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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Mônica Souto da Silva Dias Um estudo da demonstração no contexto da licenciatura em Matemática: uma articulação entre os tipos de prova e os níveis de raciocínio geométrico Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, sob a orientação da) Professora Doutora Cileda de Queiroz e Silva Coutinho. São Paulo 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Mônica Souto da Silva Dias

Um estudo da demonstração no contexto da licenciatura

em Matemática: uma articulação entre os tipos de prova e

os níveis de raciocínio geométrico

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de DOUTORA EM EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA, sob a orientação da) Professora Doutora

Cileda de Queiroz e Silva Coutinho.

São Paulo

2009

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Banca Examinadora

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__________________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________

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E para julgar sobre o valor, vê-se aparecer com nitidez uma utilidade para o espírito, espiritualmente bem dinâmico, ao passo que a utilidade para a vida é especialmente estática.

Gaston Bachelard

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Ao meu esposo José Reynaldo, grande incentivador desta caminhada.

Aos meus filhos Bruno e Marina, cúmplices desde o início.

Ao meu filho Pedro, presente de Deus em meio a esta trajetória.

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AGRADECIMENTO

Quero expressar a minha gratidão a todos que de alguma forma, contribuíram para a

realização deste trabalho.

A minha orientadora Professora Doutora Cileda de Queiroz e Silva Coutinho, que me

acolheu em momento de transição e indefinições, e soube conduzir com profissionalismo, competência, paciência, amizade e bom humor a orientação deste trabalho.

As Professores Doutores que compuseram as bancas, Antônio Vicente Marafiotti Garnica, Maria Alice Gravina, Celina Aparecida Almeida Pereira Abar, Saddo Ag

Almouloud e Dione Lucchesi de Carvalho, a contribuição de vocês impulsionou de modo ímpar o desenvolvimento deste trabalho.

Aos Professores Doutores Maria Cristina Souza de A. Maranhão, Bárbara Lutaif Bianchini

, Leila Zardo Puga, Ubiratan D’Ambrosio, Sílvia Dias Alcântara Machado, Wagner Rodrigues Valente, Saddo Ag Almouloud, Célia Maria Carolino Pires, Ana Paula Jahn,

Siobhan Victoria Healy e Janete Bolite Frant pelo conhecimento construído.

A Direção da Faculdade de Filosofia de Campos e ao Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia, Campus Campos – Centro, pelo incentivo.

Ao Professor Mestre Salvador Tavares , que sempre demonstrou acreditar nesta conquista.

Aos alunos que aceitaram participar desta investigação. Sem vocês, este trabalho não

existiria.

A minha mãe Maria Francisca, pelo seu amor.

A minha irmã Simone, pelo carinho e disponibilidade.

A minha sogra Cleuza, pelo apoio incondicional.

A José Reynaldo, o melhor amigo, por tudo.

Aos meus filhos queridos Bruno e Marina, por aceitarem responsabilidades para além de

suas idades, durante as minhas ausências.

Ao Senhor Deus, fonte de toda energia, pela orientação constante.

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RESUMO

O objetivo principal deste trabalho foi investigar a influência dos ambientes de

geometria dinâmica na construção de argumentações, por alunos da licenciatura em

Matemática. Buscamos também estudar uma possível articulação entre os níveis de

desenvolvimento geométrico existentes e os tipos de prova que ele produz. A

pesquisa realizada caracteriza-se como qualitativa, com aspectos de um estudo de

caso. Os procedimentos de coleta de dados foram os registros escritos dos alunos,

as construções geométricas destes gravadas no software Geogebra, a áudio-

gravação, e entrevistas semiestruturadas. A revisão bibliográfica indicou a

necessidade de estudos sobre o ensino e aprendizagem de demonstrações em

cursos de formação inicial de professores de Matemática. A análise dos resultados

por nós obtidos, permitiu observar que o ambiente de geometria dinâmica influi

pouco na construção da argumentação pelos alunos. Nossos sujeitos de pesquisa

não tinham familiarização com as ferramentas do ambiente, e o ‘arrastar”

possibilitado pelo software, tornou-se muito mais uma forma de validação empírica

das conjecturas. Os resultados permitem também inferir a existência de um nível

intermediário entre os níveis existentes designados por geometria spatio-grafique

(G1) e geometria proto-axiomática (G2), que acolha o momento de transição entre

os mesmos. Este nível intermediário teria como características a instabilidade no

tipo de objeto invocado (físico ou teórico) e no tipo de validação (perceptiva ou

teórica). Observamos que os tipos de prova empirismo ingênuo e experiência crucial

surgiram como resultado de raciocínios geométricos no nível G1. E o tipo de prova

experiência mental apareceu associada a raciocínio geométrico no nível G2. Tais

observações também colaboraram para a certificação da necessidade de um nível

de raciocínio geométrico intermediário entre G1 e G2.

Palavras-Chave: Formação inicial de professores de Matemática, demonstração,

prova, ambientes de geometria dinâmica, Geometria.

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ABSTRACT

The main purpose of this research was to investigate the influence of dynamic

geometry environments in building up arguments by teaching graduating students in

Mathematics. We also searched a probable articulation between the student´s

geometrical development levels and the types of tests he makes. The research done

distinguishes itself as qualitative with aspects from a study case. The procedures for

collecting the data were the students`written records, their geometrical constructions

taped in Geogebra software, dialogues audio-recorded, and interviews semi-

structured. The bibliographical review indicated a need for studies about the learning

process of demonstrations in Mathematics teaching initial formation courses. The

results analysis gathered by us permitted to observe that the dynamic geometrical

environment has little influence on the arguments construction by the students. Our

research subjects were not familiar with the environment tools and the “to drag”

provided by the software became much more a way of confirming the empirical

suppositions. The results also permit to infer the existence of an intermediate level

between the existent levels designed by spatio-grafique geometry (G1) and proto-

axiomática geometry (G2), that welcomes the transition moment between them. This

intermediate level would have as characteristics the instability in the type of invocated

object (physical and theorical) and in the type and validation (perceptive or theorical).

We observed that the types of tests naïf empirism and crucial experience came up as

a result of geometrical thinking in level G1, while the type of test mental experience

appeared associated to geometrical thinking in level G2. Such observations also

cooperated for the certain need of an intermediate geometrical thinking level between

G1 and G2.

Key-words: Initial Mathematics teaching formation, demonstration, proof, dynamic

geometrical environments, Geometry.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Interpretação de Parzysz para os níveis de desenvolvimento do

raciocínio geométrico, segundo Van Hiele, idealizado pela autora

deste trabalho. .................................................................................. 21

Figura 2: Interpretação de Parzysz para a relação de transição entre os tipos

de geometria identificados por Houdement e Huzniak, esquematizado

pela autora deste trabalho................................................................. 22

Figura 3: Mudanças entre domínios proposta por Henry (1997) e adotada

em Coutinho (2001).......................................................................... 22

Figura 4: Nível intermediário entre GI e GII...................................................... 23

Figura 5: Quadrilátero ...................................................................................... 25

Figura 6: Quadrado .......................................................................................... 30

Figura 7: Posições do segmento MN na folha de respostas dos itens 3, 5 e 8,

respectivamente, da pesquisa realizada por Parzysz....................... 61

Figura 8: Construção relativa a tarefa da sessão experimental........................ 63

Figura 9: Tela do software Geogebra com as cinco regiões ............................ 83

Figura 10: Tela do software Geogebra exibindo as opções de um dos ícones 84

Figura 11: Protocolo de construção de uma figura feita por um aluno ............. 85

Figura 12: Quadrilátero construído pela autora com par de esquadros e

compasso ....................................................................................... 88

Figura 13: Histórico da construção esperada na questão 1 ............................. 91

Figura 14: Esboços à mão livre feitos por Guilherme....................................... 94

Figura 15: Quadrilátero construído por Guilherme ........................................... 94

Figura 16: Quadrado construído por Rita ......................................................... 95

Figura 17: Triângulo com baricentro construído por Rita ................................. 96

Figura 18: Ângulo e sua bissetriz desenhados por Guilherme ......................... 98

Figura 19: Linha poligonal construída por Guilherme....................................... 99

Figura 20: Quadrilátero desenhado por Rita .................................................. 100

Figura 21: Quadrilátero qualquer desenhado por Rita ................................... 101

Figura 22: Poligonal construída por Guilherme .............................................. 102

Figura 23: Quadrilátero com bissetrizes de vértices opostos construído

por Rita.......................................................................................... 104

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Figura 24: Desenhos produzidos por Patrícia ................................................ 113

Figura 25: Quadriláteros construídos por Patrícia .......................................... 114

Figura 26: Quadriláteros produzidos por Patrícia ........................................... 114

Figura 27: Desenhos produzidos por Diana ................................................... 116

Figura 28: Construções elaboradas por Diana ............................................... 117

Figura 29: Desenhos produzidos por Diana ................................................... 118

Figura 30: Desenhos produzidos por Júlia ..................................................... 121

Figura 31: Retângulo construído por Júlia...................................................... 121

Figura 32: Retângulo construído por Helena.................................................. 121

Figura 33: Paralelogramo construído por Júlia............................................... 122

Figura 34: Losango construído por Helena .................................................... 122

Figura 35: Trapézio construído por Júlia ........................................................ 123

Figura 36: Construção inacabada de um trapézio feito por Helena................ 123

Figura 37: Circunferência com retas tangentes construída por Helena.......... 123

Figura 38: Tela do Geogebra com a construção de Rita................................ 126

Figura 39: Tela do Geogebra com a construção de Guilherme...................... 127

Figura 40: Quadrado construído por Diana .................................................... 129

Figura 41: Quadrado construído por Patrícia ................................................. 129

Figura 42: Retângulo construído por Diana.................................................... 130

Figura 43: Quadrilátero qualquer com mediatrizes e bissetrizes construído

por Patrícia .................................................................................... 133

Figura 44: Paralelogramo com bissetrizes construído por Diana ................... 135

Figura 45: Retângulo com bissetrizes construído por Diana .......................... 136

Figura 46: Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Patrícia ..... 137

Figura 47: Trapézio retângulo com bissetrizes construído por Diana............. 138

Figura 48: Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Patrícia ..... 139

Figura 49: Losango com bissetrizes construído por Diana............................. 141

Figura 50: Quadrilátero qualquer construído por Patrícia, com bissetrizes

e a circunferência com centro na interseção das mesmas............ 141

Figura 51: Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Patrícia ..... 143

Figura 52: Quadrilátero construído por Patrícia.............................................. 144

Figura 53: Quadrilátero construído por Patrícia.............................................. 145

Figura 54: Quadriláteros construídos por Júlia............................................... 147

Figura 55: Quadrilátero construído por Júlia .................................................. 147

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Figura 56: Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Júlia.......... 149

Figura 57: Paralelogramo............................................................................... 153

Figura 58: Trapézio qualquer ......................................................................... 153

Figura 59: Quadriláteros construídos no software Geogebra......................... 156

Figura 60: Triângulos com área que verificam (à direita) e que não

verificam (à esquerda) a relação 4 para 1 .................................... 157

Figura 61: Paralelogramo construído por Rita................................................ 159

Figura 62: Paralelogramo construído por Guilherme...................................... 159

Figura 63: Trapézio isósceles construído por Rita ......................................... 164

Figura 64: Trapézio qualquer construído por Rita .......................................... 166

Figura 65: Trapézio qualquer construído por Guilherme ................................ 166

Figura 66: Quadrilátero qualquer desenhado por Rita ................................... 168

Figura 67: Quadrilátero qualquer desenhado por Guilherme ......................... 169

Figura 68: Paralelogramo construído por Patrícia .......................................... 170

Figura 69: Trapézio isósceles construído por Patrícia.................................... 172

Figura 70: Quadrilátero qualquer construído por Patrícia............................... 174

Figura 71: Paralelogramo construído por Júlia............................................... 176

Figura 72: Trapézio retângulo construído por Helena .................................... 177

Figura 73: Quadrilátero qualquer construído por Júlia ................................... 179

Figura 74: Paralelogramo construído por Rita no Geogebra.......................... 182

Figura 75: Trapézio qualquer construído por Rita .......................................... 182

Figura 76: Paralelogramo qualquer construído por Guilherme....................... 183

Figura 77: Trapézio qualquer construído por Guilherme ................................ 183

Figura 78: Quadrilátero qualquer construído por Rita no Geogebra............... 185

Figura 79: Quadrilátero qualquer construído por Guilherme no Geogebra .... 185

Figura 80: Paralelogramo construído por Diana no Geogebra....................... 187

Figura 81: Paralelogramo construído por Patrícia no Geogebra .................... 188

Figura 82: Trapézio qualquer construído por Diana no Geogebra ................. 189

Figura 83: Trapézio qualquer construído por Patrícia no Geogebra............... 189

Figura 84: Quadrilátero qualquer construído por Diana no Geogebra............ 191

Figura 85: Quadrilátero qualquer construído por Patrícia no Geogebra......... 191

Figura 86: Paralelogramo construído por Júlia no Geogebra......................... 192

Figura 87: Trapézio qualquer construído por Júlia no Geogebra ................... 194

Figura 88: Quadrilátero qualquer construído por Júlia no Geogebra.............. 194

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Síntese da classificação dos níveis de raciocínio geométrico

segundo Parzysz ............................................................................. 24

Quadro 2: Exemplos de respostas de alunos................................................... 25

Quadro 3: Indicação de fases de resolução da primeira questão..................... 81

Quadro 4: indicação de fases de resolução da segunda questão .................... 82

Quadro 5: Alteração das variáveis didáticas da primeira questão.................. 196

Quadro 6: Alteração das variáveis didáticas da segunda questão ................. 197

Quadro 7: Relações entre níveis de raciocínio geométrico e tipos de prova.. 203

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS________________________________________________ 9

LISTA DE QUADROS______________________________________________ 12

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ________________________________________ 16

CAPÍTULO 1 _____________________________________________________ 20

REFERENCIAL TEÓRICO __________________________________________ 20

1. 1 Classificação das Geometrias segundo Parzysz __________________ 20 1.1.1 Níveis de desenvolvimento do pensamento geométrico segundo Van Hiele20 1.1.2 Tipos de Geometria segundo Houdement & Huzniak ________________ 21 1.1.3 Relações com o espaço no ensino e aprendizagem de Geometria______ 22 1.1.4 A proposta apresentada por Parzysz _____________________________ 23 1.1.5 A questão didática e a articulação G1- G2 _________________________ 26 1.1.6 A problemática da precisão e da dedução _________________________ 28 1.1.7 A articulação G2-G3 __________________________________________ 30

1. 2 Processos de validação e tipos de prova segundo Balacheff ________ 31 1.2.1 Situações e processos de validação ______________________________ 32 1.2.2 Provas pragmáticas e provas intelectuais __________________________ 33 1.2.3 Tipos de provas ______________________________________________ 34

1. 3 Articulações possíveis entre a classificação das geometrias segundo Parzysz e os tipos de prova segundo Balacheff _______________________ 35

CAPÍTULO 2 _____________________________________________________ 37

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE DEMONSTRAÇÕES________________ 37

2.1 A concepção de demonstração adotada neste trabalho _____________ 37

2.2 Algumas considerações – O papel da demonstração _______________ 38

2.3 O ensino e aprendizagem de demonstrações: resultados de pesquisa 42

2.4 A Tecnologia informática e o desenvolvimento do processo de argumentação e demonstração em Geometria ________________________ 49 2.4.1 A tecnologia e o ensino e aprendizagem de Geometria_______________ 49 2.4.2 A tecnologia e a demonstração em Geometria ______________________ 50 2.4.3 O ensino e a aprendizagem de demonstração em Geometria utilizando ambientes de geometria dinâmica em pesquisa__________________________ 52

2.5 A demonstração na formação do professor de Matemática da Educação Básica__________________________________________________________ 65 2.5.1 Algumas considerações ________________________________________ 65 2.5.2 A demonstração no currículo da formação inicial de professores da Educação Básica __________________________________________________________ 67

CAPÍTULO 3 _____________________________________________________ 71

PROBLEMÁTICA E METODOLOGIA _________________________________ 71

3.1 Problemática _________________________________________________ 71

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3.2 Metodologia __________________________________________________ 74 3.2.1 Caracterização da pesquisa_____________________________________ 74 3.2.2 A atividade__________________________________________________ 80 3.2.2.1 As questões da atividade_____________________________________ 80 3.2.2.2 A primeira questão __________________________________________ 81 3.2.2.3 A segunda questão _________________________________________ 81 3.2.3 Os ambientes utilizados _______________________________________ 82 3.2.3.1 O ambiente de geometria dinâmica Geogebra_____________________ 83 3.2.4 Alguns aspectos da coleta de dados ______________________________ 85 3.2.5 Processo de análise dos dados _________________________________ 86

CAPÍTULO 4 _____________________________________________________ 87

FASE EXPERIMENTAL E ANÁLISE __________________________________ 87

4.1 A análise teórica da questão 1 __________________________________ 87 4.1.1 Análise matemática no ambiente papel e lápis _____________________ 87 4.1.2 Análise didática no ambiente papel e lápis _________________________ 89 4.1.3 Análise matemática no ambiente geometria dinâmica Geogebra________ 90 4.1.4 Análise didática no ambiente de geometria dinâmica Geogebra ________ 92

4.2 Experimentação da questão 1 no ambiente papel e lápis ____________ 93 4.2.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme ____________ 93 4.2.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana / Patrícia __________ 111 4.2.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena _____________ 120

4.3 Síntese da análise dos dados da questão 1 no ambiente papel e lápis 124

4.4 Experimentação da questão 1 no ambiente geometria dinâmica Geogebra_______________________________________________________________ 126 4.4.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme___________ 126 4.4.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana/Patrícia ___________ 128 4.4.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena _____________ 147

4.5 Síntese das análises da questão 1 no ambiente de geometria dinâmica Geogebra ______________________________________________________ 150

4.6 Análise teórica da questão 2___________________________________ 152 4.6.1 Análise matemática no ambiente papel e lápis ____________________ 153 4.6.2 Análise didática no ambiente papel e lápis________________________ 154 4.6.3 Análise matemática no ambiente de geometria dinâmica Geogebra____ 155 4.6.4 Análise didática no ambiente de geometria dinâmica Geogebra _______ 157

4.7 Experimentação da questão 2 no ambiente papel e lápis ___________ 159 4.7.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme___________ 159 4.7.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana / Patrícia __________ 170 4.7.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena _____________ 176

4.8 Síntese da análise da questão 2 no ambiente papel e lápis _________ 180

4.9 Experimentação da questão 2 no ambiente geometria dinâmica Geogebra_______________________________________________________________ 181 4.9.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme___________ 181 4.9.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana / Patrícia __________ 187 4.9.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena _____________ 192

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4.10 Síntese da análise da questão 2 no ambiente de geometria dinâmica Geogebra ______________________________________________________ 195

4.11 Quadros síntese dos resultados obtidos nos ambientes papel e lápis e Geogebra e outras considerações _________________________________ 196

4.12 A relação entre os níveis de raciocínio e os tipos de prova ________ 202

CONSIDERAÇOES FINAIS ________________________________________ 204

REFERÊNCIAS__________________________________________________ 209

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A demonstração em Geometria sempre foi algo presente na minha vida

profissional. Tão logo concluí o curso de Licenciatura em Matemática, fui convidada

a integrar o corpo docente da Instituição na qual me formei, ficando sob a minha

responsabilidade lecionar a disciplina Geometria de Posição em um horário de aula

(50 minutos), durante um ano letivo. Eu não havia estudado, no curso de

licenciatura, a maior parte do conteúdo com o qual iria trabalhar. Fui autodidata tanto

no que diz respeito ao conteúdo quanto à metodologia de ensino.

No início, eram aulas essencialmente expositivas, que cansavam os alunos

que, por sua vez, agradeciam por ter apenas um horário semanal desta disciplina

tão difícil. Eu não os ensinava a demonstrar, nem saberia como fazê-lo. O que eu

realizava em sala de aula era apresentar as demonstrações do livro, explicar-lhes e,

na avaliação, cobrar-lhes algumas daquelas demonstrações apresentadas durante

as aulas.

No ano seguinte, propus à nova turma construir modelos das situações

geométricas com material concreto a fim de que compreendesse melhor a distinção

entre hipótese e tese de cada teorema. Com o mesmo objetivo, inseri na aula

momentos de reflexão sobre cada teorema. Outros recursos, tais como seminários1

sobre a importância da demonstração em Geometria e apresentações orais

organizadas pelos alunos, foram utilizados, mas nenhum deles foi suficiente para

que a maioria compreendesse e aceitasse a necessidade do estudo das

demonstrações. Muitos alunos diziam em tom irônico: “Não precisa demonstrar, eu

acredito em você”. Ou ainda: “Já foi demonstrado pelos matemáticos, então, eu não

preciso demonstrar”.

Decorridos 22 anos, ainda vivencio, em sala de aula, situações como as

descritas acima, ou seja, ainda há, por parte da grande maioria dos alunos da

licenciatura em Matemática, grande resistência ao estudo das demonstrações em

Geometria.

1 Estes seminários tiveram como texto base o livro “A Demonstração em Geometria” do autor A.I. Fetissov com tradução de Hygino H. Domingues.

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Por meio de minha formação continuada, formal e informal, estudei softwares

de geometria dinâmica e refleti sobre a sua utilização para o ensino em várias áreas

da Matemática, em especial de Geometria. Foi com base nessas reflexões e

estudos que, em 2002, elaborei duas atividades2 na disciplina Geometria I, para

alunos do primeiro período do curso de licenciatura em Matemática de uma

instituição pública do interior do Estado do Rio de Janeiro, e que passo a descrever

nos parágrafos a seguir.

Duas atividades distintas foram propostas a dois grupos de alunos, A e B. O

grupo A era composto por 16 alunos e o grupo B por 18, todos ingressantes no

primeiro período do curso de licenciatura em Matemática citado no parágrafo

anterior. É importante ressaltar que tais alunos cursavam a licenciatura há três

semanas, logo não tinham familiaridade com processos de demonstração e tarefas

de investigação, já que estes tipos de atividades não são usualmente abordadas no

Ensino Médio. As atividades foram as seguintes:

Atividade 1

Considere sobre uma reta r um segmento AB e um ponto móvel P pertencente à

reta r. Sejam M e N os pontos médios de AP e PB, respectivamente. O que se pode

dizer a respeito de MN?

Atividade 2

Construa uma reta e sobre ela marque três pontos distintos A, B e P. Determine os

pontos médios M e N dos segmentos AP e PB respectivamente. Meça os

segmentos AP, PB e MN. Mova o ponto P sobre a reta. Que relação existe entre

AP, PB e MN?

Enquanto a atividade 1 foi desenvolvida, em sala de aula; a atividade 2 foi

realizada no laboratório de informática com o software Cabri-Géomètre II, em grupos

de dois alunos. O grupo A executou primeiramente a atividade 2 e, quatro dias

depois executou a atividade 1. O grupo B realizou a atividade 1 antes da atividade

2, com intervalo de dois dias. As atividades tratam de uma mesma situação.

Verdadeiramente, é o mesmo problema, apenas enunciado de forma distinta, ou

seja, um problema proposto cuja variável didática por nós escolhida foi o enunciado.

2 O relato destas atividades resultou num trabalho que foi apresentado na forma de pôster intitulado Contribuições de um ambiente informatizado para a resolução de questões abertas em Geometria na 55.ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizado em Recife – PE, em 2003.

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Entende-se por variável didática a(s) escolha(s) feita(s) pelo professor de forma que

uma mudança no valor dessa variável provoca a alteração na estratégia de

resolução construída pelo aluno (ALMOULOUD, 2007). As soluções apresentadas

pelos alunos foram agrupadas em três tipos que são descritos a seguir:

Solução 1

São soluções que consideramos como incompletas; MN = 2

PBAP +, ou MN

=2

AB

2

PBAP=

+, ou ainda apenas MN=

2

AB.

Solução 2

A solução completa: Se P está entre A e B, então MN = 2

PBAP +; se A está entre P

e B ou B está entre A e P, então MN=2

PBAP −. Além disso, MN=

2

AB.

Solução 3

Este terceiro tipo concentrou as soluções erradas ou nenhuma solução.

O grupo A apresentou maior desenvoltura na execução da atividade na sala

de aula e relacionou imediatamente o problema dado no laboratório (atividade 2)

com o problema dado em sala de aula (atividade 1). Entretanto, o grupo B

apresentou dificuldade maior, no laboratório, que o grupo A e não relacionou as

atividades. Os alunos do grupo A, que não chegaram a soluções erradas no

laboratório, obtiveram respostas satisfatórias na sala de aula. De alguma forma, o

estudo com o software Cabri Géomètre II, feito anteriormente, abriu caminhos para a

obtenção de outras soluções, possibilitando maior interação entre os alunos, assim

como o problema proposto e as várias possibilidades para a solução foram mais

rapidamente vislumbrados. No entanto, é interessante notar que o fato da resolução

ser primeiramente, em sala de aula, não melhorou em nada o desempenho em

relação ao raciocínio desenvolvido no laboratório.

Os resultados obtidos com a realização destas atividades aliados às minhas

observações de como os alunos da licenciatura em Matemática lidam com as

demonstrações e leituras que abordavam o ensino e aprendizagem com softwares

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de geometria dinâmica3, levaram-me a elaborar a seguinte conjectura: Do mesmo

modo que um software de geometria dinâmica possibilitou aos alunos a construção

de soluções para um problema de Geometria, poderia contribuir para a elaboração

de argumentos para a construção de uma demonstração em Geometria? Ou: Em

que medida a utilização de um software de geometria dinâmica permitirá ao aluno

desenvolver conjecturas e argumentações relativas a uma situação geométrica que

se quer demonstrar?

Estas questões nortearam o delineamento desta pesquisa. Será estudada a

influência da utilização de um software de geometria dinâmica, o Geogebra, no

desenvolvimento da argumentação e elaboração de demonstrações por alunos da

licenciatura em Matemática. Este trabalho insere-se na linha de pesquisa

Tecnologias da Informação e Educação Matemática, do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação Matemática, da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo.

No primeiro capítulo, são apresentados os referenciais teóricos sobre os quais

se apoia a análise dos dados e a construção de inferências a respeito do

desenvolvimento do raciocínio geométrico.

As considerações sobre o ensino e aprendizagem de demonstrações estão

expostas no capítulo dois. Este capítulo também inclui uma discussão dos resultados

de pesquisas sobre o desenvolvimento do processo de argumentação e

demonstração com uso da tecnologia, e a demonstração na formação inicial do

professor de Matemática, alicerçada na bibliografia consultada.

No terceiro capítulo, é descrita a problemática inserida nas discussões

presentes, nos capítulos anteriores, bem como a metodologia e as opções

metodológicas para a elaboração dos instrumentos de pesquisa e para a fase

experimental, além de aspectos da coleta de dados.

No quarto capítulo, é apresentada a fase experimental da nossa pesquisa e a

análise dos dados. E por fim, sintetizam-se os resultados do estudo realizado e são

sugeridas as possibilidades de desdobramento da pesquisa nas considerações

finais.

3 O termo “Dynamic Geometry” é marca registrada da Key Curriculum Press, empresa responsável pela comercialização do software de geometria dinâmica denominado Geometer’s Sketchpad. São denominados softwares de geometria dinâmica todos aqueles que permitem o manuseio na tela via mouse ou teclado dos elementos geométricos construídos pelo usuário, além de manter as relações de construção existentes entre os objetos base da figura.

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CAPÍTULO 1

REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, são apresentadas as teorias que subsidiaram a análise dos

dados obtidos nesta pesquisa.

1. 1 Classificação das Geometrias segundo Parzysz

Parzysz (2001, 2006) desenvolveu um quadro teórico para o estudo do

raciocínio geométrico dos sujeitos, buscando estabelecer uma articulação entre

percepção e dedução. A construção deste quadro teórico foi baseada em pesquisas

no domínio de ensino e aprendizagem de Geometria, realizadas por Van Hiele

(1984), Houdement & Huzniak (1998) e Henry (1999). Apresentaremos na sequência

uma síntese da leitura feita por Parzysz dos trabalhos realizados por esses

pesquisadores, conforme apresentado em seus textos.

1.1.1 Níveis de desenvolvimento do pensamento geométrico segundo Van Hiele

Van Hiele estabeleceu cinco níveis de desenvolvimento do pensamento

geométrico da criança: visualização, análise, dedução informal, dedução formal e

rigor, designados, respectivamente por uma numeração de zero a quatro. No nível 0

(visualização), o aluno distingue objetos geométricos por sua forma como um todo,

isto é, por seu aspecto geral. No nível 1 (análise), o aluno começa a observar

propriedades das figuras, mas não é capaz de explicá-las. No nível 2 (dedução

informal), o aluno consegue estabelecer relações inter e intrafigurais, mas não é

capaz de realizar uma dedução rigorosa, embora compreenda as definições,

trabalhe com argumentação informal e compreenda uma demonstração. No nível 3

(dedução formal), o aluno é capaz de desenvolver uma demonstração no interior de

um sistema axiomático, e compreende o sentido das noções primitivas, definições,

axiomas e teoremas. No último e quinto nível (rigor), ocorre uma ampliação do nível

três com relação aos sistemas axiomáticos e ao caráter abstrato da Geometria, pois

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o aluno é capaz de compreender diferentes sistemas axiomáticos e relacioná-los.

Nesta fase, é possível trabalhar com as geometrias não euclidianas.

Parzysz (2001, 2006) coloca de um lado os níveis 0 e 1, agrupando-os como

geometria “concreta”, na qual os objetos são materiais e a validação é perceptiva.

De outro lado, o autor reúne os níveis 3 e 4, denominando-os de geometria “teórica”,

na qual os objetos são abstratos e a validação é uma demonstração. Deste modo,

Parzysz (2001,2006) considera o nível 2 como um nível intermediário entre estas

duas geometrias, ao longo do qual o aluno se movimenta da fase perceptiva para a

fase teórica (Figura 1):

Segundo Parzysz, esta classificação em níveis busca modelar a compreensão

do aluno, e não a sua idade cronológica.

1.1.2 Tipos de Geometria segundo Houdement & Huzniak

As ideias desenvolvidas por Gonseth (1955, apud PARZYSZ, 2001) na obra A

geometria e o problema do espaço, inspiraram Houdement & Huzniak (1998, apud

PARZYSZ, 2001) a distinguirem três tipos de geometria, que são caracterizados por

sua relação com a intuição, a experiência e a dedução. O primeiro tipo é

denominado geometria natural (G I), na qual não há distinção entre Geometria e

realidade, sendo que a intuição norteia as observações. O segundo tipo é a

geometria axiomática natural (G II) que representa um esquema da realidade,

havendo lugar para as experimentações. O terceiro tipo é a geometria axiomática

formalista (G III), na qual não há nenhuma referência à realidade, e a dedução é a

forma de obtenção de resultados.

Segundo Parzysz (2001), a denominação utilizada pelos autores sugere que

pode existir uma transição (Figura 2) entre as geometrias GI, GII e GIII. Aos poucos,

o “concreto” cede lugar ao teórico, a validação baseada em observações é

substituída pela demonstração no interior de um sistema axiomático.

Nível 0 Visualização

Nível 1 Análise

Geometria Concreta

Nível 3 Dedução formal

Nível 4 Rigor

Geometria Teórica

Nível 2 Dedução Informal

Figura 1: Interpretação de Parzysz para os níveis de desenvolvimento do pensamento geométrico segundo Van Hiele, esquematizada pela autora deste trabalho.

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Segundo Parzysz (2001), a passagem de GI para GII comporta uma

modelagem da realidade, enquanto que em GIII, não há mais referência à mesma.

Comparando GII com GIII, Parzysz (2001) afirma que de uma para outra existe uma

axiomatização parcial, pois em GII, alguns teoremas são dados como evidentes, ou

ainda, algumas afirmações são resultado da percepção.

1.1.3 Relações com o espaço no ensino e aprendizagem de Geometria

Henry (1997, apud PARZYSZ, 2001) identificou três tipos de relação com o

espaço no ensino e aprendizagem de Geometria. Inicialmente destaca a situação

“concreta”, em seguida, uma primeira modelagem que diz respeito a uma abstração

e simplificação da complexidade de uma situação real observada, descrita em

linguagem corrente, que é o domínio pseudo-concreto. E, por fim, uma

matematização realizada com base no modelo anterior, que é feita no domínio

teórico.

Para compreendermos melhor estes três níveis propostos por Henry (1997),

apresentamos a Figura 3, esquematizada em Coutinho (2001), que desenvolveu sua

pesquisa nesse quadro teórico. Vale ressaltar que a passagem de um nível a outro é

feita ao longo de um processo de modelagem.

Figura 2: Relação de transição entre os tipos de geometria identificados por Parzysz no trabalho de Houdement & Huzniak, esquematizada pela autora deste trabalho.

(GI) Geometria Natural (GI)

(GII) Geometria Axiomática Formalista

(GIII) Geometria

Domínio da realidade (experiência concreta)

Ação

Domínio pseudo-concreto

(experiência mental)

Abstração

Domínio teórico (representação formal)

Pensamento formal

Figura 3: Mudanças entre domínios, proposta por Henry (1997) e adotada em Coutinho (2001).

Fonte: Coutinho, 2001.

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Parzysz afirma que a primeira fase da modelagem proposta por Henry, pode

ser considerada uma etapa intermediária entre as geometrias GI e GII, consistindo

numa etapa precedente à construção da axiomatização, como no nível 2 de Van

Hiele. De fato, em GII já se tem em vista a teorização das observações da realidade,

ou seja, a realidade é utilizada como um meio de experimentações, mas o que se

pretende é a abstração. Enquanto na primeira fase da modelagem de Henry, assim

como no nível 2 de Van Hiele, o aluno ainda está por conscientizar-se da

necessidade da teorização, daí ser um nível intermediário entre GI e GII. Uma

ilustração desta situação é mostrada na Figura 4:

1.1.4 A proposta apresentada por Parzysz

A partir do estudo das propostas descritas nos itens anteriores, Parzysz

(2001) propôs outra articulação entre os níveis de pensamento geométrico.

Tomando por base a natureza dos objetos de estudo da Geometria e o tipo de

validação, o autor propõe a consideração de dois tipos de geometrias: não-

axiomáticas e axiomáticas.

Na geometria não-axiomática, o estudo é voltado para a situação concreta,

os objetos são modelos da realidade, referindo-se aos mesmos, ou a uma

representação deles tais como uma maquete ou um desenho. A validação da

afirmação sobre propriedades destes objetos ou relações entre eles é feita por meio

da percepção, isto é, o aluno afirma que é verdadeiro porque assim ele vê ou

percebe.

Na geometria axiomática, os objetos são teóricos, podendo se referir ao real.

A validação é baseada em teoremas e axiomas. Nesta geometria, uma afirmação

que derive de uma observação da realidade ou não, será verdadeira se puder ser

demonstrada. O fato de a afirmação ser ou não fruto de observações, é porque

admite-se que conjecturas podem nascer de resultados teóricos já demonstrados, ou

Comprometimento com a realidade

G I

Comprometimento com a axiomatização

G II

Primeira Fase da Modelagem (Henry)

Nível 2 de Van Hiele

Figura 4: Nível intermediário entre GI e GII.

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no processo de prova. Este caráter acentua o aspecto abstrato da geometria em

questão.

Parzysz propôs um detalhamento das geometrias não-axiomáticas e

axiomáticas, que é sintetizado no Quadro 1 abaixo:

Geometrias não-axiomáticas Geometrias axiomáticas

Tipos de Geometria

Geometria

concreta

(G0)

Geometria

spatio-graphique

(G1)

Geometria proto-

axiomática

(G2)

Geometria

axiomática

(G3)

Objetos Natureza física ou concreta Natureza teórica

Validação Perceptiva Dedutiva

Quadro 1. Síntese da classificação da Geometria segundo Parzysz4

As geometrias não axiomáticas estão subdivididas em duas outras: geometria

concreta (identificada pela sigla G0) e geometria spatio-graphique (identificada pela

sigla G1). Em G0, os objetos são físicos, e suas características físicas influenciam

as observações e constatações. A validação é baseada somente na percepção. Em

GI, os objetos, que eram físicos em G0, ganham uma representação gráfica, que

pode ser um esboço ou um desenho construído por processos geométricos. Esta

ação constitui a primeira fase do processo de abstração, que passa pelo

reconhecimento de propriedades características do objeto para sua determinação,

permitindo assim a representação gráfica. A validação é baseada em comparação

visual e sobreposições, apoiadas por medições realizadas com régua graduada,

compasso, esquadros. Como exemplo, pode-se citar a conclusão de que dois

segmentos são congruentes porque ou suas medidas obtidas por uma régua

graduada, são iguais, ou porque sobrepostos, coincidem.

As geometrias axiomáticas se subdividem em proto-axiomática (identificada

pela sigla G2) e axiomática (identificada pela sigla G3). As principais diferenças

entre as duas são a recorrência a objetos físicos e a compreensão de outros

sistemas axiomáticos. Em G2, ainda pode-se recorrer a objetos físicos, tais como

representações feitas por processos geométricos, mas a sua existência é garantida

4 Quadro adaptado de Parzysz, 2001, p.3.

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pelas definições, axiomas e propriedades entre figuras, no interior de um dado

sistema axiomático – a geometria euclidiana. A validação se dá por meio de um

discurso dedutivo aplicado aos dados do enunciado do problema, se apoiando nos

postulados e axiomas da geometria euclidiana.

Em G3, os objetos são teóricos, e a tentativa de representá-los pode incorrer

em deformações do objeto representado. A existência dos objetos geométricos, bem

como as relações entre si, é baseada em axiomas, definições e teoremas, que

podem mudar de uma geometria para outra. As geometrias não-euclidianas são

exemplos de resultados obtidos teoricamente, baseados na não consideração de um

postulado.

A fim de compreendermos melhor a classificação proposta por Parzysz,

vamos apresentar exemplos de respostas de alunos (Quadro 2) para a pergunta O

que você pode dizer a respeito da figura abaixo (Figura 5)? Justifique a sua

resposta.

Quadro 2: exemplos de respostas de alunos

Um aluno que esteja

em...

Responderá que ... Breve explicação da adequação à classificação

G0 É um retângulo porque tem o formato de um tampo de mesa.

Justificativa baseada na percepção de atributos físicos do objeto.

G1 É um retângulo porque eu conferi com o par de esquadros o paralelismo dos lados e com uma régua as medidas dos lados

opostos.

Justificativa baseada na constatação de propriedades observadas por

meio de instrumental de construções geométricas.

G2 nada é possível responder sem mais dados. Se tivéssemos a garantia de que dois lados

opostos eram paralelos e iguais, poderíamos afirmar que era um

paralelogramo; para ser um retângulo, precisaríamos ter assegurado pelo

enunciado que pelo menos três ângulos eram iguais.

O aluno buscou justificar as suas observações com teoremas e definições. Ele não se rende à

evidência do desenho.

G3 na geometria euclidiana, seria um retângulo ou um paralelogramo, se houvesse mais

dados no enunciado que permitissem deduzir de que figura se trata.

O aluno sabe que cada geometria possui um sistema axiomático

próprio, e é no interior deste que se deve justificar a resposta.

Figura 5: Quadrilátero

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1.1.5 A questão didática e a articulação G1- G2

Parzysz (2001, 2006) considera que a articulação G1-G2 está no centro da

problemática do ensino obrigatório, se detendo em explicitar aspectos desta

articulação. Neste sentido, concordamos com o autor que a passagem G1-G2 é

fundamental no contexto do Ensino Básico, pois é nesta transição que o aluno inicia

a tomada de consciência da geometria axiomática euclidiana, que deveria estar

finalizada na transição de G2 para G3. O aluno em G1 trabalha com objetos físicos e

validação perceptiva; e, em G2, é requerida dele a compreensão de objetos

geométricos como objetos teóricos em última análise, e a validação dedutiva.

Parzysz (2001) afirma que do ponto de vista didático, a distinção entre as

geometrias surge como ruptura de contrato didático 5 . Colocando o foco na

passagem G1-G2, observa-se que em G1 é requerido do aluno, por parte do

professor, que ele identifique objetos geométricos por meio de suas representações

(físicas ou desenhos construídos com processos geométricos ou não), e não por

suas definições. Do mesmo modo, o professor aceita que o aluno valide a solução

apresentada para um dado problema por meio de justificativas que se baseiam em

percepções ou medições realizadas com instrumentos (régua e transferidor) bem

como de comparação de medidas (o compasso ou o esquadro, no caso de medir

ângulos de 90º, 60º, 45º e 30º).

Em G2, espera-se que o aluno apreenda os objetos geométricos como entes

abstratos, cuja representação por meio de desenhos ou modelos físicos são

importantes para facilitar a sua apreensão, mas não indispensáveis para sua

existência como objeto teórico, que é assegurada pela teoria geométrica; no caso de

G2, a geometria euclidiana. Também é esperado que o aluno valide as suas

observações e/ou resultados com o uso de axiomas e teoremas. Portanto, as ações

e comportamentos esperados pelos alunos em G1 e G2 são antagônicos, o que

consiste numa mudança de compreensão e postura diante de um problema

geométrico, justificando a ruptura de contrato didático à qual Parzysz se refere.

Este autor assinala que G2 exerce um controle sobre G1 e vice-versa.

Quando uma contradição é observada numa figura (ação de um aluno em G1), o

5 Este contrato é uma relação que determina – explicitamente em pequena parte, mas sobretudo implicitamente – aquilo que cada parceiro, professor e aluno, têm a responsabilidade de gerir e pelo qual será, de uma maneira ou de outra, responsável perante o outro. (BROUSSEAU, 1986, p.51)

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esclarecimento da dúvida é possível por meio de uma demonstração (ação de um

aluno em G2). Neste caso, G2 controla G1. Por outro lado, quando o resultado de

um raciocínio geométrico (G2) é inesperado, será em G1 (desenhos com

instrumental e/ou modelos físicos) que se pode buscar uma confirmação ou

refutação.

Refinando o pensamento, Parzysz (2006) alega, baseado em pesquisas por

ele realizadas (COLMEZ e PARZYSZ, 1993, apud PARZYSZ, 2006), como as

geometrias G1 e G2 se alternam na resolução de um problema, e cita o seguinte

exemplo:

G1 → G2: modelagem de um problema “concreto” G2 → G1: construção de um desenho com objetivo heurístico G1 → G2: demonstração de uma conjectura resultante da observação G2 → G1: “verificação”, sobre um desenho, de uma conclusão teórica. (PARZYSZ, 2006, p. 137)

O autor afirma que se pode observar no exemplo dado a dialética do sabido e

do percebido (PARZYSZ, 1988, 1989; COLMEZ e PARZYSZ, 1993, apud PARZYSZ,

2006)). As noções de sabido e percebido foram desenvolvidas pelo autor para

analisar as representações do espaço em Geometria. De modo sucinto, o sabido

refere-se a uma leitura da representação gráfica do objeto geométrico tendo em vista

suas propriedades. Por exemplo, na representação gráfica de um cubo, em

perspectiva cavaleira, suas faces, exceto a frontal, são representadas por losangos,

embora se saiba que todas as faces de um cubo são quadrados, então tal

representação não causará conflitos cognitivos. A percepção apenas dos elementos

e de suas relações visíveis na representação gráfica se relaciona com o visto. Por

exemplo, no caso do cubo, o aluno pode não reconhecer tal figura como um cubo,

porque as suas faces não aparecem quadradas na representação gráfica (distorções

da representação em perspectiva).

Segundo o autor, embora o conflito sabido-percebido apareça em situações

de representação de objetos tridimensionais, ele também pode ser observado na

Geometria Plana, onde se poderia pensar que o sabido “sempre” coincidirá com o

visto, pois sempre poder-se-ão representar os objetos planos como o são. Porém,

esta tema surge associado às questões de representação de objetos segundo

enunciados dados de problemas geométricos ou a leitura particular de desenhos que

acompanhem tais enunciados.

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Em nossa interpretação, o conflito sabido - percebido se instala na seguinte

situação: dado o desenho de um triângulo qualquer, por exemplo, mas com

representação próxima de um triângulo equilátero, o aluno assume que tal triângulo

tem três lados e ângulos congruentes, e resolve o problema a partir deste

pressuposto. Neste caso, observamos o percebido contaminar o sabido. Supondo

agora, que o aluno utilize o desenho do triângulo como o esboço de um triângulo

qualquer e se limite aos dados do enunciado. Neste caso, o sabido sobressai. Um

outro exemplo é a interpretação do enunciado do problema pelo aluno, quando este

ao construir o desenho correspondente particulariza, acrescentando informações

não declaradas no enunciado.

Parzysz (2006) exemplifica o conflito sabido – percebido no contexto de

construção de uma argumentação:

[...] quando o aluno inclui em sua demonstração (em princípio em G2) uma propriedade, verdadeira ou falsa, que foi observada em seu desenho, mas não foi dada no enunciado, nem demonstrada antes. (p. 139)

O autor ainda afirma que este comportamento está relacionado a uma

apreensão discursiva (DUVAL, 1996) que é a aceitação de propriedades além

daquelas indicadas na figura por legenda ou por hipóteses. Dvora e Dreyfus (2004,

apud PARZYSZ 2006) afirmam que os alunos do Ensino Médio utilizam,

inconscientemente, propriedades não justificadas em uma demonstração, as quais

acreditam ser corretas, e o objetivo desta ação é facilitar a elaboração da mesma,

visando ao afastamento de um obstáculo e a economia de tempo. Para Parzysz, a

leitura abusiva do desenho não é apenas um problema de percepção, mas é parte

importante no processo de elaboração de uma demonstração. Concordamos com

esse autor que a constatação, por parte do aluno é, de que sua leitura do desenho

não é correta, pois agrega ou omite elementos, contribui para o seu amadurecimento

intelectivo, e que tal comportamento é natural no inicio de sua vivência escolar.

1.1.6 A problemática da precisão e da dedução

Parzysz distingue duas problemáticas relativas aos níveis G1 e G2. Em G1,

onde os objetos são materiais, as propriedades são físicas e validadas por técnicas

específicas tais como medição e comparação. Por exemplo, na Geometria

Euclidiana, uma figura pode ser considerada triângulo se possuir três lados retilíneos

que formam uma poligonal fechada – característica física. Um triângulo será

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isósceles se verificar-se que dois dos lados possuem a mesma medida, e esta

verificação poderá ser feita com uma régua graduada ou não, ou com o compasso

ao traçar um círculo com centro no vértice do triângulo isósceles passando pelos

outros dois vértices – propriedade métrica. Mas se houver uma diferença mínima

nestas medidas, a propriedade será refutada. Mas este erro poderá ser

consequência de uma imprecisão na técnica de medir, praticado por uma pessoa, ou

mesmo resultado de um problema na impressão da figura; ou, ainda, a qualidade

dos instrumentos de construção (compassos defeituosos ou sem ajuste, réguas com

graduação imprecisa). Portanto, a validação de uma propriedade em G1 é

dependente da habilidade de medição ou comparação de quem o faz; ou, ainda, da

qualidade do instrumental utilizado para fazer as medições e/ou comparações.

Parzysz denomina esta situação de problemática da precisão.

Em G2, os objetos de estudo da geometria são abstratos e podem ser

representados por objetos físicos, mas não se reduzem a eles (referência ao

domínio pseudo-concreto proposto por Henry (1997, apud PARZYSZ, 2001)).

Portanto, um triângulo é equilátero não porque assim induz a sua representação

figural, mas porque está associado a um enunciado que assegura a sua condição de

polígono regular; ou, ainda, porque na figura apresentada há alguma indicação

gráfica da congruência de seus três lados ou de seus três ângulos. Neste nível, o

aluno não se deixa levar pela evidência da figura e procura indícios da certeza de

suas observações no enunciado que porventura acompanhe a figura, ou em

indicações gráficas que certifiquem congruências. Um aluno que esteja em G2,

durante a resolução de um problema, procura encontrar resultados por meio de

deduções, ou seja, utiliza estratégias que estejam respaldadas pela teoria. Portanto,

por exemplo, se é possível deduzir teoricamente que um triângulo é equilátero, não

importa a sua representação figural, pois é assim que ele será compreendido pelo

aluno. Parzysz chama esta situação de problemática da dedução. Fazemos a

hipótese de que essa problemática discutida por Pazysz é equivalente à passagem

da apreensão perceptiva para a apreensão discursiva de uma figura, proposta por

Duval (1994).

A apreensão de uma figura vinculada à sua representação figural (ao seu

desenho) é discutida por Parzysz. Ele afirma que para um aluno experiente em

Geometria, a posição do desenho de um objeto geométrico não importa para a

correta apreensão enquanto objeto teórico. Por outro lado, para o aluno não

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experiente, a mudança de posição implica a mudança de objeto teórico, por

exemplo, um quadrado representado como na figura 6, não é um quadrado para o

aluno, mas um losango. Fazemos aqui a hipótese de que o autor se refere ao aluno

que não compreende a classe dos quadrados como um tipo especial de losango (os

que possuem os quatro ângulos congruentes).

O autor declara ainda que as propriedades dos objetos geométricos e a

versatilidade dos registros de representação consciente de tais objetos constituem

dois aspectos fundamentais da compreensão e aquisição pelo aluno de duas

capacidades antagônicas, e isto deve ser um dos objetivos do ensino de Geometria.

1.1.7 A articulação G2-G3

Ainda é Parzysz (2006) quem afirma que o acesso dos alunos aos

conhecimentos geométricos deve considerar um duplo processo. O primeiro deles é

um processo de modelagem do espaço físico, que ocorre em dois momentos:

inicialmente do concreto (G0) ao spatio-grafique (G1); e, em seguida, do spatio-

grafique (G1) ao proto-axiomático (G2). O segundo é um processo do tipo hipotético-

dedutivo, que se dá durante a resolução de problemas que foram matematizados. E

a articulação G2-G3 pode ser considerada como central nessa etapa.

Em G2, o aluno sabe que precisa justificar as suas conjecturas com teoremas

e axiomas da geometria euclidiana, mas não toma resultados como axiomas locais

de modo consciente, isto é, não admite uma propriedade, necessária à

demonstração de uma situação geométrica, sabendo que a prova desta propriedade

existe, e que talvez ele não queira, ou não saiba demonstrar naquele momento. É

justamente esta tomada de consciência que diferencia G2 de G3. Em G3, o aluno

Figura 6: Quadrado

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31

ao admitir uma propriedade sem demonstração, o faz sabendo que deve prová-la, o

que equivale a adicionar axiomas ad hoc.

Alcançar o nível G3 é um processo de amadurecimento geométrico longo.

Com vistas a obter sucesso nesta jornada, é imprescindível considerar a influência

do sabido e do percebido tanto na modelagem ou na elaboração das conjecturas, e

como obstáculo do processo dedutivo. O autor afirma que criar situações para que o

aluno utilize o percebido como forma de investigação conscientemente (o percebido

guia e controla o sabido, mas não o comanda), constitui um objetivo do ensino de

Geometria.

1. 2 Processos de validação e tipos de prova segundo Balacheff

No item anterior, pudemos observar o papel primordial da validação na

passagem para níveis mais avançados no raciocínio geométrico. Apresentamos,

então, um breve estudo sobre validação e demonstração, segundo os preceitos

propostos por Balacheff (1987).

Balacheff (1987), afirmou que a aprendizagem da noção de demonstração

apresenta dificuldades e que estas estão relacionadas à passagem (que pode ser

vista como uma ruptura de contrato didático) de uma matemática “prática”,

caracterizada pela ação e observação, a uma matemática mais teórica, devido a

introdução da demonstração. A teoria desenvolvida pelo autor originou-se na

pesquisa empreendida pelo mesmo para estudar as relações entre provas e

contradições na resolução de problemas de Matemática.

O autor crê ser indispensável clarificar termos que são usados pelos

matemáticos como sinônimos (tais como prova, demonstração e raciocínio), e alerta

ao lembrar que a falta de clareza no seu entendimento pode constituir um obstáculo

às pesquisas sobre questões de ensino e aprendizagem, que envolvam tais termos.

Devido a este fato, Balacheff propõe as seguintes definições:

Chamamos explicação um discurso que visa tornar compreensível o caráter de verdade, adquirido pelo locutor de uma proposição ou de um resultado. As razões podem ser discutidas, recusadas ou aceitas. Chamamos prova uma explicação aceita por uma comunidade em um determinado momento. Essa decisão pode ser objeto de um debate entre a significação e a exigência de determinar um sistema de validação comum aos interlocutores. Entre as provas, certamente há uma particular, elas são uma seqüência de enunciados seguindo regras determinadas: um enunciado é conhecido como sendo verdadeiro, ou bem é obtido a partir daqueles que lhe

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precedem com o auxílio de uma regra de dedução tomada de um conjunto de regras bem definidas. Chamamos demonstração essas provas. Nós reservamos a palavra raciocínio para designar a atividade intelectual, na maior parte do tempo não explícita e manipulação de informações para, a partir de dados, produzir novas informações. (BALACHEFF, 1987, p. 147-148).

1.2.1 Situações e processos de validação

Balacheff (1987) afirma que o investimento no processo de validação de uma

conjectura está relacionado à importância da situação na qual se encontra a

conjectura, para quem decide validá-la. O autor denomina esferas de prática as

situações nas quais o aluno não sente necessidade de validar as suas ações,

porque estas estão asseguradas antecipadamente. Por exemplo, situações nas

quais é preciso utilizar um algoritmo, ou estratégias de resolução conhecidas ou

padronizadas. As esferas de prática são exemplos de situações nas quais não há

necessidade de investimento em validação, porque o que se precisa para resolvê-la

já está previamente assegurado.

São distinguidas situações de validação e de decisão com relação à

necessidade de elaboração de uma prova para assegurar a veracidade de uma

afirmação. Nas situações de validação, consideradas no sentido de Brosseau 6

(1986), há o objetivo de produção de uma prova. Nas situações de decisão, na qual

são necessários meios de decisão, não é preciso produção de uma prova. Nestas

situações, as operações intelectuais de raciocínio hipotético-dedutivo ocorrem,

durante a resolução, no papel de ferramenta7, ou seja, são colocadas em ação para

resolver um problema, mas sem ter em vista a produção de uma demonstração

(BALACHEFF, 1987).

Balacheff (1987) afirma que a urgência da certeza de uma afirmação pode

conduzir a produção de uma prova, o que transforma uma situação de decisão numa

situação de validação. Com relação ao aluno, se este precisa ter certeza sobre uma

conjectura, pode se lançar na busca de uma prova, que será relativa às exigências

da situação na qual ele se encontra. Portanto, a situação pode, ou não, motivar o

6 Situação de validação é um dos momentos da situação adidática, na qual o aluno deve mostrar a validade do modelo elaborado por ele durante as situações de ação e de formulação. Uma situação adidática compreende quatro fases: ação, formulação, validação e institucionalização (BROUSSEAU, 1986). 7 Nome que se dá aos conhecimentos matemáticos quando estes são utilizados para resolver problemas e interpretar novas questões (DOUADY, 1993, APUD MACHADO, 2002).

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aluno para construir uma prova, o que leva o autor afirmar que a interação social

gera o processo de prova. Como exemplo, no ambiente da sala de aula, se o

professor não instiga o aluno a justificar as suas afirmações 8 , este pode não

enxergar motivos para empreender uma validação para suas conjecturas, se

contentando em exemplificá-la.

Um terceiro fator é acrescentado pelo autor aos dois precedentes: o desejo

pessoal de certificar-se de um fato observado, o que ele chama de desejo de saber.

Nestes termos, são identificados três tipos de prova: prova para decidir, relacionada

ao primeiro fator; prova para convencer, relacionada ao segundo; e prova para

conhecer, que diz respeito ao terceiro e último fator.

É no contexto da prova para conhecer, que Balacheff (1987) assinala a

existência de duas problemáticas: a da eficácia e a do rigor. Na problemática da

eficácia, colocam-se as ações de validação relacionadas ao saber-fazer, por

exemplo, a geometria das construções geométricas. Na problemática do rigor, tem-

se a geometria dedutiva, as ações de validação são discursos teóricos fundados na

teoria geométrica. A eficácia relaciona-se com a verificação de conjecturas por meio

da prática, como certificar-se que um triângulo é isósceles usando instrumentos de

medição. Por outro lado, o rigor exige que a veracidade de uma conjectura seja

comprovada por argumentos teóricos e a veracidade da afirmação que o triângulo é

isósceles ocorreria por meio de uma demonstração.

1.2.2 Provas pragmáticas e provas intelectuais

O acesso ou não à experimentação é o que diferencia provas intelectuais de

provas pragmáticas. Nesta última, o aluno pode experimentar a conjectura, verificá-

la no sentido de testar experimentalmante. Obtendo resultado positivo, pode-se dar

por satisfeito, considerando assim a conjectura como válida. Nas provas intelectuais,

o discurso é teórico, não se tomam observações como argumentos para validar uma

conjectura:

- A prova pragmática é hipotecada pela singularidade do acontecimento que a constitui, é preciso aceitar seu caráter genérico. Ela é além disso, tributária de um contingente material: ferramentas imprecisas, defeitos de funcionamento.

8 Quando o aluno justifica as suas afirmações, temos uma situação correspondente à fase de devolução nas dialéticas das situações adidáticas.

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- A prova intelectual mobiliza uma significação contra uma outra, uma pertinência contra uma outra, uma racionalidade contra uma outra. (BALACHEFF, 1987, p. 157)

Para esse autor, as provas pragmáticas e intelectuais se encontram em polos

opostos de uma linha de raciocínio. De um lado, as provas pragmáticas estão

envolvidas em um raciocinar para a prática; enquanto que de outro lado, as provas

intelectuais abarcam um raciocinar voltado para a construção de uma rede de

significados. Podemos afirmar que as primeiras conectam-se à problemática da

eficácia; e as segundas, à problemática do rigor.

1.2.3 Tipos de provas

A linguagem utilizada pelo aluno denuncia o nível de prova que este produz.

Uma linguagem que evoque os fatos e as ações, que utiliza termos da linguagem

natural, é indicativa de um discurso próprio das provas pragmáticas. A evolução da

linguagem natural em direção àquela que utiliza termos e símbolos matemáticos –

linguagem funcional, caracteriza a passagem das provas pragmáticas às intelectuais

(BALACHEFF, 1987).

O status e a natureza do conhecimento, ao lado da evolução da linguagem,

pontuam a passagem das provas pragmáticas às provas intelectuais. As provas

pragmáticas encerram saberes advindos da ação, enquanto nas provas intelectuais,

os saberes devem ser colocados como objeto de reflexão ou debate.

Balacheff (1987) afirma que entre as provas pragmáticas e intelectuais,

podem-se identificar quatro tipos que se distinguem pelo conhecimento mobilizado e

pelo tipo de raciocínio.

O primeiro deles é o empirismo ingênuo, no qual a validade de uma

conjectura é baseada em observações de um pequeno número de casos.

A experiência crucial é o segundo tipo de prova, e consiste na colocação da

generalização de modo explícito, isto é, o aluno realiza experiências como no

empirismo ingênuo, mas aqui ele tem consciência de que busca um resultado geral.

O terceiro tipo é o exemplo genérico. O aluno trabalha sobre um objeto

particular, mas tendo em mente a classe de objetos do qual o primeiro é um

representante. Portanto, neste tipo de prova, o aluno busca uma generalização

baseada em exemplos, mas procura justificá-la com a teoria geométrica.

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A experiência mental é o quarto e último tipo de prova e consiste em

interiorizar a ação e separá-la de seu representante particular. Entendemos que aqui

não há mais referência ao caso particular e a afirmação é elaborada para uma

classe de objeto, e a validação é inteiramente sustentada pela teoria.

1. 3 Articulações possíveis entre a classificação das geometrias segundo Parzysz e

os tipos de prova segundo Balacheff

Um exame das duas teorias apresentadas permite apontar algumas

articulações entre as mesmas. Parzysz (2001, 2006), ao elaborar a classificação das

geometrias, considerou a natureza do objeto geométrico e o tipo de validação. Os

tipos de provas identificados por Balacheff (1987) estão relacionados ao grau de

abstração do objeto geométrico e às ações presentes nas situações de validação.

Deste modo, pode-se fazer a hipótese que ambos os autores baseiam as suas

classificações nos tipos de objetos e de validação utilizada.

Com respeito à validação das conjecturas, Balacheff (1987) e Parzysz (2006)

delinearam, cada um, duas problemáticas. Balacheff (1987) distingue a problemática

da eficácia e a do rigor. A primeira diz respeito à validação por meio da observação

da prática; a segunda valida suas conjecturas pela teoria, afastando a percepção.

Parzysz (2006) apresenta duas problemáticas: a da precisão e a da dedução. Na

problemática da precisão, a validação é realizada por instrumentos de medida ou

ações que envolvem o objeto físico ou a sua representação, tais como comparação

ou sobreposição. Na segunda problemática, as validações são apoiadas na teoria.

Podemos, então, intuir uma certa relação entre a problemática da eficácia e a da

precisão, assim como a problemática do rigor e da dedução.

Parzysz (2001, 2006) ao propor uma classificação para os níveis de

desenvolvimento geométrico do aluno, o fez inicialmente separando-a em dois

grupos: as geometrias não axiomáticas e as geometrias axiomáticas. Do mesmo

modo, Balacheff (1987), antes de apresentar os quatro tipos de provas, as

classificou em dois blocos: as provas pragmáticas e as provas intelectuais. É

interessante notar que as motivações destes dois autores para criar tais

classificações são as mesmas: os elementos que caracterizam as provas

pragmáticas parecem de mesmo nível dos que caracterizam as geometrias não

axiomáticas: referências à realidade e validação por observação e percepção;

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enquanto que as geometrias axiomáticas e as provas intelectuais estão imbuídas de

abstração e teoria.

A relação entre os quatro tipos de provas e os níveis de raciocínio geométrico

proposto por Parzysz (2001, 2006) prescinde de estudos, uma vez que Balacheff

(1987) não fez referências explicitas aos objetos geométricos evocados em dada

prova, tal qual fez Parzysz (2001) ao elaborar a classificação dos níveis de

desenvolvimento geométrico. Buscaremos, assim, neste trabalho, analisar a

hipótese de existência de relações entre o proposto por estes dois autores, por meio

do estudo das produções e diálogos de alunos durante a resolução de problemas

que envolvem a demonstração em Geometria.

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CAPÍTULO 2

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE

DEMONSTRAÇÕES

2.1 A concepção de demonstração adotada neste trabalho

Na continuidade da nossa tese, os termos demonstração e prova aparecerão

repetidas vezes, por isso julgamos imperativo explicitar como empregamos tais

termos no âmbito desta pesquisa. Além disto, a nossa concepção de demonstração

é primordial para a análise dos dados, bem como a nossa compreensão de como tal

concepção se integra à formação inicial dos professores de Matemática.

No capítulo I, discorremos a respeito de como Balacheff (1987) define e

diferencia explicação, prova e demonstração. O autor decidiu clarificar estes termos

porque julga que os mesmos têm significados distintos no contexto da matemática

escolar, apesar de prova e demonstração serem tomados como sinônimos pelos

matemáticos. E, ainda, pontua a importância desta distinção para atividades de

pesquisa sobre questões de ensino e aprendizagem de demonstrações.

Na presente investigação, adotaremos as definições dadas por Balacheff

(1987) para prova e demonstração. Portanto, o termo demonstração, ao longo deste

texto, significará uma prova aceita pela comunidade matemática, sendo uma

sequência de afirmações organizadas segundo uma lógica preestabelecida.

A Matemática é uma ciência que compreende um conjunto de afirmações

sobre objetos matemáticos e sobre relações entre os mesmos. Tais afirmações se

interligam de modo que é possível deduzir umas de outras, observando que existe

um conjunto menor de afirmativas consideradas previamente, de modo que estas

não são inferidas de outras e todas participam de um mesmo sistema axiomático. A

demonstração é um processo pelo qual uma conjectura, fruto de experimentações e

observações, no âmbito da prática ou da teoria, passa a ter o status de verdade

matemática, ou seja, ela é integrada ao conjunto das afirmações. Este processo visa

construir um encadeamento lógico de afirmações, culminando com a veracidade ou

não da conjectura.

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O professor de Matemática deve saber demonstrar e compreender as funções

de uma prova para que ele seja capaz de organizar e gerir situações de ensino e

aprendizagem que envolvam atividades argumentativas na Educação Básica.

Também é assumido que as demonstrações devem ser trabalhadas na Educação

Básica, mas segundo uma trajetória que comece com investigações, incentivando a

elaboração e verificação de conjecturas por meio de exemplos e contraexemplos e a

análise de situações que levem os alunos a perceber a necessidade de uma

validação precisa de sua conjectura e de uma justificativa calcada em afirmações

matemáticas já demonstradas (teoremas e axiomas).

2.2 Algumas considerações – O papel da demonstração

A prática de obter resultados geométricos, por meio de deduções, teve inicio

com os gregos. Estes entendiam que os fatos geométricos deveriam ser obtidos por

procedimentos teóricos, e não experimentais. Eves (1992) sublinha que Tales de

Mileto é o primeiro homem que se tem conhecimento, a quem está associada a

utilização de métodos dedutivos em Geometria. Portanto, podemos inferir que as

primeiras demonstrações surgiram com os gregos, mais especificamente com Tales,

e o papel delas era conferir rigor aos conhecimentos geométricos obtidos, afastando

qualquer contato com a realidade, isto é, a demonstração era o modo de substituir a

justificativa baseada em experimentos práticos, pela justificativa apoiada num

conjunto de afirmações inferidas de outras, já demonstradas ou tomadas como

axiomas ou postulados.

O ponto alto da axiomatização da Geometria ocorreu por volta do ano 300

a.C.. O responsável por este trabalho foi Euclides:

Então, por volta do ano 300 a.C., Euclides produziu sua obra memorável, os Elementos, uma cadeia dedutiva única de 465 proposições compreendendo de maneira clara e harmoniosa geometria plana e espacial, teoria dos números e álgebra geométrica grega. (EVES, 1992, p. 9)

A obra Elementos influenciou todos os textos de Matemática que viriam

depois, tornando-se um modelo de “discurso lógico como uma sequência de

afirmações obtidas por raciocínio dedutivo a partir de um conjunto aceito de

afirmações iniciais” (EVES, 1992, p.9). É possível que este modelo tenha

influenciado os livros didáticos de Matemática, que, até bem pouco tempo, eram

usados nas escolas da Educação Básica.

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O modelo de discurso lógico utilizado em Elementos determinou o formato

das demonstrações em Matemática, sendo adotado pelos matemáticos em geral. E

é neste modelo que se espelha o ensino de demonstrações nas escolas, seja de

Educação Básica, seja de cursos universitários (FETISSOV, 1994). Polya (1995)

afirmou, com certo exagero segundo o próprio autor, que a ideia de demonstração

foi apresentada à humanidade por um homem e um livro, referindo-se a Euclides em

sua obra Elementos.

Dessa forma, podemos supor que o ensino de demonstrações nas escolas

tem sido inspirado nessa organização formal utilizada pelos matemáticos: é um

conjunto de argumentações encadeadas logicamente com o propósito de verificar se

uma determinada afirmação é verdadeira. Tais argumentações são fundamentadas

em teoremas, axiomas e definições que integram um sistema axiomático. Este fato é

corroborado por Otte (2003) e Villiers (2002), segundo os quais o processo de

elaboração de demonstrações é muito mais rico e útil ao conhecimento matemático

do que a demonstração propriamente, pois é nesta fase que afloram novas

conjecturas, que podem ou não ser verdadeiras, desencadeando um outro processo

de demonstração, e mais uma vez surgindo outras conjecturas, num processo

contínuo:

O ensino da prova em nossas escolas trata seu problema no contexto da lógica proposicional e não da Matemática. Uma afirmação, na lógica proposicional, é algo que é verdadeiro ou falso. A lógica proposicional é construída inteiramente a partir dessa regra fundamental. Seu poder é também sua fraqueza porque não suporta suposição e experimentação. De um ponto de vista matemático, a geração de hipóteses férteis e tentativa de formulação de conjecturas (em geral, apenas parcialmente corretas) parecem mais importantes do que qualquer prova e isso exige os procedimentos que incluem a experimentação com objetos e diagramas. (OTTE, 2003, p. 33)

Este autor atenta ainda para a necessidade de atividades de experimentação

que antecedem a formulação de conjecturas. Frequentemente, o estudo da

demonstração, na matemática escolar, ocorre sob a forma de apresentação de

teoremas e de sua demonstração no modo “limpo e arrumado” dos livros, ou seja,

excluindo a reflexão sobre o processo de elaboração da prova, o qual inclui

observação, teste com casos particulares e ensaio de construção de justificativas

plausíveis.

A observação e o resultado de testes com casos particulares como

justificativa de conjecturas, estão relacionados ao tipo de prova empirismo ingênuo e

experiência crucial (BALACHEFF, 1987) e ao nível de raciocínio geométrico GO e

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G1(PARZYSZ, 2001). As colocações de Otte (2003) no parágrafo acima, sinalizam

que, independente do nível de raciocínio geométrico do aluno, e consequentemente

do tipo de prova que ele é capaz de produzir, ações como experimentações e testes

de casos particulares que culminam com a formulação de conjecturas, são comuns e

necessárias à construção de demonstrações de tais conjecturas.

Villiers (2002) afirma que a demonstração, no contexto escolar, tem sido

abordada com a função de verificação, ou seja, tomando a demonstração como um

instrumento de validade das afirmações. Se for possível provar uma afirmação

segundo as leis da lógica e dentro de um sistema axiomático, então, ela é

verdadeira; caso contrário, deve ser descartada. Entretanto, há outras funções da

demonstração muito mais importantes tanto para os matemáticos, na produção de

novos saberes, quanto para a matemática escolar, na produção de cenários de

aprendizagem que favoreçam o desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo do

aluno. São elas:

• explicação (proporcionar compreensão sobre por que é que é verdade)

• descoberta (a descoberta ou a invenção de novos resultados) • comunicação ( a negociação do significado) • desafio intelectual (a realização/satisfação pessoal por se ter

construído uma demonstração) • sistematização (a organização de vários resultados num sistema

dedutivo de axiomas, conceitos e teorema) (VILLIERS, 2002, p.3)

A demonstração como explicação de uma afirmação coloca-se quando estamos

convencidos de sua validade (e isto ocorre geralmente após muitas

experimentações), mas ficamos intrigados com o porquê de ser verdadeiro. Então,

buscamos uma demonstração com a expectativa de encontrar um esclarecimento

para o fato observado. Villiers (2002) comenta que, ao contrário do que muitos

professores creem, a tentativa de demonstração só ocorre quando há o

convencimento de que certa afirmação é verdadeira, pois sem esta “certeza”, um

matemático não se lança na descoberta de uma prova.

A elaboração de uma conjectura não se dá apenas pelo processo intuitivo e/ou

empírico, utilizando observações, mas também, e muito frequentemente, por

processos puramente dedutivos. Lembramos um exemplo histórico, que é a

tematização das Geometrias não-euclidianas, as quais muito dificilmente seriam

reveladas por processos experimentais. Elas foram desenvolvidas quando

matemáticos tentavam provar que o quinto postulado, conhecido como postulado

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das paralelas, era um teorema possível de ser deduzido dos quatro postulados

anteriores (EVES, 1992). Isto ilustra a função da demonstração como descoberta de

novos resultados.

Uma outra função da demonstração, ainda segundo Villiers (2002), é a

verificação de resultados nos casos em que a experiência geradora da conjectura

deixa vestígios de dúvidas devido à fragilidade dos processos utilizados; sendo,

então, necessária a confirmação dos resultados pela demonstração. Podemos

afirmar que, na sala de aula, a função da demonstração como verificação é a mais

utilizada. Um exemplo é quando o professor, ao apresentar ou verificar a veracidade

de um teorema, enuncia para a turma: verificamos, mas só a demonstração vai nos

dar a certeza de que isto é verdadeiro em qualquer caso.

Ao expor a seus pares uma demonstração julgada concluída pelo seu autor,

este se põe como num tribunal, exposto a análises e julgamentos. Esta interação é

necessária para colocar à prova a exatidão e a confiabilidade de seu trabalho, bem

como a clareza e o significado dos termos matemáticos referenciados no texto, o

que caracteriza a função de comunicação da demonstração (VILLIERS, 1990). Em

sala de aula, a utilização desta função é extremamente educativa, seja para

comunicar uma demonstração ou o resultado de uma investigação, ou mesmo a

solução de um problema. Para comunicar aos colegas e ao professor as suas ideias,

o aluno necessita organizá-las de modo a ser compreendido pelo seu público. Esta

ação revela o seu entendimento dos conceitos matemáticos por ele estudados,

fornecendo ao professor dados para a reflexão sobre o seu trabalho desenvolvido na

aula.

A função de desafio intelectual da demonstração diz respeito à satisfação

pessoal em tentar produzi-la e dar conta desta intenção. A demonstração como

modo de sistematização refere-se ao encadeamento do ponto de vista lógico, de

afirmações que já se sabem verdadeiras isoladamente, constituindo, assim, um

sistema axiomático (VILLIERS, 1990).

Este autor recomenda que o professor incentive os alunos a definir os objetos

matemáticos, e enfatiza o valor desta prática na aprendizagem de Geometria. Ele,

ainda, sugere que o professor apresente afirmações aos alunos e incentive-os a

avaliá-las por meio da construção e medição. Esta recomendação de Villiers remete

às ações próprias dos alunos no nível de raciocínio geométrico G0 e G1,

relacionando-se com a problemática da precisão (PARZYSZ, 2006) e da eficácia

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(BALACHEFF, 1987). Podemos inferir que estas ações são necessárias para o

avanço do raciocínio geométrico.

A utilidade do estudo de demonstrações na escola é sublinhado por Polya

(1995, p.116):

De fato, se o aluno não tiver aprendido este ou aquele fato geométrico específico, não terá perdido muito. Mas se ele não houver familiarizado com as demonstrações geométricas, terá deixado escapar os melhores e mais simples exemplos das verdadeiras provas e perdido a melhor oportunidade de adquirir a ideia de raciocínio rigoroso. Sem esta ideia, faltar-lhe-á o verdadeiro critério para comparar argumentos de todos os tipos que se lhe apresentam na moderna vida cotidiana. Em suma, se a educação pretender incutir no estudante as noções de prova intuitiva e do raciocínio lógico, ela deverá reservar um lugar para as demonstrações geométricas.

Assim, Polya vincula a aprendizagem de demonstrações em Geometria ao

desenvolvimento do raciocíno lógico do estudante, porque o sistema axiomático da

Geometria é um grande exemplo de sistema lógico. A partir desta afirmação,

podemos inferir que o desenvolvimento do raciocínio lógico do estudante se

relaciona com o tipo de prova que ele é capaz de produzir.

Balacheff (1986) afirma que o fracasso do ensino de demonstrações na França,

ao nível do 9º ano de escolaridade, deve-se ao fato de a prática da demonstração

exigir uma racionalidade e um estado específico de conhecimentos, além da

passagem da problemática da eficácia à problemática do rigor9. Essas exigências

somente são possíveis após um desenvolvimento cognitivo, o que requer um tempo

não contemplado nos programas escolares. Podemos assim observar que o tempo

cronológico não corresponde, necessariamente, ao tempo cognitivo.

O autor faz estas declarações relativas ao sistema francês de ensino, mas

pode-se estender ao sistema brasileiro, uma vez que, com relação à temporalidade,

tem-se igual situação. Também é pontuado que o trabalho com demonstrações deve

ser principiado desde as séries iniciais, trabalhando-se com justificativas, até evoluir

para as demonstrações, ao longo da escolaridade.

2.3 O ensino e aprendizagem de demonstrações: resultados de pesquisa

Pesquisas realizadas no contexto brasileiro (DOMINGOS e FONSECA, 2008;

GRAVINA, 2001; PIETROPAOLO, 2005; SERRALHEIRO, 2007) constatam a

9 Tais termos foram apresentados e discutidos no capítulo I.

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insignificante presença da atividade de natureza dedutiva, nas salas de aula de

Matemática da Educação Básica, além do despreparo notório dos professores para

trabalhar tais atividades.

Vamos apresentar, neste item, resultados de pesquisas realizadas no Brasil e

exterior, relacionadas a aspectos do ensino e aprendizagem de demonstrações.

Serralheiro (2007), no âmbito de sua dissertação de mestrado, investigou

conhecimentos, discursos e mudanças na prática de demonstrações de um grupo de

professores que participava de uma formação continuada. Tal formação era parte

do projeto “O raciocínio dedutivo no processo ensino-aprendizagem da Matemática

nas séries finais do Ensino Fundamental”, coordenado pelo Prof. Dr. Saddo Ag

Almouloud, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e ocorreu

durante os anos de 2006 e 2007.

O grupo, formado inicialmente por dezesseis professores, chegou ao final da

referida formação com apenas cinco, que constituíram o grupo analisado na

pesquisa. Os instrumentos de coleta de dados foram questionários, observações

durante oficinas semanais, utilização de mapas conceituais, verificação de cadernos

dos alunos dos professores participantes da pesquisa e entrevistas.

As atividades desenvolvidas na formação (exercícios propostos numa apostila

e reflexões coletivas sobre os problemas enfrentados em sala de aula, as mudanças

curriculares, a necessidade de adequação aos novos modelos de ensino, etc) se

deram em clima de aprendizagem colaborativa, ocorrendo troca de experiências e

ideias.

Os autores utilizados em seu referencial teórico para o trabalho com

demonstrações foram Nicolas Balacheff10 (1987) e Michael de Villiers11 (1990).

A análise das respostas obtidas por meio dos questionários permitiu à autora

responder a sua primeira questão de pesquisa: Quais são os discursos e

conhecimentos iniciais sobre demonstração em Matemática apresentados pelos

professores participantes do projeto “O raciocínio dedutivo no processo ensino-

aprendizagem da Matemática nas séries finais do Ensino Fundamental”? Serralheiro

(2007) constatou que o grupo de professores possuía conhecimentos deficientes

sobre demonstrações e que tais professores responsabilizavam a formação inicial

10 As ideias deste autor sobre o ensino e aprendizagem de demonstração foram apresentadas e discutidas no capítulo 1. 11 No item 2.2 deste capítulo foram expostas as funções da demonstração concebidas por este autor.

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por tal insuficiência, tendo como consequência deste fato a dificuldade com o

trabalho com as demonstrações no Ensino Básico.

É importante ressaltar que Serralheiro (2007) discorda desta última

implicação, uma vez que, para a autora, cabe aos cursos de licenciatura, além de

prover os conhecimentos específicos da área, formar profissionais reflexivos,

conscientes da necessidade da formação continuada e capazes de gerenciá-la, e

não somente preencher lacunas de aprendizado de conteúdos específicos.

Um fato observado por Serralheiro (2007) foi o uso intenso de expressões

utilizadas por pesquisadores em educação e contidas em documentos oficiais sobre

educação nas repostas dos sujeitos pesquisados, tais como habilidades

matemáticas e troca de experiências.

A pesquisa realizada possibilitou à autora inferir que, em muitos cursos de

licenciatura em Matemática, a demonstração não é trabalhada, chegando às vezes a

inexistir.

Com relação à segunda questão de pesquisa, A participação desses

professores no projeto refletiria em que tipos de mudanças na prática em

Geometria?, Serralheiro (2007) detectou mudanças nas atitudes dos professores

pesquisados com relação à demonstração, tais como maior autonomia e decisão

diante da elaboração de demonstrações, bem como maior interesse em buscá-las

para justificar afirmações encontradas em livros didáticos.

A autora observou que os professores passaram a utilizar com seus alunos,

mais frequentemente, a argumentação e a reflexão sobre os conteúdos estudados,

em vez da apresentação de conceitos prontos e regras preestabelecidas. As

atitudes de incerteza e timidez, presentes no início da formação, deram lugar a

participações autônomas e seguras e à necessidade de exposição de ideias a fim de

compartilhá-las com o grupo. Serralheiro (2007) atribuiu estas mudanças à dinâmica

das oficinas que privilegiou a valorização das participações e aproveitamento de

ideias apresentadas pelos professores participantes durante os encontros.

A autora concluiu, com base nos dados da investigação, que a Geometria

ainda não é um conteúdo abordado efetivamente nas salas de aula da escola básica

e que a formação realizada com o grupo de professores que constituiu a amostra

não foi suficiente para reverter esta situação. Isto motivou Serralheiro (2007) a

formular as seguintes questões para pesquisas futuras:

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- Será que o efetivo domínio sobre determinado assunto, realmente faz com

que este seja abordado em sala de aula?

- Quais são os fatores que, de fato, provocam mudanças na prática?

Os livros didáticos constituem importante instrumento de trabalho para os

professores, em especial para os professores da Educação Básica, que muitas

vezes o utilizam como único material para preparação de suas aulas (LAJOLO,

1996). Neste contexto, Carlovich (2005) empreendeu uma pesquisa para a sua

dissertação de mestrado, com o objetivo de investigar o ensino da geometria

dedutiva nos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, compreendendo o

período de 1990 até 2005, por meio da análise de livros didáticos utilizados em

algumas escolas públicas de Estado de São Paulo.

A autora analisou três coleções de livros didáticos de Matemática da década

de 1990 e três coleções da década de 2000. Os fatos que nortearam a escolha dos

períodos foram o declínio do Movimento Matemática Moderna no Brasil e suas

críticas pela Didática da Matemática (para a primeira década) e a publicação do

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, estudos em Educação Matemática e

os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (para a segunda década).

Foram três as categorias de análise dos livros didáticos utilizadas pela autora,

a saber:

- categoria 1: articulação entre G1-Geometria spatio gráfica e G2- Geometria

Proto-axiomática em validações de propriedades geométricas;

- categoria 2: análise dos exercícios para a apreensão das propriedades

geométricas, seguindo uma Organização Praxeológica;

- categoria 3: articulação dos registros de representação semiótica

mobilizados em uma demonstração geométrica.

Na primeira categoria, a análise está apoiada na classificação de

desenvolvimento geométrico do sujeito segundo Parsysz12 (2000), para quem tal

desenvolvimento pode ser agrupado segundo os objetos em jogo, físicos ou

teóricos; e segundo os modos de validação, perceptivo ou dedutivo. G0- Geometria

Concreta e G1- Geometria Spatio-gráfica compõem o grupo Geometrias não-

axiomáticas no qual o estudo é calcado nos objetos físicos e a validação ocorre

12 O detalhamento da classificação do desenvolvimento geométrico do sujeito elaborado por Parzysz foi apresentado no Capítulo 1.

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baseada na percepção. Em G0, são realizadas atividades com materiais didáticos

como maquetes, plantas e dobradura; em G1, os alunos elaboram conjecturas e

constatações por meio da construção de figuras com instrumentos de Desenho

Geométrico. G2- Geometrias Proto-axiomáticas e G3- Geometria Axiomática

integram o conjunto das Geometrias Axiomáticas, nas quais os objetos são teóricos

e a validação é dedutiva. A figura construída em G1 ganha status de figura

genérica em G2 e a dedução é aceita como validação num sistema axiomático; e em

G3, o aluno compreende e trabalha em diferentes sistemas axiomáticos.

A Organização Praxeológica, desenvolvida por Chevallard (1999),

fundamenta a segunda categoria de análise mencionada em parágrafo anterior. Para

esse autor, uma organização praxeológica é composta de tarefa, técnica, tecnologia

e teoria. A tarefa é geralmente uma ação expressa por um verbo e se refere a um

objeto preciso; a técnica é a forma de realizar a tarefa; a tecnologia justifica

racionalmente e explica a técnica; e a teoria representa um nível superior de

justificação, explicação e produção. O estudo da organização praxeológica

associado aos exercícios propostos sobre propriedades geométricas é um dos

objetivos do trabalho de Carlovich (2005).

Na terceira categoria, é utilizada a teoria dos registros de representações

semióticas, elaborada por Duval (1993). Segundo este autor, há vários registros de

representações semióticas para um mesmo objeto matemático, para que este possa

ser mobilizado pelo sujeito. Um mesmo objeto possui várias representações que

podem ser de natureza completamente diversas, por exemplo, de natureza gráfica,

algébrica, numérica. A importância do estudo destes diferentes registros para a

Educação Matemática se baseia na premissa de que o aluno só constrói um

conceito relativo a um objeto matemático, quando é capaz de mobilizar mais de um

registro de representação semiótica deste objeto. Duval (1993) afirma que na

elaboração de uma demonstração, os alunos não operam naturalmente a conversão

entre os registros, sendo necessário atividades que explorem tais conversões.

Carlovich (2005) procurou descrever como se dá a articulação dos diferentes

registros de representação semiótica em uma demonstração geométrica.

A autora conclui que, nas coleções de livros escolares de 1990, o estudo da

Geometria é concentrado num único capítulo; em duas, ele é apresentado no final, e

sem integração com outros campos da Matemática. Há poucas validações

empíricas e um predomínio das validações dedutivas, não havendo articulação entre

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G1 – geometria spatio-graphique e G2 – geometria proto-axiomática. Os níveis de

rigor nas validações dedutivas variam de coleção para coleção. Não foi observada a

explicação da importância da demonstração como único meio de validação nas três

coleções, mas percebeu-se a substituição gradual da apresentação euclidiana13 por

outra menos formal, inserindo, no texto, exemplos de aplicações práticas dos

conceitos geométricos.

Carlovich (2005) constatou que, ao contrário das coleções de 1990, nas

coleções de 2000, há integração de Geometria com outros campos da Matemática.

São observadas validações empíricas e dedutivas, mas em duas destas coleções

não foi observada a preocupação de conscientizar os alunos dos limites do

empirismo. Nas três coleções de 2000, os termos da Geometria dedutiva como

postulado e teorema não são explicados. Também observou que há a intenção de

ensinar o aluno a demonstrar a partir de demonstrações prontas, sem discussão

sobre as técnicas de demonstração e a lógica subjacente.

Carlovich (2005) estabeleceu cinco enfoques para o estudo das propriedades

geométricas, a saber: empírico, dedutivista, heurístico, empírico-dedutivista e

empírico-heurístico. No enfoque empírico, ocorre generalização de propriedades

após observações de casos particulares. No dedutivista, as propriedades e suas

demonstrações são apresentadas aos alunos, os quais não participam da

elaboração de conjecturas e não há reflexões. O aluno é sujeito ativo no processo

de elaboração de conjecturas e da demonstração no enfoque heurístico. No

empírico-dedutivista, as propriedades são estudadas empiricamente e após,

dedutivamente. No enfoque empírico-heurístico, as propriedades são investigadas e

em seguida o aluno é convidado a elaborar uma demonstração. Nas coleções da

década de 1990, predomina o enfoque dedutivista. Os enfoques empírico e

heurístico caracterizam as coleções da década de 2000.

Á luz da terceira categoria, Carlovich (2005) afirma que o registro figural está

presente na maioria das coleções de 1990 e 2000, e se apresenta como apoio para

o raciocínio dedutivo. Mas a presença do registro discursivo também é significativo

nas coleções das duas décadas, em especial nas três coleções de 2000. Tal registro

13 O adjetivo euclidiana é utilizado por Carlovich para designar a apresentação do conteúdo, nos livros didáticos, no formato definições, propriedades e exercícios, fazendo referência explícita ao modo de organização da obra Elementos, escrita por Euclides.

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manifesta-se nas recomendações de debates e discussões em grupo para

elaboração de demonstrações de propriedades geométricas.

O registro matemático transparece nas coleções de 1990 e 2000 pelo viés

algébrico, quando se utilizam símbolos matemáticos para escrever as sentenças

matemáticas e cálculos algébricos. Este registro surge ao longo de todas as

coleções em igual intensidade, não sendo observado um aumento gradual em seu

uso.

A conversão de registros, fator fundamental para a aprendizagem de

conceitos matemáticos segundo Duval (1993), não foi encontrada pela autora na

maioria das coleções das duas décadas estudadas.

Podemos considerar como principais recomendações da autora para o ensino

de demonstrações em sala de aula: a utilização do enfoque empírico-heurístico na

abordagem das demonstrações de propriedades geométricas, a discussão da

limitação das validações empíricas, o estudo de técnicas de demonstração

(adaptado ao nível do aluno) e proposta de atividades que possibilitem conversões

entre os registros figural, discursivo e matemático.

Carlovich sugere como temas de pesquisa a prática pedagógica dos

professores referente ao ensino de demonstração geométrica no terceiro e quarto

ciclos, bem como um trabalho de conscientização de professores a integrar provas e

demonstrações ao processo de formação de seus alunos.

Nosso trabalho de pesquisa, de certo modo, atende a esta orientação, pois

toma como hipótese a necessidade de preparar professores em formação inicial

para que possam desenvolver com seus alunos da Educação Fundamental e

Média, atividades que possibilitem a compreensão da demonstração na Matemática

e sua elaboração.

Os resultados deste trabalho nos permitiram formular a hipótese que a

formação inicial em licenciatura em Matemática talvez não esteja abordando a

demonstração, e em especial, em Geometria, na medida necessária, para que os

licenciandos compreendam o papel da demonstração na construção do

conhecimento matemática. Podemos supor também que o trabalho com

demonstrações na graduação não esteja formando o futuro professor para

desenvolver este tópico na Educação Básica, ou seja, nos termos de Shulman

(1986), não está permitindo ao professor em formação inicial construir seu

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conhecimento pedagógico sobre a demonstração, tampouco o conhecimento

específico.

2.4 A Tecnologia informática e o desenvolvimento do processo de argumentação e

demonstração em Geometria

2.4.1 A tecnologia e o ensino e aprendizagem de Geometria

A tecnologia informática trouxe para a sala de aula possibilidades impensadas

para o ensino e aprendizagem de Matemática. Tais possibilidades são

extremamente ampliadas no que se refere à Geometria, pois o desenvolvimento de

softwares de geometria dinâmica conferiram, de modo irrevogável, movimento às

figuras geométricas, antes estáticas,

[...] permitindo a manipulação direta de objetos geométricos representados na tela do monitor, via teclado ou mouse. Desta forma, o movimento surge relacionado a este “dinamismo” das figuras, que provêm dos recursos dos programas que possibilitam o deslocamento dos objetos, designado pelo “agarrar-arrastar” dos elementos geométricos (DIAS, 2005, p. 58).

Tal movimentação preserva as relações de construção subjacentes às

figuras. Tomando a designação estabelecida por Laborde (1994), segundo a qual

figura e desenho são considerados elementos distintos, sendo a primeira referente

ao objeto geométrico teórico, enquanto que o segundo refere-se à entidade

material14. Pode-se afirmar que o que se movimenta na tela do monitor são os

desenhos relacionados às figuras que são por eles representadas.

A utilização de softwares de geometria dinâmica no ensino e aprendizagem

de Geometria tanto pode ser mais uma ilustração para a aula como um rico material

didático que instiga a curiosidade dos alunos e aguça seu espírito investigativo,

levando-os a elaborar conjecturas sobre situações diversas. O professor

desempenha um importante papel nestas duas opções, pois é ele que decide o tipo

de abordagem destas atividades. Se o professor objetiva que o aluno permaneça no

nível perceptivo15, ele explorará tais softwares como meros ilustradores para as

propriedades das figuras geométricas. Mas, ao contrário, se o professor encaminha

14 Assim, por exemplo, desenhos de paralelogramos representam uma entidade teórica que é a figura paralelogramo definida como o quadrilátero que possui os lados opostos paralelos. 15 Segundo Parzysz (2006), o aluno encontra-se no nível perceptivo quando se refere a objetos da “realidade”, ou seja, objetos que são realizações materiais de objetos teóricos.

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os alunos para tarefas de observação, formulação e testagem de conjecturas em

ambientes de geometria dinâmica, estes estarão sendo utilizados como instrumentos

de suporte ao desenvolvimento do raciocínio dedutivo (OLIVERO, PAOLA e

ROBUTTI, 2003).

Hofstadter (1997; apud VILLIERS, 2002) atenta para o fato de que

experimentações em Geometria utilizando software de geometria dinâmica

contribuem para reforçar a convicção de que certo fato é verdadeiro e também para

incentivar a demonstração. Afirma, também, que a movimentação de uma figura na

tela do computador (ele se refere ao Geometer´s Sketchpad) pode determinar o grau

de confiança na validade de uma conjectura e a necessidade da demonstração

como explicação para tal validade:

A beleza do Geometer´s Sketchpad está em que ele permite que uma pessoa descubra instantaneamente se uma conjectura está certa ou errada – se estiver errada, isso é imediatamente óbvio quando se manipula uma construção no ecrã de forma dinâmica. Se estiver certa, as coisas mantêm-se sincronicamente consistentes, seja qual for a forma de mexer na figura. O grau de certeza e confiança que isso nos dá é francamente espantoso. Claro que não é uma demonstração, mas eu diria que, em certo sentido, este tipo de contacto directo com o fenômeno é mesmo mais convincente que uma demonstração porque uma pessoa vê-o realmente acontecer à sua frente. Nada disso significa que eu não queira uma demonstração. No fundo as demonstrações são ingredientes críticos do conhecimento matemático, e eu gosto tanto delas como qualquer outra pessoa. Apenas não sou um dos que acredita que a certeza só se adquire com a demonstração. (HOFSTADTER, 1997 apud VILLIERS, 2002, p. 10)

2.4.2 A tecnologia e a demonstração em Geometria

Garnica (1996), após analisar a literatura relacionada à prova rigorosa na

Matemática e na Educação Matemática, afirma que a informática e a prova rigorosa

constituem questões polêmicas, envolvidas em paradoxos que tratam da validade,

teoria e prática.

Borba (1999) afirma que a ênfase na demonstração como uma argumentação

apoiada nas leis da lógica difundiu-se devido às mídias disponíveis na época de

Euclides - oralidade e escrita. Ele ainda afirma que nas sociedades em que

predominava a oralidade, talvez este modo de demonstrar não se estabelecesse.

Para Borba (1999), a “tecnologia informática” pode transformar a compreensão do

que seja uma demonstração rigorosa, além de modificar a sua estruturação. A partir

da tese formulada por Borba, elaboramos uma hipótese: uma validação pragmática

utilizando recursos de um software de geometria dinâmica, por exemplo, poderia ser

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considerada uma prova, pois a engenharia subjacente a este software, calcada em

teorias matemáticas já provadas, já seria uma garantia da validade matemática

desta comprovação fornecida pelo tal software. Até que ponto tais teorias

“substituiriam” uma demonstração é uma questão polêmica de pesquisa.

Considerando o exposto no parágrafo anterior, a validação obtida por meio

dos softwares de geometria dinâmica é considerada pragmática segundo Parzysz

(2001, 2006) e Balacheff (1987), pois está apoiada nas observações do objeto físico,

que são as figuras construídas pelo usuário no software. Deste modo, a validação

pragmática fornecida pelos softwares de geometria dinâmica não são consideradas

demonstrações no sentido de Balacheff (1987), pois não estão apoiadas na teoria

geométrica, não sendo fruto de deduções matemáticas. Tais validações podem ser

classificadas como provas do tipo empirismo ingênuo ou experiência crucial

(BALACHEFF, 1987). Segundo Parzysz (2001), a validação pragmática está

relacionada ao nível de raciocínio geométrico G0 e G1.

Otte (2003) afirma que a Geometria é baseada na introspecção e envolve dois

procedimentos: a síntese e a análise. A síntese refere-se à construção com régua e

compasso, enquanto a análise é especialmente utilizada para os casos nos quais a

construção falha e é a mais valorizada na cultura matemática. Mas em relação ao

ensino e aprendizagem, têm mais valor educativo as provas que possibilitam a

introspecção, ou seja, a reflexão e consequentemente a formulação de novas

hipóteses, o que significa ampliação e aprofundamento do conhecimento

matemático. Sob este aspecto, Otte (2003) afirma que a cognição é relevante como

metáfora da percepção e cita os softwares de geometria dinâmica como aparato útil

para a concepção da percepção visual, sendo esta entendida como uma série

contínua de pequenas generalizações ou de inferências abdutivas.

Ainda, segundo Otte (2003), a percepção exige interpretação. Então

podemos afirmar que é uma atividade do intelecto humano, uma vez que interpretar

implica análises, comparações e reflexões. Deste modo, a percepção está

relacionada ao contínuo do possível ao geral e os softwares de geometria dinâmica

contribuem para a ativação do princípio da continuidade:

Os sistemas dinâmicos da geometria (DGS) são adequados para colocar o princípio da continuidade em operação e promover assim o crescimento de hipóteses férteis. Sistemas de representação assim como dos DGS, tendo revitalizado esse princípio, têm um papel muito importante no desenvolvimento cognitivo porque realizam uma interação íntima e indissoluta entre a observação e o raciocínio. (OTTE, 2003, p. 41

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Finalmente Otte (2003) destaca uma contribuição relevante dos sistemas

dinâmicos de geometria, nos quais se incluem os softwares de geometria dinâmica:

a interação entre a observação e o raciocínio propiciada por estes sistemas pode

estimular o raciocínio hipotético-dedutivo do aluno, pois ao observar a movimentação

das figuras na tela do monitor, o estudante percebe relações entre os elementos

desta, e esboça estratégias de argumentação a fim de justificar as suas

observações. Este tipo de raciocínio favorece a construção de provas do tipo

exemplo genérico e experiência mental, sendo compatível com os níveis de

raciocínio geométrico G2 (PARZYSZ, 2001).

Villiers (2002) afirma que no início do trabalho com demonstrações, não se

deve utilizar a geometria dinâmica para trabalhar a primeira como meio de

verificação, pois será mais significativo para os alunos iniciar o estudo de

demonstrações com a função de explicação e descoberta. Mas ele alerta que os

alunos precisam ser iniciados o quanto antes nas atividades de resolução de

problemas, possibilitando-os situações de sala de aula nos quais os mesmos

possam explorar, conjecturar, refutar, reformular, explicar, etc. O autor, ainda,

ressalta a utilização dos softwares de geometria dinâmica como instrumento

adequado para verificação de conjecturas verdadeiras e construção de contra-

exemplos, incentivando as ações descritas anteriormente. As atividades de

verificação em ambientes de geometria dinâmica, de conjecturas verdadeiras, são

adequadas aos níveis de raciocínio geométrico G1 no qual a validação é perceptiva.

Por outro lado, a construção de contraexemplos exige uma elaboração teórica pelo

aluno, o que é compatível com o nível de raciocínio geométrico G2. Do trabalho

empreendido pelo aluno para compor um contraexemplo, poderá resultar em uma

prova do tipo experiência mental (BALACHEFF, 1987).

2.4.3 O ensino e a aprendizagem de demonstração em Geometria utilizando

ambientes de geometria dinâmica em pesquisa

Neste item, relatamos resultados de pesquisas realizadas no Brasil e no

exterior, que se relacionam com o ensino e aprendizagem de demonstração em

Geometria e a utilização de ambientes de geometria dinâmica.

Camargo, Samper e Perry (2007) fizeram uma investigação com futuros

professores de Matemática, no âmbito da disciplina de Geometria Plana, cujo

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objetivo era verificar como a utilização do software Cabri Géomètre II pelos alunos

pesquisados, em situação de resolução de problemas abertos sobre temas

geométricos, contribuiria para a construção de parte de um sistema axiomático de

Geometria Euclidiana, por estes alunos. Os autores justificaram a escolha de alunos

no nível universitário como sujeitos da pesquisa, com a insuficiência de estudos

realizados sobre o ensino e aprendizagem de demonstração, correspondendo a um

tratamento rigoroso requerido neste nível de ensino (MARRADES & GUTIÉRREZ,

2000, apud CAMARGO, SAMPER & PERRY, 2007).

A disciplina citada estava alocada no segundo semestre do curso de

licenciatura, organizado em dez semestres. O experimento de ensino durou 16

semanas, repetindo-se por vários semestres, e abordou os seguintes temas:

relações entre pontos, retas, planos, ângulos, propriedades de triângulos,

quadriláteros, círculos, e relações de congruência e de semelhança. Camargo,

Samper e Perry (2007) atuaram como professores, sendo que apenas um deles

esteve presente em todas as aulas (não foi mencionado no trabalho qual dos

autores).

Camargo, Samper e Perry (2007) estabeleceram normas para os alunos com

respeito ao tipo de demonstração aceita: argumentação organizada logicamente

usando definições, axiomas e teoremas previamente conhecidos e aceitos por todos.

Os pesquisadores agruparam em quatro categorias o papel desempenhado pelo

software Cabri segundo o seu uso pelos alunos durante a resolução das atividades:

i) usando para entender o desenvolvimento lógico de uma demonstração; ii) usando

para ajudar a desenvolver ideias para a demonstração; iii) usando para criar

situações nas quais estudantes obtêm resultados suficientes para organizá-los como

parte de um sistema axiomático; e iv) usando para ajudar estudantes a entender a

dependência lógica entre propriedades.

Com relação ao item (i), Camargo, Samper e Perry (2007) exemplificaram a

seguinte situação: após os primeiros postulados, definições e teoremas do sistema

axiomático serem estabelecidos, propuseram o seguinte problema: dados três

pontos A, B e C não colineares, mostre que existe um ponto D tal que AB e CD

bissectam-se. Os alunos responderam justificando cada construção com um

postulado ou um teorema ou uma definição, motivado pelo professor que perguntava

como comparar os passos da construção no Cabri II com as afirmações e

justificativas da demonstração.

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Aqueles autores concluíram que o uso do Cabri II para explorar problemas

abertos possibilita ao aluno participar ativamente da descoberta de fatos

geométricos, incorporando-os ao processo de demonstração de conjecturas, no

interior do sistema axiomático. Afirmaram também que é responsabilidade do

professor programar tarefas que promovam a atividade matemática de seus alunos,

bem como incentivá-los a propor novas ideias, fazer conjecturas e comunicar

resultados, tomando parte em debates na sala de aula.

Segundo estes autores, a capacidade de construir demonstrações requer a

compreensão da relação de dependência entre as propriedades geométricas, a

habilidade de visualizar construções auxiliares que permitam conectar fatos

conhecidos, e a convicção de que a demonstração é o único caminho legítimo para

incluir fatos no sistema axiomático. Tais constatações são compatíveis com as

características do alunos que possuem raciocínio geométrico G2, e também com as

características da prova tipo experiência mental.

Em um experimento realizado com uma dupla de alunos do liceo scientifico

PNI16, Olivero, Paola e Robutti (2003) observaram como os alunos utilizavam o

Cabri-Géomètre II para conjecturar e provar afirmações em problemas abertos em

Geometria. Os pesquisadores estavam interessados em saber se as ações de

experimentação possibilitadas pelo ambiente Cabri II e executadas pelos alunos, os

conduziriam a formular conjecturas e posteriormente prová-las. Mais precisamente, o

objetivo da investigação era determinar de que modo o software contribuiria para o

processo de desenvolvimento da demonstração.

O uso da tecnologia informática e a dinâmica de trabalhos em grupo seguidos

de discussões de resultados, em sala de aula, sob a orientação do professor,

estavam inseridos no cotidiano escolar desses alunos. Os autores afirmam que esta

prática faz parte de uma nova cultura na sala de aula no contexto educacional

italiano.

Esse trabalho é parte de um projeto 17 de pesquisa maior do grupo de

Educação Matemática da Universidade de Turim, e tem por objetivo investigar as

potencialidades do software de geometria dinâmica Cabri Géomètre II como suporte

à produção de conjecturas em Geometria pelos alunos. Este estudo considera como

16 Esta denominação de nível de escolaridade é italiano e equivale ao Ensino Médio no contexto brasileiro. Nesta fase, os alunos têm entre 15 e 18 anos. 17 Este projeto tem a coordenação de Ferdinando Arzarello e tem a participação de professores, estudantes e pesquisadores italianos.

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hipótese, baseada nos experimentos em sala de aula, que o ambiente Cabri pode

auxiliar enormemente os alunos tanto na fase de elaboração de conjecturas quanto

na fase do processo de elaboração da demonstração.

Os autores consideram uma característica relevante do software Cabri II, do

ponto de vista didático, a função de “arrastar” os pontos na tela, ou seja, a

manipulação direta dos pontos básicos da figura via mouse. Esta ação evidencia as

relações geométricas subjacentes à construção da figura. Num projeto anterior, os

autores identificaram diferentes modos dos alunos moverem ( to drag) os pontos na

tela do computador quando estão resolvendo problemas geométricos com o Cabri II,

de acordo com os objetivos a alcançar com a movimentação dos pontos. Os quatro

modos mais frequentes são: wandering dragging, que se refere ao movimento dos

pontos básicos da figura para descobrir se esta apresenta propriedades e ou

regularidades; guided dragging, que é a movimentação dos pontos básicos da figura

para obter uma forma particular; lieu muet dragging, que é a movimentação de um

ponto para que a figura conserve uma propriedade descoberta após um passo

oculto, até mesmo sem ver o passo; e dragging test que é mover a figura para

verificar se ela conserva a propriedade inicial, ou seja, é verificar se a figura passa

no teste do “arrastar”. Caso não aconteça, significa que a construção não respeitou

as propriedades geométricas e as características da figura desejada.

Segundo Olivero, Paola e Robutti (2003), o professor desempenha um papel

fundamental ao introduzir o software Cabri II, nas aulas de Matemática, pois ao

enfatizar os diferentes usos da movimentação dos pontos (descritos anteriormente),

desperta os estudantes para uma utilização mais proveitosa, seja testando

construções em exploração de situações ou em nível teórico e perceptivo.

Os autores afirmam que a maior contribuição de problemas abertos é o fato

de estes possibilitarem aos alunos uma ampla produção matemática, uma vez que

os mesmos são frequentemente bem sucedidos na observação de características de

fatos matemáticos em situações por eles exploradas. Por outro lado, em problemas

na forma “prove que....”, a maioria dos alunos imagina ser necessário ter uma

brilhante ideia para ser capaz de solucioná-lo; e este sentimento de incapacidade

pode se tornar um obstáculo ao desenvolvimento cognitivo dos alunos. Estas

declarações vem de encontro ao afirmado por Borba(1999) e por Garnica (1996),

sobre a validação de conjecturas em ambientes de geometria dinâmica. Ambos os

autores falam das possibilidades da validação pragmática em ambiente de geometria

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dinâmica vir a ser considerada uma demonstração. Relacionando esta afirmação

com o comportamento dos alunos descrito acima, inferimos que a validação com

apoio tecnológico pode contribuir para aumentar a confiança do aluno na sua

capacidade de construção do conhecimento matemático, uma vez que os problemas

abertos são os que frequentemente são explorados neste tipo de ambiente.

O problema apresentado à dupla de alunos era formulado do seguinte modo

(OLIVERO, PAOLA e ROBUTTI, 2003):

É dado o quadrilátero ABCD. Construa um quadrado sobre cada lado AB, BC, CD e AD, na parte externa do quadrilátero. Construa os centros dos quadrados e nomeie de E, F, G e H respectivamente. 1- Após ler cuidadosamente o problema, explore o quadrilátero EFGH em relação a ABCD e elabore conjecturas ( na forma se...então). 2- Prove alguma de suas conjecturas.(p. 90)

Para uma análise mais detalhada, o experimento foi dividido em três

episódios e o material coletado para a análise foi o trabalho escrito dos alunos e as

notas de um observador externo.

A análise do processo de solução dos alunos evidenciou dois fatos cruciais da

atividade cognitiva dos mesmos. A mudança nos modos de movimentar o ponto

(dragging), descrita no parágrafo anterior, o uso de esboços e a transição do objeto

percebido para o objeto genérico permitiram aos autores constatar o primeiro fato: a

transição do perceptivo (observado no ambiente Cabri II) para o teórico

(considerando a lógica da prova em Geometria). O segundo fato é a continuidade

entre a exploração no Cabri II e o processo de prova que é confirmado pelo uso de

alguns elementos do processo de exploração como pontos de partida para o

desenvolvimento da demonstração, além do uso da linguagem.

Os autores distinguem o processo de elaboração da demonstração e a

demonstração propriamente dita utilizando os termos em inglês proving para o

processo e proof para o produto deste processo, ou seja, a demonstração.

O papel dos desenhos em Geometria bidimensional é destacado por Olivero,

Paola e Robutti, apoiado em Laborde (1998, apud OLIVERO, PAOLA e ROBUTTI,

2003). É afirmado que tais desenhos desempenham uma função ambígua: por um

lado eles remetem ao objeto teórico; e por outro, evidenciam propriedades do spatio-

grafique que podem ocasionar uma interpretação de que tais propriedades

pertençam somente àqueles diagramas ao qual se relacionam. Tal ambiguidade é

reforçada pelo ensino tradicional de Geometria no qual as propriedades teóricas são

assimiladas estritamente com relação a um único desenho. Entretanto, tais

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desenhos – que são representações de objetos geométricos – são imprescindíveis

para a compreensão dos objetos que representam, uma vez que estes são objetos

matemáticos e, portanto, acessíveis apenas por meio de suas representações

(BALACHEFF, 1998; OTTE, 1999).

Os pesquisadores compreendem que a representação dos objetos

geométricos em ambientes de geometria dinâmica, como o Cabri II, contribui para

estimular a transição do nível perceptivo ( em particular, no interior de um ambiente

de geometria dinâmica) para o nível teórico ( tendo em vista a lógica da

demonstração em Geometria), pois ao manipular o objeto empírico e obter o

feedback desta movimentação, o aluno vê um como muitos, ou seja, as múltiplas

formas do objeto obtidas por meio da manipulação direta, exibindo propriedades

comuns que caracterizam o objeto teórico. Estas propriedades surgem garantidas

pela lógica interna do software de acordo com o modo de construção da figura.

Os autores concluem que a utilização do software por ele mesmo não garante

a transição do objeto empírico para o objeto genérico, do nível perceptivo para o

nível teórico. Nesta transição, o papel do professor é fundamental no acesso do

aluno ao pensamento teórico, pois a aprendizagem baseada em ambientes

computacionais pode ser bem mais complexa do que se supõe, e estes necessitam

ser bem explorados tanto pelo professor quanto pelo aluno, em consonância com os

objetivos de aprendizagem.

Olivero, Paola e Robutti (2003), ainda, alertam para a possibilidade do uso de

ambientes como o Cabri II tornar-se um obstáculo para a evolução do pensamento

empírico para o pensamento teórico. Isto pode acontecer se o professor não

explicitar o papel da prova na justificativa e não estimular os alunos a explicar o

porquê da veracidade de suas conjecturas, uma vez que estas, sendo obtidas por

meio de ações realizadas no Cabri II (ou em ambiente semelhante), já bastam para

os alunos ficarem convencidos. Portanto, é imperativo que o professor tenha

consciência deste risco e encoraje seus alunos a justificar suas conjecturas com

demonstrações.

As atitudes que o professor deve apresentar no comando de uma atividade

em ambiente de geometria dinâmica, citadas nos parágrafos anteriores, são

importantes para que o aluno possa evoluir nos níveis de raciocínio geométrico G0,

G1, G2 e G3 (PARZYSZ, 2001, 2006).

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Gravina (2001) investigou a relação entre os ambientes de geometria

dinâmica e o pensamento hipotético dedutivo. Sua pesquisa envolveu um grupo de

16 alunos do primeiro período do curso de Licenciatura em Matemática da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, numa turma especial da disciplina

Geometria I, no primeiro semestre de 2000, distribuídos em oito duplas inicialmente,

que após a desistência de três alunos, mantiveram-se cinco duplas e três alunos

trabalhando individualmente até o final da pesquisa. A parte experimental da

investigação foi composta de uma atividade preliminar e sete atividades que

compuseram as situações didáticas18. Todas as atividades foram resolvidas com o

auxílio do software de geometria dinâmica Cabri-géomètre II em vinte sessões de

trabalho.

A metodologia de pesquisa utilizada foi a Engenharia Didática, que consiste

na concepção, realização, observação e análise a priori e a posteriori de sequências

de ensino.

Gravina (2001) utilizou em sua pesquisa a teoria piagetiana como base para

compreensão da construção do conhecimento pelo aluno, relacionando as fases do

desenvolvimento da criança (sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e

operatório-formal) com os níveis de pensamento geométrico elaborados por Van

Hiele (visualização, análise, dedução informal, dedução formal e rigor). A autora

ainda utilizou a teoria de Piaget (abstrações empíricas, abstrações pseudoempíricas,

abstrações reflexionantes) para entender a evolução do pensamento geométrico e

analisar os resultados obtidos nesta investigação.

No trabalho de Gravina (2001), a natureza da Geometria, bem como a

construção do pensamento geométrico são declaradas complexas, uma vez que os

resultados mais teóricos e abstratos dependem (ou nela se iniciam) da observação

dos objetos físicos. A passagem do pensamento empírico com relação à observação

de propriedades, para o pensamento dedutivo, e à dedução matemática de

propriedades, necessita da superação de dificuldades que não ocorrem de forma

espontânea e que exigem, para tal, uma estratégia direcionada.

18 Neste trabalho, as situações didáticas são entendidas nos termos de Brousseau(1986), como sendo uma situação de sala de aula envolvendo alunos, professores e um determinado saber escolar, composta dos seguintes momentos: Contextualização e devolução, Situação adidática (ação, formulação e validação) e institucionalização.

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O significado e diversos aspectos do ensino e aprendizagem da

demonstração em Geometria são amplamente discutidos por Gravina (2001), com

base em diversos estudos (DAVIS & HERSH,1983; BALLACHEF,1991;

CHAZAN,1993; VILLIERS,1997; CURY,1994; ZYKOVA,1969; DUVAL,1995;

FISCHBEIN,1994, apud GRAVINA, 2001). Segundo Gravina (2001), tais estudos,

em geral, constatam a dificuldade dos alunos em compreender a necessidade da

demonstração formal, satisfazendo-se com comprovações empíricas de muitos

casos. A autora também observou a resistência na transição do pensamento

empírico para o pensamento dedutivo, as dificuldades na interpretação e

reconstrução do desenho correspondente a um teorema e a influência da aparência

da figura estática na elaboração de conjecturas, o uso inadequado de hipóteses que

garantem a aplicação de teoremas já conhecidos e o uso da própria tese ou de

propriedades dela decorrentes na elaboração da demonstração.

As relações entre o pensamento visual e a argumentação são tratadas, no

trabalho dessa autora, à luz das contribuições das situações de ensino inseridas em

ambientes de geometria dinâmica, entre elas a possibilidade de explorar vários

desenhos de uma mesma figura (LABORDE, 1992, apud GRAVINA, 2001) e o

incentivo à investigação matemática. Mas, por outro lado, há o fato de esta intensa

experimentação conduzir os alunos a priorizar validações empíricas

(LABORDE,1992; HOYLES & JONES, 1998, apud GRAVINA, 2001). Gravina cita

Hoyle e Noss (1992) ao afirmar a necessidade de intervenções pedagógicas

adequadas para reverter tais situações, ou seja, fazer com que a investigação em

ambientes de geometria dinâmica estimule nos alunos atitudes de argumentação

dedutiva.

Os resultados obtidos permitiram à autora responder as duas questões de

pesquisa por ela formuladas:

- Como os ambientes de geometria dinâmica podem contribuir para que os

alunos entendam o significado de demonstrações?

- Como os ambientes de geometria dinâmica podem contribuir para que os

alunos construam suas próprias demonstrações?

Gravina (2001) constatou que os alunos, ao longo da experimentação,

passaram a considerar o desenho como uma representação momentânea de um

objeto geométrico; entenderam a finalidade e a necessidade da demonstração,

atitudes estas possibilitadas pela percepção de que determinações do desenho

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cedem lugar à relações geométricas que não dependem de escolha e que

demandam explicações; se comportaram como os matemáticos em processo de

criação e de validação de uma conjectura, formulando-as e reformulando-as, após

muitos experimentos; e compreenderam o desenho como um suporte à

argumentação dedutiva, exigindo reinterpretações, reconstruções e extensões.

Ainda com respeito às questões, tomando as palavras de Gravina (2001):

A utilização do ambiente de geometria dinâmica favoreceu a ascensão de patamar de conhecimento geométrico; a partir do patamar de conhecimento ainda empírico, os alunos ascenderam àquele em que a geometria é entendida como um modelo teórico. Neste novo patamar, com os desenhos em movimento os alunos desenvolveram progressivamente habilidades para construir suas próprias demonstrações; a utilização do ambiente também favoreceu os pensamentos de natureza visual, fonte de insights para a construção de demonstrações(p. 191).

As conclusões ora relatadas muito devem ao perfil das atividades elaboradas

a fim de que se utilizassem intensamente os “desenhos em movimento”, o que

possibilitou a apresentação de teoremas clássicos da Geometria como problemas

em “aberto”, e também da utilização das atividades do tipo “caixa preta”.

A autora alertou que, apesar da grande contribuição das atividades do tipo

“caixa preta” para os resultados obtidos, é bom lembrar que essas não são

suficientes para o aprendizado das demonstrações, pois as mesmas modelam o

processo de investigação, que começa com a pesquisa de regularidades por meio

da movimentação do desenho, conduzindo à construção de uma possível cópia que

será validada por novas experimentações, e por fim culminará com a produção de

uma demonstração. Portanto, atentou para a necessidade de se explorar problemas

nos quais não sejam dados indicativos de estratégias de exploração.

Deste trabalho, emergem questões cuja investigação contribuirá para a

educação geométrica, em particular para o ensino e aprendizado de demonstrações,

a saber:

Como enunciar os diferentes teoremas da Geometria sob a forma de problemas em aberto, de modo a que se tornem, mediante os desenhos em movimento, motivo de rica exploração de ideias matemáticas. (GRAVINA, 2001, p.192). O estudo de uma tipologia dinâmica 19 para os teoremas clássicos da Geometria, de forma a tirar-se o máximo proveito dos desenhos em movimento como suporte à exploração de ideias matemáticas generalizadoras. (GRAVINA, 2001,p. 193).

19 Proposta inspirada nas ideias de E. P. Goldenberg, expostas em Rumination about dynamic imagery (1995)

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Figura 7: Posições do segmento MN na folha de resposta dos itens 3, 5 e 8, respectivamente, da pesquisa realizada por Parzysz.

De que forma os resultados de uma investigação tornam-se úteis ao professor de matemática, comprometido, em seu cotidiano, com tantas aulas e alunos? (GRAVINA, 2001, p. 194).

Em sua investigação, Gravina (2001) concluiu que os ambientes de geometria

dinâmica propiciam o desenvolvimento do raciocínio hipotético-dedutivo, com base

em observações e produções de alunos trabalhando com problemas abertos em

Geometria no software Cabri-Géomètre II. Nosso trabalho se propõe a descrever de

que modo se dá tal desenvolvimento.

Parzysz (2006) e sua equipe desenvolveram uma pesquisa com 878 futuros

professores para as séries iniciais em formação inicial (designados pela sigla PE1).

Este trabalho trazia como objetivos: (1) identificar e classificar os tipos de

argumentação utilizados em Geometria pelos PE1; (2) experimentar o quadro

teórico20 por eles desenvolvido e (3) elaborar e testar as engenharias didáticas,

utilizando ambiente papel e lápis e ambiente informático, destinadas a gerar a

tomada de consciência pelos PE1 da distinção entre G1 e G2 bem como

desenvolver habilidades em Geometria.

Segundo o relato do autor, inicialmente os futuros professores responderam

uma lista de questões e participaram de sessões experimentais. São comentados

três itens da lista de questões (itens 3, 5 e 8) e duas sessões experimentais21.

Nos três itens, a tarefa solicitada era a construção da mediatriz do segmento

MN. A diferença entre eles ficava por conta da posição de MN na folha de resposta

(Figura 7), o que determinava em parte o processo a ser utilizado.

20 Quadro teórico descrito neste trabalho, nas páginas 21-32. 21 Para um estudo mais detalhado, o autor remete a Parzysz & Jore (2002).

Item 3 Item 5 Item 8

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Parzysz (2006) pretendia com estas tarefas, verificar se no item 3, a restrição

imposta conduziria a procedimentos diferentes daqueles utilizados no item 5, no qual

observaram-se os processos empregados pelos futuros professores para construir a

mediatriz do segmento MN; e se no item 8, os futuros professores perceberiam que

os pontos U e E determinavam a mediatriz procurada.

Observou-se que no item 5, como já era esperado por Parzysz (2006) e sua

equipe, o procedimento mais utilizado (78%) é a determinação de dois pontos de

interseção de arcos de circunferência de mesmo raio, com centros em M e N,

estando estes pontos em semiplanos distintos dos determinados pela reta MN,

diferindo na medida do raio que era o próprio segmento MN.

Foi identificado no item 3 que os futuros professores (51%) empregaram uma

única interseção de dois arcos associada ao traçado de um ângulo reto ou a

determinação do ponto médio. O procedimento relativo ao uso de esquadro e do

ponto médio surge em 28% das questões analisadas.

No item 8, o traçado direto da mediatriz utilizando os pontos U e E ocorreu em

49% das questões analisadas, e 18% dos futuros professores determinaram a

mediatriz por meio dos pontos U ou E e um outro ponto encontrado por interseção

de arcos ou ponto médio ou perpendicular.

O autor conclui, após a análise das respostas obtidas aos itens 3, 5 e 8, que

os futuros professores os quais obtiveram a mediatriz pelo processo da interseção

de arcos com raio igual a MN, apresentaram dificuldades em trocar de estratégia de

resolução devido à limitação de espaço imposta no desenho do item 3. O autor

justifica o ocorrido pela consolidação de tal procedimento geométrico, consistindo

num simples saber-fazer que não estabelece relações com um saber geométrico.

Afirma ainda que grande parte dos futuros professores não relacionaram a

propriedade relevante de G2 e a técnica por eles aplicada em G1, sendo esta

completamente sem sentido para eles, ou seja, eles aprenderam o processo

geométrico para construir a mediatriz, mas não compreenderam os fundamentos

teóricos de tal processo.

Na primeira sessão experimental, foi proposta aos futuros professores uma

situação não identificada como própria de G1 ou de G2 e consistia na indicação de

meios possíveis para responder à questão proposta de Geometria. Eles resolveram

a tarefa no ambiente papel e lápis, estando organizados em grupos de quatro. Os

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componentes de um mesmo grupo receberam, cada um, uma versão

numericamente diferente de um mesmo problema cujo enunciado geral era:

Trace uma reta d. Chamamos O um ponto desta reta.

Trace a circunferência C1 de centro O e raio R1. Esta circunferência corta a

reta d em dois pontos A e B.

Trace a circunferência C2 de centro A e raio R2.

Trace a circunferência C3 de centro A e raio R3. A circunferência corta C2 em

dois pontos C e D.

Qual(ais) meio(s) você pode utilizar para saber se a reta CD é, ou não, a

mediatriz do segmento AB?

A diferença numérica se referia aos valores desiguais para R1, R2 e R3 de

modo que em duas versões ocorria (R1)² + (R2)² = ( R3)², e nas outras duas (R1)² +

+(R2)² era próximo de ( R3)². Isto implicava o fato de que em duas versões CD era

mediatriz de AB e nas outras duas não era, sendo a diferença imperceptível,

visualmente, de modo que para uma dupla, a resposta à pergunta era “sim” em G1

e em G2, e para a outra dupla era “sim” em G1 e “não” em G2. (Figura 8 )

Figura 8: Construção relativa à tarefa da sessão experimental.

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Em outra sessão experimental, realizada no ambiente de geometria dinâmica

Cabri-Géomètre II, foi apresentado aos alunos um problema com o seguinte

enunciado:

Sejam A e B dois pontos do plano e O, o ponto médio do segmento AB.

Sejam M um ponto do plano e M’ o simétrico de M em relação ao ponto O.

Traçar a circunferência de centro A passando por M e a circunferência de

centro B passando por M’.

Chamamos I um ponto de interseção destas duas circunferências.

O que acontece com o ponto I quando o ponto M se desloca no plano?

No que se refere às diferenças e semelhanças constatadas nos dois

ambientes, Parzysz afirma que estas afloram nos efeitos induzidos por cada um dos

ambientes, sobretudo o fato de o software Cabri-Géomètre II possibilitar um acesso

demasiadamente fácil à conjectura devido ao seu aspecto dinâmico. Em relação ao

processo de validação, o autor sublinha que a evidência visual da figura funciona

como um obstáculo ao processo de elaboração de demonstrações nos dois

ambientes, porém sendo mais intenso no ambiente Cabri-Géomètre II devido à

grande precisão dos desenhos realizados neste.

A investigação levou o autor a concluir que os futuros professores possuem

um conhecimento geométrico adequado para ensinar Geometria na escola

elementar22, mas este conhecimento não é suficiente para que a maior parte deles

identifique diferenças entre prova perceptiva e demonstração, além de não

compreender que as “figuras” que eles constroem são apenas representações

materiais de objetos teóricos da Geometria abordada nas etapas finais do Ensino

Médio (Lycée).

Parzysz (2006) recomenda uma discussão sobre o status e os papeis da

figura nos ambientes lápis & papel e de geometria dinâmica na formação dos

professores de Matemática, intentando levá-los a reconhecer, em seu discurso e em

suas produções, assim como nas de seus alunos, os paradigmas colocados em

jogo. O autor, ainda, adverte a respeito da inclusão nos dispositivos de formação de

situações geométricas “ambíguas”, isto é, tarefas nas quais um determinado

paradigma não esteja evidenciado, ou a figura se revele enganosa, suscitando

22 Referindo-se ao sistema de ensino francês.

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investigações a seu respeito. Do mesmo modo, é importante o papel do professor

na gestão de debates consecutivos à resolução de tais situações.

Como síntese da apresentação das pesquisas aqui citadas, podemos

observar que o fato de o ambiente de geometria dinâmica se tornar um obstáculo à

elaboração de demonstrações, devido à precisão de seus traçados e do teste de

inúmeros casos devido à movimentação das figuras na tela, é evidenciado nas

conclusões das pesquisas realizadas por Olivero, Paola e Robutti (2003) e por

Parzysz (2006). Pode-se afirmar que tais ambientes colocam em foco a função de

explicação da demonstração (VILLIERS, 2002). Diante deste convencimento que os

ambientes de geometria dinâmica provocam sobre conjecturas formuladas com

base em experimentos neles realizados, é imprescindível que o professor alerte

seus alunos para o fato de que os resultados obtidos nestes ambientes induzem à

certeza da validade destes, mas não explicam o porquê de serem verdadeiros e que

tal explicação apenas é encontrada na Matemática, por meio de argumentações

logicamente encadeadas. Chazan e Houde (1989) sugerem que o professor mostre

a diferença qualitativa entre a prova dedutiva e conjecturas formuladas com bases

em experimentações, enfatizando o conhecimento que o aluno possui sobre a

conjectura por meio de sua investigação no ambiente de geometria dinâmica, e o

que ele sabe após tê-la provado.

2.5 A demonstração na formação do professor de Matemática da Educação Básica

2.5.1 Algumas considerações

O professor de Matemática deve construir, em sua formação inicial e/ou

continuada, um conjunto de conhecimentos matemáticos suficientes para a sua

prática profissional (ministrar aulas) e para a sua formação continuada

(desenvolvimento profissional) (SHULMANN, 1986). Dentre estes conhecimentos,

destaca-se a compreensão da demonstração tanto na Matemática como ciência,

quanto na aprendizagem e ensino da Matemática como disciplina escolar, incluindo

a contribuição para a constituição do raciocínio dedutivo do aluno da Escola Básica,

visando ao seu desenvolvimento cognitivo.

Pesquisas indicam que a discussão sobre o papel da demonstração em

Matemática, sob os aspectos mencionados no parágrafo anterior, não tem se

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efetivado nos cursos de licenciatura em Matemática, na medida necessária para

tornar o futuro professor apto a desenvolver em sala de aula atividades de natureza

dedutiva (DOMINGOS e FONSECA, 2008; GRAVINA, 2001; PIETROPAOLO, 2005;

SERRALHEIRO, 2007).

Nos cursos de bacharelado em Matemática, não existe, entre os formadores

responsáveis por estes cursos, dúvidas sobre abordar ou não as demonstrações.

Nos cursos de licenciatura, no entanto, o ensino e a aprendizagem de

demonstrações diferem de instituição para instituição. Há desde licenciaturas com

ênfase excessiva no estudo das demonstrações, geralmente cursos nos quais

imperou o modelo “3+1”, ou seja, três anos de estudos em Matemática e mais um

ano de disciplinas pedagógica; até licenciaturas nas quais o ensino de

demonstrações restringe-se a alguns teoremas demonstrados em disciplinas

específicas. Mas, na grande maioria, pesquisas apontam a quase inexistência de

reflexão sobre a pertinência do ensino e aprendizagem desta atividade matemática

no Ensino Básico, bem como a discussão a respeito das práticas pedagógicas

adequadas para tal abordagem. (DOMINGOS e FONSECA, 2008; PIETROPAOLO,

2005).

Nos demais cursos de graduação que possuem uma quantidade considerável

de conteúdos matemáticos, geralmente estes são apresentados com uma

abordagem voltada para as aplicações em cada área específica do conhecimento

relativo ao curso. E quando são realizadas algumas demonstrações, estas são

apresentadas pelo professor como algo pronto e intocável, reforçando muitas vezes

a visão de muitos alunos sobre a Matemática como um conhecimento pronto e

organizado, acessível a poucos.

Em todas as situações descritas, nos parágrafos anteriores, persiste o que

Garnica (1995) classifica como leitura técnica da prova rigorosa: as demonstrações

são tratadas como atestado de qualidade para a validade incontestável de

afirmações, apoiadas nas leis da Lógica e indispensável para a inserção no

conhecimento matemático. O autor detecta duas leituras para a prova rigorosa: a

técnica e a crítica. Nesta última, a prova carece de reflexões sobre a sua pertinência

tendo em vista parâmetros estabelecidos pela comunidade matemática, trazendo

para a discussão os limites, obstáculos e relativismos inerentes ao tratamento da

prova rigorosa em sala de aula.

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Pires (2005) ressalta a importância da abordagem conveniente para os

conteúdos matemáticos que integram a formação matemática dos professores.

Segundo esta autora, no que se refere a teoremas, axiomas, definições e provas,

vale observar que o conhecimento de seus enunciados e demonstrações tal como

se apresentam nos livros-texto não é suficiente para a dotar o professor em

formação de habilidades para a resolução de problemas, o que constituirá um

obstáculo para a sua utilização em sala de aula.

A fim de reverter a situação que se anuncia, no parágrafo anterior, faz-se

necessário que os professores sejam formados em ambientes nos quais o

questionamento sobre afirmações prontas, a investigação de situações matemáticas,

a elaboração de conjecturas e discussões sobre a necessidade da demonstração e

a sua produção estejam sempre presentes (FERNANDES e FONSECA, 2008).

2.5.2 A demonstração no currículo da formação inicial de professores da Educação

Básica

Educadores matemáticos acedem que as demonstrações devem ser

trabalhadas, nas aulas de Matemática da Educação Básica, e que este trabalho está

intrinsecamente relacionado com o desenvolvido na formação inicial do professor de

Matemática (PIETROPAOLO, 2005). Esta perspectiva está em acordo com a ideia

de que o professor tem uma forte tendência em reproduzir com seus alunos

situações de sua formação inicial, ainda que inconscientemente. Posto isto, se é

desejável que o professor aborde situações de ensino que envolvam as

demonstrações, então é necessário que este vivencie, em sua formação inicial,

situações semelhantes com as quais vai trabalhar em sua prática profissional, para

que as primeiras funcionem como fonte de inspiração para a elaboração de outros

contextos pelo futuro professor.

Pietropaolo (2005) investigou a demonstração no currículo da Educação

Básica e da Licenciatura em Matemática, buscando significá-la em seus respectivos

contextos bem como identificar as implicações mútuas entre estes dois níveis de

ensino. Suas questões de pesquisa foram assim definidas:

- É desejável e possível desenvolver um trabalho com demonstrações nas aulas de

Matemática em escolas da Educação Básica?

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- Como professores da Educação Básica interpretam produções de “prova” do

Ensino Fundamental e as avaliam?

- Que implicações o desenvolvimento deste trabalho – demonstrações na Educação

Básica – deveria trazer para o curso de formação de professores de Matemática?

Para responder a estes questionamentos, o autor realizou entrevistas

semiestruturadas com dois grupos de professores e analisou além da revisão

bibliográfica.

Foram entrevistados nove doutores, professores de cursos de licenciatura

e/ou pesquisadores em Educação Matemática, e sete professores de Matemática do

Ensino Fundamental (séries finais) e/ou Médio. Os nove doutores integraram o

grupo I, no qual Pietropaolo buscou a “fala da teoria”; e os sete professores

compuseram o grupo II, responsáveis pela “fala da prática”.

Os critérios que nortearam a seleção dos professores dos dois grupos foram,

entre outros, a experiência nos respectivos níveis de ensino, o trabalho com provas

em sala de aula e diversidade de áreas de pesquisa e de disciplinas lecionadas para

os professores do grupo I.

O grupo dos sete professores também analisou provas - de Geometria e de

Álgebra - produzidas supostamente por alunos da oitava série objetivando apontar

que ações desenvolveria com esses alunos, se fosse o professor destes.

As referências teóricas deste trabalho são Balacheff (1987), Healy e Hoyles

(2000), Knuth (2002) e Dreyfuz (2000) com relação ao desenvolvimento da

argumentação e prova nos currículos da Educação Básica.; e Abrantes (2001),

Escudero (1992), Garcia (1999, 2003), Perrenoud (2000), Pires (2000, 2002),

Shulman (1986, 1992) e Garnica (1995, 2002) relacionados à formação de

professores.

Ao fim da análise dos dados, Pietropaolo (2005) pôde concluir que há

consenso sobre a importância das demonstrações nas aulas de matemática da

Educação Básica, mas há necessidade de ampliar o significado de demonstração

para que esta possa ser abordada nas aulas de Matemática deste nível de ensino. A

abordagem da demonstração deve se dar como processo de questionamento, de

conjecturas, de contraexemplos, de refutação, de aplicação e de comunicação,

abandonando o sentido formalista que a caracterizou nos currículos praticados em

outros períodos.

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Também é possível afirmar que as concepções e crenças que os professores

têm sobre o trabalho com demonstrações na Educação Básica funcionam como

obstáculos à implementação de propostas inovadoras. No que tange à formação de

professores, o autor conclui que as demonstrações devem ser incluídas no currículo

dos cursos de licenciatura sob o aspecto matemático e pedagógico, ou seja, estudar

demonstrações porque o licenciando está se graduando num curso de Matemática,

e portanto, precisa estudar este tema, por ser ele inerente à cultura matemática –

aspecto matemático; e por outro lado vivenciar situações análogas àquelas que o

futuro professor vai desenvolver com seus alunos – aspecto pedagógico. Portanto,

é necessário que haja ressignificação das demonstrações nos currículos de

formação inicial para que o professor em formação possa aprender a demonstrar

para si e para ensinar, considerando o aspecto amplo da prova à qual se referiu o

parágrafo anterior.

Pietropaolo (2005) destaca a necessidade de:

estudos sobre as formas pelas quais os alunos se envolvem e lidam com argumentações, conjecturas e demonstrações, além de estudos cujos objetivos sejam a investigação dos progressos dos alunos da Educação ou da Licenciatura, no desenvolvimento do raciocínio dedutivo. Seria igualmente importante investigar o desenvolvimento de demonstrações nas diferentes áreas da Matemática nos cursos de Licenciatura. (p. 226-227).

É importante sublinhar a posição de cinco dos nove educadores matemáticos

participantes do estudo. Eles afirmaram que a Educação Matemática precisa e deve

tematizar as demonstrações, discutir suas potencialidades e limitações nos

currículos de Matemática da Educação Básica e na formação de professores.

Ao término deste capítulo, assinalamos as implicações dos trabalhos

apresentados para a constituição do quadro teórico da nossa pesquisa. A escolha

dos sujeitos pesquisados e do tema – demonstrações em Geometria, foram fruto,

inicialmente, da nossa vivência profissional, mas reforçada pelos resultados das

pesquisas aqui relatadas, que apontaram a necessidade de investigações sobre

demonstrações com professores em formação inicial (PIETROPAOLO, 2005;

DOMINGOS e FONSECA, 2008; SERRALHEIRO, 2007; PARZYSZ, 2006;

CAMARGO, SAMPER E PERRY , 2007).

As situações de aprendizagem, que abarcam a natureza das questões

elaboradas, os ambientes utilizados: papel e lápis e geometria dinâmica, bem como

a nossa atuação junto aos alunos no momento da resolução das questões, foi

influenciada pelos trabalhos de Otte (2003), Villiers (1990), Parzysz (2006), Olivero,

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Paola e Robutti (2003) e Gravina (2001); e pelas orientações de Polya (1995) para a

resolução de problemas.

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71

CAPÍTULO 3

PROBLEMÁTICA E METODOLOGIA

3.1 Problemática

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento que orienta a Educação

Fundamental Brasileira desde 1998, recomendam, de modo tímido, no volume

destinado à Matemática, o trabalho com demonstrações, se comparado com a

ênfase dada a outros recursos e tendências no ensino desta disciplina.

É destacada, neste documento, a importância do exercício da indução e da

dedução como elemento propulsor do desenvolvimento de ações matemáticas nos

alunos, tais como resolução de problemas, formulação e testagem de hipóteses,

indução, generalização e dedução imersas numa determinada lógica. Do mesmo

modo, é ressaltado o valor das experiências materiais como fonte de formulação de

conjecturas. Estas afirmações estão sintetizadas num dos princípios norteadores dos

Parâmetros para o ensino de Matemática:

o ensino de Matemática deve garantir o desenvolvimento de capacidades como: observação, estabelecimento de relações, comunicação (diferentes linguagens), argumentação e validação de processos e o estímulo às formas de raciocínio como intuição, indução, dedução, analogia, estimativa. ( BRASIL, 1998, p.56)

Segundo os PCN, a Geometria é a área da Matemática que possibilitará o

primeiro contato dos alunos com o raciocínio dedutivo, além de beneficiar o

desenvolvimento da capacidade de argumentação e construção de demonstrações.

Mas também atentam para o fato de que o seu estudo não deve se revestir de

formalidade e axiomatização.

Há também um alerta para o tipo de atividade que concretiza determinadas

propriedades geométricas, pois algumas podem distanciar o aluno da prova formal.

É citado, como exemplo, um quebra-cabeças plano para verificar o teorema de

Pitágoras. Este material concreto se relaciona com uma demonstração para o

teorema, por meio da aditividade de áreas. Por outro lado, a verificação de que a

soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180º, concretizada

pela decomposição e composição de um modelo material de um triângulo, não tem

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correspondência com nenhuma demonstração para esta propriedade, cuja prova se

baseia em axiomas e teoremas sobre um par de retas paralelas.

Nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (1998) e os PCN+

Matemática (2002), não há orientação explícita para o trabalho com demonstrações.

Apenas afirmam que o aluno de Ensino Médio deve aprender a valorizar a

demonstração como instrumento de validação do conhecimento matemático. As

Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) indicam que o ensino de

Matemática neste nível deve possibilitar ao aluno ver esta ciência com

características próprias, fundada em teoremas e demonstrações. Também colocam

a Geometria como a área da Matemática na qual os alunos têm a oportunidade de

contemplar mais intensamente o lado axiomático desta. Este aspecto também é

sublinhado por Polya (1995).

Retomamos, de modo sintetizado, os principais resultados das pesquisas

apresentadas, no capítulo anterior, pois estas integram parte substancial da

problemática. A inferência de que as demonstrações, em especial em Geometria,

não são trabalhadas nos cursos de licenciatura em Matemática, na medida

necessária para que os futuros professores possam abordá-las com seus alunos da

Educação Básica, é assinalada nos trabalhos de Serralheiro (2007), Pietropaolo

(2005), Domingos e Fonseca (2008), Gravina (2001).

A diferença entre as validações empíricas e teóricas, bem como a

conscientização do aluno sobre a necessidade desta última, constituem pontos não

enfatizados nas aulas de Matemática (SERRALHEIRO, 2007; PARZYSZ, 2006) e

nos livros analisados por Carlovich (2005), além de estes não contemplarem a

articulação G1-G2.

As implicações do trabalho com os softwares de geometria dinâmica para as

investigações de problemas em Geometria, visando à elaboração de conjecturas e

suas possíveis demonstrações são pontuadas por diversos pesquisadores. Gravina

(2001) sublinha a necessidade de estudos de uma tipologia dinâmica para os

sistemas clássicos da Geometria e a formulação de teoremas geométricos como

problemas abertos. Villiers (2002) e Otte(1999) atentam para o fato de que a fase de

experimentação antecede a fase da construção da demonstração, e assinalam a

contribuição dos softwares de geometria dinâmica para a primeira fase. Este último

aspecto é também pontuado pelos pesquisadores citados no item 2.4 desta Tese.

Mas um aspecto ambíguo da experimentação em ambientes de geometria dinâmica

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é levantado por Olivero, Paola e Robutti (2003) e Parzysz (2006). Segundo eles, ao

mesmo tempo que incentivam a formulação de conjecturas, tais ambientes podem

provocar um convencimento de tal modo que levem os alunos a imaginar ser

desnecessária a demonstração destas conjecturas.

A urgência de estudos sobre aspectos da demonstração na licenciatura em

Matemática é pontuado por Pietropaolo (2005). Este autor ainda aponta para a

necessidade de pesquisas sobre as formas de envolvimento dos alunos com

argumentações, conjecturas e demonstrações.

Diante do exposto nos parágrafos anteriores, surge uma interrogação: Os

cursos de licenciatura em Matemática estão preparando os futuros professores para

trabalhar as demonstrações nos termos expressos nos PCN’s? Pesquisas relatadas,

em capítulos anteriores, apontam que não. Portanto, há necessidade de

investigações que produzam encaminhamentos de como preparar o professor em

formação para realizar com seus alunos tarefas de cunho investigativo.

Com base nas leituras feitas e, consequentemente, com base nos resultados

das pesquisas relatadas, formulamos os seguintes objetivos:

1- Fazer com que os alunos evoluam na construção do raciocínio hipotético-

dedutivo a partir da interação com atividades de construção geométrica e

demonstração;

2- Estudar a suficiência dos níveis de raciocínio geométrico elaborados para

compreensão das produções dos alunos.

A partir destes objetivos, as questões que conduzirão nossa investigação são

enunciadas a seguir:

1- Que articulações podemos inferir entre os níveis de raciocínio geométrico

propostos por Parzysz (2001, 2006) e os tipos de prova propostos por

Balacheff (1987), quando os alunos mobilizam seus conhecimentos para

resolver problemas relativos à demonstração em Geometria?

2- Qual a influência da utilização de softwares de geometria dinâmica na

construção de argumentações por alunos do curso de Licenciatura em

Matemática?

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3.2 Metodologia

Nosso trabalho de pesquisa tem seu foco voltado para a sala de aula. Nosso

interesse é investigar o que ocorre quando alunos da licenciatura em Matemática

utilizam softwares de geometria dinâmica para apoiar a elaboração de conjecturas e

suas posteriores demonstrações, além de identificar articulações entre os níveis de

raciocínio geométrico do sujeito segundo Parzysz (2001, 2006) e os tipos de prova

delineados por Balacheff (1987). A análise dos dados provenientes desta

observação será o alicerce sobre o qual se erguerão as nossas propostas para o

ensino de demonstrações em Geometria, na licenciatura em Matemática, objeto de

estudo desta investigação.

A elaboração do objetivo e das questões de pesquisa nos conduziram a

eleger a pesquisa de natureza qualitativa como metodologia mais adequada ao

estudo que pretendemos desenvolver. Por outro lado, nosso trabalho trata de um

estudo diagnóstico, pois submete o objeto de estudo à influência de certas variáveis,

em condições controladas e conhecidas por nós (o uso dos ambientes papel e lápis

e geometria dinâmica). Deste modo, lançamos mão de aspectos de um estudo de

caso, cuja unidade de estudo é o conjunto formado por três duplas de alunos.

3.2.1 Caracterização da pesquisa

A conceituação de pesquisa qualitativa é envolvida em contradições e

diferentes interpretações, sendo a dicotomia entre esta e a pesquisa quantitativa a

polêmica mais comum (REY, 2002). D’Ambrosio (2004) relata que a pesquisa

qualitativa ganhou força com as pesquisas em Psicologia, tendo no trabalho de

Piaget uma importante influência no que diz respeito à utilização de estudos de

casos e método clínico para a validação de uma pesquisa.

O início da pesquisa qualitativa em Educação Matemática confunde-se com o

estabelecimento desta última como ciência, e portanto, como área de pesquisa. As

ações para o desenvolvimento desta nova área “estimularam a pesquisa de natureza

qualitativa” (D’AMBROSIO, 2004, p. 19).

Mas o que é pesquisa qualitativa? Citamos, na sequência, três autores

que buscam clarear a compreensão.

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A pesquisa qualitativa, também chamada de pesquisa naturalística, tem como foco entender e interpretar dados e discursos, mesmo quando envolve grupos de participantes. (D’AMBROSIO, 2004, p. 12) Segundo a minha concepção, o adjetivo “qualitativa” estará adequado às pesquisas que reconhecem: (a) a transitoriedade de seus resultados; (b) a impossibilidade de uma hipótese a priori, cujo objetivo da pesquisa será comprovar ou refutar; (c) a não neutralidade do pesquisador que, no processo interpretativo, se vale de suas perspectivas e filtros vivenciais prévios dos quais não consegue se desvencilhar; (d) que a constituição de suas compreensões dá-se não como resultado, mas numa trajetória em que essas mesmas compreensões e também os meios de obtê-las podem ser (re)configurados; (e) a impossibilidade de estabelecer regulamentações, em procedimentos sistemáticos, prévios, estáticos e generalistas. (GARNICA, 2004, p. 86) Na pesquisa qualitativa, a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc. (GOLDENBERG, 2000, p. 14)

Ao analisar o que dizem os autores, nesta seção, observamos diferentes

aspectos de uma pesquisa qualitativa. D’Ambrosio (2004) enfatiza a natureza do

objeto a ser pesquisado – dados e discursos. Garnica (2004) coloca o foco nos

meios, procedimentos e compreensão dos resultados obtidos durante e ao final da

pesquisa. Goldenberg (2004) refere-se à preocupação com a compreensão de fatos

restritos ao grupo pesquisado.

D’Ambrosio (2004) considera mais legítimo “relatar sobre pesquisas” no lugar

metodologia de pesquisa. Nós diríamos relato de pesquisa, com todas as idas e

vindas, as dúvidas, o caminho, quase sempre tortuoso para o estabelecimento da

questão de pesquisa, a escolha do referencial teórico, as análises e as afirmações

possíveis ao final destas análises.

Deste modo, ao escrever este capítulo sobre a metodologia de pesquisa

utilizada nesta investigação, resolvemos “tomar” a pesquisa em nossas mãos,

relatando como construímos nossa metodologia ao longo do trabalho.

Os objetivos da pesquisa, o objeto de estudo e os instrumentos que julgamos

adequados para a coleta de dados nos aproximaram de um estudo de caso, que é

uma pesquisa de natureza qualitativa (GIL, 2009).

Segundo este autor, há diferentes definições e compreensões do que venha a

ser um estudo de caso, mas pode-se afirmar que estudo de caso é um delineamento

no qual são usadas variadas técnicas de coleta de dados, tais como a observação, a

entrevista e a análise de documentos. Dentre as definições apresentadas,

escolhemos a que melhor se alinha aos nossos propósitos: O estudo da

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particularidade e da complexidade de um simples caso” (STAKE, 1995, p.xi, apud

GIL, 2009, p. 6).

Apesar da diversidade de entendimentos sobre o que é estudo de caso, Gil

(2009) apresenta a definição deste por meio da identificação de suas características

essenciais. Na sequência, apresentamos tais características, exemplificando com

aspectos da nossa pesquisa.

A primeira característica identificada por Gil(2009) é o fato de o estudo de

caso ser um delineamento de pesquisa, não podendo ser confundido com método,

técnica, estratégia ou tática para coleta de dados. Este aspecto está presente em

nossa investigação, uma vez que envolve as fases de formulação e delimitação do

problema de pesquisa, escolha da amostra, seleção dos instrumentos de coleta de

dados e análise dos mesmos, assim como a teoria que apoiará tal análise. O

segundo atributo é a preservação do caráter unitário do fenômeno pesquisado, ou

seja, o objeto de estudo é tomado em sua totalidade, em nossa investigação, na

qual a unidade é o conjunto das três duplas formadas por alunos do sexto período

de licenciatura em Matemática. Tais alunos serão caracterizados mais adiante neste

texto.

A contemporaneidade do fenômeno relacionado ao objeto de estudo é a

terceira característica, isto é, a sua ocorrência se dá no momento da realização da

pesquisa. Na nossa investigação, o fenômeno foi a realização da atividade proposta

pelos alunos que compunham o estudo de caso, no ambiente de sala de aula. Este

aspecto evidencia a inseparabilidade do fenômeno de seu contexto, que é a quarta

característica do estudo de caso.

A profundidade do estudo possibilitada pela variedade de dados obtidos, por

exemplo, por meio de entrevistas semiestruturadas, é a quinta característica desta

pesquisa. Em nossa investigação, o nível de profundidade foi garantido pelos

métodos de coletas de dados (entrevista semiestruturada, observação participante,

registros escritos e eletrônicos dos alunos e gravação em áudio dos diálogos entre

os alunos), que nos possibilitaram a visualização de diferentes aspectos. E

finalmente, destaca-se a sexta e última característica que diz respeito à utilização de

múltiplos procedimentos de coleta de dados, aspecto contemplado na presente

investigação, na qual lançamos mão da observação, registros escritos e eletrônicos

dos alunos e entrevista.

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Observamos acontecer, no desenrolar de nosso trabalho, um

amadurecimento da questão de pesquisa vinculada à análise dos dados obtidos. No

início, este fato nos desconcertou, pois tal indefinição nos levava a creditá-la a um

planejamento incompleto. Até que encontramos, em Rey (2002), uma explicação

para o que estava ocorrendo com os rumos do nosso trabalho:

O problema no tipo de pesquisa que defendemos não necessita ser definido perfeitamente no momento inicial da pesquisa, pois dele não dependem diretamente os outros momentos daquela; só representa um primeiro momento na concepção de se deseja pesquisar; portanto, mais que uma construção acabada do problema, representa uma construção em processo, que irá desenvolver em direção de novas e diversas formas (REY, 2002, p. 72)

Este aspecto está em concordância com o afirmado por Martins (2008), pois

segundo este autor, dificilmente as questões de pesquisa não são alteradas ao

longo do processo, devido à dinâmica inerente ao estudo de caso.

Segundo Rey (2002), a definição de hipóteses formais não é exigida na

pesquisa qualitativa, uma vez que esta não tem a pretensão de provar nem de

verificar, mas sim de construir. A prova ou a verificação surgem como momentos do

processo de pesquisa, e não como um fim em si mesma. Um outro momento

considerado pelo autor é a revisão bibliográfica, pois dela emergem as ideias que

influenciarão a definição do problema. Ainda com relação aos momentos da

pesquisa, Rey (2002) destaca que o momento da coleta de dados e o da análise

caminham juntos ao longo do trabalho. Pudemos observar este aspecto em nossa

trajetória, pois ao observar e descrever os dados obtidos, muitas reflexões foram

surgindo, e testemunhamos a inseparabilidade de tais momentos.

Gil (2009) comenta que pesquisas com propósitos exploratórios, descritivos e

explicativos podem ser desenvolvidos como estudos de caso:

De fato, são adequados para ampliar o conhecimento do pesquisador acerca de fenômenos ainda pouco conhecidos. Também podem ser desenvolvidos com o propósito de formulação de problemas para uma investigação mais criteriosa, bem como para a formulação de hipóteses. [...] O que caracteriza este estudo é fato de não serem definitivos, já que visam subsidiar a realização de pesquisas futuras. Mas isto não significa que possam ser realizados sem rigor. Basta considerar que os estudos de Piaget sobre o desenvolvimento intelectual das crianças fundamentaram-se no estudo de poucos casos (seus três filhos), mas foram desenvolvidos com notável rigor.(GIL, 2009, p. 14).

Nossa investigação encaixa-se nestes propósitos, pois pretende diagnosticar

os elementos do conhecimento do licenciando, quando este resolve um problema de

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demonstração em Geometria. Constitui-se, portanto, como um estudo descritivo e

exploratório, do qual podem aflorar indicações de pesquisas futuras.

Nós optamos por estabelecer os objetivos após a definição das questões de

pesquisa. Esta opção foi devida a necessidade de clarificação das etapas a serem

cumpridas e do foco da análise durante a realização da investigação. Observamos

que esta é uma orientação de Gil (2009).

Ao estabelecer os instrumentos de coleta de dados, nos preocupamos em

formular os instrumentos que nos permitissem recolher os dados que julgávamos

necessários ao esclarecimento de nossas indagações iniciais.

E assim, elaboramos a atividade descrita no item 2.2 desta Tese, para ser

resolvida no ambiente papel e lápis e no ambiente de geometria dinâmica Geogebra.

Os alunos foram observados durante toda a resolução da atividade nos ambientes

papel e lápis e Geogebra, pois a observação é uma das mais importantes técnicas

de coleta de dados num estudo de caso (GIL, 2009; MARTINS, 2008). A observação

possibilita a obtenção de dados que passariam despercebidos em outra forma de

coleta, além de conferir riqueza, profundidade e singularidade às descrições obtidas

(MARTINS, 2008). Por exemplo, nesta pesquisa, alguns resultados só foram

possíveis porque atuamos como observadora, mais precisamente como observadora

participante. Esta modalidade de observação supõe uma integração do pesquisador

com o sujeito observado, no qual este aceita ser observado e é ciente dos objetivos

da pesquisa. Mas há de atentar-se para não ocorrer a contaminação que se dá pelo

viés de partilha de valores e perspectivas de sua cultura, assim como o viés

profissional – ideológico, além dos emocional e normativo sobre a natureza do

comportamento humano (MARTINS, 2008). A fim de afastar a possibilidade de

contaminação em nosso trabalho, elaboramos as análises didática e matemática de

cada questão da atividade. Este procedimento também orientou a observação, ou

seja, evidenciou o que deveria ser observado, imprimindo objetividade e

imparcialidade ao trabalho de observação.

Sempre que se fez necessário, retornamos aos alunos para esclarecer fatos

observados e não compreendidos, utilizando, então, entrevistas semiestruturadas

com as duplas participantes. Estas entrevistas não estavam previstas em nosso

cronograma estabelecido a priori. Sentimos necessidade de conversar com os

alunos, após a transcrição de dados de áudio. A entrevista é:

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[...] uma técnica de pesquisa para coleta de dados cujo objetivo básico é entender e compreender o significado que os entrevistados atribuem a questões e situações, em contextos que não foram estruturados anteriormente, com base nas suposições e conjecturas do pesquisador. (MARTINS, 2008, p. 27).

Em nossa pesquisa, utilizamos a entrevista semiestruturada pois houve uma

pergunta predeterminada e as demais foram surgindo em função das respostas do

entrevistado.

Portanto, os instrumentos de coleta de dados foram as atividades resolvidas

pelos alunos de modo escrito nos dois ambientes; os arquivos construídos pelos

alunos no software Geogebra durante a resolução da atividade em tal ambiente; as

gravações de áudio dos diálogos dos alunos e as observações da pesquisadora.

Estes dois últimos desenvolvidos durante a resolução da atividade, nos dois

ambientes, além de uma entrevista semiestruturada.

Um aspecto do estudo de caso é a construção de uma teoria ou o

desenvolvimento e/ou o aperfeiçoamento de uma já existente (MARTINS, 2008).

Pretendemos, na nossa pesquisa, elaborar uma articulação entre os níveis de

raciocínio geométrico identificados por Parzysz (2001, 2006) e os tipos de prova

descritos por Balacheff (1987), ancorados nos dados coletados. Deste modo,

estaremos partindo de duas teorias preliminares, para estabelecer um possível

diálogo entre elas.

Martins (2008) alerta para a adequação das definições, num estudo de caso,

uma vez que um termo pode ter muitos significados, dependendo do contexto. E,

como num trabalho científico, não deve haver ambiguidade na compreensão dos

objetos, sob pena de comprometer a validade dos resultados obtidos, é mister a

elaboração de definições claras e inconfundíveis. Em nossa pesquisa, preocupamo-

nos em apresentar definições compatíveis com o referencial teórico adotado.

Após o exposto, afirmamos que a nossa escolha recaiu sobre a aplicação de

atividades que deveriam ser desenvolvidas tanto em ambiente papel e lápis como

em ambiente de geometria dinâmica Geogebra. Os seis alunos que participaram da

pesquisa cursavam o 6.º período de um curso diurno de licenciatura em Matemática

de uma instituição pública, localizada no interior do Estado do Rio de Janeiro. Tal

curso possui sete períodos, portanto já cursaram mais de 80% da graduação. A

pesquisadora os conhece desde o 1.º período do referido curso, quando foram seus

alunos na disciplina Geometria I.

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Tais alunos estudaram dois períodos de Geometria Plana Euclidiana e dois

períodos de Geometria Espacial Euclidiana, sabiam utilizar os recursos dos

ambientes de geometria dinâmica, pois tiveram um período da disciplina Educação

Matemática e Tecnologia, na qual realizaram um estudo instrumental e pedagógico

de vários softwares gratuitos, entre os quais se incluem Régua e Compasso e

Geogebra.

3.2.2 A atividade

3.2.2.1 As questões da atividade

O objetivo da atividade era diagnosticar os conhecimentos e as estratégias de

resolução que o aluno mobiliza para responder esta questão no ambiente papel e

lápis e no ambiente de geometria dinâmica Geogebra, além de diagnosticar os níveis

de raciocínio geométrico propostos por Parzysz (2001, 2006) e os tipos de provas

concebidos por Balacheff (1987), buscando identificar elementos que nos

permitissem estabelecer relações entre essas duas teorias.

Foi elaborada uma atividade com duas questões, que envolviam conteúdos

geométricos relativos ao Ensino Médio. As atividades não continham fase de

familiarização com o software, porque o que se pretendia verificar pressupunha que

os alunos já tivessem domínio do seu funcionamento básico.

As questões caracterizavam-se como problemas23, uma vez que para a sua

resolução não havia estratégias preestabelecidas pela teoria geométrica. As

questões foram pensadas para que os alunos investigassem as situações descritas

na atividade, tendo como ferramentas opcionais no ambiente papel e lápis, os

instrumentos de desenho – par de esquadros graduados e compasso; e no ambiente

de geometria dinâmica Geogebra, as ferramentas disponibilizadas no software, que

os alunos poderiam usar de modo livre. Em seguida, era solicitada uma justificativa

para a solução apresentada.

A aplicação da atividade da fase experimental teve sua primeira etapa, no dia

10 de dezembro de 2008; e durou três horas-aula. Das três duplas que aceitaram

23 Adotou-se neste trabalho a concepção de problema dada por Polya (1995), segundo a qual um problema é uma questão para a qual não se dispõe de um estratégia que permita a sua solução imediata.

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participar voluntariamente, fora do horário normal de aula, apenas uma

(Rita/Guilherme) compareceu ao encontro, sendo que as outras (Diana/Patrícia e

Helena/Júlia) participaram da mesma atividade na semana seguinte. Foi solicitado à

dupla que participou da primeira etapa que não relatasse as outras duas duplas o

teor da atividade e o ocorrido naquele encontro. O comportamento de tais duplas,

durante as atividades, atestou que a orientação foi acatada24.

As duas questões que compunham o instrumento para coleta de dados foram

entregues aos alunos individualmente e por escrito. Foram disponibilizadas folhas

em branco, compasso e par de esquadros graduados ( sendo um de 300 e outro de

450) e os alunos foram orientados a não apagar nenhum desenho, para que

pudéssemos identificar todos os rastros das estratégias por ele construídas. Nós

atuamos como gestora da atividade, observando os alunos e fazendo pequenas

intervenções nos momentos de bloqueio dos mesmos.

3.2.2.2 A primeira questão

A primeira questão teve o seguinte enunciado:

É sempre possível construir uma circunferência tangenciando três

lados de um quadrilátero convexo? Justifique sua resposta.

A fim de orientar a nossa análise, a resolução prevista foi esquematizada em

fases conforme quadros 3 e 4. A ordenação das fases não determina uma ordem

obrigatória de ocorrência, exceto a fase 4.

FASE ETAPA DE RESOLUÇÃO

Fase 1 Percepção de que o ponto de interseção das bissetrizes de

dois vértices consecutivos do quadrilátero é o centro da circunferência procurada.

Fase 2 Determinação do raio da circunferência.

Fase 3 Constatação de que os pontos de tangência têm que pertencer aos lados do quadrilátero.

Fase 4 Registro escrito da justificativa. Quadro 3: Indicação das fases de resolução da primeira questão

3.2.2.3 A segunda questão

A segunda questão foi enunciada da seguinte forma:

24 Os nomes que aparecem no relato e análise são fictícios.

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Considere um quadrilátero ABCD, o ponto médio M de CD e o ponto P,

interseção da diagonal AC com o segmento BM. Estude a relação entre as áreas

dos triângulos ABP e MCP nos casos em que ABCD é:

a) paralelogramo;

b) trapézio;

c) quadrilátero convexo qualquer.

As fases da resolução previstas estão descritas no quadro a seguir:

FASES ETAPA DA RESOLUÇÃO

Fase 1 Constatação da existência de dois pares de ângulos congruentes nos triângulos ABP e MCP.

Fase 2 Constatação de que os triângulos ABP E MCP são semelhantes pelo caso AA.

Fase 3 Aplicação da relação entre as áreas de duas figuras planas semelhantes.

Fase 4 Registro escrito da justificativa.

Quadro 4: Indicação das fases de resolução da segunda questão

3.2.3 Os ambientes utilizados

Para responder às questões de pesquisa, tal atividade foi desenvolvida em

dois ambientes: o ambiente papel e lápis e o ambiente de geometria dinâmica

Geogebra. A ordem escolhida dos ambientes de resolução, primeiro o ambiente

papel e lápis; e, depois, o ambiente Geogebra, foi devida à hipótese adotada neste

trabalho de que tais ambientes possibilitam situações enriquecedoras de

investigação geométrica e construção de conhecimentos geométricos conforme os

resultados de Gravina (2001). Visava-se observar o que os alunos seriam capazes

de produzir num ambiente com número menor de recursos, ou seja, no ambiente

papel e lápis, o aluno não teria disponíveis ferramentas eletrônicas de medição e de

movimentação da figura construída. Estariam disponíveis os instrumentos de

desenho geométrico a saber: par de esquadros graduados e compasso, dos quais

os alunos poderiam lançar mão caso julgassem necessário, pois no enunciado não

havia recomendação expressa para o seu uso.

O objetivo foi, assim, verificar o que o ambiente de geometria dinâmica

acrescentaria à resolução desenvolvida no ambiente papel e lápis pelos alunos. A

opção pelo software Geogebra se deu pelo fato de este ser um software gratuito e

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83

possuir os as ferramentas necessárias à resolução das questões propostas na

atividade desta pesquisa.

3.2.3.1 O ambiente de geometria dinâmica Geogebra

O Geogebra 25 é um software de geometria dinâmica que foi criado e

desenvolvido por Markus Hohenwarter26. Este autor buscava um instrumento que

tivesse recursos geométricos e algébricos e se adequasse ao ensino de Matemática.

O software Geogebra é classificado como software livre, o que significa que é

isento de custos para o usuário, fator que concorreu para a sua escolha neste

trabalho. A versão utilizada do software Geogebra foi a 3.0.

Este software apresenta uma interface simples, com cinco regiões definidas:

A Barra de Menus, a Barra de Ferramentas, a Janela de Visualização, a Janela de

Álgebra27 e o Campo de Entrada. Todo objeto desenhado na janela de visualização

é representado também por coordenadas e equações, no campo da Geometria

Analítica. Por exemplo, se construímos um ponto, ou uma circunferência, ou ainda

uma reta, na janela de álgebra, são imediatamente exibidas as coordenadas deste

ponto, e a equação da circunferência e da reta (Figura 9 ):

25 Disponível em www.Geogebra.org. Acesso em 28 jul 2009. 26 O software Geogebra foi desenvolvido no âmbito da tese de doutorado deste autor, na Universidade de Salzburgo, Áustria. 27 A denominação Janela de Álgebra é creditada ao autor do software Geogebra.

Figura 9: Tela do software Geogebra com as cinco regiões.

Janela de Álgebra

Janela de Visualização

Barra de Menus

Barra de Ferramentas

Campo de

Entrada

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Na figura 9, na janela de álgebra, são exibidas as coordenadas dos pontos A,

B. C. D e E, e as equações da reta e da circunferência.

Outro diferencial deste software é a forma de inserção de dados que pode ser

pela Barra de Ferramentas ou por meio do Campo de Entrada. A Barra de

Ferramentas é parecida com as similares de outros softwares de geometria

dinâmica, e por meio desta se tem acesso às ferramentas utilizadas em construções

geométricas (Figura 10):

Os objetos construídos são classificados em livres ou dependentes, e este

status fica visível na janela de álgebra.

A cor dos objetos define o seu grau de independência: a cor azul escuro

indica os objetos livres que podem ser movimentados; a cor azul claro indica objetos

que podem ser movimentados parcialmente, por exemplo, um ponto colocado sobre

uma circunferência ou reta, apenas pode mover-se sobre estas; e a cor preta indica

os objetos dependentes, que não podem ser movidos de modo independente.

O campo de entrada é utilizado para inserir objetos por meio de sua

representação algébrica. Por exemplo, se digitarmos no campo de entrada y = x+2, e

Figura 10: Tela do software Geogebra exibindo as opções em um dos ícones

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acionarmos a tecla enter, surgirá na janela de visualização a reta que representa tal

equação.

As ferramentas necessárias à resolução da atividade estavam na Barra de

Ferramentas, mas alguns alunos utilizaram o Campo de Entrada. Uma ferramenta

importante para a análise dos dados foi o Protocolo de Construção, acessível pela

Barra de Menus, opção Exibir. Por meio deste recurso, tivemos acesso ao roteiro de

construção de cada aluno (Figura 11) e, consequentemente, às opções de cada um

para as construções durante a resolução da atividade.

As setas localizadas, na parte inferior da janela do protocolo de construção,

permitem rever a construção passo a passo. Este recurso possibilitou-nos dirimir

dúvidas nas construções efetivadas pelos alunos nesse ambiente.

3.2.4 Alguns aspectos da coleta de dados

O tempo de resolução

Figura 11: Protocolo de construção de uma figura feita por um aluno

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Foi planejado que a atividade seria resolvida, em dias distintos, cada um

deles dedicado a um dos ambientes citados, e os alunos poderiam usar o tempo que

necessitassem. A opção por dias distintos correu em função da fadiga que os alunos

poderiam apresentar ao resolver a atividade, o que poderia prejudicar o seu

desempenho na resolução das questões. O espaçamento entre os dias escolhidos

para a aplicação da atividade − uma semana, foi consequência da disponibilidade

dos alunos, uma vez que estes eram voluntários.

A resolução em grupo

Ao agrupar os alunos em duplas, objetivou-se criar um atmosfera na qual eles

fossem impelidos a falar sobre o que estavam pensando e fazendo, de modo que

fosse possível o registro oral de elementos do raciocínio utilizado por eles na

resolução do problema.

3.2.5 Processo de análise dos dados

Os dados foram analisados à luz do referencial teórico apresentado no

capítulo I. A análise foi realizada tomando inicialmente os dados relativos à primeira

questão. Em seguida, foram analisados os dados da segunda questão. Por fim,

efetivamos uma análise geral, buscando responder às questões de pesquisa.

Os dados colhidos foram confrontados com a análise teórica elaborada por

nós e exposta no capítulo IV.

Além dos momentos de resolução da atividade, ocorreu um terceiro momento,

no qual realizamos uma entrevista com uma dupla de cada vez, quando foram

esclarecidos alguns fatos didáticos observados durante os dois momentos

anteriores.

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CAPÍTULO 4

FASE EXPERIMENTAL E ANÁLISE

Neste capítulo, é apresentada a análise teórica e o desenvolvimento da

atividade.

A análise teórica de cada questão foi dividida em análise matemática e a

análise didática. A primeira contém a descrição da resolução de cada questão, e a

análise didática traz as possíveis estratégias dos alunos para resolver a questão,

além da análise de dificuldades que os alunos poderiam apresentar, feita a partir dos

resultados das pesquisas já citadas. O objetivo da análise teórica foi subsidiar a

coleta e a análise de dados, clarificando os pontos que deveriam ser observados.

Na análise, usaremos o termo variável didática que é entendido como escolha

do professor cuja presença ou ausência podem modificar o resultado apresentado

pelo aluno. Uma das variáveis didáticas neste experimento é o ambiente no qual se

desenvolveu a tarefa (ambiente papel e lápis e geometria dinâmica Geogebra).

Outras variáveis didáticas próprias de cada ambiente serão explicitadas na análise

teórica dos mesmos.

4.1 A análise teórica da questão 1

A seguir, é apresentada a análise teórica da questão 1 cujo enunciado era:

É sempre possível construir uma circunferência tangenciando três lados de um

quadrilátero convexo? Justifique sua resposta.

4.1.1 Análise matemática no ambiente papel e lápis

Estratégia de resolução

Com papel e lápis, esboçar e/ou construir um quadrilátero ABCD qualquer.

Como a circunferência tangencia os três lados, o centro desta é equidistante dos

lados. O ponto que possui a propriedade de ser equidistante dos três lados é a

interseção das bissetrizes de dois ângulos internos consecutivos, pois os pontos

equidistantes dos lados de um ângulo pertencem à bissetriz deste ângulo. Mas é

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preciso atentar para o fato de o ponto de tangência ter que pertencer aos lados do

quadrilátero, e isto não ocorre sempre. Na Figura 12, temos o quadrilátero ABCD

com a circunferência de centro O tangenciando três lados (AB, BC e AD). Na mesma

figura, observamos, no quadrilátero ABCE, que a circunferência construída não

tangencia o quadrilátero em três lados, pois o ponto de tangência T1 não pertence ao

lado AE.

O ponto de encontro das bissetrizes, que é o centro da circunferência

solicitada, é sempre interno ao quadrilátero convexo. Portanto, é possível construir

uma circunferência tangenciando três lados de um quadrilátero convexo, desde que

os pontos de tangência pertençam aos lados deste quadrilátero. Ou, seja, é

necessário identificar a condição de existência da circunferência procurada.

Conhecimentos matemáticos envolvidos

Os conhecimentos matemáticos envolvidos são quadrilátero convexo,

bissetriz de ângulo, propriedade dos pontos da bissetriz de um ângulo, propriedade

da reta tangente a uma circunferência. Têm-se, ainda, os conhecimentos

procedimentais, como traçar uma bissetriz, determinar uma perpendicular a um

segmento por um ponto fora deste, manipular compasso e régua.

Figura 12: Quadrilátero construído pela autora com par de esquadros e compasso

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4.1.2 Análise didática no ambiente papel e lápis

Se o aluno optar por desenhar o quadrilátero com o instrumental de desenho,

e utilizando processos geométricos, precisará determinar o centro da circunferência

que tangencia os três lados do quadrilátero. Para determinar a solução procurada, é

preciso que o aluno varie o comprimento do lado do quadrilátero de modo a obter

uma situação na qual o ponto de tangência não pertencerá a um dos lados. Ou seja,

o aluno não pode satisfazer-se com a análise de uma única figura construída, mas

deve buscar outras configurações para responder à questão colocada. Caso ele não

modifique o comprimento dos lados, não chegará à solução correta, respondendo

que sempre é possível construir uma circunferência tangenciando três lados de um

quadrilátero. O fato de o aluno precisar modificar o comprimento de um dos lados do

quadrilátero pode constituir um entrave para obter a resposta correta no ambiente

papel e lápis.

Um outro obstáculo é o grau de precisão da figura construída, pois este

depende da qualidade dos instrumentos de desenho, por exemplo, um compasso

sem ajuste ou com ponta de grafite mal feita comprometem a construção do mais

habilidoso desenhista. Depende também da familiarização com os instrumentos e

das habilidades. Este aspecto está relacionado à problemática da precisão

identificada por Parzysz (2001), segundo a qual aspectos relacionados à precisão de

construção de uma figura influenciam na validação de uma conjectura. A

problemática da precisão está relacionada à geometria G1; portanto, o aluno que

utilize procedimentos de comparação e de medição para validar uma afirmação,

estará no nível de desenvolvimento correspondente à geometria G1. E estes

procedimentos podem conduzi-lo a uma solução errônea. O problema está na

generalização a partir de uma única construção geométrica, sem sofrer o processo

de abstração, que inclui a passagem do desenho para a figura nos termos de

Laborde (1994). E a justificativa produzida será uma prova do tipo empirismo

ingênuo.

Por outro lado, se o aluno realiza a construção geométrica descrita na análise

matemática, isto significa que ele está usando a validação teórica; e, portanto,

relacionado à problemática da dedução (PARZYSZ, 2001), neste caso representado

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pela busca do contraexemplo. Podemos afirmar que este procedimento do aluno nos

permite localizá-lo no nível de raciocínio geométrico G2.

Segundo o apresentado no capítulo I, os tipos de provas possíveis são o

empirismo ingênuo, a experiência crucial, o exemplo genérico e a experiência mental

(BALACHEFF, 1987). Pode ocorrer uma justificativa (empirismo ingênuo) baseada

apenas na figura que o aluno construiu, por exemplo: o aluno faz uma única

construção na qual a circunferência tangencia/não tangencia os três lados, e daí ele

afirma que é possível/não é possível uma circunferência tangenciar três lados de um

quadrilátero convexo. Nesta situação, provavelmente ele não utilizou o processo

descrito, na análise matemática, pois se o tivesse utilizado, já teria uma justificativa

(exemplo genérico). Se ele redige esta justificativa utilizando uma linguagem

apropriada a uma demonstração matemática, então, podemos inferir que tal

justificativa é uma prova do tipo experiência mental.

.Uma outra possibilidade é o aluno experimentar vários quadriláteros notáveis,

tais como retângulo, quadrado, trapézio e losango, e tentar construir uma

circunferência tangente aos três lados destes quadriláteros. Para fazer estas

construções, ele não necessita do processo descrito na nossa análise matemática.

Dependendo do resultado, ele pode inferir que é possível ou não uma circunferência

tangenciar três lados de um quadrilátero, e daí, buscar um respaldo teórico para o

observado em suas experimentações, inclusive, testando um quadrilátero qualquer.

Este tipo de conduta desencadearia uma prova do tipo exemplo genérico. Caso o

aluno não busque a teoria para explicar a sua observação, ele poderá justificar que é

sempre possível uma circunferência tangenciar três lados de um quadrilátero porque

ele constatou este fato em várias construções. Deste modo, teríamos um prova do

tipo experiência crucial. Deste modo, seu nível de raciocínio geométrico seria G1.

Para produzir uma prova do tipo experiência mental, o aluno poderá apenas

esboçar um quadrilátero qualquer, e considerando-o como uma figura genérica,

estudar as possibilidades de solução, buscando sempre a validação teórica. Este

procedimento coincide com o descrito por Parzysz para o nível de raciocínio

geométrico G2.

4.1.3 Análise matemática no ambiente geometria dinâmica Geogebra

Estratégia de resolução

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Se o aluno resolveu conforme previsto na análise teórica para o ambiente

papel e lápis, ele usará o Geogebra apenas para visualizar e/ou confirmar o que

respondeu anteriormente. Portanto, ele construirá no ambiente Geogebra um

quadrilátero, utilizando a ferramenta polígono, ou segmento definido por dois pontos.

Em seguida, traçará as bissetrizes de dois ângulos internos consecutivos quaisquer

com a ferramenta bissetriz e determinará o ponto de interseção das mesmas com a

ferramenta interseção de dois objetos. Após, construirá uma reta perpendicular a um

dos lados de um dos ângulos considerados com a ferramenta reta perpendicular,

marcando a interseção desta reta com o lado citado. Este ponto é o ponto de

tangência. Depois, será traçada a circunferência com centro na interseção das

bissetrizes e passando pelo ponto de tangência, com a ferramenta círculo definido

pelo centro e um de seus pontos (Figura 13). A seguir, o aluno constatará que esta

circunferência tangencia, pelo menos, dois lados do quadrilátero, podendo tangenciar

três lados conforme justificativa descrita na análise a priori desta questão, no

ambiente papel e lápis.

Pelo fato de estar em um ambiente de geometria dinâmica, o aluno pode

“arrastar” os vértices do quadrilátero, buscando generalizar o resultado obtido,

validando ou não a sua hipótese sobre a existência da circunferência procurada. A

não utilização das possibilidades trazidas por um ambiente de geometria dinâmica,

pode significar que o aluno o utiliza apenas para maior precisão nos traçados, o que

implica não evolução em relação aos níveis geométricos propostos por Parzysz e

tipos de prova identificados por Balacheff.

Figura 13: Histórico da construção esperada na questão 1

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Nesse caso, não validamos nossa hipótese sobre as implicações do uso de

ambientes de geometria dinâmica na construção de argumentações e

demonstrações. Do fato de que os alunos já haviam passado por outras disciplinas

que usaram esse software, podemos inferir que isso não contribuiu para a

apropriação das possibilidades de um ambiente de geometria dinâmica.

Caso não tenha conseguido, o uso do software poderá estimular o aluno na

pesquisa por estratégias de resolução do problema.

Conhecimentos matemáticos envolvidos

Os conhecimentos matemáticos envolvidos são os mesmos relacionados no

item correspondente para o ambiente papel e lápis.

4.1.4 Análise didática no ambiente de geometria dinâmica Geogebra

Caso o aluno tenha respondido a questão conforme exposto na análise

teórica referente ao ambiente papel e lápis, poderá usar este ambiente para

confirmar o seu resultado. Neste caso, ele pode estar alternando G1 e G2. Caso

contrário, poderá utilizar o Geogebra para confirmar ou refutar as suas conjecturas

elaboradas no ambiente papel e lápis, bem como enunciar outras, resultantes de

suas observações das figuras em movimento do ambiente Geogebra. Procedendo

deste modo, podemos inferir que o aluno se encontra em G1, pois valida as suas

observações se apoiando nas construções por ele realizadas. A prova resultante

desta experimentação será a experiência crucial, pois o aluno produz uma

justificativa baseada nas muitas figuras resultantes da movimentação.

Porém, se após as observações das figuras em movimento, o aluno

vislumbrar ideias para construir a justificativa, ele estará evoluindo para o nível G2, e

a prova produzida poderá ser do tipo exemplo genérico ou experiência mental.

Na análise didática desta questão no ambiente papel e lápis, foi mencionado

um obstáculo para alcançar a solução completa, este se refere ao fato de o aluno

não variar o comprimento dos lados para concluir que os pontos de tangência têm

que pertencer aos lados. Se o aluno explorar o caráter dinâmico das figuras

construídas no software Geogebra, tal obstáculo será facilmente superado, uma vez

que a movimentação da figura possibilitada pelo software permitiria ao aluno

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observar que o ponto de tangência deve pertencer aos três lados. Este fato

evidencia as limitações do ambiente papel e lápis para a investigação de

configurações do desenho, cabendo ao aluno abstrair e visualizar situações distintas

daquela esboçada e/ou construída por ele no papel.

Havemos de considerar, ainda, a possibilidade de o aluno não utilizar o

recurso de movimentação do software, e justificar com base em apenas uma figura.

Neste caso, ele também estaria em G1, e o tipo de prova que ele poderia produzir

seria o empirismo ingênuo.

Pautados nessas colocações, nos permitimos inferir que as movimentações

da figura realizadas pelo aluno, se eles as realizar, descartam a possibilidade de ele

produzir uma prova do tipo empirismo ingênuo, pois, no mínimo, ele terá respaldado

a sua conjectura em um conjunto suficientemente grande de observações, podendo

construir provas do tipo experiência crucial ou exemplo genérico, ou mesmo

experiência mental.

Ressaltamos que é maior o nível de abstração necessário ao aluno, no

ambiente papel e lápis, para a resolução da questão, se comparado ao ambiente de

geometria dinâmica. Pois, no primeiro, a visualização restrita reivindica do aluno

colocar em ação a imaginação, ou seja, a abstração. O que não ocorre no segundo

ambiente, porque a movimentação das figuras minimiza a necessidade de imaginar

como as figuras poderiam ser, que relações poderiam existir. Por outro lado, se o

ambiente de geometria dinâmica requer do aluno um nível de abstração menor, seja

para a elaboração de configurações distintas de uma figura, seja para a construção

de conjecturas, ele pode se constituir em um obstáculo ao processo de abstração

necessário para a estruturação de uma demonstração.

4.2 Experimentação da questão 1 no ambiente papel e lápis

Neste item, são descritas a experimentação e a análise da questão 1,

agrupadas por duplas.

4.2.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme

Eles iniciaram lendo, em silêncio, o enunciado da questão, e assim

permaneceram quando começaram a desenhar. Guilherme fez alguns esboços à

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mão livre (Figura 14), mas logo utilizou o instrumental de desenho, a saber, par de

esquadros, régua graduada e compasso, e desenhou, sem utilizar processos

geométricos, um quadrilátero qualquer com uma circunferência tangenciando,

aparentemente, três lados deste quadrilátero (Figura 15). Tal circunferência foi

construída escolhendo o centro por tentativa.

Simultaneamente, Rita começou a desenhar com o instrumental de desenho e

utilizou processos geométricos para a construção do quadrado (Figura 16), não

utilizou esboços. Os dois alunos não explicitaram o motivo pelo qual escolheram

utilizar os instrumentais de desenho para esboçar ou para construir com processos

geométricos.

Figura 14: Esboços à mão livre feitos por Guilherme

Figura 15: Quadrilátero qualquer construído por Guilherme

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Apesar de estarem em dupla, observamos que eles pensavam

individualmente sobre as questões, a partir das construções e/ou esboços que

haviam feito, e trocavam ideias em seguida. Eles estavam empenhados na

resolução. O tempo em que estavam imersos em seus pensamentos não superava

cinco minutos, em média, de acordo com a minutagem que fizemos durante a

sessão.

Após concluírem os desenhos citados anteriormente (Figuras 14, 15 e 16),

iniciaram o primeiro diálogo (neste e nos seguintes, considere que R indica a fala de

Rita, G a de Guilherme e Pesq. a da pesquisadora), apontando para os desenhos

feitos por eles separadamente:

R: Três lados... Se for um quadrado dá.

Rita elaborou uma conjectura baseada na percepção de apenas um exemplo.

Continua o diálogo:

G: Não são três lados consecutivos? R:Num quadrado vai tangenciar 4 lados. G:Traçando a circunferência primeiro... Temos que fazer uma construção certa mesmo. ( Ele fala isso se referindo à construção por processos geométricos). R: Se tangencia quatro, obviamente tangenciou três. Tá entendendo o que eu estou falando? Veja a pergunta. (Ela lê o enunciado). Se tangenciou quatro, tangenciou três. G: É, você tem razão, Mas a resposta tem que servir para qualquer quadrilátero convexo. No quadrado, tangencia. Mas a gente tem que construir qualquer quadrilátero e ver se tangencia. R: Se fosse um triângulo, tinha como achar o baricentro, né? E fazer inscrito. Entendeu o que eu estou falando?

Figura 16: Quadrado construído por Rita

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G: Mas, olha! Só tem que ver este ponto de tangência. Rita faz o desenho com o triângulo (Figura 17).

G: Tem que encontrar um ponto equidistante de dois lados. ( Refere-se ao triângulo construído por Rita). R:Por isso que eu estou pensando: Será que não tem nenhuma relação com o baricentro? Tangenciando dois lados, é certo que sim, porque aí a gente traçava a diagonal, então a gente formava dois triângulos. Com um triângulo, achava o baricentro e fazia a circunferência. Guilherme concorda, balançando a cabeça. R: Então, é sempre possível com dois lados. Agora em três lados, eu não sei. G: A gente tem que achar... R: Tem algum ponto no quadrilátero que a gente determina no quadrilátero que seria o centro? G: A gente quer achar algum ponto aqui que seja equidistante de três lados. (Refere-se ao desenho de um quadrilátero qualquer construído por ele na Figura 15).

Constatamos que Rita e Guilherme concluíram que, no quadrado, a

circunferência tangenciaria os quatro lados, então tangenciaria três lados,

respondendo a questão. Após analisar os desenhos produzidos por ele, Guilherme

acha que é possível a circunferência tangenciar três lados de um quadrilátero.

Ao afirmar que é necessário utilizar processos geométricos para fazer os

desenhos, Guilherme manifestou uma preocupação com o desenho sobre o qual ele

vai raciocinar para encontrar a solução. Se estável, seria um comportamento típico

de G2 controlando G1, pois Guilherme busca uma justificativa teórica para

experimentá-la na prática.

Figura 17: Triângulo com baricentro construído por Rita

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Quando Guilherme diz que a resposta que eles estão procurando tem que

servir para qualquer quadrilátero e não apenas para o quadrado, e por isso precisam

construir um quadrilátero qualquer, ele demonstra um amadurecimento com relação

à generalidade da resposta procurada. Este fato indica que este aluno tem

percepção de que a verificação de um caso particular não é suficiente para garantir

a generalidade da solução encontrada, o que nos permite afirmar que a prova que

ele busca é do tipo experiência mental ou crucial, ou ele não se satisfaz com provas

do tipo empirismo ingênuo. Rita busca pela resposta correta, mas não tem a

generalidade da solução como primeiro propósito, características da prova do tipo

empirismo ingênuo.

Podemos alegar com base nos dados analisados dessas questões, que

Guilherme encontra-se no nível G2, pois este aluno utiliza o desenho para analisar o

problema, mas sabe que ele não basta, que é preciso buscar justificativas. Rita

encontra-se no nível G1, pois ela procura validar as suas conclusões utilizando a

percepção dos desenhos construídos.

Observamos a imprecisão do traçado e o fato de que o triângulo esboçado,

na Figura 16, é um triângulo escaleno28, mas tem a aparência de um triângulo

eqüilátero. Esta aparência falsa fez com que a circunferência traçada com centro no

baricentro do triângulo parecesse tangente aos lados do triângulo, o que pode ter

contribuído para Rita achar que o baricentro era o centro do triângulo procurado e

insistir nesta ideia. Mais um indício de que Rita se encontra em G1. Observamos

assim que ela confunde os pontos notáveis do triângulo, pois partiu do traçado das

mediatrizes.

Rita afirmou:

R: Se fosse equidistante dos vértices era fácil, ou não era?

Neste instante, nós resolvemos intervir porque observamos que os alunos

estavam desanimados, como se tivessem chegado ao limite de todas as

possibilidades. Nós, então, afirmamos que a ideia de pensar em um ponto

equidistante de três lados é boa e que deviam investir na ideia de Rita que era

pensar inicialmente em pontos equidistantes de dois lados.

Em seguida, Guilherme perguntou:

28 A pesquisadora observou Rita construir este triângulo. Daí a certeza de ele ser um triângulo escaleno, apesar de não haver indicação nos diálogos e nem marcas indicativas na figura.

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E se traçar uma bissetriz dos dois lados, todos os pontos da bissetriz serão equidistantes, não?

Guilherme traçou um ângulo e desenhou a sua bissetriz utilizando

corretamente o processo geométrico (Figura 18), porém sem precisão no uso dos

instrumentos.

O ângulo e a bissetriz deste, traçados por Guilherme, parecem funcionar

como um apoio para o raciocínio dele, pois o aluno sentiu necessidade de construí-

lo como que para concretizar a sua ideia. Este procedimento evidencia a

necessidade de um registro – neste caso, um desenho – para que ele

desenvolvesse o seu raciocínio, explicado pela teoria dos registros de representação

semiótica de Duval (1993), segundo a qual o aluno necessita de uma representação

do objeto matemático para apreendê-lo conceitualmente. Por outro lado, a utilização

de um único registro pode conduzir a uma compreensão errônea do problema,

conforme também alerta este autor. Foi o que ocorreu com Rita, pois ao desenhar

um triângulo escaleno com aparência de equilátero e determinar o baricentro, devido

à imprecisão de desenho, pareceu-lhe que a circunferência construída com centro

no baricentro tangenciava os três lados do triângulo, mas esta é uma propriedade

apenas dos triângulos equiláteros, no qual os quatro pontos notáveis coincidem.

Em seguida, registraram-se as falas:

R: É (Diz olhando o desenho de Guilherme). Entendi, então todos estes pontos vão ser equidistantes? G: Agora pensando no isósceles. No encontro de duas bissetrizes... R: Vamos traçar todas as bissetrizes? Nossa! Vai dar uma confusão!

Figura 18: Ângulo e sua bissetriz desenhados por Guilherme

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Guilherme desenha uma poligonal aberta de três lados, as bissetrizes dos

dois ângulos formados, a circunferência com centro na interseção das bissetrizes e

raio aproximado, determinado pela distância do centro até um dos lados, escolhido

arbitrariamente (Figura 19). Ele não lembra, assim como Rita, que é necessário

traçar uma perpendicular, passando pelo centro encontrado, a um dos lados da

poligonal para determinar o raio corretamente, conforme definição de distância de

ponto à reta, e de ponto de tangência (justificativas teóricas que deveriam ter sido

mobilizadas para a construção).

Os segmentos com extremidades, no centro da circunferência e nos lados da

linha poligonal, foram traçados com apenas uma régua sem intenção de que fossem

perpendiculares. As marcas de ângulo reto foram colocadas após uma intervenção

da pesquisadora, que será comentada mais adiante. Ao verificar que a

circunferência não tangenciou os três lados da linha poligonal, Guilherme acredita

ter ocorrido uma imprecisão na construção, ou então, que não seria este o caminho,

o que deixou confuso. Observamos, novamente, a teoria controlando a experiência

concreta (G2 controlando G1), evidenciando também a insatisfação do aluno com a

justificativa do tipo empirismo ingênuo.

R: Será que tangenciou ali Guilherme? G: Se for um erro muito... talvez seja ... R: Pode ser coincidência, vou tentar de novo.

Figura 19: Linha poligonal construída por Guilherme

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Diante deste fato, Rita resolve fazer outro desenho (Figura 20) e afirma:

R: Eu fiz com uma bissetriz só. Foi coincidência. Eu marquei um ponto qualquer.

Rita permanece em G1, mas começa a controlar resultados por um dado

teórico (G2 controla G1). Ela resolve voltar à estratégia de Guilherme e pergunta:

R: Qual seria a justificativa para você fazer isso? G: Porque são duas retas, eu traço a bissetriz e estes são os pontos equidistantes das duas retas (Referindo-se aos lados do ângulo). Aí o ponto das duas bissetrizes seria o ponto equidistante das três retas. Só....que a gente teria que descobrir também onde tangencia.

Neste instante, Rita e Guilherme cumprem a fase 1 desta questão, pois

concluíram que o centro da circunferência é o ponto de interseção das bissetrizes de

ângulos consecutivos. Segue-se um silêncio entre a dupla. Percebendo que eles

estavam sem perspectiva para encontrar o ponto de tangência, a pesquisadora

pergunta o que eles sabem sobre reta tangente a um círculo, e eles respondem:

R: É a reta que corta a circunferência em um único ponto. G: E é perpendicular ao raio neste ponto aqui. (Aponta para o ponto em que a reta tangencia a circunferência). R: Se a gente fizer primeiro a circunferência fica fácil. (Rita recomeça o desenho). Eu fico falando que é fácil e na hora que eu vou fazer, não dá certo. G: Como que traça a perpendicular a uma reta num ponto?, Você lembra?

Foi a partir deste diálogo que os alunos fizeram as marcas da figura 19,

mostrando que o conhecimento sobre ponto de tangência não estava disponível

Figura 20: Quadrilátero desenhado por Rita

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nestes alunos, como era esperado (análise teórica). No entanto, o conhecimento

sobre bissetrizes foi facilmente mobilizado pelos alunos.

Rita relembrou o processo utilizando régua e compasso. Neste instante, a

pesquisadora lembrou-lhes que poderiam usar o par de esquadros para traçar a

perpendicular à reta e que, nesse caso, eles já possuíam a reta e o ponto, isto é,

eles queriam traçar uma circunferência tangente a uma reta num dado ponto. Esta

situação era distinta do problema em questão, no qual havia a reta e o centro da

circunferência, mas o ponto de tangência deveria ser encontrado.

Segue-se outro período de silêncio. A pesquisadora intervém perguntando

para Guilherme o que ele havia dito sobre o ponto de interseção:

Pesq.: Você disse que o ponto de interseção é o que, Guilherme? G: Ele é equidistante dos três lados. Pesq.: Por que ele é equidistante? Você concorda, Rita? Rita fica pensativa e nada responde. Pesq.: Veja que ele é o ponto de interseção das bissetrizes. R: Distância é 90º, então a gente faz novamente aqui, no lado, para depois fazer a circunferência (Refere-se ao desenho que fez para determinar corretamente a medida do raio da circunferência). R: Mas, aqui você traçou o quê? Só duas bissetrizes? G: Você traça duas bissetrizes quaisquer de três lados do quadrilátero, você tem que partir daí. Rita desenha (Figura 21) e Guilherme observa.

G: Aí você está fazendo as duas bissetrizes. R: Hummm! Pronto. A distância deste ponto até... Rita traça as três perpendiculares aos lados de dois ângulos consecutivos do quadrilátero qualquer desenhado por ela.

Figura 21: Quadrilátero qualquer desenhado por Rita

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G: E aí, deu? (Ele se refere à congruência dos segmentos perpendiculares baixados do encontro das bissetrizes aos três lados do quadrilátero). R: Bem, no olho, deu.

Notamos, com base no diálogo acima, a insegurança dos alunos em relação à

sua conjectura. Apesar de explicarem por que o ponto de encontro das bissetrizes

seria o centro da circunferência tangente, eles ainda tinham alguma dúvida, e

buscaram uma validação pragmática, construindo o desenho. Este fato revela que

G1 controla G2, conforme Parzysz (2006). Eis um fragmento do diálogo:

G: Como que traça com o par de esquadros, a perpendicular? Rita ensina o processo. Guilherme compreende. R: Deu certo, então, Guilherme. G: Sim, agora a gente tem que escrever como. Traçando as... R: Escreve a sua resposta que eu escrevo a minha e a gente junta. É para cada um escrever a sua? A pesquisadora diz que a discussão da solução é coletiva, mas a justificativa escrita é individual.

Identificamos, neste momento, a conclusão da fase 2 da resolução da

questão:

G: Por que este aqui meu não deu certo? (Referindo-se a sua construção (Figura 22)).

R: Deixa eu ver. Você fez a bissetriz, eu acho que foi imprecisão mesmo, Guilherme. Olha, Guilherme, veja se este lado está do mesmo tamanho desse? G: Não está não.

Figura 22: Poligonal construída por Guilherme

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R: Não está não, foi imprecisão.

A pesquisadora orientou para usar um arco de circunferência com raio maior

para diminuir a imprecisão pelo uso do compasso. Guilherme reconstrói a bissetriz

no mesmo desenho e tenta corrigir erro sem obter sucesso.

Convencidos de que encontraram a solução do problema, cada um redige a

sua justificativa. Mas Rita tem uma dúvida. Com base no desenho por ela produzido

(Figura 21), pergunta:

R: Mônica, se, se aqui por exemplo, tangenciou este , este e este só ( Refere-se aos três lados do quadrilátero da Figura 21). Aí tem essa reta do lado de fora... E se, por exemplo, se este quadrilátero ao invés de ter esse lado aqui, tivesse esse outro (na Figura 21, este possível lado é indicado por linha tracejada), ficasse um pedaço da circunferência do lado de fora? G: Aí será outra bissetriz. R: De qualquer forma, a circunferência ia estar passando... Na bissetriz que eu tenho foi, desse e desse (Aponta para dois ângulos consecutivos). O quadrilátero é esse, eu tracei essa bissetriz e essa. Ficou equidistante. G:Mas tangenciou os três lados. R: Então, mesmo com isso aqui (Refere-se ao trecho da circunferência que está externo ao quadrilátero) ficando do lado de fora, podia afirmar? Então, eu não preciso primeiro fazer três retas e depois fechar. G:Não, mas eu não fechei, Aqui tem vários quadriláteros.

Neste instante, eles começam a fase 3 da resolução, mas Rita e Guilherme

não levam adiante esta discussão, talvez porque Rita tenha colocado outra questão

imediatamente:

Figura 21: Quadrilátero qualquer desenhado por Rita

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R: Será que daria certo fazer a bissetriz de lados opostos? R: Se fecharmos primeiro o quadrilátero e fazer desse e desse(Aponta para os vértices opostos), será que dá certo? G: Dá sim, você teria que estar comparando estes dois lados aqui... R: Então, eu posso falar que se constrói um quadrilátero... eu posso dizer que é a bissetriz de dois lados quaisquer? Pesq.: A bissetriz é do lado? R: Não é de quaisquer vértices. Eu quero dizer, tipo assim, que eu fiz esse do lado desse (Refere-se aos vértices consecutivos), eu queria saber se poderia ser esse e esse (Refere-se aos vértices opostos). Pesq.: O que você acha? R: Não sei. Vou desenhar para ver. Eu acho que sim.

Rita formula uma conjectura e busca uma validação pragmática. Ela

desenhou outro quadrilátero qualquer e construiu a bissetriz de dois ângulos opostos

(Figura 23).

A aluna constatou que o ponto de encontro destas bissetrizes poderia até

nem existir. A pesquisadora a questiona sobre este procedimento:

Pesq.: Por que razão você construiu a bissetriz de dois vértices consecutivos? R: Não sei, por nada. G: Vamos fazer, então. R: Por que eu tinha feito só três retas; então, eu só podia fazer desse e desse (Aponta os dois vértices do quadrilátero da figura 21, pois ela inicialmente construiu como uma poligonal aberta que, depois, transformou no quadrilátero convexo, unindo dois vértices).

A figura que Rita fez inicialmente, uma poligonal com três lados, não

contribuiu para que ela cogitasse a possibilidade de trabalhar com bissetrizes de

Figura 23: Quadrilátero construído por Rita, com as bissetrizes de ângulos de vértices opostos

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vértices opostos. Notamos, aqui, a influência da figura na elaboração de conjecturas.

Continuando o diálogo:

Pesq.: Quando você construiu dos dois aconteceu o quê? Esse ponto tem uma propriedade. R: Ele é equidistante dos três lados. Pesq.: E se você construísse a bissetriz de vértices opostos, esta propriedade iria se manter? R: Não sei. G: Dos quatro vértices não. Tem que ser do mesmo lado. Estou chegando à conclusão agora. R: Não dá porque as bissetrizes vão se encontrar muito próximo, não vão? Viu? Tem que ser bissetriz consecutiva. Olha aqui, Guilherme. G: Sim. Porque se você fizer dos quatro, a gente chega à conclusão que não tem como também tangenciar os quatro lados, só três. R: Porque o que está de frente para o outro é oposto e o que está do lado, é consecutivo.

Rita e Guilherme são influenciados pelo desenho produzido por eles, que os

conduz a um caminho distante da resposta esperada pela pesquisadora, apontada

na análise teórica da atividade. Eles creditam o fato de bissetrizes consecutivas não

responder ao problema a uma questão gráfica: o ponto de encontro não é

claramente perceptível devido à proximidade de suas direções das bissetrizes. A

pesquisadora tentou tenta retornar à discussão:

Pesq: Esta ideia que Rita deu, de traçar as bissetrizes de dois ângulos opostos para ver se resolveria o problema também; ao fazer o desenho, ela já detectou que não, porque as distâncias daqui são discrepantes (Referindo-se à distância entre o ponto de interseção das bissetrizes de vértices opostos aos lados do quadrilátero). Qual seria uma explicação para este fato? Por que tem que ser sempre dois vértices consecutivos, e não dois opostos? R: Nós fomos testando, Né? Não deu certo.

Pontuamos aqui a validação pragmática. Eles justificaram apoiados nos testes

gráficos, ou seja, nas construções que fizeram. Retornando ao diálogo:

G: Com dois vértices opostos, a gente já fecharia o quadrilátero. R: Isso não, Guilherme, porque a gente poderia ter feito o quadrilátero fechado, a gente que optou por fechar depois. Poderia acontecer dá um pelo lado de fora. Pesq: Qual seria a explicação?

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Rita acredita que não poderá usar vértices opostos porque um dos três pontos

de tangência seria externo. Ao ser interrogada pela pesquisadora sobre o porquê de

as bissetrizes de vértices opostos não conduzir à solução da questão, a aluna

respondeu com base em suas experimentações nos desenhos produzidos. Ela não

procurou um fato geométrico que explicasse a situação. Neste instante, podemos

afirmar que a observação do desenho, para Rita, tem a força de um teorema.

Constatamos aqui, mais uma vez que as ações de Rita a classificam no nível G1.

Ela prossegue a sua explicação, utilizando o desenho como auxílio:

R: Mas, Mônica, poderia não dá certo. Por exemplo, se eu fechasse esse quadrilátero aqui (Rita traça um lado com linha tracejada no quadrilátero já construído de modo que o ponto de tangência de um dos três lados fique externo ao quadrilátero (Figura 21)). Eu ia ter traçado as mesmas bissetrizes. Então, o que eu perguntei não vale. A gente tinha chegado à conclusão que vale, mas não vale. Eu fiz fechando aqui, né? E se fechasse pra cá? O seu ficou assim?

G: Isto está parecendo um triângulo. R: Não, menino, aqui, ó, um, dois, três e quatro. Não, Guilherme. Ela repete a contagem, apontando. G: Cadê? R: Ai, meu Deus! Olhe, A, B, C e D. E se fosse assim, eu estou traçando as bissetrizes, ia dar esse mesmo ponto, esse aqui também, o ponto de encontro, mas não ia tangenciar essa. E aí?

A pesquisadora ajuda Rita a concluir o seu pensamento:

Pesq: Por que não ia tangenciar? R: Porque não ia. Porque tangencia a reta na sua continuidade. Pesq: Por que o ponto de tangência está fora do lado, não é? R: É. Pesq: Está na reta que contém o lado, mas não está no lado. R: É. Pesq: E aí? R: Chegamos à conclusão que está errado. Guilherme concorda com a cabeça. A pesquisadora discorda com a cabeça. R: Não está certo, Mônica. Por que não vale para todo. Pesq.: Vale para qual, então? Teria uma condição? G: Por que não vale para todo? Pesq: É. Por quê? R: Por que não vale, o negócio (Refere-se ao lado do quadrilátero) é muito pequeno. Eu não sei explicar!

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Ao se sentir pressionada por Guilherme e pela pesquisadora, Rita afirma que

não sabe por que não é possível uma circunferência tangenciar três lados de um

quadrilátero qualquer. A pesquisadora faz perguntas para ajudá-la novamente:

Pesq: Mas você já falou. Por que no outro deu certo e nesse não deu? R: É por causa do segmento pequeno? Guilherme pensa sobre o seu desenho. R: Eu tracei o quadrilátero, as bissetrizes, mas o ponto de encontro é equidistante às retas a não aos lados. E a perpendicular pode ficar traçada do lado de fora, não precisa ser do lado de dentro do quadrilátero. Se for assim, não tangencia os três lados. Então, eu acho que não é possível. Ai, meu Deus, tenho que escrever tudo de novo! (Refere-se à demonstração escrita já dada por encerrada).

A pesquisadora insiste para que Rita continue o raciocínio:

Pesq: Não. É possível desde que aconteça o quê? R: Que o segmento, que todos os segmentos sejam maior que o diâmetro, sei lá. Que maior do que o raio pode ser... G: Tem razão. R: Oh, se for maior do que o raio... A pesquisadora intervém: P: Veja, este pontinho (Refere-se ao ponto de tangência) aqui é importante, ele é o ponto de tangência, ele tem que estar onde? G: Tem que estar no quadrilátero. Pesq: Tem que pertencer ao lado, não é? G: O ponto de tangência tem que pertencer ao lado do quadrilátero.

Neste momento, Guilherme atinge à fase 3 da resolução da questão.

Rita leu a sua justificativa em voz alta para verificar em que local poderia fazer

a modificação sem desmanchar toda a demonstração. Ela concordou com Guilherme

em trocar equidistante aos três lados por equidistante às retas suportes dos três

lados.

Rita comentou que se cada coisa que estudasse em sala de aula, fosse desta

forma, a turma ficaria “dez anos” para estudar cada tópico, pois se gastou mais de

uma aula só neste problema. Guilherme afirmou que uma parte do curso poderia ser

desse jeito e com demonstrações. Esses comentários corrobam resultados de

pesquisas (DOMINGOS e FONSECA, 2008; GRAVINA, 2001; PIETROPAOLO,

2005; SERRALHEIRO, 2007), segundo os quais o trabalho com demonstrações

passa ao largo da sala de aula da Educação Básica e da formação inicial de

professores de Matemática. Quando Guilherme menciona que parte do curso

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poderia ser desse jeito, é porque nenhuma parte, de fato, é desse jeito no curso que

ele está inserido, isto é, os formadores de professores de Matemática não estão

preparando-os para utilizar a resolução de problemas e a demonstração como

estratégia de ensino e aprendizagem de Matemática, tampouco para o

desenvolvimento do raciocínio argumentativo e dedutivo dos alunos da escola

básica.

Rita, apesar de escrever a sua justificativa para a solução do problema,

apresentou dúvidas quanto ao que fosse uma demonstração, e pareceu não

reconhecer que aquela justificativa é a demonstração do resultado que encontrou:

R: A gente terminou o problema, não mandou demonstrar nada, só justificar a nossa resposta. Pesq: Você acha que isso não é uma demonstração? R: É, mas a gente fica traumatizado com demonstração, aquele monte de nome difícil. G: Mas isto é uma demonstração. R: É uma demonstração, mas....

Os últimos comentários deixam transparecer que Rita crê que demonstração

é um discurso que utiliza termos próprios da Matemática, termos estes que ela

parece não saber muito bem o que significam nem quando e como pode utilizar. A

primeira fala de Rita, na qual ela afirma que justificou, mas não demonstrou, deixa

claro que ela não sabe o que é demonstração.

Os alunos querem saber se a resposta deles está correta. A pesquisadora

responde que ainda não pode afirmar porque eles retornarão a esta questão para

resolvê-la em ambiente de geometria dinâmica.

Polya (1995), em sua metodologia para ensinar o aluno a resolver um

problema, comenta sobre o método de questionar do professor. O autor afirma que é

um dos modos de o professor contribuir com a habilidade do aluno, para resolver

problemas. O professor deve sempre questionar o aluno, até que “provoque a

resposta na mente do aluno” (POLYA, 1995, p. 14). Nós tivemos em mente estas

orientações, ao longo de toda a experimentação. Sempre que percebíamos bloqueio

no raciocínio do aluno, procurávamos interrogá-lo, orientando seu raciocínio com

questões que o despertassem para alguma solução. Podemos alegar que o método

proposto por Polya (1995), e utilizado por nós nesta experimentação, apresentou

resultados positivos no desenvolvimento dos alunos.

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A pesquisadora volta à pergunta sobre por que o ponto de interseção de

bissetrizes de vértices opostos não responderia à questão:

R: Por que aqui (Mostra o quadrilátero da Figura 21 com as bissetrizes de dois vértices consecutivos) é equidistante dos três lados e aqui não é (Refere-se ao ponto de interseção das bissetrizes e mostra o desenho com as bissetrizes de vértices opostos do quadrilátero (Figura 23)). Pesq.: Aqui ele é equidistante de quais? (Refere-se ao desenho de bissetrizes de vértices opostos e ao ponto de interseção das bissetrizes).

R: De nenhuma. G: Dessas duas aqui só, por que ele pertence a essa bissetriz, é equidistante desses dois lados (Refere-se à Figura 23). Pesq.: Mas não pertence a esta bissetriz também (a pesquisadora pergunta sobre a outra bissetriz) ? G: Ele é equidistante dessas duas. Ele é equidistante duas a duas, não das três retas. Porque aqui a gente tem uma reta comum as duas bissetrizes (Refere-se ao quadrilátero da Figura 21) e aqui a gente não tem nenhuma reta em comum (Refere-se à Figura 23). Aí, por isso que eu acho que acontece isso.

A pesquisadora observa que Guilherme não usa a linguagem matemática

para expressar-se, e procura auxiliá-lo, referindo-se à Figura 23:

Pesq.: Se eu chamar os lados de a, b, c e d. Coloque aqui a, b, c e d e chamar o ponto de interseção de P. R: O ponto P é equidistante das retas a e b e o ponto P é equidistante das retas c e d, mas não é equidistante de a, b e c.

Guilherme interrompe. G: Aqui tem uma reta em comum (Refere-se ao desenho de Rita, com a bissetriz de ângulos consecutivos (Figura 21)). R: Aqui o ponto P, vamos chamar de Q, é equidistante às retas a, b (Refere-se à Figura 21). G: É equidistante às retas a, b em relação a esta bissetriz, e depois é equidistante de b e c. R: Mas precisa falar primeiro e depois? G: Não, mas porque ela (a pesquisadora) quer ver. R: Ele é equidistante das três retas, a, b e c. G: Sim, mas chegou a esta conclusão aqui. Aqui tinha chegado a essa conclusão, mas aqui você logo viu que não era, porque o ponto era muito próximo, e não dava para você ver, como você ia ver que não era? Pesq.: Ele está dizendo que aqui (Refere-se à Figura 23) você chegou a esta conclusão rapidamente porque era muito discrepante a distância, para esse quadrilátero específico que você considerou. E se você considerasse outro quadrilátero e essa distância não fosse tão diferente assim? Você veria logo de cara que não seria?

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G: Não dava pra ver. R: Não, eu ia testar e ia vê que não dava.

Nesta última fala de Rita, observa-se G1 controlando G2. A conclusão que ela

pretendia obter está totalmente baseada em seu experimento. Rita não alcançou a

fase 3 que corresponde à constatação de que os pontos de tangência têm que

pertencer aos lados do quadrilátero.

O diálogo anteriormente descrito exibe o raciocínio de Rita e Guilherme para

concluir que o ponto Q da Figura 21 é equidistante de três lados consecutivos do

quadrilátero porque ele é equidistante de dois pares de lados, tomados dois a dois,

com um lado comum aos dois pares considerados. Esta é a justificativa para a

estratégia de considerar a interseção das bissetrizes de dois vértices opostos ser

incorreta.

Emerge deste relato, a insuficiência do desenho a lápis nos casos em que

uma mudança de configuração pode sugerir ou induzir conclusões errôneas. Como

Guilherme afirmou, se Rita não tivesse construído um quadrilátero no qual o ponto

de interseção de bissetrizes opostas estivesse a distâncias bem desiguais dos lados

do quadrilátero, talvez ela conjecturasse que tal ponto pudesse ser a solução do

problema. Este fato indica que a aluna não entrou verdadeiramente no processo de

abstração necessário a uma demonstração. Ela parece estar na articulação G1 –G2

ou G2-G1, não atingindo o nível de provas intelectuais, alternando empirismo

ingênuo e experiência crucial.

O raciocínio utilizado por Rita é típico de G1. Ela valida as suas conjecturas

com base nas observações sobre suas construções.

O raciocínio da dupla evoluiu porque a pesquisadora os instigou com

perguntas, por isso as conclusões a que chegaram Rita e Guilherme não foram

espontâneas, e sim frutos da intervenção da pesquisadora.

A seguir, é transcrita a resposta por escrito apresentada por Rita:

Sim. Para que uma circunferência tangencie três lados consecutivos de um quadrilátero convexo, primeiro constrói-se o quadrilátero, seguidamente constrói-se as bissetrizes de dois ângulos consecutivos, o encontro dessas bissetrizes determina um ponto que é equidistante aos três lados que formam os dois ângulos que traçamos as bissetrizes. Como o ponto encontrado é equidistante das retas suporte aos três lados citados, traça-se então as perpendiculares que vão deste ponto até as três retas suporte dos lados do quadrilátero o ponto de encontro destas perpendiculares com os lados opostos formam com o ponto determinado pelas bissetrizes o raio da circunferência que se está buscando. É preciso

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também que o ponto encontrado traçando-se as perpendiculares esteja dentro do quadrilátero, ou seja, não pertença somente as retas suporte, mas também aos lados do quadrilátero. (Protocolo de pesquisa, 2008).

O texto seguinte é a transcrição da resposta apresentada por Guilherme:

Sim. Sabendo que a reta bissetriz de um ângulo contém todos os pontos equidistantes das duas retas que formam um ângulo. Podemos dizer que ao traçar as bissetrizes de dois ângulos consecutivos de um quadrilátero convexo encontramos um ponto. Este ponto é comum a ambas bissetrizes, portanto equidistante às três retas dadas. Após este ponto ser encontrado basta traçar um perpendicular a este ponto relativa a qualquer uma das três retas. Esta perpendicular irá determinar o raio da circunferência que tangecia as três retas suportes aos três lados do quadrilátero convexo. Com isso, podemos concluir que para uma circunferência tangenciar três lados de um quadrilátero convexo, temos como condição que os pontos de tangência da circunferência com as três retas devem pertencer aos lados do quadrilátero convexo. (Protocolo de pesquisa, 2008).

A resposta de Guilherme está mais completa que a de Rita, porque expõe a

justificativa para o ponto de encontro das bissetrizes de ângulos internos

consecutivos do quadrilátero ser o centro da circunferência procurada. Nota-se que,

em seus textos, Rita e Guilherme não afirmaram que tal ponto é o centro da

circunferência, e a redação de Rita se assemelha a um roteiro de construção

geométrica.

Rita e Guilherme concluíram a fase 4., mas a justificativa de Rita é do tipo

empirismo ingênuo, e a de Guilherme é do tipo experiência mental. Durante a

resolução desta questão, Rita manteve-se em G1 e Guilherme alternou G1 e G2.

4.2.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana / Patrícia

Esta dupla trabalhou afinada a maior parte do tempo, pois quase todas as

ideias foram compartilhadas, como se pensassem em “voz alta”, embora Patrícia

demonstrasse ter mais conhecimentos geométricos. Elas conversavam e

desenhavam ao mesmo tempo.

A dupla usou o instrumental de desenho para executar todos os desenhos,

utilizando corretamente os processos geométricos. Patrícia sugeriu desenhar um

quadrilátero qualquer e tentar construir uma circunferência tangenciando e, em

seguida, ir “ajustando” os lados na tentativa de encontrar a solução. Logo, afirmou

que a reta tangente à circunferência é perpendicular ao raio no ponto de tangência e

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utilizou esta informação em seus desenhos (Figura 24). Neste diálogo e nos

seguintes, considere que P indica a fala de Patrícia, e D; a fala de Diana:

P: Acho que a gente tem que fazer um quadrilátero qualquer, aí depois vai tangenciando aqui para ver como vai ficar. Não, espera aí, agora eu vou fazer a circunferência para ver se vai dar o trapézio retângulo. Esse eu fiz diferente. Para ser tangente tem que fazer 90º com o raio, não é isso? Então, eu vou pegar aqui o raio, fazer 90º aqui. Se tem lados paralelos no trapézio, menores que o diâmetro da circunferência, ele vai tocar nos quatro lados. Se for maior, não vai tocar, vai tocar nos três. Aqui eu desenhei a circunferência, para tentar fazer, entendeu? Aí eu puxei o raio aqui, o próximo raio tem que puxar fazendo 90 aqui também? D: Acho que não, né? P:Não precisa não? D: Não. P: Então eu vou puxar um aqui qualquer. Aí tem fazer 90º aqui também? D: Lá precisa né, é tangente. P: Então, vamos ver! Mas aí não vai ... Eu acho que esse aqui ficou com 90.

As alunas utilizaram bissetrizes e mediatrizes em suas construções, mas não

mencionaram oralmente esta opção e tampouco por que o fizeram. Observamos que

a dupla atingiu a fase 2 da resolução antes da fase 1.

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Na figura 24 pode-se observar que Patrícia construiu mediatrizes de lados

opostos de um trapézio e bissetrizes de todos os ângulos internos de um outro

trapézio, mas parece não chegar a nenhuma conclusão.

Diana e Patrícia experimentaram os quadriláteros notáveis: paralelogramo,

quadrado, losango, retângulo, trapézio retângulo e qualquer (Figuras 25 e 26):

Figura 24: Desenhos produzidos por Patrícia

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Figura 25: Quadriláteros construídos por Patrícia

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Figura 26: Quadriláteros produzidos por Patrícia

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Pode-se observar (Figuras 25,26 e 27) que as alunas tentam construir a

circunferência tangente ao quadrilátero, com centro no encontro das mediatrizes dos

lados ou no ponto de interseção das bissetrizes.

Figura 27: desenhos produzidos por Diana

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Figura 28: Construções elaboradas por Diana

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Até este momento, as tentativas de validação foram experimentais. Sempre

que Patrícia e Diana apresentavam uma ideia, elas validavam por meio das

construções. Em nenhum dos casos recorreram à teoria geométrica. Devido a estas

atitudes, podemos inferir que as alunas se encontram no nível G1 de raciocínio

geométrico e passível de produzir uma prova do tipo empirismo ingênuo, pois se

limitam ao observado para concluir.

Após todas estas construções, a dupla concluiu que, no quadrado e no

losango, que possuem os lados congruentes, a circunferência tangenciaria os quatro

lados, não apenas os três. Neste momento, Patrícia lembra que o enunciado

interroga sobre a circunferência tangenciar três lados, não apenas três lados,

podendo tangenciar os quatro lados:

D:Será que ficou? P: Eu acho. Deixe eu ver se ficou com 90. Não é sempre possível. Porque no quadrado e no losango dá pra tangenciar os quatro lados. Não tem como tangenciar só os três. É isso? D: É. P: Então, sempre que tiver os quatro lados iguais. É isso, porque ... a gente sempre consegue.

Figura 29: Desenhos produzidos por Diana

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D: Tangenciando três ou até mesmo quatro, porque no trapézio poderia ser os quatro, no qualquer também conseguimos fazer os quatro. P: A circunferência não tem que tangenciar apenas três lados, mas três lados. Então é sim. Quando ela não tangencia três, mas tangencia quatro. Tá vendo? Está errado. D: Porque quando é um quadrado ou um losango, vai tangenciar os quatro. Mas aí Patrícia observou que aqui não está perguntando apenas três lados. Pode ser três ou quatro (Falando para a pesquisadora, que observa).

Em seguida, Patrícia levanta a questão de que figura deve ser desenhada

primeiro: o quadrilátero ou a circunferência. Ela diz:

P: Olha só, nesse aqui, o que eu fiz, eu fiz a circunferência e da circunferência eu fiz o quadrilátero. A pergunta, uma circunferência tangencia três lados de um quadrilátero. Eu acho que você tem que ter o quadrilátero para ver se consegue construir uma circunferência nesse quadrilátero. Entendeu? Então, eu acho que tem que ser assim, qualquer quadrilátero que eu desenhe tem que conseguir tangenciar três lados, dele com a circunferência.

Ao decidir que primeiro deve ser construído o quadrilátero, Patrícia

demonstrou compreender o enunciado da questão, e ter percepção da generalidade

da resposta, pois ela se referiu a qualquer quadrilátero na última frase do diálogo

precedente.

Diana e Patrícia começam a redigir uma única resposta por escrito e discutem

sobre o conteúdo do texto:

P: Aí, a gente coloca o quê? D: Através também dos desenhos, né? P: A gente bota: percebemos que no quadrado, no trapézio retângulo, no losango, em todos eles.... D: Já foi escrito, não precisa apagar não. P: Eu sei, mas por quê? Porque a gente tem pelo menos um par de lados paralelos. D: Mas não pode ser só isso porque no paralelogramo nós não conseguimos. Patrícia concorda. P: Mas às vezes a gente que não conseguiu desenhar, de repente tem como. D: É. Quer tentar fazer mais um? Ou não, chega, né? P: Eu acho que está bom. Vamos tentar fazer...Não.

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As alunas acreditam ter encontrado a solução, e quando uma delas discorda,

a outra argumenta que pode ter sido uma falha no desenho que elas tentavam fazer,

e desistem de continuar investigando. A solução está totalmente baseada nas

figuras por elas construídas, caracterizando que as duas alunas encontram-se no

nível G1, e que trabalham na apreensão perceptiva segundo Duval (1994). Está

transcrita abaixo a justificativa apresentada pela dupla:

Não. Quando o quadrilátero tiver os 4 lados do mesmo tamanho, a circunferência vai tangenciar os 4 lados, então é possível (Quadrado e losango). Quando o quadrilátero tiver 2 ângulos retos também é possível (Trapézio retângulo e retângulo). No paralelogramo não conseguimos encontrar a circunferência. (Protocolo de pesquisa, 2008).

Patrícia e Diana resolveram esta questão num espaço de tempo menor do

que a dupla Rita/Guilherme, porque elas não se aprofundaram na determinação da

solução, satisfazendo-se com os resultados encontrados, e levantaram poucos

questionamentos. Por outro lado, a dupla Diana/Patrícia fez mais experimentações

por meio dos desenhos do que Rita/Guilherme, isto pode significar que o desenho

representou para elas um apoio imprescindível para o desenvolvimento do

raciocínio, pois cada nova ideia era representada graficamente, e de cada

construção retirava-se alguma conclusão.

A pesquisadora não interveio porque não houve momentos de bloqueios, e as

alunas não solicitaram ajuda.

As alunas não atingiram as fases 1, 3 e 4 da resolução.

4.2.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena

Júlia iniciou a resolução sozinha, e depois, trabalhou com Helena, que chegou

com 30 minutos de atraso. As alunas fizeram todos os desenhos com instrumental

de desenho e utilizaram processos geométricos corretamente em suas construções.

Inicialmente, Júlia desenhou uma circunferência e construiu um quadrilátero

circunscrito, procedimento similar ao de Guilherme: iniciou a investigação por parte

da resposta procurada para construir seu raciocínio. Em seguida, desenhou uma

linha poligonal e um quadrilátero qualquer, e tomou como pontos de tangência,

pontos arbitrários em cada um dos lados. Determinou a mediatriz dos segmentos

determinados por estes pontos e construiu a circunferência com centro na interseção

das mediatrizes (Figura 30). Este procedimento é semelhante ao de Rita, indicando

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que o conhecimento sobre ponto de tangência e condições para determinar o centro

da circunferência não está disponível.

Helena chegou, recebeu as questões e Júlia explicou-lhe o que é para fazer e

o que já havia feito. A partir deste momento, elas passaram a compartilhar todas as

ideias. Cada uma desenhou um retângulo, determinou o ponto médio do menor lado

e transferiu a medida da metade deste lado para os outros lados a fim de construir a

circunferência (Figuras 31 e 32).

Figura 30: Desenhos produzidos por Júlia

Figura 31: Retângulo construído por Júlia Figura 32: Retângulo construído por Helena

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A dupla passou a investigar o losango, desenhando-o. Júlia perguntou se os

ângulos internos mediam 60º e 120º. Helena afirmou que os ângulos não

precisavam ter estas medidas. Helena tentou traçar a circunferência tangente aos

lados do losango, sem determinar o raio previamente. Apenas, centrou o compasso

no ponto de encontro das diagonais. Em seguida, desenharam um paralelogramo

corretamente e procederam, como no caso do losango, para traçar a circunferência.

Nos dois casos, observamos a apreensão perceptiva. Júlia afirmou que não daria

certo. Desenharam outros losangos e trapézios e constataram que é possível ter

uma circunferência tangente a três lados do trapézio retângulo (Figuras 33, 34, 35 e

36).

Figura 33: Paralelogramo construído por Júlia

Figura 34: Losango construído por Helena

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Helena construiu uma circunferência e a dividiu em quatro partes iguais,

depois construiu retas tangentes sem utilizar processo geométrico (Figura 37).

Figura 35: Trapézio construído por Júlia Figura 36: Construção inacabada de um trapézio

feito por Helena

Figura 37: Circunferência com retas tangentes construídas por Helena

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Helena afirma após terminar o desenho:

Veja como eu consegui desenhar. Às vezes, a gente não está sabendo desenhar.

Júlia desiste de continuar a investigação e começa a escrever a resposta,

sendo auxiliada por Helena. A solução apresentada é a seguinte:

Situação 1: Primeiro o quadrilátero, só será possível se os ângulos adjacentes aos lados consecutivos foram iguais a 90º. Com exceção do losango. Situação 2: Primeiro a circunferência. Sempre será possível. (Protocolo de pesquisa, 2008)

A apresentação de uma segunda situação evidencia que as alunas não

compreenderam o enunciado do problema, segundo o qual o quadrilátero tem que

ser considerado antes da circunferência. Portanto, não existe mais de uma situação.

Esta dupla dialogou pouco e das três, foi a que menos investiu na resolução,

e também a que terminou a atividade em menor tempo. Constata-se que estas

alunas estão no nível G1 de Parzysz, pois fundamentaram as suas conclusões

apenas nos desenhos que construíram.

As alunas não alcançaram as fases 1, 2 e 3 da resolução da questão. A fase

quatro foi cumprida, mas a justificativa apresentada é compatível com o tipo de

prova experiência ingênua.

4.3 Síntese da análise dos dados da questão 1 no ambiente papel e lápis

Com relação à análise matemática, apenas uma dupla − Rita/Guilherme −

procedeu como relatado nesta, porém não de modo imediato, pois eles construíram

muitos desenhos até chegar à solução esperada. Também foi necessária a

intervenção da pesquisadora para que a dupla prosseguisse no raciocínio que

levaria à resposta correta, bem como para utilizar termos matemáticos adequados à

justificativa solicitada no enunciado da questão.

As demais duplas não responderam corretamente à questão, apenas

apresentaram justificativas compatíveis com o tipo de prova experiência ingênua.

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Todas as duplas iniciaram a investigação construindo desenhos, como

relatado na análise didática, mas com uma diferença: eles não pensaram em uma

estratégia de construção que os conduzissem à solução do problema, realizaram

construções aproximadas do ponto de vista teórico. Observou-se que os alunos

construíam os desenhos com a expectativa de que a solução emergisse de alguma

das construções realizadas. Constatou-se que nenhuma dupla refletiu sobre o que

solicitava a questão, para depois planejar a construção da circunferência tangente a

três lados de um quadrilátero.

A dupla Rita/Guilherme foi a que fez menor número de desenhos, seguida da

dupla Júlia/Helena e, por fim, a dupla Patrícia / Diana fez o maior número de

desenhos. Não foi observada relação entre o número de construções realizadas por

cada dupla e a solução apresentada, pois a dupla que acertou as questões fez o

menor número de desenhos, e a que fez maior número apenas se aproximou da

resposta correta. O que se pode inferir é que as construções geométricas, no

ambiente papel e lápis contribuem pouco para a elaboração de conjecturas e para o

desencadeamento do processo de abstração, necessário à construção de uma

demonstração.

Um fato não exposto na análise teórica foi apresentado por Rita: “Poderia o

ponto de interseção das bissetrizes dos ângulos de vértices opostos do quadrilátero

ser o centro da circunferência procurada?” Credita-se este questionamento de Rita,

possivelmente, ao clima de investigação que se instalou durante a resolução da

questão.

Uma outra ocorrência não prevista na análise teórica foi os alunos

começarem a investigação pela circunferência.

As justificativas apresentada por Rita e por Guilherme foram as que mais se

aproximaram da resposta correta conforme é apresentado na análise teórica. As

mesmas não estão completamente corretas devido à coesão no texto e falta de

indicação precisa de elementos. Por exemplo, nem Guilherme nem Rita afirmaram

que o ponto de encontro das bissetrizes era o centro da circunferência procurada. As

demais duplas apresentaram um texto contendo os resultados da investigação que

fizeram, o que indica problemas na mobilização dos conhecimentos necessários

para resolução da questão.

Somente Guilherme apresentou uma justificativa do tipo experiência mental,

os demais alunos apresentaram justificativas do tipo empirismo ingênuo.

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Com relação ao cumprimento das fases previstas na resolução da questão 1,

observamos que apenas a dupla Rita / Guilherme alcançou todas as fases. A dupla

Diana / Patrícia completou as fases um, três e quatro; e a dupla Júlia / Helena

apenas a fase quatro.

4.4 Experimentação da questão 1 no ambiente geometria dinâmica Geogebra

Neste item, são descritas a experimentação e a análise da questão 2,

agrupadas por duplas. Os alunos trabalharam em computadores independentes por

opção própria.

4.4.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme

Os alunos construíram, sem dificuldades, um quadrilátero qualquer e as

bissetrizes de dois ângulos internos consecutivos. Determinaram o ponto de

interseção destas bissetrizes, construíram perpendiculares aos lados dos ângulos

considerados, passando por este ponto, marcando o ponto de interseção das

perpendiculares com os lados, e por fim, construíram a circunferência, refazendo os

passos já desenvolvidos no ambiente papel e lápis. A seguir estão as telas

entregues por Rita e Guilherme.

Figura 38: Tela do Geogebra com a construção de Rita

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A partir destas construções e da movimentação das mesmas, Rita e

Guilherme concluíram:

R: Na 1, o que eu fiz diferente, foi que não é preciso achar as três perpendiculares. Rita lê a resposta produzida por ela para esta questão no ambiente papel e lápis. R: Não é necessário traçar as três perpendiculares às retas suportes, basta traçar uma reta suporte, que ela já é a distância do ponto de encontro das bissetrizes até um dos lados. G: É o raio. R: É o raio da circunferência que eu quero. G: No caso já tinha traçado duas, pedi para traçar as três... R: ,E além disso, o bom da GD é que a gente move um dos vértices do quadrilátero. G: E a gente pode provar para todos os casos. R: E a gente testa centenas de uma vez só. G: É, nesse caso a gente chegou rapidamente à conclusão de que se o ponto de tangência não pertencesse ao terceiro lado, a gente só teria dois pontos.

A dupla utilizou o recurso de movimentação do software para ratificar as

conjecturas formuladas no ambiente papel e lápis ressaltando a rapidez da obtenção

das mesmas, além da possibilidade de testá-las em muitos casos. Ressaltamos a

Figura 39: Tela do Geogebra com a construção de Guilherme

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fala de Guilherme, quando ele afirma que no Geogebra “pode provar para todos os

casos”, que é indicativa de uma transição G1-G2, pois ele fala em provas baseadas

nas observações da tela, e na pelas propriedades matemáticas, após produzir uma

prova do tipo experiência mental.

Podemos afirmar que para essa dupla, o ambiente computacional funcionou

como um meio de confirmação das conjecturas elaboradas no ambiente papel e

lápis, não acrescentando nada à construção da justificativa apresentada para a

solução no ambiente papel e lápis. Não observamos alterações no nível de

raciocínio geométrico dos alunos, tampouco no tipo de justificativa produzida. Deste

modo, confirmamos as observações feitas no ambiente papel e lápis , permitindo

apenas aprofundar que os alunos parecem, pelo diálogo, usar a movimentação para

aumentar a número de exemplos a fim de obter confirmações dos resultados

encontrados no ambiente papel e lápis.

4.4.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana/Patrícia

Em silêncio, as alunas começaram a investigação pelo quadrado e pelo

retângulo (Figuras 40, 41 e 42), traçando as bissetrizes e mediatrizes (Diana

construiu só mediatrizes), sem explicitar a razão para este procedimento. Com

centro no encontro das mediatrizes ou bissetrizes, as alunas construíram círculos

tangenciando os lados destes quadriláteros. Estes círculos foram traçados com a

ferramenta Geogebra círculo definido pelo centro e um de seus pontos. Observemos

aqui a confirmação da não disponibilidade do conhecimento sobre as propriedades

da bissetriz, já ressaltadas no ambiente papel e lápis.

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Figura 40: Quadrado construído por Diana

Figura 41: Quadrado construído por Patrícia

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Nos diálogos seguintes, Patrícia e Diana referem-se a construções que não

foram gravadas, apesar da recomendação da pesquisadora para que gravassem

todas as figuras construídas. Elas gravaram as figuras acima e as que consideraram

como resposta definitiva.

D: Vou fazer a bissetriz do outro para ver. P:Não vai encontrar não. D: Vou fazer do trapézio. P: Mas faz, de repente é uma boa. D: Se for trapézio retângulo... P: Olhe, não encontrou. A bissetriz não encontrou em três lugares. Faz no trapézio para ter uma ideia, será que tem que ter dois lados paralelos? D: Acho... P: Vou fazer no paralelogramo. D: Mas dois a dois, não todos. P: É. Não todos, no paralelogramo, é dois a dois, né? D: ...todos os lados congruentes,né? P: Tá vendo aqui não deu, faltou um pouquinho. Tá vendo este ângulo é bem fechadinho. Acho que tem a ver com o ângulo. D: Tem a ver com a soma dos ângulos internos. P: Deve ter, mas... No quadrilátero é 360, na circunferência é 360. Acho que não tem nada a ver com ângulo, mas vamos ver. Por que no losango e no quadrado tangencia os quatro? D:Tem relação com ... nos dois os lados são paralelos.

Figura 42: Retângulo construído por Diana

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P: Mas será que tem como tangenciar três lados no quadrado? D: Acho que não. P: Qual é aquela propriedade da... não aquele negócio da diagonal, que a diagonal divide no meio, não tem?

Patrícia tenta, em vão, se lembrar de alguma propriedade que envolva a

diagonal de um quadrilátero, isto pode evidenciar uma passagem de G1 para G2. o

diálogo evidência conhecimentos frágeis da Geometria, e as alunas parecem não

usar o aspecto dinâmico do software para buscar outros quadriláteros.

As alunas trocavam ideias, à medida que movimentavam os desenhos e

observavam. Essa prática foi constante durante todo o encontro. Observamos que a

dupla não partiu das conclusões obtidas no ambiente papel e lápis. Diana e Patrícia

fizeram muitas conjecturas que logo eram descartadas pelas observações dos

desenhos na tela, repetindo o comportamento que tiveram no ambiente papel e

lápis. Observamos que as alunas se encontram em G1. O diálogo seguinte exibe um

destes momentos, no qual as alunas referem-se às figuras construídas por elas

(Figuras 40, 41 e 42). Neste instante, elas apontam para as telas dos monitores:

P: Tem a ver com o raio. Vamos ver com o quadrado, aí tem a diagonal aqui. Ela divide no meio, então isso vai ser igual a isso, isso e isso, aí vai ter o raio. D: O raio vai ser aqui. Daqui até aqui (Refere-se à distância entre o centro do quadrado e o ponto médio de um dos lados). P: Então, não vai ser diagonal. D: Altura, metade do lado. P: Isso aqui vai ser o raio, aí vai tangenciar os quatro (Refere-se à distância citada acima). D: Não tem como tangenciar... P: Não tem como, tem que tangenciar os quatro mesmo. D: Ou só dois. Né? P: Então não é sempre possível? D: Não. P: Porque no quadrado não é possível. D: A gente tem que lembrar também da tangente que é 90º... P: Mas exatamente, no quadrado nós fizemos 90º e tocamos os quatro. D: Nós usamos... P: Aí, meu Deus! Depende de quê? D: Uma propriedade ... Se os lados opostos são do mesmo tamanho....vai tocar em um e vai tocar em outro, e no trapézio? P: É, eu acho que é isso, os lados... bem se todos os lados forem iguais, vai tocar nos quatro. Pode escrever que pode. Não...

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A discussão precedente girou em torno da circunferência tangenciar apenas

três ou mais lados do quadrilátero.

As conjecturas anteriores elaboradas pela dupla estavam apoiadas apenas na

observação dos desenhos na tela construídos por elas. Isto permite afirmar que elas

estavam em G1.

No diálogo anterior, Diana também se esforça para recordar-se de alguma

propriedade para justificar a conjectura formulada. É um indício da transição de G1

para G2.

Continuaram a dialogar:

D: No trapézio, também tem 360º. P: Vou desenhar um trapézio. Eles não têm o mesmo tamanho. E agora? D: É aquele mesmo problema, qual... P: Porque, por exemplo, a gente já fez exercício com triângulo que ela não tangenciava no ponto médio, ela tangenciava aqui, olhe, vamos ver este aqui, entendeu? Ela não tangenciava no ponto médio. D: É. D: Você fez um trapézio retângulo. P: Eu vou tentar fazer um, na sorte. Se for por estes dois lados aqui não dá, vou tentar no outro. Elas desenham. D: Mas aí tem um ângulo reto, de repente consegue. P: E também, aonde fica o centro? Não é nada daquele negócio de Cristina 29 não, que a gente tem que fazer a mediatriz.

A dupla investiga a possibilidade de o centro da circunferência ser o ponto de

encontro das mediatrizes, confirmando a não mobilização do conhecimento

adequado: propriedade da bissetriz.

P: Vou fazer a mediatriz aqui para ver. D: Eu fiz aqui, mas só que a terceira mediatriz já não vai encontrar. Só duas. Estas duas aqui. P: Então, deve ser isso, que eu falei que vai tangenciar dois lados. P: Então, eu acho que nesse quadrado que as mediatrizes vão se encontrar em dois pontos, é por que... Como que faz a mediatriz mesmo? Diana explica. P: Eu acho que é isso... Olhe esse aqui não dá.

29 Referem-se ao conteúdo abordado nas aulas de Construções Geométricas. O nome da professora é fictício.

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D: É por causa dos lados paralelos não terem a mesma medida. P: Mas se tivesse a mesma medida ia ter a mesma mediatriz. Diana concorda. D: Mas nos lados paralelos, as mediatrizes só vão se encontrar se forem do mesmo tamanho. P: Não, mas pode ser inclinada. D: Não, mas paralelo? P: Ah, é. Mas ele não precisa ter lados paralelos. D: Então sempre que tiver lados paralelos não vai ter, não vai poder. P: É aqui não deu não. D: Eu acho que é isso. No retângulo também. P: Mas no retângulo você falou que dá. E tem lados paralelos. Será que não é o ponto médio, é isso que eu estou pensando. Por que se tiver 90º, o outro ponto médio vai ficar aqui. D: É vai encontrar com as duas. P: Não é então prá lá, ele vai ficar assim, ó. D: É, só encontra duas a duas. P: É. D: Só vai tangenciar de dois a dois.

Figura 43: Quadrilátero qualquer com mediatrizes e bissetrizes construído por Patrícia

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P:Meu quadrilátero (Figura 43 )ficou meio esquisito. Não tem lado paralelo, né? D: Não. Vou fazer mediatriz. P: Eu acho que não vai dar certo. Este pensamento... eu acho que está errado. Também não vai... Tem que ser um ponto que não seja mediatriz, ele tem que ser um ponto daqui pra cá tem que ter o mesmo tamanho, daqui pra cá também tem que ter o mesmo tamanho e daqui pra cá. Mas eu acho que na hora que você for desenhar a circunferência, automaticamente, no ponto aqui vai dar 90º....Você está medindo?

Patrícia começa a perceber que a solução não se relaciona com a mediatriz

dos lados do quadrilátero. E fala da propriedade do ponto procurado: tem que ser

equidistante de três lados do quadrilátero. Nesse momento, elas concluem a fase 1.

Patrícia cogita a possibilidade da mediana resolver o problema, mas observamos

que ela não busca na teoria uma justificativa.

P: Será que é mediana? Mediana vai no ponto médio. Mediana, é como que faz? Acho que mediana é de triângulo. A mediana é um segmento. A mediatriz é uma reta. Eu acho que mediana é só de triângulo. D: Porque no quadrado e no retângulo a gente... P: A gente não desenhou, a gente pensou só.

Apesar de terem começado a investigação construindo também bissetrizes, a

dupla não conseguiu ver que o ponto procurado (o centro da circunferência

tangente) pertencia à interseção das bissetrizes de ângulos de vértices

consecutivos.

P: Aqui não é o ponto médio porque pra lá tá maior do que prá cá... Não é bissetriz não? Alguma coisa tem que ser. Como que faz bissetriz? D: Divide o ângulo ao meio. P: Tá, mas como que faz? Diana, o negócio, espera aí, tem que fazer de um jeito que dê para ficar qualquer quadrilátero. Mas a gente não pode fazer com todos.

Neste instante, Patrícia se conscientiza de que a resposta deve ter um caráter

genérico, e admite a as limitações da validação perceptiva.

D: A gente pode primeiro tentar fazer com os que a gente conhece. P: Eu vou fazer um quadrilátero. D: Vai fazer um qualquer? P: Eu vou fazer. Você pode ir fazendo um que eu vou fazer outro. (Figura 43)

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Elas desenham. P: Tem que tangenciar três lados, não? Eu vou fazer aqueles negócios que a gente estava fazendo, bissetriz, que aí a gente vai ter certeza que está certo. P: Eu cliquei aqui e aqui. Agora, aqui e aqui. E aí Diana, eu fiz as bissetrizes. Elas não se encontram no mesmo lugar. D: Só duas a duas.

P: Vou tentar fazer pela outra. Esconder aqui. D: Não estou conseguindo fazer paralela. P: Não está conseguindo? D: Não. P: É aqui. Paralela aqui, passando por aqui. Patrícia ajuda Diana a desenhar no Geogebra. P: Agora a gente vai fazer pela mediatriz para a gente ver se vai dar o mesmo. Ouviu, Diana? Vou fazer tudo que a gente tentou fazer com papel. Entendeu? D: Sim.

Patrícia construiu a bissetriz e a mediatriz de um quadrilátero não gravado, a

fim de verificar se o centro da circunferência tangente se relacionava com uma das

duas, ou com as duas. Ela constata que não existe relação:

P: Olha lá Diana, não tem um centro. Eu fiz mediatriz e bissetriz.

Figura 44: Paralelogramo com bissetrizes construído por Diana

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D: Eu pedi retângulo com a mediatriz. Não vai dar. P: Não? D: Não. Eu gravei. P: Mas a gente tinha visto que dava, né? D: Com a mediatriz ou com a bissetriz? Tô falando com a bissetriz.

Neste momento, Patrícia recordou os procedimentos no ambiente papel e

lápis, e resolver reproduzi-los no ambiente Geogebra. Em seguida, elas voltaram à

mediatriz, pensaram que a solução dependia de alguma propriedade do quadrilátero,

tais como um ou dois pares de lados paralelos ou congruentes, ocorrência de

ângulos retos, e testam várias combinações de quadriláteros com ângulo reto, sem

ângulo reto, com lados paralelos, sem lados paralelos, utilizando mediatriz e

bissetriz. Constatamos a utilização da validação perceptiva, característica de G1 e

da prova empirismo ingênuo:

P: Vou fazer aquilo que a gente estava falando, tem que ter o quê? Dois ângulos de 90º. D: E onde que é a bissetriz aqui? P: Acho que é aqui, porque... Esse aqui eu vou fazer com um ângulo de 90º. Após desenhar. P: Eu fiz este aqui com um ângulo de 90º. D: Aqui já é o ponto médio, então vai ficar 90º. P: Deu, esse aí deu. D: É usando a bissetriz, eu consegui uma circunferência. Então, com o retângulo consegue. P: Consegue. D: Vou salvar.

Figura 45: Retângulo com bissetrizes construído por Diana

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P: Aqui, ó, o retângulo através da bissetriz, o quadrado com a mediatriz. D: Com os quatro, né?,Ttangencia os quatro lados. D: Agora vou fazer qual? P: Faz o paralelogramo, que a gente não conseguiu (Refere-se ao paralelogramo construído no ambiente papel e lápis). Eu estou fazendo um quadrilátero qualquer que tenha um ângulo de 90º. Aí, eu vou tentar a mediatriz e bissetriz.

Após desenhar no Geogebra:

P: Eu acho que não vai dar por mediatriz, não. Retângulo foi pela bissetriz? D: Foi. P: Vou fazer a bissetriz. D: Fiz paralelogramo. Acho que vai ser pela bissetriz. P: Aí consegui. Tendo um ângulo reto eu consegui. Patrícia registra quadrilátero com um ângulo reto pela bissetriz. P: Eu acho que o “canal” é bissetriz, heim? D: É. P: Esse não tem nenhum ângulo reto (Refere-se ao desenho construído por Diana). D: É o paralelogramo. P: É. Vai ver que consegue. D: Só que tem que fazer uma perpendicular, nesse ponto aqui. P: Hum? D: Para achar o raio. Perpendicular aqui até a reta. P: Eu não fiz isso não. Eu fiz até encostar. Será que está certo? Eu fiz até encostar só.

Figura 46 : Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Patrícia

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D: Acho que está. Vou fazer direto também. Paralelogramo também dá, ó. Três lados. P: Pela bissetriz. D: Isso. P: E não tem nenhum ângulo reto? D: Não. Não cheguei à conclusão nenhuma. Tem paralela, lembra? P: Ah, é.

Neste diálogo, as alunas começam a perceber que o centro da circunferência

procurada pode ser a interseção de bissetrizes, e também utilizam a propriedade da

reta tangente no ponto de tangência. Elas continuam:

P: Então, eu vou fazer um trapézio qualquer. D: Um trapézio retângulo, também vai tocar.

P: Eu não queria um trapézio isóscele,s não. Por que eu fiz isso? Patrícia desenha. P: Esse aqui é um trapézio, não é? D: É. P: Eu não queria que ficasse isósceles. Diana, está tentando fazer o quê? D: Trapézio retângulo.

Figura 47: Trapézio retângulo com bissetrizes construído por Diana.

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P: Eu só estou fazendo duas bissetrizes. Você está fazendo todas? D: Nesse caso aqui eu estou fazendo todas porque desse lado aqui tocou os três. Eu quero ver se de lá onde não é reto... P: Consegui também, olhe, trapézio qualquer, não tem ângulo reto. D: Olha Patrícia, onde ele não é reto também tocou os três lados, pela bissetriz. P: É porque ele é paralelo. D: Hum. P: Agora para tocar os quatro. Será que ele não tocaria os quatro, tocaria sim, se essa paralela aqui, esse lado fosse aqui, ele tocaria os quatro lados. D: É. P: Vou fazer uma paralela até esse ponto. Aqui tá tangente? Tá tangente do lado de cá, lado de cá e lado de cá? D: Ta.... P: Aqui no trapézio tá nos dois lados. Então, trapézio qualquer também dá. Pela bissetriz também. Então tudo pela bissetriz. D: É. P : Então, qualquer quadrilátero que eu fizer com duas retas paralela vai ser trapézio. D: É. P: Então, eu concluo que ou ele é trapézio ou tem um ângulo de 90º, pelo menos um ângulo de 90º. Eu vou botar assim: sim, desde que o quadrilátero, não, não é qualquer quadrilátero. Porque ele tem que ter ângulo do 90º ou tem que ser trapézio, eu acho que é isso. Vou tentar com qualquer um agora.

Figura 47: Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Patrícia.

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Patrícia começa a esboçar a resposta, mas interrompe e já começa outra

construção.

D: Sem um ângulo reto, né? Vamos tentar depois com um losango? P:É, mas como que fazemos um losango aí? D: Os dois lados opostos paralelos. P: Aí, Diana, com quadrilátero qualquer, deu certo. Vou ver se dá certo. É como que tem que fazer? D: Uma perpendicular daqui, aqui é o ponto de tangência. P: Assim a gente tem certeza que ela está tangente? Esqueci! Patrícia conclui o desenho das perpendiculares. P: Olhe, então deu no quadrilátero qualquer. E não tem paralela, tem? D: Não, nem ângulo reto. P: Vou movimentar ele. Aqui está saindo. Não estou entendendo mais nada!

Ao movimentar o quadrilátero, Patrícia averigua que a circunferência não permanece tangente ao quadrilátero.

A pesquisadora sugere fazer o quadrilátero com cor diferente. P: O losango tem que ter os quatro lados iguais. D: É, e paralelos. P: Pela definição, é só os quatro lados iguais, paralelo é só uma consequência. Eu acho. E agora Diana?

Esta afirmação coloca Patrícia no nível G2 de raciocínio geométrico, pois ela

reconhece uma afirmação como consequência de outra.

Executaram procedimentos de trocar e cor e espessura. P: O que você está tentando? D: Estou tentando fazer reflexão desse ponto, para poder fazer o losango. P: Reflexão de que ponto? D: Desse ponto aqui. P: Aonde? D: Do lado de cá, para poder fazer o losango. P: Mas você não pode fazer com a circunferência não? O tamanho daqui. D: É melhor, né? Porque aqui tem, olhe, reflexão. P: Ah, objeto, objeto. P: Objeto é o ponto, depois a reta. Agora essa reta aqui. Não é não? Ponto de interseção... D: O losango tem os quatro lados também.

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P: Acho que eu consegui este aqui. Eu queria dar um jeito de ter certeza que é tangente. Como que eu sei isso?

Figura 49: Losango com bissetrizes construído por Diana.

Figura 50: Quadrilátero qualquer construído por Patrícia, com bissetrizes e a circunferência com centro na interseção das mesmas.

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Patrícia não usa o recurso de movimentação para saber se a circunferência é

realmente tangente aos lados do quadrilátero.

D: Se você fizer a perpendicular. P:Perpendicular, passando por esta reta no ponto A: passando por qual reta? D: Passando por esta aqui que é a bissetriz... Tem uma ferramenta aqui. P: Mas isso aqui não quer dizer que não é tangente, Diana. Porque do centro até o ponto de tangência é que tem que ter 90 graus. E qual é o ponto de tangência? A gente não sabe o ponto de tangência aqui. Tem que descobrir o ponto de tangência para ver... D: Tem uma ferramenta aqui, tangente.

A ferramenta tangente do Geogebra constrói retas tangentes a uma

circunferência, dada esta e o ponto pelo qual deve passar a reta tangente. Este

ponto pode estar na circunferência ou fora dela.

P: Ah é! Tangente. Ponto, depois, círculo. D: Não é o centro, é o ponto da circunferência, mas como que a gente vai saber o ponto certo? P: Não mas ele vai dar o ponto. Isso nós fazemos reta tangente naquele ponto.

Patrícia refere-se ao software, afirmando que o ponto de tangência é

apontado pelo Geogebra, quando ele constrói a reta tangente à circunferência.

D: Você fez, é ela mesma, coincide? P: É o mesmo. Ah, tá, essa reta tem que coincidir com o lado. D: Não tangencia porque está passando um pouquinho.

P: Então o raio tem que ser este aqui. D: O raio tem que ser esse, tem que esconder a circunferência aqui. P: Agora essa aqui é tangente a essa. D: A esse aqui, não esse aqui. P:Não entendi. D: O quê? P: Eu fiz uma reta tangente aqui, é este aqui. E agora eu fiz a circunferência com este tamanho aqui de raio. Ela passou por esta, então esta circunferência é tangente a esta reta, não a essa rosa. D: Mas será que um pontinho aí bem próximo de F não seria? Porque também não pode ter tanta precisão assim, será, o computador, o ponto que a gente montou. P: Porque eu que escolhi esse ponto F. D: Então!

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P: Eu que escolhi, ainda não sei qual é o ponto de tangência. Ai, meu Deus do céu! Tá difícil! D: Patrícia, e se partir da circunferência para depois fazer o quadrilátero com as retas tangentes. Acho que tem que fazer isso. P: Mas aí não vai ser sempre possível. Só se a gente movimentar, né? Patrícia segue a sugestão de Diana. P: Vou fazer um ponto aqui e outro aqui, e vou fazer reta tangente. Esse ponto passando por esta. Ela escolhe os comandos em voz alta. D: Você pode escolher tangenciando também ou não. P: É. Então, a resposta é sim. Diana repete em voz alta o enunciado da questão. D: Então, o quadrilátero já está pronto e vamos construir uma circunferência. É isso? Então, primeiro tem o quadrilátero, para depois ter a circunferência. P: Então, isso que a gente está fazendo aqui é o contrário. Aqui eu fiz certinho, a circunferência tá tangenciando, eu tenho certeza. Aí a gente pode movimentar este ponto de forma, sei lá! Ih, esse aqui não move. Patrícia move o desenho.

No diálogo que segue, as alunas referem-se à construção da Figura 51.

P: Convexo é o que mesmo? Isso aqui não é convexo, né? E aí Diana? D: De duas bissetrizes, né?

Figura 51: Quadrilátero qualquer com bissetrizes construído por Patrícia.

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P: De ângulos assim, um do lado do outro. D: É aí... P: Porque se eu faço desse ângulo e desse aqui não dá, tem que ser de ângulos assim, ó. D: Tem certeza? Será que não teria uma outra circunferência? P: Não, tem outra circunferência, mas aí, eu tenho que fazer deste com este, ou desse com esse. D: Tem que fazer com os ângulos consecutivos. P: Ângulos consecutivos. D: Aí toca nos três lados. P: Toca nos três lados. Mas isso que eu estou querendo saber, se esse ponto G é o ponto de tangência. D: Mas será que não é isso que eu estou falando? Será que agora a gente não tem certeza, porque você fez pela tangente? Achou a bissetriz, você tem certeza que este ponto D e o C são tangentes, né? Você fez a bissetriz, deu direitinho no centro da circunferência. Coincidiu.

Patrícia decidiu construir primeiro a circunferência, depois traçou três retas

tangentes utilizando a ferramenta tangente, passando por pontos escolhidos por ela

arbitrariamente. Marcou os pontos de interseção das retas tangentes, e construiu

um quadrilátero com três dos lados sobre as retas tangentes construídas

anteriormente. Em seguida, construiu duas bissetrizes de ângulos consecutivos e

Figura 52: Quadrilátero construído por Patrícia

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verificou que o ponto de interseção destas coincidiu com o centro da circunferência

já construída.

Na figura seguinte, Patrícia tenta verificar se realmente o ponto de interseção

das bissetrizes é o centro da circunferência tangente.

P: Entendi. D: Entendeu? E aqui a gente fazendo o contrário, acho que também é a mesma coisa. P: Mas aí eu queria fazer um quadrilátero qualquer. D: Porque aqui, por exemplo, no meu desenho, não é esse ponto E aqui que tá tangenciando, pode ter um outro ponto aqui. P: Entendi. D: Mas foi onde eu peguei. P: Agora eu estou fazendo a bissetriz. Deixe eu trocar as cores aqui. Agora eu vou ver a bissetriz desse e desse. São dois consecutivos. Falando sério!

Figura 53: Quadrilátero construído por Patrícia.

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D: Por que não? Mas vai tangenciar, tenta fazer a circunferência aqui. O raio aqui, o centro na interseção das bissetrizes até tocar os .... P: A circunferência não precisa ser aquilo ali não? D: Ser o quê? P: Não precisa estar dentro do quadrilátero não? D: Vai tangenciar. Podia colocar esta circunferência aí, deixa preta, e as outras eu vou fazer de outras cores. P: Que outra? D: A bissetriz do B e do C. P: Vou botar essa aqui de outra cor. D: Vai botar o quê? A circunferência de outra cor? P: Não, a bissetriz. P: Agora, vamos fazer do B e do C? É isso? É aqui vai dar para fazer uma circunferência do B e do C, com o C e o do D deve dar para fazer uma circunferência. D: Nós não observamos que as bissetrizes se encontram duas a duas? P: Ham, ham. D: Então, tem que fazer a circunferência de cada uma. P: Deu, né? D: Hum, hum. P: Então, respondemos. D: Não quer terminar de fazer não? P: Não, eu vou fazer. Outra agora, né? D: Pode ser com A e D, que são consecutivos. Aqui já tem uma interseção. P: Essa aqui? D: É. P: Vou colocar aqui para ficar direitinho. Então nós já respondemos. D: A interseção das bissetrizes. De duas a duas. De um quadrilátero qualquer. P:É, então vamos lá, responder! D: E aquela que tem um ângulo reto? A interseção de duas? P: Também. Diana concorda. P: Responde aí, tá gravando? Coloca: sim.. (Está registrado na folha de respostas)

Após esta construção, as reflexões em dupla, Patrícia e Diana responderam

que:

Sim. Em um quadrilátero qualquer convexo, a interseção das bissetrizes de ângulos consecutivos duas a duas será o centro da circunferência que tangencia três lados consecutivos do quadrilátero. (Protocolo de pesquisa, 2008).

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Esta dupla manteve o comportamento que teve no ambiente papel e lápis, ou

seja, construiu muitos desenhos, inicialmente sem planejamento de suas ações.

Entretanto, investiram mais na pesquisa de uma estratégia de resolução. Houve

avanço na elaboração da conjectura, mas as alunas não responderam à questão

completamente e também não justificaram a solução apresentada. Podemos afirmar

que o ambiente Geogebra possibilitou o avanço, porque as alunas atingiram as

fases 1e 2. A fase 4 não foi alcançada pelas alunas porque elas não justificaram a

resposta apresentada.

4.4.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena

Helena não compareceu a este encontro e Júlia trabalhou sozinha.

Observamos Júlia com pouquíssimas interferências.

Júlia iniciou construindo um quadrado com as diagonais e traçou a

circunferência com centro no ponto de encontro das diagonais, passando pelo ponto

F, colocado sobre o lado DC em posição próxima à do ponto médio, isto é, Júlia não

marcou F como ponto médio utilizando a ferramenta que o software disponibiliza, e o

desenho obtido ficou como na Figura 54.

Figura 54: Quadriláteros construídos por Júlia.

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Na sequência, Júlia desenhou um quadrilátero qualquer e uma circunferência

com retas tangentes passando por pontos externos escolhidos arbitrariamente

(Figura 54).

Após estes desenhos, ela demonstrou, por meio da expressão facial, ainda

não ter nenhuma conclusão. Continuou a investigação construindo um quadrilátero

qualquer, as bissetrizes de dois ângulos consecutivos, e a circunferência com centro

no ponto de interseção das bissetrizes, passando por um ponto qualquer

considerado sobre um dos lados do quadrilátero. Neste momento, Júlia mostra seu

desenho para a pesquisadora e afirma que “deu certo” (Figura 55).

É importante notar que todos os desenhos produzidos pela aluna até este

instante não haviam sido movimentados, isto é, ela parecia estar desenhando com

papel e lápis no que diz respeito à imobilidade das figuras. A pesquisadora, que

acompanhou a construção, sabendo que a solução estava errada, lembrou a Júlia

que ela estava num ambiente de geometria dinâmica e podia explorar a construção,

Figura 55: Quadriláteros construído por Júlia.

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modificando-a por meio da movimentação. Ao responder à pesquisadora sobre por

que utilizou a bissetriz, a aluna afirmou que “acha que tem algo a ver com ângulo”.

Nós perguntamos por que ela construiu a circunferência passando por um

ponto qualquer posicionado sobre um lado do quadrilátero. Diante do silêncio da

aluna, a pesquisadora afirmou que existia uma propriedade de tangência que ela

estava esquecendo, induzindo uma mobilização de conhecimentos. Júlia falou

imediatamente que o raio era perpendicular ao ponto de tangência, e iniciou outra

construção (Figura 56).

Nesta nova e última construção, Júlia desenhou um quadrilátero qualquer, as

bissetrizes de dois ângulos consecutivos, uma perpendicular ao lado AB, passando

pelo ponto E de interseção das bissetrizes, e finalmente, construiu a circunferência

com centro E passando por F. Em seguida, Júlia afirma que “uma coisa que eu

estava tentando era ver a circunferência toda dentro, e agora eu vejo que não

precisa, com a movimentação”. Observa-se aqui um progresso na elaboração da

conjectura provocado pelo ambiente Geogebra e pela interferência da pesquisadora.

Figura 56: Quadrlátero qualquer com bissetrizes construído por Júlia.

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A solução apresentada pela aluna foi:

Sim, é possível construir uma circunferência tangente a três lados consecutivos de um quadrilátero convexo. Basta traçar a bissetriz de dois ângulos desse quadrilátero, a interseção das bissetrizes será o centro da circunferência. Depois é só traçar duas retas perpendiculares a dois segmentos passando pela interseção das bissetrizes. A interseção das retas com os segmentos serão os pontos pertencentes (tangentes) a circunferência. Com isso ela será tangente também ao terceiro lado (Protocolo de pesquisa, 2008).

As intervenções descritas neste relato foram necessárias para o avanço da

aluna nas investigações. Houve progresso com relação ao ambiente papel e lápis,

pois neste a aluna não havia sequer se aproximado da resposta correta trabalhando

em dupla. Ao contrário do que aconteceu no ambiente Geogebra, neste a aluna

conseguiu realizar a construção correta, mas não atentou para o fato de os pontos

de tangência pertencerem aos três lados do quadrilátero e tampouco justificou a

solução encontrada. A aluna atingiu as fases 1 e 2 da resolução da questão

Assim como a dupla Patrícia/Diana, Júlia fundamentou as suas conclusões na

percepção das figuras, e não se referiu, em nenhum momento, à propriedades

geométricas, o que permite afirmar que esta aluna se encontra em G1. A justificativa

apresentada é do tipo empirismo ingênuo.

4.5 Síntese das análises da questão 1 no ambiente de geometria dinâmica

Geogebra

A dupla Rita/Guilherme procedeu como relatado na análise teórica, ou seja,

utilizou o ambiente Geogebra para confirmar as conjecturas elaboradas no ambiente

papel e lápis. O único acréscimo foi detectado por Rita, afirmando que, no ambiente

papel e lápis, ela não visualizou que seria desnecessário traçar três retas

perpendiculares aos lados do quadrilátero para encontrar o raio, e que no Geogebra

isto foi logo compreendido. Até mesmo a percepção de que o ponto de tangência

teria que pertencer ao lado do quadrado, não foi obtida neste ambiente, pois este

fato já havia sido observado no ambiente papel e lápis. A experiência no ambiente

Geogebra não provocou modificações nas justificativas elaboradas quando da

resolução no ambiente papel e lápis.

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Em síntese, para esta dupla, a resolução no Geogebra contribuiu para

aumentar o grau de certeza da solução encontrada no ambiente papel e lápis, mas

não alterou a fundamentação da conjectura; logo, não interferiu na demonstração

apresentada por eles.

A dupla Diana/Patrícia teve grande avanço em relação ao ambiente papel e

lápis, pois neste elas conseguiram soluções particularizadas; enquanto, no ambiente

Geogebra, elas chegaram à solução parcialmente correta, pois não observaram o

fato de o ponto de tangência ter que pertencer ao lado do quadrilátero, além de não

justificarem a solução encontrada.

Assim como no ambiente papel e lápis, Diana e Patrícia construíram muitos

desenhos e não organizaram a investigação, além de aproveitarem parcialmente os

resultados obtidos no ambiente papel e lápis ao longo de toda a investigação.

As alunas se comportaram como descrito na análise teórica, utilizaram o

ambiente Geogebra para tentar encontrar a solução, que não acharam no ambiente

papel e lápis.

A aluna Júlia, que trabalhou sozinha no ambiente Geogebra, alcançou

parcialmente a solução correta, pois não afirmou que o ponto de tangência precisava

pertencer a cada um dos três lados do quadrilátero e não justificou a solução

encontrada.

As observações anteriores permitem alegar que as alunas Rita, Júlia, Patrícia

e Diana estão no nível de raciocínio geométrico G1 segundo a classificação de

Parzysz, possuem uma apreensão perceptiva das situações analisadas.

Observou-se que apesar de tais alunas estudarem quatro semestres de

geometria plana euclidiana e terem um semestre de estudos sobre softwares

(inclusive, Geogebra) e suas aplicações no ensino de Matemática, elas não

apresentaram uma desenvoltura maior no trabalho realizado no Geogebra, isto é,

não utilizaram plenamente os recursos que o software continha, o que mostra que

não se apropriaram das ferramentas oferecidas por esse ambiente, nem dos

conhecimentos geométricos estudados nos quatro semestres anteriores.

Na análise teórica, foi afirmado que a movimentação dos desenhos,

possibilitada pelo Geogebra, poderia facilitar a percepção de que os pontos de

tangência precisariam pertencer aos três lados do quadrilátero. Pois bem, isto não

ocorreu na aplicação da questão. A única dupla que mencionou este fato, o obteve

como resultado de investigação, no ambiente papel e lápis; e as outras duas não

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perceberam esta condição quando trabalhavam no Geogebra. Uma possível

explicação para este ocorrido pode ser o foco colocado por estas duplas na busca

pelo centro da circunferência tangente aos três lados do quadrilátero.

Esta análise permite afirmar que o ambiente Geogebra possibilitou um avanço

para segunda e terceira dupla, mas não o suficiente para que elas alcançassem o

nível G2. E o tipo de justificativa permaneceu como o do tipo empirismo ingênuo.

Com relação à primeira dupla, constatou-se progresso para um dos alunos

(Rita), mas também não o necessário para que ela mudasse do nível G1 para o nível

G2. E sua justificativa permaneceu como a do tipo empirismo ingênuo. Para o outro

aluno (Guilherme), que trabalhou oscilando em G1 e G2 (confirmando o que Parsysz

(2006) observou em sua pesquisa), não foi constatado avanço em relação ao nível

G3, e sua justificativa também não foi alterada, permanecendo como do tipo

experiência mental.

Constatamos o que Parzysz (2006) denomina controle de G1 sobre G2 e vice-

versa, durante a resolução da questão pelo aluno Guilherme. Ele demonstrava

conhecimentos teóricos, mas buscava a verificação na prática, ao mesmo tempo em

que buscava a teoria para justificar a prática. Percebemos uma oscilação entre G1 e

G2, pois Guilherme mostrou saber que precisava validar as conjecturas com

teoremas, mas retornava com frequência ao desenho.

Observamos que o ambiente de geometria dinâmica favorece a produção de

provas do tipo empirismo ingênuo e experiência crucial, podendo encaminhar para o

exemplo genérico, desde que os conhecimentos geométricos dos alunos sejam

adequadamente mobilizados.

4.6 Análise teórica da questão 2

A seguir, é apresentada a análise teórica da questão 2 cujo enunciado é:

Considere um quadrilátero ABCD, o ponto médio M de CD e o ponto P,

interseção da diagonal AC com o segmento BM. Estude a relação entre as áreas

dos triângulos ABP e MCP nos casos em que ABCD é:

a) paralelogramo;

b) trapézio;

c) quadrilátero convexo qualquer.

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4.6.1- Análise matemática no ambiente papel e lápis

Estratégia de resolução

a) Esboçar e/ou construir por processos geométricos com o instrumental de

desenho, um paralelogramo ABCD e os elementos mencionados no enunciado da

questão (Figura 57).

Verificar que os triângulos ABP e CMP são semelhantes pelo caso ângulo-

ângulo, pois PMCPBA ˆˆ ≡ ou PCMPAB ˆˆ ≡ (ângulos alternos internos porque AB//CD e

BM ou AC é a transversal), e MPCBPA ˆˆ ≡ (ângulos opostos pelo vértice). Logo, a

razão de semelhança entre os triângulos ABP e CMP é a razão entre os lados AB e

CM, mas como AB = 2 CM, uma vez que M é ponto médio de CD, tem-se

22

==CM

CM

CM

AB. Sabendo que a razão entre as áreas é igual ao quadrado da razão

de semelhança, tem-se que a razão entre as áreas dos triângulos ABP e CMP, nesta

ordem, é 2²=4. Portanto, a relação entre as áreas dos triângulos é AABP = 4ACMP.

b) Esboçar um trapézio qualquer, inserindo os elementos citados no enunciado

(Figura 58).

Figura 57: Paralelogramo

Figura 58: Trapézio qualquer.

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Constatar que há um par de triângulos semelhantes pelas mesmas razões do

caso do paralelogramo. A diferença surge ao escrever a razão de semelhança entre

os triângulos, pois, ao contrário do paralelogramo, não há relação entre os lados

paralelos - as bases do trapézio. Daí, a razão será formulada em função da medida

das bases, ou seja, chamando a base maior de B, e a base menor de b, tem-se a

razão igual a 2

Bb

ou

2bB

, conforme o ponto médio tenha sido considerado como

sendo da base maior, ou da base menor, respectivamente. Em seguida, formula-se a

relação entre as áreas dos triângulos ABP e CMP, sabendo que a razão entre as

áreas de dois triângulos é o quadrado da razão de semelhança: ACMP =

2

2

Bb

AABP

OU AABP =

2

2

bB

ACMP. Portanto, a relação entre as áreas dos triângulos ABP e CMP

é variável, mas não é arbitrária, pois é função das bases do trapézio.

No caso do quadrilátero qualquer, observar que não há paralelismo entre

pares de lados; e, portanto, não há ângulos alternos, daí não há casos de

semelhança, e consequentemente, não há triângulos semelhantes. Concluir que

não existe relação entre as áreas dos triângulos.

Conhecimentos matemáticos envolvidos

Os conhecimentos matemáticos envolvidos são quadrilátero convexo,

diagonal de polígono, ângulos opostos pelo vértice, semelhança de triângulos, caso

de semelhança de triângulo ângulo-ângulo, propriedades dos ângulos formados por

retas paralelas e uma transversal, relação entre as áreas de figuras semelhantes.

4.6.2 Análise didática no ambiente papel e lápis

Ao começar a investigação dos quadriláteros, na ordem sugerida no

enunciado da questão, o aluno pode adquirir segurança para prosseguir na

investigação, uma vez que o paralelogramo é um polígono com muitas propriedades

familiares ao aluno, o que facilita o estabelecimento de relações.

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Caso o aluno construa o paralelogramo, o trapézio e o quadrilátero qualquer

com régua e compasso, o aluno contará com as medições empíricas realizadas por

ele com régua graduada, além de lembrar e usar uma fórmula da área do triângulo.

Caso ele opte por utilizar a expressão 2

.hbA = , que é a mais utilizada no ambiente

escolar, precisará saber o que é altura de um triângulo, traçar esta altura

corretamente e medi-la. Este procedimento poderá atrasar ou mesmo desanimar o

aluno na busca por uma conjectura, devido às possíveis imprecisões no ato de

medir. Se o aluno se ativer a estas medições para responder à questão,

caracterizará o nível de raciocínio geométrico G1, podendo produzir uma prova do

tipo empirismo ingênuo ou experiência crucial.

O aluno poderá não se lembrar da relação entre as áreas de duas figuras

semelhantes, o que é fundamental para a resolução da questão no item b. Sendo

esta propriedade imprescindível para a obtenção da solução do item b, afirmamos

que a sua resolução ocorre apenas em G2. Portanto, para o aluno responder,

corretamente, necessita estar neste nível de raciocínio. Em consequência deste

fato, a justificativa elaborada será do tipo experiência mental.

Com relação ao item c, o aluno poderá gastar mais tempo que o necessário,

procurando alguma relação entre as áreas dos triângulos, caso não compare este

com os itens a e b, e veja que a propriedade que possibilitou responder tais itens

está ausente deste: o paralelismo de pelo menos dois lados opostos do quadrilátero.

Mas este fato ocorrerá se o aluno manifestar raciocínio geométrico compatível com o

nível G1.

4.6.3 Análise matemática no ambiente de geometria dinâmica Geogebra

Estratégia de resolução

Construir no ambiente Geogebra um paralelogramo, um trapézio e um

quadrilátero qualquer. Nesse ambiente, os pontos criados são automaticamente

nomeados pelo software, que é configurado para não nomear pontos distintos com

nomes iguais numa mesma tela. Portanto, cada um dos quadriláteros citados terá

nomes diferentes, tendo apenas um quadrilátero ABCD, se os demais forem

construídos na mesma janela. Logo, para construir os triângulos solicitados no

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enunciado da questão, é necessário que o aluno atente para o fato de que escolhido

o lado de cada quadrilátero para marcar o ponto médio, a diagonal traçada e o

segmento que unirá este ponto médio e um dos vértices do quadrilátero não

poderão ter os mesmos extremos, mesmo porque não haveria ponto de interseção

distinto do extremo comum entre tais segmentos. Continuando a resolução, em

todos eles, marcar o ponto médio do lado CD, construir a diagonal AC e o segmento

BM conforme o enunciado. Em seguida, construir os triângulos ABP e MCP com a

ferramenta polígono, ou não. A figura 59 mostra um exemplo com os quadriláteros

construídos numa mesma tela.

Como a questão solicita uma relação entre as áreas dos triângulos

construídos em cada quadrilátero, pode-se usar a ferramenta área para obter a

medida da área de cada um dos triângulos. Analisando individualmente cada

quadrilátero na ordem dada pelo enunciado, com base nas medidas das áreas

fornecidas pelo software, pode-se conjecturar que, no caso do paralelogramo, a área

do maior triângulo parece ser sempre o quádruplo da área do menor triângulo, pois

em alguns casos, a área maior não é exatamente igual ao quádruplo da área menor.

Há diferença de 1 unidade no quarto dígito. Na figura 60, há um exemplo desta

situação:

Figura 59: Quadriláteros construídos no software Geogebra.

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Em função dos dados fornecidos pelo Geogebra, poderá surgir a dúvida se a

área do maior triângulo é sempre o quádruplo da área do menor triângulo. O

caminho para obter a certeza é a demonstração desta afirmação, já apresentada na

análise matemática desta questão no ambiente papel e lápis.

No caso do trapézio, se o aluno conseguiu resolver a questão no ambiente

papel e lápis, usará os dados obtidos no Geogebra para confirmar a sua conjectura.

Caso contrário, poderá tentar estabelecer alguma relação entre os dados numéricos

obtidos, como, por exemplo, calcular a razão entre as áreas e dois lados homólogos,

e verificar que a razão entre as áreas é sempre o dobro da razão entre os lados

homólogos. Tal constatação poderá levá-lo a lembrar, se ainda não lembrou por

ocasião da resolução desta questão no ambiente papel e lápis, da relação entre as

áreas de figuras semelhantes e, então, iniciar uma justificativa para a situação

encontrada. Esta tentativa poderá evoluir para a determinação da relação entre as

áreas em função das bases do trapézio.

No caso do quadrilátero qualquer, não há relação entre as áreas dos triângulos

ABP e MCP, pois os mesmos não são semelhantes.

Conhecimentos matemáticos envolvidos

Os conhecimentos matemáticos envolvidos são os mesmos citados no item

correspondente na análise matemática para o ambiente papel e lápis.

4.6.4 Análise didática no ambiente de geometria dinâmica Geogebra

Figura 60: Triângulos com áreas que verificam (à direita) e que não verificam (à esquerda) a relação 4 para 1

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A localização dos elementos dos quadriláteros é indispensável para a

obtenção da solução do problema apresentada na análise matemática. Se no caso

do trapézio, o aluno nomear os lados não paralelos de AB e CD, a relação

demonstrada (ACMP =

2

2

Bb

ou AABP =

2

2

bB

ACMP ) não se aplica, pois os triângulos

AMB e MCP não serão semelhantes. Já no caso do paralelogramo, a troca de nome

dos vértices não fará diferença (respeitando-se, evidentemente a ordem A,B,C e D),

uma vez que em todos eles, os lados opostos são paralelos e congruentes. Estas

ocorrências caracterizam o nível de raciocínio geométrico G1.

Em relação ao item a, o fato de software Geogebra possuir uma ferramenta

que fornece as medidas das áreas das figuras, encoraja o aluno a elaborar a

conjectura, ainda que em alguns casos a medida das áreas difiram devido à

configuração da precisão das casas decimais. Se o aluno não construiu uma

justificativa adequada para a resolução apresentada por ele no ambiente papel e

lápis, a utilização do software poderá apontar caminhos para obtenção da solução,

porque exibe a figura em movimento e, deste modo, as propriedades invariantes

ficam mais facilmente identificáveis. Em G1, a resposta do aluno será a relação AABP

= 4ACMP , e a validação, perceptiva, com base nos dados numéricos fornecidos pelo

Geogebra. A prova produzida será do tipo empirismo ingênuo ou experiência crucial.

Em G2, as ações neste ambiente terão caráter de verificação da conjectura.

A manipulação possibilitada pelo software pode não indicar um caminho para

a resolução do item b, pois as áreas dos triângulos AMB e MCP, fornecidas pelo

Geogebra não guardam uma relação explícita entre si. Daí, o aluno poderá pensar

que não há relação entre tais áreas. Vejamos que estas ideias só ocorrerão a alunos

no nível de raciocínio geométrico G1, uma vez que neste nível, a validação é

pragmática. Contudo, a resposta completa do item b exige que o aluno escreva a

relação de semelhança entre os triângulos AMB e MCP, e o software não contribui

para que isto ocorra. Como já relatado na análise didática deste item, no ambiente

papel e lápis, tal resolução ocorre no nível G2, decorrendo uma justificativa

compatível com o tipo de prova experiência mental.

No item c, comparando com o ambiente papel e lápis, o aluno terá dados para

decidir, em menor tempo, se há relação entre as áreas dos triângulos. Caso o aluno

ancore a sua justificativa em tais dados, produzirá uma justificativa do tipo empirismo

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ingênuo ou experiência crucial. Em G2, a validação não se fundará nestes dados e,

sim, na ausência de lados paralelos do quadrilátero.

Dentre os conhecimentos matemáticos requeridos para demonstrar a

conjectura, aquele que pode não ocorrer ao aluno é a relação entre as áreas de

figuras semelhantes, pois este tema não é tão recorrente quanto os outros

conhecimentos na matemática escolar, podendo tornar-se um obstáculo para a

conclusão da resolução.

4.7 Experimentação da questão 2 no ambiente papel e lápis

4.7.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme

Rita e Guilherme construíram com os instrumentos de desenho geométrico,

utilizando processos geométricos, um paralelogramo e os elementos conforme

descrito no enunciado da questão 2 (Figuras 61 e 62).

Figura 61: Paralelogramo construído por Rita

Figura 62: Paralelogramo construído por Guilherme.

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Após completar o desenho, Rita afirmou que MP parecia ser um terço de

BM e utilizou o compasso para comparar as medidas destes segmentos, concluindo

que esta relação não procedia. A pesquisadora afirmou que o procedimento utilizado

por Rita era empírico porque ela estava usando instrumentos, neste caso, o

compasso; e perguntou porque ela havia mencionado um terço. Rita respondeu: “Eu

olhei e parece que é um terço, assim... Mas também lembrei porque no baricentro

faz um terço, a distância de lá de cima até o ponto é 1/3”. O encontro das três.

Guilherme completou a frase de Rita dizendo que é o encontro das três medianas. A

pesquisadora lembrou que mediana era elemento de triângulo, e eles não tinham

triângulo no desenho. Guilherme respondeu que haveria dois triângulos se

dividissem o paralelogramo por uma de suas diagonais. Seguiu-se o seguinte

diálogo. Considere que R indica a fala de Rita, G a de Guilherme e Pesq. a da

pesquisadora:

Pesq: AC é mediana? G: Não. R: AC é diagonal. G: AC é diagonal. Pesq: Quando você tem mediana, você tem que ter triângulo. E não tem triângulo aí. G: Mas se dividir em dois. Pesq: Se dividir, tudo bem. R: Se eu chamar PC de x, AP é dois x. G: As diagonais se encontram no ponto médio? Não, né? R: Aqui, Guilherme, agora falta aqui, ó. Aqui y(PM), aqui 2y(BP). G: Mas é porque você mediu! R: Aqui z(MC), aqui 2z(AB) G: Mas a gente tinha que explicar por que que é. R: Eu vi que é ( Rita afirma em tom de brincadeira). Pesq: AC é uma mediana? G: AC é uma diagonal, a gente tem que fazer isso generalizando. É bom a gente fazer isso, porque a gente já encontrou uma relação. A gente já sabe aonde quer chegar pelo menos. Aí, isso das diagonais se dividirem ao meio, eu não estava lembrando. Se traçar a outra diagonal, entra aqui a mediana relativa a outra diagonal. Pesq: Aí seria a mediana de que triângulo? G: Seria do triângulo BCD. Pesq: E você tem outra mediana? G: Eu já tenho duas medianas. Aí, nesse caso, nem precisaria.... R: Gente, eu estou tão lerda!

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G: Teria que traçar a outra mediana só para confirmar, mas.... ela também passaria por este ponto. Traçando três medianas...

Guilherme apresentou raciocínio no nível G2, buscando fundamentar as suas

colocações na teoria. Rita começou a raciocinar inicialmente, em G1, fazendo

afirmações com base nas medições.

R: Olhe, poderia ser também por ângulo, esse ângulo é o mesmo que este, ângulos opostos pelo vértice, opv, esse aqui alterno interno e esse aqui também.

No diálogo precedente, Rita e Guilherme procuram um argumento matemático

para justificar o fato de P dividir o segmento BM em partes proporcionais a 2 e 1. Os

conhecimentos antigos dos alunos influenciam na organização da justificativa. Na

última fala, Rita tentou justificar a semelhança dos triângulos ABP e CMP, embora

esta intenção não estivesse explicitada. Constatamos que eles apresentam

raciocínio típico de G2 e buscam construir uma justificativa do tipo experiência

mental.

Após este momento, Guilherme concordou com Rita que os triângulos citados

acima eram semelhantes, mas permaneceu com a dúvida sobre a razão de

semelhança:

R: Qual é a razão de semelhança, se esse aqui (Aponta para um dos lados) é o dobro deste. Então, os outros também têm que ser. G: Não, isso é porque você viu! R: Não, Guilherme, não vi. Isso aqui não é a mesma medida? Esse aqui não é ponto médio? (Guilherme concorda). Então esse pedaço é o dobro deste, é a metade deste (Refere-se a CD e ao ponto M). G: Então, os outros também têm que ser. R: Têm que ser.

Neste diálogo, Rita fundamenta a relação entre os segmentos AB e CM nos

dados da questão, e não na evidência da figura. Entretanto, estende esta relação

aos segmentos BP e PM, e AP e PC sem ter argumentos para tal. Observamos uma

alternância entre os níveis G1 e G2. Em seguida, Rita afirmou que: “Então, a gente

já chegou à conclusão que se eles dois são proporcionais, as áreas também. Vai dar

a área desta aqui, vai dar esta. Se a área for a, essa aqui é a²”. A aluna concluiu

erroneamente que a relação entre as áreas é a maior ser o quadrado da menor.

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Guilherme não atentou para isto e continuou pensando sobre o que Rita afirmou. A

pesquisadora decidiu intervir para ajudar Guilherme na organização de suas ideias,

uma vez que estas não pareciam estar claras para ele:

Pesq: Guilherme está com outra ideia. R: Entã,o você pode ir por sua ideia, Guilherme. Pesq: Isso que você falou aqui está certo. O triângulo BCD , não é isso, BM é mediana e CA é outra mediana, CA não, seria C até este ponto aqui (Refere-se ao ponto Q na Figura 43). R: Foi o mesmo que eu fiz. Que este segmento era o dobro deste aqui (Refere-se aos lados BP e PM). Pesq: Sim, mas você não tinha argumento para ter certeza que este lado era o dobro deste. No caso, Guilherme achou o argumento. Este lado realmente é a metade deste aqui. G: Mas acontece, este aqui eu posso dizer que é realmente a metade deste (Refere-se aos segmentos AB e CM). Pesq: Isso. G: Mas este aqui eu também posso dizer (Refere-se aos segmentos AP e PC)? P: Ainda não. Tem que tomar o outro lado do triângulo.

Guilherme compreendeu que precisava tomar a mediana relativa a outro lado

do triângulo. Cada um dos alunos começou a escrever a sua justificativa. Guilherme

interrompeu o registro escrito que estava fazendo, e perguntou à pesquisadora:

G: Como eu posso mostrar a relação deste e deste? Pesq: Você está falando de PC e de AP? Guilherme confirma. Pesq: Você está querendo mostrar só por meio dos lados que os dois triângulos são semelhantes? G: Isso. Pesq: Então, seria que caso de semelhança? G: Os três lados. Pesq: Lado, lado, lado. Você tem como fazer isso com esta ideia do triângulo. Pense bem. Quanto vale de A até ..., que ponto é este? G: Este aqui? É o ponto Q de encontro das duas diagonais. Pesq: Quanto vale AQ? G: AQ? Pesq: Por exemplo, AP, quanto vale a medida de AP? Vamos chamar de y. G: Tá. Aqui vale... se AC vale 2y, AQ vale y. Pesq: Agora veja a diferença entre PQ e PC. G:.... PQ seria y sobre 3.... G: Esse ângulo aqui (Refere-se ao ângulo DCA ˆ )...

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Pesq: Mas você acha que precisa dele, depois que chegou a esta conclusão? G: Não, não. Só se eu quisesse provar por dois lados e um ângulo. Pesq: Poderia. G: Aí teria que ser este ângulo aqui, porque seria lado ângulo lado. Este argumento seria uma prova?

Guilherme raciocina em G2, pois influenciado pelas intervenções, procura

fundamentar teoricamente todas as suas conjecturas, mas tem dúvidas sobre a

argumentação adequada para composição de uma demonstração. Segundo Parzysz

(2006), um aluno, no nível G2, constrói um discurso dedutivo para validar a sua

conjectura. Entendemos que neste nível, não há mais dúvidas sobre o que é uma

demonstração. Podemos, a partir deste fato observado, inferir que Guilherme está

evoluindo no interior de G2, e que talvez exista subníveis que poderiam explicar de

modo mais completo o desenvolvimento do raciocínio geométrico. Voltaremos a esta

questão mais à frente.

Rita e Guilherme demonstram a semelhança dos triângulos ABP e MCP

utilizando argumentos distintos. A demonstração elaborada por Rita é apresentada a

seguir.

Os triângulos ABP e MCP são semelhantes pois

CPMAPB ˆˆ ≡ OPV→ , e os ângulos →≡ PMCPBA ˆˆ alternos

internos, assim como BAPMCP ˆˆ ≡ . Além disso o lado AB do ABP∆ é o dobro do lado MC do MCP∆ , pois M é o ponto médio do

segmento CD que tem a mesma medida de AB. Como um dos lados do triângulo ABP é o dobro do lado correspondente no MCP∆ , e como os s∆ são semelhantes,

conclui-se que sendo 2

1

zhA = e zhA 2

2= ,

124AA = (Protocolo de

pesquisa, 2008).

Guilherme apresentou a seguinte justificativa:

Hipótese: - Dado um paralelogramo ABCD - M o ponto médio de CD - P a interseção da diagonal AC com o segmento BM. Tese: PMC e ABP são triângulos semelhantes Traçando a outra diagonal (BD) do paralelogramo, encontramos o ponto A, que é o encontro das diagonais. -Analisando o BCD∆ , temos que: BM e CQ são medianas do triângulo, o encontro das medianas determina o baricentro. Da propriedade do baricentro, podemos dizer que PB=2PM. -Analisando a diagonal AC temos que: AQ = QC (I) (pois Q é ponto médio das diagonais).

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-Como QC é uma mediana do BCD∆ , temos que:

PC=2QP 2

PCQP =⇒ . (II)

-Comparando os lados AP e PC, temos: AP=AQ + QP Substituindo I AP=QC + QP Subst. II

AP=QC + 2

PC (QC = QP + PC)

AP=QP + PC + 2

PC (Subst. II).

AP=2

PC+

2

PC+PC

AP=2PC -Por hipótese temos que: AB=2MC (L) -Concluindo: -AB=2MC (L) -AP=2PC (L) -PB=2PM (L) Por LLL os triângulos PMC e ABP são semelhantes e possuem a razão de semelhança igual a 2. -Se a razão de semelhança é igual a K, a relação entre as áreas será de K². -Com isso podemos concluir que a relação entre as áreas dos triângulos ABP e MCP: A razão da área do ABP∆ para a área do MCP∆ é 4 (Protocolo de pesquisa, 2008).

Rita e Guilherme elaboraram justificativas do tipo experiência mental.

Pontuamos que Rita apresentou raciocínio geométrico oscilando entre G1 e G2, mas

conseguiu construir uma justificativa compatível com o nível G2. Este fato nos

intriga, pois um aluno deste nível, recorre à validação pragmática apenas para fins

de verificação, e não foi o que ocorreu com Rita. Este comportamento se repetiu na

resolução do item b, que é relatado no próximo parágrafo.

Os alunos prosseguiram com a resolução do item b da questão 2. Rita

desenhou um trapézio isósceles com bases medindo 4 cm e 8 cm (Figura 63).

Figura 63: Trapézio isósceles construído por Rita.

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Com base neste desenho, ela concluiu que os triângulos ABP e CMP eram

congruentes; e, portanto, possuíam a mesma área. Por sugestão da pesquisadora,

Rita escreveu uma demonstração para este caso especial:

Os triângulos ABP e MCP são congruentes, pois este trapézio é um caso particular, pois é isósceles e além disso a base maior é o dobro da menor, pelo mesmo caso da questão anterior, os ângulos são congruentes e como M é o ponto médio de CD (que mede o dobro de AB) temos que os s∆ são congruentes também, então suas áreas são as mesmas. (Protocolo de pesquisa, 2008)

Guilherme afirmou que o que ele queria era a razão entre as áreas e não

entre os triângulos. O que está implícito na fala de Guilherme é a visão de

generalidade da resposta que ele tem e Rita não. Rita buscou soluções particulares,

isto é evidente no diálogo a seguir:

R: Eu estou interessada nas áreas dos triângulos. Primeiro foi quatro vezes o outro, esse aqui é o mesmo. Ué, eu fiz um quadrilátero qualquer, um trapézio qualquer, não disse qual que tinha que ser, eu escolhi o que eu fiz. G:Mas tem que estudar os outros casos. R: Mas o enunciado diz estudar a relação entre as áreas do que ela mandou construir. Eu não construí? Então, deu a mesma coisa.

Guilherme e Rita discutiram a generalidade da questão. Rita acreditava que

casos particulares resolveriam a questão 2. Guilherme pensava que deveria estudar

todos os trapézios possíveis para tentar encontrar uma relação geral para todos os

trapézios. O diálogo a seguir evidencia este pensamento de Guilherme:

G: O paralelogramo não deixa de ser um quadrilátero qualquer, nem de ser um trapézio, só que aqui nós usamos uma propriedade do paralelogramo que não serve para qualquer quadrilátero. Para a gente saber, tipo assim, se a gente tivesse um quadrilátero convexo qualquer, se a gente descobrir, a gente já saberia se é ou não. Pesq: Por que já saberia? G: Porque o paralelogramo e trapézio são quadriláteros convexos. Pesq: Se vale para qualquer quadrilátero, vale para trapézio e paralelogramo. R: Pode pensar no trapézio, o trapézio vai ajudar bastante. G: Eu já entendi que os triângulos são semelhantes. R: Os ângulos são iguais. A razão de semelhança é... a gente tem que medir aqui e aqui (Refere-se aos lados homólogos dos triângulos).

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Guilherme e Rita desenharam, cada um, um trapézio qualquer e construíram

os elementos solicitados no enunciado da questão (Figura 64 e 65). Aproveitando os

resultados do estudo do paralelogramo, no item a desta questão, observaram que os

triângulos ABP e CMP eram semelhantes.

A dificuldade estava em encontrar a razão de semelhança entre os dois

triângulos citados. A pesquisadora interveio e a dupla chegou à resposta correta:

Pesq:Qual é a razão de semelhança entre estes dois triângulos? G: Ah, como é que eu vou saber? Guilherme tem dificuldade de lidar com medidas genéricas. Pesq: Quando você diz como é que eu vou saber, é porque está esperando que a razão seja um número? G: É isso. Pesq: Mas pode não ser. G: A razão pode não ser um número?

Guilherme surpreendeu-se com o fato da razão poder não ser expressa por

um valor constante. Esta é uma atitude estranha ao nível raciocínio geométrico G2,

pois um aluno deste nível sabe raciocinar com valores genéricos.

Rita compreendeu que a relação procurada é a razão entre a base maior e o

dobro da base menor, ou o inverso desta:

R: É claro, porque aí, dependendo, eu ponho qualquer base e substituo. G: Entendi. R:Entendeu? Por exemplo, a área do lado b, B.b. Qualquer lado que eu colocar serve ali. “E agora José”?

Figura 64: Trapézio qualquer construído por Rita. Figura 65: Trapézio qualquer construído por Guilherme.

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G: Esse é um caso particular, esse aqui também seria um caso particular(Refere-se aos trapézios que eles construíram). R: Qual é a razão de semelhança entre eles (os triângulos)? G: Ah tá, B/2 sobre b. Pesq: Agora a questão é: Qual é a razão entre as áreas de dois triângulos que são semelhantes? Guilherme calcula a razão de semelhança. G: É o quadrado. Pesq: O quadrado de quê? G: Se a razão de semelhança é R, a razão entre as áreas é R². Vai ser (B/2b)². R: Mas quem disse que a área ao quadrado... G: Não, eu encontrei a razão de semelhança, que é isso aqui, se a razão de semelhança é isso aqui, então, a razão entre as áreas é o quadrado disso, essa é a propriedade. R: Era isso que eu estava tentando lembrar naquela hora, que eu lembrava de um negócio ao quadrado, mas é a razão ao quadrado. Sim, por isso que ali era dois e deu quatro. G: Isso aí.

Notemos que Rita resolveu o item a, sem utilizar a propriedade da relação

entre áreas de figuras semelhantes.

Eles encerraram a discussão e finalizaram as suas justificativas. Rita apenas

escreveu:

b

B

b

B

r2

2==

2

2

2

=

b

Br

Se a razão de semelhança é b

B

2, então a razão entre as áreas é r².

(Protocolo de pesquisa, 2008)

Guilherme apresentou o seguinte texto:

Hipótese: -Dado um trapézio ABCD - M o ponto médio CD - P a interseção da diagonal AC com o segmento BM Tese: ABP e PMC são triângulos semelhantes.

- CPMBPA ˆˆ ≅ (ângulos opostos pelo vértice)

- MBACMP ˆˆ ≅ (ângulos alternos internos)

- PABPCM ˆˆ ≅ (ângulos alternos internos) Por AAA PMCABP ∆≡∆ . Sabendo que B é a base maior e b a base menor, temos que:

DC=B e MC=2

B e AB=b.

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168

Encontrando a razão de semelhança dos triângulos:

b

B

b

B

AB

MCr

2

2===

Se a razão de semelhança é r, a razão entre as áreas é r².

2

2

2

=

b

Br . (Protocolo de pesquisa, 2008)

A justificativa de Guilherme contém pequenos erros que creditamos à

distração do aluno. Ele mencionou o caso AAA no lugar de AA, e usou o símbolo de

congruência ao invés do símbolo de semelhança. Os textos de Guilherme e Rita

podem ser considerados uma prova do tipo experiência mental, porém o de Rita está

incompleto.

Naquele momento, a dupla apresentou sinais visíveis de cansaço, pois já

estavam trabalhando há quase 2h30min ininterruptamente. É possível que devido a

este fato, ao resolver o item c, cada um tenha feito o seu desenho (Figuras 66 e 67)

e respondido sem trocar informações. Inferimos que as discussões ocorridas para a

resolução dos itens a e b tenham contribuído para a resolução do item c. Segue a

solução que cada um apresentou:

Figura 66: Quadrilátero qualquer desenhado por Rita.

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169

No quadrilátero quaisquer não percebemos uma relação certa entre os dois

triângulos, pois só percebemos que o ângulo P̂ mede a mesma coisa nos dois e como os lados opostos ñ são paralelos não achamos relação entre os outros ângulos. Acho que os triângulos ñ são semelhantes pois está bem claro que os ângulos ≠s~ (justificativa apresentada por Rita, protocolo de pesquisa, 2008).

Neste caso, não chegamos a uma conclusão exata. Acreditamos que por o quadrilátero convexo não ter nenhum lado paralelo a outro, não há como encontrar que os triângulos semelhantes, e para encontrar a razão de semelhança nos casos do paralelogramo e do trapézio utilizamos AB e DC dos quadriláteros, que eram paralelas (justificativa apresentada por Guilherme, protocolo de pesquisa, 2008).

Notemos que em ambas as justificativas, os alunos deixam transparecer a

dúvida sobre o que estão afirmando. Rita escreveu: “No quadrilátero quaisquer não

percebemos uma relação certa entre os dois triângulos,..., Acho que os triângulos ñ

são semelhantes”, e Guilherme: “Neste caso, não chegamos a uma conclusão

exata”. É possível que o fato de não encontrarem a relação solicitada no enunciado

tenha influenciado esta suspeita, configurando a presença do contrato didático. A

ação do contrato didático parece ser superior às evidências e argumentações que os

Figura 67: Quadrilátero qualquer desenhado por Guilherme.

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170

alunos produziram. Ao encontrar a solução, as respostas foram seguras. Quando

não a encontraram, houve quebra do contrato didático, e instalou-se a insegurança.

A dupla alcançou todas as fases previstas para a resolução da atividade.

4.7.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana / Patrícia

Patrícia desenhou um paralelogramo (Figura 68) com os elementos

solicitados no enunciado da questão 2, e foi observada por Diana. Esta construção

foi realizada com instrumental de desenho e utilizando corretamente os processos

geométricos. Observamos que a construção serviu como norteador do

desenvolvimento do raciocínio.

A dupla percebeu imediatamente que os triângulos ABP e CMP eram

semelhantes pelo caso ângulo-ângulo e, identifica a razão de semelhança. Também

lembrou com rapidez que a razão entre as áreas de dois triângulos semelhantes é

igual ao quadrado da razão de semelhança. Em seguida, discute como redigir a

solução:

P: Porque os três ângulos são congruentes, os ângulos correspondentes. Não tem que escrever isso não? D: Será que precisa? P: Eu acho que tem que botar assim: Como os triângulos são semelhantes, bota aí, os triângulos ABP, né?

Figura 68: Paralelogramo construído por Patrícia.

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Triângulo ABP é semelhante ao triângulo, não tem que botar na ordem não? CMP. D: Então. P: Então... D: Aí tem duas coisas. Como o triângulo...Mas se o triângulo é semelhante, esses lados já são proporcionais. P: São proporcionais, é. D: Não precisa dizer. P: Como os triângulos são semelhante, tá, mas como eu descobri que eles são semelhantes? Porque os ângulos correspondentes são iguais. A gente tem que botar: Como os ângulos correspondentes dos triângulos são iguais, concluímos que eles são semelhantes. D: Então, bota aqui. Apaga? P: É, como os ângulos são iguais, congruentes, né? Como os ângulos são congruentes, conclui-se, então: Pode colocar então, os triângulos são semelhantes, não precisa colocar o nome não, né? ...que ela sabe. ABC e MCP são semelhantes.Com isso... D: Aí pode fazer isso aqui que você fez, ó. P: É, ou, então, a gente fala, e também MC é a metade de AB, então AB/2. Então, a razão de semelhança é , aí tem que ser ½, porque a gente está fazendo esse pra esse. Desse pra esse é ½. D: É. P: Então, a razão de semelhança é ½. Logo, é... D: A razão entre as áreas.. P: É um quarto...Então A2 é ¼ de A1. É um quarto. Aí você coloca, ponto. A2 é igual a ¼ de A1. Pronto. D: Acabamos a letra a.

Patrícia e Diana apresentaram dúvidas com relação ao conteúdo da

justificativa solicitada, o que deve ou não estar declarado. Por fim, elas

apresentaram a seguinte solução:

Como os ângulos são congruentes, então os triângulos ABP e MCP são semelhantes, e também MC é a metade de AB , com isso a

razão de semelhança é 2

1, logo a razão de entre as áreas é .

4

1

(Protocolo de pesquisa, 2008)

A solução omite justificativas que deveriam ser explicitadas, como, por

exemplo: Quais ângulos são congruentes? Por que estes ângulos são congruentes?

Qual foi o caso de semelhança aplicado à situação? Por que a razão entre as áreas

é 4

1? Entretanto, a justificativa apresentada é do tipo experiência mental, e as

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172

alunas tiveram raciocínio compatível com o nível G2. Notemos que elas não se

ativeram à figura construída em nenhum instante, caracterizando abstração dos

elementos, conforme se pode intuir também pela pouca preocupação com a precisão

de desenho.

Em seguida, Diana e Patrícia desenharam um trapézio isósceles ABCD e os

triângulos ABP e CMP, conforme o enunciado (Figura 69).

Logo observaram que os triângulos ABP e CMP eram semelhantes, mas não

conseguiram determinar a razão de semelhança. Influenciadas pelo desenho que

construíram, cogitaram a possibilidade de os triângulos serem congruentes.

Basearam-se apenas em medições para dizer que não eram congruentes, o que

caracteriza um movimento dialético na evolução do raciocínio geométrico e na

demonstração: um retorno à prova do tipo empirismo ingênuo e a um controle de G1

sobre G2.

P: É aqui a gente não sabe qual é o K. Mas acho que tem como saber. Porque aqui que a gente não vai saber qual é o K, no quadrilátero. Ah não, aqui a gente não vai ter como saber, porque se não for paralelo? Né? Vamos lá, trapézio. Vai ver que esses triângulos são até congruentes ao invés de ser semelhantes. D: Quer medir os lados? P: Depende de como você desenhou os trapézios. Porque se esse lado for a metade deste, aí aqui vai ser igual, aí vai ser por ângulo, lado, ângulo, porque vai ser congruente.

Figura 69: Trapézio isósceles construído por Patrícia.

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D: 6. P: É melhor você medir com o compasso. D: É, não vai dar não. P: Não vai dar não? D: Não. P: Então, aí deve ser K, deve ser com a razão, né? Diana mostra as medidas. P: É, então não é não. É menor? Esse aqui é maior? D: Esse aqui que é maior. AB é maior. P: É. Então coloca aí: eles são de novo semelhantes. A gente não tem como saber se eles são congruentes. Ah não, eles não são congruentes. São semelhantes. D: Tem os lados congruentes. P: Os ângulos, né? D: É. P: Têm os ângulos congruentes, então, eles são semelhantes.

Patrícia percebeu que o desenho construído era um caso particular ao afirmar

que os triângulos ABP e CMP seriam congruentes se AB fosse a metade de CD.

Mas não estendeu este pensamento ao problema de determinar a razão em função

das medidas das bases do trapézio. A dupla apresenta a seguinte solução:

Os triângulos têm os ângulos congruentes, com isso são semelhantes.

KMC

AB=

2

2

1 KA

A= (Protocolo de pesquisa, 2008)

Observamos no texto citado, omissões semelhantes às que ocorreram na

solução apresentada para o paralelogramo. Mas o teor da justificativa apresentada é

do tipo experiência mental, embora incompleto porque faltou explicitar o caso de

congruência e a devida indicação dos elementos congruentes em cada triângulo.

As alunas construíram um quadrilátero qualquer (Figura 70) e começaram e

investigação.

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Logo afirmaram que os triângulos ABP e CMP possuíam um par de ângulos

congruentes, que eram os opostos pelo vértice P. Em seguida ficaram em silêncio

por aproximadamente 15 minutos, pensando sobre o desenho construído. Após este

período seguiu-se o diálogo:

P: E agora Diana? D: Vamos dar uma lida. P: E agora? Novamente ficaram em silêncio. P: Será que não tem nada pra gente dizer que eles são iguais, não? Não é paralelo. A soma é 180. E aí, Diana, e agora? De repente esse aqui, a gente pode ir calculando a área. Mas não temos tamanho de nada, né? D: Pode medir. P: Não, aí não fica. Silêncio. P: O que mais tem o triângulo para a gente ver? Esse é o ponto médio.

Observamos que as alunas não se satisfazem mais com a conclusão baseada

em medidas, indicando estar em G2. Intervimos, perguntando:

Pesq: Vocês acham que tem que ter alguma relação? D: É , eu acho que a gente está procurando isso. P: É. Pesq: Vocês não cogitam a possibilidade de não ter? P: É. Eu acho que se tiver dois lados paralelos, sempre vai ter a relação. Pesq: Por que que você afirmou? P: Porque os triângulos vão ficar semelhantes. Aí tem relação entre as áreas. Pesq: Certo. O que aconteceu no retângulo e no trapézio. P e D: Isso.

Figura 70: Quadrilátero qualquer construído por Patrícia.

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D: Agora aqui como não tem nenhum lado paralelo. Pesq: Qual é a única coisa em comum que vocês tiveram nos dois primeiros? P: Comum? Pesq: É. Comum ou que relação eles teriam entre seus elementos? P:A única coisa é que eles têm esse ângulo aqui comum. Se tivesse mais um, eles seriam semelhantes, mas não tem como a gente provar. D: É. P: Então, eu acho que não dá. Não tem uma noção. É, então não tem.

As alunas não perceberam a função de um contra-exemplo quando se quer

mostrar a não validade de um enunciado matemático. Precisaram de nossa

intervenção para perceber a necessidade da condição de existência, para eliminar a

possibilidade do contra-exemplo.

Pesq: Escreva isso que vocês acharam. Se não tem, ou se só vai ter se for paralelo. P: Coloca: só vai ter, se for paralelo sempre vai ter. D: E esse daqui não tem. P: Não tem, porque a gente não tem como afirmar. Se tivesse mais um ângulo igual. Observando mais a figura. P: Só tem um ângulo em comum, né? D: Por isso não podemos afirmar.... P: Não podemos afirmar que eles são semelhantes. É que eu acho que a relação só vai existir se for semelhante, os triângulos.

Neste diálogo, observam-se as consequências do contrato didático: a

convicção de que todo problema proposto pelo professor tem alguma resposta e a

influência das orientações do professor. Só a partir do momento em que a

pesquisadora perguntou sobre a necessidade da existência de alguma relação, é

que Patrícia e Diana começaram a considerar a possibilidade da não existência.

Paralelamente, a ideia de escrever uma condição para a existência da relação foi

desencadeada após a observação da pesquisadora. Por outro lado, esta condição

para que houvesse uma solução foi um resultado não solicitado no enunciado da

questão.

Após a reflexão com a pesquisadora, a dupla redigiu o seguinte texto:

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Nesse quadrilátero, os triângulos só tem um ângulo em comum, por isso não podemos afirmar que são semelhantes. Sempre vai existir uma relação entre as áreas, quando o quadrilátero tiver pelo menos 2 lados paralelos. (Protocolo de pesquisa, 2008)

Observamos que as alunas apoiaram a argumentação nos dados do

problema, e mais uma vez, não se detiveram em aspectos perceptivos, configurando

um raciocínio no nível G2. A dupla produziu uma prova do tipo experiência mental,

apesar da ausência da justificativa para a vinculação da existência da relação ao

paralelismo dos lados. É possível que as alunas tenham omitido desta resposta tal

justificativa devido às soluções anteriores já conterem a explicação deste fato, e

deste modo, não acharem necessário repetir aqui.

4.7.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena

Esta dupla apresentou apenas um registro escrito que foi redigido por Júlia.

Júlia sugeriu começar a investigação pela ordem do enunciado, porque “de

repente dá alguma dica”. Ela desenhou um paralelogramo (Figura 70) com

instrumental de desenho geométrico, utilizando corretamente os processos

geométricos.

Figura 70: Paralelogramo construído por Júlia.

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Ao mesmo tempo, Helena construiu um trapézio retângulo com os elementos

solicitados (Figura 71).

Júlia observou o paralelogramo construído e afirmou:

J: Eles devem ser semelhantes. Ainda não conferi. Isso é paralelo, isso é transversal.

Durante a sua fala, Júlia apontou para os lados paralelos AB e CD do

paralelogramo, e para as transversais AC e BM. Em seguida, identificou os ângulos

alternos internos fazendo marcações com arcos no desenho (Figura 70). A aluna

perguntou à pesquisadora se ângulo-ângulo era caso de semelhança, o que foi

confirmado pela mesma.

A dupla ficou em silêncio, enquanto olhavam as figuras 70 e 71. Após algum

tempo, elas se recordaram da relação entre as áreas de duas figuras semelhantes.

Mas não atentaram que deveriam usar a relação ( CMAB 2= ) entre os lados AB e

CM dos triângulos ABP e CMP e fizeram tentativas para encontrar uma relação:

Figura 71: Trapézio retângulo construído por Helena.

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178

2

=

CP

AP

A

A

MPC

APB

2

2

ˆ..2

1

ˆ..2

1

CP

AP

PsenCPMP

PsenPBAP=

2

2

.

.

CP

AP

CPMP

PBAP=

CPMPAPPBAPCP .²..². = APMPPBCP .. =

MP

PBCPAP

.= (Protocolo de Pesquisa, 2008)

As alunas substituíram o valor de AP encontrado acima na igualdade

PsenPBAPAAPBˆ..

2

1= , mas não prosseguiram. Ao ver que Júlia e Helena pareciam

estar sem perspectiva para encontrar a relação, a pesquisadora alertou para que

verificassem se havia algum dado que ainda não haviam utilizado. Imediatamente,

as alunas lembraram de que AB = 2 CM, mas não utilizaram esta igualdade na

resposta, que é a seguinte:

Os APB∆ e MPC são semelhantes por AA, e CP

AP é uma das razões

de semelhança. Como sabemos, a razão entre as áreas é o quadrado da razão de semelhança.

2

=

CP

AP

A

A

MPC

APB (Protocolo de pesquisa, 2008)

Após detectarem que, no trapézio construído, os triângulos ABP e CMP

também eram semelhantes, responderam de modo sucinto: “Idem letra a” (Protocolo

de pesquisa, 2008).

Júlia desenhou um quadrilátero qualquer (Figura 72) com os elementos

contidos no enunciado.

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Observamos neste desenho duas retas construídas por A, à mão livre e por

C, com um esquadro. Estes traçados constituíram uma tentativa de encontrar

alguma relação entre os triângulos APB e CMP. Elas observaram, por longo tempo,

o desenho enquanto pensavam. Ao fim deste período, elas afirmaram para a

pesquisadora:

H: Para ver se há relação, estamos vendo se há alguma coisa em comum. J: Sem medida é muito ruim. No caso do paralelogramo e trapézio, sempre será semelhante porque tem lados paralelos, é sempre o mesmo formato.

As alunas compreenderam o caráter genérico da figura, e assim mobilizaram

corretamente suas propriedades. Durante a investigação no quadrilátero qualquer,

as alunas acreditaram que existia alguma relação e que elas não estavam

conseguindo encontrar. Ficaram desanimadas: efeito do contrato didático. Elas

escreveram a seguinte solução:

Não foi possível estabelecer nenhuma relação entre as áreas dos ∆ em um quadrilátero qualquer, pois nem sempre teremos a mesma situação, como no paralelogramo e no trapézio que possuem dois lados opostos paralelos, sendo possível assim identificar a semelhança do ∆ traçados. (Protocolo de pesquisa, 2008)

A justificativa para o caso do quadrilátero qualquer está correta, pois é

justamente a ausência de lados paralelos que impossibilita a existência de triângulos

semelhantes.

Figura 72: Quadrilátero qualquer construído por Júlia.

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Constatamos que as alunas trabalharam em G2 e apresentaram justificativas

do tipo experiência mental, porém incompletas. A dupla alcançou todas as fases

previstas para a resolução da questão.

4.8 Síntese da análise da questão 2 no ambiente papel e lápis

Na análise teórica, relatamos que ao começar a investigação dos

quadriláteros na ordem sugerida no enunciado da questão, o aluno pode adquirir

segurança para prosseguir na investigação, uma vez que o paralelogramo é um

polígono com muitas propriedades familiares ao aluno, o que facilita o

estabelecimento de relações entre elas ou entre objetos matemáticos e geométricos

(p. 148). E foi exatamente o que ocorreu. Este fato foi enfatizado por Júlia, quando

ela afirmou que começar pela ordem poderia “dar alguma dica”. E foi realmente o

que ocorreu com as outras duplas. O estudo no paralelogramo clareou as ideias

para analisar o trapézio, o que facilitou muito a determinação de uma solução geral,

mas a solução prevista na análise teórica só foi alcançada por Guilherme e Rita.

Nenhum aluno cogitou calcular a área dos triângulos para saber a relação

entre as mesmas, e todos visualizaram a semelhança dos triângulos ABP e CMP,

justificada pelo caso ângulo-ângulo. Apenas Guilherme quis provar a semelhança

destes triângulos pelo caso lado-lado-lado, e conseguiu com uma pequena

orientação da pesquisadora na justificativa da proporcionalidade dos lados

correspondentes.

A busca por uma solução para o item c demorou como previsto na análise

teórica, nas duplas Patrícia/Diana e Júlia/ Helena, mas o motivo foi o fato de todos

acreditarem que deveria ter uma solução. Não cogitaram em momento algum a

possibilidade de inexistência da relação. Foi necessária a intervenção da

pesquisadora no trabalho das duas duplas para que estas viessem a pensar em tal

possibilidade. Porém Júlia e Helena justificaram corretamente por que no

quadrilátero qualquer não havia relação entre as áreas dos triângulos. A dupla

Rita/Guilherme não custou perceber que esta relação poderia não existir, mas as

respostas escritas mostram que a dúvida com relação à existência persistiu. Em

todos os casos, constatamos a influência do contrato didático.

As construções com régua e compasso exerceram o papel de orientação no

decorrer da resolução da questão, mas não foram determinantes para a definição

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das respostas. Este fato nos permite afirmar que todos os alunos trabalharam no

nível G2, sem o controle de G1.

As justificativas apresentadas por Rita e Guilherme foram as mais completas,

se comparadas com as apresentadas por Patrícia/Diana e com as de Júlia/ Helena.

Nós esperávamos justificativas mais estruturadas do ponto de vista matemático,

devido ao grau de escolaridade dos alunos participantes da pesquisa. Nesse

sentido, podemos perceber que apesar de todos realizarem experiência mental no

processo de prova, e de apresentarem elementos que indicam raciocínio em G2,

observa-se que estes níveis de raciocínio apresentam diferenças significativas (por

exemplo, na abstração da figura), indicando possibilidades de um nível intermediário

entre G1 e G2.

Por fim, concluímos que todos os alunos alcançaram as fases relatadas para

a resolução da questão, sendo que apenas Rita e Guilherme obtiveram a razão

entre os lados do trapézio em função das bases. As justificativas apresentadas

foram compatíveis com o tipo de prova de prova experiência mental.

4.9 Experimentação da questão 2 no ambiente geometria dinâmica Geogebra

4.9.1 Desenvolvimento das estratégias da dupla Rita/Guilherme

Guilherme e Rita desenharam um paralelogramo e um trapézio qualquer

(Figuras 73, 74, 75 e 76) no Geogebra apenas para verificar as conclusões obtidas

no ambiente papel e lápis. Eles não fizeram nenhuma modificação na solução

apresentada naquele ambiente, indicando que o software não apontou novas

ferramentas para o desenvolvimento da argumentação, bem como dos níveis de

raciocínio geométrico e dos tipos de prova.

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Figura 73: Paralelogramo construído por Rita no Geogebra.

Figura 74: Trapézio qualquer construído por Rita.

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Figura 75: Paralelogramo construído por Guilherme.

Figura 76: Trapézio qualquer construído por Guilherme.

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A dupla concentrou a atenção na resolução do item c. Eles recorreram ao

desenho papel e lápis que haviam feito no encontro anterior e discutiram as

medições que fizeram nele:

R: Num quadrilátero qualquer não existe, porque os ângulos OPV são iguais, mas os outros lados não são paralelos, então, não tem relação entre os ângulos internos. Só sei que a soma dos outros dois é 90, né? 90 não, é... G: Nos outros, a gente encontrou que os ângulo opv eram congruentes, mas aqui a gente não pode fazer nenhuma conclusão, como no paralelogramo nem no trapézio, porque... R: No meu quadrilátero, parece que uma altura é a metade da outra, medindo com o compasso. Mas não dá para saber, porque eu fiz com régua e compasso e tem... Aí, Guilherme, eu medi a base e a altura do menor. Deu 5 e pouco, 5... Deixe eu ver aqui, e a menor, a área do menor deu 5, não sei quanto. E a do menor deu 25. Então, parece que a área do menor ao quadrado é igual a área do maior. Mas só parece, eu não tenho certeza. Quando eu meço com o compasso, a altura parece que é a metade. G: Mas eu não cheguei a essa conclusão. R: Seria diferente. G: Eu medi aqui, seria 2, alguma coisa. R: E agora? Eu acho que é porque... G: Não teria nenhum lado paralelo ao lado... R: É isso que eu acho. Talvez seja por isso que... eu, primeiro, a gente fez o losango, que tem os lados paralelos.

Rita chegou a calcular a área dos triângulos ABP e CMP usando as medidas

colhidas no desenho feito por ela (Figura 48). Observou-se que eles não chegaram à

conclusão alguma. Continuam pensativos, como que tentando enxergar algo nos

quadriláteros construídos na tela do computador (Figuras 77 e 78), mas sem fazer

uso da possibilidade de movimentação dos pontos na tela para construção de novas

conjecturas ou refutação das já construídas (identificação de contra-exemplos, ou

outro tipo de constatação empírica ou do spatio-grafique).

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É interessante notar que Rita não fez medições no quadrilátero construído por

ela, podendo inferir que era sua crença que o fato de o quadrilátero não possuir

Figura 77: Quadrilátero qualquer construído no Geogebra por Rita.

Figura 78: Quadrilátero qualquer construído por Guilherme no Geogebra.

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lados paralelos implicava não ter triângulos semelhantes. Assim sendo, ela não se

preocupou em obter outras medidas como a área dos triângulos. Este pensamento

aparece no diálogo:

G: Fez o paralelogramo, depois o trapézio. Nos outros, a gente descobriu tudo a partir deste lado, desses dois lados aqui. Tem que descobrir a relação daqui de dentro. Nos outros dois, tanto no trapézio quanto no paralelogramo, a gente primeiro achou a relação do lado do quadrilátero, para depois verificar a relação nos outros dois. R: Pois é, Guilherme, porque tinha lados paralelos. G: É isso que eu queria dizer. R: Então, aí eu estou pensando nos ângulos primeiro sim, como os lados eram paralelos, ai dá para fazer por semelhança. G: Então, tem que descobrir a razão entre esses dois lados. R: É. G: Tudo bem que o primeiro era semelhante, mas depois de achar a razão de semelhança, entre os lados do quadrilátero, e aqui não vai ter como a gente encontrar ele. R: Como que os triângulos são semelhantes, nem isso. G: E a gente não sabe se eles são realmente semelhantes R: Semelhante não é não, Guilherme. Olha só o tanto de diferença. Tá na cara que para ser semelhante os três ângulos tem que ser iguais, olha para a cara dos ângulos, olha a cara deles. Só opostos pelo vértice mesmo, os outros ângulos não têm nada a ver. Tanto no meu quanto no seu. No meu, até parece um pouquinho porque está quase paralelo, mas então... Então, nada a ver não. G: Um vai ser até obtuso, se fizer um quadrilátero assim. R: Chega, Guilherme.

As ações no Geogebra foram no sentido de tentar encontrar uma resolução

para o quadrilátero qualquer. A dupla esperava que a movimentação das figuras lhes

mostrasse alguma propriedade não visualizada no ambiente papel e lápis. Ao final

da investigação, concluíram que não havia mesmo relação.

A dupla não redigiu um texto porque afirmou que não mudaria a solução no

ambiente papel e lápis.

Observamos um controle mútuo entre os níveis G1 e G2, pois, apesar de Rita

e Guilherme terem estudado exaustivamente a questão 2 e apresentado justificativas

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do tipo experiência mental, eles voltam a praticar ações de cunho perceptivo, como

medir e comparar. Este episódio nos leva a seguinte reflexão: A complexidade de

cada problema geométrico é superior ao nível de raciocínio geométrico do aluno?

Dizendo de outro modo: Em um problema, o aluno raciocina em G1; em outro

problema, em G2? Ou existe uma evolução (ou involução) dentro do próprio nível

G2?

4.9.2 Desenvolvimento das estratégias da dupla Diana / Patrícia

A dupla iniciou a resolução desenhando o paralelogramo no Geogebra com

os elementos solicitados (Figuras 79 e 80).

Figura 79: Paralelogramo construído por Diana no Geogebra.

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Utilizaram a função área do Geogebra e concluíram rapidamente que a área

do maior triângulo era o quádruplo da área do menor triângulo com base nos

resultados fornecidos pelo Geogebra. Isto é evidenciado no diálogo seguinte:

D: Vamos estudar a relação entre as áreas. P: Mas aqui dá para medir área, não né? D: Não. P: Pelo ângulo, né? Eram semelhantes? (Patrícia evoca a resolução no papel e lápis). Após desenhar. P: Ham, ai.... D: Qual é a área aqui? É o P? P:Área não tem não, só tem para colorir. Acho que não tem como saber a área aqui não. Elas procuram o recurso no software Geogebra. P: Ah tem, aqui, área, polígono. Calculam as áreas. P: Tá certo, a gente não falou que era um quarto? D: Hum, hum. P: Tá certo. Viu? Não precisa não, Diana, é só clicar no meio do negócio que... Ah, você está fazendo o polígono ainda. D: O seu deu certinho. P: Certo, então é isso mesmo. Agora eu vou fazer o outro.

O diálogo acima deixa transparecer a não familiaridade das alunas com os

recursos do software. Em um momento, Patrícia lembrou-se de um fato matemático

– a semelhança de triângulos – utilizado na justificativa elaborada no ambiente papel

Figura 80: Paralelogramo construído por Patrícia no Geogebra.

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e lápis, e elas compararam o resultado obtido neste ambiente com o obtido na

ambiente Geogebra, confirmando-o. Apresentam a seguinte resposta escrita para o

item a: “A área do ABP e 4 vezes a área do MCP” (Protocolo de pesquisa, 2008)

Em seguida, desenharam um trapézio (Figuras 81 e 82).

Figura 81: Trapézio qualquer construído por Diana no Geogebra.

Figura 82: Trapézio qualquer construído por Patrícia no Geogebra.

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Após concluir os desenhos e calcular a área dos triângulos ABP e CMP,

relembraram o resultado obtido no ambiente papel e lápis para este item, e o

confirmaram no ambiente Geogebra, conforme o seguinte diálogo:

P: Aqui era o que, Diana, que a gente tinha feito, a resposta? D: Ponto médio, a gente não sabe se esse...é médio ou... P: A metade né? Aqui foi o que? K ²? D: Acho que foi. P: Deixe eu ver o tamanho desse segmento aqui. Como que eu vejo o tamanho do segmento mesmo? Distância. Fazem cálculos. D: Tem que dar a mesma coisa, né? P: Tem que dar ao quadrado. Após conferir. P: Então, a gente continua com aquela resposta.

Os cálculos mencionados no diálogo se referem à determinação da razão

entre dois lados correspondentes dos triângulos ABP e CMP, e da razão entre as

áreas destes fornecida pelo Geogebra, verificando que esta última razão era igual,

por aproximação, ao quadrado da primeira razão. Estes cálculos foram registrados

por escrito na folha de rascunho do seguinte modo:

131,1062,1

131,173,2

09,3062,1

65,4

94,4

2==

==

kk

MC

AB

A dupla apresentou a seguinte resposta por escrito: 2KÁreaMCP

ÁreaABP= , K é a

razão de semelhança entre esses triângulos (Protocolo de pesquisa, 2008).

Neste item, a atividade no Geogebra contribuiu para confirmar a resposta

obtida no ambiente papel e lápis, mas por meio de medições, indicando ausência de

estabilidade nos tipos de prova e nos níveis de raciocínio já identificados.

Em seguida, desenham um quadrilátero qualquer (Figuras 83 e 84) e

iniciaram o diálogo:

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P: O outro é K² também? Não, o outro a gente falou que não tinha relação. D: O outro... P: O outro é um quadrilátero qualquer... Não deu. Não é metade. D: Não são semelhantes.

Figura 83: Quadrilátero qualquer construído por Diana no Geogebra.

Figura 84: Quadrilátero qualquer construído por Patrícia no Geogebra

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192

P: Os triângulos não são semelhantes. Também não é a metade. Então não tem. P: Esse ângulo não vai ser igual a esse porque não são paralelos. D: Só os ângulos opostos pelo vértice. P: É. Olhe aqui: consegui fazer o dobro aqui. 4,1 e 8,2. Ah não, a área está aqui.

Neste item, assim como nos itens a e b, a experimentação no Geogebra é

utilizada com fins de confirmação do resultado obtido no ambiente papel e lápis. A

dupla apresentou a seguinte resposta, que é uma comprovação numérica ao invés

de uma comprovação das propriedades mobilizadas:

7879,0654,036,6

16,4===

MCP

ABP

A

A

MC

AB

Percebemos que não tem nenhuma relação entre as áreas. (Protocolo de

pesquisa, 2008)

4.9.3 Desenvolvimento das estratégias da dupla Júlia/Helena

Neste dia, apenas Júlia compareceu. Ela construiu inicialmente o

paralelogramo com os elementos solicitados no enunciado da questão e realizou

medições de segmentos e ângulos (Figura 85).

Figura 85: Paralelogramo construído por Júlia no Geogebra.

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Após utilizar os dados para calcular as áreas e as razões entre segmentos

correspondentes nos triângulos ABP e CMP, inclusive as alturas e compará-las, Júlia

fez uma única pergunta à pesquisadora. Ela perguntou se uma área ser igual a um

quarto da outra era uma relação, o que foi confirmado pela pesquisadora. A aluna

apresentou a seguinte solução:

3664,53416,1

2

72,1.24,6

72,186,0

24,642,3

2

86,8.12,3

==

==

==

==

=∆∆

AA

AA

Hh

ABMC

APBMCP

2

Hh =

3416,14

3664,5=

A área do triângulo APB é o quádruplo da área do MCP∆ . Isso sempre irá acontecer pois as relações entre as bases e as alturas serão sempre as mesmas:

2

ABMC = e

2

Hh = , sendo h a altura do MCP∆ e H a altura do

APB∆ . (Protocolo de pesquisa, 2008)

Nesta resolução, Júlia não fez referência ao resultado obtido no ambiente

papel e lápis, nem à semelhança dos triângulos APB e CMP. Ela trabalhou no

campo numérico, calculando e comparando as razões entre as áreas e os

segmentos correspondentes nos dois triângulos. Justificou a relação entre as áreas

dos triângulos com o fato da presença da relação fixa entre dois segmentos

correspondentes nos triângulos. É interessante notar que Júlia não utilizou o recurso

área do Geogebra.

Dando continuidade, Júlia desenhou um trapézio qualquer (Figura 86) no

Geogebra e efetuou medições de segmentos e ângulos. Neste item, ela justificou

com a semelhança dos triângulos ABP e CMP a solução apresentada:

Os ∆ ABP e MCP são semelhantes, por AA, logo a razão

entre as áreas é o quadrado da razão de semelhança: K,

2kA

A

MCP

ABP= .

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Júlia não sentiu necessidade de encontrar uma relação entre as áreas dos

triângulos em função de elementos do trapézio.

A aluna desenhou um quadrilátero qualquer (Figura 87) no Geogebra e

efetuou medições de segmentos e ângulos. Concluiu que:

Não é possível estabelecer alguma relação.

Figura 86: Trapézio qualquer construído por Júlia no Geogebra

Figura 87: Quadrilátero qualquer construído por Júlia no Geogebra.

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4.10 Síntese da análise da questão 2 no ambiente de geometria dinâmica Geogebra

Os alunos não apresentaram dificuldades na determinação dos triângulos

devido à nomeação automática do Geogebra, porque eles construíram os

quadriláteros em telas distintas do software. A configuração das casas decimais não

causou embaraço aos alunos, seja porque os resultados fornecidos na tela não

apresentavam diferença (no caso de Júlia, Rita e Guilherme), seja porque foi

compreendido como uma aproximação (no caso de Patrícia e Diana).

Rita e Guilherme utilizaram as construções e os resultados fornecidos pelo

Geogebra (medidas de áreas e de lados dos triângulos) para confirmar os resultados

obtidos no ambiente papel e lápis para os itens a e b. No caso do item c, eles

buscaram indícios de uma resposta diferente da que encontraram no ambiente papel

e lápis. Após analisar as figuras construídas por eles, concluíram que não havia

relação entre as áreas dos triângulos.

Desde o início da resolução do problema no ambiente Geogebra, Rita e

Guilherme afirmaram que o paralelismo de dois lados, que garantia a semelhança

dos triângulos; e, portanto, a relação entre as suas áreas, estava ausente do

quadrilátero qualquer, mas, ainda assim, eles insistiram na investigação. Este

comportamento realça o poder de convencimento do computador, pois nos itens a e

b, como o resultado fornecido pelo Geogebra coincidiu com o encontrado no

ambiente papel e lápis, não ocorreu dúvidas. No item c, mesmo tendo um respaldo

teórico, eles ainda duvidaram de suas conclusões obtidas no ambiente papel e

lápis, persistindo na procura por resultados.

Diana e Patrícia utilizaram os resultados fornecidos pelo Geogebra a fim de

confirmar a solução encontrada no ambiente papel e lápis para todos os itens da

questão. No item c, a ausência do paralelismo de dois lados foi suficiente para que

elas concluíssem que não havia relação entre as áreas dos triângulos. Daí não

insistiram na investigação.

Júlia não utilizou a ferramenta área, do Geogebra. Ela usou as ferramentas de

medição de ângulos e de segmentos. Com estes dados, ela calculou as áreas dos

triângulos no item a, e concluiu que uma era um quarto da outra. No item b, o

paralelismo de dois lados a levou inferir que os triângulos eram semelhantes, e por

isso, a razão entre as áreas era igual ao quadrado da razão de semelhança. No item

c, após realizar medições de lados e ângulos, concluiu que não havia relação entre

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as áreas. Júlia foi a que utilizou menor variedade de ferramentas do Geogebra,

pode-se dizer que usou o software como régua e transferidor eletrônicos.

A experimentação no ambiente Geogebra não contribuiu para um avanço em

relação aos resultados obtidos pelos alunos no ambiente papel e lápis, funcionando

como um instrumento de confirmação dos resultados obtidos neste ambiente.

Rita e Guilherme oscilaram entre os níveis de raciocínio geométrico G1 e G2.

Eles estão em G2 quando justificam baseados em fatos geométricos, e estão em G1

quando duvidam do resultado encontrado, apesar dos argumentos teóricos.

Também buscaram alguma solução por meio da movimentação da figura no

ambiente Geogebra, ou ainda, retornando ao desenho produzido no ambiente papel

e lápis. Comportamento idêntico ao de Rita e Guilherme, tiveram as demais alunas.

As justificativas apresentadas foram do tipo experiência mental, porém de

modo incompleto, ou seja, no texto havia referência a propriedades, mas continha

omissões de argumentação. Nós consideramos que tais justificativas foram escritas

pelos alunos como uma extensão do que haviam feito no ambiente papel e lápis.

Eles devem ter registrado apenas o que consideraram diferente, e quando não

houve acréscimo. Sequer escreveram algo.

4.11 Quadros síntese dos resultados obtidos nos ambientes papel e lápis e

Geogebra e outras considerações

Apresentamos nos quadro 5 e 6, um resumo das alterações nas variáveis

didáticas com relação aos ambientes papel e lápis e Geogebra, para as questões 1

e 2 respectivamente:

Aluno (a) Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4

Rita sim sim sim não

Rita sim sim sim não

Guilherme sim sim sim sim

Guilherme sim sim sim sim

Patrícia não sim não não

Patrícia sim sim não não

Diana não sim não não

Diana sim sim não não

Júlia não não não não

Júlia sim sim não não

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Helena não não não não

Helena não participou

Quadro 5: Alteração das variáveis didáticas da questão 1. Ambiente papel e lápis Ambiente de geometria dinâmica Geogebra

Observando o quadro apresentado, podemos afirmar que resolver a questão

1, no ambiente de geometria dinâmica Geogebra, trouxe poucas alterações ao

desempenho dos alunos. Não provocou a passagem do nível de raciocínio

geométrico G1 para G2 em nenhum dos alunos, tampouco possibilitou a evolução

do tipo de prova apresentado e das argumentações, que permaneceram, em sua

maioria, no campo perceptivo.

A contribuição do uso do ambiente Geogebra foi a potencialização de

produção de conjecturas, se comparada às produzidas em ambiente papel e lápis.

Este fato confirma a eficácia do primeiro em atividades de investigação matemática

em sala de aula (GRAVINA, 2001). A movimentação possibilitada pelo ambiente de

geometria dinâmica permitiu a elaboração - reelaboração de várias conjecturas

elaboradas pelos alunos, principalmente pela dupla Diana / Patrícia. Também

contribuiu a possibilidade de construção de figuras mais precisas, facilitando

processo de abstração do objeto particular para o objeto genérico.

Aluno (a) Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4

Rita sim Sim sim sim

Rita sim Sim sim sim

Guilherme sim Sim sim sim

Guilherme sim Sim sim sim

Patrícia sim Sim sim sim

Patrícia sim Sim sim sim

Diana sim sim sim sim

Diana sim sim sim sim

Júlia sim sim sim sim

Júlia sim sim sim sim

Helena sim sim sim sim

Helena não participou

Quadro 6: Alteração das variáveis didáticas da questão 2. Ambiente papel e lápis Ambiente de geometria dinâmica Geogebra

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Com base nos dados do quadro 6, inferimos que a experimentação da

questão 2, no ambiente Geogebra, não possibilitou alteração dos comportamentos

em relação ao ambiente papel e lápis. As soluções elaboradas pelos alunos, no

ambiente papel e lápis, não foram modificadas pelos mesmos, após a resolução no

ambiente Geogebra.

Sublinhamos que, no caso do aluno Guilherme, o qual apresentou duas

formas distintas para demonstrar as relações da questão 1 e do item a da questão 2,

estas ocorreram quando o aluno trabalhava no ambiente papel e lápis. Portanto,

constatamos que a experimentação no ambiente Geogebra não acrescentou outras

possibilidades para a elaboração das justificativas, ou seja, não despertou novas

ideias.

Ao final da experimentação, fizemos uma entrevista com os alunos com o

objetivo de que falassem sobre as suas impressões a respeito da investigação

realizada em dois ambientes distintos. A pergunta inicial direcionada aos alunos foi:

− Vocês trabalharam dois problemas de Geometria, numa situação de investigação,

e tinham que fazer uma demonstração. Trabalharam primeiro no ambiente papel e

lápis, depois trabalharam os mesmos problemas num ambiente de geometria

dinâmica. Que diferença vocês veem entre um ambiente e outro, do ponto de vista

do aluno?

Transcrevemos abaixo os diálogos entre a pesquisadora, Rita e Guilherme,

durante a entrevista realizada imediatamente ao término da resolução das questões

no ambiente de geometria dinâmica Geogebra:

R: Eu acho que o mais fácil na geometria dinâmica é ver que vale para todos, porque ao movimentar um pontinho, você já está fazendo centenas de novos quadriláteros, por exemplo. Então, é mais fácil ver que vale para todos. A parte inicial, eu acho que é a mesma coisa nos dois. A gente vê que os ângulos são iguais. Essas coisas que a gente acabou fazendo, o mesmo processo em todos. Assim, de conferir os ângulos, conferir altura, conferir segmento, a gente pode fazer isso tanto na geometria dinâmica como no papel e lápis. A diferença para mim foi essa, que na geometria dinâmica é muito mais rápido ver que vale para todo, generalizar. G: Ao traçar todos os ângulos dos triângulos aqui (Refere-se ao quadrilátero qualquer da questão 2), eu percebi que só os que são congruentes são os opv, então é, estes dois triângulos que a gente tá trabalhando só tem um ângulo em comum. Então, não posso fazer nenhuma razão, nenhuma semelhança entre

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os dois, se eles não têm nenhuma razão de semelhança, eles não têm nenhuma relação entre os lados. Pesq: Você acha que trabalhar estas questões num ambiente de geometria dinâmica, ajuda a encontrar uma saída para fazer uma demonstração? Ou é indiferente? Ou, se ajuda, em que ajuda? G: Eu acredito que seja bem mais fácil mesmo, não só pelo fato da gente descobrir. Nesse caso, quando a gente acha que um caso é verdadeiro, a gente provou pelo aquele caso, como Rita falou. A gente tem que provar para todos os casos, quando a gente movimenta no GD, a gente pode provar para todos os casos, mas não só nesse sentido, porque ao construir no papel, quando você erra alguma coisa, a gente já tem que apagar, e aqui é bem mais simples a gente construir. Pesq: Mais rápido. G: Um erro seu, você pode consertar aqui bem mais rapidamente do que você está fazendo com régua e compasso, no papel. Então, eu acho que facilita bastante sim. E fora os recursos que são... por exemplo, a gente aqui está comparando a área, a gente primeiro teve que achar uma razão de semelhança, provar. No caso do GD, a gente apenas digitou a função da área do triângulo e a gente verificou rapidamente qual era a razão entre as duas áreas. Aqui não seria possível a gente fazer isso, porque não tem como a gente achar, para um caso, mas todos a gente não poderia confirmar. Então, no papel a gente teria realmente que provar de outra forma, não encontrando a área. Pesq: E você acha que se, por acaso, vocês tivessem vindo para cá, não tivessem passado pelo papel e lápis, tivessem começado a investigação nesse ambiente, as ideias para fazer a demonstração teriam sido mais rápidas? Vocês lembram que demoraram um pouquinho para chegar à bissetriz, na primeira questão? G: Eu acho que seria mais rápido sim. Pelos recursos que o software oferece, por tudo que é mais fácil construir. Tudo isso daria as ideias mais rápido sim. Só que por outro lado, eu não sei se eu faria essa demonstração do mesmo jeito, se tivesse o software de GD. Pesq: Faria de que jeito? G: Por exemplo, na 2, aqui está pedindo para investigar relação entre as áreas. Como no software de GD eu tenho essa opção, de calcular a área final, eu ia acabar primeiro, logo, de início assim, tentar calcular a área dos triângulos e tentar fazer uma relação. No paralelogramo, que é a a (o item a), o software de GD teria um valor fixo , 4; mas no trapézio, eu já não ia perceber isso rápido, porque o valor ia mudar sempre, aí pra mim, não teria nenhuma relação entre as áreas. Pesq: Ia acabar afirmando que não existia...

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G: Ia acabar afirmando que não ia ter relação nenhuma, então teria que realmente estudar mais a fundo para perceber qual era a relação, que ali tem. Pesq: Teria que fazer um estudo no papel e lápis? G: Exatamente.

A dupla realça a possibilidade de construção de figuras precisas e a

movimentação como vantagens do ambiente de geometria dinâmica sobre o

ambiente papel e lápis. Observamos também a associação da ação de provar à

movimentação das figuras na tela, pois as diversas configurações obtidas

possibilitaram confirmar as conjecturas. Uma justificativa baseada nestas inúmeras

observações no Geogebra resulta numa prova do tipo experiência genérica.

Guilherme afirmou que na questão 2, item b, o software não ajudaria muito, pois

forneceria resultados distintos, e aparentemente não existiria relação entre as áreas

dos triângulos. Talvez, seus resultados levassem o aluno a pensar que não existiria

a relação. Este fato foi relatado na análise didática desta questão. Deste modo,

colocamos algumas questões: Os ambientes de geometria dinâmica são eficazes na

investigação de certos tipos de problemas geométricos? Ou seja, existem problemas

geométricos para os quais os resultados obtidos na investigação em ambiente de

geometria dinâmica não ajudam, e podem até confundir? Ou levar o aluno a uma

conclusão errada? E se isto procede, quais seriam estes problemas? Que

características têm os tipos de problemas que os ambientes de geometria dinâmica

contribuem na busca de uma solução?

A entrevista com as outras duplas ocorreu dois meses após a realização das

atividades, devido a motivos particulares das alunas e férias escolares.

Transcrevemos agora a entrevista com Diana e Patrícia:

P: Eu acho que é mais a facilidade do desenho, porque no papel você tem que fazer com régua, compasso, construir cada figura, leva tempo, no Geogebra é mais rápido, né? No computador, é mais rápido. Você pode construir várias figuras, aí você movimenta que aí já tem outra... D: Faz a comparação... P: Faz a comparação... D: Das figuras que nós construímos e é bem mais rápido. P: É bem mais rápido. Pesq.: Então, o principal aspecto, ou o único aspecto é a rapidez e precisão dos desenhos? P: Para mim é, a precisão também. Porque para fazer com régua e tal, às vezes uma coisinha interfere. O lado, anda um pouquinho a régua, aí no software tem precisão.

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Pesq.: Vocês não fizeram a justificativa na primeira questão, em nenhum dos ambientes. Vocês não disseram por que o centro da circunferência era o ponto de encontros das bissetrizes. Vocês não perceberam que era para justificar. Não prestaram atenção? Ou não souberam fazer? P: A gente não soube justificar. Sabia que precisava, eu particularmente, não soube justificar. Pesq.: Ou você já considerou a sua resposta como uma justificativa? D: É, eu pensei já sendo a justificativa. P: Eu estava tentando justificar. Eu achei que não estava... eu sabia que não estava boa. D: A resposta não estava boa. P: Mas deixei assim mesmo. Pesq.: Por que você não sabia? P: Eu não sabia. Pesq.: Então, o ambiente Geogebra não acrescentou, não lhe ajudou em nada em relação à justificativa, a ver alguma forma de justificar? P: É, para mim não. Para a justificativa, não. Diana concorda balançando a cabeça. Pesq.: Então, o Geogebra serviu mais para confirmar o que você tinha feito no papel e lápis. P: Foi.

Patrícia e Diana realçaram a rapidez e a precisão das construções no

Geogebra. Mas também se referiram à movimentação dos desenhos, possibilitando

a visualização de várias configurações a partir de uma construção inicial. Elas

afirmaram que a experimentação no Geogebra não contribuiu para elaboração da

justificativa na primeira questão. Nós não citamos a segunda questão porque elas

haviam justificado corretamente.

A seguir, é transcrita a entrevista com Júlia:

J: Bem, eu acredito que foi mais fácil no Geogebra. Sempre que a gente usa tecnologia, acho que ajuda bastante, quanto mais com Geometria porque depende muito de visualização, dessas coisas. Acho que contribuiu muito, e a gente adianta, no lado que a gente tem que construir, muitas vezes, tem que desenhar, e lá no software não, é bem mais prático. Pesq.: Você se refere ao aspecto da rapidez, da visualização, que você pode movimentar a figura. Mas, teria algum outro aspecto, porque o objetivo era que você fizesse uma justificativa para o que você respondeu. Você acha que trabalhar no Geogebra permitiu você criar esta justificativa, ou foi só mesmo a visualização? J: Não, acho que ajudou muito na justificativa, acho que sem ele ia ficar muito difícil fazer esta justificativa.

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Pesq.: Só por causa da visualização? A aluna fica pensativa. J: Eu agora não sei dizer. Pesq.: Você se lembra além da visualização, da possibilidade de mover a figura, algum outro aspecto que tenha ajudado você a responder, que tem no ambiente Geogebra, e você não viu no papel e lápis? J: Acho que a precisão dos desenhos, quando a gente fica desenhando... Por exemplo, nesse caso aqui, eu não vi a reta tangente ao terceiro lado no desenho (Refere-se à questão 1 no ambiente papel e lápis), lá eu consegui ver. Por causa do desenho também, que é mais preciso, nos pontos certinhos, a gente tem mais certeza do que a gente está fazendo, é diferente aqui do papel. Acho que só isso. Pesq.: Você acrescentaria o item precisão? J: Isso, precisão.

A aluna Júlia destaca a rapidez e a precisão das construções no ambiente

Geogebra, e associa a estas características a possibilidade de resolução da

questão, além da visualização. Ela refere-se à justificativa, mas esta aluna justificou

apenas a segunda questão, justamente na qual ela menos utilizou as ferramentas do

Geogebra.

As entrevistas evidenciam que estes alunos vêem o Geogebra com um

instrumento verificador de conjecturas, além de um caderno de desenho eletrônico,

ressaltando a precisão e rapidez de construção de figuras.

4.12 A relação entre os níveis de raciocínio e os tipos de prova

Nesta pesquisa, buscamos elementos que nos orientassem na busca de

implicações entre os níveis de raciocínio geométrico propostos por Parzysz (2001,

2006) e os tipos de prova identificados por Balacheff (1987). Os dados que

obtivemos nos permitem inferir algumas correlações que assumem caráter

hipotético, uma vez que investigamos um número reduzido de sujeitos.

Nas análises parciais de cada dupla participante da pesquisa, nos ambientes

papel e lápis e de geometria dinâmica, as provas do tipo empirismo ingênuo e

experiencial crucial surgiram decorrentes do raciocínio geométrico no nível G1. E a

experiência mental é o tipo de prova derivada do raciocínio geométrico no nível G2.

Não identificamos a prova do tipo exemplo genérico nas justificativas

apresentadas pelos alunos.

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Resumimos no quadro 7, o resultado de nossas inferências sobre as relações

entre o raciocínio geométrico e os tipos de prova:

Níveis de raciocínio geométrico

Geometria spatio-gráfica (G1)

Geometria proto-axiomática (G2)

Tipo de prova Empirismo ingênuo ou Experiência crucial Experiência mental

Quadro 7: relações entre nível de raciocínio geométrico e tipos de prova

Pontuamos a necessidade de experimentações com um número elevado de

alunos para que as correlações acima sejam mais bem explicitadas.

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204

CONSIDERAÇOES FINAIS

Empreendemos este estudo motivados pela necessidade de compreender as

relações dos alunos da licenciatura em Matemática com a demonstração em

Geometria. Inicialmente, visávamos investigar a influência dos ambientes de

geometria dinâmica na elaboração e demonstração de conjecturas em Geometria. A

revisão bibliográfica nos conduziu a um redirecionamento das questões de pesquisa,

que apresentamos abaixo:

1- Qual a influência da utilização de softwares de geometria dinâmica na

construção de argumentações por alunos do curso de Licenciatura em

Matemática?

2- Que articulações podemos identificar entre os níveis de raciocínio

geométrico propostos por Parzysz (2001, 2006) e os tipos de prova

propostos por Balacheff (1987) quando analisamos as argumentações

produzidas pelos licenciandos em Matemática?

A fim de obter dados que nos possibilitassem responder a tais

questionamentos, elaboramos uma atividade com duas questões, para serem

resolvidas no ambiente papel e lápis e no ambiente de geometria dinâmica

Geogebra. Esta atividade foi experimentada com seis alunos voluntários do sexto

período de licenciatura em Matemática de uma instituição pública do Estado do Rio

de Janeiro.

Constatamos a influência dos ambientes de geometria dinâmica na produção

e verificação de conjecturas (GRAVINA, 2001; PARZYSZ, 2006; OLIVERO, PAOLA

e ROBUTTI, 2003). Na experimentação, as soluções que não ocorreram aos alunos

no ambiente papel e lápis, foram descobertas durante a manipulação das figuras no

ambiente Geogebra. A rapidez de construção de figuras, a precisão das medidas e

relações perceptivas e a visualização de várias figuras a partir de uma construção

inicial, possibilitada pelo aspecto dinâmico, foram as contribuições do software

destacadas pelos alunos.

Este fato nos leva a imaginar como as possibilidades didáticas dos softwares

de geometria dinâmica estão sendo trabalhadas na licenciatura, pois os alunos

participantes desta pesquisa, como afirmado na metodologia, possuem estudos

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técnicos e didáticos sobre softwares utilizados no ensino e aprendizagem de

Matemática, inclusive elaboram atividades, no âmbito da prática pedagógica, com a

utilização destes recursos. Além disso, eles completaram o curso de Geometria com

bom rendimento. Inferimos que, se durante o curso de licenciatura, os formadores

dos professores de Matemática não explorarem a potencialidade das ferramentas

dos softwares de geometria dinâmica, como por exemplo, a investigação de

atividades tipo caixa preta30, os futuros professores subestimarão a utilização da

geometria dinâmica em sala de aula, perdendo-se uma grande oportunidade de

desenvolver a capacidade investigativa dos estudantes.

Creditamos, em parte, à subutilização das ferramentas do Geogebra pelos

alunos, o fato de estes não extraírem das experimentações neste ambiente, fatos

que poderiam compor a argumentação. Por outro lado, detectamos que o bom

rendimento do trabalho de investigação no software de geometria dinâmica pode

estar relacionado ao tipo de problema geométrico proposto. Em problemas

geométricos, nos quais a solução seja expressa por uma expressão literal, os

resultados fornecidos pelo software podem confundir o aluno e conduzi-lo a uma

conjectura falsa. As características de problemas geométricos adequados para

serem investigados em ambientes de geometria dinâmica constituem um estudo a

ser iniciado.

Com relação a nossa primeira questão de pesquisa, afirmamos que não

identificamos em nossa investigação acontecimentos influenciáveis na construção da

argumentação, apenas na elaboração de conjecturas. Este episódio é corrobado

pelo teor das entrevistas e pela nossa percepção de que as melhores ideias e

questionamentos ocorrerão durante a experimentação no ambiente papel e lápis. E

pontuamos a colocação de uma outra questão de pesquisa: O estudo de uma

tipologia de problemas geométricos adequados para a sua exploração em ambientes

de geometria dinâmica.

Não observamos o desencorajamento da construção da demonstração de

conjecturas, fruto de experimentações no ambiente de geometria dinâmica, como

observaram Parzysz (2006) e Olivero, Paola e Robutti (2003). Este fato talvez se

30 Atividades tipo caixa preta são aquelas nas quais é dada uma figura construída em ambiente de geometria dinâmica e o aluno deve reproduzi-la, mas não é permitido o acesso às etapas da construção, podendo apenas modificar a figura na tela do computador por meio da movimentação de seus pontos base.

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deva ao nível de escolaridade dos alunos participantes da pesquisa. Entretanto,

apesar de estarem no sexto período da licenciatura, apresentaram dificuldades na

resolução das questões devido a não mobilização adequada dos conhecimentos

geométricos necessários para a construção das justificativas solicitadas.

Observamos, durante a experimentação, que a problemática da precisão

aparece entrelaçada com a problemática da dedução, o que é indicativo do que

Parzysz (2001, 2006) chama de controle de G1 por G2 e vice-versa. Mesmo o aluno

Guilherme, que melhor resolveu a atividade, e apresentou duas possibilidades de

demonstração para cada questão, teve momentos em que recorria à problemática da

precisão para confirmar as suas conjecturas, e mesmo para buscar uma estratégia

de solução. Em alguns momentos, ele se deixou levar pela evidência da figura,

voltando atrás em suas afirmações já comprovadas por argumentos teóricos.

O comportamento do aluno citado no parágrafo anterior nos levou observar

que a passagem do nível de raciocínio geométrico G1 para o nível G2 é revestido de

grande complexidade, como Parzysz (2001, 2006) já havia pontuado. Porém,

detectamos que esta transição possui avanços e retrocessos. Como exemplo,

recordamos um episódio da experimentação, no qual Guilherme após ter validado

teoricamente uma conjectura, voltou a investigá-la no ambiente de geometria

dinâmica. Este fato nos despertou o seguinte questionamento: Se este aluno já

havia validado com a teoria sua afirmação (nível G2), por que razão voltou a um

nível de raciocínio anterior (G1) para buscar uma solução? Vimos que ele sentiu

necessidade de investigar apoiado nos elementos perceptíveis do desenho.

Algo semelhante ocorreu com a aluna Rita. No item c da questão 2, após a

justificativa teórica, recorreu ao desenho no ambiente papel e lápis, para tomar

medidas e compará-las, apesar de, naquele instante, estar trabalhando no ambiente

Geogebra, repleto de ferramentas mais precisas que os instrumentos de desenho

(régua, esquadros e compasso), como eles mesmos destacaram.

Estes fatos nos conduzem a inferir a existência de um nível intermediário

entre G1 e G2, que acolha o momento de transição entre estes dois níveis. Neste

nível intermediário, estariam os alunos que trabalham ora em G1, ora em G2. Neste

nível, em um certo problema, os alunos estariam raciocinando em G1; para outro

problema, trabalhariam em G2. Foi o que ocorreu na nossa experimentação. Na

questão 1, observamos alternância entre G1 e G2. Na questão 2, os alunos

trabalharam apenas em G2, nos itens a e b. E o que podemos dizer destes alunos?

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Que estão em G1? Que estão em G2? Mudou o problema, e mudaram as formas de

raciocínio e as formas de validação?

A instabilidade, no tipo de objeto invocado (físico ou teórico) e no tipo de

validação (perceptiva ou teórica), seria a marca do nível de raciocínio que

propusemos. Em tal nível, convivem a validação perceptiva-dedutiva e a hipotético-

dedutiva, além dos objetos físicos e teóricos, sem que seja possível estabelecer

limites definidos. São necessárias pesquisas para estabelecer a possibilidade e as

características de um eixo de transição crescente, segundo o qual, os objetos

evocados passariam de físicos a teóricos, e a validação de perceptiva à hipotético-

dedutiva. As atividades que contribuem para que o aluno complete a transição de

G1 para G2, é outra indicação de pesquisa.

Neste trabalho, buscamos comparar as justificativas produzidas pelos alunos

com os tipos de provas identificados por Balacheff (1987), visando identificar

possíveis articulações entre tais tipos de prova e os níveis de raciocínio elaborados

por Parzysz (2001, 2006). Observamos que os tipos de prova empirismo ingênuo e

experiência crucial surgiram como resultado de raciocínios geométricos no nível G1.

E o tipo de prova experiência mental apareceu associada a raciocínio geométrico no

nível G2.

Constatamos que a investigação, no ambiente de geometria dinâmica,

propicia a construção de provas do tipo experiência crucial, desde que o aluno

explore o aspecto dinâmico das figuras possibilitadas por este tipo de ambiente, pois

a movimentação das figuras faz surgir, aos olhos do aluno, muitas configurações

distintas, podendo levá-lo a pensar em uma generalização; ao contrário do ambiente

papel e lápis, no qual muitas vezes o aluno se limita a uma única construção. Deste

modo, a investigação no ambiente de geometria dinâmica já posiciona o aluno num

patamar superior em relação ao tipo de prova que ele poderá produzir; pois, no

mínimo, ele escreverá uma prova do tipo experiência crucial apoiada na visualização

de vários exemplos possibilitados pelo ambiente de geometria dinâmica.

Pelo exposto nos parágrafos anteriores, acreditamos ter respondido a

segunda questão de pesquisa.

Ao analisar as resoluções dos alunos e também ao elaborar estas

considerações finais, tivemos a sensação de trazer mais perguntas do que

respostas. Até mesmo ao responder as questões de pesquisa, o fizemos com

afirmações e interrogações. Sem nos atermos a uma metodologia credenciada, mas

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mantendo a coerência entre os objetivos da pesquisa, os métodos de coleta de

dados e a forma de análise, acreditamos que o produto final desta pesquisa não

poderia ser outro, senão este, a formulação de novas questões mais do que

afirmações.

Estamos conscientes de que os resultados de nossa investigação – novas

questões e algumas constatações − são frutos de um experimento com uma parcela

bem recortada de sujeitos que compõe uma pequena amostra dos alunos da

licenciatura em Matemática do nosso país. Deste modo, disponibilizamos o nosso

trabalho como um estudo de caso, que venha acrescentar dados para reflexão numa

discussão acerca do estudo da demonstração nos cursos de formação de

professores de Matemática no Brasil.

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