento e nas ações técnicas pelas quais efetua o domínio da natureza”. Seu

ponto de chegada talvez seja explícito no fato de “o novo de cada momento representa sem

dúvida um novo diferente, distinto, possuindo caráter ímpar, do contrário não seria

reconhecido, mas deve ter, contudo algo em comum com todos os outros ‘novos’ precedentes,

justamente para ser percebido e conceituado como novo”.

4. A faculdade de projetar. Na introdução dessas anotações se falou do conhecimento

reflexivo (indutor da consciência) e do conhecimento prospectivo (doador da faculdade de

projetar). Explicitou-se, também, que são esses conhecimentos que diferenciam os seres

humanos de todos os demais entes vivos do planeta. Somente os humanos são dotados desses

conhecimentos que lhes permitem ter essa faculdade. No dizer do filósofo Álvaro Vieira Pinto

os entes humanos são os únicos seres vivos que projetam o seu ser, “mediante o trabalho

efetivo de transformações da sociedade material”. O projeto humano “é na verdade a

característica peculiar, porque engendra no plano do pensamento, da solução humana do

problema da relação do homem com o mundo físico e social”.

5. O conceito de produção e de “era tecnológica”. É sabido que os animais considerados

inferiores aos humanos ou chamados de irracionais não produzem, por ser a natureza

que produz para eles tudo quanto necessitam para viverem. Dependem totalmente do

meio ambiente em que vivem para não perecerem. Já o animal Homo sapiens sapiens,

humanizado em sua evolução, foi dotado pela natureza dos recursos que necessitava

para resolver por si suas contradições com a natureza, com a ecologia e com os seus

semelhantes em sociedade. Tais recursos resumem-se na “posse de um sistema nervoso

suficientemente desenvolvido para elaborar, em forma de idéias abstratas e universais,

o reflexo da realidade e capaz de comandar a produção, pelo indivíduo, dos meios de

vencer as dificuldades opostas à satisfação de suas exigências”. Por esse atributo (serem

38

dotados de um telecéfalo altamente desenvolvido e complexo) os humanos destacam-

se e se diferenciam frente ao “reino da animalidade inferior, que permanece

estacionada no nível de seres consumidores do que encontram ao redor” na natureza.

“Na oposição de consumidor e produtor está o caráter distintivo do salto qualitativo que

gerou o homem, e lhe dá sentido pelo qual se define, tanto ele quanto seus atos.”. Esta é

a razão de a técnica está presente por conceito e por definição em todo e qualquer ato

humano seja no fazer bem ou no fazer novo. Todo e qualquer ato humano nesses

aproximados trinta mil anos de história levou e levará diferentes “eras tecnológicas”

desde o machado de pedra do paleolítico até as mais complicadas e sofisticadas

máquinas cibernéticas, robóticas, biotecnológicas e nanotecnológicas. A natureza foi e

será sempre em parte subjugada pelos humanos, enquanto estes se fizerem presentes

no planeta mesmo no que pese a incomensurável violência da natureza no que toca às

suas freqüentes turbulências. Ela só age por causa e efeito e jamais doa sentido aos

fenômenos naturais, às coisas e à vida, por isso não tem problemas. O ente humano é o

animal que se produz a si mesmo pelas suas criações tecnocientíficas que lhe são

inerentes e, por isso, a história da técnica é evidentemente a história de todas as

produções humanas nos seus processos: virtual e atual de humanização.

39

Capítulo II. O HOMEM E A MÁQUINA

Na obra do cientista Álvaro Vieira Pinto, (“O Conceito de Tecnologia”) o presente

capítulo é contextualizado em sete tópicos sobre os quais o Autor, destas Anotações procede

as suas sinóticas e interpretações da seguinte maneira:

1. O fundamento da compreensão da máquina. Esse tópico visto criticamente pelo

filosofo leva o leitor a entender que a máquina desde as mais simples ferramentas até os mais

complicados artefatos ou máquinas automáticas, nanotecnológicas, cibernéticas, robóticas e

biotecnológicas, não tem inicio em si mesmas, mas sim naquelas que as antecedem sejam elas:

turbulentas, naturais e as criadas e produzidas pelos seres humanos. Por isso toda e qualquer

máquina é o resultado de um longo processo de acumulação de conhecimentos reflexivos e

prospectivos a respeito das propriedades dos corpos, dos materiais e dos fenômenos

encontrados na natureza. Daí ser a evolução do maquinismo o resultado da evolução do ser

humano que o constrói e que faz parte da linguagem usada no processo de trabalho principal

fator do processo de hominização pela via da técnica inserta na sociedade que promove a

cultura. Por isso é o ente humano o único ser vivo detentor de cultura e diferentes linguagens

em estado social. A máquina, segundo Álvaro Vieira Pinto, “resume uma forma de ser do

homem, um existencial, enquanto realização específica do homem, que nenhum animal é capaz

de efetuar”. É ingênuo pensar que “desde a entrada na era dos autômatos e dos computadores

eletrônicos ficou superada a reflexão sobre as máquinas simples, mecânicas, térmicas ou

elétricas.” Como médico que foi aquele pensador afirma que o cérebro “é um órgão que se

acha em pleno curso de desenvolvimento fisiológico seja com o aprendizado de idéias já

constituídas conforme acontece com as crianças ou nos adultos que as recebem de outros,

originais pelo pensador, matemático, físico ou técnico”. Segundo ele “na genealogia das

máquinas o primeiro motor é o humano, e isso em duplo sentido: ideal porque elas surgem do

projeto que só a constituição cerebral do homem é capaz de engendrar; e material, porque a

energia do corpo humano constitui a primeira fonte de movimento a ser aplicado aos mais

primitivos instrumentos e engenhos mecânicos. Mas as máquinas não se destinam à realização

de trabalho para um indivíduo isolado. O projeto de criá-las só pode ter origem e sentido no seio

de uma coletividade, de um grupo humano onde já vigoram relações normais de produção”. O

mestre Álvaro Vieira Pinto conclui esse tópico dizendo que “o papel decisivo da máquina, tanto

nas eras mais remotas quanto agora, consiste em modificar o sistema de relações de produção

40

do homem mediante a ampliação da rede de ligações com a natureza, dando-lhe a possibilidade

de possuir formas de ação sobre os corpos e as forças naturais, formas que significam o

aumento da capacidade de domínio do mundo circunstante. Essa alteração estabelece um

melhor um relacionamento qualitativo do sistema nervoso do homem com a natureza”. Fica

claro que nessas Anotações o Autor não leva em conta “as famílias das máquinas e o conceito

genérico de máquinas”, tratados por Edgar Morin em “A natureza da Natureza” que constitui o

volume um de “O Método” apresentado ao público mundial e brasileiro em seis volumes.

2. A evolução das máquinas e a libertação das energias humanas. É do

conhecimento geral que a lei que rege o processo de hominização e o progresso da

humanidade não consiste na diminuição, em valores absolutos, do processo de trabalho

humano, mas sim na transferência dele para modalidades mais nobres e mais difíceis. Como

consequência o aperfeiçoamento, cada vez maior, do maquinismo e, em geral, nas grandes

transformações tecnológicas libertam as energias humanas e contribuem para a oferta de mais

mercadorias e novos materiais até então inexistentes. A esse respeito o pensador Álvaro Vieira

Pinto adverte que “é preciso compreender que esse aperfeiçoamento enquanto tal não é da

máquina por si mesma, mas da consciência humana no conhecimento do mundo, refletindo-se

na série progressiva das criações mecânicas”. E acrescenta ele: ”as máquinas, até as

automáticas e as que poupam o trabalho intelectual, nada mais são do que modalidade de

mediação, cujo destino não reside na posse individual, mas no uso social, que se instalará

generalizadamente quando chegar a época na qual os instrumentos de produção retornarão á

sua origem, a sociedade de todos os homens”. Entre os humanos e as máquinas, desde a mais

simples a mais complicada, por eles criadas e inventadas no circuito de libertação de suas

energias são indutoras das transformações dos engenhos que produzem melhor os bens

econômicos que, por sua vez, recriarão os próprios entes humanos de modo a lhes darem

condições mais convenientes para sua vida social mais evoluída. Todos os passos de libertação

das energias humanas promovidos pela inovação tecnológica das máquinas conduzem a

entregar a máquina o serviço da sociedade como um todo. É bom lembrar que a cibernética, na

verdade sempre existiu nos computadores vivos (desde os seres unicelulares até aos mais

complexos) e, mesmo nos artefatos com outros nomes.

3. O homem e o significado das máquinas “criadoras” e “pensantes”. Nesse tópico o

filósofo dá inicio a desconstrução dos conceitos do pensar eurocêntrico sobre “máquinas

criadoras” e de “máquinas pensantes” a partir das idéias de Von Neumann de ser construível

41

uma máquina capaz de produzir qualquer outra inclusive ela própria explicando que “tal

máquina sempre existiu e esteve em ação, pois é o próprio sistema nervoso humano que criou

as máquinas até agora conhecidas e se reproduz a si mesmo no processo genético da

multiplicação de espécie”. Acrescenta o pensador “se algum dia se chegar a fabricar a máquina

capaz de engendrar diretamente outra máquina, planejando-a e executando-a, ainda aqui

estaremos em presença de uma obra humana, portentosa e admirável, sem dúvida, mas não

diferente em essência das precedentes na linguagem tecnológica”. Sobre a ingenuidade de se

falar e se reinficar os chamados ”cérebros eletrônicos” os apologéticos da cibernética esquecem

que “o cérebro está em outro lugar, na cabeça dos inventores e construtores” e não na máquina

depositária. Explica o filósofo “ocorreu no cérebro humano, no curso da evolução cultural, de

modo que a outorga às máquinas a função de realizar mecânica e eletronicamente tais

operações continua a ser um fato humano”... “pois foram fabricados com a missão explícitas de

funcionarem melhor, em termos físicos de velocidade e precisão, do que o pensamento capaz de

tê-los criado”. Segundo Vieira Pinto, “a máquina cibernética, para ser devidamente

compreendida na essência, tem de ser conceituada na perspectiva do processo biológico de

avanço e melhoria da função de comunicação entre indivíduos que se humanizaram e por isso

são capazes de recorrer a formas de transmissão de informações independentes da presença

física simultânea dos comunicadores. A máquina cibernética manifesta apenas a etapa atual do

avanço das exigências da comunicação social”. Epistemologicamente, as máquinas são objetos

que não trabalham na medida em que por definição o processo de trabalho significa um

atributo exclusivo do ser humano. O delírio de se atribuir às máquinas os processos de:

trabalho, pensar e ter problemas encobre e escamoteia o fato de quando o ente humano põe a

máquina a funcionar quem efetivamente está trabalhando é ele. “Se a base do pensamento

reside numa forma extremamente complexa do movimento da organização biológica da

matéria, a realização dele só tem lugar em condições sociais”.

4. A base social da máquina. A leitura desse item do capítulo “o homem e a máquina”,

pelo filósofo, “é sempre em função da fase da cultura vigente numa sociedade, de suas

exigências, que nela se originam as máquinas possíveis em tal situação, tanto no significado

criador, inventivo, quanto na posição passiva, meramente importadora de instruções ou dos

produtos acabados”. Segundo ele “a máquina corporifica um dos produtos da cultura, que por

sua vez representa a marcha do processo social da produção material da existência do homem

por ele mesmo. As estupendas criações cibernéticas com que hoje nos maravilhamos resultam

42

apenas do aproveitamento da acumulação social do conhecimento, que permitiu fossem

concebidas e realizadas”. Em todo o capítulo o mestre para tornar seu pensamento inteligível

procede na sua explicação a uma detalhada aplicação da lei dialética da transmutação do

acúmulo quantitativo em qualitativo. Mostra o pensador, que falta aos comentadores atuais da

base social da máquina, principalmente aos cibernéticos, “a noção global de processo histórico

e a compreensão da cultura e de seus produtos, como resultado da evolução biológica do

homem. Falta-lhes a percepção do caráter social da produção. Incorrem assim na separação

metafísica entre o produtor e o produto, sem ver a relação dialética que os liga e explica um

pelo outro”. Segundo ele “as lamentações da consciência ingênua sobre a desumanização por

efeito da civilização ‘mecanizada’ ocultam o fato essencial dos efeitos nocivos atribuídos à

última terem por origem, na verdade as estruturas sociais, diretamente, e não as relações no

ato da produção mantidas pelo trabalhador com os instrumentos, que aviltam a dignidade do

ser humano quando o tornam aparentemente ‘escravo da máquina’ ”. Prossegue seu raciocínio

de que “basta haver uma alteração no regime de posse das máquinas para cessarem de exercer

efeitos desumanos e revelarem a autêntica natureza de instrumentos intermediários de

produção, cuja finalidade definitiva está em servir toda humanidade, aumentando a

disponibilidade de bens de consumo e as condições de conforto”.

5. A historicidade e a definição da máquina. É dado, segundo Álvaro Vieira Pinto,

pela dialética “na perspectiva da gênese dela no processo histórico da sociedade que estimula a

criação do engenho porque suscita no pensamento do animal humano a concepção da

publicidade de utilizá-lo para resolver uma contradição com a natureza. Assim, nascendo para

servir de solução de uma contradição humana, a máquina, e em forma mais simplificada o

utensílio e a ferramenta vêm carregados de uma contradição interna que se resolverá pela sua

substituição por outra, mais perfeita, imaginada para superar as deficiências do tipo anterior.

Esta é a raiz do caráter contraditório de todo maquinismo, a que freqüentemente fazemos

alusão e se observa na descrição na história de um determinado ramo de sucessivos

maquinismos voltados à mesma atividade funcional. Ao surgir como recurso pelo qual o homem

soluciona uma contradição com a natureza, a máquina recebe do agente humano, ao realizar

as intenções dele, o caráter histórico as determinações dialéticas pertencentes originariamente

à ação do homem sobre o mundo”. Com tal sentido dialético as máquinas são objetos a que se

pode atribuir significado ambivalente, isto é, ora com operações voltadas para relações sociais

totalmente humanizadas, ora malignas, anti-humanas como aquelas que recebem

43

preponderadamente um sentido bélico de grande poder de destruição ou malefícios. Essa é a

razão de a tecnologia, seja ela qual for jamais ser neutra na medida em que está diretamente

condicionada ao uso político que a sociedade ou as classes dominantes lhe atribui ou lhe doam.

As máquinas devem ser incluídas nas bases materiais, históricas e sociais em que funcionam

para a satisfação das necessidades humanas pelo desenvolvimento das forcas produtivas das

quais fazem parte.

6. O homem e a regulação das máquinas. As máquinas não se auto-regulam porque

não tem consciência e interesse em fazê-lo, ou seja, não contem em si a finalidade de funcionar

bem. Um relê um robô e uns computadores não pensam, mas tem a função reguladora e,

assim, executam essa tarefa pela vontade e pelo pensamento do ser humano. Eles não têm

problemas e muito menos consciência do que fazem. A máquina é sempre um objeto e jamais

será um sujeito na historicidade do ser humano. “A máquina se constitui em exigência do

homem no curso do estabelecimento e de execução de finalidades a ele impostas pela

necessidade de conservação da existência. A máquina é um bem vital, um bem de produção de

ordem superior porque produz bens de produção de ordem elementar”. (...) ”Toda máquina é

uma máquina de uma máquina, no sentido em que constitui a forma de superação, a herança

multiplicada de outra anterior”. (...) “As máquinas incorporam a técnica, representam o caso

mais perfeito e comum em que esta se revela, mas não lhe dão origem, pois tal origem acha-se

em outro lugar, na ação humana, da qual a técnica é um dos aspectos existenciais”.

7. A consideração das máquinas em concreto. A dialética da ferramenta. A produção

desse tópico por Álvaro Vieira Pinto se aproxima muito do pensar dialético de Marx segundo o

qual o processo da máquina-ferramenta consiste em desprender a máquina da ferramenta

manual, em que inicialmente se baseava, e tomar forma livre, subordinada apenas à sua função

mecânica. Tal processo evolutivo far-se-á à custa da posição e resolução de contradições

dialéticas e está em pleno curso na fase de automação onde agora se penetra. Toda máquina

por um lado põe, isto é concretiza uma possibilidade de ação produtiva explicada pelos

conhecimentos que levaram a construção dela. A natureza não doa sentido nem tem

problemas e estratégia apenas age por causa e efeito e é dotada de incomensuráveis segredos.

“Na construção do conhecimento científico o homem luta contra o desconhecido, não contra o

dissimulado”. (...) ”A natureza não joga contra o homem, mas em compensação há nela um

infinito de virtualidades cognoscíveis, que desempenham permanentemente a função de

resistência e oposição, crescentes à medida que a inteligência humana penetra mais

44

fundamente em seus segredos, e estabelecem o conflito de base resolvido pelo avanço do

conhecimento, pela descoberta de novas forças motrizes e criação de maquinismos por ora

inimaginados”.

45

Capítulo III. A TÉCNICA

Este capítulo do livro “O Conceito de Tecnologia” foi desenvolvido pelo filósofo Álvaro

Vieira Pinto em 14 itens que o Autor destas Anotações apresenta, de forma sinótica, conforme

procedeu com os dois capítulos apresentados anteriormente.

1. Os dois aspectos da máquina. De um modo geral a máquina se apresenta com dois

aspectos: o estático quando está parada, se torna obsoleta, depreciada e sucateada e o

dinâmico quando em funcionamento. Ambos os aspectos estão sempre mutuamente unidos ou

associados. No aspecto estático a máquina parada permanece no estado de corpo físico.

Funcionando a máquina converte-se em instrumento de modificação do mundo externando a

racionalidade humana nela contida. Levando em conta esses aspectos das máquinas, o filosofo,

confirma que na máquina “a técnica, de qualquer tipo, constitui uma propriedade inerente à

ação humana sobre o mundo e exprime por essência a qualidade do homem, como ser vivo,

único em todo o processo biológico, que se apodera subjetivamente das conexões lógicas

existentes entre os corpos e os fatos da realidade e as transfere, por invenção e construção,

para outros corpos, as máquinas, graças aos quais vai alterar a natureza, com uma capacidade

de ação imensamente superior à que cabem nos seus instrumentos inatos, os membros de que é

dotado”.

2. Conceitos antigos da técnica: Aristóteles, Kant. A leitura que o filósofo faz sobre

este tópico aponta para Aristóteles sinoticamente, que para ele a “técnica, techne,

representada em latim pelo termo ars, é o conceito do trabalho sem a matéria... Aristóteles

considera a técnica um modo de ser específico do homem e a compreende como um conceito,

uma razão, um logos, que percebe a realização da ação, sendo lícito supor que ele imaginasse a

prefiguração dos resultados do ato, e assim, o tomasse por um dos elementos da constituição

da finalidade que determina a ação humana, pois somente o homem maneja instrumentos” (...)

”’A técnica surge quando a partir de muitas noções experimentais, se depreende um único juízo

universal, aplicável a todos os casos semelhantes.” Toda a análise, relativamente, detalhada de

Álvaro Vieira Pinto para Aristóteles teve como referências principais: The Work of Aristotle,

Oxford, Clarendon Press, 1912 e De Partibus Animalibus, I, 1, 640 a, 33. Também, serviu de

referência a obra Metafísica, A, 1, 981 a 985 Librairie J. Vrin, Paris, 1948. Com relação a Kant,

também com relativo detalhe, ele toma como referência básica a obra Kritik der Urteillskraft,

Vorlaender, Leipzig, 1962, p.254 onde ele sita o seguinte pensamento de Kant “ao

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denominarmos técnica o procedimento (a causalidade) da natureza, em vista da semelhança de

finalidade que encontramos em seus produtos, dividimo-la (techinica intetionalis) e não

intencional (techinica naturalis). A primeira significaria que a capacidade produtiva da natureza

segundo causas finais tem de ser considerada uma espécie particular de causalidade; a

segunda, que no fundo é idêntica ao mecanismo da natureza”. Em seguida comenta que “Kant

dá-nos a base para compreender um dos componentes do ato técnico, seu fundamento na

lógica objetiva da realidade, consubstanciada nas leis do mundo natural”. Em suas análises o

pensador explicita os pontos de vistas de ambos os filósofos em relação aos conceitos antigos

de técnica.

3. Concepções contemporâneas da técnica. Nesse longo e detalhado tópico o filósofo

Álvaro Vieira Pinto adverte o leitor que o problema filosófico da técnica é uma das mais

freqüentes preocupações dos pensadores e ensaístas contemporâneos. Além das críticas que

faz ao pensamento de Spengler expresso em sua obra “A Decadência do Ocidente” onde

defende a tese de a técnica não dever ser compreendida partindo da ferramenta, mas pelo seu

manejo e fabricação de coisas. Explica que na sua obra se salva a sua idéia de a técnica se

apresentar como manifestação da vida humana. Também, nesse tópico, é que ele desconstrói o

pensamento e as teses de Martin Heidegger mostrando as falsidades conceituais e os

equívocos daquele que é considerado pelos acadêmicos e os pensadores eruditos eurocêntricos

e etnocêntricos como um “eminente filosofo da técnica”. A esse respeito Álvaro Vieira Pinto é

categórico em afirmar que “a teoria heideggeriana não passa de uma das múltiplas variedades

desse gênero de engano. Nela embora a técnica seja considerada como aspecto da

manifestação da verdade de ser, não há o menor traço de objetividade, inclusive porque o

conceito de ser nesse autor, como nos de sua parceria, reimprime a mais velha das formulas

metafísicas e nada tem a ver com o legítimo conceito de ser, entendido enquanto como

expressão da unidade material do mundo. Nem o ser nem a técnica são compreendidos pelo

pensador agora sumariamente discutido nas condições objetivas materiais, históricas, na sua

necessária realização sociais, em suma na vida real dos homens. Sendo uma das recentes

concepções a respeito do tema, reverenciado em certos círculos filosóficos, aos quais, aliás, se

endereçava uma vez mostrada à vacuidade, que é o único conteúdo do empolamento do texto

hermético, e a ausência de vinculação com os problemas autênticos da produção tecnológica

que os trabalhadores, e até empresários, enfrentam, cresce a justificação de nossa tentativa de

proceder a uma reflexão que escape do redemoinho de abstrações inúteis e de palavreado

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eruditíssimo, mas inteiramente estéril”. (O pensamento de Martin Heidegger criticado por

Álvaro Vieira Pinto está na obra “A Questão da Técnica” Die Frage Mach der Technuk, Vortrage

und Aufsatze, Günter Neske Pfullingen, 1964).

4. A correta formulação da pergunta sobre a técnica. Nesse item o pensador, após

breves considerações sobre o pensar ingênuo de se vê e conceituar a técnica ele discorre que a

correta fórmula de se perguntar sobre a técnica está em enunciá-la de maneira a inquirir: “que

papel desempenha a técnica no processo de produção material da existência do homem por ele

mesmo? Unicamente nesta formulação o conceito de produção revela o significado culminante

que possui”. Esclarece, ainda, o filósofo, “não parece conveniente chamar de ‘técnica’ a prática

dos atos executados pela matéria viva desde que principia a se organizar com caráter vivo até

as formas animais superiores, porém irracionais. O termo tem aplicação justa quando designa a

execução humana de atos de produção e defesa da vida, feitos por força de um processo

qualitativamente diferente, impossível de encontrar-se nos brutos, a saber, o condicionamento

da ação a finalidade conceitualmente concebidas”. Conclui enunciando que “a técnica não

consiste, por conseguinte, num atributo de atos vitais em geral, mas somente caracteriza

aqueles que o homem executa em razão da condição existencial de produtor de si. Qualquer

reflexão filosófica sobre o conceito de técnica que a considere como simples modus faciendi,

mas não se interesse pelo sujeito executor nem procure determinar o significado dela em

quanto aspecto da base do modo social de produzir desvirtua esse conceito e deixa na sombra a

maioria de suas notas inteligíveis. Sendo a forma de produção de algum produto material ou

ideal, a técnica por natureza revela-se histórica, pois é o aspecto de um processo humano de

criação”.

5. A técnica não é o motor do processo histórico. Nesse breve item o filósofo Álvaro

Vieira Pinto se preocupa em desfazer as afirmativas ingênuas de que a técnica é o motor do

processo histórico negando que a técnica deva sobrepor-se à história. Segundo ele a técnica

está imbricada ao processo de hominização do animal Homo sapiens, ou seja, é cultura e parte

da ligação do ente humano ao mundo. Esse fato “decorre do aperfeiçoamento dos órgãos

perceptivos e cerebrais que desenvolvem como consequência a técnica, simples modo de ação

sobre o mundo e continuação direta, agora consciente, volitiva, intencional do que a natureza

fazia em favor das espécies inferiores para alcançar o mesmo fim, garantir a subsistência do ser

vivo”. Esse condicionamento não doa a técnica o atributo de ser o motor da história, mas

simplesmente, parte inseparável da cultura.

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6. A técnica como vitória do homem sobre a natureza. Nesse tópico o pensador

discorre longamente sobre o processo de dominação da natureza pelo ser humano em tempo

historicamente longo a partir de determinada estrutura de relações sociais de produção, “visto

não poder fazer coisa alguma contra a natureza senão na medida em que se valem das forças

por ela postas ao seu alcance. Domina o mundo material no curso de um processo dialético, no

movimento de uma contradição, que exprime a relação com o universo, físico e social ao

expandir a área das forças que maneja”. Na sua apreensão e domínio da natureza quem se

expande é a razão humana e, não a natureza, que sempre foi tal como existe em seu processo

de formação e evolução. “O homem sempre progride na luta contra a natureza, porque tal é o

modo de ser em que consiste sua diferenciação biológica. A forma específica da vitória

continuamente conquistada é a técnica”. Afirma, ainda, o filósofo, que “biologicamente o

homem desafia a natureza, mas não a vence realmente com armas da mesma espécie que as

dela, a não ser a título de instrumento, e sim com outras, superiores e originais: as idéias

abstratas e a invenção imaginativa que movem a ação da técnica”. De passagem afirma que “o

animal evolui na natureza, o homem evolui na história. Melhor dito, é a natureza que evolui no

animal e por isso esse processo transcorre no puro curso físico, a chamada ‘história natural’. No

homem o processo desenrola-se no tempo historicizado, a saber, no plano da cultura. Por isso a

história natural do homem apresenta-se agora como a história natural da cultura. A técnica

pertence exclusivamente a esta última. A história natural da cultura tem de ser entendida em

função do movimento da base material onde assenta”.

7. A técnica, o passado e o futuro da humanidade. As referências às condições

sociais de produção. Neste tópico do capítulo III (A técnica) o mestre e filósofo Álvaro Vieira

Pinto desmistifica as profecias dos chamados “futurologistas” e o temor dos nostálgicos quanto

às indizíveis virtualidades e desenvolvimento das técnicas contemporâneas que cumprem, sem

dúvida alguma, um papel libertador do ser humano. Em sua crítica faz um virtuoso combate

àqueles que transformam e tratam a técnica como “uma coisa em si” fazendo dela os mais

fantásticos e ou perniciosos juízos de valor. Contra argumenta, a esses ensaístas, afirmando

que “ao contrário do que exprimem às concepções ingênuas a técnica em si não move a

história. Quem a impulsiona é a consciência dos homens que mediante a técnica, entre outros

recursos, investiga a realidade objetiva no campo físico e no sistema de relações sociais, e se

dispõe a intervir produzindo modificações històricamente visíveis. Nenhuma técnica existe a não

ser como fundo de determinada compreensão das propriedades dos corpos e da interação dos

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fenômenos”. Apresenta como conclusão do item com a assertiva de que “todo inventor tem de

fundar o pensamento, as pesquisas, no estado da cultura do seu tempo. Porém tal estado

espelha e condensa o trabalho acumulado das massas na história pregressa da humanidade, de

modo que, em última análise, é sempre a ação do homem, pelo trabalho coletivo, que dá

suporte à invenção e emprego das técnicas”.

8. A semântica da técnica. A técnica como adjetivo. Nesse tópico, o poliglota, filólogo,

filósofo e pedagogo, Álvaro Vieira Pinto, debate a etimologia e a semântica da palavra técnica,

com grandes detalhes, (no latim e no grego) mostrando sua qualidade de adjetivo e não de

substantivo e, epistemologicamente, afirma que “a essência da técnica é a mediação na

obtenção de uma finalidade humana consciente. Embora esta se origine e se conserve no

pensamento do agente, a mediação que a deve concretizar tem de ser realizada no plano

objetivo, no mundo material, pela transformação dos objetos, pela criação de novas substâncias

e coisas, o que só pode acontecer com o emprego dos próprios corpos e das energias dos

fenômenos naturais de que o agente previamente se apossou, a ter formado o universo de

representações que os refletem veridicamente”. Mais adiante no texto ele explica que “na vida

corrente a rotina oblitera a percepção do aspecto essencial da técnica, mas a nós cabe insistir

sobre ele, porque de tal análise é que extrairemos a compreensão justa. Nossa tese

fundamental exprime-se nas seguintes palavras: a técnica define primeiramente uma qualidade

do ato material produtivo só no segundo momento do processo cognoscitivo se transfere do ato

ao agente, o homem que pratica atos técnicos, isto é, produtivos de um fim bem determinado.

São dois momentos de um processo mais amplo de abstração, que progride no sentido de fazer

esquecer o caráter originalmente objetivo do vocábulo, e conduzirá, no terceiro momento, à

substancialização da técnica, à transformação semântica que irá permitir vê-la na figura de

uma entidade. Surpreendemos aqui a passagem do adjetivo ao substantivo. Se o primeiro

momento consiste naquele em que a técnica não pode ser pensada separada do ato, o terceiro

representa aquele em que, em virtude dos mecanismos de abstração inerentes ao exercício do

conhecimento, a qualidade começa a ser conceituada à parte da ação qualificada do operador.

Vem a ser representada por um substantivo. O termo perde a categoria lógica e gramatical

legítima inicialmente possuída e se transfere para outra categoria, a dos entes substantivados”.

Conclui esse seu raciocínio da dubiedade do vocábulo técnica constatando que “o erro da

concepção idealista e anti-histórica da técnica reside na impossibilidade de perceber o vício de

raciocínio espelhado na troca de um adjetivo por um substantivo. Achamo-nos aqui na raiz de

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uma modalidade comum de desenvolvimento semântico que irá florescer nas mais simplistas

especulações e teorias a que aludimos, mencionando alguns casos passados e atuais, e que,

todas têm como essência geral o engano da hipostatização da ‘técnica’. Seria errôneo julgar

que, sem querer e sem perceber, chegamos à mesma concepção exposta nas lucrubações de

Heidegger, a noção de técnica como ocultação do ser. Parece-nos que Heidegger, se em

palavras assim se exprime, dota a técnica de valor equitativo, de modo que ele quanto

Spengler, acaba por chegar ao resultado oposto ao que visa, na verdade em vez de mostrar a

técnica ocultando o ser, faz o ser ocultar a técnica. Esta convertida numa entidade em si, oculta

sua própria natureza”.

9. A compreensão ingênua da técnica. A técnica como fator da essência do homem.

Nesse tópica o filósofo mostra que a técnica não está oprimindo o ente humano, este é que,

felizmente, está cada vez mais submetendo a si a natureza material pelos incrementos de sua

capacidade de abstrair e dos conhecimentos reflexivos e prospectivos de que é dotado. Ao

contrário do que afirmam os representantes do pensar ingênuo “o progresso técnico

denunciado como maligno pela consciência simplista, manifesta na verdade a mais gloriosa e

benéfica criação do homem, porquanto é aquela que lhe permite evoluir, passando a condições

de vida mais humanas ao longo do segmento cultural de sua evolução animal”. Após proceder

em outras considerações das interpretações cândidas sobre a compreensão da técnica por

pessoas despreparadas, Álvaro Vieira Pinto afirma que “a técnica tem de ser entendida em

função do homem, e nunca em função dos procedimentos e métodos que emprega ou das

máquinas e aparelhos que consubstanciam operações. É o homem que inventa a técnica, com

isso carregando-se da responsabilidade dos atos executados com esse caráter. A técnica

ingressa como fator, na constituição da sua essência, porquanto ao se incorporar à cultura

existente no momento torna-se um legado que outras gerações recolherão e irá contribuir

para facilitar diferentes tipos de relações de trabalho entre os homens, na tarefa comum de agir

sobre a natureza e organizar a sociedade. Cada grande façanha técnica realizada pela

humanidade engendra a outras condições de vida e portanto estabelece o fundamento para a

instituição de uma nova essência para os seres humanos que vierem a existir em tempos

posteriores”. Esclarece, ainda, o grande pensador que “em todos os casos, na raiz da técnica há

sempre a finalidade do homem que se propõe executar uma ação modificadora da realidade

produtiva de um objeto ou de um efeito julgado, com motivo racional ou não, de nosso ponto de

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vista cultural atual, e que só podem ser conseguidos pelo cumprimento ordenado de certas

operações”.

10. Condicionamento recíproco entre processo produtivo e técnica. De posse das

categorias da lógica dialética o filósofo Álvaro Vieira Pinto demonstra, nesse item, o

condicionamento da ação recíproca entre o processo de produção e a técnica mostrando que

no meio biótico da natureza somente o ser humano é um “produto-produtor” da natureza. Por

isso, além de produzir a si próprio, ele produz, na sua existência social, aqueles bens

econômicos (dotados de valor, valor de uso, valor de troca e valor desenvolvimento) que

consome doando, para tal fim, aos bens livres a necessária vinculação e articulação entre a

técnica, produção e conhecimentos imanentes à dialética da natureza, tão bem estudada e

explicitada por Engels (Dialética da Natureza e Anti-During) e por Marx (O Capital e Crítica a

Economia Política). Considera, ele, que o ser humano “representa para si a relação entre os

meios materiais ou idéias de que dispõe e emprega numa operação e as finalidades que deseja

satisfazer pelas aplicações desses meios”.

11. O significado da história das técnicas. Nesse tópico, o pensador, afirma que “a

técnica nela incluída a atuação da ferramenta mais tosca a da máquina mais moderna,

constitui uma manifestação da historicidade essencial do ser humano. O homem existe em

virtude dos atos produtivos que exerce, em escala crescente, de complexidade, resistindo às

forças ambientes, que do contrário o esmagariam. Pode-se, portanto, afirmar que ao progredir

na construção biológica do seu ser, já agora no segmento cultural, a série de tais atos

estabelece um curso histórico e desenvolve a particular história natural daquele animal

hominizado, a que o distingue enquanto espécie única, pois constitui o modo pelo qual se

diferencia em ser vivo racional. Se o sistema de reflexos condicionados de que se proviu ao

longo da evolução do sistema nervoso outorgou-lhe a capacidade de sobreviver, mediante

mecanismos de defesa agora de tipo criador e não mais adaptativos tais mecanismos, e as

técnicas a ele associadas, incluem-se nesses procedimentos, que são uma extensão de sua

biologia. Adquirem o cunho da historicidade, por ser o modo pelo qual esta se materializa

enquanto qualidade peculiar da duração do ser criador daqueles procedimentos da

subsistência”. Em seu pensamento dialético Álvaro Vieira Pinto desenvolve seu raciocínio sobre

o significado da história das técnicas fazendo referência à relação entre o indivíduo e a espécie.

Sob esse ângulo ele argumenta que “nos animais inferiores a espécie produz o indivíduo pelo

mecanismo de hereditariedade. Mas no homem, por ser o animal que inaugurou o segmento

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cultural da evolução, graças à constituição para si do processo social produtivo, é o indivíduo

que produz a espécie. Entendemos esta última proposição no sentido de que o homem contribui,

pelo resultado do trabalho físico ou intelectual, para construir o patrimônio cultural da espécie,

a forma atual pela qual se diferenciam as etapas da evolução humana. No animal, a mutação

geradora de uma nova espécie tem exclusivamente caráter biológico, espontâneo e acidental,

enquanto no homem a mutação resulta da ação deliberada do indivíduo que se apossou do

conhecimento da realidade objetiva e, por via da capacidade racional desenvolvida em si,

utiliza-o para transformar não a estrutura anatômica e fisiológica, o que, aliás, já começam a

acontecer, com o prolongamento da vida média, as próteses orgânicas e a possibilidade de

intervenção no mecanismo genético, mas, sobretudo dá a si mesmo modos de convivência

social, regimes de trabalho produtivo, que diferenciam tipos humanos distintos”. Esse processo

de evolução cultural humana, onde a técnica é importante como indutora de hominização, é

necessário e obrigatoriamente histórico.

12. A contradição inerente à técnica. Nesse tópico, o pensador e filósofo brasileiro,

Álvaro Vieira Pinto, de forma enfática, usa seu profundo conhecimento das leis da dialética

para mostrar que “a contradição habita o coração da técnica”, principalmente, quando ela se

apresenta simultaneamente, como conservadora e revolucionária. Segundo ele a técnica, em

todas as formas em que se apresenta, suscita, a todo instante, a substituição do velho pelo

novo. Na verdade a técnica está imbricada “a lei dialética universal da negação da negação”

externando sempre seu caráter revolucionário a partir dos valores imanentes aos processos da

substituição do velho pelo novo. Ele mostra, ainda, que “o mesmo processo técnico que foi

criado para servir a um regime de produção incrementa simultaneamente, por motivos das

finalidades que permitem a consciência perceber a necessidade de supressão desse regime, sua

substituição por outro, mais rico de possibilidades humanas. Nesse novo momento, a técnica

adquirida continua a valer, se não foi de toda superada, mas quando permanece em vigor não

tem mais a significação primitiva de descoberta, para efeito de implementar uma forma de

trabalho, e sim declina o papel de sobrevivência, utilizada pelo regime sucessor se ainda tem

rendimento aproveitável e não está em oposição ás forças de produção trazidas à tona pelo

segundo momento histórico”. No desenrolar desse tópico ele adverte o leitor que é

“completamente falsa a concepção que pretende responsabilizar a técnica pelos resultados

desumanos que com freqüência acarretam, sem perceber procederes tais efeitos do regime de

produção que delas se utiliza”. A técnica, de um modo geral, pode ser usada para o bem ou

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para o mal dependendo sempre das decisões políticas daqueles que dela se apropriam ou as

capturam, tanto em nível privado quanto público, de quaisquer modos de produção, ou mesmo

de grupos de indivíduos de uma determinada sociedade.

13. As técnicas lúdicas. Nesse item o leitor é remetido, pelo filósofo, às artes, aos

esportes, às festividades, ao folclore, aos entretenimentos ou a quaisquer divertimentos onde a

técnica necessária e obrigatoriamente se faz presente como parte do processo de hominização

e da cultura do animal Homo sapiens. Sendo as técnicas lúdicas (artes, esportes, folclore, etc.)

uma decorrência cultural do processo produtivo em que está imbricada a técnica é preciso

saber “que a contradição imposta pela realidade objetiva, física ou social atinge a todos os

homens, ou a um ponderável grupo. Não pode ser recusada, tendo por isso de ser resolvida por

todos, no esforço cooperativo de criar o conhecimento do mundo e transformá-lo, chamado

propriamente trabalho. Quando, porém, a resolução das contradições que se apresentam a

título de finalidades internas não necessárias só surgem no pensamento de alguns indivíduos

que encontram satisfação interior na realização desses fins gratuitos, mesmo que a ligação com

o mundo objetivo e dos condicionamentos daí resultantes não faltem nunca, o sentimento da

exigência interior, que se vai concretizar na obra de arte, no jogo ou no puro exercício esportivo

de atividade muscular, encontra-se unicamente em poucos indivíduos e neles alcança suficiente

grau de compulsão para levá-los à prática da resolução da contradição sentida”.

14. A ingenuidade da concepção da técnica como “fenômeno”. A origem da técnica e

o destino do homem. Ao afirmar que “o pensamento dialético é necessário para se

compreender a técnica”, o filósofo Álvaro Vieira Pinto mostra, nesse tópico, que “por definição

a técnica não pode reduzir-se a um fenômeno, etimologicamente uma manifestação exterior,

pois se inclui na essência do ser que a elabora, obrigado a fazê-la por imposição intrínseca,

natural, de sua constituição biológica exercida em condições sociais, se a identificamos à ação

do homem no mundo, que é o aspecto visível de realização operatória da essência do ser

humano”. Dos seus argumentos fica claro e explícito que a concepção, interpretação ou

redução do conceito de técnica ao de fenômeno é pura ingenuidade intelectual daqueles que a

assim considera. Confirma o filósofo que “a evolução natural do homem ultrapassou o campo

exclusivamente biológico, de substituição de estruturas gênicas, anatômicas e fisiológicas,

conforme acontecia nas fases pré-hominídea e hominídea, e se desenrola agora no campo da

produção material dos bens de existência, da organização social do trabalho e da criação dos

produtos culturais. A fabricação de um elemento transurânico ou a composição de um baião

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são componentes do mesmo processo de desenvolvimento cultural em que, na verdade, quem

se está desenvolvendo não é a técnica, mas o homem em totalidade”. Esclarece, também, o

pensador, que “no processo da produção do ser social, a técnica não determina o destino do

homem, antes o homem determina o destino da técnica”. No caso do “homem ser o lobo do

homem” (segundo Hobes) e “usa a técnica como arma com fins homicidas, conforme a história

documenta com impressionante freqüência, tal resultado não deve ser imputado ao puro

emprego material da técnica, mas aos intuitos desumanos maliciosos a que pode servir, quando

manejada por uma consciência anti-social com propósito de dominação”.

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Capítulo IV. A TECNOLOGIA

Este capítulo do livro “O Conceito de Tecnologia” foi produzido em 23 tópicos pelo

filósofo Álvaro Vieira Pinto e tem o propósito de, criticamente, desnudar e desmistificar os

diferentes conceitos, interpretações e entendimentos do vocábulo “tecnologia”. Dessa forma o

Autor, destas Anotações, procede a um sinótico comentário, sobre cada um dos itens, que

compõem o capítulo em tela.

1. As diferentes acepções do termo “tecnologia”. De acordo com o filósofo as

acepções da palavra tecnologia podem ser resumidas em quatro significados. O primeiro é

aquele etimológico que diz ser a tecnologia a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica,

ou também, com a noção de artes e de habilidades do saber fazer, e ainda, como modo de

produzir alguma coisa. O segundo, que é o mais usado e vulgar, trata da tecnologia como um

equivalente da técnica quando se apresenta como fazer bem ou, principalmente, um fazer

novo. O terceiro estritamente ligado a esse segundo entende a tecnologia como o “conjunto de

todas as técnicas de que dispõe uma determinada sociedade, em qualquer fase histórica de seu

desenvolvimento”. O quarto, e último significado, ver a tecnologia como uma ideologização da

técnica, ou seja, a ideologia da técnica.

2. A tecnologia como a epistemologia da técnica. Após analisar as considerações a

respeito da epistemologia da técnica nas obras de: sociologia, economia e nos tratados

voltados ao exame de técnicas, de artes particulares e dos abundantes julgamentos sobre a

tecnologia na literatura filosófica moderna e contemporânea, o pensador Álvaro Vieira Pinto

conclui, no presente tópico, que “na qualidade de fundamento, é nas relações sociais que cada

indivíduo encontra a possibilidade, ou não, de ter acesso aos bens de consumo a que aspira.

Cria-se assim uma epistemologia da técnica que, em vez de fundá-la na relação do homem com

a natureza, definidora do aspecto essencial, variando unicamente segundo as condições

determinadas pelo progresso científico, funda-a nas relações dos homens uns com os outros,

que são acidentais, enquanto formações históricas sucessivas. Descortina-se nesta observação a

inevitável conexão estabelecida, conseqüentemente, entre o estado de desenvolvimento das

técnicas e a elevação delas à categoria de ideologia social, conforme melhor se perceberá ao

comentarmos o quarto significado do conceito de ideologia”. Epistemologicamente a tecnologia

pode ser designada como uma ciência na medida em que apresenta generalizada composição

científica.

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3. As concepções ingênuas da tecnologia elaboradas pelos técnicos. Nesse tópico, o

filósofo, retoma suas acertivas e teses apresentadas no seu livro “Consciência e Realidade

Nacional” (publicado pelo MEC-ISEB, em 1960) sobre consciência ingênua e consciência crítica,

com respeito ao desenvolvimento e ao papel dos técnicos, para criticar a consciência reflexa,

emanada deles, como mimetismo ideológico, dos centros metropolitanos ora das teorias do

status quo, ora das de dominação colonial dos centros hegemônicos sobre os países

subdesenvolvidos e emergentes. Por isso o mestre adverte que “a tecnologia defeituosa e

atrasada rouba a eficácia da produtividade do trabalho, reduz a disponibilidade de bens,

aumenta-lhes o preço, tornando-os inaccessíveis para a maioria dos homens. São males devidos

exclusivamente à técnica que, interpretada no papel de ‘daimon’ responsável pelo curso da

história, absolve os homens, e as classes, de quaisquer erros ou culpas, carregando em si a

causa das desgraças sociais presentes, e ao mesmo tempo, constitui a única Providência real,

aquela em que devemos depositar nossas mais fervorosas esperanças”. Na literatura vulgar e

mesmo na acadêmica o leitor se depara com inúmeras concepções ingênuas sobre tecnologia

que merecem do pensador crítico, de posse das leis dialéticas, denunciarem os sofismas

(principalmente dos defensores do status quo) e corrigir os interesses ocultos nelas implícitos

com o processo material de onde procedem. O pensador crítico deve sempre acompanhar as

perniciosas nuanças em muito utilizadas pela tecnocracia tanto das organizações públicas

quanto das privadas.

4. O conceito ingênuo de “explosão tecnológica”. Nesse item, o professor Álvaro

Vieira Pinto, dá continuidade às suas críticas revelando, ao público, a nocividade do pensar

ingênuo sobre a tecnologia e, muito em particular, naquilo que se convencionou chamar, na

literatura tecnocrática, de “explosão tecnológica”, na atualidade do desenvolvimento do

sistema mundo do capitalismo e, principalmente, do metabolismo do capital. Por ignorar o

significado das conexões históricas no processo evolutivo da tecnologia essa percepção da

“explosão tecnológica” é, hoje, estéril para avaliar situações passadas no processo de

hominização do animal Homo sapiens. É sabido que a tecnologia do presente é o anúncio e

virtualidade da tecnologia do futuro e depara-se com a vacuidade dessa ingênua percepção.

Por isso, o filósofo, afirma, nesse item do capítulo do seu livro “O Conceito de Tecnologia”, que

“a peculiar tendência da mentalidade ingênua atual, no campo mal vigiado dos

pronunciamentos sociológicos e científicos gerais, a ver por toda partes ‘explosões’, não apenas

a tecnologia, mas a demografia, a cultural, a universitária e muitas outras, parece ser uma

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impregnação psicológica deixada no espírito dos estudiosos e literatos de escasso preparo

filosófico válida pela única explosão, sem precedentes, que conhecemos, está infelizmente de

todo real no seu criminoso significado, a bomba atômica, lançada sobre populações humanas

por uma potência imperialista num gesto intencionalmente genocida” e que obliterou mais de

150 mil indivíduos em muito pouco tempo.

5. Aspectos da teoria da técnica. A classificação das técnicas. Partindo da premissa de

que a técnica é um modo de ser e existencial do ente humano, o pensador Álvaro Vieira Pinto,

explica, nesse item, que para ingressar na concepção científica da tecnologia faz-se necessário

elaborar a teoria geral da técnica que, ele admite ter referências aos seguintes aspectos:

primeiro, a classificação das técnicas; segundo, a rentabilidade das técnicas; terceiro, o papel

das técnicas na organização das relações entre os humanos e, quarto, a função social das

técnicas: cibernéticas, robóticas, biotecnológicas e nanotecnológicas para a humanidade. Desta

forma é plausível que o leitor destas Anotações dê a devida atenção a estes aspectos quando

se depararem com a teoria da técnica e, principalmente de sua classificação.

6. A história e a historicidade das técnicas. Segundo o filósofo “a historicidade da

técnica não obedece a desejos subjetivos, mas exprime as etapas pelas quais vai passando o

processo intérmino de resolução, pelo homem, das contradições com a natureza e a sociedade,

limitantes da expansão da sua essência. História e resolução de contradições existenciais são

termos que significam a mesma coisa”. É marcante, em seu pensamento, que a historicidade

da técnica é parte da historicidade de um processo, ainda, mais radical e concreto que é a do

processo de trabalho do ser humano sobre a natureza de onde advém todo seu processo de

hominização e, conseqüentemente de sua cultura.

7. A práxis social e a personalidade do técnico. A apreensão e o conhecimento da

tecnologia, pelo ente humano, demandam que o mesmo esteja inserto em uma práxis. Por isso

a teoria da práxis remete o ser humano ao domínio, cada vez mais ativo, sobre o mundo

expressando-se, de um modo geral, na personalidade do técnico condicionado por processos

políticos de capacitação e de treinamento na práxis social no trabalho concreto. Corre-se,

assim, ao risco de se incutir ao técnico a ideologia eurocêntrica e etnocêntrica de caráter

neocolonial do tipo de que governar é sinônimo de administrar em vez da correta acertiva de

que governar é instituir um sistema de convivência humana no campo da ciência política,

entendida esta, como a ciência que tem como objeto o poder. Dessa forma é a práxis social do

ser humano que o induz a sua personalidade.

58

8. A doutrina “tecnológica” dos pensadores ingênuos. Nesse tópico o filosofo, Álvaro

Vieira Pinto, ideologiza e politiza essa doutrina “tecnológica” dos pensadores ingênuos

condicionando seu ponto de vista à realidade brasileira. Ele revela que essa doutrina “quando

confusamente estruturada e exposta, forma, aliás, que parece contribuir para aumentar-lhe o

feitiço, transita insensivelmente do conceito de ‘governo de uma empresa’ para o de ‘governo

de um país’, desvendando na verdade o objetivo secreto de toda essa maquinação ideológica.

Fica então patente a manobra sob-reptícia desejada pelos tecnocratas, em última instância, eco

do pensamento dos grupos detentores do verdadeiro poder, atrás deles escondidos”. Mostra,

ainda, que “a alienação do país em totalidade, a substituição de sua consciência de si por outra

inculcada de fora e imposta por todos os meios que a comunicação moderna faculta, representa

a expressão máxima da nocividade da tecnologia empregada na função de arma de

insensibilização, enfeitiçamento e espoliação, quando manejada intencionalmente por agentes

de interesses antinacionais, em condições de inicial e débil amadurecimento da consciência de si

da nação atrasada”. De um ponto de vista da consciência crítica sabe-se que governar, por

definição, é um conceito de ordem existencial e política e não de tecnologia que é um meio

para tal fim.

9. A equiparação verbal de “tecnologia” e “técnica”. Nesse item, do capítulo terceiro,

o professor Álvaro Vieira Pinto desnuda as obscuras intenções das classes detentoras do poder

político, principalmente acadêmicas, empresariais e tecnocratas, de equiparar e confundir os

vernáculos de tecnologia e de técnica. Revela o caráter ideológico para confundir e não se

distinguir o que vem a ser uma nação para si e uma nação para outras pelas vias do

desenvolvimento, transferência e comercialização das técnicas e da tecnologia com vistas

atender os interesses metropolitanos dos centos hegemônicos e imperialistas. Na sua análise

crítica brotam as revelações de que “a tecnologia de origem externa serve de instrumento para

a aceleração do desenvolvimento da nação retardada unicamente se for uma aquisição de livre

escolha por parte do seu centro soberano de poder político, que objetiva os propósitos da

autêntica consciência de si, a saber, a de suas massas trabalhadoras”. (...) ”Quando, porém, a

tecnologia for uma dádiva ou uma imposição de potências hegemônicas, necessariamente

exercerá efeito frenador sobre o desenrolar do processo da consciência de si no país recebedor,

ao mesmo tempo em que poderá estimular um limitado crescimento local, crescimento

consentido que naturalmente muito alegra os dirigentes nativos do momento. Os quais o

atribuem à própria operosidade e visão de estadistas. Na verdade, não passa de um

59

crescimento relativo, e forçado por um poder estrangeiro, só perceptivo quando comparado ao

estado anterior da mesma classe de fatores produtivos, mas que, medido em valor absoluto,

revela-se sempre negativo e prejudicial”. No Brasil um dos casos mais aberrantes foi à

introdução da matriz rodoviária nos transportes de cargas induzida pela importação da

indústria automobilística em detrimento da aquaviária e ferroviária.

10. A tecnologia como instrumento de dominação. Nesse item, o filósofo, mostra

como, historicamente, a tecnologia foi usada como instrumento de dominação pelos impérios

da antiguidade e medievais. Trata, também, em detalhes, de como, hoje, as classes sociais

detentoras do poder nos países cêntricos manipulam a tecnologia como instrumento de

dominação, através, principalmente, das corporações internacionais sob a égide daqueles que

fazem parte do G7, FMI, BIRD e do Fórum Econômico Mundial de Davos. Discorre, de forma

crítica, como são possíveis como as massas de uma nação subdesenvolvida ou emergente

podem construir uma consciência de si e uma consciência para si a partir da tecnologia. Sob

esse aspecto ele afirma que “no processo de criação da consciência de si dos povos subjugados

é possível distinguir dois momentos. O primeiro, aquele em que a passividade e o atraso das

áreas marginais eram total, e unicamente nos centros metropolitanos se fazia o progresso das

técnicas produtivas”. (...) “O segundo momento do processo de despertar da consciência de si

nos povos periféricos. Começando a compreender os presságios contidos nesse fenômeno, o

dominador percebe que a tecnologia, tão louvada enquanto lhe expressava com exclusividade o

prestigio de que se orgulhava e a força que manejava, torna-se agora mais diretamente

apontada para ele”. Deduz-se dos seus argumentos que, hoje, no sistema mundo do

capitalismo, as corporações internacionais usam e abusam da manipulação tecnológica e do

direito de apropriação de tecnologias pelo direito do estatuto de patentes.

11. A tecnologia como patrimônio da humanidade. Defendendo o princípio de

nenhuma sociedade de seres suficientemente hominizados poderia existir sem técnicas

correspondentes ao estado de crescimento de suas forças produtivas e de suas

correspondentes relações de produção o filósofo Álvaro Vieira Pinto, mostra que a tecnologia,

muito ao contrário de inúmeros postulados e insinuações de ser necessariamente apropriada e

patenteada por empresas, corporações e órgãos públicos, é, e deveria ser reconhecida sempre

como patrimônio da humanidade. Haja vista que faz parte da cultura e do processo de

humanização e, está imbricada a evolução dos humanos, logo, não poderia nem deveria ser

apropriada por qualquer instituição ou organização de uma determinada sociedade. Teria que

60

ser necessária e obrigatoriamente um bem livre como deveria ser a vida que, hoje, também, se

transforma em mercadoria no sistema mundo do capitalismo.

12. A exportação da tecnologia. Esse tópico é, minuciosamente, estudado, visto e

explicitado, pelo filósofo Álvaro Vieira Pinto, no que trata das mazelas nas negociações

internacionais de compra e venda da tecnologia como mercadoria e instrumento de

dominação, por parte dos países que se destacam como produtores dessa estratégica

mercadoria que é a tecnologia. Ele usando seu raciocínio dialético explica, ao leitor, que ao se

converter a tecnologia em mercadoria e a exportá-la, sem querer, contraditoriamente “o

dominador está entregando às massas externas dominadas um instrumento libertador não

porque a ‘tecnologia’ em si mesma, por virtude imanente, seja a criadora do salto

revolucionário, mas porque oferece um fundamento antes inexistente para a constituição da

consciência para si do colonizado, cuja primeira manifestação consiste em fazê-lo visto como

tal”. Assegura, ainda, que a “importação só tem a nocividade que, com razão, vemos apontada

por Leite Lopes quando a nação atrasada deixa de exercer o poder de decisão, inerente a sua

soberania política, e se submete ao comando cultural exterior”.

13. Os fundamentos sociais da tecnologia. Nesse item, do seu livro “O Conceito de

Tecnologia”, Álvaro Vieira Pinto afirma que “nenhuma tecnologia antecipa-se a sua época, ou a

ultrapassa, mas nasce e declina com ela, porque exprime e satisfaz carências que a sociedade

sentia em determinada fase de existência”. Por isso, afirma ele, “as diferentes formações

sociais, na seqüência histórica, refletem-se nas técnicas que manejam, levando os espíritos

superficiais ou desprevenidos a julgar, em virtude de uma ilusão de ótica, que a técnica por si

mesma passa a desempenhar a função de motor do processo histórico”. Esses teóricos

esquecem que “a tecnologia não é causa, mas mediação de que as forças em ascensão do país

pobre tomam consciência e de que precisam lançar mão para lutar contra velhas estruturas de

relações sociais, sustentadas por procedimentos obsoletos para se firmarem, recolherem a justa

parte que lhes compete dos proventos seletivos e, eventualmente chegarem a dominar o

sistema”. Esclarece ao leitor que “apesar das adversas condições reinantes, nas fases iniciais do

desenvolvimento do povo retardado, as leis da dialética do processo histórico estão a favor dele

e indicam que chegará fatalmente à fase superior, na qual tomará consciência de si, e elevará a

um mais claro estágio de sua percepção. Bastaria reler aprofundadamente as páginas da

chamada ‘dialética do senhor e do escravo’ da Fenomenologia do Espírito de Hegel, para se

perceber que no embate histórico o ‘senhor’ não tem futuro, porque, se tudo se transforma, o

61

senhor só poderá transformar-se no não senhor, por conseguinte extinguir-se enquanto tal,

desaparecer como entidade real. O escravo, o servo ou o assalariado, porém, estes são os

representantes e os proprietários do futuro, são desde já, mesmo em sua miserável condição

presente, os vitoriosos da história, porque para eles a transformação consistirá

necessariamente em negar a realidade atual, portanto em deixar de ser o que são, convertendo-

se de classe dominada não em dominadora, porque não haverá a quem dominar, mas em

humanidade finalmente livre, universamente portadora da consciência de si. Unicamente a essa

humanidade competirá possuir o mundo”.

14. A ideologização da tecnologia. Novamente, nesse tópico, de seus escritos o

filósofo Álvaro Vieira Pinto, volta a desconstruir o pensamento e as teorias de Martin

Haidegger caracterizando-o como cultivador das mistificações de aspectos eruditos da

tecnologia mostrando que ele “vivendo num universo de palavras, o pensador impressionista

tem como único problema combinar as que melhor se prestem a formar frases emocionantes ou

enigmáticas, e por isso fica obrigado a forjar miríficas e sibilinas questões para ter matéria

sobre a qual escrever seja lá o que for”. Na contra mão dos pensadores ingênuos e

impressionistas, Álvaro Vieira Pinto afirma “a história da técnica pavimenta a estrada da vitória

do homem, da afirmação de sua capacidade biológica de se fazer a si mesmo, cada vez em nível

de realização mais alto, graças exatamente à conquista e domesticação das forças que lhe são

antagônicas, que o aniquilariam ou o manteria na condição de animal comum, não fosse à

faculdade de pensamento desenvolvida por suas possibilidades de trabalho social cooperativo”.

15. A catábase da técnica. A tecnologia e a diferença de finalidade entre países de

níveis históricos distintos. Por catábase da técnica entende-se, segundo o pensador, que há no

seu conceito “valor paradigmático, pois revela, neste caso peculiar como no de muitos outros

universais, a exigência de compreender o conceito abstrato não em si mesmo, mas nas

manifestações singulares e concretas”. Respeitando o valor paradigmático da catábase o

filosofo leva o leitor a analisar a tecnologia e as diferenças de finalidades entre países de níveis

históricos distintos revelando que o “país atrasado também tem tecnologia, do contrário não

subsistiria”. Como a dialética tem como axioma, para o desenvolvimento, o fato de nenhum

país ser obrigado a seguir o caminho trilhado por outro, assim como, a inexistência de uma lei

que imponha universalmente a obrigatoriedade de se copiar modelos exógenos de

desenvolvimento. Foi a partir desses paradigmas que, o Autor dessas Anotações, desenvolveu,

para a SECTEC, entre outros, um anteprojeto sobre Tecnologias para APL de Fármacos e

62

Medicina Popular para mitigar as precaríssimas situações de saúde pública no Estado de

Pernambuco e na Região Nordeste do Brasil. Em termos de especificidades poder-se-ia almejar

ou focar os seguintes objetivos em nível de Região de Desenvolvimento (RD):

� Criar nos municípios principais de cada RD do Estado, Pólos de

Desenvolvimento de Produtos Farmacêutico-Fitoterápicos e de Cosméticos a

partir da flora e da fauna dos biomas existentes no Nordeste, particularmente

em Pernambuco, contribuindo para o desenvolvimento do empreendedorismo

nas RD;

� Cadastrar, em nível de cada RD, pessoas, estabelecimentos, organizações e

empresas formais e informais que lidam com produtos farmacêuticos e

medicina popular de forma a identificar quais dos produtos já podem ter sua

tecnologia patenteada e utilizada na saúde pública com o devido aval da

ANVISA para uso popular e para o SUS e quais delas devem ser inovadas pelo

projeto;

� Padronizar sob a égide do LAFEPE e outros laboratórios aqueles

medicamentos, cosméticos e produtos de higiene pessoal que podem ser

produzidos, exportados e mesmo fabricados nos países africanos e da America

do Sul através da cooperação internacional Brasil-África e do MERCOSUL;

� Substituir, ao máximo nível, as matérias-primas importadas dos países

cêntricos para o setor farmacêutico estadual e nacional e investir na

biodiversidade e biotecnologia interna dos biomas do Estado e do Nordeste

tornando-se soberano na produção de medicamentos e fármacos na cadeia

produtiva farmacêutica e de medicina popular;

� Agregar valores tecnológicos propiciando empreendedorismo e

desenvolvimento econômico-empresarial nos municípios das RD a partir de

linhas de créditos especiais do BNDES, BNB, BB e Caixa Econômica Federal para

a Cadeia Produtiva em discussão;

� Proporcionar, fomentar e inovar tecnologias desde o agricultor, (com plantio,

colheita e comercialização), passando pelos pesquisadores e empresários até o

patenteamento das tecnologias dos produtos finalizados proporcionando

63

benefícios a todos envolvidos na cadeia produtiva inclusive utilizando todo o

apoio do Sistema S e do ITEP;

� Tornar as atividades da cadeia produtiva, em debate, mais competitivas e

rentáveis a partir da adoção, inovação e transferências internas de tecnologias

de produção, de conservação e de serviços eficientes e adequadas via de apoio

creditício e formação de parcerias público-privadas e das economias chamadas

solidária e familiares;

� Inserir nas atividades produtivas cadastradas, em nível de RD, tecnologias e

inovações nos processos de fabricação e de circulação das mercadorias com

vistas a:

• Gerar empregos e melhorar as rendas geradas localmente nos municípios

das RD

• Aumentar a produtividade do trabalho e a intensidade da produção existente

• Exportar excedentes da produção para outros estados da União e para países

com grandes contingentes de indigentes e de pobres

• Aumentar, significativamente, o número de patentes, de tecnologias e de

produtos, assim como, suas inovações tecnológicas.

16. A tecnologia e as condições gerais do trabalho. Partindo do princípio que “o

trabalho constitui, por definição, um fenômeno total da sociedade, revelando-a em todos os

aspectos. Pelo trabalho, visando à produção em si, o conjunto social se apresenta formando a

verdadeira totalidade humana, e logo se desenham as relações dialéticas de implicação mútua

que ligam todas as fases”, o filósofo Álvaro Vieira Pinto demonstra, em suas análises desse

item, que a tecnologia para ser útil precisa antes de tudo ser necessária. Note-se que o Autor

dessas Anotações para produzir o anteprojeto acima sinoticamente apresentado, também,

levou em consideração o que o pensador tratou no seu livro “O Conceito de Tecnologia”.

17. O progresso tecnológico como fenômeno social total. Nesse tópico do livro “O

Conceito de Tecnologia” o cientista e pensador Álvaro Vieira Pinto põe a nu todas as relações

centro-periferia do sistema mundo do capitalismo. É nessa parte, ainda, que vem a tona as

formas pelas quais o progresso tecnológico como fenômeno social total induz e determina as

relações de domínio e de subordinação de uma nação pela outra devidamente imbricada ao

metabolismo do capital, mundializado ou globalizado para fim de exercer ações de rapina,

pirataria e de saque sobre os países atrasados através de suas corporações empresariais

64

transnacionais e ONG que se apossam e subordinam os estados nacionais sejam eles

desenvolvidos ou subdesenvolvidos. O filosofo mostra, também, os mecanismos pelos quais os

países cêntricos ou desenvolvidos cabestream ou garroteiam os países atrasados e emergentes

pelo progresso tecnológico para, por um lado, estabelecer o status quo para os

subdesenvolvidos e, pelo outro, indizível bem-estar e condições de qualidade de vida para os

estados desenvolvidos e, principalmente, imperialistas (G7) sob o manto da globalização do

capital. Nas palavras do mestre se vê que “de fato, enquanto o país atrasado, colonial, agrário,

dependente, repousa na conservação da tecnologia tradicional, o país desenvolvido repousa na

invenção tecnológica revolucionária. Esta parece-nos uma das reflexões de maior significação

para o exame do papel da técnica no desenvolvimento nacional. Por sua natureza dual e

contraditória, refletindo o caráter dialético de toda atividade humana, a técnica presta-se às

duas funções antagônicas. Serve para conservar o atraso, quando se constitui pela repetição,

em fator limitante da necessária transformação do trabalho das massas, que tem de fazê-lo

com os instrumentos e os métodos que os proprietários lhes põem nas mãos, uma vez que por

própria iniciativa não dispõe de força social, de inspiração intelectual, nem de recursos

econômicos para mudar de técnica. Na sociedade adiantada, ao contrário, o interesse do grupo

dominante situa-se na constante substituição da tecnologia, e para tanto estipendia a pesquisa

científica avançada. Sabe ter de apelar para este procedimento, mesmo à custa de lutas de vida

ou morte, entre setores rivais para conseguir posição eminente que detém o momento

histórico”. Após essas considerações, transcritas acima, o filosofo adverte que “os perigos que

ameaçam a nação imperialista são, portanto dois, o temor da derrota na carreira com os

congêneres e o terror infundido pelos inequívocos sinais de emergência da consciência

autônoma nas áreas dominadas. Tem de empregar todos os recursos da pressão e do suborno

para assegurar a distância em relação aos países atrasados, tanto mais quanto em seu espaço

nacional vê travarem-se agora os mais sérios combates, que não pode liquidar sob pena de

enfraquecer o sistema do capital, a competição entre setores da alta indústria e por fim entre as

unidades e empresas individuais”.

18. Tecnologia e pesquisa científica. A carência e disfunção da pesquisa científica no

Brasil, sem dúvida alguma, descansou e descansa, em grande parte, na estrutura do sistema

educacional, em especial o universitário, que se limitou e, ainda, se limita a um academicismo

estéril de ciências inúteis. Em nenhum momento, o sistema educacional brasileiro, como um

todo, foi capaz de buscar e implantar um propósito de emancipação nacional fortalecendo a

65

nação para dissipar a alienação cultural em favor de uma consciência crítica da realidade

nacional. Talvez essa tenha sido a razão do descaso com a tecnologia e com a pesquisa

científica. Em tese, manteve, mantém e fomenta uma consciência reflexa, oriunda dos países

cêntricos e uma profunda e detestável consciência ingênua, tanto no sistema de educação,

quanto na cultura nacional. Essa separação entre o sistema de ensino com a pesquisa científica

e tecnológica no Brasil, só, muito recentemente vem sendo superada com a criação de

instituições de pesquisas nacionais dentro de um sistema de C,T&I e de grandes empresas nos

campos: biotecnológico, agrícola e do agronegócios (EMBRAPA), hidrocarbonetos, plataformas,

refinarias e perfurações de poços de petróleo e gás no mar em grandes profundidades

(PETROBRÁS), telecomunicações e fibras óticas (TELEBRÁS), aviação (EMBRAER), energias

elétrica e do hidrogênio (ELETROBRÁS), nuclear e beneficiamento de urânio (NUCLEBRÁS e

NUCLEB), hemoderivados (HEMOBRÀS), vacinas (FIO CRUZ e BUTANTAN) mineração e logística

ferroviária e náutica (VALE e ALBRÁS), aeroespaciais (CEA, VLS, PMM, CBERS e ACS),

supercondutores e nanotecnologias (ITA, FINEP e CNPq), biocombustíveis (etanol e biodiesel), e

outras. No dizer do pensador Álvaro Vieira Pinto, “a ciência, ao avançar, vai deixando pelo

caminho as técnicas a que dá origem, as quais, por sua vez, adquirem vida própria, constituem

um plano definido do conhecimento”. Conclui o tópico advertindo que “a pesquisa tecnológica

do país pobre tem de ser integralmente obra dos cientistas da nação que planeja o

desenvolvimento para si, realizada com os recursos de que dispuserem”.

19. A tecnologia como ideologia. O conceito de ideologia empregado pelo filosofo, no

desenvolver desse item do seu livro, é semelhante aquele usado por seu principal discípulo que

foi o pensador pedagogo Paulo Freire, ou seja, “a ideologia tem a ver com a ocultação da

verdade dos fatos, com o uso da linguagem para encobrir a realidade” (Wikipédia). Álvaro

Vieira Pinto afirma que “a técnica representa o aspecto qualitativo de um ato humano

necessariamente inserido no contexto social que a solicita, a possibilita e lhe dá aplicação. Deste

modo, ao ser praticado estabelece constantemente um circuito de ligação entre o operário e o

meio, circuito que se reveste das características dialética da ação de retorno, susceptível de

descrição e modelagem em linguagem cibernética... Por este modo, a prática da técnica conduz

à modificação das idéias, podendo alterar as existentes, anulá-las ou produzir outras, novas”.

Adiante, nesse mesmo tópico, ele adverte o leitor sobre “a invasão cultural representada pela

importação da tecnologia, com o conseqüente entupimento das vias de vazão do gênio criador

nacional, manifesta-se no projeto elaborado e financiado pela potência imperial com o fim de

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utilizar sua tecnologia para ‘formar escola’ no país atrasado, ou seja, fazê-la passar,

imperceptivelmente, pela tecnologia nativa. O sucesso dessa escamoteação depende apenas do

tempo, repetição dos passes hipnóticos culturais e repressão das vozes denunciadoras”. Note-

se, que nesse item, o filosofo também, desconstrói e denuncia um sem número de bravatas

sobre a tecnologia como ideologia usada pelos países cêntricos com fins de mais explorar,

domesticar e submeter a sua intelectualidade científica, aos seus desígnios, com vistas a evitar

o desenvolvimento tecnológico autêntico dos países atrasados e emergentes.

20. A tecnologia como conjunto das técnicas em vigor numa sociedade. O

importante nesse tópico do livro “O Conceito de Tecnologia” de Álvaro Vieira Pinto é a maneira

pela qual o filósofo trata do tema e desperta o leitor para as técnicas em uso na sociedade em

diferentes aspectos, estágios, setores e ações e as suas perspectivas de serem melhoradas e

inovadas nos países emergentes e atrasados com vistas a mitigar e sanar a dependência

tecnológica imposta pelos países cêntricos. Mostra o pensador, que, em geral, essas técnicas

em uso na sociedade periférica são muito bem dominadas pelas comunidades e populações

locais que as usam intensiva e criativamente e, apresentam fantásticas potencialidades de

serem, em muito, renovadas e inovadas bastando, para tais fins, de programas e projetos de

governo eficazes para a mobilização dos seus usuários. A esse respeito no tópico nº 15, deste

segmento, foi explicitado, pelo Autor dessas Anotações, a título de exemplo, idéias

metodológicas a um anteprojeto na cadeia produtiva de fármacos em Pernambuco através da

SECTEC e suas organizações vinculadas. Lembramos, ademais, que sobre o assunto o filósofo

adverte que “para isso, o essencial está em conceber o plano de desenvolvimento nacional em

função da realidade relativamente desenvolvida já obtida” (...) ”E o que se tem de dar às

massas trabalhadoras não é o resultado da tecnologia, mas a própria tecnologia. Esta deve

pertencer-lhes porque significa o conhecimento e a consciência do trabalho que fornecem”.

Após várias considerações sobre os princípios para uma política tecnológica nos países

periféricos ele é enfático em afirmar que “a nova tecnologia de algum modo tem de apoiar-se

na antiga, mesmo quando entre ambas ocorra um salto qualitativo dialético. Não pode nunca

ser lançada sobre a realidade existencial do trabalhador, como se este não praticasse ações de

caráter técnico, não possuísse tecnologia de alguma espécie. Pensar assim demonstra que o

pensador ou ensaísta incide no erro de fazer o trabalhador para a tecnologia em vez de fazer

esta para o trabalhador”.

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21. O princípio de unidade da técnica. O planejamento planejado. Neste tópico

Álvaro Vieira Pinto recorre à historicidade e à gêneratividade da técnica, através dos tempos,

para mostrar o princípio de unidade da técnica, partindo da antiguidade até os nossos dias

quando usamos os artefatos ou aparelhos cibernéticos para o planejamento planejado como

método avançado de desenvolvimento tecnológico da humanidade como um todo. Referindo-

se a razão técnica ele assegura que ela sempre existiu, ou seja, ”desde que o antropóide

superior alcançou suficiente grau de hominização. A técnica convém sempre repetir, demonstra

por definição a inclusão da razão humana no mundo, no estágio em que se encontra a

capacidade de percepção e de raciocínio do único animal social, em um processo evolutivo,

mediante a prática da ação intencional produtiva”. Tanto isso é verdade que em determinada

parte do texto ele assegura que “o planejamento, sempre obrigatório, em épocas antigas era

implícito. Faltava a consciência dele enquanto ato específico, com seus condicionamentos e

técnica executiva peculiar preparatória do empreendimento social produtivo ou da ação política

do centro dirigente. A consciência capaz de delinear adequadamente os atos na qual é

prefigurada a operação prática a seguir, que agora se manifesta explicitamente, veio a se

constituir em função social definida, representando uma das fases do processo geral de

produção. Passou a ser um planejamento planejado com os numerosos recursos oferecidos pela

teoria econômica, a compreensão sociológica e os meios operatórios matemáticos, inclusive o

fornecido pelos aparelhos de computação. Vivemos numa época na qual só tem sentido e

rentabilidade o planejamento planejado”. Esta é, talvez, a razão pela qual o filósofo define o

planejamento “como o emprego conexo das técnicas, sempre existente em totalidade, para

realizarem uma finalidade concebida pela razão”.

22. As interpretações da tecnologia. A exigência de um sistema lógico definido.

Neste item se trata de desmistificar um grave equívoco sobre a técnica e a tecnologia, isto é,

supor que ambas se sobrepõem a sociedade como fenômeno de humanização tal como a

própria técnica. Para tal fim o filosofo se faz valer da concepção dialética segundo a qual se

“indica ser a sociedade o sujeito que domina a tecnologia, sempre em função da existente em

cada momento e conservada na memória social”. Ele assegura que “a tecnologia jamais poderia

superpor-se à sociedade, uma vez que é apenas a mediação total de que a humanidade, no

papel de único agente concreto, se utiliza para materializar suas finalidades, Por conseguinte,

as avançadas criações da técnica, na atualidade ou no futuro, não só não repelem a teorização

‘antiga’, mais exigem, do contrário não se explicaria o trânsito do passado ao presente”. Do

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exposto se deduz que a tecnologia exige um sistema lógico definido para sua análise

epistemológica e sua completa inteligibilidade.

23. A tecnologia como escatologia. A superstição tecnológica. Antes de prosseguir

essas Anotações vale apena informar o leitor sobre o que vem a ser escatologia, isto é, parte

da teologia voltada para os últimos eventos da história do mundo e, principalmente, do destino

final do gênero humano. Logo se situa no campo religioso e nas chamadas ficções ditas

científicas e do futuro profetizado nos textos sagrados de diferentes religiões, sejam elas,

monoteístas ou politeístas. Nesse tópico, do seu livro, o pensador Álvaro Vieira Pinto mostra e

desconstrói os argumentos desses idealistas que além de pregarem uma visão apocalíptica da

técnica tentam sacralizar a tecnologia utilizando-se dos postulados ou paradigmas da velha e da

contemporânea escatologia dando origem a um sem número de superstições, mitos e falácias

tecnológicas desprovidas de quaisquer princípios ou de obediência às leis científicas. A visão

escatológica da tecnologia além do seu profundo messianismo mistifica a essência da técnica

através de uma falsa contradição entre o humano e a técnica como se ler nos escritos de

Martin Heidegger. Na prática, a tecnologia como escatologia, é a base sobre a qual se situa e se

difunde pela mídia e pelo academicismo inútil nas universidades a ideologia de dominação. Os

apologistas das mistificações escatológicas da tecnologia escamoteiam ou fingem ignorar “ser a

técnica uma maneira de se conceber a ação do homem, revelando-se, portanto inseparável do

sujeito agente e não podendo receber uma nota de valor por si mesma, uma vez que o valor

pertence inerentemente ao ato humano e só neste fundamento adquire sentido. Nenhuma

técnica é boa ou má, mas serve de índice de qualidade das ações humanas, definidas pelas

finalidades a que se destinam a realizar, situadas na origem dos atos, dos instrumentos e

métodos técnicos”. Com suas ilações de caráter retrógado, insertas na ideologia de dominação,

aqueles apologistas procuram negar a técnica como função cultural inerente aos humanos e,

portanto, negam que a técnica é, também, usada para justificar a apropriação privada do “mais

intransferível dos caracteres do homem, o seu trabalho. Não se trata de erro intelectual

acidental ou inconsciente, mas ao contrário de erro programado para fazer dele uma ideologia

de dominação”. Depois de desconstruir os argumentos dos ideólogos da escatologia da

tecnologia e das superstições tecnológicas o filósofo afirma: “para acabar com a superstição

messiânica da técnica, o único recurso eficaz consiste em instalar em lugar dela a consciência

dialética do significado da tecnologia. Esta concepção também abre perspectivas para o

futuro”.

69

PARTE II. – O CONCEITO DE RAZÃO TÉCNICA

Esta segunda parte do livro “O Conceito de Tecnologia” de Álvaro Vieira Pinto

compreende os capítulos V, VI e VII da sua obra e que compõem, ainda, o primeiro volume.

70

Capítulo V - AS ANTECIPAÇÕES DA “RAZÃO TÉCNICA”

Este capítulo do livro do filósofo Álvaro Vieira Pinto foi produzido em 11 (onze)

tópicos que serão objeto das sinóticas Anotações do Autor Geraldo Medeiros de Aguiar no

mesmo estilo das que foram feitas, anteriormente, para os capítulos da primeira parte. Nesta

segunda parte, já no capítulo V, o filósofo fala sobre o conceito de razão técnica e das suas

antecipações como um processo histórico da razão humana de um modo geral, descartando

quaisquer alusões sobre um dom sobrenatural pronto e perfeito como insinuam alguns

ensaístas ingênuos.

1. O surgimento da razão técnica. Neste tópico Vieira Pinto mostra que a razão

humana, sendo produto da evolução material do mundo é necessária e obrigatoriamente

histórica. Em suas análises ele desconstrói a “absurda antítese entre a técnica e a humanidade”.

Assegura que a razão técnica tem início na acumulação dos conhecimentos e das técnicas

anteriores “evidentemente com as características do determinismo não mecânico, não

linearmente causal, mas dialético, de acordo com o qual a razão revela-se simultaneamente um

resultado em contínua produção e uma mediação de ordem superior nesse mesmo processo”.

(...) “A ciência e a técnica são resultado da acumulação contínua e milenar de conhecimentos

que auspiciam cada nova aquisição”. Explica o filósofo, que a dialética é a lógica capaz de

explicar a relação entre o indivíduo e o processo inventivo. “Somente à luz da dialética, os dois

elementos, o indivíduo e o processo, não se desfiguram, conservam a identidade e a razão do

ser, mas se revelam na unidade que os associa no movimento onde ambos figuram”. Explica,

também, que “sem a compreensão dialética do processo da racionalidade, o desenvolvimento

da tecnologia fica entregue a si mesmo, plana solto no espaço, sem história e sem raízes, e por

isso sem razão suficiente. A razão suficiente da técnica encontra-se no complemento humano de

desvendamento das propriedades do mundo, atitude existencial que, configurada por abstração

numa entidade psicológica, recebe o nome de ‘razão’, mas na verdade constitui-se pela práxis

vital, e, portanto social, dessa mesma técnica, em suas manifestações pregressas”.

2. A dominação da sociedade pela tecnologia. Nesse segundo tópico, o cientista é

contundente no combate às ingenuidades apresentada em: livros, revistas e na mídia tais

como, “homem esmagado pela máquina”, “servo dos robôs que imprudentemente engendrou”,

“dominado pela tecnologia” e outros epítetos de iguais canduras, Em suas críticas a propalada

dominação da sociedade pela tecnologia, Vieira Pinto, ainda denuncia que esses “escritores que

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vituperam a técnica são incapazes de distinguir o essencial e o acidental” e, “por isso

responsabilizam a tecnologia pela iminente derrubada da posição privilegiada, excelsa,

sutilmente referenciada de que gozam em sua qualidade de filósofos, ‘professores’, ‘homens

cultos’, expoente da intelectualidade, que resistem por todos os meios à ignomínia de se verem

confundir-se com a massa uniforme dos obreiros, à desonra de serem chamados de

trabalhadores”. Em continuidade aos seus argumentos ele é enfático em afirmar que “o mais

eficiente ardil da consciência ingênua consistiu sempre em procurar escapar da história, juiz

inapelável, com profundos veredictos condenatórios das cavilações sociológicas e filosóficas

mal-intencionadas”. Conclui o item mostrando que o interesse de fugir da história, dos arautos

do conservadorismo ideológico da tecnologia, explica-se pelo motivo do ocultamento do

passado e a sonegação do futuro que se divisado desde agora, “mostrará o prosseguimento do

processo de libertação do trabalhador, com a ajuda da expansão, até limites insuspeitados, do

poder da tecnologia inconcebivelmente aperfeiçoada”.

3. A racionalização como ideologia da tecnologia. O avanço indescritível e impetuoso

da tecnologia leva os humanos à racionalidade na compreensão do cosmo, do nosso sistema

solar, da natureza terráquea e das sociedades. Em contra ponto a essa racionalidade os

empresários e os ideólogos ingênuos da humanidade primam em fomentar e divulgar a

ideologia da racionalização da tecnologia. Nas palavras de Vieira Pinto “na perspectiva da

consciência empresarial figuram somente a quantidade e a qualidade dos produtos, medidas

pelos rendimentos capturados pelo proprietário. Não se incluindo em sua percepção do

processo produtivo o valor existencial do ser humano, no caso os trabalhadores utilizados, não

participam daquela representação, a título de notas do conceito de racionalização do trabalho,

os autênticos valores humanos, que nela deveriam figurar em primeiro plano. Embora

certamente nunca tenham ouvido falar deste conceito da ciência cibernética, os industriais de

fato concebem a fábrica e as empresas como ‘caixas pretas’, com relação às quais só importa

conhecer a entrada e a saída”. Depreende o Autor de essas Anotações ser obvio que as

chamadas “racionalização científica do trabalho” (faiolismo, tailorismo, fordismo, pós-

fordismo, etc.) não passam de fraudes da economia política do capitalismo para escamotear a

alienação do trabalho, genialmente mostrada por Charles Chaplin no seu filme “Tempos

Moderno”. Toda essa escamoteação tenta confundir os conceitos de produtividade do

trabalho, com o de intensidade do trabalho e de intensidade de produção (que embora

antagonicamente contraditórios sejam apresentados ao público como produtividade) com

72

respeito à quantidade e qualidade do trabalho vivo e do trabalho pretérito imbricados ao

processo de produção de mercadorias que as levam a ter valor, valor de uso, valor de troca e,

quiçá, valor desenvolvimento. Todos esses conceitos estão imbricados ao processo de produção

de bens econômicos via tecnologia. Note-se, ainda, que é o ambíguo e contraditório conceito

de produtividade que remete a chamada racionalização do trabalho (como ideologia da

tecnologia) ao conceito de competitividade, hoje, por demais usados no processo de

globalização do capital.

4. A contradição do crescimento sem independência tecnológica. Neste tópico Vieira

Pinto dá continuidade ao seu pensamento, do presente capítulo, contextualizando a

transplantação de tecnologias externas de propriedade de estrangeiros nos países atrasados ou

emergentes de forma a gerar grandes contradições no crescimento (por falta da independência

tecnológica) capaz de qualitativamente, transformá-lo em desenvolvimento. Outrossim, dentre

as contradições do crescimento , vividas por esses países, chega um momento em que os

jovens formam seu próprio centro de ação e vinculam-se aos autênticos interesses nacionais

criando as condições objetivas que levam os países a escaparem do engodo da consciência

reflexa importada pelas classes dominantes e conservadoras que se esforçam pela manutenção

do status quo. No processo de romper os grilhões que os amarram surgem oportunidades de se

criar uma consciência para si em substituição a situação de uma consciência para outros sob a

égide da dependência tecnológica. De aí por diante torna-se impossível pela dinâmica do

processo induzido pelo crescimento vegetativo a emergência do salto qualitativo de as forças

das massas trabalhadoras se capacitarem tecnicamente e, gradualmente expulsar as forças

sociais comprometidas com o status quo do país. Tanto isso é verdade que “a formação

tecnológica das novas gerações do país atrasado tem importância capital porque se trata de

engendrar um potencial de natureza revolucionária, embora nos primeiros tempos desempenhe

função progressista insuficiente, pouco visível e contraditória”. Nesse processo “as técnicas do

país subdesenvolvido se converterão em produtos de inteligência, que logo passarão a exportar,

em forma de produtos próprios deixando a postura de beatos assimiladores do saber de

procedência externa”. (...) “Serão as forças sociais jovens, não comprometidas e ansiosas de se

desenvolverem por si mesmas, que representarão os novos e eficientes fatores de propulsão

educacional, particularmente tecnológica”. (...) ”Ao se investir da consciência para si,

objetivamente traduzida em trabalhar para si, o país ingressa no caminho da libertação, toma

73

posse dos recursos de que dispõe os constituídos pelas riquezas materiais e, sobretudo o

representado pelo mais precioso deles, a capacidade criativa dos seus elementos humanos”.

5. A invenção da técnica e a ascensão histórica dos países subdesenvolvidos. Nesse

tópico o sábio Vieira Pinto enfatiza a necessidade de partir da realidade objetiva do país

atrasado para se criar uma consciência para si por parte das massas de trabalhadores com

vistas à invenção de sua própria tecnologia e sua ascensão histórica. Para isso, a descoberta e o

conhecimento da realidade do país atrasado são capitais, Desconstruindo o falso conceito de

que a invenção e o progresso da técnica repousam em si mesmos ele afirma que, nos campos

interno e externo, os “ideólogos do imperialismo não se cansam de entoar a serenata da auto-

reprodução para a técnica, cuja letra declara que os países desenvolvidos serão sempre os que

mais se desenvolvem sem indicar o papel da consciência e do trabalho das massas”. Com essa

ladainha esses ideólogos encobrem o fato de se exigir para a invenção da técnica a mediação

humana que “equivale a introduzir no problema um fator incerto, de dominação jamais

absoluta, o pensamento humano, em virtude da possibilidade do surgimento da livre

consciência para si, no curso do progresso da invenção” (...) ”O desenvolvimento da técnica tem

como causa não a expansão espontânea dela mesma, mas o desenvolvimento da razão humana

na progressiva e jamais interrompida conquista da natureza”. Em seguida a essa acertiva o

filósofo desconstrói as falsas teses e ingenuidades do ensaísta Jacques Ellul explícitas no seu

livro “A Técnica e o Desafio do Século” (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968).

6. O espantalho da técnica e as maliciosas intenções desse conceito. Trata-se nesse

tópico a contextualização que pretende justificar a “dominação do homem pelo homem por

intermédio da técnica, descarregando a culpa sobre ela”. Nas suas severas críticas àqueles que

chamam de “agentes propagadores da ideologia da submissão”, Vieira Pinto, mostra que

“atrás da técnica existe sempre outro homem, aquele que a concebeu, montou-a como

instituição social, tornou-se proprietário dela e apropriou-se dos bons resultados produzidos.

Deste modo nunca será a técnica, que não é ninguém, quem dominará o homem, mas outro

homem. Na verdade, com a técnica o que um grupo social faz é a montagem da estrutura de

dominação”. Continuando suas críticas aos ideólogos da submissão, Vieira Pinto, mostra o que

“está acontecendo, porém é um fato de ordem social, e não existencial. A técnica irá deixando

de ser propriedade privada para se tornar propriedade da sociedade inteira, e, portanto de

todos os homens, à medida que forem desaparecendo os antagonismos entre o indivíduo

trabalhador e grupos espoliadores seletos, que exercem domínio sobre o conjunto de seus

74

semelhantes.” Ao contrário das maléficas intenções dos ideólogos da submissão através de suas

maliciosas intervenções sobre os espantalhos da técnica, esta pela sua natureza de mediação

tem-se prestado a servir de biombo para a ocultação dos exploradores agora, com êxitos cada

vez menores. Ainda, nesse tópico, o filósofo faz ver ao leitor que “o homem só inventa as

técnicas de que necessita em cada época, e são aquelas que podem ser descobertas no tempo

considerado, em função, e com o auxílio, das que tem à disposição, ou seja, com base na

realidade material das que se acham ao seu alcance.”

7. As novas formas do espantalho da técnica surgidas com a automação. Aqui, nesse

tópico Álvaro Viera Pinto retoma sua crítica anterior e, em determinado momento, desconstrói

o pensamento e as teses de Michael Harrington explícitas nos seus livros: “A Revolução

Tecnológica e a Decadência Contemporânea” (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967) e “A

Outra América” (Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1964). Em suas críticas ao pensamento

daquele ensaísta, pregadores da “perda do paraíso”, com o desenvolvimento da técnica no

período histórico contemporâneo com o processo de automação, como novo espantalho da

técnica, ele é enfático em afirmar: “importa aqui, porém, como sempre, mostrar a intencional

distorção dos fatos históricos enquanto maliciosa manobra da consciência ideológica

dominadora. Esse pensador anacrônico projeta no futuro, por temê-lo espavorido, a perda da

racionalidade humana. Para o filósofo dialético, que abrange a totalidade do processo de

hominização o que ocorreu de fato no curso da história foi exatamente o contrário”. Em sua

crítica ao espantalho da técnica surgida com a automação cibernética o filósofo ironicamente

responde àqueles maliciosos ensaístas, que pregam o domínio da técnica sobre os humanos,

que “a única coisa sensata – a última - que o homem tem a fazer é imobilizar-se, oferecer-se às

máquinas pensantes e implorar-lhes que lhe digam o que ele é”. Esses pregoeiros derrotistas

dos humanos e apologistas da técnica dominadora esquecem que “o acréscimo de

racionalidade consiste necessariamente no avanço para o futuro nunca no retorno à

Antiguidade remota ou próxima”.

8. Tecnologia e trabalho. O trabalho como modo de ser do homem. O conceito de

valor do Trabalho. A teoria da ética. Neste tópico do livro de Álvaro Vieira Pinto o leitor

depreende que ele atualiza e inova vários pensamentos de Karl Marx trazendo, assim,

contribuição ao método marxista. Revisita a teoria marxista do valor trabalho sem transbordar

para a economia política em termos de: valor, valor de uso e valor de troca, inerentes a toda e

qualquer mercadoria. “O trabalho constitui um diferencial do homem, nos aspectos definidos no

75

seu ser, tal como a técnica, porque não se pode conceber o indivíduo humano senão em sua

qualidade de trabalho”. (...) ”O homem tem de trabalhar, porque essa é a via que

biologicamente o processo de hominização tomou, quando o modo de produção da existência

para esse ser revestiu-se do caráter de produção social”. A partir desta acertiva o filósofo afirma

que os valores éticos estão imbricados ao processo de trabalho humano por ter sua gênese nas

relações sociais de produção. Assim, fica explícito que “o interesse último e definitivo de todo

código ético é o trabalho”, embora em todos os modos de produção, salvo no comunismo

primitivo ou tribal, se caracterizou pela sacralização da exploração do homem pelo homem,

razão pela qual “a figura do único robô real até hoje criado pelo homem, o trabalhador dirigido

pelo patrão”. É, sem dúvida, na acertiva supra que descansa a alienação do ser humano no

processo de trabalho, ou seja, quando perde sua essência com a obrigação de vender sua força

de trabalho a outro (capitalista) para poder subsistir socialmente.

9. Essência e forma do trabalho. A teoria dos valores representados pelos modos de

trabalho. Nesse tópico o filósofo Álvaro Vieira Pinto dá continuação a sua revisitação ao

método marxista atualizando alguns conceitos da teoria dos valores representados pelos

modos de trabalhar. Ainda, nesse item do seu livro, o filósofo adverte que “a mudança das

formas de trabalho, porque nelas se incluem as tecnologias, pertence à faixa cultural da

realidade social, mas em virtude da ação recíproca entre elas, forma e essência atuam

igualmente como fatores preparatórios da futura substituição da essência”. (...) “A significação

do trabalho conserva-se sempre a mesma e consiste na resolução de uma contradição vital, mas

o modo graças ao qual se realiza varia com a espantosa escala de sucessão e aperfeiçoamento

das técnicas por nós conhecidas”. Em suas análises o pensador afirma que “nunca o homem

será mais racional do que quando estiver cercado de máquinas efetivamente ao seu serviço,

desde que, por uma aberração do sistema de convivência social, não seja ele quem esteja

subordinado a elas”. Conclui o tópico do capítulo com a acertiva de “a substituição de valores

forma o âmago do processo de emancipação de que tanto falam os escritores progressistas, e

naturalmente se verificará em todos os terrenos, político, moral, econômico, jurídico, espiritual,

educacional, tecnológico e científico”.

10. O agente e o instrumento no trabalho em máquinas mecânicas ou cibernéticas.

Nesse item do capítulo V o filósofo Álvaro Vieira Pinto dá uma verdadeira aula sobre a

formação e evolução do primata hominídeo até o ser humano pela sua contradição com a

natureza que o leva a se tornar o único ser vivo no planeta a ser dotado de cultura. “A

76

passagem do estado biológico ao cultural dá-se pela mediação da existência humana

desenrolando-se em condições sociais, a saber, pela produção econômica da vida”, (...)

“Máquina alguma, nem o mais perfeito ‘cérebro eletrônico’, ou que outro nome se dá a esta

classe de engenhos, pode ter contradições com a natureza simplesmente porque não existiria.

Por definição a máquina não pode ter contradições com as leis do mundo material”. (...) “Desde

o simples espelho da ótica até os aceleradores de partículas, vemos os aparelhos científicos

funcionarem porque neles se realizam as propriedades dos corpos que tem por função revelar”.

Depois de comentar a maldição teológica sobre o trabalho braçal explícito em Gênese 3, 19 da

Bíblia o pensador explica que “somente a dialética, manejando o instrumento conceptual da

contradição, pode explicar com clareza a diferença entre a significação do homem e a da

máquina no sistema da produção. Secundariamente, fica anulado outro temor típico do pensar

ingênuo, o do destino do homem na ‘civilização do ócio’, supostamente preparada de modo

insensato pela ciência e pela tecnologia”. Essa é a razão de “a libertação do trabalho não

significa a extinção dele, mas a mudança de qualidade, apreciada pelos efeitos exercidos pela

maioria dos homens, configura o mais auspicioso passo no caminho da realização da dignidade

humana sem de modo algum se confundir com o ócio, o dolce far niente, imagem romântica,

impossibilidade histórica”. Finalizando o tópico, em apreço, ele declara que “na comunidade

que abandonou os valores do modo de vida capitalista, o lazer será um dos bens de produção

entregue pela sociedade aos seus membros para que dele façam um meio, em mediação

destinada a servir à realização de finalidades individuais. Longe, portanto de haver um cinzento

nivelamento na sociedade que venceu a alienação e a submissão ao trabalho físico,

extenuamente, o lazer passa a ser a finalidade do trabalho coletivo da sociedade organizada

com justiça, que permitiu a cada homem não a inatividade desonrosa e infecunda, mas ao

contrário a realização de si, nos mais íntimos e pessoais desejos que moverão a ação de cada

elemento social. O ócio e o lazer adquirem a função de mediação universal para que os homens

possam passar da condição do trabalho em si, ou alienado, à do trabalho para si, desalienado,

permitindo a realização do autêntico ser do homem no trabalho exclusivamente seu”.

77

Capitulo VI. O CONCEITO DE “TECNO-ESTRUTURA”

O presente capítulo foi desenvolvido pelo eminente pensador em seis tópicos que serão

resumidos nas Anotações conforme segue e seu desenvolvimento.

1. A ideologia da “tecno-estrutura”. O filósofo Álvaro Vieira Pinto inicia o presente

tópico tratando de examinar, criticar, desconstruir e desmistificar o ideológico da “tecno-

estrutura” do pensamento do diplomata, sociólogo e economista norte americano John K.

Galbraith autor da obra “O Novo Estado Industrial” (Civilização Brasileira, 2ª Ed. Rio de Janeiro,

1969). Aquele intelectual dos EE.UU (pragmatista - plutocrata) representante do capitalismo

imperialista de estado massageia o ego dos magnatas das grandes corporações internacionais

solidificando ideologicamente pelo conceito de “tecno-estrutura” os seus poderes mais

nefastos no ato que capturaram a ONU através, principalmente, do FMI, Banco Mundial e

outros organismos internacionais que orbitam em torno do CFR (Council on Foreign Relations),

Clube de Paris, Clube de Roma e Fórum Econômico Mundial (realizado anualmente, em Davos

na Suíça) e que se estendem, em rede, a todos os estados nacionais do sistema mundo do

capitalismo. Desnudando os mitos e denunciando as fraudes da ideologia da dominação

explícita no conceito de “tecno-estrutura”, na obra de Galbraith, o filósofo Vieira Pinto explica

ao leitor que muito ao contrário da proposição daquele ideólogo da dominação “o saber, a

informação, a tecnologia não determinam novo momento histórico da posição do centro do

poder, segundo pensa Galbraith, porque na sociedade à qual se refere, aqueles conhecimentos

são mercadorias que só podem ser compradas pelos poucos possuidores do capital, que

investem no poder de compra da informação, para fazer funcionarem as grandes corporações”.

Depois de contestar e criticar os postulados ideológicos da dominação ocultados no conceito de

“tecno-estrutura”, pregados por aquele ideólogo, ele argumenta sobre a impossibilidade de

haver nova formação histórica criada pela posse da tecnologia, razão pela qual ele argumenta:

“o que ocorre na sociedade capitalista desenvolvida é a passagem à procura de nova forma de

mercadoria predominante, passagem justamente que para ser possível exige a permanência

das condições de base. Não se trata de outro modo de produzir, pois sempre a produção foi

técnica, nem de diferente sistema de relações de produção, desde que os técnicos continuam

assalariados”. (...) “Nas condições de trabalho altamente tecnificado a ‘tecno-estrutura’ retira

todo o poder do técnico, moralmente rebaixado à categoria de empregado assalariado, por

mais regiamente pago que seja”.

78

2. A “tecno-estrutura” como degradação do homem. Aprofundando sua análise,

nesse tópico do capítulo seis, Álvaro Vieira Pinto, ao contrário dos pregadores da ideologia da

“tecno-estrutura”, argumenta sobre o quanto ela degrada o ser humano no sistema mundo do

capitalismo como instrumento da dominação das grandes corporações. Dessa forma, o filósofo

vê na tecno-estrutura a diluição do verdadeiro valor humano do indivíduo numa massa

incólume de serviçais anônimos, timoratos, inseguros e robotizados. Essa é a razão pela qual “a

produção intelectual dentro da tecno-estrutura perde o sentido humano, não pertence a

ninguém, porquanto se deve a um ‘grupo’ de técnicos, comprados no mercado, que, segundo

sabemos, mostram-se pouco exigente em matéria de inteligência”. Depois de mostrar a

degradação do ser humano pela tecno-estrutura, o filósofo é contundente na sua crítica

demonstrando que “o arranjo chamado ‘trabalho em equipe’ ou a ‘equipe de trabalho’, que a

‘tecno-estrutura’ se ufana de haver criado e de fazer funcionar tão bem, com geral alegria,

esconde realmente um embuste na forma em que é apresentado. Constitui de fato um grave

problema humano de produção técnica e científica de nosso tempo, exigindo amplas

modificações sociais para ser efetivamente solucionado De modo algum se reduz às

simplicidades com que o retratam os teóricos do novo estilo de alienação do trabalho, rotulado

de ‘tecno-estrutura’.” (...) “O técnico tem, por conseguinte, de tornar-se maleável e dócil,

chegando a alguns casos ao inconcebível grau de robotização em que aceita a incumbência de

fabricar com inconsciente alegria. requintados melhoramentos para a guerra atômica ou

bacteriológica”.

3. Negócio e informação. O engodo e a fraude criada por aquele ideólogo norte

americano a que denominou de tecno-estrutura, no dizer de Vieira Pinto, não se limita apenas

as proposições acima desconstruídas, mas também, a ingênua confusão e mistura entre os

conceitos de negócio e informação com uma enganosa ponte ideológica que constrói entre os

mesmos “destinado a ocultar a ação onipresente dos verdadeiros donos do negócio”. Evidencia-

se assim “a periculosidade da consciência maliciosa, que lança mão do truque da substituição

de rótulos para produzir efeitos sugestivos antagônicos, transmudando o bom em ruim, ou o

ruim em bom, o negócio capitalista em tecno-estrutura e a direção das organizações industriais

em um centro de informações, enquanto por baixo da manobra vocabular permanece invariável

e fato real”. Os empresários e a plutocracia tecno-burocrática do estado nacional a título de:

“coordenar”, “assessorar”, “organizar” ou “planejar” cria “uma penca de parasitas das

organizações empresariais e do Estado, alojados no sem-fim de comissões e comissões de

79

comissões, numa delirante catadupa de órgãos e subórgãos administrativos sem término

visível”. (...) “Verifica-se então que um dos traços exibidos pela ‘racionalidade’ da estrutura

encontra-se na indispensável presença de elementos ociosos, de emprego simbólico, simulado

ou duvidoso, oriundos da mesma alta esfera, e que não podem ser abandonados ao Léo nem

deixados ao relento, sob pena de desagregação do grupo”.

4. O embuste do conceito de “decisão de grupo”. Outra mistificação dessa maliciosa

ideologia que supostamente valoriza a técnica e os técnicos estão no seu enunciado de

“decisão de grupo”, denunciada por Vieira Pinto. Segundo o filósofo a “decisão de grupo”

criada e pregada por Galbraith em sua obra “constitui mais um embuste destinado, igualzinho

aos anteriores, por um lado a inocentar os únicos personagens efetivamente dotados de força

decisória, encobrindo-os tanto quanto possível, não os deixando aparecerem como tais a luz das

gambiarras, providência muito acertada porque lhes poupa a maior parte dos dissabores que o

exercício de poder acarreta, e por outro lado visa a lisonjear os técnicos, os assessores, os

projetistas, os tocadores de computadores e toda a variada fauna dos componentes da ‘tecno-

estrutura’’. (...) “Por conseguinte, o plano de ‘decisão de grupo’ mostra-se soberano, mas com

duas limitações. Uma proveniente de grupos isomorfos de empresas concorrentes ou de que

outro tipo sejam com as quais tem que lutar, ou ainda de grupos diferentes da mesma

organização, desejosos, porém, de meterem o bedelho onde não devem. A segunda limitação

provém do pequeno centro de proprietários ou maiores acionistas da corporação, que em casos

especiais, na verdade permanentemente, intervém no grupo de decisões formado pelos

tecnocratas, fiscaliza-o e dita em última instância a linha final de conduta, de forma velada,

polida sob ameaças tenuemente insinuadas, quando não na ‘base do berro’, como se costuma

dizer, revelando a habitual finura de trato desses importantes cavalheiros”.

5. A essência da “tecno-estrutura”. Nesse tópico o filosofo Vieira Pinto além de

mostrar a periculosidade da ideologia da “tecno-estrutura” ele demonstra de forma crítica a sua

essência ideológica em querer camuflar e negar a oposição entre o capital e o trabalho, assim

como, a luta de classes no sistema mundo do capitalismo remetendo o fenômeno para os

primórdios da revolução industrial. Para isso essa maléfica ideologia procura dar a entender

que as corporações imperialistas são democráticas, na medida em que os poderes de decisão

das mesmas não são dos detentores do capital, mas da chamada classe média (tecnocratas,

burocratas, intelectuais) subvertendo, assim, os fatos históricos. Sua essência está ainda, em

omitir os poderes dos capitalistas acionista das corporações imperialistas e, dessa forma, a

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ideologia da “tecno-estrutura” transfere, divulga e prega a falácia das corporações terem

imbricado em si um humanismo organizacional em pró das sociedades em que se fazem

presentes. No dizer de Vieira Pinto “é escusado dizer que esta variação do mesmo tema

mistificador refere-se ao fato de já muito conhecido, da união geral de interesses das nações

capitalistas, obrigadas a se organizar em forma de mercados comuns, novos Avatares que

ajudam a esconder as permanentes finalidades da política imperialista dos grandes países

desenvolvidos”. (...) “As reflexões precedentes confirmam tudo quanto dissemos anteriormente

sobre a malignidade da noção de ’tecno-estrutura’ na verdade destinada a satisfazer um

objetivo teórico bem mais extenso do que a princípio se poderia esperar”.

6. A “tecno-estrutura” como modelo de desenvolvimento econômico. A ética da

“tecno-estrutura” e as recompensas prometidas aos técnicos que a integram. Finalizando o

capítulo VI com este tópico Vieira Pinto ao contextualizar a tecno-estrutura como modelo de

desenvolvimento econômico ele afirma que “são as massas trabalhadoras que instituem a

origem de todas as criações culturais e filosóficas, ciência, arte, indústria, tecnologia, são elas,

portanto as autênticas detentoras da racionalidade. Pelo grau em que determinada

comunidade realiza objetivamente os interesses delas mede-se o progresso da razão na história

universalmente, e na de cada povo em particular”. Como modelo de desenvolvimento

econômico a noção de tecno-estrutura deve ser abolida em todo e qualquer país atrasado na

medida em que é um instrumento sutil do imperialismo como centro de poder da organização

empresarial corporativa, servindo de hipocrisia sociológica aos intelectuais desavisados e

alienados dos países periféricos. Diz ainda o filósofo, que “o conceito de ‘modelo’ comporta

nesse projeto imperialista dois significados perniciosos, além de falsos, para os discípulos

primários: apresentar-se como solução única a ser copiada; e afirmar, contra a verdade dos

fatos, sua perfeição”. Essa enganadora ideologia do sistema mundo do capitalismo procura

ocultar o fato de que “o poder sempre pertence a uma classe restrita de indivíduos, definida por

sua função específica na produção social. Os técnicos não passam de trabalhadores intelectuais,

ou a meio caminho na escala entre os intelectuais e os braçais assalariados, por modalidades

atualmente disfarçadas com novos nomes e diferentes canais de pagamento, mas não menos

explorados do que as massas trabalhadoras em geral, sofrendo ademais a agravante de serem

doutrinados para não chegarem à consciência de sua situação e para se julgarem superiores aos

confrades operários, servindo na qualidade de exemplos, de instrumentos para a domesticação

destes últimos”. Sua ética “consiste numa ríspida confraria de moralistas, composta de

81

funcionários exemplares, devotados à conquista da sagrada finalidade da ‘maximização dos

lucros’, não para si, mas para um punhado de outros indivíduos que os professos desconhecem,

porém aos quais servem com a filial piedade devida ao patrão benfazejo”. Em nenhuma

hipótese se deve fazer uso dessa ideologia de dominação como paradigma de um autêntico

processo de desenvolvimento econômico, social e tecnológico em um país periférico ou

atrasado. Por isso essa concepção ideológica de “tecno-estrutura” (que foi e ainda é muito

usada nas academias no Brasil) precisa ser denunciada como um dos mais nocivos embustes

para seu autêntico desenvolvimento econômico, social e tecnológico.

82

Capítulo VII. DESENVOLVIMENTO E CATEGORIAS DA RAZÃO TÉCNICA

Este capítulo do livro “O Conceito de Tecnologia”, produzido pelo pensador-filósofo

Álvaro Vieira Pinto foi desenvolvido em dez tópicos cujas sinóticas Anotações seguem o

mesmo estilo e diapasão dos capítulos anteriores. Ressalve-se que este capítulo sétimo encerra

o primeiro volume com suas 531 páginas da monumental obra em discussão.

1. O autêntico caráter da razão técnica. Segundo o filósofo o autêntico caráter da

razão técnica está no ser humano que se revela como seu único e exclusivo sujeito ou agente,

isto é, não é a técnica que se racionaliza, mas sim o ente humano. Esta é a razão pela qual “o

destino da técnica, que jamais alcança a perfeição estabilizadora, em virtude do incessante

progresso de avanço da razão”. (...) “O esgotamento do conhecimento daquilo que há de

racional na técnica atualmente utilizada consiste exatamente em descobrir novos aspectos

racionais, outras possibilidades de produzir efeitos, que nela estavam contidos, mas não eram

compreendidos e por isso não podiam ser realizados por ela”. (...) “Toda técnica, por

conseguinte não só conduz a melhora de atos que já se vinham praticando, em modos menos

racionais e, portanto menos úteis, mas leva também à descoberta de outros, que representarão

inédito e constante florescimento da racionalidade”. Segundo, ainda, Álvaro Vieira Pinto o

progresso da razão técnica, consiste “na agilidade de combinar idéias preexistentes e de

inventar procedimentos que deverão ser depois transferidos para o plano da realidade material,

onde irão frutificar em técnicas e máquinas”. No planeta terra o único ser vivo a doar sentido é

o ser humano pela sua razão. Nem mesmo a natureza tem essa capacidade de doar sentido na

medida em que só age e reage por causa e efeito. A razão técnica está devidamente imbricada

na cultura do ente humano pelas virtualidades da: sociedade, linguagem e arte.

2. Os dois aspectos do processo da razão. O homem como produtor do que

consome. Nesse tópico são vistos e analisados pelo pensador Álvaro Vieira Pinto os dois

aspectos do processo da razão, ou seja, o elemento subjetivo que é a idéia tornada finalidade e

o comportamento em quanto fato ocorrido no desenrolar das transformações do mundo físico-

natural. Quanto ao produzir para consumir o filosofo afirma que “todos os seres do mundo vivo,

vegetais e animais, anteriores ao homem não consomem o que produzem. Distinguem-se

precisamente por consumirem o que não produziram. Consumir o que produz só o homem fará.

Este fato possui tão capital relevância que por ele se define a qualidade mais característica do

83

homem. De fato, para realizar essa façanha fica suposto que o ser vivo capaz de executá-la

mostra-se habilitado antes de produzir o que irá consumir sob forma de projeto de produzir

para si. Ora, dizer projeto significa referir-se a um ato de consciência que não se encontra em

nenhum animal, por adiantado que seja, porquanto exige a prévia constituição, a título de

finalidade subjetivamente concebida, da idéia daquilo que irá produzir”. Explica o filósofo que

todo ser vivo, exceto o ente humano, só consome o que a natureza lhe oferece e lhe impõe

aproveitar sob pena de extinção. Essa é a razão de o animal desprovido de consciência não ter

contradição com a natureza, como também às máquinas e aparelhos construídos pelos entes

humanos. Por várias razões analisadas, no tópico pelo emérito pensador, permite ao leitor

concluir que entre todas as razões a mais importante e essencial produção humana é o mundo

social em que vive. Nele o ente humano deixa de produzir não exclusivamente para si, mas para

o outro o que implica, também, ter um consumo em sociedade.

3. A razão é o resultado e a origem da faculdade de produzir. O fundamento social

da invenção. É obvio que o desenvolvimento da razão humana está no processo evolutivo da

sua capacidade e do seu aperfeiçoamento em produzir. Sabe-se, também que a produção está

imbricada a habilidade de inovar e inventar no processo de trabalho e não adaptar-se a

repetição de um automatismo biológico. Vale dizer que a razão humana descansa na

necessidade de os humanos viverem em sociedade onde depositam conhecimentos pela

cultura acumulada dos instrumentos de trabalho que viabilizam os aperfeiçoamentos da

tecnologia, da arte em seu processo vital e de controle da natureza. Por isso o viver em

sociedade dos humanos é que o leva ao fundamento social da invenção. Esse fato faz o filosofo

Álvaro Vieira Pinto argumentar que “o animal antropóide em via de hominização originou em si

uma nova faculdade de organização nervosa superior, a racionalidade, a saber, a capacidade de

representar em si, sob a forma de idéias abstratas as propriedades dos corpos e as leis dos

fenômenos naturais”. Politizando o leitor em termos de fenômenos concretos ele afirma que

“sem dúvida o mundo dos artefatos repousa sobre as substâncias naturais as matérias primas,

mas no plano do consumo direto do civilizado as últimas são ignoradas, figurando somente na

mira dos dirigentes da produção econômica, que por elas lutam num conflito feroz entre

potências predadoras, colonialistas e imperialistas, onde são sacrificados os autênticos

interesses humanos, inclusive a vida de milhões de homens”. (...) ”O homem consome

atualmente, a bem dizer a sua própria razão, sob a espécie de bens de utilidades”.

84

4. As categorias dialéticas do “ter” e do “haver”. Na visão de Vieira Pinto o “ter” e o

“haver” constituem “categorias dialéticas materiais distintas, refletindo a transmudação

biológica criadora do animal hominizado e expressando o aparecimento e o pleno exercício da

existência social”. (...) “Em tal situação o ‘haver depende do estado social e econômico do

indivíduo conforme apropriadamente se espelha na expressão ‘os haveres’”. (...) “O ‘ter’ que

representa um dado bruto da realidade natural, determinada substância, propriedade dos

corpos ou produto espontâneo do mundo vivo, que se oferece com o surgimento da sociedade”.

Depois de explicar dialeticamente e em detalhes a diferenciação do “ter” e do “haver” ele

afirma que “a passagem do ‘ter’ ao ‘haver’ diferencia existencialmente o modo de ser animal e

o humano, sendo marcada por duas importantes qualificações: (a) inaugura-se o regime de

trabalho produtivo como meio de acesso às disponibilidades da natureza; e (b) inicia-se o

processo de distanciamento do homem em relação aos dados imediatos do mundo natural, que

agora precisam ser conhecidos, e, portanto exigem mediações para se converterem em bens de

uso. O último aspecto indica o nascimento da tecnologia, coetâneo ao da hominização, porque

a passagem do ‘ter’ ao ‘haver’, constituindo a essência da produção, é obra da técnica. Vemos,

portanto, que a técnica, por este ângulo, revela ser a mediação transformadora do ‘ter’ em

‘haver’”.

5. A luta pela hominização e suas fases, primitivamente biológica e depois social.

Como o próprio tópico indica o filosofo Álvaro Vieira Pinto transita no, seu raciocínio, pelas

fases do processo de hominização do animal primata ao humano passando pela luta contra

seus predadores e fenômenos climáticos e ambientais da natureza até a origem das linguagens

já vivendo em sociedades que permitiu a comunicação pelo conhecimento reflexivo e não mais

repetitivo para sua evolução em diferentes gêneros homo, hoje extintos, salvo o sapiens

sapiens que, posteriormente criou a escrita, e conseguiu e consegue controlar a natureza para

sua subsistência em diferentes e diversificados modos de produção social, com diferentes

divisão social do trabalho, e níveis de tecnologia, originando nas sociedades a violência da

exploração de um homem por outro homem que segundo Hobes, no Leviatã, afirma ser o

homem o lobo do próprio homem. Aprofundando seu raciocínio sobre os processos em tela o

filósofo enfatiza, no tópico, a possibilidade de surgimento de uma época “em que cessará o

estado de contradição social, dando lugar a uma forma de convívio humano interiormente

pacificado pela supressão das discriminações e pelo êxito completo da exploração do único ser

que o homem tem o legítimo direito de explorar, porque o conquistou na primeva luta pela

85

constituição da espécie, a natureza”. Ainda, neste item do seu livro e dessas Anotações o

grande pensador brasileiro adverte que “as leis biológicas tem vigência necessária e imediata

sobre os homens, como não poderia deixar de ser, mas são mediatizadas pelas leis sociais, e por

isso na perspectiva proposta por estas é que se terá de atingir e estudar o plano biológico

fundamental. Daí a prioridade da luta pela transformação da sociedade. Por conseguinte,

enquanto persistirem as circunstâncias discriminatórias, o principal objetivo de qualquer ação

libertadora do homem situa-se no plano social”.

6. O ”complexo de Herodes”. Ao defender a tese de que “o principal produto do

homem é o homem”, Álvaro Vieira Pinto investe contra os defensores das idéias malthusianas,

na velha ou na nova versão, que, “por de todos intereresseiros e ligados as consolidação do

domínio dos países imperialistas, proclamam a noção ingênua da ‘explosão populacional’, como

se tal fenômeno alguma vez em qualquer tempo tivesse acontecido ou pudesse jamais

acontecer.” (...) “Este conceito cientificamente errôneo, destituído de fundamento objetivo e

moralmente repugnante, dadas as origens espúrias e as finalidades a que serve, passou agora a

ser usado a título de argumento sociológico para impressionar a imaginação do público

teledirigido, especialmente as classes semicultas, em particular os médicos dos países cultural e

politicamente subjugados”. Combatendo esse disfarçado e perverso genocídio de populações

humanas pobres e indefesas, muitas ainda, não nascidas. Essa abominável e repugnante idéia

de controle de natalidade nos países pobres do planeta torna-se mais detestável e imoral

política genocida do imperialismo oriundo do sistema mundo do capitalismo em sua fase de

globalização. Tanto é assim que Vieira Pinto ao combater e argumentar contra tal política

mostra com clareza no capítulo “que o aumento da população das áreas subdesenvolvidas

compõe o mais importante fator, a máxima riqueza de que dispõem na época atual os países

pobres para a rápida ascensão histórica, em vista da possibilidade do surgimento da consciência

crítica de si e da apropriação do progresso tecnológico, cada vez mais dificilmente conservado

em estado de segredo metropolitano”. Sua indignação e seus argumentos contra a política de

controle da natalidade levou o filósofo e pensador a proferir o texto a seguir: “A teoria e a

prática do controle da natalidade, principal imposição atualmente feita pelos centros

imperialistas aos povos subdesenvolvidos e colonizada, enquadram-se numa fórmula de

concepção e de comportamento políticos a que julgamos caber, com justeza, o nome de

‘complexo de Herodes’. Escolhemos o nome, alusão ao mito bíblico da matança dos inocentes,

porque nos parece resumir num conceito único, facilmente memorizável, o estado de espírito, a

86

ética, os interesses e os procedimentos que movem a mentalidade e a ação dos dirigentes das

nações hegemônicas e seus cúmplices nas regiões indefesas”. (...) “A sentença política que, sob

o esburacado véu de concentrações científicas, impõe a pena da imolação dos nasciturnos é

ditada pela potência imperialista como punição pela culpa atual das populações pobres de se

multiplicarem ‘excessivamente’, mas na verdade visa a servir de meio preventivo contra a

proliferação de uma próxima geração de jovens reclamadores. O ‘complexo de Herodes’ define-

se pelo horror aos recém-nascidos, à infância, de onde surgirão as multidões jovens cada vez

mais numerosas e reivindicadoras de amanhã, as que pedirão contras às gerações adultas da

forma de sociedade que organizaram para a mocidade”. Depois de muito argumentar contra a

ação imperialista dos países cêntricos contra os pobres do mundo através da política de

controle a natalidade Vieira Pinto trata da “vingança” dos oprimidos e afirma: “Se depois a

‘vingança’ se exteriorizar em ações oriundas de uma consciência de si, esclarecida, sabedora

das finalidades que deseja alcançar, e pelas quais lutará, este fato concretiza apena a

probabilidade biológica, que sempre resta a uma população votada ao massacre, de alguns de

seus membros salvos da fúria assassina dos atuais servidores do rei Herodes (Mateus, 2, 16),

hoje disfarçados em economistas, demógrafos, ginecologistas, jornalistas, missionários,

políticos e até sacerdotes de religiões que se presumiriam humanitários”. Antes de concluir seu

pensamento sobre o “complexo de Herodes”, por ele apelidado em suas digressões sobre a

política imperialista de controle da natalidade, ele explica que “justifica-se nossa digressão

sobre a questão do neomalthusianismo, aparentemente, não obrigatória no estudo do tema do

presente ensaio, porque ao mesmo tempo em que aproveitamos a oportunidade para

desmascarar um dos mais virulentos e desleais golpes ideológicos do imperialismo, que se

apresenta sob a flórida nomenclatura de ‘regulação da natalidade’, ‘planejamento familiar’,

‘reajuste biosociológico’ e mil outras designações despistadoras, comprovamos o significado

das criações científicas e tecnológicas enquanto antecipações da razão técnica, sempre com a

mesma finalidade de superar contradições impostas à existência, seja por fatores naturais

objetivos adversos, removidos pelos resultados da criação teórica decorrente do conhecimento

das leis dos fenômenos, sejam por fatores objetivos sociais a serem vencidos pela instituição de

um sistema racional de convivência humana”.

7. A expansão da razão, movimento correlato à expansão da população. Esse tópico

é visto pelo filósofo, no seu livro, como uma continuidade do anterior de forma a desnudar e

desmistificar o fenômeno da fome e de outros flagelos pelo excesso de populações. Ele

87

explicita, de forma clara, a intenção de se escamotear o processo de apropriação da produção e

da distribuição dos bens econômicos por uma classe de expropriadores capitalistas que

desafiam a expansão da razão humana atribuindo as adversidades e flagelos à expansão da

população. Essa é a razão pela qual Vieira Pinto mostra que “o vício da argumentação dos

herodianos de todos os tempos consiste em querer manter no plano biológico, interpretando-o

em caráter abstrato, a contradição entre o homem e a natureza – uma situação que na verdade

retrata exclusivamente uma contradição social concreta, a injusta estrutura da sociedade,

impedindo a distribuição equitativa dos benefícios que o progresso cultural permite à

humanidade colher, no grau de avanço do conhecimento existente em cada época”. Perto de

finalizar seu raciocínio sobre o tópico em tela ele afirma “sabemos perfeitamente que o

interesse dos dirigentes ovocidas das classes abastadas do centro imperial reside na contenção

da multiplicação do eventual exército inimigo, destruindo-o antes de vir a existir, num gesto

intencional de ‘canibalismo preventivo’”.

8. O desenvolvimento da razão técnica, reflexo do desenvolvimento da razão

teórica. “A técnica do futuro tem de ser criada com base na do presente. Já por isso representa

o prolongamento da razão técnica. Mas, sendo um processo, esse movimento não resulta de

uma determinação causal formal, e sim se produz pela intervenção da mediação dialética

constituída pela inteligência humana. A tecnologia progride sem cessar porque faz progredir a

razão subjetiva que apreende os efeitos dela sobre a produção material de bens e as influencias

exercidas nas relações sociais entre os homens durante o trabalho”. É assim que, sinoticamente,

o filósofo Vieira Pinto reflete o desenvolvimento da razão técnica demonstrando-a como

reflexo do desenvolvimento da razão teórica. Ao analisar o posicionamento dos teóricos da

cibernética ele conclui o tópico dizendo. “A consideração das relações entre a razão teórica e a

razão técnica dirige-se a um tema de suma importância para o julgamento da época presente,

na qual nos deparamos com artefatos produzidos pela avançada tecnologia e métodos de

interpretação da realidade, os servomecanismos e os processos de direção e controles

cibernéticos, onde se verifica o aparecimento de formas novas de atividade intelectual criadora

no domínio da técnica que propõe questões até aqui insuspeitadas, as quais somente podem

encontrar solução, segundo nosso modo de entender, com o auxílio da lógica dialética”.

9. O caráter simultaneamente contínuo e descontinuo do desenvolvimento. Este

aspecto da imbricação do desenvolvimento com a tecnologia é considerado pelo filósofo Vieira

Pinto como muito importante para entender esse fenômeno pela lei imanente que por força da

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qual “cada técnica aponta os melhoramentos a sofrer, e por fim aquela que a deve substituir”.

Para compreender esse fenômeno o filosofa faz ver que dialeticamente “o processo da razão

técnica mostra-se contínuo quando o observarmos na sucessão oscilante dos produtos que o

compõem e das idéias inspiradoras da trama da sua fabricação; mas apresenta-se descontínuo,

se consideramos que entre um objeto técnico e o seguinte, ou entre uma idéia técnica e a que

sucede a ela dá-se a acumulação quantitativa do conhecimento científico, que propicia a

transformação qualitativa introduzida pela nova técnica emergente. De fato é preciso que certo

aparelho técnico encontre uso generalizado, difunda-se ou se multiplique em grande

quantidade para surgir a oportunidade de a razão inventiva perceber a possibilidade de incluir

nele uma modificação distintiva, ou, no caso extremo, inventar outro, fundado em princípio

diferente para substituí-lo”.

10. Passagem ao exame do conceito de “reinício da história”. Com este tópico

Álvaro Vieira Pinto conclui a parte dois e o volume 1 do seu livro “O Conceito de Tecnologia”

fazendo severas criticas àqueles que, ingenuamente, preconizam “o fim da história” ou o

“reinício da história” pela chamada “era ou revolução cibernética”. Satirizando ele afirma: “o

Prometeu cibernético, o robô onisciente e onipotente, eliminou o homem, ao roubar-lhe o fogo

da razão”.

89

VOLUME 2

“Para a mentalidade ingênua a nação é coisa que “já existe”, e

precisamente existe enquanto coisa. Está feita, sua realidade é completa,

ainda que se admitisse que sofresse modificações ao longo da história. (...)

Ora, o que a consciência crítica desvendará é justamente o oposto: é a

minha atividade que torna possível a existência da nação. A nação não

existe como fato, mas como projeto. Não é o que no presente a

comunidade é, mas o que pretende ser, entendendo-se a palavra

“pretende” em sentido literal, como “pré-tender”, tender para um estado

real. (...) A comunidade constitui a nação ao pretender ser, porque é assim

que a constitui no projeto de onde deriva a atividade criadora, o trabalho.

A nação resulta, pois, de um projeto da comunidade, posto em execução

sob a forma de trabalho”.

Álvaro Vieira Pinto

Consciência e Realidade Nacional, 1960.

90

PARTE III - QUESTÕES DA TECNOLOGIA ATUAL

Esta parte três da obra “O Conceito de Tecnologia” trata de sete capítulos (VIII, IX, X,

XI, XII, XIII E XIV) que terão suas Anotações apresentadas de forma sinótica segundo a lógica e

procedimentos apresentados pelo Autor no volume 1 da monumental obra científica de Álvaro

Vieira Pinto. Nestas Anotações do segundo volume, em suas partes três e quatro com seus

respectivos capítulos, o leitor tem a oportunidade de lidar, além do conceito de tecnologia, com

as categorias de informação e comunicação como conteúdo da ciência cibernética.

91

CAPÍTULO VIII. TEMAS PROPOSTOS PELA CIBERNÉTICA

Neste capítulo o filósofo dá inicio as suas análises desmascarando a concepção

“lotérica da história” denunciando que “poderosos escritos imperialistas planejam em

gigantescos computadores, obedecendo aos teoremas da teoria matemática dos jogos, a

estratégia mais eficiente para matar populações subdesenvolvidas, não é só a equiparação não

simbólica mas real da vida humana a uma carta de baralho que nos enche de horror, enquanto

prova de insenssibilidade moral”. Não é atoa que o braço armado dos países imperialistas do

chamado mundo ocidental que é a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) já vem

destruindo inúmeras populações subdesenvolvidas como são exemplos as da extinta Iugoslávia,

do Iraque, da Líbia e do Afeganistão só não entrando na Síria (agora em guerra civil) pela

ferrenha oposição da Rússia e da China no Conselho de Segurança da ONU que, também,

fustiga permanentemente o Irã e a Coréia do Norte. Por todas essas razões já previstas ele fazia

a seguinte advertência: “finalmente chegou a ora do término da funesta situação

habitualmente expressa no mote corrente ‘a exploração do homem pelo homem’ substituído

agora pela imparcial, infalível, racional e esperançosa divisa: ‘a submissão do homem às

máquinas calculadoras’, chamadas pelos ideólogos dos centros metropolitanos ‘maquinas de

governar’”.

1. A crença na renovação da história pelo surgimento da cibernética e das máquinas

processadoras de atividades intelectuais. Nesse tópico se questiona a natureza dos produtos

da inteligência cibernética com as finalidades e o destino dos seres humanos. Essa é a razão do

filósofo analisar “o papel que a cibernética desempenha nos vários ramos ainda mal

entrelaçados e também imperfeitamente delimitados em que se subdivide, a saber, a

automação, a técnica dos computadores, a teoria da informação, a teoria dos sistemas, a da

regulação, a teoria matemática dos jogos, a teoria dos algorítimos, entre outros”. Além de

proceder a crítica à crença na renovação da história pela cibernética e máquinas processadoras

de atividades itelectuais, Vieira Pinto, trata, também, dos problemas gerais que dizem respeito

à compreensão da máquina, da técnica e da tecnologia no desenvolvimento humano nessa

ingênua e atualmemente chamada “era tecnológica”.

2. O caráter histórico e dialético da cibernética. Neste ítem, do capítulo VIII, o

pensador Vieira Pinto, prima o leitor com explicações importantes e reveladoras do caráter

histórico e dialético da ciência cibernética. Para isso, ele desconstrói o pensar linear da lógica

92

formal daqueles que reinficam o grande progresso tecnológico da sociedade atual sem levar em

conta a dialética da história, principalmente, da lei da negação da negação. Com esse propósito

ele mostra que grandes e importantes passos ou processos da ciência cibernética, de hoje,

tiveram inicio histórico no chamado período renascentista, quando são negados os paradigmas

da órdem escolástica medieval pelos paradigmas, hoje, comhecidos como cartesianos, também,

já em acelerada fase de negação pelos paradigmas holísticos-sistêmicos induzidos da física

quântica. Referindo-se a linearidade do pensar metropolitano ele mostra que “a extravagante

idéia de que os grandes progressos técnicos da época atual deveriam concorrer para fortalecer

o regime que os possibilitou e os está executando, em vez de representarem o impulso que

engendrará nova etapa do processo da razão, espalhando suas influências inovadoras no

pensamento das massas trabalhadoras, levando-as a ter uma percepção de seu estado que nela

frutifica em projetos de modificação da realidade”.

3, A cibernética como totalidade é uma máquina cibernética. Neste ítem o filósofo

externa sua visão de que a cibernética “por sua natureza específica como ciência, só se torna

inteligível quando incorporada à compreensão dialética”. (...) “A cibernética, em totalidade,

constitui uma completa máquina cibernética à disposição do homem. Fica patente portanto que

a cibernética está indissoluvelmente ligada e subordinada ao homem”. (...) “A cibernética

compõe um dispositivo com o efeito de ciência que o homem incorporou à sua racionalidade

para melhor compreender o mundo e modificá-lo”. Com a tautologia de que “a cibernética

como totalidade é uma máquina cibernética”, o filósofo, Vieira Pinto, nos parece chamar a

atenção para o fato de o ser humano, na condição de criador e receptor do conhecimento

cibernético, fazer retroceder sua criação tecnológica, agora, não somente como extensão dos

seus membros e músculos, mas essencialmente do seu cérebro num processo indefinido de

circulação ampliada no grande circuito epistemológico da ciência e do saber tecnológico

contemporâneo.

4. Cibernética e teoria do conhecimento. Em suas análises do presente tópico, o

filósofo, parte do princípio que o ente humano “na condição de ser social, revela-se um animal

que conhece, Tão verdadeira é a presente afirmativa que somente com o auxílio dos

conhecimentos adquiridos, convertidos em idéias e expressos em palavras, é que se torna

possível configurar mentalmente e enunciar o próprio problema do conhecimento, propô-lo

como pergunta, duvidar de sua existência e seus resultados e iniciar, neste caso a partir do

nada, a ‘construção’ da teoria que o explique”. Novamente, aqui, o filósofo explicita que a

93

partir da teoria do conhecimento “toda técnica resume-se em responder a uma exigência da

sociedade. Se naturalmente são alguns poucos homens, os cientistas, preparados pelo estudo e

pela prática da pesquisa, os descobridores da resposta técnica eficaz, quase sempre

consubstanciada em inéditos procedimentos e maquinismos, não é possível deixar de levar

continuamente em conta que a exigência social é que suscita no espírito dos sábios e técnicos o

problema a resolver, dá-lhes os instrumentos culturais e as instalações materiais que permitirão

levar a efeito com sucesso suas potencialidades intelectuais de criação, surgidas da imaginação

imanente conjugada com a prática coletiva da produção. O caso da formação da cibernética,

enquanto ciência e conjunto de aparelhagens materiais, passará à história talvez como o

exemplo mais ilustrativo deste enunciado”. Sua tese principal nesse tópico é defender que o

ser humano “na condição de ser social, revela-se um animal que conhece”

5. As relações entre o homem e a cibernética. Neste ítem, suas análises vão buscar

essas relações na esperança do leitor apreendê-las como aspecto importante das relações

factuais entre os seres humanos e a ciência cibernética. È preciso não esquecer nessas relações

que toda e qualquer máquina cibernética, principalmente o computador, pertence de origem

ao ser humano e “nada lhe compete por direito independente ou transcedente, mas, ao

contrário, está obrigado a funcionar bem, regularmente para preencher as tarefas de que o

operador o encarrega”. O computador não pode criar e muito menos errar, “sem reparar que

todo esforço de reflexão e de engenhosidade tecnológica não tem sentido senão em função de

exigências humanas”. O computador e qualquer objeto ou aparelho cibernético por mais

complicado e aperfeiçoado que seja não tem contradição com a natureza e, portanto, não tem

problemas e, muito menos, consciência do que faz ou processa. Falta-lhe qualquer sentimento,

desejo e emoção. Por todas essas razões o computador e qualquer objeto ou máquina oriundo

da ciência cibernética não reproduz-se a si mesmo. É, por conseguinte sempre é um objeto e

jamais um sujeito capaz de substituir o trabalho intelectual criador do ente humano.

6. A informação como fenômeno universal ligado a todas as formas de movimento

da matéria e como fato humano. A base de classe da informação. Sua evolução cultural até

integrar-se no corpus da cibernética. Com esse extenso título, Álvaro Vieira Pinto, para este

ítem do capítulo VIII de seu livro, discorre inicialmente sobre a obra de Norbert Wiener

(considerado pai da cibernética) segundo o qual “a informação representa a idéia central da

cibernética”, fato esse que o filosofo acrescenta refletir “as necessidades da exigência humana,

origem da criação e desenvolvimento dos sistemas de informação e auto-regulação (...) definida

94

em plenitude no processo de relacionamento social dos seres humanos, e só aí é aplicada em

caráter absoluto, porque nesse nível supremo adquire o traço máximo que a define, o de ser um

existencial do homem”. A informação generativamente está contida no DNA e no gênes de

qualquer ser vivo. Quanto a base de classe da informação Vieira Pinto é categórico em

questionar que a informação no chamado período da “virada cibernética” entra na pauta dos

marqueteiros das grandes corporações como uma mercadoria imbricada ao metabolismo do

capital em termos de suas forças motrizes (lucro e poder) de tal forma a dá origem ao que hoje

chamamos de ciência da informática. Sem dúvida é nesse processo que se pode e deve estudar

e avaliar a base de classe social da informação e da informática em suas fases: empírica;

sociológica e de curta história devidamente imbricada ao lucro e poder e incorporando-se à

cultura e ao corpus da ciobernética.

7. À guisa de parêntese: dois exemplos de ingenuidade de pensamento no domínio

da cibernética e da tecnologia. Sinoticamente podemos externar o pensamento do filósofo de

forma a elusidar temas propostos pela cibernética. O primeiro exemplo de ingenuidade

analisada e desconstruida pelo filósofo Vieira Pinto é a definição do reconhecido biologo e

matemático inglês W. Ross Ashby sobre a noção de estado de um sistema em seu livro

“Introdução a Cibernética” (São Paulo, Perspectiva,1976) . A definição “entendemos por estado

de um sistema qualquer condição ou propriedade bem definida que possa ser reconhecida se

ocorrer de novo” é tautológica. De acordo com Vieira Pinto essa definição de estado de um

sistema “contém evidente tautologia. O autor não percebeu que a expressão ‘ocorrer de novo’

equivale a ‘ser reconhecida’. Com efeito, como poderemos saber se um ‘estado’ ocorreu de

novo’? A resposta é uma só: se reconhecermos como já tendo ocorrido. Logo, ‘ocorreu de novo’

e ’ser reconhecido’ são exatamente a mesma coisa, Um termo não pode servir de predicado a

uma proposição definidora de outra, pois é precisamente isso que se chama tautologia”. Ainda,

segundo Vieira Pinto, “a definição de “estado de um sistema”, para ter a generalidade que lhe

compete, deve ser de caráter objetivo, visto referir-se a sucessivas situações ou condições da

realidade, por conseguinte de um ser existente fora da consciência. Ora, esta exigência é

descomprida pela definição de Ashby. A proposição há pouco reproduzida manifesta

patentemente sua natureza inteiramente subjetiva. Tal caráter é, no entanto, inaceitável numa

definição que deve valer para sucessivos modos de ser de uma máquina ou funcionamento de

um organismo”. O segundo exemplo (contido entre outros) para expressar o pensar ingênuo no

domínio da cibernética encontram-se em autores “como Herbert Marcuse, Martin Heidegger e

95

congêneres, expresso no termo ‘técnica em escala planetária’. A leitura de qualquer livro de

vulgarização da cibernética, principalmente os que versam sobre a chamada ‘futurologia’,

mostra-nos frequentes ocorrências desta expressão”. Aqueles autores ignoram ou fingem

ignorar que “a técnica da qual agora se diz espalhada em escala planetária é naturalmente a

modalidade avançada, que tem origem e se apresenta concentrada nos países presentemente

hegemônicos”. (...) ”A extensão no espaço tem valor ideológico porque se supõe significar a

durabilidade no tempo, sinônimo de invariância da vigente situação de poderio imperialista de

base tecnológica”.

8. Algumas observações sobre a heurística. Por heurística entende-se, entre

diferentes sentidos a ela inerentes aquele semanticamente considerado como substantivo, ou

seja, identificadora da arte ou ciência do descobrimento já que se trata de cibernética como

invenção humana. Em referência a computação o sentido de eurística está voltado para

algorítmo de aproximação, isto é, “utiliza informação e intuição a respeito da instância do

problema e da sua estrutura para resolvêlo de forma rápida”. (Wikipédia). A eurística é, ainda,

conhecida e divulgada vulgarmente como “ciência do pensamento criador”. Este conceito é

criticado por Vieira Pinto em suas observações, ou seja, considerando-a “noção existente por si,

desligada do ser pensante, e colocar como pedra angular de sua construção o reconhecimento

de que o pensamento criador do homem, no sentido de possuido e exercido pelo homem, é o

mesmo pensamento criador do homem, no sentido gerador do homem”. Por isso ele usa o

conceito de Georg Klaus (Worterburch der Cybernetik, V, 1, Fischer Durckerei, Frankfuert am

Main, 1965) segundo o qual “a heurística é uma importante parte da lógica dialética” e que “a

heurística estuda efetivamente os casos ocorridos de descobertas e invenções e procura deduzir

deles leis gerais da descoberta e da invenção, independentemente da respectiva tarefa

concreta”. A incompreensão eurística da cibernética leva alguns humanos a ter a ilusão ou o

delírio de afirmar ingenuamente que a máquina venceu o homem em um determinado jogo de

xadrez sem levar em conta que a máquina sequer sabia que estava jogando e, sim, os

programadores humanos do supercomputador que eram de fato os vencedores. Segundo

Vieira Pinto “a solução cibernética será sempre limitada mesmo na programação

eufemisticamente ‘criadora’, pelas condições a ela imposta pelo construtor humano. O caráter

inventivo, enquanto propriedade da matéria complexamente organizada, tem-se mostrado até

agora intransferível”. Ainda, Klaus em seu “Dicionário de Cibernética” insinua que a lógica

dialética comprova ser os resultados do processamento inventivo dos autômatos nada mais do

96

que fazerem aplicar os dados da programação na partida que lhes são apresentados, “em

combinação com o método de ensaios e erros”.

9. O inconsistente problema da distinção entre o homem e os autômatos pensantes.

A simbiose entre o homem e a máquina. Na forma epistemológica como é entendido o

significado do conceito de simbiose entre dois organismos na natureza torna a pretenção

daqueles que pregam a simbiose homem-máquina cibernética uma fantasia ou delírio. A

questão de existir simbiose entre o humano e a máquina cibernética não tem absolutamente

nenhum sentido. Tal pretenção não passa de um problema inconsistente que foge a lógica de

uma situação objetiva. A máquina cibernética por mais complexa que seja é completamente

desprovida de: vontades, emoções, sentimentos, desejos para não se falar de conhecimentos

instintivos, reflexivos e prospectivos. Por tais motivos a máquina cibernética jamais poderá ter

uma simbiose com o ser humano acrescida, ainda, da ausência de finalidade senão aquela de

servir e “trabalhar” para o ente humano. Segundo o filósofo Vieira Pinto “o equívoco de

conceitos de gênero ‘simbiose homem-máquina’ consiste em colocar definitivamente o

problema na relação entre os dois elementos no plano formal, de onde não pode sair, A infeliz

situação assim criada exclui a possibilidade de esclarecer a teoria cibernética à luz da lógica

dialética”. (...) “A dialética ensina-nos que nenhum processo material se manifesta

indefinidamente contínuo, mas ao contrário em todos ocorrem saltos ou cortes, momentos

quando se verifica a passagem do movimento da matéria de um tipo para outro, superior em

complexidade, e por isso engendrando entes, procedimentos e resultados originais”. O conceito

de simbiose na natureza exige obrigatoriedade na relação entre os seres vivos que se associam.

No caso humano-máquina cibernética na melhor das hipóteses pode ser entendido pelo termo

protocooperação muito embora o conceito de multualismo facultativo seja melhor empregado

e representativo na medida em que na associação ou cooperação um existe independente do

outro.

10. A irrealidade do problema das máquinas ditas pensantes. A impropriedade do

recurso à semântica. O presente tópico é visto pelo filósofo Vieira Pinto não somente em

termos semânticos, matemáticos, mas, principalmente, naquilo que diz respeito a acertiva: “o

homem nunca é objeto e sim sempre sujeito, não se conhece a si por via de alguma definição,

porque sabe antecipadamente ser o autor de todas elas, inclusive da que possa oferecer em

relação a si e nas quais se deixa definir por um predicado, embora conheça que a escolha deste

revela um ato intelectual dele mesmo na condição de sujeito presente. Logo, o homem é um ser

97

sem predicados”. Já as máquinas cibernéticas ditas ”pensantes” são e serão sempre objetos

produzidos pelos humanos. Daí a impropriedade do recurso à semântica e ao tema proposto

pelos ingênuos adébitos da cibernética com suas máquinas “pensantes” e capazes (segundo

eles) de sucatear os seres humanos.

11. Algumas observações sobre a questão da inteligência das máquinas cibernéticas.

Neste capítulo “Temas Propostos pela Cibernética” o filósofo Vieira Pinto faz observações entre

as quais podemos anotar: limitação de apreciação classificatória e complexidade imposta pelo

formalismo com base no positivismo e behaviorismo radical; superação das divergências sobre

o que se deve entender por “pensamento” quanto ao seu significado e finalidade; apontar a

imprestabilidade de definições de “máquina pensante” por impossibilidade de as mesmas

poderem operar psicológica e noologicamente mesmo sob concepção do behaviorimo radical

ou filosófico muito criticado por Chomsky. Note-se, ainda, no tópico, a desconstrução da

concepção behaviorista do pensador britânico Ashby quando porocede equiparações da

inteligência com a atividade de “escolha da solução” e, também, com a de “escolha de formas

de ação” pelas máquinas cibernéticas. Acrescenta Vieira Pinto “entre o ponto de vista simplista

e superficial de Ashby e a verdadeira análise dialética da teoria do conhecimento, que dará a

correta compreenção do que seja a ‘inteligência’, situa-se uma tentativa intermediária de

interpretação do mesmo tema”. Concluindo suasimpressões o filósofo afirma “a máquina não

tem motivos, muito menos poderes, para precisar de julgar, pois quem a emprega é outro, o

construtor, o técnico, o industrial, e só estes tem critérios para julgá-la em qualquer de suas

propriedades”.

12. O equívoco das projeções futurológicas e seu caráter ideológico. Nesse ítem

Vieira Pinto procede uma veemente crítica ao novo ramo de saber que ele afirma ser “uma

espécie de emanação da cibernética, que atende pelo codinome de ‘futurologia’. Não a se veja

uma manifestação de desprezo se assim tratamos essa pseudociência, mas a consideramos

deste modo porque de fato representa um nome de guerra, usado na guerra travada pela

inteligência dos grupos exploradores dos centros metropolitanos imperiais, no âmbito da

cultura, contra os esforços dos países subdesenvolvidos para se livrarem das limitações

imobilizadoras de seu pensamento para si”. (...) “A ‘futurologia’ dos novelistas do capitalismo

não passa de um embuste de escribas das áreas imperiais, desejosos de se infiltrarem na

respeitável linhagem dos utopistas para confundir com os destes os produtos de sua incidiosa

imaginação”. Tal pseudociência (futurologia) não passa de mais um viés da ideologia da

98

dominação com vistas a destruir todos os anseios dos povos emerdentes e atrasados em

construirem uma nação para si em cada território que habitam com a identidade de país. Para

tanto, tentam impedir ou desviar o surgimento de novas forças políticas no palco dos

acontecimentos da luta libertária que tende a negar o nefaso metabolismo do capital em

querer destruir os pobres do planeta via guerras localizadas (principalmente pela OTAN) ou

pelo complexo de Herodes já comentado nestas Anotações. (Capítuo 6, ítem 6)

99

CAPÍTULO IX. NATUREZA E TIPOS DOS SISTEMAS CIBERNÉTICOS

Neste capítulo IX de “O conceito de Tecnologia” o cientista Álvaro Vieira Pinto

dispensa qualquer comentário sobre o seu propósito de escrevê-lo como o fez no capítulo VIII.

Outrossim, nele são produzidos 12 tópicos importantes ao seu pensamento e que a seguir se

procede as suas respectivas Anotações tão sinóticas quanto as já feitas para os capítulos

anteriores tanto do volume I quanto do volume II.

1. A divisão dos sistemas cibernéticos. Neste primeiro tópico se trata de esclarecer ao

leitor uma distinção entre os objetos dos quais o filósofo se ocupa e a cibernética. Para tanto,

ele refere-se do ponto de vista lógico a dois tipos principais de sistemas cibernéticos: aqueles

que são cibernéticos por natureza e aqueles que o são por construção. A presente distinção é

de grande valor epistemológico porque no primeiro caso se inclui os seres vivos e os processos

político-sócio-econômicos cuja apreensão cibernética é explicativa. Já o segundo tipo de

sistema refere-se aos autômatos, máquinas, servomecanismos, computadores, robôs cuja

apreensão é representativa. A partir dessa tipificação sistêmica o filósofo explica como essas

compreenções se dão nos planos: formal e dialético.

2. O raciocínio por analogia em cibernética. Definição e limitação. Como o próprio

titulo do ítem indica trata-se aquí de se revelar as nuâncias do raciocínio analógico na

cibernética com respectiva definição e limitação. Com relação aos tipos de raciocínio

cibernético apresentados no tópico anterior pelo filósofo ele é categórico em afirmar “que

ambos os tipos, em sua concepção, modo de processamento e natureza dos resultados, não se

desprendem do plano lógico formal, que na verdade não poderiam abondonar”. Anotações

deveras importantes nas análises do cientista Álvaro Vieira Pinto são as definições e maneiras

de uso dos significados de: analogia; dedução e indução que não podem ser confundidas

quanto as suas aplicações no campo formal em que se inserem. Explica ele que “a palavra

grega ‘analogia’ significa proporção, e assim era empregada em matemática, aritmética ou na

geometria para estabelecer relações de proporcionalidade entre grandezas, valores, números,

por exemplo na igualdade de frações proporcionais, ou entre figuras, no estabelecimento de

relações isomorfas ou projetivas”. Em seus raciocínios sobre a aplicabilidade da analogia o

filósofo explica que esta ”embora seja por si só um procedimento formal, envia-nos ao plano da

dialética, cujas leis a dominam”. Explica, também, como o ser humano “está inserido no

100

processo da vida e da sociedade, e daí extrai os elementos com que compõe os modos formais

de pensar, expressivos das relações superficiais externas entre os objetos”. Tratando da

categoria de universalidade Álvaro Vieira Pinto é categórico em afirmar ser a categoria de

totalidade “a única e universal lei da realidade, a que exprime a inclusão de qualquer ser ou

fenômeno, com sua legalidade específica, num processo único que a consciência reflete, não por

havê-lo adquirido ou composto mediante a reunião de aspectos sucessivos das transformações

empíricas do mundo pela apreensão das relações internas, dialéticas, presentes ou qualquer

porção do todo, e que o exprimem enquanto unidade material de tudo quanto existe”. Em suas

análises ele chama a atenção dos cibernético sobre a necessidade de não confundirem

“analogia com identidade, vício de raciocínio a que quase sempre incoscientemente

sucumbem”.

3. A máquina cibernética como exteriorização do pensamento. “A máquina não

pensa, mas é o homem que pensa sobre aquilo que a máquina lhe transmite, porque a

organizou exatamente para ter tal desempenho. O pensamento da máquina nunca deixa de ser

na verdade um pensamento do homem incluído na máquina e posteriormente recolhido dela”. É

assim que o cientista Vieira Pinto trata do delírio dos cibernéticos que ideológicamente pregam

aos incautos a existência de máquinas pensantes não reconhecendo na máquina cibernética

apenas a exteriorização do pensamento humano nela contido. De falácia em falácia os ingênuos

cibernéticos ocultam “a simples expressão ‘programar’ um mecanismo cibernético já demonstra

a subalternidade e a ausência de inventiva dos servomecanismos, o papel de objetos da ação

humana, o caráter intransferível de sujeito desempenhado pelo homem nessa operação, pois

exclusivamente para ele aquele termo tem sentido”. Como exteriorização do pensamento

humano nas máquinas cibernéticas vale distinguir que “a constituição de campos definidos de

conhecimento como a biocibernética de particular importância para elucidação de questões

essenciais da fisiologia e da patologia humanas, define hoje um triunfo da pesquisa científica

que a ninguém é lícito ignorar ou menosprezar. Mas a fecunda relação recíproca entre os dois

termos no correlacionamento entre o homen e a máquina, inadmissivelmente chamado

‘simbiose’, não supera os limites do modo de pensar por analogia, sobre o qual expusemos

algumas considerações críticas”. (...) “mas o construtor age sempre em função da ligação

objetiva com o mundo onde se situa e em obediência à logica superior que preside as relações

entre o homem e seus produtos materiais, por um lado, e entre os homens, em sociedade, por

101

outro. Ora são exatamente estas modalidades existenciais de relacionamento humano os

objetos da análise dialética”.

4. As limitações do procesamento cibernético do pensamento. Nesse tópico o

cientista Vieira Pinto continua com seus raciocínios sobre o propósito do capítulo IX com vistas

a levar o leitor a ver as limitações, na alusão deste ítem, com vistas a uma dialética do real. Em

determinado momento ele afirma que “a energia física possuída pelo ser humano é limitada e

em quase todos os aspectos inferior à de algum animal. Faltam-lhe até aparelhos sensoriais

possuídos por outros animais para se orientar na execução de seus programas geneticamente

embutidos, chamados instintos. Mas tal inferioridade física e perceptiva vê-se compensada pela

posse da inteligência ideativa, que lhe dá o domínio dos objetos ou dos fenômenos do mundo,

pelo fato de representá-los em caráter abstrato nas idéias formadas a respeito deles e de

descobrir as leis a que obedecem”. O processo cibernético das chamadas máquinas “pensantes”

é limitado, também, pelo fato de a máquina cibernética ser incapaz de abstrair e

cognitivamente inventar os instrumentos de poder para o controle da natureza. Ela é e será

sempre controlada, manipulada e usada para as finalidades virtuosas ou não dos entes

humanos. Segundo o filósofo é importante saber que “o caráter próprio de todo instrumento ou

ferramenta consiste em produzir, ou como se diz agora em linguagem cibernética, processar

informações. Qualquer instrumento elaborado pela inteligência humana tem por finalidade

intrínseca fornecer informações ao homem, mesmo porque se assim não fosse não teria valor

instrumental, seria imprestável”. Por todos esses motivos e outros aqui não explicitados nos

dão a certeza de que “o limite das possibilidades das máquinas calculadoras cibernéticas, que

estabelece a diferença qualitativa em relação ao cerébro, está marcado pela incapacidade de

efetuarem verdadeira abstração iodeativa”.

5. A passagem do pensamento formal ao dialético na atividade construtora. Neste

tópico o cientista e filósofo Vieira Pinto volta a tratar dos dois sistemas tipológicos da

cibernética, ou sejam, aquele cibernético por natureza e os que são por construção a fim de

melhor explicitar a passagem do pensamento formal ao dialético. Para tanto, seu raciocínio

aponta para o leitor o ensinamento de que “os servomecanismos, os computadores e os

dispositivos auto-reguladores precisam superar o nível superficial da analogia, da cópia

mecânica ou da semelhança funcional a fim de receberem a interpretação definitiva,

obrigatoriamente de órdem dialética”. A análise e a compreensão de tal distinção é que leva o

102

leitor a apreender a passagem do pensamento formal ao dialético na atividade construtora dos

entes humanos.

6. Considerações sobre o significado da lógica formal e da lógica dialética. Segundo

Vieira Pinto “tudo quanto é natural tem caráter dialético porque constitui um processo”. A

partir dessa premissa o filósofo analisa o significado da lógica formal e, também, da lógica

dialética diferenciando-as em suas aplicações em fatos reais. Nas suas considerações ele diz

que “a verdade da teoria lógica generalizada consiste na seguinte lei, definidora da totalidade

da natureza pensante do homem: precisamos da lógica dialética para entender a lógica formal,

e precisamos da lógica formal para exprimir a lógica dialética”. Continuando seus comentários

sobre o significado da lógica formal e da lógica dialética o cientista acrescenta as seguintes

considerações: “o pensamento real, enquanto fenômeno total, só pode ser transmitido do

cérebro de um homem, onde se origina, a do outro homem, igual fisiologicamente ao primeiro.

A máquina ‘pensante’, sendo na melhor das hipóteses – esta mesma ideal – um símile

analógico do cérebro, não pode desempenhar, na mais esperançosa das concessões, senão o

lado formal do pensamento vivido. Por isso, o computador pode ser programado para processar

informações em ligações inferenciais, digitais, estocásticas, markovianas, ou seja, tudo quanto

de algum modo pertence ao lado formal do raciocínio”. (...) “A idéia ou a lei da dialética são a

representação do universal concreto, enquanto o termo formal limita-se a enunciar o universal

abstrato, um mero conteúdo formal em si, sem a concomitante noção do processo histórico a

que pertence o ser refletido, no estado de conceito, no pensamento”. (...) “Sem dúvida, a

dialética constitui uma ciência compendiada e assim estabeleceu todo o elenco de leis e

categorias. Apresenta-se com caráter de sistema, em sentido relativo, aberto, dinâmico,

correspondendo aos aspectos e relações gerais que o pensamento reflete ao apreender a

realidade em sua universalidade”.

7. O procedimento metodológico fundamental na análise teórica do pensamento

cibernético. Em complemento a inteligibilidade da natureza e tipos dos sistemas cibernéticos,

neste ítem, o filósofo empreende a tarefa de explicitar ao leitor o procedimento metodológico

principal para as análises teóricas do pensamento cibernético. Afirma, para tanto que “o

computador mais perfeito não passa de um análogo ou isomorfo do cérebro humano, porque

somente por construção tem as qualidades possuídas, enquanto o órgão vivo as deve à

natureza. A cibernética operacional, ‘engenheiral’, segundo parece comerçar-se a dizer, revela-

se sempre formal, no seu plano próprio, enquanto a cibernética dos organismos vivos, no seu

103

plano natural, mostra-se dialética por essência”. O filósofo com essa acertiva considera esse

procedimento metodológico de distinção entre os tipos de sistemas cibernéticos (por natureza

e por construção) fundamental para as análises teóricas do pensamento cibernético.

Demonstra, ainda, que “a introdução do artefato cibernético, no curso da história dos meios

humanos de produção mostra a dependência dessas criações em relação ao estado de

desenvolvimento cultural da humanidade”. Esse raciocínio leva o leitor à certeza de que “a

ciência cibernética e seus produtos estão sempre na dependência da sociedade que os

engendra, sustenta e desenvolve”.

8. O homem introduz no processo natural os seres cibernéticos por construção. Neste

tópico o cientista Vieira Pinto explica como e o fato de o ser humano introduzir nas sociedades,

a partir do processo natural (principalmente de informações dos genes e dos DNA), os seres

cibernéticos por construção. Talvez seja essa uma das razões do grande pensador (Nobel de

Biologia) Gregory Bateson ter em seus escritos, referentes à cibernética, conceituado

informação como “a diferença que faz a diferença”. Neste tópico Vieira Pinto trata, ainda, do

conceito de mediação como base da teoria cibernética incluso o vasto alcance dos reflexos

condicionados e incondicionados. Por isso ele afirma que “uma vez admitida a presença e

atividade do homem, o conceito de mediação é afetado, deixando de ser o simples aspecto do

condicionamento objetivo de certos fenômenos naturais e tornando-se um determinante

voluntariamente introduzido no processo natural. Assim se concilia esta afirmação com o que

expusemos em linhas atrás. Depois de construída a máquina, não estamos mais no reino da

natureza bruta mas no da natureza hominizada, na qual portanto o elemento subjetivo se

materializa em seres construídos, embora tal só possa acontecer porque existiam previamente

condicionamentos independentes da consciência, porém aptos a receber a função de efetuar a

interferência do pensamentoi no movimento exterior da realidade. A ferramenta mais simples

ou a máquina mais complexa mostram então ser mediações para a consciência que apreende o

processo da realidade em seu desenrrolar e vê suas criações atuando como fatores atuantes

nesse desenrolar”. (...) “A cibernética confirma portanto as teses da concepção dialética

objetiva da história, que a concebe desenrolar-se primeiramente num estágio biológico, para

chegar posteriormente à etapa humana, já então com caráter social”.

9. A definição da cibernética. Formalmente cibernética é definida como a ciência que

se ocupa com a informação, comunicação e controle de máquinas, seres vivos e entes sociais

através de analogias com máquinas eletrônicas ou servomecanismos. Em consequência dessa

104

definição formal a cibernética é reduzida “a uma analogia superficial ingênua julgar que os

servomecanismos solucionem por auto-regulação uma contradição surgida no curso do seu

funcionamento”. Por isso, Vieira Pinto rever criticamente as definiçõe de Norbert Wiener, Hans

Lend, Ross Ashby, Georg Klaus, V. Cuba, K. Hubner e outros pensadores para a partir da clásica

definição de J. Guillaumaud concluir que “a cibernética abrange as teorias do comando e da

comunicação na máquina, no animal e na sociedade, ou seja na natureza inteira”. Em

continuação ao seu reciocínio ele afirma que a partir da ciência cibernética “foi possível

encontrar a base objetiva de que até então se carecia para afirmar e justificar a dialética da

natureza”. Vale lembrar, ainda, que Viera Pinto, em sua análise da definição da cibernética,

entende-a “ao mesmo tempo ciência e prática instrumental, é inteiramente um produto

cultural” que, em geral, é esquesida, ocultada ou omitida pelos pensadores supra mencionados.

“A cultura não poderia surgir a não ser tendo por base a evolução biológica, na fase em que o

animal humano se mostra capaz do exercício do trabalho” (isso se dá com a criação da

linguagem, da vida em sociedade/violência, das técnicas e das artes).

10. Cibernética e dialética da natureza. Neste tópico, o filósofo afirma que “no caso

da cibernética, sendo essa ciência em última análise dialétioca, segundo comprova

indiscutivelmente a natureza do objeto mais geralmente indicado, os sistemas dinâmicos, tem-

se de entender o modo pelo qual neste caso particular se opera o processo abstrativo”. Para

melhor esclarecer a dialética da natureza, Vieira Pinto, deixa explícito: “o que existe é a

universal e perpétua ação recíproca das partes da realidade umas sobre as outras e das

totalidade sobre seus elementos e vice-versa, demontrando assim a existência objetiva do

fundamento de um conceito geral, que de há muito era reconhecido a título de categoria

dialética do mundo natural, antes de alguém poder sonhar que a cibernética surgiria um dia

para resaltar o significado dessa lei universal da realidade, mostrando-a em ação, com

características peculiares em cada caso, no dinamismo interno dos seres vivos, da sociedade e

dos mecanismos calculadores ou diretores”. (...) “A dialética não configurou apenas a lógica do

pensamento correto, mas tem este significado porque rege a totalidade das transformações do

mundo natural, do qual no curso do tempo em certa época começa a emergir o pensamento

racional”.

11. O equívoco da distinção entre o ser vivo e a máquina entendida como questão

semântica. Neste tópico Alvaro Vieira Pinto além de desconstruir o pensamento do eminente

matemático e pricipal criador da cibernética Norbert Wiener explicita a sua ingenuidade na

105

distinção entre o ser vivo e a máquina entendida por ele como uma questão semântica por

ignorar as leis da dialética. Tanto é assim que o filósofo chama a atenção “seria isso anular a

semântica, que legitimamente pretende ser a ciência capaz de examinar o motivo do significado

dos conceitos e palavras. A concepção de Wiener só não destrói a cibernética porque a faz

depender de uma coisa inexistente, uma semântica que, pela concepção do autor, deixa de ter

sentido; uma semântica que seria a teoria encarregada de dar sentido às noções porém não

teria ela própria qualquer sentido. É de estrranhar que seja essa a concepção da semântica

possuida por um digno matemático, que deveríamos supor abalizado em conhecimento de

lógica moderna. Declarar que os problemas de uma ciência resolvem-se de acordo com as

conveniências idividuais equivale a excluir tal conjunto de conhecimentos da categoria de

‘ciência’, pois não se conhece nenhuma que aceite esse estravagante critério de constituição de

sua verdade. A admissão dele corresponderia a admitir no recinto das ‘ciências’ qualquer

reunião de conhecimentos fantasistas, pretenção que a semântica tem a obrigação de repelir,

mostrando a vacuidade dos imaginários elementos, para não se equiparar à astrologia, à

numerologia, à heraldica, à escatologia teológica, à samsara budista, à psicanálise, à

quiromância e tantas outras charlatanices ‘sábias’. Certamente, a intenção de um matemático

como N. Wiener não terá sido esta”.

12. Da entropia à primeira aproximação ao problema da essência da informação.

Concluindo o capítulo IX do seu livro, Vieira Pinto remota-se a Clausius que em 1850 descobre

o princípio da entropia e das leis da termodinâmica que na cibernética passa a ter muita

importância com o nome de negentropia (entropia negativa) para a inteligibilidade do processo

de informação (segundo Morin em “O Método livro 1 - A Natureza da Natureza). Segundo o

filósofo Vieira Pinto “convém repetir que a entropia continua sendo um conceito

termodinâmico pertencente, nas relações que retrata, a um único plano da realidade, ao passo

que supõe a existência da matéria viva e especialmente do ser vivo consciente na relação com a

matéria inerte convívio dos organismos uns com os outros. A informação estabelece a categoria

mais geral da relação entre os dois tipos qualitativamente distintos, enquanto graus

dialeticamente diferenciados de estruturas da realidade material, entre si e o mundo que lhes é

exterior”.

106

CAPÍTULO X. PROBLEMAS GERAIS DA INFORMAÇÃO

Igualmente ao capítulo anterior o cientista e filósofo Alvaro Vieira Pinto

dispensa qalquer comentário introdutório sobre o propósito em escrevê-lo e passa diretamente

ao tema construído através dos seguintes tópicos aqui anotados sinoticamente como

aconteceu com os anteriores.

1. Os tres graus de funcionamento da informação. Dando início ao conteúdo do

capítulo neste ítem além dos três graus de funcionamento da informação discute-se a formula

de Shannon e a introdução da ordenação binária (0 e 1, ser e não ser ou sim e não) que, hoje, é

a base e a linguagem sobre a qual se orienta a teoria da informação. Na verdade a natureza não

procede por escolhas entre o ser e o não ser, mas sim “na não exclusão, na conjunção ou

unidade dos contrários, não limitados à oposição binária”, ou seja, formalmente explícita

“mediante o cálculo lógico de tabulação bivalente”. Segundo, ainda, Vieira Pinto “a informação

é um conceito que tem de ser apreendido no exame do processo de sua história natural, ou seja,

de sua gênese e evolução enquanto propriedade da matéria, em geral, desenvolvendo-se em

tres graus: (a) na matéria inerte; (b) na matéria organizada em escala pré-consciente; (c) na

matéria organizada no estado de sistema que possui a modalidade distintiva de movimento

representada pela função da consciência”. Adiante o filósofo acrescenta que “o homem só é tal

porque se tornou um vivente apto a escolher e procurar conscientemente as informações

circulantes na natureza exterior a ele, tendo como caso particular, de caráter qualitativo

distinto, as que partem de indivíduos semelhantes seus e lhe são voluntariamente dirigidas”. (...)

“O que caracteriza a teoria autêntica da informação é o caráter dialético, que consiste em

abstrair a noção de informação como fenômeno geral da matéria em movimento, resultantes

das propriedades objetivas manifestadas pelos seres e processos que compõem cada fase desse

movimento absoluto”. Considera, também, que “a etapa suprema da evolução da informação

define-se como aquela em que o fenômeno de transmissão física de um conteúdo significativo

tem início ou término no funcionamento cerebral do ser humano”.

2. A informação como idéia e finalidade da consciência. Aqui, neste ítem, o filósofo

explica e discute as razões de a informação consistir “na produção, pelo pensamento, de idéia

físico, biológico ou social que são reflexos da realidade na consciência e impelem esta a usar a

captação do conhecimento assim praticada, no estado de idéia”, isto é, para os diferentes

efeitos por ele apresentados no texto. Dessa forma o filósofo Vieira Pinto deixa claro os efeitos

da informação como idéia e, também, como finalidade da consciência na acepção de ela ser

107

reflexo da realidade dos entes vivos, principalmente, dos humanos. Já a finalidade da

informação entre os humanos é apresentada como um estado da cultura nas sociedades por

eles criadas, vividas e desenvolvidas. “O fato culminante e o núcleo do tema da informação,

agora chamada ‘informática’, é a relação entre consciências, aquilo que certas filosofias

idealistas chamavam de ‘intersubjetividade’, contemplando-a apenas no espaço ilusório das

noções existenciais abstratas e sem fundamento material. Daí a importância capital de

esclarecer a passagem do conteúdo de uma mensagem, fisicamente transportada, ao estado de

idéia”.

3. A razão de ser da incorporação da teoria da informação ao domínio da

cibernética. Quando a definição de cibernética é explícita como ciência dos sistemas dotados

de auto-regulação e de retorno imbrica-se a ela o de informação na medida em que há

circulação de efeitos de ações referentes ao estado de um elemento que pode estabelecer

circuitos de relações causais recíprocas oriúndas da própria auto-regulação e retorno. Entende-

se, assim, a razão de ser da incorporação da teoria da informação de Shannon ao domínio da

cibernética de Wiener. Nesse sentido o que efetivamente acontece é a cibernética “vir a

acentuar, racionalizar e calcular um aspecto por demais conhecido da informação, quer na

fisiologia animal, onde se processa por mecanismos nervosos e hormonais, quer nas relações

humanas, porquanto jamais se ignorou que, neste último caso, no convíviu social, a divulgação

de conhecimentos sempre se acompanhou de ações de retorno, originada da parte informada

sobre a informante”. Segundo o cientista Vieira Pinto “a informação que circula na máquina é

na verdade informação humana, nela depositada por construção ou dela extraída igualmente

por construção”. (...) “É em obediência à lógica imanente aos processos biológicos que os seres

vivos engendrados pela natureza acham-se providos dos conceitos de auto-regulação de que

necessitam segundo o modelo de sua constituição orgânica, pelos quais se tornam recebedores

e transmissores da informação que lhes permite o funcionamento vital e a sobrevivência”. Essa

é a razão pela qual o metabolismo do capital, também, transformou a vida de bem livre para

bem econômico, ou seja, em mercadoria. Hoje, o gene e o DNA (maiores detentores de

informações) dos seres vivos são os principais alvos ou objetos das forças motrizes (lucro e

poder) das corporações empresariais e das instituições de pesquisas do sistema mundo do

capitalismo.

108

4. A teoria da informação e a natureza da consciência. A teoria da informação, no

plano da racionalidade, identifica-se com a realização do processo dialético do conhecimento

do conhecimento. Esse fato remete o leitor a apreender, também, a natureza da consciência

como reflexo da realidade objetiva e como centro da racionalidade humana. Feita esta acertiva

vale dizer que esse conceito de consciência permite aos humanos detectarem as ações

recíprocas imbricadas ao movimento da matéria que não aceita explicação causal, mas apenas

dialética. Por isso nos seres vivos “a dialética do projeto existencial está estreitamente

vinculada à informação, na gênese e na circulação do saber que preenche o conteúdo da

mensagem existencial”. Cabe, aqui, repetir que o ser humano em sua qualidade e virtuosidade

“é o único animal que produz a própria existência, porque conquistou o poder de adquirir a

informação necessária para efetuar tal atividade produtiva, enquanto os demais viventes

apenas se reproduzem sem a responsabilidade de se produzir”.

5. O perigo das confusões metafísicas na compreensão dos sistemas dinâmicos auto-

reguladores. Neste tópico o pensador Vieira Pinto esclarece e adverte aos leitores sobre as

possíveis confusões metafísicas na leitura e compreenção dos sistemas dinâmicos auto-

reguladores advindos de interpretações de estudiosos como são exemplos Georg Klaus

(pensador dialético) e W. Ross Ashby (metafísico-formal) por ele criticados nas compreenções

daqueles tipos de sistemas que são fundamentais à inteligibilidade da ciência cibernética.

Frente as possíveis confusões no campo da visão metafísica ele adverte que “a prática da

‘simulação’ aponta, numa ocorrência típica da lei da negação da negação, a necessidade de

outra forma de raciocínio, superior, que não trabalha com simulações mas remete diretamente

aos dados reais dos problemas pelos objetos e fatos com que o homem defronta, tal como são

encontrados, e às leis gerais a que efetivamente obedecem”. Sob este ângulo se dá a

compreensão dos sistemas dinâmicos auto-reguladores a partir dos entendimentos que se tem

do real e do possível nas operações abstrativas para se extrair conceitos gerais dessa base de

entendimento ou de interpretação. Sob esse aspecto as análises se voltam para visões das

lógicas: metafísica e dialética sobre a compreensão dos sistemas dinâmicos auto-reguladores.

6. Observações preliminares à comprensão da informação. A cibernética como

ciência tem sua origem e desenvolvimento na chamada guerra fria, herdando dela um caráter

bélico simultaneamente na extinta União Soviética e, principalmente, nos Estados Unidos da

América. Seu principal idealizador foi o eminente matemático britânico W. Ross Ashby a partir

de suas cogitações matemáticas tendo como grande executor John Von Neumann funcionário

109

das Forças Aéreas Norteamericanas. Em todo esse tópico o pensador e matemático Álvaro

Vieira Pinto desconstrói o pensamento filosófico de Ashby de tal forma a considerá-lo um

behaviorista sem desconhecer nele seus méritos científicos como grande matemático. A

cibernética trata de máquinas efetivamente existentes para produzir informações mas entende,

também, que muitas outras podem ser imaginadas e a seguir concretamente construídas.

Ainda, em sua crítica ao eminente matemático Ashby, o filosofo Vieira Pinto além de o

considerar behaviorista reduz o seu pensamento “à seguinte fórmula: pretende definir o

conteúdo de uma informação partindo de uma informação sem conteúdo”. Assim, afirma que

“é preciso atingir os conceitos e leis da dialética contidas em todo o corpo de conhecimentos

científicos, particularmente a distinção entre a noção de processo linear irreversível e a de

processo retroativo”. (...) “A cibernética só poderá ser uma ciência fundando-se sobre dados

reais, embora tenha por procedimento normal de trabalho abstrair deles conteúdos formais,

fornecedores de elementos para a constituição de um corpo de conhecimentos, válidos

exatamente porque refletem aspectos das coisas materiais a que se referem”.

7. O problema cibernético da natureza da informação. A questão da verdade. A

teoria da informação, no pensar de Álvaro Vieira Pinto, só tem fundamento se for erigida com

caráter de construção lógica unitária reconhecendo “a existência de algo que se pode chamar

‘informação’ no mundo dos corpos e fenômenos inanimados, nos dos seres vivos, em particular

do homem, e no conjunto dos artefatos criados especialmente para a produção, transporte,

armazenagem, entrega e interpretação de sinais inteligíveis partidos de um dos membros

informativo e reconhecidos pelo outro”. Depois de explicar a lei dialética da ação recíproca na

cibernética e na natureza da informação o filósofo Vieira Pinto passa, mais uma vez, a

desconstruir o pensamento de Martim Heidegger, sobre o assunto, considerando-o “o rei do

trocadilho filosófico” , ou seja, aquele pensador que “constrói uma filosofia de palavras” com a

resalva, ainda, de abranger “todo o universo do calembur, passatempo que pratica tanto

valendo-se das facilidades acidentalmente oferecidas pelo próprio idioma quanto pelas que

descobre nas expedições arqueológicas ao mundo das línguas mortas”. No que trata da verdade

ele afirma que “por excelência, é sempre chamada apokalypsis, de acordo com a correta

composição lexiológica, que emprega o prefixo apo e o verbo kalyptos, que igualmente significa

ocultar. A revelação, conforme o análogo latino indica, equivale ao descobrimento do que está

oculto à compreensão humana, mas a palavra usada pelos interessados especialistas antigos

não é alétheia, embora seja difícil supor que os escritores eclesiásticos de língua grega não

110

tivesse notado a aproximação, a sinomímia entre os dois vocábulos”. Em termos, ainda, da

natureza da informação e seus saltos qualitativos ele explica que “o primeiro foi a passagem do

nível puramente biológico ao humano; o segundo, que em larga medida se surperpõe ao

processo de desenvolvimento do primeiro, foi a passagem ao processamento social da

informação; o terceiro, depois de longa evolução que levou a criação das sociedades com

divisões antagônicas, foi o ingresso na fase em que a informação não só advém de outro ser

humano, tal qual na fase precedente, onde era processada por ser condição de possibilidade de

sobrevivência coletiva da espécie, mas se converte em meio de defesa do indivíduo contra os

elementos da própria espécie”. Também, neste tópico o filosofo chama a atenção do leitor para

o fato de existirem muitos enganos quanto a gênese da linguagem e da informação,

principalmente, pela constituição do pensamento lógico abstrato, geralmente, formal residindo

na atitude tipicamente metafísica.

8. A teoria da informação e a noção de “modelo interior”. À esse tópico Vieira Pinto

dedica profunda reflexão à teoria da informação para, em seguida, proceder a explicitação da

noção de modelo interior. Logo de início injforma ao leitor que “os seres vivos inferiores

também são portadores de modelos internos do ambiente; do contrário, dizemos nós,

dificilmente se compreenderia de que modo seriam capazes de se situar em relação ao mundo,

reagir acertadamente às ações e estímulos que sofrem e atuar segundo reações vitalmente

proveitosas para eles”. Também nos autômatos os seres humanos, por construção, introduzem

modelos internos artificiais de modo a que os artefatos cibernéticos respondam com perfeição

aos comandos a eles atribuídos ou programados o que o fazem sem possibilidades de

cometerem erros. Por isso ele afirma que “nada há que objetar à equiparação gratuíta, para

simples fins sistemáticos, da consciência, do genoma animal e da memória do computador”. (...)

“Para efeito da teoria da informação, pode-se definir o animal como o ser que contém um

modelo fixo, hereditário, de entradas possíveis, invariáveis em qualidade, para condicionarem o

desencadear de sídas de igual caráter. Somente à custa da inviariabilidade do ‘modelo’ ele

consegue sobreviver”. Depois de muito explicar diferenças existenciais entre os humanos e os

animais chamados irracionais com respeito a teoria da informação, Vieira Pinto, conclui que ”o

animal sobrevive graças ao que não sabe; e por isso está obricado a procurar a estabilidade; o

homem sobrevive graças ao que sabe, e por isso vê-se forçado a procurar a instabilidade,

representada pela contínua variação do crescente conteúdo de sua consciência, de sua

capacidade racional de refletir o mundo objetivo”. Sobre o conceito de modelo ele afirma que

111

expressa simplesmente um instrumento metodológico e é uma porta aberta para

interpretações formais e metafísicas ou idealista da consciência.

9. O modelo interior nos seres cibernéticos, naturais e por construção. De modo a

melhor explicitar seu pensamento sobre este tópico com o devido condicionamento do seu

ponto de vista ao “O Conceito de Tecnologia”, o filósofo Vieira Pinto, esclarece que o conceito

de modelo adquire nova qualidade quando é atribuído aos autômatos ou seres cibernéticos por

construção, ou seja, são criados por humanos que operam em função da imagem da realidade

exterior que possuem em si. Nos seres cibernéticos naturais, principalmente no domínio dos

humanos segundo Georg Klaus “não há informação sem consciência”. Por isso, Vieira Pinto

adverte ao leitor de que “havendo por ora quase completa liberdade na aplicação do termo

‘modelo’ a qualquer produto ideal ou material resultante da elaboração investigadora, a

palavra apresenta-se despojada do valor indicativo de um conteúdo seguro, sendo empregada

cega e enfermamente como coisa certa e sabida, mas de fato deixando o estudioso na dúvida

quanto ao sentido a ela empregado pelo especialista que a utiliza”. Depois de muito analisar e

comentar sobre a etimologia e a epistemologia de uso de modelos interior e exterior aos seres

cibernéticos naturais e por construção, o filósofo encaminha seu raciocínio para mostrar que “o

trabalho do homem não pode ser realizado senão graças à cooperação vigilante,

permanentemente ‘projetante’ e inventiva da inteligência que dirige os movimentos dos

membros, em uma forma fisiológica completamente distinta do comando das atividades

orgânicas dos animais pelos gânglios, cordões ou mesmo centros nervosos que lhes são

peculiares. No homem o trabalho físico não pode ser dissociado do intelectual”. (...) ”Há

exigência de um empenho intelectual constantemente crescente para superar as máquinas já

construídas e inventar outras, ainda melhores e mais eficazes, que as substituam, significando

essa troca o desenvolvimento da técnica”. Sobre a problemática do presente ítem o pensador

afirma que ‘A cibernética liga-se deste modo à teoria geral da produção da existência pelo

homem, para si, e faz parte em caráter simultaneaqmente teórico e operatório, tanto da

antropologia filosófica quanto da economia social”.

10. A modelação cibernética. A teoria da caixa preta. Neste tópico o pensador

Álvaro Vieira Pinto procede severas críticas às modelações cibernéticas para visão de futuro e,

principalmente, a teoria da caixa preta que, segundo ele, foi ingenuamente criada pelo

eminente matemático W. Ross Ashby considerado um dos pais desta emergente ciência que é

a cibernética. Ashby, porém, sempre esteve encarnado à lógica formal metafísica das ciências

112

matemáticas. Essa é a razão de o filósofo dizer que a máquina cibernética em seu

funcionamento ”condensa um compêndio de lógica formal, embora no interior, por construção,

se processem relações de natureza dialética, por exemplo o rwetorno da informação aos órgãos

internos de decisão e o projeto dela corresponda à negação dialética de uma etapa anterior de

instrumentos operadores mais simples”. Sobre a teoria da caixa preta, pensada por Ashby, o

filósofo, em contraponto, afirma que “a noção de caixa preta tem de ser entendida na

qualidade de conceito provisório, servindo de peça de andaime, que logo se esvazia de

significado e função quando se descobre o que há no interior dela, fazendo=a perder o caráter

metodológico que lhe é atribuído. Faz=se imperioso acentuar que o papel de peça metódica, a

caixa preta é utilizada com o fim de deixar de ser caixa preta, de cofre de segredos destinados a

ser arrombado, com o que fica confirmado repetida e plenamente a tese dialética da

penetração infinita pela razão do desconhecido do mundo”. (...) “É preciso dizer não passar de

pueril simplicidade intelectual supor que a relação entre o observador e o mundo tenha algo de

comum com caixas pretas”.

11. A suposição ingênua de que a informação é o motor da história e o determinante

das relações sociais. Sobre o conteúdo deste tópico as análises de Vieira Pinto são

contudentes em desconstruir e condenar esse tipo de pensamento simplista não somente pelo

desconhecimento da história e, principalmente, pela apologética, reificação e poço de

ingenuidade supor e considerar a informação como motor da história e determinante das

relações sociais. Em sua veemente crítica aqueles intelectuais que professam tamanha

ingenuidade Vieira Pinto, em relação ao que defende Ashby e em parte por Norbert Wiener

sobre o assunto afirma “por falta de esmerada reflexão crítica e da necessária teoria dialética,

incidem nessas trivialidades, que em si mesmas só mereciam ser acolhidas com benevolente

sorriso, mas de fato perdem a qualidade de inocentes pela influência que a indiscutível

autoridade científica dos locutores exerce sobre a mentalidade de discípulos desprotegidos”.

Indignado por tamanhas ingenuidades daqueles pensadores , também, acompanhados por M.

Mac Luhan e H. H. Rapp ele adverte que “os próceres da cibernética, que declaram ser a

humanidade dominada pela força da informação, demonstram não ter tido o cuidado de se

informar suficientemente sobre a amplitude e as resonâncias gerais dos problemas de que

profissionalmente se ocupam. A cibernética nasce com a reivindicação de ser a ciência que

busca constituir a teoria geral da informação, e no entanto parece não ter resumido a

indispensável informação sobre si mesma. Efetivamente, demonstra não conhecer as

113

repercussões dos resultados do trabalho com que empreende a própria construção. Seus

arquitetos pretendem construir uma ciência que deveria abarcar todo o conhecimento humano,

mas dão provas de ignorar as conexões gerais do saber científico”. (...) “O processo social é que

condiciona a comunicação e as mensagens, de qualquer espécie, entre os homens, desde o

fornecimento dos conteúdos que interessa transmitir até a criação dos meios que tornam

possível o transporte das mensagens notícias e imagens. Não poderia ser dirigido ou regulado

por aquilo que, no estado de mediação, mostra-se subproduto da comunicação existencial”.

12. As transformações tecnológicas e a periodização da história. Neste tópico o

filosofo recorre à noção de espaço e tempo tanto sob a ótica da lógica formal, assim como, da

lógica dialética. Em relação a história, o tempo é a própria história do tempo, ou seja, “o tempo

é a medida da história no sentido em que define a posição dos acontecimentos numa sucessão,

e outros conceitos afins, como os de simultaneidade, distância, intervalo, repetição, etc.”.

Dentro dessa lógica “a tecnologia por si só, ou qualquer de suas manifestações, não pode

corporificar o motor da história”. Por isso “cabe às máquinas e à técnica o papel de mediação,

segundo o tipo de retração, na ação dos homens uns sobre os outros” conforme se dão nos

processos de produções em seus notáveis progressos tecnológicos, através dos tempos, na

comquista da natureza. Dai se dão as periodizações das transformações tecnológicas relevantes

no processo objetivo na periodização da história que assume de fato a situação de motor da

história da humanidade. Daí a técnnica ser sempre mediação da ação humana sobre a natureza

e o que “cria a história é o confronto do homem com o mundo no ato social do trabalho”. Não é

atoa que “os acontecimentos políticos de excepcional retumbância, a queda dos grandes

impérios, o surgimento de novas religiões, as guerras ‘mundiais’, no sentido em que para a

época se justificava este objetivo, ou com realizações tecnológicas imponentes, profundas

reviravoltas idéias científicas ou a descoberta de imprevisíveis e poderosíssimas fontes de

energia que dotam a humanidade de poderes tão formidáveis que a distinguem dos estágios

anteriores”. Portanto, a história se constitui “como conceito pela sucessão dos esforços que a

razão humana tem despendido nos diversos sistemas filosóficos, e, na época moderna, nas

teorias físicas para definir o conceito de tempo, chegando na correta compreensão filosófica, a

entender que é uma das formas fundamentais objetivas de existência da matéria, tal como o

espaço”. É dessa forma que a “consciência vê como história a sucessão dos fatos e processos

materiais, e portanto, com este modo de refletir a realidade, historiciza o tempo”.

114

13. O conceito de programação e as significações ingênuas que lhe são atribuídas. As

análises de Vieira Pinto, neste tópico, dizem respeito aos conceitos: formal e dialético de

programação e, em função das ações e relações humanas de produção, aos significados

ingênuos a elas atribuídas. Para tanto, ele opõe aos conceitos ingenuamente concebidos de

(fantasias e falácias) dos apologistas da cibernética a acertiva do fato concreto da existência da

“impossibilidade imanente das criações racionais” dos humanos. A atividade de programação

“sempre se realizou normalmente em todas as sociedades desde a aurora da hominização,

porque faz parte da realidade do homem” e não somente com as criações e usos dos

servomecanismos como querem os ingênuos cibernéticos. “Nenhuma sociedade deixou de

programar o seu destino”. (...) “A tecnologia sendo sempre um fato social, repousa sobre a

realidade do homem, que não só a concebe, executa e usa, mas a transforma em mediações

para suas finalidades, que explicita nas circunstâncias oferecidas pelos sistemas de relações

sociais vigentes”. Segundo o filósofo “o conceito de programação desempenha

simultaneamente papel máximo na teoria abstrata da cibernética e na prática da construção de

engenhos, especialmente os destinados à simulação de atividades humanas, mas serve

igualmente para fundamentar a analogia entre o caso biológico e o mecânico ou eletrico. Ora o

efeito desse conceito sem as devidas reservas e os esclarecimentos críticos exigidos torna-se

indevido e tende a gerar confusões teóricas, conforme de fato acontece e está documentado no

entendimento equivocado de numerosos estudiosos do assunto. Precisamos dizer uma vez mais

que a porta de entrada para a compreensão global da cibernética situa-se na distinção entre

organismos cibernéticos por natureza e os que são por construção”. É necessário saber que o

ente humano é sempre o sujeito do processo de programação e que a natureza “entrega ao

animal uma programação pronta, completa e definitiva, entrega ao homem apenas a

capacidade de programar-se a si mesmo” na medida em que o ser humano “adapta-se à

natureza adaptando-a ativamente às suas necessidades, ou seja, à solução de seus problemas”.

14. A delegação da programação e os tipos formal e dialético da mediação. Neste

tópico o pensador Vieira Pinto, em suas análises, parte do princípio da delegação da

programação entre os humanos se processar a partir da comunicação existencial e de sua ação

social sobre a natureza de tal forma a produzir bens econômicos para sua subsistência.

Segundo ele a programação da produção de mercadoria “não se define pelos instrumentos com

que é feita nem pelos sistemas de direção mecânica, ou de outra espécie seja, a que se submete,

e sim pelo complexo de relações de convivência social onde se exerce. Nenhuma mudança nas

115

máquinas ou na regulação delas pode abrir uma fase histórica, quem a faz são os homens

movidos por finalidades interiores abstratamente concebidas e levadas à prática na luta que

são obrigados a travar pela solução de suas contradições com a natureza ou com outros

homens, na criação de novas formas de convívio social”.(...) “A produção não deve ser definida

em função da máquina, da qualidade e perfeição desta, e sim em função do sistema de relações

sociais que a desenvolve”. Em relação aos demais seres vivos a delegação da programação é

totalmente preparada e dotada pela natureza. Por essa razão o filósofo trata das visões: formal

e dialética das mediações que se dão no processo de delegação da programação. Ainda, em

suas cosiderações sobre as mediações formal e dialética ele afirma que “a racionalidade

manifestada pela máquina calculadora será limitada e nã autônoma, porquanto a máquina não

precisa funcionar, não tem essa exigência interna”. Tanto a delegação quanto a projeção “é um

ato do pensamento dialético do homem, que concebe e sustenta a relação de ação recíproca,

expressa no dispositivo, por ele estabelecida entre seu pensamento e o objeto produzido”.

15. A transmissão da racionalidade e a noção do código genético. No pensamento do

filósofo Vieira Pinto “o que distingue a transmissão da razão humana é o caráter cultural, ou

seja, a inclusão das informações a transmitir num depósito social de conhecimentos, de onde o

recebedor reativa o conteúdo que adquire”. Afirma, ainda, que “a natureza específica do saber

reside em sua fecundidade, visto somente ser possível desenvolver a cultura com a cultura”. Nos

humanos “a transmissão da razão não deriva de uma imposição instintiva, como nos animais,

mas da exigência de conservação da sociedade, que não se mantém senão ampliando seu teor

de racionalidade”. (...) “Nos seres vivos inferiores a razão não cresce nem diminui, porque a

rigor não lhes pertence nem nele tem sede. Na máquina encontra-se um terceiro caso. A razão

está igualmente presente e em funcionamento nela, mas nem foi recebida diretamente da

natureza nem se expande por força da sua mesma transmissão histórica. Nela, a razão tem

sede igualmente no exterior, na cultura produzida pelo homem que chegou ao nível de produzí-

la”. (...) “A máquina tem assim uma história, porém esta lhes é exterior, ao contrário do que se

dá com a evolução biológica das espécies animais, cuja história se realiza em sua própria

sucessão vital, por motivo das acomodações e seleções que cada estrutura viva presente

permite, chegando em certos momentos a um salto qualitativo como é o surgimento de nova

espécie”. Quanto ao código genético ele apresenta as noções básicas do mesmo condicionando

seu ponto de vista ao conteúdo do presente capítulo e conclui com uma frase dos Autores do

Tratado de Bioquímica da Universidade de Oregon que se resume no seguinte:”Nosso

116

conhecimento atual sobre o código genético resultor na maior parte de estudos in vitro sobre

sistemas sem células [cell-free systems] feitos por grande número de pesquisadores em muitos

laboratórios”.

16. A informação idéia subjetiva e elemento de programação cibernética. Neste

tópico o filosofo Álvaro Vieira Pinto conclui o capítulo X do seu livro “O Conceito de

Tecnologia” mostrando que “o ser humano é um produto da história da natureza, assim como a

cibernética é um produto da história do homem . Se a criação do homem deve-se à evolução

biológica, a criação da cibernética deve-se a evolução social. A natureza, ao criar o homem não

resolveu nehuma contradição sua, simplesmente porque a natureza não produz, mas o homem

resolveu uma contradição particular da sua espécie, ao criar a cibernética, porquanto esta lhe

serve de instrumento para as finalidades produtivas que o movem e que ele não pode recusar”.

Com esses argumentos ele discorre sobre a informação como idéia subjetiva e elemento

fundamental de programação cibernética para atender necessidades humanas. Em sua

argumentação ele é altivo em afirmar que “a alienação do homem consiste no rebaixamento da

esência ética do indivíduo ao papel de máquina produtiva com a qual o trabalhador não guarda

nenhuma relação existencial, não percebendo naquilo que fabrica a exteriorização do seu

projeto de ser”. Conclui afirmando que “a sociologia das máquinas cibernéticas não pertence a

elas, mas ao homem. As influências que exercem no meio onde se situam não as afetam em

nada, mas à sociedade que as constrói ou recebe. Sua programação, rígida ou flexível, ou seja,

de rigidez probabilista, leva-a a cometer os mais grosseiros erros, com o mesmo brilho com que

no comum dos casos realiza espetaculares desempenhos úteis”.

117

CAPÍTULO XI. LÓGICA E INFORMAÇÃO

Neste capítulo do seu livro “O Conceito de Tecnologia” o pensador e filósofo Álvaro

Vieira Pinto, a partir de dez tópicos, traz ao leitor os fundamentos da lógica e da informação no

contexto da parte dois do seu livro, ou seja, “o conceito de razão técnica” no âmbito da

tecnologia face a nova ciência cibernética. A seguir seguem as sinóticas Anotações de cada um

dos ítens que configuram o capítulo em tela.

1. O surgimento da ciência cibernética e das máquinas auto-reguladoras. Os

problemas lógicos envolvidos na questão. O conceito de feedback ou retroação ou, ainda, alça

de retorno quando imbricado aos servos mecanismos se constitui no circuito sistêmico de

comunicação como a noção básica para o surgimento da teoria e da prática da ciência

cibernética. O avanço tecnológico de tal fenômeno científico é que além de dá surgimento às

máquinas auto-reguladoras, que criam, também, em consequência, problemas de órdem

epistemológica ao desenvolvimento da lógica formal no contexo da metafísica matemática que

a envolve. Daí a desconstrução feita pelo filósofo de vários conceitos e acertivas que levaram e

levam muitos pensadores a tratarem a cibernética com grandes características do pensar

ingênuo. Claro que o desconhecimento da lógica dialética como visão fundamental da nova

ciência deu margem a que proliferassem inúmeros problemas lógicos envolvidos no tratamento

da ciência cibernética e da informática. “Nenhum instrumento ou máquina dispensa a

interferência contínua do cérebro humano para a operação direta dos seus efeitos. Mais tarde,

quando dotada de dispositivos auto-reguladores, dispensa o permanente manejo pelo homem.

Foi então que esse dispositivo em razão de se haver tornado material, manejável, planejável,

veio a ser tomado por ‘modelo’ do que se passa no cérebro humano e na matéria viva em geral,

no estado de relação imediata com o mundo”.

2. As dificuldades relativas à compreensão lógica da informação. No ítem anterior se

falou sinteticamente de problemas lógicos envolvidos na ciência cibernética. Admite-se que

eles contribuem para isso com dois incorretos modos de interpretar e ver a informação. O

primeiro, está na falta de visão histórica do deenvolvimento das recentes máquinas

cibernéticas e suas vinculações e conexões com as precedentes e, o segundo, por está voltado

para o modo formal de pensar que expusa a visão histórica por ignorar a lei dialética da ação

recíproca e ver a realidade com o sentido de totalidade. Esta representa um “conceito mortal

para o positivismo lógico, fazendo do engenho cibernético, do computador uma totalidade

fechada sobre si mesma”. Esse posicionamento teórico leva, sem dúvida, às dificuldades

118

relativas à compreensão lógica da informação entre os humanos sem se falar que a natureza

não cria e não doa sentido à modelos que, para ela, são desconhecidos e, consequetemente,

também, contribuem para o fato de ela não ter e eximir-se problemas. Muito dos teóricos

cibernéticos ignoram que as linguagens, como propriedades dos seres humanos e, portanto,

um produto de uma mutação fisiológica na sua evolução natural alcança as fases: social da

existência e da cultura fatos que são inesistentes nos demais seres vivos do planeta. Tal

fenômeno, sem dúvida, é a razão de “a teoria da informação começa a constituir-se na prática

social da convivência produtiva entre os homens, porque unicamente nessas condições, e

suposto existirem os dispositivos anatômicos e fisiológicos suficientes, é que há o que informar”.

3. O perigo de fazer a teoria da informação repousar numa concepção mágica do

mundo. Todo sistema de informação cibernética via computadfores se processa em uma base

binária de “dois estados, inconciliáveis, a abertura ou o fechamento”, zero e um ou, ainda, sim e

não. Considerando-se que toda idéia consiste em uma informação, o filósofo afirma que esta

“em seu mais alto significado epistemológico, supõe a presença da consciência e de seus modos

peculiares de ação e reação, depende da constituição da imagem subjetiva da realidade

objetiva do mundo exterior, e por isso incorpora à sua explicação a teoria generalizada da

gênese da consciência enquanto fato específico da história natural do homem”. As especulações

e mesmo as teorias de seus criadores como Norbert Wiener e outros estudiosos cibernéticos,

pelas suas apologias ideológicas à nova ciência cibernética e sua teoria, tendem a inserir um

risco ou delírio de fazer da informação uma concepção mágica do mundo. O perigo de se

ideologizar a teoria da informação como uma concepção mágica do mundo pelos cibernéticos,

sem dúvida, leva essa nova ciência a uma profunda descaracterização e vulgarização. É

importante saber que “não é a informação que se inclui no circuito da realidade viva do

6homem, mas sim o homem que fica incluído no circuito da informação” .

4. Informação e conteúdo semântico. A escolha entre elementos de uma

alternativa como condição do cálculo cibernético. Neste tópico, o professor e filósofo Vieira

Pinto, desconstrói alguns pensamentos dos criadores da teoria matemática da informação

Claude E. Shannon e Warren Weaver que “utilizam a palavra ‘informação’ em sentido diferente

do habitual”. Afirma o filósofo que “a distinção semântica serve para estabelecer a diferença

entre sentido e transmissão de uma mensagem”. Argumenta ele que “em primeiro lugar,

devemos considerar inteiramente falso que a cibernética tenha de ser compreendida na

condição de uma parte da engenharia, porque esta colocação nada esclarece, já que mais

119

impreciso ainda é o significado daquilo que hoje em dia se deve entender por ‘engenharia’. (...) “

em segundo lugar, a coesão entre mensagem e sentido revela-se vital para a cibernética,

confere-lhe a razão de ser desenvolvido com caráter de ciência definida”. Quanto a escolha

entre elementos de uma alternativa do cálculo cibernético mostra-se que “apesar de haver

esforços de matrizes operatórias de base 10, a cibernética preferiu a simplificação máxima,

aquela que oferece à escolha do agente somente os ramos de uma alternativa”. Sabe-se,

entretanto, que no mundo atual “ninguém pensa por escolhas binárias sucessivas, mas ao

contrário esforça-se tão amplamente quanto possível por abranger a realidade presente em

totalidade”. (...) “O método do cálculo cibernético representa o completo divórsio em relação ao

tipo de procedimento vital que o pensamento humano executa para enfrentar as situações

vividas”.

5. A pergunta sobre a essência da informação. No presente tópico o Professor Vieira

Pinto dá continuação a sua desconstrução de vários pensamentos de um dos pais da

cibernética Norbert Wiener sobre a essência da informação que se resume a uma tautologia

“informação é iunformação”. O filósofo contextualiza, também, o pensamento do pensador

Georg Klaus sobre a essência da informação no contexto da distinção dos “três aspectos

essenciais da matéria: o aspecto de substância, o aspecto de energia e o aspecto de

informação” para conceituar e caracterizar a essência da informação como sendo o modo de

relacionamento material, social do ser vivo, principalmente, humano com o mundo. Assegura,

ainda o filósofo, que “a informação não pode ser concebida, no nível das estruturas orgânicas

superiores, sem o duplo aspecto do recebimento de uma influência proveniente de algum dado

objetivo e de resposta ativa, operacional, transformadora, socialmente útil, partida da

consciência”. (...) “Impossível separar a informação e o fenômeno universal da ação recíproca

entre as partes da matéria, em totalidade”. (...) “A informação está associada a uma forma

altamente organizada de movimento da matéria, sem a qual decairia na condição de seu

contrário, o ‘ruído’, que é o modo não estruturado de transmissão de partículas ou de energia

de um ponto a outo do espaço, de um sujeito cognoscitivo a outro, sém porém achar-se

submetido a um procedimento físico desejável de mobilidade da matéria”.

6. Informação, estrutura da matéria e produção social. Segundo o filósofo Vieira

Pinto, a informação em sua constituição natural, “caminha sempre de alguém a alguém, de

alguma coisa a outra”. Garante, o pensador, que sem risco de erro “a informação sempre

esteve a serviço da produção social, sendo movida por ela e se desenvolvendo em razão das

120

exigências feitas com esta finalidade”. (...) “A produção social condiciona duplamente a

expansão da informação. Primeiramente, é preciso que uma sociedade esteja informada em

geral de uma de uma nova exigência nela organizada, quase sempre em função das

anteriormente satisfeitas, para envidar os esforços produtivos destinados a atendê-la. Em

segundo lugar, tendo descoberto que a informação condiciona o incremento da produção, e

portanto o consumo de bens materiais e culturais , a sociedade passa a empregar

intencionamente a divulgação do saber por todos os meios de comunicação descobertos, tendo

em vista o aumento do número de consumidores, porque tal é o processo mais eficaz de

enrrequecimento nas estruturas onde vigora a apropriação privada do rendimento coletivo”.

7. A formação do conceito de informação. O gênio e a criação da obra de arte. Neste

tópico o pensador Vieira Pinto leva o leitor a entender a relação entre formação e informação

cuja feição histórica mostra que é a formação que precede a informação sem qualquer

separação radical. Nas suas explicações ele faz a ponte entre as categorias de: formação,

informação e comunicação mostrando que esta “deve chamar-se existencial porque pertence a

existência”. A partir da idéia e da prática da comunicação ele imbrica a ela as noções de

formação e informação para mostrar as virtualidades do processo de trabalho em linguagem

inteligível da comunicação, assim como, a criação do universo da subjetividade emocional,

amorosa, ideológica e mistica. No conceito de comunicação ele insere, ainda, o de “educação

habitual que está instituída de modo a tornar-se a escola da inércia”. (...) “Nenhuma sociedade

estruturada em desigualdades de situações culturais e econômicas entre seus membros educa

para a transformação”. Quanto ao gênio e a criação da obra de arte ele procede a uma

dialetização das categorias de velho e antigo em relação ao novo. Assim procedendo ele leva o

leitor a compreender o sentido de que “o envelhecer estabelece a única maneira de levar ao

homem em vez de nagação da vida a afirmação da vida, no florescimento daquilo quie os

antepassados puderam criar, sendo recebido pela juventude do futuro como a doação de que

precisava para se fazer original e jóvem”.

8. As etapas da constituição do conceito de informação. Ainda, neste ítem o filósofo

Álvaro Vieira Pinto continua suas apreciações e suas críticas ao pensamento de Norbert

Wiener e de Georg Klaus sobre o conceito de informação que, segundo ele, passa

necessariamente por três etapas de caráter dialético insertas em dois momentos. “A princípio

a informação tem por conteúdo o fenômeno objetivo e universal da relação recíproca de todas

as formas de matéria, no estado bruto, do ser material em si. Representa a forma, igualmente

121

generalizada, do que virá a ser chamada mais tarde ‘reflexo’, quando suas manifestações em

estruturas mais complexas. A informação passa a um segundo e terceiro estágios em seu

processo evolutivo, abrangendo as modalidades, de complexidade crescente, dos atos reflexos

pelos quais se realizam as ações e reaçoes do ser vivo, tanto no intercâmbio com o mundo

exterior quanto na economia interna, na interregulação, por motivo nervoso e hormonal, do

funcionamento dos órgãos”. (...) “A comunicação na forma mais elevada da informação, é um

fato exclusivamente humano. Somente no plano da subjetividade, assim criado, adquire plena

significação e se expande sem limites”. (...) “A cibernética engloba a tecnologia da

comunicação, esforça-se principalmente por estudar o processamento da informação nas

máquinas especialmente construídas para recebê-la, armazená-la processá-la e devolvê-la ao

homem em condições operatórias que este ser dificilmente igualaria e em muitos lhe são

superiores”. (...) “As novas formas em que se efetua a informação nos computadores pertencem

ao homem e não aos maquinismos, pois fazem parte da evolução cultural da humanidade e

jamais se destacam do solo de racionalidade que as sustentam”.

9. Algumas observações sobre os caracteres das lógicas formal e dialética. Neste

tópico o pensador e filósofo Álvaro Vieira Pinto embora não trate da lógica como ciência

elabora um conjunto de observações que caracterizam as lógicas: formal, metafísica e dialética

quanto às questões da tecnologia atual e, principalmente, naquilo que se refere a lógica

imbricada à informação. Logo de início ele estabelece a premissa de que “o pensar define o ato

original do homem, sendo por isso impossível reduzí-lo a objeto de pergunta de fato, uma vez

que se confunde com a atividade real e comunicativa do ser racional que alcançou o eatágio

social de exercício do trabalho produtivo da existência”. Ao condicionar seu ponto de vista aos

propósitos do capítulo ele assegura que “a teoria cibernética da informação tem de suportar a

prova da quantificação e da operação por máquinas construídas segundo o modelo sugerido,

devendo atender às finalidades esperadas”. Quanto aos dois planos lógicos objeto deste ítem

ele frisa “contudo constituirem uma única ciência da lógica, porque não há compartimentos

divisórios no âmbito do pensamento, que apreende a realidade na totalidade de seus aspectos

e opera segundo os modos legítimos de alcançar a verdade”. Depois de descrever e

contextualizar oito caracteres da lógica formal ele conclui que “a dialética se estrutura no mais

amplo sistema de apreensão e explicação da realidade física, social e mental, englobando a

título de caso particular o legítimo exercício da lógica formal”.

122

10. Sinal e informação. Teoria gnosiológica e teoria cibernética. Neste último tópico

do capítulo XI o cientista Álvaro Vieira Pinto leva o leitor a entender a importância dos sinais

na ciência cibernética chegando a explicitar na acertiva que “o sinal sensível, olfativo, visual,

sonoro, ultrasonoro ou térmico, da proximidade do objeto, do ser vivo consumível, não se acha

ligado por laços exteriores ao sistema cibernético de ações recíprocas e retroações que

determinarão os movimentos de captura e deglutização dos alimentos, mas por laços internos

irremoviveis e não aleatórios da constituição desse gênero de sistema”. Em seguida, a esse

argumento, ele afirma que “no autômato cibernético, porém, o sinal coincide com a informação

que enuncia, porque o engenho foi contruído para ter esse modo de funcionamento. Por

conseguinte, em tal caso a coincidência do sinal com a informação resulta no projeto arbitrário

do fabricante do maquinismo”. De um ponto de vista teórico o ser humano “não somente

fabrica o bem a respeito do qual precisa ser informado, mas cria igualmente a informação que

associa a esse bem para reconhecê-lo. Vemos portanto que, nq perstectiva dialética, ateoria

formalista é abstrata revela sua insuficiência e parcialiodade”. Já na perspectiva da teoria da

informação “constituindo ela própria uma informação, para ser compreendida exige o emprego

da informação que a precede. Sendo função de seus estados anteriores, deveria ser

matematicamente interpretada como auxílio de funções hereditárias, fórmula de cálculo que no

caso teria razoável aplicação”. (...) “A cibernética não se confunde com a filosofia. Ao contrário,

depende da reflexão gnosiológica e epiostemológica para se constituir em saber inteligível,

coordenado e dotado de feição científica”. Sendo impossível que as máquinas possam idealizar

qualquer teoria por serem absolutamente desprovidas de cultura que somente se processa no

indivíduo em sociedade na qual a máquina é e será sempre um objeto do sujeito humano. É

preciso repetir e enfatizar que “a cibernética em totalidade enquanto teoria e coleção de

máquinas e aparelhos automáticos e retroativos, compõe um imenso siborg no qual se realiza a

união do homem com a máquina. Se os seres vivos e o homem, em particular, são os únicos

organismos cibernéticos por natureza, os outros o são em caráter derivado, secundário, e por

isso dependem necessariamente do cérebro humano que contém a teoria da realidade deles e

as finalidades que explicam e determinam sua construção”.

123

CAPÍTULO XII. O CARÁTER SOCIAL DA CIBERNÉTICA

Neste capítulo o cientista e filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, em seu livro “O

Conceito de Tecnologia”, em cinco tópicos, externa seu pensamento com respeito ao caráter

social da cibernética mesmo que, para isso, volte a desconstruir pensamentos, acertivas e teses

de grandes pensadores e criadores da ciência cibernética como são exemplos Norbert Wiener e

W. R. Ashby contrapondo sempre ao pensar formal daqueles pensadores o pensar dialético.

Dessa forma, a seguir, se procede, de maneira sinótica, as devidas Anotações seguindo o

mesmo estilo que foi adotado nos capítulos anteriores.

1. O caráter social da cibernética e o conceito de homeostase social. Neste tópico o

eminente pensador e filósofo Vieira Pinto inicia o capítulo defendendo e explicando o caráter

social da cibernética e procedendo críticas, a partir dos circuitos retroativos dos sistemas, ao

uso do conceito de homeostase à sociedade. Segundo ele “importa-nos indicar o significado

errôneo e as intenções ocultas de que se reveste a transladação desse conceito do campo da

biologia para o da sociologia e da política”. (...) “A primeira objeção que precisamos tornar logo

clara é que o fenômeno da homeostase nada tem de privativo do homem em seu

correlacionamento fisiológico interno e externo, mas possui base mais vasta, abrangendo toda

a esfera da matéria viva organizada nas inúmeras espécies componentes dos reinos animal e

vegetal. A presente observação tem valor decisivo porque revela o erro de quantos julgam

estarem passando lìcitamente da realidade individual do homem para a realidade social dele”.

A partir da sua crítica Vieira Pinto politiza o problema e mostra os interesses obscuros e

ideológicos daqueles estudiosos que se prestam a defender os interesses imperialistas que

inclusive doam “as imposturas jurídicas instituídas a conveniente máscara científica”. (...)

“Ignoram os sociólogos e cibernéticos dessa estirpe a noção das exigências lógicas impostas a

toda extrapolação de um campo da realidade para outro, de natureza diferente. Unicamente a

título de metáfora seria lícito, mas mesmo assim desaconselhável pelas confusões insinuadas,

usar a expressão ‘homeostase’ no terreno social”. (...) “Na verdade, não pode haver homeostase

social , pois os confrontos de fatores não se faz entre forças livres em ação recíproca mas pela

regulação forçada exercida por um centro de poder interno, ou, no caso das sociedades

submissas, externo, que dita arbitrariamente, de acordo com seus interesses, os limites dentro

dos quais fica permitida a variação da intensidade dos impulsos em presença. Nas sociedades “a

presença de um centro de poder com eficiente comando dos atos de transformação social

exclui, como logicamente incompatível, a aplicação do conceito de homeostase”. Ainda, no

124

desmonte do pensar cibernético a partir do conceito de homeostase social ele enfatiza que a

sociedade, “não constitui um sistema dialético de órdem biológica, e muito menos por

construção. A sociedade representa um sistema superior regido por leis dialéticas de órdem

qualitativamente distinta, superposto ao plano da existência individual, porque se funda na

correlação entre os homens motivada pelas exigências do trabalho produtivo”.

2. O culto e o domínio da informação. A passagem do plano biológico ao social.

Novamente neste ítem o cientista Álvaro Vieira Pinto dá continuidade ao desmonte do pensar

de Norbert Wiener quando em seus escritos faz ingenuamente verdadeiro culto ou apologia ao

domínio da informação sem entender que a unidade social em tempo algum “se funda sobre a

circulação de informação, mas sobre a atividade de produção da existência pelo trabalho”. A

reificação da informação por Wiener (e alguns seguidores) o leva a equívocos no plano da

passagem do biológico ao social como é o caso de ele acreditar na homeostase social. Outro

fato desconhecido por aquele pensador, conhecido como pai da cibernética, é que “a coesão

social não pode depender da informação, porque evidentemente precisa existir primeiro alguma

forma de coesão entre os membros de uma comunidade para haver possibilidade de colher a

informação e interesse de transmiti-la”. Por fim, Vieira Pinto, neste tópico, mostra que “é uma

observação errônea julgar que a informação, como tal, seja fator causal de coesão de qualquer

organismo social, quando o mínimo de instrução histórica basta para mostrar que seus efeitos,

aliás sempre relativos e em nada coincidentes com que a respeito dela pensam acatados

cibernéticos, dependem da natureza de cada estrutura nacional particular, podendo ter

resultado demolidor”.

3. A informação e as transformações sociais. Partindo do princío de que “o

desenvolvimento da história é que cosntitui o motor da informação”, e que “a informação

resume-se portanto numa pura mediação, num instrumento a serviço das intenções dos homens

e das classes sociais” o professor e filósofo Vieira Pinto, passa a tratar do papel da informação

nas transformações sociais que relativamente não é função da velocidade da informação como

querem muitos dos pensadores cibernéticos contemporâneos. Tanto isso é verdade que “em

qualquer tempo e em qualquer sociedade a informação realmente necessária e decisiva para a

condução dos negócios públicos era veiculadas aos centros de poder e destes irradiava, sob sob

forma de órdens e determinações configuradoras da atividade humana no terreno político,

econômico, cultural, religioso ou administrativo, com a velocidade máxima permitida pelos

recursos de transmissão da época. A noção de ‘lentidão’ da transmissão é secundária, porque a

125

velocidade não forma um elemento constitutivo da natureza da mensagem, e sim apenas afeta-

lhe os efeitos práticos, com a relatividade correspondente a cada momento. O que porém tem

significado essencial é o conteúdo da mensagem”. Após varias considerações o filósofo afirma

que não foi a informação que criou a massa, e muito menos o que os propagandistas ingênuos

hoje chamam de ‘cultura de massas’. “A transformação da informação em mercadoria é que

explica a proliferação dela, pois passou a ser bem de consumo para multidões humanas que

cresciam por outros motivos, se alfabetizavam e ganhavam interesses econômicos universais

pelo aumento da consciência para si”.

4. A “intersubjetividade” assegurada pela informação e a crença de que a natureza

do homem depende das velocidades das informações. Este tópico representa para o Autor

destas Anotações uma das mais contudente crítica à informação como mercadoria feita pelo

filósofo Álvaro Vieira Pinto dos meios de comunicação das mídias: escrita, falada, televisa,

digital pela Internet e, também, pela violência visual e comunicativa da propaganda. Antes

mesmo de proceder suas críticas o cientista trata do significado da mensagem como uma

exteriorização da consciência humana e da intersubjetividade que leva ao conhecimento do eu

e do outro dialéticamente vinculados no plano existencial. É na sua análise que flui a acertiva

de que “o existencialismo mostra-se gnosiologicamente uma concepção impossível, um contra-

senso, uma contradição em termos, porque na há existência sem subsistênciaq. A rigor

deveríamos dizer que a subsistência enquanto processo antropogênico, precede a existência”.

Ao rever e criticar teses ingênuas referentes a natureza do homem depender da velocidade das

informações ele é enfático em refutarf que a “tese pueril de que a natureza do homem depende

da qualidade, modo de transmissão e velocidade das informações recebidas e transmitidas.

Nesta concepção, todas as idéias acham-se completamente invertidas. Nem a natureza do

homem está sujeita à informação, nem a velocidade das mensagens desempenha qualquer

papel constitutivo do ser humano”. Depois de muito conjecturar e desmontar teses ingênuas

sobre a temática do presente tópico Vieira Pinto afirma que “tornada veículo de propaganda, e

portanto suspeita, sabendo-se haver se tranformado em instrumento de infiltração ideológica

ou de promoção comercial, a notícia vem a ser recebida a contragosto, como uma interrupção

intusa, um accessório desagradável do reduzido prazer que talvez alguém ainda espere de uma

transmissão pelo rádio ou pela televisão. A transformação da informação em mercadoria

destinada a produzir a venda de outras mercadorias degradou-a à condição socialmente,

rebaixou-a a condição de mercadoria de segunda órdem, dotou-a do caráter de inoportunidade

126

e enfado que até então não tinha, e aviltou-a ao ponto de ser o que não se deseja, porque dela

nada se espera de importante, igualando-a ao importuno dos anúncios de página inteira dos

jornais”. (...) “O excesso e a perfeição dos meios tecnológicos de nada valem contra a

mercadilização das mnensagens e seu caráter socialmente desiteressante e com elevada

frequência deseducativo, quando não diretamente prejudicial aos propósitos econômicos e

culturais do povo”. Depois de muito denunciar as manipulações ideológicas veiculadas pelos

meios de cominicação, no sistema mundo do capitalismo, o pensador mostra o quanto a

informação contribui para aprofundar o atraso dos povos oprimidos e como se aplica como

instrumento importante à teoria da dominação pelos centros metropolitanos ou hegemônicos.

5. A simploriedade das explicações dos grandes acontecimentos históricos em função

da comunicação. Dois exemplos anedotários. O filósofo, cientista e pensador brasileiro Álvaro

Vieira Pinto conclui o presente capítulo de “O Conceito de Tecnologia” especialmente sobre o

caráter social da cibernética com uma velada crítica à simploriedade das explicações de alguns

intelectuais sobre grandes acontecimentos históricos em função do processo de comunicação.

Para ilustrar a candura das explicações representativas do pensar ingênuo sobre o tema ele

recorre a dois exemplos anedotários que podem ser lidos e avaliados pelos leitores de sua

importante obra acima citada. Pela singeleza das explicações ideológicas, ali apresentadas pelos

cândidos intelectuais e por ele criticadas, apenas anotamos para o leitor a importante acertiva

de que “a astúcia dos literatos assalariados para a defesa da classe dominante consiste em

desviar a atenção dos fatos essenciais para outros, secundários e irrelevantes, e ainda por cima

falsificados, a fim de chocar o leitor, sabendo que toda novidade propositadamente aberrante

aglomera admiradores”.

127

CAPÍTULO XIII . O PROCESSO HISTÓRICO E O CARÁTER DA INTELIGÊNCIA

No presente capítulo o professor, pensador e filósofo brasileiro leitor a pensar

dialéticamente sobre o processo histórico e o caráter da inteligência nos humanos. Para tal fim

ele desdobrou o conteúdo do capítulo em nove tópicos que o Autor das Anotações

sinoticamente apresenta na forma abaixo.Álvaro Vieira Pinto desenvolve seu raciocínio de tal

forma a levar o

1. A compreensão da comunicação e a análise do conceito de “massas”. Neste tópico

o pensador e professor Álvaro Vieira Pinto retoma o seu conceito de massa detalhadamente

estudado e explícito em sua monumental obra “Consciência e Realidade Nacional” (ISEB, 1960)

cujas paráfases se encontram nos “Apontamentos sobre a Consciência e Realidade Nacional

de Álvaro Vieira Pinto” que pode ser consultada no site do Autor dessas Anotações

www.geraldoaguiar.com.br e, também, compartilhar com o leitor. Já quanto a compreensão

da comunicação o filósofo deixa claro que, em geral no processo da vida no planeta “a

comunicação pertence aos processos biológicos embutidos na espécie”, enquanto que nos

humanos “a comunicação deixa de ter por base as exigências biológicas da espécie para se

condicionar às exigências sociais da espécie”. Para enfatizar suas análises sobre o seu conceito

de massa o professor condicionando seu ponto de vista ao ítem em tela afirma que “o

autêntico significado do fato social chamado ‘massa’ consiste no valor humano adquirido pelo

agregado de consciências individuais, cada qual dotada de uma compreensão da realidade, de

finalidades que movem a luta para obter as condições de existência que vislumbram poder

conquistar e na coesão desse feixe de forças sociais num movimento por um objetivo comum,

que transforma o suposto rebanho inerme e na dependência de caudilhos ou empresários que

lhe usurpam a direção em uma formidável unidade de ação histórica”. Ele conclui o tópico

advertindo o leitor que “a comunicação, negado o valor existencial, torna-se um ingrediente

farmacológico. Concebida a comunicação no papel de agente externo à realidade do homem, é

fácil convencer os dirigentes sociais de que o manejo dos meios informativos constitui a mais

poderosa força para mover os seres humanos a seguir os rumos ou a consumir os produtos,

tanto ideológicos quanto materiais, que as frações dominantes desejam impingir à grande

maioria da humanidade”.

2. Ingenuidade sobre a função da imprensa e a velocidade da comunicação. O filósofo

inicia este ítem desconstruindo o pensar ingênuo de Mac Luhan sobre a incorporação social da

128

técnica tipográfica e da função da imprensa, contestando-o com a acertiva de que não foi a

imprensa que criou o homem e sim este que por motivo das condições sociais em que passou a

viver foi que criou a tipografia e a imprensa. Denuncia, também, que desde sua invenção a

imprensa sempre foi “privilégio dos grupos e classes que delas necessitavam, nunca se

estendendo além desse círculo às massas em geral”. Já quanto “a velocidade de informação em

todos os tempos foi função das exigências técnicas da produção e, o que nestas está implícito,

do governo de cada sociedade em uma fase do respectivo desenvolvimento. Em última instância

a comunicação identifica-se sempre a um fenômeno social realizado pelo encontro entre um

homem e outro”. Assim, se desmistifica a crença de que “o processo de comunicação se realiza

pela ligação do indivíduo ao aparelho difusor de notícias”, (...) “Por trás do aparelho, do filme,

do jornal, dos figurantes e faladores, está o outro homem, o proprietário ou comandante do

processo informativo, o verdadeiro personagem fantasma, mas nem por isso menos real, com o

qual se defronta sem percebê-lo, conforme é da natureza dos genuínos fantasmas, o pacífico, e

quase sempre ingênuo leitor, ouvinte ou assistente”. Nenhum dos pregadores de ingenuidades

sobre o papel ou função da imprensa ou das mídias de comunicação contemporânes, incluso a

Internet, pode ignorqar ou ocultar que o interesse humano “pelo relacionamento com o mundo

é inversamente proporcional ao grau de informação difundida, e quase toda desperdiçada em

cada época”. Por isso, afirma e adverte o grande pensador e filósofo brasileiro que “a fraude

econômica e ideológica do poder atribuído à informática, que longe de ser a compulsória

imposição do ‘mundo’ pela comunicação tecnológica, distribuída forçosamente a todos os

homens por igual, continua encontrando como fator obstrutivo e limitante um atributo

essencial do homem, enquanto pessoa única e induplicável, a vontade de fazer socialmente o

mundo para si”. Vieira Pinto finaliza o tópico dizendo que “a história conhece várias épocas e

formações distintas, mas as leis universais que a regem são sempre as mesmas, diferindo tão-

somente na diversidade das formas das situações objetivas globais, incluindo as realizações

tecnológicas a que se aplicam em cada fase”.

3. A produção automática e automatizada não define uma nova espécie de

formação social. Neste ítem o cientista Álvaro Vieira Pinto é enfatico em argumentar e afirmar

que “a produção automática não cria nenhuma espécie de formação social e a prova nos é dada

pelo fato de, em sentido geral, ser adotada, e achar-se em plena expansão, em países de

regimes sociais e políticos diferentes”. (...) “A criação tecnológica não atua como fator

autônomo no curso da história, dela não decorre imediatamente uma nova situação, mas

129

representa apenas a substituição de um tipo de mediação por outro, o que portanto não lhe

retira jamais o valor de mediação, não a promove ao status de causa”. Argumenta que “a

vinculação do homem à máquina configura um fato histórico, assume feição característica em

cada época e tende a diminuir, nos aspectos de ações diretas penosas, com o progresso da

ciência e da tecnologia, passando de modalidades ainda pesadas às de controle e de projeto e

vigilância da produção”. (...) “A tecnologia de que uma sociedade dispõe constitui um fator de

sua estrutura, e assim sofre a influência de todas as modificações nela verificadas ao mesmo

tempo em que cria condições, por seu particular progresso, para o eventual surto de novos

fatores de transformação”. Ainda em sua argumentação ele afirma que em todas as situações

“a máquina enquanto tal não faz a história, nem sequer atua no papel de determinante

irresistível das ações humanas. Ao contrário, por ser a máquina uma criação do homem,

manifesta a aparência de ação causal, porque sobre ele podem refletir os efeitos de sua

atuação econômica, dando a ilusão óptica de causa, superpondo-se à verdadeira e única razão

determinante dos acontecimentos históricos, a luta dos homens pela solução das contradições

com o mundo natural e com a trama de relações sociais incapazes de assegurar a todos, com

justiça, liberdade, bem-estar e possibilidade de progresso cultural”.

4. A aceleração do processo histórico. Este tópico do presente capítulo é, sem dúvida,

aquele em que o professor e filósofo brasileiro Àlvaro Vieira Pinto estende sua argumentação

para demostrar a imbricação do desenvolvimento tecnológico à aceleração do processo

histórico de hominização do animal Homo sapiens. Tanto é assim que a evolução, o progresso

da ciência, da inteligência e da tecnologia é antes de tudo, segundo ele, um progresso do ser

humano. “Na verdade o que se acelera não é em essência o desenvolvimento da tecnologia

mas o desenvolvimento da hominização”. (...) “Por conseguinte importa-nos cultivar aquilo que

efetivamente o pensamento crítico nos ensina: (a) que uma transformação tecnológica,

enquanto tal, não implica a passagem de uma formação histórica a outra; (b) que todas as

épocas dão aos contemporâneos o mesmo direito de as julgarem extraordinárias; (c) que a

aceleração existe, o progresso tem curso exponencial, mas sempre foi assim, e por isso não há

sentido em considerar miraculosa a imensa quantidade de dispositivos técnicos quer hoje nos

cercam , chegando a substituir quase totalmente a natureza no papel de ‘mundo’ físico, para o

indivíduo urbanizado dos países desenvolvidos”. Com respeito às idéias de futuro na acepção do

presente que se deseja venha a ser Álvaro Vieira Pinto considera que “as considerações sobre o

futuro são parte integrante da filosofia técnica, porque aquilo que realmente se trata de

130

compreender consiste no progresso temporal da racionalidade humana, espelhado nas

realizações que, em, cada época, o homem consegue levar a cabo para alcançar um melhor

desempeho biológico e cultural da existência no mundo onde vive. O homem tem de modificar o

mundo à imagem de suas finalidades, mas a alteração significa oferecer às gerações seguintes

um ‘mundo’ diferente do recebido do passado e, mesmo, diferente do presente. Por isso, toda a

tecnologia identifica-se por definição a um projeto do homem, ou, segundo bem exprime a

etimologia da palavra, ao ‘lançar-se para a frente’, a antecipação da racionalidade futura, na

esfera de objetos circunstantes, que passarão a existir, e na forma das relações sociais que se

espera entrarão a vigorar”. Ainda, segundo o filósofo a espécie humana “não se destacou das

condições fisiológicas animais racionais por um fenômeno imcompreensível ou por um fiat

divino, e sim porque em obediência as próprias leis da evolução filogenètica, o homem

enveredor pelo caminho do aproveitamento da ação coletiva do grupo sobre a natureza, a

saber, constituiu-se em animal que empreendeu sistemática e definitivamente a construção do

seu mundo pelo trabalho social”. (...) “O cerebro é o único órgão humano em contínua e

acelerada expansão, porém tal crescimento não assumiu a aparência de aumento visível de

massa, mas consistiu no aperfeiçoamento das funções representativas e volitivas”. Sem dúvida

descansa, neste fato, a grande expansão, aceleração, desempenho, desenhvolvimento e caráter

da inteligência do ser humano.

5. O trabalho e a evolução do progresso tecnológico. O pensador e professor Álvaro

Vieira Pinto ao afirmar que “a crença numa fase ‘pré-lógica’ da vida social da humanidade

pertence ao romantismo da consciênci ingênua de etnólogos e filósofos de exaltada imaginação

e excelentes dotes literários” dá início a crítica das análises do presente ítem com o propósito

de esclarecer a candura de muitos intelectuais, entre eles Rose Marie Muraro (A automação e

o futuro do homem, Vozes, Petrópolis, 1968), com respeito ao conceito de trabalho e da

evolução do progresso tecnológico. Tanto isso é verdade que o professor e filósofo em sua

crítica afirma que “o processo inteiro da hominização e da pré-hominização, e contém, ademais,

a maior parte do tempo em que nem o homem nem os hominídeos tinham aparecido, nem

talvez os platirrinos houvessem ainda se destacado dos prossímios, não se sabendo se já

existiriam pliopitecos, oreopitecos e driopitecos, estes últimos prováveis ancestrais dos

pongídeos, os atuais gorilas, chimpanzés, orangotangos e ramapitecos, ora extintos. Só

existiriam talvez antepassados quadrúpedes, animais muitíssimo mais remotos. Por isso, dizer

que 95,5 % da vida humana passou-se na pré-história equivale enunciar uma frase insensata e

131

impressionista, incompreensível mesmo em termos puramente biológicos, porquanto jamais

poderíamos chamar de ‘humano’ esse longo segmento da evolução do filo que viria dar, depois

o surgimento dos primatas, os primeiros indivíduos indentificáveis como pertencentes ao gênero

homo. Temos aqui um bom exemplo das artimanhas impressionistas destinadas a espicaçar e

desorientar a imaginação de incautos leitores”. Ainda, em suas apreciações o pensador conclui

que “os devaneios da imaginação dos diletantes da tecnologia se tornam mais visíveis,

caminhando no sentido da crescente irresponsabilidade característica da ‘futurologia’, é na

discussão do problema da automação. Não se trata de simplesmente demonstrar a capacidade

dos engenhos automáticos de executar trabalho, antes de exclusiva realização humana, mas

planejá-lo, inventá-lo e desempenhá-lo”.

6. A impossibilidade de a máquina dispensar o trabalho humano. Neste tópico o

pensador e filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto põe em discussão a “compreensão da

natureza do trabalho” para aprofundar seu parecer sobre a impossibilidade de a máquina vir

um dia a dispensar o trabalho humano. Em virtude da inteligibilidade e compreensão do vem a

ser o processo de trabalho humano o pensador e filósofo destaca uma reflexão da lógica

dialética existencial que segundo ele “pode servir-nos de axioma fundamental: uma máquina é

capaz, em certo sentido apenas, de substituir o homem na execução de um determinado

trabalho, apreciando-se a mudança pelo aspecto referente à produção dos mesmos resultados,

mas nenhuma máquina, nem o conjunto de todas elas, , substitui o trabalho enquanto tal,

porque por definição a máquina não trabalha, só o homem. O equívoco consiste aqui em supor

que produzir os mesmos resultados seja sinônimo de trabalhar”. (...) “O trabalho, sendo aspecto

do ser moral e social do homem, não admite substituição pelo funcionamento de nenhum

engenho artificial”. È notório e sabido que a “criação das máquinas, de qualquer espécie, não

constitui função nem objetivo da cibernética e sim da inteligência humana, que só se vale

presentemente dos conhecimentos cibernéticos para fazer o que sempre fez, construir os

engenhos materiais destinados a uma finalidade social produtiva, conforme em todos os

tempos aconteceu, muito antes de alguém sonhar com a nova ciência”. Ainda com respeito ao

processo de trabalho humano vale apenas refletir sobre a acertiva do filósofo segundo a qual “o

trabalho só tem sentido em relação ao homem, porque apenas este ser possui, com a natureza

contradições que tão-somente se resolvem por meio do trabalho. A máquina, por automatizada

que seja, não pode ‘trabalhar’, pois não tem razão para fazê-lo. Apenas cumpre o programa

nela embutido e se limita, mesmo nos casos, ainda a bem dizer hipotéticos, em que planeja e

132

constrói outras, a realizar aquilo que o verdadeiro criador, o cérebro humano, determinou-lhe

executar. O trabalho humano prossegue, assim, sem solução de continuidade na máquina

automatizada, porque esta não mudou de caráter, não deixa de ser uma mediação entre os

homens e a natureza”. Para finalizar as Anotações, sobre este ítem, vale lembrar que o filósofo

tem toda razão quando afirma que “a automação simplificou, unificou o domínio do homem

sobre as máquinas , representando assim um triunfo da evolução cultural. A idéia da máquina

escapar do domínio humano, dispensá-lo ou chegar a superar em capacidade pensante o

cérebro que a produziu, faz parte do fabulário de nossa época, sendo ainda veiculada por

escritores ávidos de escândalo intelectual, esforçando-se por estimular um público que começa

a dar indisfarçáveis sinais de fadiga e insensibilidade a esse novo bestiário, substituto das

antigas e emocianantes fabulosas narrativas medievais”.

7. A inteligência do homem e a “inteligência” das “máquinas. Este tópico é, sem

dúvida, um dos mais extensos do capítulo e da obra, como um todo, e que será muito

simplificado nestas Anotações por o Autor apelar aos leitores que pela sua importância

epistemológica o leiam no original da obra do filósofo. Neste ítem Álvaro Vieira Pinto

desmistifica e problematiza pensamentos do tipo do que aqui transcreve-se, ou seja: “É logica a

conclusão de que o desenvolvimento dos sistemas paralelos e a miniaturização dos circuitos

eletrônicos eventualmente levarão ao desenvolvimento de autômatos inteligentes sintéticos,

possuindo uma inteligência incomparavelmente superior à de qualquer ser humano”. Esse

paradigma de infantilidade da intelectualidade ingênua foi proferido e escrito por conhecidos

intelectuais norteamericanos no livro “Inteligence in the Universe” (Prentice Hall, Nova York,

1966). Refutando esta e outras cândidas acertivas o filósofo brasileiro afirma que “a

inteligência é um modo de ser da matéria organizada em estruturas vivas, e por isso encontra-

se em toda a série animal, numa escala de graus continuamente crescente, constituída, em

todas as etapas, pela capacidade da matéria viva de refletir os aspectos do mundo circunstante

que lhe importa conhecer para a conservação da vida, de acordo com o tipo de estrutura

orgânica possuído por determinada espécie animal”. Segundo ele a inteligência não surge no

ser humano já constituído, mas sim em todo seu processo de hominização, paticularmente,

com o surgimento das idéias abstratas universais. Por isso possui “a capacidade de produzir

representações qualitativamente diferentes das possuidas pelos seres inferiores”. “ No homem ,

a representação assume o caráter de idéia, por conseguinte constitui-se com os atributos de

abstração e generalidade, que transfomam a função biológica e de representação da realidade

133

em capacidade cognoscitiva que, de pleno direito, se chama inteligência propriamente dita”. De

toda argumentação do filósofo sobre inteligência fica fácil deduzir que a máquina cibernética é

desprovida de qualquer tipo de inteligência na medida em que não tem idéias e muito menos

qualquer tipo de emoção e contradição com a natureza e, mais ainda, nenhuma estrutura

orgânica. Apenas, se apelidou e se atribuiu o termo de “Inteligência artificial” a alguns

atributos e desempenhos de algumas máquinas cibernéticas e robóticas sem que, por isso, se

possa aceitar a existência de uma inteligência artificial silísica. Em verdade a máquina

cibernética não tem inteligência alguma na forma em que a mesma se manifesta e existe nos

seres vivos. Esta é uma das razões pela qual “o autômato, não sendo vivo, não exige adaptação

alguma, além da embutida por construção no maquinismo, representando na verdade a

adaptação das finalidades do construtor à realidade material em que põe o engenho a

funcionar”.

8. O processo de superação da inteligência. Neste tópico o professor e filósofo Álvaro

Vieira Pinto dá continuidade ao seu pensamento ou raciocínio sobre o processo de superação

da inteligência. Para tanto, ele chama a atenção para o fato das chamadas inteligências:

artificial; mecânica e eletrônica não terem propósitos próprios a realizar. O autômato não tem

nenhum atributo para criar autobenefícios incluso o de evoluir para uma melhor perfeição

estética e funcional pela razão de não ser dotado de exigências e finalidades autônomas. Para

se chegar ao processo de superar e sobrepujar a inteligência os humanos tiveram que criar e

solidificar virtualidades que permitissem, na sua evolução, passar da fase instintiva à fase

cultural. Para entender tal processo é necessário “assinalar duas noções: (a) a sucessão entre

uma fase puramente biológica e outra, assinalada pelo surgimento da cultura; (b) o homem só

se realizou plenamente quando incluiu a atividade do pensamento abstrato na esfera da

cultura, porque superou definitivamente a ambiguidade do período de transição do antropóide

superior para o ser caracterizado pela instauração de um habitat construído pelas relações

sociais de produção de bens necessários”. Acredita-se que “somente a posse das idéias permite

a formação de um universo de pensamento onde a consciência, definida como o funcionamento

do relacionamento das representações com o mundo que refletem, logo estabelece ligações

internas, que vão se complicando, pela descoberta de elos cada vez mais complexos, até o

ponto onde surge a possibilidade de estruturar a imagem interior da realidade em função de

uma das idéias”. Essa talvez seja a razão de a inteligência humana esteja ligada ao pensamento

134

e à realização da linguagem, da técnica, da arte e da sociedade que tem imbricada em si a

violência original que é, da exploração de um humano por outro.

9. O autômato não trabalha. Para concluir o capítulo, em apreço, o filósofo Vieira

Pinto argumenta e apresenta, neste ítem, a sua acertiva de que qualquer máquina cibernética

seja ela um computador, um robô ou um autômato não trabalha. Ele afirma, em suas

argumentações, que os autômatos não podem trabalhar porque não tem existência e

convivência social, logo não tem finalidades são desprovidos de cultura e do processo de

trabalho que, no planeta, é privativo e exclusivo dos humanos. É sabido que

epistemologicamente o conceito antropológico, cultural, político e social de trabalho só tem

sentido quando vinculado ou imbricado ao ser humano e nada tem a ver com aquele conceito

usado pela física clássica, particularmente referentes aos movimentos dos corpos. Tanto isso é

verdade que mesmos os semoventes, inclusos os escravos, jungidos a qualquer instrumento ou

meio de trabalho, não trabalham. “Executam tão somente um penoso esforço muscular a eles

impostos pelo homem, que os utiliza no papel de mediações físicas para realizar a produção”.

135

CAPÍTULO XIV. A CIBERNÉTICA E O DESTINO DO HOMEM

Este capítulo foi desenvolvido em seis tópicos voltados ao trato da ciência e da

tecnologia cibernética em relação as especulações sobre o destino da humanidade ou, ainda,

ao viés ingênuo do destino do ser humano. O cientista e filósofo brasileiro Alvaro Vieirab Pinto,

munido da lógica dialética, dá continuidade às suas críticas não somente ao “jogo de palavras”

mas, principalmente, ao modo formalista de pensar dos cibernéticos clássicos. Desse modo, ele

combate a veneração e reificação da nova ciência, movida por notáveis tecnologias que passam

pela ação da atualização do virtual ao ponto de prospectar a realidade de uma tecnoesfera à

antroposfera.

1. A exigência da interpretação dialética dos fatos e problemas cibernéticos. Com

vistas a evitar delírios e ilusões com respeito a ciêcia e tecnologia cibernéticas o pensador supra

citado discorre sobre a necessidade ou exigências da interpretação dialética dos fatos e

problemas da cibernética. Argumenta ele que “a dialética, enquanto ciência do pensamento,

constituída em concepção da realidade e método epistemológico, uma vez que reflete a

dialética perpetuamente em ação na evolução do mundo material, não equivale, no rigor da

palavra, a um instrumento, não só porque tal maneira de ver suporia a exterioridade dela em

relação ao pensamento, tal como o martelo em relação à mão, mas ainda porque é ela mesma

a lei, ou o conjunto de leis, a que obedece a formação do próprio pensamento e que lhe dá o

fundamento para a verdade última das operações que realiza”. Depois de mostrar que o

maquinismo cibernético supõe sempre, também, a possibilidade de ser melhorado, ele conclui

que nenhuma máquina será capaz de inventar na medida em que por definição nada lhe falta e

nada tem a aprender. Argumenta, ainda, que “unicamente o ser humano aprende, e somente o

faz porque precisa aprender. No homem o processo de aprendizagem adquire o único autêntico

sentido, elevando-se ao plano existencial e realizando-se conscientemente como função social.

O aprendizado constitui um ato essencial à conservação do conjunto social e pertence

exclusivamente à sociedade, que lhe dá fundamento e o pratica continuamente a fim de

preparar seus membros para o melhor desempenho da capacidade de cada qual no processo

coletivo de produção”.

2. A noção de aprendizagem. A partir da noção de aprendizagem supra fica patente

que sómente os humanos aprendem na medida em que a suposta aprendizagem de outros

seres vivos não passa do “exercício prescrito e invariável de comportamento inerentes à espécie,

que determina nos adultos o desempenho das ações relativas à prole”. As ações institivas nos

136

animais inferiores, para os filhotes exercerem determinadas funções naturais da espécie, nada

tem de aprendizagem na medida em que os adutos não sabem o que estão ensinando, pois não

doam sentido à ação que é hereditária e repetitiva. Nos humanos as ações de aprendizagem

são necessaria e obrigatoriamente culturais onde as ações cognitivas de mediação são

conhecidas como educação cuja prática é a aprendizagem. Em outras palavras vale dizer que

nos humanos o ato de aprender não se reduz ao modo de adaptação para a sobrevivência no

ambiente natural e sim para sua autocriação cultural no processo social ou coletivo da

produção para sua subsistência. A ação de trabalho social inovador pela educação e

aprendizagem dos humanos nesse processo é que lhe dá o atributo de ente humano já que o

animal não se educa é apenas amestrado. É, também, uma infantilidade fantasiosa se pensar

ou admitir que uma máquina pode aprender e pensar como querem os cibernéticos formalistas

e ingênuos. “Os autômatos não possuem nem criam relações uns com os outros. No autômato

os condicionamentos a que obedece foram-lhe impostos por construção pelo artífice humano, e

deles não tem consciência”. É preciso ressaltar que “as matrizes de aprendizagem não dotam o

autômato da capacidade de produzir o ‘seu trabalho’, que continua sendo do homem, ao qual,

como os demais instrumentos,servem de mediação, apenas mais complexa”. Entre muitas

outras esta é uma das razões do filósofo argumentar que “no nível epistemológico não se brinca

com as palavras. O ‘jogo de palavras’ pode ser uma atitude graciosa, inteligente ou pedante em

muitas outra manifestações da inteligência, menos no terreno científico”. Ainda, para Vieira

Pinto, “aprendizagem não significa adaptação nem mesmo no estado cultural de determinado

tempo, mas exatamente o oposto, ou seja, a aquisição de instrumentos para a não adaptação

ao estado atual, graças a transformação deste em nova situação, representativa de maior

progresso”.

3. Os fatos cibernéticos e a unidade dos processos materiais. Neste tópico o

pensador ecientista Álvaro Vieira Pinto mostra “que a cibernética tem por objeto fenômenos

que se passam em tres ordens diferentes de seres, constituindo, no entanto, um legítimo

conhecimento unitário. Na série que vai da máquina simples ao cérebro de um indivíduo genial,

passando pela escala inteira dos vivos irracionais, há tanto um aspecto comum quanto um

diferencial. O que todos os degraus tem em comum consiste na unidade da matéria a qual se

reduzem, porque, seja qual for o tipo de estrutura viva ou inerte, obedece sempre as mesmas

leis universais do movimento da matéria, cuja expressão geral configura a dialética da

realidade. Entretanto, as leis universais particularizam-se em modalidades especiais para cada

137

ordem de seres considerados, desde os materialmente brutos até os vivos, culminando na

manifestação mais perfeita, o cérebro humano ”. Dentro da presente unidade dos processos

materiais os fatos cibernéticos podem ser resumidos, para efeito deste ítem, na acertiva do

filósofo de que “nenhuma máquina trabalha para si, e sim todas para o homem”. Outro fato

cibernético crucial “é que a automação e a auto-regulação não romperam a relação entre o

homem e a máquina. Dão-lhe nova forma, apresentam-na em inéditas modalidades, aquelas

que caracterizam nosso tempo”.

4. O conceito de controle. A retroação do segundo grau. Neste tópico se explica na

máquina cibernética o conceito de controle e, principalmente, o de retroação de segundo grau.

Argumenta-se, inicialmente, que “o sistema total compõe-se então do cérebro do inventor, mais

o do construtor a que se junta posteriormente o do operador, demais de um sistema primário de

autocontrole embutido no maquinismo”. Já a retroação cibernética, em termos geral, é

remetida à especial e importante “diferenciação entre o conhecimento na máquina e o

conhecimento da máquina” que dentro de um processo de retroação de segundo grau exige a

presença humana. Vieira Pinto assegura, ainda na cibernética, que “a noção de controle exige

um apuramento que o pensar formal se revela impotente para fornecer” por não ir além da

causalidade linear. Na retroação de segundo grau há uma demanda do “conhecimento da

máquina como totalidade que representará o papel de nova ‘entrada’ no circuito cibernético do

pensamento inventivo humano”.

5. A automação e sua influência nas condições do trabalho. Neste tópico do presente

capítulo são retomadas por Vieira Pinto as idéias e críticas do processo de automação, agora,

sob a ótica de sua influência no processo de trabalho. Além de argumentar sobre como se

prolonga o processo de trabalho com a criação do emprego na fase capitalista pré-industrial e

seu aperfeiçoamento na fase industrial, Alvaro Vieira Pinto trata da chamada ociosidade do

trabalho nas empresas que tem a pretensão de sua automatização. Assegura ele, em suas

considerações, que com o progresso e automação das máquinas na era industrial e,

principalmente, aquele “propiciado pela cibernética o trabalho humano não desaparece,

apenas muda de qualidade, tornando-se, em valor cultural muito mais intenso que

anteriormente”. (...) ”A possibilidade de constituir centrais autômatizadas para controlar o

funcionamento de um conjunto enorme de variadas máquinas representa um triunfo da

racionalidade do conhecimento humano, mas não há sistema regulador, por gigante que seja,

capaz de encerrar o processo de criação contínua de novas máquinas e de tornar surpléfuas

138

organizações ainda mairores exigidas pela produção social”. Assegura, ainda, o pensador que

“se mais homens deixam de trabalhar nas formas penosas, haverá maior disponibilidade de

indivíduos que, se devidamente educados, ingressarão no setor criador da sociedade, nos mais

diversos campos da cultura, da pesquisa, do conhecimento, da arte e do próprio

desenvolvimento da automação”. Sobre a questão da ociosidade do trabalho, hoje muito

discutida, o filósofo “mostra que o conceito de mão-de-obra ociosa não se define pelo fato do

indivíduo estar ou não trabalhando nas formas catalogadas de emprego, e portanto sendo

remunerado, mas deve ser interpretado pelo valor qualitativo do trabalho efetivamente

exercido no contexto social”. Esclarece também, que “a automação por si gera o reforço

imediato da consciência social esclarecida tem de ser recebida com reservas no âmbito do país

subdesenvolvido, sendo conveniente examinar e discutir-lhe os efeitos em circuitos restritos”.

6. O conceito ingênuo de “destino do homem”. Neste último tópico, do presente

capítulo, o cientista Àlvaro Vieira Pinto trata detalhadamente do uso e do sentido do conceito

ingênuo de o “destino do homem”, hoje, muito em voga e pregado pelos aurautos da ideologia

da dependêcia dos países periféricos aos países cêntricos imperialistas. Esses ideólogos

confundem intencionamente o sentido do que vem a ser o tabalho do futuro e o futuro do

trabalho que são especies antagônicas da consciência social com respeito ao processo

tecnológico. Enquanto para as classes dirigentes, burocratas, empresários e idustriais,

comprometidos com o trabalho do futuro, a educação é entendida e praticada como exigência

da tecnologia. Para os trabalhadores de um modo geral que pensam no futuro do trabalho a

tecnologia é entendida e apreendida como exigência da educação. A análise dessa

complexidade da consciência social com respeito ao trabalho futuro e ao futuro do trabalho

mostra que “antes, os jovens reivindicavam a criação da universidade para si; agora,

reivindicam a criação da sociedade para si. A diferença é enorme e capital, porque na primera

situação a classe dirigente dispunha de meios para atender; pelo menos em certa medida, aos

reclamos do estudantado, mas na segunda evidentemente nada de positivo poderá fazer,

porquanto está em questão a estrutura de relações de produção que ortogam aos grupos

econômicos, políticos e culturais dominantes a proeminência e os benefícios a que de modo

algum seriam capazes, voluntária e pacificamente, de renunciar”. O desenrrolar político desta

contradição da consciência social aponta para que “o problema do destino do homem compete

ao homem, unicamente a ele diz respeito, à sua consciência de si e do mundo e não às

máquinas ou técnicas que cria, pois tem caráter existencial e ético, e será resolvido, como

139

sempre foi, pela passagem de uma condição histórica de vida, de trabalho e convivência a

outra, mais humanizada”. Ao contrário do que pensam e pregam os ingênuos das classes

dominantes detentores de poder político, social, econômico e tecnológico no sistema mundo

do capitalismo “o destino do homem nunca deixou de ser o mesmo, e se conservará inalterado,

porque pertence à natureza desse animal social. Define-se pelo incremento do domínio das

finalidades existenciais e morais sobre a natureza, pondo os corpos e as forças físicas a serviço

da satisfação das necessidades verdadeiramente humanas, com o fim de constituirem a base

material de um melhor sistema de relações de convivência social, formando o conjunto de

circunstâncias objetivas que permitirão a todos os membros da espécie, sem discriminações,

alcançar o estado que, emocionamente, chama-se felicidade. O vetor constante na trajetória da

hominização sempre foi, e será esse”. O filósofo e cientista brasileiro Álvaro Vieira Pinto, em

contraponto à visão ingênua de que a tecnologia é ou representa uma ameaça ao destino do

homem, conclui o capítulo argumentando que “o destino do homem não está ameaçado pela

automação ou por qualquer outra tecnologia atual ou futura, mas pelo uso que desses

instrumentos alguns homens, organizados em centros de decisões das classes dirigentes,

possam fazer contra outros”.

140

PARTE IV – TECNOLOGIA E PROBLEMAS DA EXISTÊNCIA

Nesta quarta parte do seu livro “O Conceito de Tecnologia” o pensador, filósofo e

cientista brasileiro Àlvaro Vieira Pinto encerra sua monumental obra com mais dois capítulos

voltados para a tecnologia e os problemas da existência dos povos espoliados e oprimidos pelos

países cêntricos imperialistas do sistema mundo do capitalismo.

141

CAPÍTULO XV. AS PERSPECTIVAS DA TECNOLOGIA

Neste capítulo o professor e filósofo Álvaro Vieira Pinto encaminha ao leitor o

conteúdo do seu pensamento em sete tópicos que o Autor destas Anotações os resumiu

(seguindo o mesmo padrão dos anteriores) buscando o máximo de fidelidade ao que consta no

livro “O Conceito de Tecnologia”.

1. A cibernética, nova versão da mathesis universalis. Contrapondo-se aos velhos

ideais pitagóricos e platônicos da mathesis universalis que muito dos cibernéticos reivindicam

e tentam enquadrar a nova ciência cibernética. O pensador Álvaro Vieira Pinto afirma que ”a

cibernética jamais poderia representar é o papel de ciência universal, não apenas porque ela

própria constitui uma das ciências, de direito igual às restantes, mas ainda porque, em razão de

sua natureza, depende especificamente de numerosas outras para se organizar e progredir”.

Novamente, neste tópico, o filósofo volta a desconstrui e condenar o pensamento e as teses de

Martin Heidegger que ele julga especulativo, falso e inviesado na sua pretenção da unificação

das ciências pela tecnologia. Todas as especulações, do velho pensador alemão, sobre o

assunto não passam de um ilusório e descabido pragmatismo que tende a transformar-se em

delírio.

2. A cibernética filosofia metropolitana. Neste ítem o filósofo denuncia “os interesses

da dominação metropolitana induzirem seus ideólogos a procurarem sempre algum artefato

teórico que possam distribuir ao mundo subdesenvolvido a fim de confirmarem a superioridade

econômica e cultural, manterem a subalternidade da consciência periférica e fortalecerem os

grilhões da subserviência e da alienação”. Em suas argumentações Vieira Pinto além de

denunciar tal fato explicita como os detentores do poder nos países cêntricos usam e fazem da

cibernética uma ciência com alto teor ideológico de dominação como filosofia metropolitana.

Tanto isso é verdade que os dominadores a partir da tecnologia cibernética continuam a

divulgar infalíveis instruções ideológicas para evitar qualquer tipo de ameaça à inversão

cultural, ou seja, que o receptor dessa tecnologia passe a categoria de produtor. Mesmo assim

vários países periféricos vem conseguindo romper o cerco como é o caso dos paíse hoje

conhecidos como NICS. Essa é a razão de o filósofo combater a finalidade de avasalamento da

cibernética quando afirma “não basta automatizar a fábrica, torna-se necessário automatizar a

sociedade, o que, em última análise, significa automatizar, ou robotizar o homem, o

trabalhador, o pensador”. Muitos dos reinficadores da máquina cibernética reagem a

142

reconhecer que em qualquer circunstância “o significado da máquina decorre do papel social

que desempenha, na perspectiva dos interesses dos homens seus criadores”. (...) ”o homem é o

ser a quém a sociedade atribui a função existencial de projetar o seu ser”.

3. A ingenuidade do conceito de “revolução cibernética”. Outra ingenuidade muito

combatida por Álvaro Vieira Pinto é aquela que presume e prega, nos dias atuais, a chamada

“revolução cibernética”, ignorando que a qualidade de tal revolução está como nas demais que

já passaram, isto é, na qualidade social do existente humano, ou seja, no “regime de relações

produtivas em que obrigatoriamente tem de viver, dá-lhe traços distintivos que serão as

verdadeiras notas lógicas definidoras do conceito de humanismo”. Esquecem eles que “a

tecnologia só pode se tornar revolucionária quando se converte na tecnologia da revolução”. A

falácia da chamada revolução cibernética nos termos dos seus apologistas, leva aqueles

ingênuos a partir do criado “transumanismo” se fundamentarem na suposta concepção do

“homem informatizado” e apresentá-lo como essência da técnica em uma antevisão da

tecnologia do futuro. Toda ingenuidade desses pregoeiro está na reação de admitir e conceber

que “a tecnologia não pode ser por si mesma fator revolucionário pela simples razão de estar

sempre em modificação e consistir na introdução de puras mediações que irão criar condições

novas para o desempenho da atividade social dos homens. Esses aspectos não a caracterizam

como causa dos acontecimentos históricos, mas significam exatamente o oposto. A tecnologia

simplismente fornece novos elementos que irão ingressar nas formas tomadas pelo curso

histórico em virtude da ação que o impulsiona, proveniente do único e verdadeiro agente motor,

o homem, que tem de enfrentar contradições com a realidade a fim de executar o trabalho

produtivo, modo pelo qual se realiza a si mesmo”. Por isso e também, por não ter exigências

próprias e não poder condicionar por si só qualquer processo histórico revolucionário da

sociedade a tecnologia cibernética não pode induzir uma revolução, daí a ingenuidade do

conceito de “revolução cibernética”.

4. Tecnologia, subdesenvolvimento e domestificação do futuro. Depois de

argumentar no final do ítem anterior que “a aquisição da técnica não é um fato técnico, e sim

político, uma decisão da vontade soberana dos legítimos representantes e dirigentes do país

pobre”, o filósofo, cientista e professor Álvaro Vieira Pinto, neste tópico, empreende a tarefa

de explicar ao leitor a interconexão da tecnologia, subdesenvolvimento e domesticação do

futuro nos países pobres ou emergentes como o Brasil nas perspectivas da tecnologia. Para

este mister ele inicia explicando e mostrando as artimanhas dos países cêntricos hegemônicos

143

sobre os países periféricos ou subdesenvolvidos em duas insuficiências com dois sentidos:

“primeiro, o povo pobre possui sempre um grau, embora inferior, de tecnologia, que pode ser a

base para rápido desenvolvimento; segundo, o acesso à tecnologia representa um fato político,

depende do poder de soberania de que o povo atrasado dispõe. Com efeito, por um lado os

problemas tem de ser resolvidos por ele mesmo, ou seja, cabe-lhe a invenção e a adaptação de

técnicas que atendam as suas necessidades, sem estar obrigado a importar aquelas

correspondentes à solução de problemas de uma conjutura superior e alheia; e por outro lado,

toda tecnologia não passa de uma mercadoria, com preço de mercado e pode ser importada na

quantidade e qualidade desejadas, desde que existam os recursos financeiros necessários. O

importante está em ser o planejamento da aquisição da técnica dirigido pelo centro interno de

poder estranho a injunções estrangeiras, em benefício exclusivo do povo que decide tomar a si a

conduta, do seu destino”. Depois de muito desconstruir o engodo e a fraude proporcionado

pela ideologia da falsa disciplina “futurologia” apregoada e divulgada pelos centros acadêmicos

dos países imperialistas do sistema mundo do capitalismo, Vieira Pinto conclui o ítem,

afirmando que “os povos atrasados, pela reintegração em si de seus valores artísticos

autênticos, pela intransigente defesa deles e repúdio à intromissão desfiguradora exercida

pelas formas julgada submissa, ganham o recurso que lhes faltava para terem a revelação da

sua verdade e enfrentarem com vantagem o adversário”.

5. O futuro, projeção ideológica da tecnologia. Tratando ainda, das perspectivas da

tecnologia, o pensador Álvaro Vieira Pinto, neste tópico, retoma o conceito autêntico de futuro

para esclarecer, ao leitor, as artimanhas da aprojeção ideológica da tecnologia sob a égide dos

intelectuais dos centros imperialistas insertos no processo de globalização do capital. Com este

propósito ele esclarece que “o futuro compõe uma dimensão permanente da história, e assim,

um modo de percepção pela consciência da temporalidade inerente ao fluxo dos

acontecimentos naturais. No campo social o futuro configura-se pela possibilidade de

transformações sociais revolucionárias e pela realização de criações do pensamento,

particularmente o exercício do poder inventivo, que determinarão novas formas de organização

da sociedade e das mediações tecnológicas”. Com esta e outras acertivas o filósofo, no

desenvolver do ítem, desmonta, mais uma vez, as pretenções e fraudes da falsa ciência

denominada “futurologia”, hoje, amplamente praticada e divulgada pelas universidades dos

países metropolitanos como projeção ideológica do desenvolvimento tecnológico e

particularmente, das técnicas utilizadas nas máquinas cibernéticas.

144

6. As bases sociais do futuro da tecnologia. No presente tópico o cientista Álvaro

Vieira Pinto dá continuidade ao desmonte da “futurologia”, como ciência, e leva o leitor ao

conceito de aventura no intuito de buscar as bases sociais do futuro da tecnologia. Para tanto,

assegura que “nenhum outro ser, inerte ou vivo, tem futuro, pois tudo quanto lhe pode

acontecer no tempo adiante está prescrito pela causalidade linear do sucesso dos fenômenos

físicos ou pelas leis da evolução biológica, que não pode compreender ou modificar. O homem,

no entanto, ao compreender a historicidade em que a consciência envolve a temporalidade do

universo exterior, cria o futuro enquanto dimensão do tempo adiante de si, para prendê-lo de

acontecimentos dos quais será o autor. Assim a aventura, ‘o ir ao que vem’ traduz o encontro

dele com ele mesmo, do eu projetante com o eu projetado. A história pregressa da humanidade

foi constituída pela série de projetos dos homens e por isso, embora paradoxamente, talvez seja

perfeitamente lícito dizer que a única ‘futurologia’ possível é a que se espelha no passado”. Esta

é a razão pela qual o futuro da tecnologia está ligado e imbricado ao modo de produção

capitalista atual com todas suas contradições de classes sociais e que, sem dúvida, prospectará

a realidade do por vir. Por isso, “a revolução do futuro está sendo feita hoje, assim como a de

agora manifesta o afloramento do que foi preparada no passado, tanto mais influente quanto

mais recente”. O futuro é sempre a virtualidade do passado em sua atualização. “O futuro da

tecnologia está intimamente dependente das bases sociais que o preparam desde agora, e o

irão concretizar adiante. Não há evolução tecnológica autônoma, independente do advento de

novas modalidades de convivência humana”. Considerando que o conceito de horizonte é uma

linha imaginária que enquanto mais dela pretendemos nos aproximar mais ela se distancia na

mesma proporção do campo ótico do observador. Vê-se, assim, que “o conceito de ‘horizonte’

possui significado dialético, em contraposição ao de ‘alvo’ ou ponto de chegada. O homem

nunca chega existencialmente a ponto algum, mas está sempre se movimentando no círculo de

um horizonte ilimitado, ampliado a cada nova conquista da ciência e da justiça social”. (...) “O

conceito de ‘horizonte’ implica a escolha de direções, cada uma das quais admite a contrária”. É

sabido que toda invenção está imbricada ou contida no conhecimento possuído no presente.

Por isso, Vieira Pinto argumenta que “só é possível inventar o que está em condições de

inventabilidade, ou seja, aquilo que tem amadurecidas no dia de hoje as condições objetivas

para se constituir em idéias apta a ser levada á realização material ou a ser incorporada, com

caráter de novo conhecimento, ao plano ideal do saber teórico”. (...) “Toda decisão no sentido

da libertação de maior número de possibilidades de concretização das aptidões humanas

145

redundará em crescente aproveitamento da inteligência criadora, e portanto, em última

análise, em mais prósperas condições de invenção tecnológica”.

7. Os equívocos a respeito do “destino do homem”. A pergunta “Quem produz o

produtor?” O pensador, filósofo e professor Álvaro Vieira Pinto conclui o capítulo as

perspectivas da tecnologia trazendo ao leitor os eqívocos a respeito do tão apregoado “destino

do homem” como panaceia de muitos intelectuais ingênus e ou adeptos da teoria da

dominação. Também, traz ao leitor seu pensar crítico sobre o processo de educação a luz das

perguntas: Quem produz o produtor? E Quem educa o educador? Essas duas perguntas são

referentes ao tão discutido “o destino do homem” nos meios acadêmicos e, ainda, sobre “o

futuro da tecnologia” ambas já anotadas anteriormente. Quanto a questão de Quem produz o

produtor? Vale lembrar que “a tese fundamental da dialética existencial não idealista tem por

enunciado a proposição que define o homem como o ser que produz a sua existência”. Já

quanto ao destino do homem se fez referência nestas Anotações no capítulo XIV (A cibernética

e o destino do homem) constante de seis tópicos onde inclusive se anotou sobre o conceito

ingênuo de o destino do homem razão pela qual omite-se várias anotações críticas produizidas

pelo Filósofo neste tópico. Outrossim, convém explicitar que Vieira Pinto é enfático em afirmar

que “a tecnologia não decide do destino do homem mas é este que, pelo modo que como usa a

tecnologia atual, dentro das coações impostas pelas relações sociais com os semelhantes e

possibilidades de operação sobre a natureza, enquanto instrumento de pesquisa, decide do

destino da tecnologia”. (...) “O homem é o ser que produz a sua existência, mediante a produção

de tudo aquilo quanto sustenta-o, exprime-o, desenvolve-o e perpetua-o, incluindo-se nesse

conjunto não unicamente as bases materiais da vida mas igualmente a criação das idéias,

reflexos da realidade, que representam um produto específico da consciência conquistada na

evolução orgânica”. Naquilo que trata da questão Quem educa o educador? O filósofo afirma

“o verdadeiro educador do educador não estava no passado e sim no presente, envolve o atual

professor por toda parte e sobre ele atua incessantemente. Essa particular atividade, quem a

exerce não é uma pessoa, mas a sociedade que, com efeito, educa constantemente não apenas

o educador, pela formação cultural nele depositada, mas igualmente o educando, o aluno, pois

este só existe enquanto tal, a saber, enquanto ente que deseja ou necessita educar-se, porque a

mesma sociedade, em qualquer grau de progresso cultural e tecnológico, o constitui como

educável e exigente da educação que receberá do educador. O mestre representa uma figura

simplesmente funcional dentro de um processo de absorção cultural, operando

146

obrigatóriamente pela sociedade sobre todos os membros”. É importante lembrar novamente

que o processo de hominização foi baseado no processo de trabalho com vistas a subsistência

da espécie, necessariamente, vivendo em sociedade que, por sua vez, induziu a criação e

evolução da linguagem para sua comunicação capaz de vencer o processo de aprender por

repetição substituído-o pelo de cognição onde, também, se inseria a técnica que dinamiza e

amplia os conhecimentos reflexivos e prospectivos já insertos no telecéfalo daquele primata

que se humanizou, ou seja, o elevou do plano unicamente animal ao plano da cultura. Talvez,

por isso, o filósofo é taxativo em afirmar que “o homem não se humanizou sozinho,

individualmente, nem na aurora da existência, nem em qualquer outro momento da história,

inclusive na época atual. Em todos os tempos, os conhecimentos que adquiriu e as técnicas que

inventou tiveram a função de vínculos de ligação social no desempenho do trabalho, e por isso

foram os decisivos agentes impulsionadores do processo de humanização, que não terá

término”. Finalmente conclui o capítulo com a acertiva de que “o ser biológico do homem não

será compreendido senão invocando a realidade social desta única espécie animal,

particularmente a condição de autor e executor da cultura, do conhecimento, da ciência, que

lhe fornecem os instrumentos para se interpretar a si mesmo e à totalidade do processo

universal de evolução da matéria viva, de onde deriva e que nele culmina”. Do exposto, neste

tópico, deduz-se que “a resposta à pergunta enunciada tem de ser esta: quem produz o

produtor é o processo biológico de hominização na sua forma superior, social”.

147

CAPÍTULO XVI. TECNOLOGIA, ESCATOLOGIA E CLASSES SOCIAIS

Este último capítulo da obra do cientista, professor e filósofo brasileiro Álvaro Vieira

Pinto intitulada “O Conceito de Tecnologia” foi por ele produzido em sete tópicos onde o leitor

será muito bem informado sobre: tecnologia, escatologia e classes sociais. O propósito do

Autor das Anotações, sobre este capítulo XVI, é fechar o pensamento crítico deste “filósofo

pobre de um país subdesenvolvido” que, no seu juizo de valor, foi um dos maiores

revolucionários e mais lúcido filósofo do Brasil e da América do Sul e, porque não dizer, de

todos os povos oprimidos do planeta. Em nenhum momento de sua obra ele deixa de politizar

os problemas concretos que dizem respeito aos povos pobres do planeta e oprimidos pelos

países cêntricos imperialista do sistema mundo do capitalismo.

1. O progresso técnico e os problemas morais. As relações do progresso técnico com

os problemas morais são explícitas de tal forma que o leitor possa entender que a moral

(conjunto de valores éticos) de uma sociedade implica sempre na defesa do coletivo contra o

indivíduo para que ele não seja ele e, sim um ente ou produto social. Essa foi, sem dúvida, a

razão de Marx ter afirmado que “não é a consciência do ser humano que determina a sua

existência e sim a sua existência social é que determina a sua consciência”. Logo, conclui-se que

você não é você e sim um produto da sociedade em que vive. Com respeito ao progresso

técnico é logico que as classes dominantes (detentoras de poder) o ideologiza em seu proveito

em duas funções ou sentidos básicos: “(a) a função catártica, pela qual a maquinaria, as

instalações, os recintos fabris e dermais implementos das organizações técnicas, agora

prediletamente a automação, são apresentados como responsáveis pelos males sofridos pela

humanidade... (b) a função messiânica, em virtude da qual a técnica passa a ser apreendida

pelo lado oposto, pela valoração ‘boa’, humana, libertadora que possui”. Por conta desses

aspectos ideológicos do progresso técnico é importante que a consciência crítica do leitor

adote sobre o tema uma axiologia dialética. Para tanto, há que se divorciar da visão linear e dos

paradigmas do pensar cartesiano.

2. Defesa das concepções expostas neste ensaio. A noção crítica da ética. O

significado da história. Neste tópico o filósofo Álvaro Vieira Pinto apresenta seus argumentos

devidamente imbricados à gênese da violência na sociedade a partir do que Marx identificou,

estudou e explicou em toda sua monumental obra a “exploração do homem pelo homem” em

todos os modos de produção conhecidos, salvo no do comunismo primitivo ou tribal que durou

148

mais de 30 mil anos no processo de hominização sendo negado pelas diferentes formas ou

vieses do escravismo da antiguidade com duração de aproximadamente 8 mil anos. Com

respeito a noção crítica de ética ele afirma que “por definição, o homem existe como ser ético,

no sentido de precisar do livre consentimento dos semelhantes para realizar aquilo que constitui

a sua dignidade e caráter inigualável, a saber, a parte que lhe toca na produção social de bens,

materiais ou intelectuais, mediante a capacidade de trabalho que pode colocar ao dispor, não

de um senhor ou patrão, mas de toda a ciomunidade. Ninguém vive nem produz isoladamente”.

Já quanto o significado da história ele demonstra que a “história desdobra um extenso

panorama onde se exibe a coincidência das determinações livres da vontade humana individual

com as possibilidades objetivas, regidas por leis próprias”, (...) “A história estabelece a síntese

dos projetos, intenções, desejos, sempre subjetivos e ideais, dos homens com a racionalidade

das tranformações materiais que o estado do ser social torna exequíveis. Por isso, a história

revela-se como obras dos homens, mas obra dos homens na história. Noutras palavras, a

história engendra-se dentro dela mesma”.

3. A incompreensão do significado humano da tecnologia. Neste tópico o cientista e

filósofo Álvaro Vieira Pinto dá combate às ingenuidades e às falácias daqueles que negam ou

degridem o significado humano da tecnica e do seu papel inevitalvemente libertador de todos

aqueles que no processo de hominização tornaram-se entes culturais. Consequentemente, o

filósofo contesta as visões inúteis da erudição dos zoroastrianos e do ferrenho pessimismo

escatológico e escolástico dos intelectuais dos campos religiosos monoteístas e politeístas

sobre a incompreenção do significado humano da tecnologia. Em contraponto ele mostra,

ainda, que “a simples existência do homem prova a vitória da técnica sobre a natureza, do

contrário não haveria o ser racional”. Quanto aos inocentes ideólogos da teoria da dominação e

a incompreensão de se pensar, divulgar e pregar que “a técnica disvirtua a personalidade

humana” o filósofo contra argumenta mostrando que “a estabilidade da essência humana

significa um absurdo lógico e uma inverdade histórica. A essência do homem não consiste em

um bem abstrato, numa realidade impalpável e espiritual, mas tem sentido porque representa

um fato concreto, o conjunto de relações sociais que configuram objetivamente o ser de cada

indivíduo nas condições onde vive. Por isso varia ao longo da história, mudando com a

sociedade que a determina. A personalidade do homem configura um dado histórico”. Ainda,

sobre as incompreenções e as falácias deses ingênuos pregadores sobre o papel maléfico da

técnica em uma “sociedade de consumo” o pensador refuta tal falácia com a acertiva de que “o

149

‘erro’ da ‘sociedade de consumo’ não reside efetivamente no consumo, direito natural de todos

os homens, mas exatamente na falta de consumo pela grande maioria das massas,

especialmente nos países subdesenvolvidos. A ânsia de consumir somente se revela imoral e

desumana quando ostentada pelos que desfrutam preferencial e privadamente dessa

possibilidade, rersultante da espoliação exercida sobre os demais. Somente deve ser qualificado

indigno o consumir de quém não produz”. Vieira Pinto conclui o tópico com a acertiva de que

”não se acuse simploriamente a tecnologia de destruir a pessoa; são as sociedades de produção

capitalista que não estão construídas para servir à humanização do homem”.

4. O conceito ingênuo de “guerra da natureza humana contra a tecnologia”. Neste

tópico o filósofo e professor Àlvaro Vieira Pinto desconstrói o pensamento de Toynbee quando

se refere a “guerra da natureza humana contra a tecnologia” mostrando toda ingenuidade

daquele renomado intelectual assegurando que “a natureza humana nunca foi estável e não se

pode substantivá-la fora da realidade social e histórica do homem concreto, vivendo em

determinado lugar e em certo tempo, pertencente a uma cultura, membro de tal classe,

submetido a um regime de trabalho e a definidas relações de convivência”. Argumenta, ainda,

que “a natureza do homem, como de qualquer ser vivo, resulta primordialmente da evolução do

mundo material, que lhe serve de base”. (...) “A personalidade do homem de hoje define-se

como a de quem vive com a tecnologia que criou e não versus a tecnologia, segundo o pueril e

quase insensato julgamento de Toynbee”. Também, com respeito ao desmonte do que escreve

Toynbee sobre a guerra da natureza humana contra a tecnologia, Vieira Pinto contra

argumenta mostrando que “ a técnica identifica-se com a mão do homem, executando a ação

suspirada pelo pensamento. Odiar a técnica ou vituperá-la significa ou infantilismo intelectual

ou decidida cumplicidade com as forças sociais que lhe dão desumano emprego. Quem a culpar

desculpa o verdadeiro culpado. A técnica entendida na verdadeira significação lógica, tem de

ser sempre um ‘bem’, porque constitui um dado do conhecimento da realidade”. Este tópico é

finalizado pelo filósofo mostrando que “a liberdade tem que ser compreendida em sentido

concreto, e será então definida como a capacidade de executar atos materiais libertadores. Tais

atos são aqueles que contribuem para construir um regime de relações sociais no qual cada

homem adquira o poder de realizar fácil e amplamente as formas de criação cultural e de

aquisição do conhecimento que sua racionalidade imanente e a capacidade de imaginação lhe

outorgam; no qual se organize coletivamente a humanização das normas de trabalho em um

sistema que permita a todos a atingirem o estado existencial a que se costuma dar a

150

designação emocional, mas nem por isso menos real, de felicidade. A técnica, corretamente

interpetrada, identifica-se com o poder de executar o máximo de possíveis atos libertadores,

conforme percebe até mesmo a sociologia vulgar, que apesar de tudu compreende o papel dela

na libertação do homem do trabalho manual, e agora, em crescente medida, do trabalho

mental”. Esses breves argumentos podem desmistificar essa falsa “guerra da natureza humana

contra a tecnologia” tão propalada por incautos intelectuais e acadêmicos brasileiros.

5. A concepção escatológica da tecnologia. É sabido que a escatologia se confunde

com o apocalipse na medida em que ambas as visões tem como objeto a explicação e previsão

do fim do mundo. Por essa e outras razões é que a concepção escatológica da tecnologia é, em

outras palavras, a de que a tecnologia, agora, represente a forma cientíca da escatologia. No

dizer de Vieira Pinto “toda escatologia por definição equipara-se a uma infantil atitude de

pensamento, ligada a formulações sibilinas ou cabalhísticas, que pretende atualmente apoiar-se

em argumentos imaginariamente fornecidos pela ciência e pela tecnologia de nossos dias”. (...)

“Toda escatologia está envolvida no clima de mistério e inquietude correspondente à etapa

mística do pensamento, ainda desarmado de instrumentos lógicos para enfrentar

racionalmente o curso dos fenômenos naturais e interpretar a relação entre eles e a vida

humana”. Acrescenta, também, o pensador, ao seu raciocínio as tentativas de se arrastar a

ciência e a tecnologia para o âmbito ou fosso da revelação irracional. Daí vem as sua acertiva de

que “os despreparados filósofos da técnica, especialmente os comentadores da cibernética,

expõem muitas vezes o conhecimento da realidade em termos místicos e se esforçam por

introduzir no círculo do pensamento lógico uma série de problemas imaginários, obrigando a

discussão, pelos autênticos homens de ciência, de questões que representam tão-somente

sobrevivências de fases superadas da marcha da racionalidade do espírito humano. Um desses

pseudoproblemas identifica-se com a escatologia”. Dessa forma esses arautos do pensar

ingênuo místico que fazem a apoteose das catástofes esquecem ou ocultam a verdade de que

“a natureza não pode ser ‘má’ porque não atua segundo finalidades. Segue seu curso, em

obediência a determinações casuais onde se espelha a lógica dos processos materiais que a

constituem”. Por essa razão a natureza é desprovida de ter problemas e de ser incapaz de doar

sentido a qualquer tipo de fenômeno. Esses apologistas das catástrofes naturais e sociais

primam por ignorar que “a todo instante a humanidade está terminando e começando, não

simplesmente no aspecto biológico da sucessão dos seres que a compõem, mas igualmente no

151

aspecto histórico, na série de transformações sociais pelas quais passa, sem jamais permanecer

imodificada”.

6. Tecnologia e classes sociais. É sabido por todos os cientistas sociais que a técnica é

independente das classes sociais, logo inexiste uma classe social portadora e criadora da

técnica para aplicá-la. Outrossim, existem relações sociais muito complexas entre a tecnologia e

as classes sociais no processo de produção de bens econômicos ou mercadorias seja ele no agro

ou na urbe. Isto porque “a classe tem apoio na técnica, não porque dela essencialmente se

origine, mas porque se baseia nos procedimentos tecnológicos que, por serem instrumentos da

produção já privadamente apropriada, lhe permitem substituir com as características que a

marcam e as forças que asustentam”. O filósofo Álvaro Vieira Pinto, em determinado

momento do presente tópico, trata do que vem a ser “a técnica de ser classe”, ou seja, explica

ele que “enquanto modo de ser do homem situado numa classe, o exercício do feixe de atitudes

e o culto das idéias e valores que a caracterizam torna-se uma técnica. Tanto é assim, que só

por esse meio o indivíduo vem a ser reconhecido como membro de tal classe. Ser classe constitui

uma técnica de existir e manter-se no curso da história. Por isso, pertencer a uma classe

significa, automaticamente e em caráter pré-consciente, investir-se do conjunto das técnicas

que permitiram a ela constituir-se, perdurar e possuir a função social que lhe é peculiar. Ser

classe dominante supõe o emprego de numerosas técnicas, dando em resultado a sustentação

social que possui, por exemplo o comando dos meios coercitivos, ideológicos e materiais em

virtude dos quais se configura, defende e assegura o poder”. A esse respeito vale lembrar que

“as frações minoritárias, dominantes não cedem espontaneamente nem por acordo pacífico os

conhecimentos e a maquinaria em que se apoiam, e daí resulta a situação social em que as

massas, dotadas, de modo geral, de tecnologia inferior, tem de enfrentar com recursos mais

pobres a técnica superior e a capacidade de invenção e de melhoramento ciosamente

guardadas pelas elites”.

7, A tecnologia e a noção de “classe ociosa”. Neste útimo tópico do último capitulo do

seu livro “O Conceito de Tecnologia” o filósofo e cientista Álvaro Vieira Pinto dedica-se a

desconstruir o elenco de ingenuidade impricada ao conceito de “classe ociosa” tanto

etimológica quanto ideologicamente. Este conceito muito divulgado e badalado pelo discurso

acadêmico e dos ociosos intelectuais comprometidos com o status quo da chamada sociologia

da técnica. Em contraponto às inocentes formulações sobre o dito conceito o filósofo mostra

àqueles incautos intelectuais que “uma classe existe unicamente com fundamento no processo

152

da produção social, em virtude do papel que nele desempenha. É função da propriedade dos

instrumentos, máquinas e dinheiro, do modo pelo qual participa do esforço geral para obter os

bens exigidos pela sociedade e que se revela capaz de fabricar, dado o estado da ciêcia e da

tecnologia de cada época”. (...) “Por definição não existe ‘classe’ ociosa, porque se trata de uma

noção contraditória. Uma classe desse tipo seria aquela que se descuidasse de tomar as

providências e de empregar a tecnologia que justamente a constituem como tal, não estivesse

ocupada em manter as condições materiais que, por hipótese, lhe permitem tornar-se ociosa.

Ora essa eventualidade é evgidentemente inconcebível”. (...) “O ócio de um pequeno grupo

reflete a plena intensificação do esforço de outros, mediante as numerosas modalidades de

apropriação do rendimento do trabalho alheio”.(...) “A desocupação real é impossível, a não ser

quando vista pelo aspecto negativo, reverso de uma exigência absoluta, na verdade enquanto

transferência para uma forma de atividade não reconhecida como trabalho, por exemplo a

procura do autêntico trabalho”.

153

IV. CONCLUSÕES DO AUTOR COM VISTAS AO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

De tudo que foi escrito neste Ensaio o Autor não podia se omitir de apresentar ao

leitor suas opiniões conclusivas sobre o que se pode e se deve fazer para transformar o Brasil

de uma nação para outras em uma NAÇÃO PARA SI. Com este propósito expõe os seguintes

elementos para uma Política de Desenvolvimento Nacional, ainda, inspirado no que escreveu o

saudoso Professor e Filósofo Álvaro Vieira Pinto quando Diretor do ISEB.

1. A REPRESSÃO AO CAPITAL PRIVADO ESTRANGEIRO ESPECULATIVO

O capital estrangeiro especulativo equivale sempre a uma forma de alienação do

trabalho do povo brasileiro. É por isso que o humanismo-nacionalista ou o patriotismo têm

como conteúdo ideológico, para emancipação econômica e política do País, a repulsa ao capital

estrangeiro, particularmente, o especulativo.

O capital estrangeiro, não passa de uma ficção econômica, constituída graças à

legislação colonial. Esta permite a um mínimo de doação inicial acrescentar volume

imensamente maior de capital gerado no País, para formar, em conjunto o que a lei considera

"capital estrangeiro", assegurando-lhe o direito de remeter lucros extorsivos para o exterior. As

empresas estrangeiras operam na verdade com o dinheiro aqui arrecadado, tendo o seu magro

dispêndio primitivo regressado ao país originário, depois de haver montado a máquina

pneumática de sucção do dinheiro do povo brasileiro. Exemplo claro desse fato foi que levou o

entrególogo Fernando Henrique Cardoso a não somente privatizar as empresas estatais e para-

estatais de capital nacional, mas principalmente aliená-las a muitas das empresas estrangeiras.

Dessa forma subtraiu a ocupação ou o emprego dos brasileiros e criou empregos para os

anacionais que passaram a comandar as empresas antes nacionais que já em tempos pretéritos

obrigaram a estatizar aquelas sucatas para apossarem-se das divisas ganhas pelo Brasil no

período da 2ª Guerra Mundial.

A novidade e periculoside do capital estrangeiro principalmente o especulativo ou

financeiro está sempre em seu caráter de determinar o sentido da economia brasileira

independentemente dos interesses e necessidades nacionais e, particularmente, do povo. Essa

é a razão de se argumentar que, enquanto o capital estrangeiro for vital para o país, não se

deve recebê-lo sem um rigoroso controle. A frase tem sabor evidentemente paradoxal, mas

tem um sentido profundo, sério e sólido. Significa que, enquanto o Brasil estiver nas fases vitais

154

de seu desenvolvimento, é que se torna imperiosa a substituição dessa espécie de capital por

outra, a nacional. Quando o país tiver alcançado a fase em que domina tecnologias

contemporâneas e tem autonomia de sua economia, em que a submete à lei da própria

totalidade, pode se quiser receber capital de fora, que já então não tem meios de se impor

como força política e fundamento de atitudes político-ideológicas. Por isso cabe dizer que só se

deve receber o capital de fora quando dele não mais se precisa. Não se deve agora receber o

capital estranho exatamente porque é vital, ou seja, com rigor etimológico, significa a vida, que,

em tal caso, seria dada por outrem, quando é evidente que quem deve dar a vida são os

brasileiros.

Para fazer frente aos entregologos, adeptos ou paladinos do capital estrangeiro, os

críticos têm como teorema central da teoria humanista-nacionalista do processo brasileiro, o

seguinte: é sempre em última análise o trabalho das massas que financia o desenvolvimento do

Brasil. Mesmo quando, em fase inicial, o capital entra como fator decisivo, na verdade, a

expectativa dos lucros e do poder que irá obter à custa do trabalho do povo é o que explica a

presença dele, logo, é na verdade o trabalho do povo o fator fundamental do desenvolvimento.

A ficção do desenvolvimento econômico ajudado de fora deve ser denunciada como simulação

de vantagens das elites para encobrir a realidade da exploração. Os arautos do capital privado

estrangeiro apregoam a impossibilidade de o povo organizado pelo seu estado nacional

impulsionar o desenvolvimento do País sem ajuda externa, tais as somas exigidas para instalar

as obras de base como aconteceu no Japão. Cumpre a consciência crítica de a realidade

brasileira contemporânea contestar o raciocínio de que a consciência do dominador se utiliza,

fundada em teorias econômicas estrangeiras procedentes das áreas dominantes,

propositalmente forjadas para servir à exploração das nações subdesenvolvidas.

Não se deve se emocionar quando se ouvem as lições desses “cientistas” nem se

inquietar sobre o bom fundamento de suas conclusões. Sabe-se que a ciência em que fulguram

como catedráticos abalizados é produto ideológico da situação de domínio de sua classe e de

seu grupo nacional. Quando se lêem os escritos dos pontífices do entreguismo, dos

entrególogos e ideólogos do colonialismo, não se deve comover-se com os argumentos caso

apresentem contra o modo de pensar crítico, porque tudo o que dizem decorre de premissas

que são exatamente aquilo que se está pondo em dúvida. Não é de admirar que se refutem, ou

nem sequer se dêem a essa pena, limitando-se a sorrir por sua inocência, diletantismo ou

petulância. Da parte crítica, o que se faz é pôr em questão a totalidade de sua ciência,

155

mostrando que se trata de um caso de alienação cultural, de reflexo do saber alheio. Em última

análise, se é o trabalho do povo que vai pagar, com acréscimo exorbitante, o capital

emprestado para as obras do desenvolvimento, significa dizer que as fontes dos recursos são na

verdade internas. No caso de o pagamento ser feito sobre o valor emprestado, tem-se de fazê-

lo com o capital que se gera aqui mesmo, sob forma de trabalho.

Na atual estrutura econômica brasileira, tudo está organizado para favorecer o

desenvolvimento impulsionado pela contribuição do capital estrangeiro. Nada há de admirar,

portanto, se, ao observar a realidade, os analistas simplórios concluem por considerar

indispensável à participação do capital externo. É evidente que assim tem de ser, se tudo foi

preparado para isso. Mas basta que se conceba a possibilidade de outra estrutura econômica

no País, para se compreender que nela os recursos internos seriam suficientes para promover o

desenvolvimento, sem recorrer à colaboração e, portanto, sem a dependência, do capital

alienígena. Indiscutivelmente, sem o capital externo não se pode manter essa estrutura que aí

está. Mas nada impede que o País dirigido por nova consciência política de seu destino

histórico, organize sua economia de modo a transformar a força de trabalho da população em

origem de recursos para obter os meios tecnológicos de se desenvolver. Para tanto, deve usar a

intermediação apenas do capital gerado em seu interior e possuído exclusivamente por quem

só tem interesse no progresso nacional.

Basta que o governo federal com o respaldo dos Estados Federados decida executar

diferente política econômica para encontrar meios de se obter internamente, e externamente

em operações não onerosas de governo a governo, os capitais necessários aos

empreendimentos básicos, pois na verdade é sempre o trabalho das massas que financia o

desenvolvimento do País. A PETROBRÁS e a ELETROBRÁS são claros exemplos dessa assertiva

como foram no passado a CVRD e a TELEBRÁS. A intervenção do capital privado estrangeiro

principalmente o financeiro é indébita e procura parasitar um processo social que pode ser

feito mesmo sem ela, uma vez que os fatores objetivos requeridos estão aqui. A periculosidade

do capital colonizador atinge o grau máximo no comércio externo de investimentos,

representado pelas companhias de crédito, financiamentos e investimentos em favor da

instalação de novas empresas estrangeiras, porque, em tal caso, trata-se não apenas da simples

ocorrência do mal, mas da presença do transmissor do mal. No caso de aceitá-lo há que se ter

rigoroso controle como se faz na China.

156

Terão de ser sumariamente proscritas, no mesmo ato pelo qual o poder nacional retira

dos bancos estrangeiros a capacidade de receber depósitos de residentes no País. Suprime-se,

assim, a forma mais grave de alienação econômica, as do dinheiro em espécie que é, em muito,

incluso em sistemas de lavagens com destino aos paraísos fiscais mantidos pelos países

hegemônicos. O sofisma do desenvolvimento do país pobre à custa dos outros, os ricos,

somente se sustenta pela falta de reflexão sobre o simples fato de que o capital nem aqui nem

lá fora caiu do céu, não nasceu espontaneamente, mas deriva do trabalho das massas

assalariadas, se o povo brasileiro trabalha o suficiente para remunerar com altos juros o

investimento externo aqui aplicado, se a mais valia nacional se mostra capaz de retribuir e

restituir o capital investido se pode produzir bastante capital para pagar o capital recebido,

devolvendo-o, em prazo extremamente curto, ao país de origem, e passando a remeter daí por

mesma necessidade que obriga o País a libertar-se da alienação internacional de seu trabalho.

A sustentabilidade do desenvolvimento faz-se sentir no âmbito interno sob forma de

rápida elevação de padrão de vida das massas, pela valorização do trabalho, do qual devem

auferir os frutos legítimos. Somente a remodelação da estrutura econômica, modificando

coletivamente as condições de vida das massas, conduzida por uma política nacional

conseqüente, resolverá os problemas sociais do momento. Não há que contar com outro meio.

A simples caridade nada constrói objetivamente senão asilos, orfanatos, hospitais e

reformatórios e a eterna escravidão. Deixam intactas as verdadeiras causas das infelicidades

sociais, que só serão anuladas com a efetiva alteração das bases materiais da existência das

massas, o modo de trabalho, o regime de produção a que se acham submetidas. O espírito de

lucro máximo privado será forçado a ceder lugar ao espírito do interesse coletivo. É engano

pensar que o simples aumento dos índices de intensidade e produtividade do trabalho e dos

bens de consumo, a elevação dos salários, a munificência dos serviços sociais postos à

disposição dos trabalhadores pelas empresas consigam resolver os problemas vitais que os

afligem. Poderão atenuar as agruras do momento, mas serão sempre medidas caritativas, que

medeiam sem curar, diante de lucros que em verdade se referem ao capital nacional reposto

em lugar do estrangeiro, já devolvido, então de fato o capital necessário ao País está aqui,

potencialmente, sob forma dos fatores que o produzem.

São impedimentos de ordem institucional, decorrentes da falta de consciência política

nacional, por sua vez decorrente da falta de participação das massas no processo político, que

impossibilitam o capital potencial de se constituir em força econômica atual para tornar o País

157

autônomo. Se há geração interna de capital para pagar com altos juros aquele investido de

fora, e, se não houvesse, este não seria investido, então há capital para ser utilizado pelo

próprio País. Cabe ao governo federal referendado pelos Estados Federados promover pela

política nacional o aproveitamento do trabalho do povo como origem dos recursos internos,

suprimindo o lucro estrangeiro e a ação de seus agentes, nativos ou forâneos, sempre

desmoralizadores do esforço do povo.

A avassaladora invasão dos investimentos alheios, que agora funcionam como

mecanismo esvaziados do capital nativo nas empresas nacionais estabelecidas há muito tempo,

deve ter um paradeiro, porque se está configurando para o País. Isso conforma um dilema fatal

que se apresenta a toda nação dependente, em rápido esforço de desenvolvimento e próxima

do ponto em que divisa a possibilidade de alcançar o nível de plena independência econômica e

de soberania. É o dilema que surge quando se indaga do destino a dar aos lucros do capital

estrangeiro aplicado em nossa economia. Dois caminhos se abrem, e somente dois: ou esses

lucros são remetidos para fora, entregues aos especuladores e investidores estrangeiros; ou,

por diversas modalidades, são reinvestidos no País. No primeiro caso, temos a exploração, a

sangria, o depauperamento, a servitude. No segundo, produz-se o alargamento da área de

dominação estrangeira.

Dessas alternativas não há como fugir, tendo ambos os desfechos desfavoráveis para o

país subdesenvolvido. Se os lucros são remetidos, o capital, ao cabo de algum tempo, retorna

ao país de origem, e o que fica é uma bomba de sucção indefinida de novas quantidades de

capitais constantemente gerados pelo trabalho das massas nativas na empresa estrangeira. Daí

em diante, toda vez que essa fábrica produz uma unidade de certo produto aqui consumido,

origina ao mesmo tempo um quantum de lucro, desnecessariamente enviado para fora, a fim

de pagar aquilo que chamamos a dívida infinita e impagável contraída com o investidor

alienígena. Nenhuma reflexão sobre o problema dos capitais estrangeiros pode ignorar este

princípio: a vantagem ou a nocividade de tais capitais têm de ser medidas pelo projeto

emancipador que a consciência crítica das massas já é capaz de conceber.

2. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA HUMANIZAR A

EXISTÊNCIA

No regime em que vive o povo brasileiro o simples enunciado da idéia de "sacrifício do

povo", a exigência de "apertar o cinto”, constitui crime político-ideológico, e só explicável

158

quando se encontra em representantes da consciência ingênua reacionária e de apátridas.

Repetidas vezes se tem declarado que o subdesenvolvimento do País se identifica com a

desumanização da existência do povo. O ser humano do país atrasado é um ente desprovido

de sua essência humana, tal o estado de miséria, ignorância e enfermidade em que vive. É um

ser alienado de si mesmo, não possuidor daquilo que o deveria definir como ser humano. Esse

conceito tem valor capital para interpretar a realidade brasileira contemporânea e equacionar

os seus problemas. Não se deve jamais esquecer que as realizações econômicas, tecnológicas,

políticas e ambientais são momentos de um processo pelo qual o ente humano se aproxima de

sua essência, para chegar algum dia a possuí-la em sua plenitude. A política do

desenvolvimento sustentável em bases nacionais e não como situação de status quo constitui o

verdadeiro humanismo concreto. É o bem-estar do povo todo que inspira a política autêntica

do desenvolvimento sustentável em alicerces nacionais, não o de uma fração social, mesmo

sendo esta livre de filiações estrangeiras. Sua indiscutível origem interna não lhe assegura

privilégios para espoliar o restante da população.

3. O MONOPÓLIO ESTATAL DOS FATORES ECONÔMICOS BÁSICOS

Não é possível pretender alterar consideráveis aspectos da superestrutura econômica,

fazendo passar importantes setores de produção para as mãos da iniciativa genuinamente

nacional, se aqueles empreendimentos se conservam fora do comando político interno da

sociedade. A posse, por agentes estrangeiros, e mesmo por particulares nacionais, dos

instrumentos e insumos básicos da produção, representados pela energia elétrica, pela

telemática básica, por combustíveis líquidos e sólidos, por jazidas de minérios essenciais, bem

como a sua exploração e comércio, impedem o poder político do povo de aproveitar em seu

benefício exclusivo a potência econômica corporificada nesses instrumentos.

O monopólio estatal de todas as fontes de energia e dos grandes recursos minerais

básicos impõe-se como medida fundamental de toda política nacional. Não se admitem

distinções nessa matéria. Nos países em desenvolvimento somente o Estado Nacional como

agente político da sociedade está em condições de fazer frente a tão formidáveis investimentos

como são exemplos a PETROBRÁS, a ELETROBRÁS e a NUCLEBRÁS. Se as indústrias sediadas no

País não pertencem de fato ao País, ou seja, se não estão em seu poder todos os fatores

produtivos, deve-se, para efeito de apreciar o grau de avanço do processo de libertação

159

econômica. Vale considerar tão inexistente essa industrialização quanto se estivesse localizada

fora de seu território e apenas para que remeta lucros e mercadorias.

A indústria estrangeira corporativa é sempre indústria no estrangeiro. Sem dúvida, o

emprego da mão de obra local e o adestramento técnico nativo contribuem para estabelecer

certa diferença entre um caso e outro, e dar um mínimo de valor útil à indústria estrangeira

implantada no País. Mas na prática esse proveito torna-se imperceptível, e mesmo em alguns

casos ilusório, comparado com as ruinosas conseqüências que tem para o curso geral do

desenvolvimento sustentável nacional a entrega de nossa indústria ao capital estrangeiro. É

uma política que não contribui para suprimir as servidões econômicas, antes as multiplica e as

reforça. Cria a falsa consciência industrial, a que julga haver o país se agigantado porque

ostenta um parque fabril relativamente desenvolvido e promissor. Na verdade, essa

industrialização não constitui senão a expansão estrangeira sobre o País. Não caracteriza o

próprio desenvolvimento, mas o desenvolvimento dos outros em terras brasileiras. Significa

que se exporta a mão de obra nacional sem sair-se do território, mas fazendo sair, isso sim, os

lucros que advêm do trabalho dela.

Está claro que todo trabalho sempre traz vantagens e deixa no Brasil resultados úteis,

por exemplo, melhoria das condições de vida da população desenvolve sua consciência social,

leva as fábricas estrangeiras a pagarem impostos às instituições de previdência, consome

matérias primas nacionais etc. Mas, na perspectiva de um pensamento sociológico e político, e

não apenas econômico esses fatos são secundários. Enquanto o essencial está em saber se ao

lado, de certos efeitos valiosos que possam alegar, não ocultam malefícios reais ao processo da

emancipação, impedindo o País de executar uma política econômica que, dando os mesmos

favoráveis resultados, tenha como finalidade última conquistar a plena autonomia. Para isso

faz-se necessário que lhe seja conferido o monopólio íntegro, sem fissuras ou subterfúgios, da

produção de energia e de sua distribuição às indústrias particulares e aos serviços públicos

como de telemática. Toda fonte de riqueza que, por seu crescimento, alcance desmesurado

poder de coação social, precisa ser colocado sob o controle do Estado Nacional, isto é, do povo

politicamente organizado, para não se converter em instrumento de exploração e

empobrecimento da população. É exigência do momento histórico, no regime vigente, uma

defesa da sociedade, a qual, se não a praticar, corre o perigo de aumentar rapidamente suas

pressões internas e chegar ao ponto explosivo.

160

4. A DEFESA DA INDÚSTRIA NACIONAL AUTÊNTICA

Significando a industrialização à mudança qualitativa da sociedade mediante a qual se

aparelha para levar a cabo as fases superiores da cadeia de atos produtivos, de modo a

engendrar em seu interior a totalidade do produto. Essa radical diferença de estrutura importa

em completa utilização por ela mesma dos recursos de que dispõe, e evidentemente obriga a

cessar a prática colonial de exportar as matérias-primas minerais e agrícolas para serem

elaboradas alhures. A industrialização é sinal de desenvolvimento porque indica que a

comunidade nacional se aparelhou para fabricar por si e para si os bens materiais de que

necessita.

A nação precisa ter o completo comando de seu aparelho político, econômico e

tecnológico, para conduzir a sua industrialização em condições que excluam a espoliação por

parte de outra. Com essa observação, patenteia-se um aspecto da teoria da industrialização

que, não fosse aclarado, poderia induzir o enganoso julgamento e ocasionar graves confusões

nas propostas da política nacional. Quer-se referir ao fato de não ser qualquer industrialização

que significa o real progresso da sociedade a uma etapa superior de desenvolvimento, mas

somente aquela que é feita mediante o integral processamento das operações fabricadas pelos

verdadeiros agentes e atores do processo nacional de desenvolvimento.

Favorecer a entrada da indústria estrangeira é favorecer a saída do trabalho nacional.

É degradar o valor humano do operário nacional. A situação do habitante do País pobre não

lhe permite constituir-se em forças capaz de criar o País autônomo sem a força do seu Estado

Nacional.

5. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL

A ocupação das áreas desabitadas do País faz parte da nova teoria política, que não

mais dissocia o fato histórico dos fundamentos geográficos. A existência desse problema

constitui uma peculiaridade do Brasil, por sua extensão e sua diversa densidade demográfica

constituída de um povo novo. Há um componente geográfico nos temas sociológicos nacionais,

que impossibilitam as generalizações irrefletidas e deve precaver contra abstrações

imprudentes, obrigando a mencionar as disparidades regionais, as diferenças demográficas e as

inconcebíveis diferenças de renda entre as pessoas como categorias sempre presentes em

qualquer análise da realidade.

161

Reclama-se a devida atenção para as desigualdades regionais e a concentração de

renda pessoal. É o meio de denunciar quaisquer manobras de agentes do capitalismo

internacional com suas ONGs como verdadeiras cavalo de Tróia na Amazônia Brasileira. Mesmo

de algum empresário e político nativo destinado a conservar o desnível, vantajoso para esses

exploradores, mas repudiado pela consciência nacional, cujo objetivo supremo está em

promover a igualdade do desenvolvimento econômico-social-ambiental e do bem-estar

humano em todas as regiões do País. Tudo tem de ser feito para extinguir as disparidades

regionais e pessoais de renda o mais breve possível. A condição para isso, entretanto, está em

partir do reconhecimento de tais disparidades. Se as medidas governamentais forem tomadas

ignorando esse dado objetivo, determinarão ao invés de extinção o exarcebamento.

A postura político-ideológica nacional deve incluir como ponto primordial de seu

programa a ocupação territorial. Deve colocar todas as grandes questões econômicas,

ambientais e sociais na perspectiva que as associa intimamente à diversidade demográfica e à

existência de correntes migratórias internas relacionadas com a presença de enormes espaços

vazios no interior, com o crescimento vegetativo global da população e as imensas distâncias

entre os grupos humanos. Convém observar que a realidade objetiva da distância manifesta um

dado específico da fisionomia social e ambiental do Brasil, que falta a quase todas as

comunidades dos países metropolitanos, de pequenas dimensões, e em conseqüência não

figura na meditação de seus sociólogos e filósofos.

No país pequeno, a distância é sempre concebida entre ele e os outros, distantes dele.

Para o país pequeno, distante é outro país; para o Brasil, distantes são os aglomerados

humanos do povo brasileiro, incluso as comunidades dos indígenas em todo território. Para o

primeiro, distância quer dizer diferença, para o Brasil, quer dizer identidade. Nesse caso, a

distância é interior a todos os habitantes no território brasileiro. Esse fato determina um

significado existencial único, original, distinto quanto à vivência e ao pensamento da distância,

que jamais o pensador metropolitano dos países pequenos será capaz de alcançar. Admitir que

para o Brasil a distância não separasse, mas ligasse, é coisa dificilmente concebível pela

mentalidade do pensador europeu e japonês. Para o país menor, a idéia de distância contém a

nota de diversidade entre os pontos distantes, mas no caso do Brasil transporta ao contrário o

sentido de identidade entre os locais afastados um do outro, pois são implicitamente

concebidos como pertencentes ao mesmo ser nacional.

162

Não é um hábito a consciência social pensar a distância entre os brasileiros e entre

povos de outro país. À distância para os brasileiros não é uma relação externa; o brasileiro é

distante de si mesmo e não dos outros. A familiaridade com o espaço, o hábito de pensar nos

longos afastamentos, a convivência normal com remotas populações patrícias e a métrica social

e cultural que daí deriva tudo isso é específico da existência dos brasileiros e os distingue das

comunidades de limites estreitos. Hoje, não tem cabimento pensar na imensidão do Brasil e

imaginá-lo vagamente em sua pujança futura. A percepção que se deve ter obrigatoriamente

do espaço disponível é a preocupação de melhor ocupá-lo e utilizá-lo. Vivendo esse novo estilo

de pensar, o modo crítico, percebe que precisa ocupá-lo rapidamente, é essa "ocupação

antecipada”, ou "pré-ocupação" que se apresenta ao espírito como "preocupação" política.

6. A REFORMA AGRÁRIA

Por reforma agrária entende-se o conjunto de medidas que visam a transformar a

existência das massas que vivem no agro, diante da alteração de suas relações de produção,

modos de trabalho e regimes de propriedade da terra, integrando-as no movimento geral de

ascensão do nível de vida do povo do País. Incorporando-as ao processo do desenvolvimento. É

um tema de grande complexidade, não admite ser tratado na forma simplificada e dogmática

que lhe desejam dar muito daqueles que por ela propugnam. Deve se opor às tendências

progressistas do desenvolvimento, que ameaçam abalar-lhes o mundo de crenças e de

interesses materiais e na verdade seriam incapazes de dizer em que consiste ou como fazê-la.

A diferença nos modos de trabalho nas relações de produção entre a cidade e o

campo, decorrente da divisão social do trabalho, constitui uma contradição na estrutura da

sociedade, ainda hoje, não resolvida, e condiciona em cada um desses setores modalidades

particulares ao desenvolvimento sustentável das respectivas forças produtivas. Considerando-

se o País como o Brasil, onde as formas de trabalho rural se encontram entre as mais

adiantadas, por um lado, e entre as mais atrasadas, pelo outro. O desnível entre o avanço do

processo tecnológico do desenvolvimento e em seus aspectos industriais, por isso urbano, e em

seus aspectos agrários, torna-se cada vez maior e mais visível.

A desigualdade alcançou presentemente a um ponto tal que veio a se constituir em

elemento da consciência coletiva. Só agora isso acontece e se deve ao processo de

desruralização e do progressivo afavelamento do chamado setor urbano do desenvolvimento.

Por isso, nos dias atuais começa a surgir como tema imperioso à questão da existência agrária,

163

e impostergável a necessidade de alterar a presente situação. Tendo o País alcançado

significativo nível de desenvolvimento industrial e urbano, a contradição entre estes e o do

campo assume tamanho vulto que começa a penetrar a consciência do trabalhador rurícola,

forçando a classe dos senhores de terra a se preocupar com o problema. Sabendo que o

término das presentes relações de produção será também o fim de seu domínio e das

vantagens excepcionais de que desfruta, a classe senhorial verifica que precisa antecipar-se a

todos, propondo, antes que outras forças sociais o façam, uma reforma agrária, que conterá,

sem duvida alguma, restrições aos seus atuais privilégios, mas deixando-a ainda em condições

confortáveis.

Para atenuar a contradição entre o trabalho citadino e o do agro deve-se discernir a

solução razoável mediante um conjunto de medidas políticas que transformem as relações de

produção e o regime de propriedade da terra a que está acorrentado o trabalhador do campo.

Esse é o objetivo. As particularidades do método são numerosas e implicam medidas

econômicas, jurídicas, compensatório-assistencialistas, entre as quais avulta em primeiro lugar

a divisão do latifúndio e o confisco pelo Estado Nacional das propriedades inaproveitadas para

serem entregues aos agricultores sem terra ou com pouca terra e, ademais, a posse legal da

terra por aquele que a cultiva, a associação dos produtores em organismos coletivos de

produção, a mecanização do trabalho, a melhoria da habitação familiar, o fornecimento de

energias rurais, o crédito efetivo para custeio das safras, o acesso fácil aos mercados

consumidores, a facilidade de transporte, a alfabetização das populações, a higiene e a

assistência médica. Essas ações resumem-se em dois pontos: suprimir as relações de servitude,

ainda existentes, e incorporar o campo ao mercado nacional, do qual ainda está em larga

margem semi-ausente.

É importante frisar que numerosos componentes do processo de reforma agrária estão

situados fora do campo, dizem respeito ao progresso da industrialização, que fornecerá as

bases de utilização de fertilizantes e defensivos, da mecanização da lavoura, da eletrificação

agrícola. São fatores que determinam pressões econômicas internas, exigindo o alargamento

do mercado consumidor, a divisão dos latifúndios, e muitas outras medidas que vem dar um

paradeiro ao sistema colonial ainda em grande parte vigente. A inadiável transformação da vida

agrária apresenta condições objetivas para gerarem dentro e fora do agro, à premissa teórica

que permitem deduzir o elenco de medidas prática como conteúdo de uma só consciência

crítica, a que reflete a totalidade do processo de desenvolvimento no grau em que agora se

164

encontra. O problema agrário consiste, antes de tudo, em transformar as relações de produção

no trabalho do campo, com o fim de elevar o padrão de existência do operário agrícola e do

agricultor. A essência social do problema comanda todos os demais aspectos. A reforma agrária

tem por fim, fundamentalmente, humanizar a existência do trabalhador da gleba, o que só será

conseguido modificando-se o atual sistema de trabalho e a posse da terra.

É ingênuo, e quase ridículo, esperar que a reforma agrária no Brasil possa ser

promovida pelo governo federal ou pelos estaduais, constituído em sua maior parte de

latifundiários, ou tendo nessa classe as suas raízes políticas. Se isso pudesse acontecer, seria

coisa inaudita na historia, vir-se se uma classe decretar a restrição de seus privilégios sociais,

por abnegação para com os desesperados. A não ser que se apresentem condições para fazê-lo

por via revolucionária, somente quando o desenvolvimento da consciência nacionalista nas

massas do agro, conjugado ao movimento dos trabalhadores urbanos, conseguirem elevar as

assembléias 1egislativas e aos postos de direção um número suficiente de legítimos

representantes dos agricultores. Será lícito esperar o projeto racional de reforma agrária. Antes

disso, ter-se-á de assistir apenas a grosseiros e mistificadores ensaios de “reformas". Essas

insinuadas pela classe de grandes proprietários ou por instituições de simples socorro

espiritual, que visam na verdade diminuir um pouco a ameaça de irrupção das massas dos

minifundiários e dos sem-terra, supondo que se antecipam os seus anseios, realizando-os antes

que elas mesmas o façam com sua própria força.

A verdadeira transformação da existência do homem do campo somente será

realizada quando se tiver reunidos em todos os setores do País as forças sociais que a possam

levar o efeito. Ora, essas forças são, no próprio campo, as massas rurais, mas são, também, as

massas urbanas, em cuja consciência se apresenta como medida consentânea com seus

interesses, e justificada pela ideologia progressista que naturalmente adotam.

Tratando-se de derrocar os privilégios da classe dominante no campo, os latifundiários

e seus serviçais, não é possível contar senão com a força das massas oprimidas no campo e na

cidade, associada aos setores de outras classes para os quais haja igualmente interesse em ver

promovido à reforma agrária. Pensar fora desse molde é fazer do tema objeto de considerações

morais e cair na simploriedade de apresentar um problema social como se fosse um dever de

consciência moral. A mudança na existência agrária, representando a troca do padrão de vida

do contingente humano mais extenso da comunidade nacional, é tarefa que incumbe às massas

165

como força consciente, a que trarão valioso concurso alguns setores de outras classes sociais a

quem a humanização da vida no agro também possa interessar.

A reforma agrária constitui aspecto particular do processo geral da sociedade, do

movimento transformador de todas as suas estruturas, e não se realiza apenas pela ação da

fração social diretamente interessada, mas pela comunidade toda, em seu conjunto.

Permanecendo dominante a figura do grande latifundiário, do escravocrata, do "coronel"

prepotente e retrógrado do fazendeiro ausente, do usineiro, do arrendatário explorador, da

empresa estrangeira açambarcadora da produção conservada o sistema de crédito privilegiado

a certas áreas e conjunturas, distribuído como munificência do poder aos apaniguados por

políticos descomprometidos e corruptos, desprovido o interior de vias de penetração e

circulação mercantil, o estado de pauperismo agrário em nada seria modificado pela simples

declaração jurídica de propriedade de diminuto pedaço de terra, logo fraudada em seus efeitos

libertadores por manobras econômicas que a anulariam como medida progressista. A posse de

terra por seus reais trabalhadores, os colonos que aí labutam só terá valor de passo inicial para

modificar as condições reais de vida se for acompanhada das demais medidas que assegure a

abertura do mercado, a quebra da atual correlação entre a oferta e a procura de mão-de-obra e

a instituição das relações capitalistas nas áreas onde ainda não existem.

A divisão e a posse da terra são medidas justas e indispensáveis, mas, por si só,

incompletas. A elas têm de seguirem-se muitas outras, impostas pelo processo econômico total

do País. A reforma agrária não se reduz a um problema jurídico apenas, mas de cunho

existencial, diz respeito ao modo de ser do homem que trabalha a terra, modo de ser que

reflete a etapa vigente do processo de desenvolvimento. Não se deve esquecer que o quadro

de espantosa desumanidade como se apresenta a existência do trabalhador rural representa

um modo de ser do homem; e um tipo de existência. Para abolir tal situação, tem-se de indagar

as causas que a explicam. Verifica-se que elas são basicamente de ordem econômica, as

relações de produção e o regime de trabalho, tendo por cobertura formal um sistema de

relações jurídicas e uma constelação de valores éticos, que se destinam a justificar o estado

vigente. Para suprimir esse quadro, humanizando o ente humano do interior, há que abolir

todas as causas que se conjugam para estabelecer o atual modo desumano de existir.

A reforma agrária não resulta de um decreto, mas da conquista de novo momento de

um processo. Não depende da decisão intelectual, mas da dinâmica dos fatores reais da

sociedade inteira. Não há, a rigor, reforma "agrária”, pois não se trata de reformar o campo,

166

mas a totalidade da realidade nacional. E no âmbito da sociedade como um todo, do processo

de desruralização e não, isoladamente, no das suas áreas agrícolas, que se tem de pensar o

problema agrário. Não é a legislação que determina a reforma agrária, é a efetiva ocorrência de

uma reforma da realidade da existência humana e das relações de produção no campo que se

manifesta sob as espécies de lei agrária.

7. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE PLENA SOBERANIA

O supremo traço distintivo da realidade da nação subdesenvolvida é a ausência de

soberania. No plano internacional suas ações são comandadas pelo sistema de forças que a

domina. Não tem expressão própria, pois não figura como sujeito histórico livre e sim como

reflexo das nações soberanas (G7) a que está ligada por dependência econômica. Não constitui

um ser para si, não enuncia no plenário mundial uma opinião onde retrate a vontade do povo,

mas acompanha docilmente a do grupo hegemônico de que não sabe se desvincular. O país

subdesenvolvido tem uma diplomacia de etiqueta, só para uso de cerimônia, para

representação formal no plano internacional. Não lhe traz benefícios, e, mesmo, talvez, em

alguns casos contra o propósito de seus executantes individuais, tão fascinados que disso não

se apercebem só lhe acarreta servitude e aumento de exploração. Dessa forma, o aparelho que

deveria servir à comunicação internacional dá em resultado a incomunicabilidade do país, pois

aqueles que por ele falam não são realmente porta-vozes do que têm a dizer.

A alienação, quase universal, de seus representantes diplomáticos leva a nação

subdesenvolvida a se constituir em ser histórico afônico que ninguém de fora escuta, porque o

que tem a dizer não lhe chega aos ouvidos, e o que ouve é apenas o eco da palavra alheia. O

mais grave, porém, é que a privação de soberania não arrasta apenas o país à fase caudatária

do protagonismo alheio nos prélios internacionais, mas importa na intromissão da potência

dominante na vida interna da nação pobre, especialmente pela influência que exerce sobre as

deliberações de sua política econômica. Se o primeiro aspecto representa o caudilismo da

nação dominada, o segundo corporifica o imperialismo da nação dominante. Em ambos os

casos, existem uma razão comum para essas inadmissíveis atitudes: a ausência de soberania, de

que padece a nação subdesenvolvida.

O livre exercício de todas as modalidades de domínio é permitido pelo primarismo do

desenvolvimento nacional. Por isso, qualquer movimento que signifique elevação na escala do

desenvolvimento sustentável torna-se sinônimo de aquisição, ao menos potencial, de

167

soberania. Se o incremento dessa qualidade define o processo de desenvolvimento sustentável,

deve-se medir o grau de avanço da realidade nacional pelo teor de independência demonstrada

pelo país no trato internacional. Breve chega-se ao ponto no qual se romper a falsa

correspondência entre o interior, pleno de atividade, e a vida de relação mundial, débil, incolor,

inexpressiva, obediente aos interesses da nação hegemônica.

Aproxima-se de uma crise, certamente produzida por algum ato mais violento da

pressão imperialista, em que de repente o País percebe achar-se dotado de alto poderio

internacional e resolver agir em concordância com a consciência desse fato. Por enquanto,

porém, persiste, em parte, o descompasso e a falta de correspondência, sem embargo de um

ou outro fraco e confuso pronunciamento, de algumas pretensões ainda abstratas, mais

significativas como alvissareiros sintomas de futuras virilidades do que como operações capazes

de trazer imediatos resultados úteis. À medida que progride o desenvolvimento sustentável,

articula-se contra ele manobras de pressão externa, que por algum tempo são infelizmente

bem sucedidas.

A existência de uma camada de empresários e de políticos ligados ao capital externo

assegura aos interesses estrangeiros uma corte de emissários e agentes internos com forte

poder de decisão. Dirigindo setores vitais da política financeira ou diplomática do País,

imprimem-lhe naturalmente os rumos que satisfazem suas convicções e conveniências, em

alguns indivíduos com tranqüila consciência de servir realmente à nação. Somente quando se

investe dos predicados de nação soberana, ou seja, quando as forças autenticamente nacionais

se apossarem do comando do processo econômico e financeiro, chega-se ao grau superior do

desenvolvimento, caracterizado pela condição de "desenvolvimento para si". Até lá, está-se

realizando um desenvolvimento controlado por estranhos, a serviço deles; na verdade, estar-se

efetuando um "desenvolvimento para outro", desenvolvendo-se até o ponto, e no ritmo em

que não ponha em perigo a supremacia das atuais grandes potências, particularmente do G7.

Convém não esquecer que o Brasil figura entre as três únicas nações do mundo atual que

possuem condições de alcançar o plano máximo de grande potência, mediante rápido e

iminente desenvolvimento como é exemplo a China.

Sua extensão, riqueza de recursos e possibilidade de mercado interno credenciam-no a

tanto, e disso melhor sabem os outros do que os próprios brasileiros. Não é sem motivo que

consideram o Brasil como espaço econômico a ser imediatamente ocupado, antes que mesmo

dele os brasileiros tomem conhecimento e posse. Enquanto permanecer na etapa de economia

168

periférica, complementar das economias capitalistas dominantes, viver-se-á um processo

econômico reflexo, servindo preferentemente aos dominadores e só secundariamente aos

próprios interesses do seu povo. Esta situação de complementaridade econômica espelha-se no

comportamento de servitude política internacional e de subserviência diplomática.

8. A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL COM AS NAÇÕES EM LUTA

PELA LIBERTAÇÃO

O esforço que o País deve empreender para conquistar sua plena autonomia não se

realiza num espaço histórico vazio, nem se reduz a um combate singular entre ele e uma

potência dominante, que o subjuga. Representa uma façanha nacional, tendo por cenário a

totalidade mundial, onde outras comunidades se empenham igualmente na luta pela

libertação. Não pode deixar de figurar na carta de princípios humanistas a solidariedade com as

nações que se acham em condições semelhantes às do Brasil e porfiam em alcançar para si os

mesmos bens que almejam. Deve, pois, ser estabelecido o princípio de integral apoio a essas

nações, com as quais convém estabelecer vínculos de amizade e auxílio, organizando, em forma

de parciais sistemas de forças internacionais, blocos de influências nas assembléias mundiais a

fim de defender os interesses comuns.

Neste momento, quando tantas comunidades do continente africano se levantam e

proclamam sua autonomia política e forcejam por afirmar a independência econômica, é dever

dos brasileiros estreitarem os laços de solidariedade com tais nações, e com as demais do

mundo periférico, para travar em conjunto a luta que é de todas contra os mesmos adversários.

O processo da realização objetiva da unidade dos povos e das classes, na parte do mundo onde

se acha corporificado na dominação imperialista, evolui em função das relações que as áreas

periféricas são obrigadas a manter com os centros dominantes. Como tais relações não são

fixas, mas formam, elas próprias, um processo, será em função deste que se desenvolverá o

outro, o das relações de congraçamento entre as nações menores. Pelo fato de estarem todas

elas, de um modo ou de outro, cativas da mesma influência espoliadora, será pelo teor de

liberdade que cada qual venha a conseguir que se deverão apreciar suas possibilidades de se

associar com outras nações de igual situação, para efeito de um desempenho mundial

unificado. O conceito de humanismo concreto tem de ser interpretado como os procedimentos

pelos quais os países se integram num internacionalismo autêntico, o das nações em luta pela

humanização da vida de suas populações.

169

O nacionalismo como sinônimo do humanismo concreto, ao afirmar-se e consolidar-se

em seus princípios, conduz o país a identificar-se com um internacionalismo que não o destrói,

não revoga nenhuma de suas teses, não substitui nenhuns de seus ideais. Antes encontra

nessa nova etapa a plena realização daquilo que pregava. O País não se desfigura, nem

renuncia a nada do que a específica ao se solidarizar com outros que segue o mesmo caminho e

procuram atingir os mesmos fins. Quando houver conquistado a condição de pleno

desenvolvimento, sob a direção do pensamento humanista, o País terá trilhado um caminho

histórico diverso daquele seguido pelas atuais potências dominantes. Estas precisam fazer-se

imperialistas para galgar a culminância a que chegaram. Por isso terão de ser derrotada no

sistema que instituíram para vencer, tal situação devem sofrer alterações internas que as

tornem membros pacíficos, respeitáveis e úteis da vindoura totalidade universal de nações.

Mas os países que se elevarem a completa autonomia pela via do humanismo concreto, tendo

abolido ao longo da sua marcha histórica todas as formas de espoliação de suas próprias

massas trabalhadoras, chegarão ao plano de desenvolvimento superior. São inocentes de

qualquer crime contra a humanidade, contra nações mais fracas e, desse modo, integrar-se-ão,

sem violências recíprocas, na sociedade ecumênica futura, onde terá definitivamente cessado

toda espécie de exploração humana.

Não há de ser, é claro, o tipo de associações internacionais atualmente existentes,

mas nova espécie de comunidade, na qual cada membro se integra por se haver despojado do

aparelho da dominação que exercia sobre outros povos ou sobre as classes trabalhadoras de

seu próprio âmbito. Quando se observa o atual panorama do mundo periférico e verifica-se por

toda parte um vigoroso surto nacionalista, deve-se compreender a concordância ideológica de

todos esses movimentos e o sincronismo com que se desenrolam como efeito de uma causa

semelhante atuando sobre todos os países subdesenvolvidos.

O nacionalismo aparece como fenômeno internacional constante para o humanismo

concreto porque é a resposta dada por toda nação atrasada à agressão partida do mesmo

adversário de todas elas, o centro dominante. A uniformidade da resposta explica-se pela

identidade do estímulo. Desse modo, quando cada país constrói seu projeto de existência

autônoma visando embora unicamente à servitude particular de que padece, está contribuindo

para a atuação congênere de todos os demais, está igualmente libertando os outros. Os atos de

cada um que se liberta libertam ao mesmo tempo os outros, e isso em virtude de destruírem a

nefasta hegemonia e hierarquia preestabelecida, própria do sistema imperialista.

170

9. A EDUCAÇÃO POPULAR PARA O DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento se acompanha sempre de um processo de transformação

qualitativa da consciência nacional. Tal consciência está em relação dialética com as

modificações objetivas da realidade: de um lado, é produzida pelo grau de apropriação do real

por parte da comunidade, para seu benefício, mas, por outro lado, o domínio da realidade

depende da percepção que a consciência social tem do estado da realidade e da lógica dos

acontecimentos. A educação, consistindo no processo pelo qual se expande e multiplica a

consciência social útil, tem de ser fundamentalmente popular e libertadora.

O desenvolvimento sustentável implica o progresso da consciência, e este se acelera

pela educação, mas para que isso aconteça faz-se necessário que a educação vise à totalidade

das massas trabalhadoras e se descaracterize, cada vez mais, como privilégio das elites. A

educação de que o país em esforço de desenvolvimento necessita é assunto eminentemente

político, e deve ser definida sob a inspiração de justa teoria sociológica do processo nacional,

pelos representantes políticos da consciência comunitário-libertadora. A escola e a

universidade não podem fazer a revolução de que o Brasil precisa, simplesmente porque é a

revolução nacional e nela a educacional que tem de fazer a escola e a universidade de que o

Brasil precisa.

A escola não faz a revolução porque a revolução tem de ser feita nela; logo, será

conduzida por outras forças, que nela terão de operar a transformação indispensável. É inútil e

ingênuo esperar que o processo educacional a universidade se reforme a si mesma, por

iniciativa exclusiva dos elementos que a compõem, professores e alunos. Não existe na historia

exemplo de tal fato, de um grupo de privi1igiados no país subdesenvolvido onde a educação é

um benefício de classe, de etnia e de raça. A rigor, até os alunos o são, instalados num castelo

de sinecuras, honrarias e vitaliciedades, abrir mão dos proveitos em que se reclinam a assumir

o papel de fator de vanguarda no processo social.

A função proveitosa que a escola e a universidade devem desempenhar tem de lhe ser

imposta de fora para dentro, pelas forças políticas, particularmente pelas comunidades

organizadas, que, ao impulsionar a alteração da sociedade, a transformarão em órgão

cooperante no desenvolvimento sustentável do País.

Na situação de subdesenvolvimento, caracterizado pela inevitável alienação cultural, a

escola e a universidade não passa de simples ornamento social, cenáculo de marginais cultos e

171

de ociosos mais ou menos instruídos. Em tal estado, a escola e a universidade não é exigida

como força propulsora da comunidade, pois os elementos que objetivamente movem o

processo nacional, justamente porque são ativos, estão situados fora daquela área, não

precisam ir ali aprender como fazer o que de útil estão fazendo. A escola e a universidade,

ainda, mera requinte de luxo da classe dominante para alojar seus rebentos intelectuais,

permanece à margem do movimento social-comunitário, pois não tem nele qualquer papel a

desempenhar salvo reeducando-se a partir do humanismo concreto.

10. A CULTURA DO POVO

A teoria do desenvolvimento e a pratica política que lhe corresponde constituem por si

nova forma de cultura com raízes nacionais. A anterior, que se identificava, na visão crítica, com

"a cultura" pura e simples, correspondia à fase de nosso desenvolvimento, que, com razão,

denomina-se colonial ou semicolonial. Seus traços marcantes foram à alienação do saber, o

mimetismos, a transplantação, o horror aos problemas brasileiros, o modismo metropolitano.

Admitindo-se que o transplante e a alienação, foi um modo de ser inevitável dado à etapa de

dependência econômica em que o país vivia e vive, compreendem-se que só agora, quando se

ingressa na fase de desenvolvimento sustentável, está-se em condições de produzir de modo

consciente, e em forma crítica, aquilo que antes desejava fazer, exprimir o próprio ser, mas

objetivamente não conseguia, porque não dispunha de condições para criar instrumentos

intelectuais autônomos que permitissem interpretar sua realidade. Somente agora se abre para

a cultura brasileira uma era de existência original, onde a produção cultural começa a ser feita

para satisfazer a exigência da nação. Existir para os brasileiros, é exprimir seu próprio ser, tal é

o fim da nova cultura que o desenvolvimento sustentável propicia.

São inevitáveis que se constituam diferentes estilos artísticos, inéditos modos de

pensar, linguagem própria, criações arquitetônicas pictóricas e cinematográficas de caráter

novo e original, na sociedade que rompe o cerco histórico. A conquista de um destino livre

representa, por si, feito de tal magnitude, pelo que custou de trabalho, luta e fé, que se oferece

como manancial de infinitas criações culturais. Para a nação em fase de eclosão de suas

potências criadoras, ver-se a si mesma como o ser que se fez o que é agora e constitui "motivo"

artístico inesgotável. A cópia de sentimentos que sugere é inédita, não se compara em nada ao

que experimentava quando se entregava aos motivos alheios. O mesmo se dá com qualquer

forma de arte sensível as novas condições de existência do povo. Fica como prova de alienação

172

e arcaísmo o culto dos valores estéticos anteriores, os que pertenceram a artistas que, na falta

de intensa motivação nacional autêntica e superior. Muitos se apegam ao folclórico, ao colorido

dos aspectos elementares da vida popular, ou vão buscar a inspiração nas classes cultas dos

países metropolitanos ou hegemônicos.

A genuína cultura nacional não constitui, a rigor, um item do programa nacionalista,

porque, em verdade, resulta dele. Mas, representa um resultado dialético, que reflui sobre a

causa, modifica-a contribuindo para torná-la mais eficiente. A cultura nacional não deve ser

entendida apenas como expressão resultante das condições da existência nacional, pois

constitui fator eminentemente ativo do processo de desenvolvimento pelo qual se engendra

essa própria existência. Sendo autêntica, nela se refletem, nas modalidades e estilos que

assume as reivindicações populares, nela se manifestam os projetos de ação social que a

comunidade sugere, nela vêm à luz os novos valores, os ideais nascentes que começam a

reclamar vigência na consciência coletiva. Nesse sentido, deflui da cultura um efeito positivo

sobre o processo do desenvolvimento, o qual ê decisivamente influenciado pelas

representações ideológicas, pelas teorias, idéias e exigências artísticas que esse mesmo

processo permite produzir. Há, pois, uma relação dialética de ação recíproca entre os aspectos

espirituais do desenvolvimento sustentável, representados pelas idéias e produtos da criação

cultural e os aspectos materiais em que se corporificam as transformações da realidade. Como

o desenvolvimento, vai surgindo à consciência crítica mais rigorosa, exigente e exata. A cultura

do povo, exprimindo essa consciência em crescimento, desempenha papel unificador, pela

forma como apresenta à consciência social a imagem de sua realidade. A unidade de cultura

que o processo nacional tende a produzir representa no plano da consciência social aquilo que

é a totalidade do País no plano objetivo para a sustentabilidade do seu desenvolvimento.

Do exposto, urge que se pregue, no Brasil, a necessidade da convocação de uma

Assembléia Nacional Constituinte (nunca um congresso constituinte) para elaboração de um

novo contrato ou pacto social entre o estado e a sociedade brasileira (com total mutação dos já

caducos, entulhados, esclerosados e disfuncionais poderes do Estado no Brasil).

Ao ignorar e ao omitir-se do debate sobre as questões acima citadas as

escolas/universidades do Brasil deixam de pesquisar e analisar a conveniência e a necessidade

de se construir uma nação para si sob a ótica ou égide da educação para o humanismo

concreto. Apenas, pregoam e confina-se em um processo educacional (ou deseducacional)

173

alienado e alienante como parte de um nocivo e perverso universalismo ocidental que breca,

em todas as instâncias, os propósitos do humanismo concreto no Brasil.

Neste momento, observa-se (governo Lula) movimentos embrionários que pregam e

praticam um novo contrato social (a revelia do estado) nos princípios da filosofia da libertação

com vistas a uma ética de responsabilidade fundamentada na práxis e subjetividade da

libertação como conteúdo de um novo processo educacional para os movimentos sociais.

Por todos esses motivos é que, o AUTOR, em seu livro “Agenda 21 e desenvolvimento

sustentável. Caminhos e desvios”. (Olinda editor Livro Rápido) desenvolve as idéias para um

modelo autônomo de desenvolvimento sustentável para o Brasil, com vistas a induzir uma

política nacional que leva a um processo educacional libertador ou ao humanismo concreto

com vistas à construção de uma nação para si. As idéias do modelo contrapõem ao

universalismo ocidental um universalismo real do qual o Brasil é portador tanto em sua cultura

(profundamente miscigenada) tanto em sua formação étnica oriunda do processo de

miscigenação racial e cultural mais bem sucedido do planeta.

No modelo, está implícita, a necessidade da convocação de uma Assembléia

Constituinte ou de reformas constitucionais que venha ao encontro da construção do novo

pacto ou contrato social na medida em que o agora existente divorciou o estado (poderes

legislativo, judiciário e executivo) da sociedade brasileira. Na prática os poderes do estado

brasileiro são, incomensuravelmente, corporativos, regidos e constituídos de plutocratas

irresponsáveis com fortes vieses de burocratas e cleptocratas quando vistos pela desenfreada

corrupção que envolve os poderes do estado. Em tese, também, são os responsáveis por uma

das maiores concentrações de renda pessoal no planeta e desigualdades sociais entre pessoas e

entre regiões. Raros são os democratas de fato no estado, até mesmo porque os que assim se

autodesigna, em um partido político, não passam de emperdenidos plutocratas-reacionários.

Essa situação de divorcio entre o estado e a sociedade brasileira tende a fracionar a

família compulsória brasileira através da violência e da guerra civil (não declarada e ainda não

reconhecida) em que se vive em todo o território nacional. Isso se dá, principalmente, nas

cidades do país onde impera a insegurança social e o crime organizado (devidamente protegido

pelo judiciário com indescritível impunidade) e, em plena simbiose, com os cleptocratas que

giram em torno do legislativo, judiciário e do executivo.

A falência dos poderes do estado compromete o projeto político e o humanismo

concreto para a construção de uma nação para si no Brasil. Observa-se no cotidiano da

174

sociedade a intensificação, cada vez mais, da violência do estado contra a população que se

sente sem referência alguma para ser do Brasil e do mundo. Isso a leva a ter, sempre, a

sensação de apenas estar no mundo ou em um território que não é o seu e, portanto, tende a

perder sua autoestima, a fragmentar-se e a inviabilizar-se como povo e como nação.

Acredita-se que as advertências e denúncias devem necessariamente fazer parte de

um processo educacional que leve a sociedade brasileira ao encontro do humanismo concreto a

partir de um novo e virtuoso processo educacional que tenha em suas entranhas o novo pacto

ou contrato social. Lembre-se que, para tanto, o conceito de humanismo concreto está

imbricado à antítese da alienação humana pelo trabalho, pela mente e pela consciência.

Há que se lutar, aqui e agora, por esse contrato ou pacto social onde se possa ter um

processo educacional que tenha por princípio o humanismo concreto nos termos aqui

definidos. É importante ter consciência de que a atual crise do sistema mudo do capitalismo

tem as seguintes causas:

� Transformação de tudo em mercadorias

� Privatização dos bens livres e da natureza como um todo

� Colapso dos sistemas morais e éticos nas diferentes sociedades

� Intensificação da queda das margens de lucro

� Gigantismo de corporações com aumento dos seus poderes

� Formação de zonas opacas no próprio sistema do capitalismo

� Aceleração da desruralização do mundo

� Aprofundamento das crises fiscais dos estados nacionais

� Transposição de fronteiras de todos os tipos na caça ao lucro pelas

corporações

� Intensificação do consumo como ruptura social e das sociedades

� Democratização do uso de armamentos a nível planetário com aumento da

grande e da pequena violência

� Imigração de indivíduos dos países pobres para os países mais ricos, quase

sempre, em regressão populacional

� Aumento das incertezas e da insegurança social, econômica e ambiental

� Crises energéticas e ecológicas globais

� Mutações dos estados nacionais e formações de megablocos econômicos

175

� Unilateralismo crescente nas decisões internacionais, particularmente, pelos

Estados Unidos da América do Norte como expoente máximo do império.

O pior da atual crise do sistema mundo do capitalismo é que tem aspectos históricos

altamente indesejáveis tais como ser de âmbito global, ou seja: ter caráter universal, ter escala

temporal prolongada ou permanente, ter seu modo de evolução rastejante e ser estrutural

afetando a totalidade das sociedades e a vida humana no planeta.

Finalizando, vale apresentar os paradigmas para uma educação com vistas ao

humanismo concreto:

� Enfatizar e competência nos pilares do processo educacional: aprender a ser,

aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver

� Ter visão sistêmica do processo de conhecimento a partir de uma visão

complexa em contraponto a visão linear

� Estimular o ambiente plural e multidimensional para uma visão holística da

realidade

� Induzir e estimular o aprendiz a ser agente e autor do processo educacional

� Delimitar a aprendizagem não por espaço físico, mas pela concepção dos

pilares da educação do saber (acima citados) em quaisquer ambientes

� Integrar o conhecimento desde a unidisciplinaridade até a

transdisciplinaridade passando pelo corte transversal da interdisciplinaridade

� Desenvolver formas sofisticadas de comunicações multidimensionais e

sensoriais

� Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes apropriadas para o

humanismo concreto ou antropolítica.

176

O AUTOR

Foi chefe de vários departamentos e integrou diversas equipes de planos e

projetos de desenvolvimento na SUDENE onde trabalhou 22 anos. Atuou na

elaboração dos planos diretores de: Recife, Fortaleza, Belém, João Pessoa,

Teresina e outros. Foi Consultor Sênior do Plano Diretor dos Recursos Hídricos

do Nordeste e do Plano de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Rio Itapecuru (MA) pela

Geotécnica. Consultor Sênior da FAO, OEA, IICA, BID em diferentes oportunidades. Professor

Universitário de diferentes disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação na UFRPE,

UFPE, FBV e Faculdade São Miguel. Autor de trabalhos em co-autoria ou não em revistas

científicas no Brasil, República Tcheca, República da Eslováquia, Polônia e Nicarágua. Tem

vários livros e artigos publicados versando sobre planejamento e desenvolvimento econômico-

social e meio ambiente. No momento é Analista de Tecnologia e Inovação da Secretaria de

Ciência e Tecnologia (SECTEC) do Estado de Pernambuco e professor na FBV da DeVry Brasil.

Tem currículo detalhado no Sistema Lates. Seu correio eletrônico é [email protected] e

telefones (81) 3465-7718, 3326-6428 e 9273-5945. Site: www.geraldoaguiar.com.br

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NOTA 1:

Como Analista de Tecnologia e Inovação o Autor produziu no âmbito da SECTMA

(Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente - PE) hoje, extinta, os seguintes ensaios

técnicos:

1. Considerações sobre: Políticas, Estratégias, Planos, Programas e Projetos de Desenvolvimento Sustentável. 2009. 79p.

2. Arranjos Produtivos Locais (Clusters) para a Companhia Agrícola Harmonia (Usina Catende). 2009. 11p.

3. Anotações sobre Análise da Realidade Brasileira Contemporânea. 2009. 128p. 4. Considerações sobre o Plano Político Pedagógico (PPP) para as Escolas Técnicas de Nível

Médio Estadual. 2009. 11p. 5. Programa Multifuncional e Multissetorial Integrado Sustentável - PMMIS. 2009. 68p. 6. Integração CVT com APL nas Regiões de Desenvolvimento de Pernambuco. 2009. 41p. 7. Plano Estadual de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável Municipal – PEDSM. 2009.

49p. 8. Idéias para o Programa de Ração Balanceada (Bóia dos Animais) 2009. 8p. 9. Apresentação do PMMIS-APL. 2009. 15p. 10. Programa Multifuncional e Multissetorial Integrado Sustentável (PMMIS) para a

Catende-Harmonia. 2009. 68p. 11. Sugestões de Ações para APL com vistas ao Desenvolvimento Sustentável das Regiões

de Desenvolvimento (RD) de Pernambuco. 2010. 20p. 12. Plano Estratégico Situacional para o Estado de Pernambuco. 2010. 36p. 13. Referências para um Plano de Sustentabilidade do Pró-APL SECTMA-ITEP. 2010. 30p. 14. Plano Diretor Participativo Municipal. 2010. 88p.

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NOTA 2:

Na SECTEC (Secretaria de Ciência e Tecnologia - PE) o Autor também como Analista de

Tecnologia e Inovação produziu os seguintes ensaios/anteprojetos:

1. Educação pela Qualidade para os Complexos de Infra-estruturas e Industriais de Base - CIIB. 2010. 16p.

2. Organização da Secretaria da Agricultura e Reforma Agrária (SARA) para o Desenvolvimento Sustentável de Pernambuco. 2010. 21p.

3. Programa Conexão Cidadã do Estado de Pernambuco. 2011. 60p. 4. Complexo Turístico para Pernambuco. 2011. 21p. 5. Programa Conexão Cidadã no Estado de Pernambuco. 2011. 60p. 6. SECTEC (Introdução a um Debate sobre Tecnociência e Sociedade) 2011. 66p. 7. Projeto de Inovação e Capacitação Tecnológica de Jovens em HHP-FAO-

PNUD. 2012. 08p. 8. Projeto Tecnológico: Água, Produção e Vida Saudável no Semi-árido de

Pernambuco. 2012. 69p. 9. Tecnologia para Fármacos e Medicina Popular em Pernambuco. 2012. 20p. 10. Desenvolvimento Sustentável de Pernambuco. 2010. 21 p. 11. Impactos da Implantação da Ferrovia Transnordestina no Desenvolvimento

dos Cerrados e Sertões Nordestinos com Ênfase ao Estado de Pernambuco. 2012. 24p.

12. Tecnociência e as Anotações sobre: O “Conceito de Tecnologia” de Álvaro Vieira Pinto. 2013. 135 p.