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Campus 12 Brasília, 8 a 12 de fevereiro de 2014 NÃO É BRINCADEIRA DE CRIANÇA TECNOLOGIA Jéssica Martins e Raila Spindola “Você vibra, vê os momentos de tensão quando o seu time está em momentos decisivos e tem as jogadas de tirar o fôlego.” Caio Henrique de Medeiros, torcedor de League of Legends Competições oferecem prêmios de milhares de reais e mudam o cenário do esporte eletrônico no Brasil Bruna Furlani P resente no Brasil há cerca de uma década, os esportes eletrônicos – ou e-sports, como são mun- dialmente conhecidos – ga- nharam popularidade e força somente nos últimos dois anos. em 2014, campeonatos como a Intel Extreme Masters e o Circuito Brasileiro de League of Legends (CBLOL) contam com premiações de US$ 75 mil e R$ 100 mil, respecti- vamente, e investimentos de multinacionais. Os vence- dores dos campeonatos são classificados para eventos maiores para competir com equipes de todo mundo. Em agosto de 2011 a Valve Corporation – distribuidora e desenvolvedora de jogos ele- trônicos americana – realizou o primeiro The Internatio- nal, campeonato mundial do jogo de estratégia em tempo real Dota 2. Na competição, 16 times são pessoalmente convidados para participar e o prêmio da primeira edição foi de US$ 1 milhão para a equipe vencedora. Apesar do valor oferecido no The International – que na edi- ção de 2014 está com a cotação em seis milhões de dólares – foi League of Legends (LOL), da de- senvolvedora Riot Games, que trouxe o esporte eletrônico para o cenário nacional com uma força nunca vista. Segun- do o torcedor Felipe Bender, o investimento das empresas que desenvolvem os jogos faz toda a diferença. “A Riot viu o potencial do Brasil, investiu e LOL começou a ficar popu- lar. Com acessibilidade, consigo assistir a competições como o Campeonato Mundial de League of Legends”, explica Felipe. Com servidor brasileiro lançado em fevereiro do ano passado, League of Legends, assim como Dota 2, é classifi- cado dentro do gênero Moba (massive online battle arena ou, em tradução livre, batalha on- line massiva de arena). Basea- do na formação de dois times com até cinco pessoas que va- riam de um jogo para o outro, no estilo Moba cada jogador controla um personagem com o objetivo de marcar pon- tos, destruir fortificações inimigas e matar os perso- nagens do time adversário para vencer a partida. De acordo com Diniz “Gruntar” Albieri, narrador de competições de e-sports como a Intel Extreme Masters, o es- tilo de League of Legends tem características importantes para conseguir o número de adeptos que tem hoje. Para ele, a gratui- dade do jogo incentiva novos jogadores a testarem, além de exigir pouco da capacidade do computador e dispensar o uso de uma máquina cara, o que no Brasil é essencial. “Não é um jogo difícil e, além disso, é em equipe, então você se diverte com os amigos. Esses aspectos atraem as pessoas”, argumenta Diniz. Os próprios ciberatletas brasileiros não perdem o mé- rito ao mostrar o potencial do país em produzir bons joga- dores da modalidade. Leonar- do “Erasus Hitbox” Faria, com apenas 13 anos, faz parte de uma equipe semiprofissional, a Roaming Dragons. De acor- do com ele, é possível dispu- tar campeonatos, mas ainda é preciso esperar quatro anos para participar dos oficiais da Riot Games. “A idade mínima exigida é de 17 anos, mas es- tou pronto. Levei só dez me- ses para chegar ao nível dia- mante um”, conta Leonardo, orgulhoso, ao falar da coloca- ção no segundo maior nível de jogador no ranking mundial de League of Legends. A partir da demanda vista, empresas voltadas para o traba- lho com os e-sports se forma- ram no Brasil. Organizadoras de campeonatos nacionais e fe- derações esportivas que treinam e gerenciam equipes são en- contradas em grande número e com patrocínio de multina- cionais do ramo eletrônico. Uma dessas federações é a RMA e-Sports, que começou o investi- mento na modalidade e se tornou uma empresa registrada para o campeonato brasileiro de 2012. “Hoje temos seis equipes, esta- mos em cinco jogos diferentes e todos os atletas foram esco- lhidos a dedo”, conta Tiago Carvalho Sans, diretor geral da RMA. “Os jogadores são fixos, têm contratos assinados e precisam jogar por tempo- radas completas, não podem sair. Isso protege a RMA, o atle- ta e o patrocinador, que saberá quem representa a marca dele”. VIDEOGAME É COISA SÉRIA Para Francisco Marcelo Mar- ques, coordenador do curso de Jogos Digitais do Centro Universitário Iesb, o mercado voltado para os jogos online tem um crescimento tanto no desenvolvimento de novos jogos quanto em competição. “Novas empresas são criadas to- dos os dias”, diz Francisco. “Os jo- gos eletrônicos construíram um mercado no Brasil e têm espaço para os profissionais da área”. Lucas “Zang” da Mata, de 19 anos, é ciberatleta e hoje vive apenas do e-sport. Ten- do competido várias vezes no exterior, hoje é pago por ses- sões de jogo onde treina com equipes que se preparam para campeonatos ou é convidado para substituir pessoas que, por algum motivo, não poderão comparecer aos campeonatos. As sessões de treino podem du- rar de dois a sete dias e Lucas recebe cerca de US$ 150 por sessões curtas. “Os responsáveis pelas equipes assistem aos jo- gos de alto nível e chamam o jogador para uma entrevista. Se for o que eles querem, você está dentro”, explica o jogador. O narrador Diniz “Gruntar” Albieri ganha hoje em torno Leonardo Faria (direita), de 13 anos, precisa esperar completar 17 anos para participar de competições oficiais de League of Legends

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Campus12 Brasília, 8 a 12 de fevereiro de 2014

NÃO É BRINCADEIRA DE CRIANÇATECNOLOGIA

Jéssica Martins e Raila Spindola

“Você vibra, vê os momentos de tensão quando o seu time está em momentos

decisivos e tem as jogadas de tirar o fôlego.”

Caio Henrique de Medeiros, torcedor de League of Legends

Competições oferecem prêmios de milhares de reais e mudam o cenário do esporte eletrônico no Brasil

Bruna FurlaniPresente no Brasil há cerca de uma década, os esportes eletrônicos

– ou e-sports, como são mun-dialmente conhecidos – ga-nharam popularidade e força somente nos últimos dois anos. Só em 2014, campeonatos como a Intel Extreme Masters e o Circuito Brasileiro de League of Legends (CBLOL) contam com premiações de US$ 75 mil e R$ 100 mil, respecti-vamente, e investimentos de multinacionais. Os vence-dores dos campeonatos são classificados para eventos maiores para competir com equipes de todo mundo.

Em agosto de 2011 a Valve Corporation – distribuidora e desenvolvedora de jogos ele-trônicos americana – realizou o primeiro The Internatio-nal, campeonato mundial do jogo de estratégia em tempo real Dota 2. Na competição, 16 times são pessoalmente convidados para participar e o prêmio da primeira edição foi de US$ 1 milhão para a equipe vencedora.

Apesar do valor oferecido no The International – que na edi-ção de 2014 está com a cotação em seis milhões de dólares – foi League of Legends (LOL), da de-senvolvedora Riot Games, que trouxe o esporte eletrônico para o cenário nacional com uma força nunca vista. Segun-do o torcedor Felipe Bender, o investimento das empresas que desenvolvem os jogos faz toda a diferença. “A Riot viu o potencial do Brasil, investiu e LOL começou a ficar popu-lar. Com acessibilidade, consigo assistir a competições como o Campeonato Mundial de League of Legends”, explica Felipe.

Com servidor brasileiro

lançado em fevereiro do ano passado, League of Legends, assim como Dota 2, é classifi-cado dentro do gênero Moba (massive online battle arena ou, em tradução livre, batalha on-line massiva de arena). Basea-do na formação de dois times com até cinco pessoas que va-riam de um jogo para o outro, no estilo Moba cada jogador controla um personagem com o objetivo de marcar pon-tos, destruir fortificações inimigas e matar os perso-nagens do time adversário para vencer a partida.

De acordo com Diniz “Gruntar” Albieri, narrador de competições de e-sports como a Intel Extreme Masters, o es-tilo de League of Legends tem características importantes para conseguir o número de adeptos que tem hoje. Para ele, a gratui-dade do jogo incentiva novos jogadores a testarem, além de exigir pouco da capacidade do computador e dispensar o uso de uma máquina cara, o que no Brasil é essencial. “Não é um jogo difícil e, além disso, é em equipe, então você se diverte com os amigos. Esses aspectos atraem as pessoas”, argumenta Diniz.

Os próprios ciberatletas brasileiros não perdem o mé-rito ao mostrar o potencial do

país em produzir bons joga-dores da modalidade. Leonar-do “Erasus Hitbox” Faria, com apenas 13 anos, faz parte de uma equipe semiprofissional, a Roaming Dragons. De acor-do com ele, é possível dispu-tar campeonatos, mas ainda é preciso esperar quatro anos para participar dos oficiais da Riot Games. “A idade mínima exigida é de 17 anos, mas es-tou pronto. Levei só dez me-ses para chegar ao nível dia-mante um”, conta Leonardo, orgulhoso, ao falar da coloca-ção no segundo maior nível de jogador no ranking mundial de League of Legends.

A partir da demanda vista, empresas voltadas para o traba-lho com os e-sports se forma-ram no Brasil. Organizadoras de campeonatos nacionais e fe-derações esportivas que treinam e gerenciam equipes são en-contradas em grande número e com patrocínio de multina-cionais do ramo eletrônico. Uma dessas federações é a RMA e-Sports, que começou o investi-mento na modalidade e se tornou uma empresa registrada para o campeonato brasileiro de 2012. “Hoje temos seis equipes, esta-mos em cinco jogos diferentes e todos os atletas foram esco-lhidos a dedo”, conta Tiago Carvalho Sans, diretor geral

da RMA. “Os jogadores são fixos, têm contratos assinados e precisam jogar por tempo-radas completas, não podem sair. Isso protege a RMA, o atle-ta e o patrocinador, que saberá quem representa a marca dele”.

VIDEOGAME É COISA SÉRIAPara Francisco Marcelo Mar-

ques, coordenador do curso de Jogos Digitais do Centro Universitário Iesb, o mercado voltado para os jogos online tem um crescimento tanto no desenvolvimento de novos jogos quanto em competição. “Novas empresas são criadas to-dos os dias”, diz Francisco. “Os jo-gos eletrônicos construíram um mercado no Brasil e têm espaço para os profissionais da área”.

Lucas “Zang” da Mata, de 19 anos, é ciberatleta e hoje vive apenas do e-sport. Ten-do competido várias vezes no exterior, hoje é pago por ses-sões de jogo onde treina com equipes que se preparam para campeonatos ou é convidado para substituir pessoas que, por algum motivo, não poderão comparecer aos campeonatos. As sessões de treino podem du-rar de dois a sete dias e Lucas recebe cerca de US$ 150 por sessões curtas. “Os responsáveis pelas equipes assistem aos jo-gos de alto nível e chamam o jogador para uma entrevista. Se for o que eles querem, você está dentro”, explica o jogador.

O narrador Diniz “Gruntar” Albieri ganha hoje em torno

Leonardo Faria (direita), de 13 anos, precisa esperar completar 17 anos para participar de competições oficiais de League of Legends

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Bruna Furlani

Thais Gomes, expectadora de competições de e-sports, acompanha os jogos com o objetivo de aprender novas técnicas com personagens do jogo que não conhece tão bem

Bruna Furlani

de R$ 1,5 mil com os patro-cínios das transmissões ao vivo que realiza, além do dinheiro extra pago nas competições que narra. Para ele, ainda é pouco para quem vive com a esposa e o filho, mas que talvez a quantia fosse o suficiente se não tivesse uma família. “Estou arriscando em um futuro, hoje mal pago minhas contas, mas sonho com o dia em que viverei tranquila-mente fazendo o que gosto”, de-sabafa.

Tiago Carvalho Sans diz fal-tar suporte governamental para a modalidade e que, apesar de não ter existido dificuldade para re-gistrar a empresa RMA e-Sports, não há nada na legislação brasi-leira em relação a uma empresa do gênero. “Foi necessário abri-la da mesma forma que é registrado um bingo, o que pode dificultar o acordo com o patrocinador. For-malizar a empresa ajuda nos ne-gócios, assim os patrocinadores entendem que é seguro sair da mídia convencional para investir na gente”, explica. “O objetivo é de que no futuro as pessoas levem os filhos para participar dos campeo-natos e torçam para as equipes.”

De acordo com o Minis-tério do Esporte, não cabe ao poder público reconhecer qualquer entidade esporti-va. “A Constituição Federal de 1988 estabelece que a prá-tica esportiva é livre no país, assim como a organização em entidades representativas”, diz a assessoria de imprensa. Para o advogado Vinicius Calixto,

a organização de competições por entidades como federa-ções e confederações é o que dará forças ao e-sport, por mais que as disputas que não promovam apostas sejam le-galizadas. “A descentralização das competições nas lan hou-ses não é interessante e é pre-ciso que haja padronização das regras dos jogos”, argumenta.

Na opinião do atleta Jo-nathan “Jow” Nascimento (Jow), membro da equipe profissional Acezone Aca-demy Red, o que ainda falta no esporte eletrônico são jogadores dispostos a com-petir para divulgar o cenário nacional e menos focados nas premiações de milhares de dólares. “Ainda é uma moda-lidade muito instável no Bra-sil, então precisamos de mais jogadores apaixonados e me-nos gananciosos”. A jogadora Débora “Yuuki” Abrantes, 23 anos, concorda com Jonathan e acredita que os frutos do es-forço dos jogadores de hoje serão colhidos pelos próximos atletas da modalidade.

Mas mesmo não reconheci-do pela maioria da população, o e-sport continua visto pelos adeptos da modalidade como um esporte convencional. “Você vibra, vê os momentos de tensão quando o seu time está em momentos decisivos e tem as jogadas que são de ti-rar o fôlego”, conta o torcedor Caio Henrique de Medeiros, que acompanha e-sports desde

2009 e torce para o time nacio-nal CNB e-Sports Club e para o sul coreano SKT1.

Thais Gomes, expectado-ra de competições de League of Legends, acompanha al-guns jogos sem se preocu-par com as equipes envol-vidas e diz assistir e-sports em busca de aprendizado com quem é mais experien-te. Além disso, acredita que as locuções também são um grande auxílio para apren-der mais e manter o foco. “As narrações são tanto di-vertidas quanto explicati-vas. Eles têm conhecimento e, como em um jogo de xa-drez, buscam prever como

pode ser cada partida. Isso dá margem pra você pensar junto e não só ficar olhando e ouvindo”, explica Thais.

O INÍCIO DA PARTIDAA primeira vez que se

ouviu falar na grande mí-dia de competições de jogos eletrônicos no Brasil foi em 2007, com a chegada do fa-moso Counter Strike, o que popularizou os jogos do gê-nero FPS (first-person shooter, ou tiro em primeira pessoa). Motivo de polêmica na época de maior sucesso, o jogo caiu no desgosto de uma parcela da população por ser conside-rado muito violento.

Counter Strike foi esqueci-do após diversos comentários negativos na mídia e em janei-ro de 2008 foi recolhido pelo Procon das lojas do estado de Goiás com a afirmação de que era impróprio para o consu-mo. De acordo com o atleta Jonathan “Jow” Nascimen-to, 20 anos, até disputas com aposta de dinheiro aconteciam na época da fama de Counter Strike, o que não ocorre com os jogos mais conhecidos atualmente. “Na maioria dos casos os campeonatos são or-ganizados para divulgar a lan house e os prêmios são dados em dinheiro digital para ser usado no servidor do jogo.”

Premiação total: Equipamentos de computador

* Última edição com disputa de CS

10º WCG Brasil - Nacional de Counter Strike*

1º Intel Extreme Masters - Nacional de Starcraft

1º CBLOL - Nacional de League of Legends

4º The International - Mundial de Dota 2

Premiação total: US$ 21 mil Premiação total: US$ 55 mil Premiação total: US$ 7 milhões ou mais

2011 2012 2013 2014 Caio Mota