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Televisão e família Estudo sobre a (re)organização das famílias pessoenses em face da segmentação televisiva 06/08/2007 Larissa Santos Beserra* Resumo A televisão faz parte do cotidiano das famílias e a segmentação nos seus conteúdos ocasiona mudanças no dia-a-dia familiar. Ao longo desta pesquisa, são explanados um panorama da televisão brasileira, enfocando a transição, de padronização à segmentação de conteúdos, ocorrida na programação televisiva, e uma análise da organização das famílias em face dessa segmentação televisiva, proporcionada através da pesquisa realizada em doze famílias das classes A, B, C e D, da cidade de João Pessoa. O objetivo deste estudo consiste em promover a compreensão de como as famílias estão se organizando diante do aparelho de tevê, tendo em vista a segmentação televisiva. Através da análise feita, foi possível constatar que as famílias estão se (re)organizando tanto no que diz respeito aos seus espaços quanto aos seus hábitos, subdividindo-se em grupos durante a assistência de tevê e transformando, com isso, as relações intrafamiliares. Palavras – chave: Televisão, Família, Segmentação, Espaço doméstico. Introdução Ao longo de sua história, a televisão adquiriu uma grande importância no dia-a-dia da sociedade. Ela passou a fazer parte do conjunto de símbolos das pessoas, possuindo uma particular abrangência e alcance na definição e renovação dos hábitos e valores sociais. Trazida por Assis Chateaubriand, no ano de 1950, a televisão era vista, nessa época, como uma inovação tecnológica, um privilégio de poucos. Marcada pela ausência de estrutura publicitária comercial, a programação televisiva era caracteristicamente elitista, visando atender às exigências do seu público. A criação de estatais como a Embratel, em 1967, pelo regime militar, proporcionou as condições necessárias para a existência de uma rede nacional de televisão. As vendas de aparelhos de tevê no país aumentaram, conquistando o público das grandes cidades. Conseqüentemente, a televisão passou a produzir uma programação de formato mais homogêneo e padronizado, na intenção de alcançar todas as classes sociais. Com isso, começou a ser considerada como uma peça indispensável nos lares. Com o crescimento do mercado televisivo e da valorização da televisão pela sociedade, as empresas televisivas começaram a apostar no investimento em públicos mais específicos. As operadoras de tevês pagas são as primeiras a explorar esses mercados segmentados, oferecendo uma vasta gama de canais específicos para vários tipos de público. Diante do sucesso das tevês fechadas e da crescente procura por esse tipo de programação, as emissoras de tevê aberta começam a sentir a necessidade de investir na produção de programas para vários segmentos. A segmentação, tanto na tevê aberta como nas tevês fechadas, produziu efeitos modificadores nos usos sociais da televisão, chamando, portanto, a nossa atenção para um estudo mais aprofundado do tema. Por ser um espaço que é, ao mesmo tempo, físico, relacional e simbólico, a família apresenta-se como o contexto mais significativo e imediato em que ocorre o consumo da televisão (PEREIRA, 1998).

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Televisão e família Estudo sobre a (re)organização das famílias pessoenses em face da segmentação televisiva 06/08/2007 Larissa Santos Beserra* Resumo

A televisão faz parte do cotidiano das famílias e a segmentação nos seus

conteúdos ocasiona mudanças no dia-a-dia familiar. Ao longo desta pesquisa, são explanados um panorama da televisão brasileira, enfocando a transição, de padronização à segmentação de conteúdos, ocorrida na programação televisiva, e uma análise da organização das famílias em face dessa segmentação televisiva, proporcionada através da pesquisa realizada em doze famílias das classes A, B, C e D, da cidade de João Pessoa. O objetivo deste estudo consiste em promover a compreensão de como as famílias estão se organizando diante do aparelho de tevê, tendo em vista a segmentação televisiva. Através da análise feita, foi possível constatar que as famílias estão se (re)organizando tanto no que diz respeito aos seus espaços quanto aos seus hábitos, subdividindo-se em grupos durante a assistência de tevê e transformando, com isso, as relações intrafamiliares.

Palavras – chave: Televisão, Família, Segmentação, Espaço doméstico.

Introdução Ao longo de sua história, a televisão adquiriu uma grande importância no dia-a-dia

da sociedade. Ela passou a fazer parte do conjunto de símbolos das pessoas, possuindo uma particular abrangência e alcance na definição e renovação dos hábitos e valores sociais.

Trazida por Assis Chateaubriand, no ano de 1950, a televisão era vista, nessa época, como uma inovação tecnológica, um privilégio de poucos. Marcada pela ausência de estrutura publicitária comercial, a programação televisiva era caracteristicamente elitista, visando atender às exigências do seu público.

A criação de estatais como a Embratel, em 1967, pelo regime militar, proporcionou as condições necessárias para a existência de uma rede nacional de televisão. As vendas de aparelhos de tevê no país aumentaram, conquistando o público das grandes cidades.

Conseqüentemente, a televisão passou a produzir uma programação de formato mais homogêneo e padronizado, na intenção de alcançar todas as classes sociais. Com isso, começou a ser considerada como uma peça indispensável nos lares.

Com o crescimento do mercado televisivo e da valorização da televisão pela sociedade, as empresas televisivas começaram a apostar no investimento em públicos mais específicos. As operadoras de tevês pagas são as primeiras a explorar esses mercados segmentados, oferecendo uma vasta gama de canais específicos para vários tipos de público.

Diante do sucesso das tevês fechadas e da crescente procura por esse tipo de programação, as emissoras de tevê aberta começam a sentir a necessidade de investir na produção de programas para vários segmentos.

A segmentação, tanto na tevê aberta como nas tevês fechadas, produziu efeitos modificadores nos usos sociais da televisão, chamando, portanto, a nossa atenção para um estudo mais aprofundado do tema.

Por ser um espaço que é, ao mesmo tempo, físico, relacional e simbólico, a família apresenta-se como o contexto mais significativo e imediato em que ocorre o consumo da televisão (PEREIRA, 1998).

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Ela representa, para a família, um importante instrumento de mudança social e de organização da vida cotidiana, pois, apesar de estar localizada no âmbito interior da casa, ela traz em seu conteúdo representações de diferentes contextos sociais, fazendo com que a família interaja com a sociedade dentro da sua própria sala de estar.

Por isso, decidimos por fazer um estudo da segmentação televisiva dentro do contexto familiar, buscando compreender como essa segmentação pode influenciar na estruturação do espaço familiar e, conseqüentemente, nos seus hábitos rotineiros.

A partir da definição do nosso objeto de pesquisa, dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira, que está dividida em dois capítulos, apresentamos um embasamento teórico da segmentação televisiva no Brasil, abordando desde a chegada da tevê no país até a produção de conteúdos segmentados na tevê aberta.

Na segunda parte, demonstramos como as famílias estão organizando os seus espaços diante do aparelho de tevê e como essa (re)organização tem afetado os seus hábitos, através de uma pesquisa de cunho etnográfico, feita por nós, em doze famílias pessoenses. Descrevemos, nessa etapa, todo o procedimento metodológico utilizado juntamente com os resultados obtidos na análise do material.

Objetivamos, com isso, contribuir com estudos que tratam dessa relação dialógica entre a televisão e a família no contexto da segmentação de conteúdos televisivos, auxiliando na compreensão de como as famílias estão organizando seus espaços e rotinas diante do aparelho de tevê.

1 panorama histórico da televisão brasileira: da padronização à segmentação de conteúdos 1.1 A gênese da Televisão

A televisão é resultado do trabalho de vários cientistas, físicos e matemáticos.

Tudo começou com a descoberta das transmissões telegráficas das imagens em 1842, por Alexander Bain, e após uma série de descobertas e realizações, foi obtida a primeira transmissão de tevê, pelo inglês John Loige Baird, em 1920[1].

Em 1935, na Alemanha, aconteceu a primeira emissão oficial de televisão e um ano depois a BBC (British Broadcasting Corporation), em Londres, inaugurou o seu funcionamento regular.

No ano de 1937, a BBC transmitiu a cerimônia de coroação de Jorge VI, através de três câmeras eletrônicas, para cerca de cinqüenta mil telespectadores[2].

E assim dava os primeiros passos aquele que passaria a ser o meio de comunicação de massa mais completo: a televisão.

1.2 A Televisão no Brasil

Durante a Feira Internacional de Amostras, no Rio de Janeiro, em 1939, aconteceu

a primeira transmissão de televisão em circuito fechado no Brasil. Mas foi em 18 de setembro de 1950, com a inauguração da TV Tupi de São Paulo,

pelo empresário paraibano Assis Chateaubriand, que a história da televisão brasileira teve início.

A estrutura era ainda muito precária, as transmissões eram todas feitas ao vivo, com equipamentos escassos, difíceis de manipular e sujeitos a constantes panes. Os espaços eram bastante reduzidos, o que, segundo Mario Fanucchi (1996, p. 19), dificultava, durante os programas, a movimentação dos profissionais advindos do rádio, teatro e jornais, e limitava os recursos cenográficos. Essa limitação resultava em longos intervalos, pois só era possível preparar um programa com o término do anterior.

De acordo com Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002, p. 112) no livro “O império do Grotesco”:

(...) a televisão chegou aqui de repente por

capricho do empresário Assis Chateaubriand, sem

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estrutura industrial específica e, mesmo, sem

número razoável de aparelhos receptores. Mas foi

anunciada como um ícone do progresso nacional – o

Brasil era o primeiro país da América Latina (o

quinto do mundo) a dispor da novidade eletrônica.

A programação era, na sua totalidade, baseada na estrutura radiofônica, com

pequenas adaptações, sendo mais perceptível, segundo Candido de Almeida (1988, p. 18), nos programas jornalísticos e de humor, além das novelas. Essa semelhança com o rádio acarretou uma certa indignação inicial do público como exemplifica Fanucchi (1996, p. 37) ao citar o depoimento de uma moradora do Sumaré, freqüentadora das Rádios Tupi e Difusora, na década de 50:

Não há muita diferença entre um programa de rádio e um programa de televisão. Claro que na tevê a gente vê os artistas... Mas no auditório da rádio a gente também pode ver os artistas. Tanto na rádio como na televisão eles cantam as mesmas músicas e falam as mesmas coisas. O pessoal diz que isso é só o começo, que a televisão vai ficar bem melhor. Então o jeito é esperar, agora que paguei um dinheirão pelo aparelho.

Na primeira década de sua história, o acesso à televisão estava restrito à elite

brasileira e, devido ao alto custo do aparelho televisivo, muitas pessoas que não tinham condições de comprá-lo passaram a assistir os programas na casa de conhecidos da vizinhança. São os chamados “televizinhos”.

Essa restrição do público consumidor da tevê resultou, segundo Sodré (1990, p. 98), na marginalização televisiva no que diz respeito ao mercado publicitário, sendo financiada, principalmente, por verbas de origem política.

De acordo com Fanucchi (1996, p. 132) os primeiros passos das mensagens publicitárias na tevê eram tímidos, redundantes e “pareciam pedir desculpas por aparecer”. Diluídos no interprograma[3], “submetiam-se ao papel de simplesmente ajudar a preencher o tempo”.

Dependendo dos investimentos financeiros para seu desenvolvimento, a televisão busca novas estratégias para inserir a publicidade na sua programação e passa a intitular seus programas com as marcas dos seus patrocinadores acopladas. Surge assim, o épico “Repórter Esso”, a “Gincana Kibon”, o “Teatro Walita”, entre outros.

Em decorrência dessa ainda modesta presença da publicidade e da ampliação nas transmissões, a programação era voltada para o público elitista. Essa característica pode ser observada desde programas como “Música e Fantasia” (da TV Tupi) que buscava seus temas em compositores clássicos como Tchaikovsky e Grieg, até os programas infantis como o grande sucesso de audiência “O sítio do pica-pau amarelo”, baseado na obra de Monteiro Lobato, que permaneceu no ar durante 14 anos e que ainda hoje faz sucesso numa readaptação feita pela Rede Globo.

A ascensão de Juscelino Kubitscheck à presidência do Brasil e as conseqüentes aberturas ao investimento estrangeiro e à instalação de multinacionais, foram o passaporte para os primeiros avanços da indústria televisiva, que despontou para um aumento na venda de televisores e, com isso, ampliou a sua audiência. De acordo com Candido de Almeida (1988, p. 19) “até 1960, o país terá cerca de meio milhão de aparelhos instalados e a verba de publicidade destinada à TV situar-se-á em 11% do total”.

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Com a inauguração de Brasília, em 1960, as transmissões à distância foram incentivadas, chegando ao patamar de 15 estações de tevê nas capitais. No mesmo ano, inicia-se o uso da tecnologia do videoteipe (VT) que não só ampliava as possibilidades nas divulgações comerciais, como também permitia uma maior agilidade na produção dos programas televisivos. “O VT pode ser considerado a etapa decisiva para a conquista de um padrão de qualidade audiovisual”, afirma Almeida (1988).

A TV Excelsior foi a pioneira no desbravamento do campo publicitário, pois, segundo Sodré (1984, p. 97), “montou um esquema publicitário apoiado numa programação unificada para mais de um mercado”. Ela também inovou no telejornalismo, sendo a primeira TV a utilizar mais de um apresentador.

Em 1963, chegam ao Brasil as primeiras televisões coloridas, importadas dos Estados Unidos, porém a primeira transmissão oficial em cores ocorreu em 19 de fevereiro de 1972, devido ao alto custo e à carência de técnicos especializados.

O investimento tecnológico e financeiro do grupo norte-americano “Time-Life”, em 1964, na recém criada TV Globo, consolidou-a como rede e tirou de cena todas as emissoras que ainda operavam de forma amadora. Era o início do “padrão Globo de fazer televisão”.

O regime militar brasileiro, impulsionado por motivos estratégicos, criou, em 1967, a Empresa Brasileira de Telecomunicações, Embratel, que permitiu a expansão televisiva no território brasileiro. Com isso, a audiência foi ampliada e a conquista dos novos consumidores, as classes C e D, passou a ser almejada pelas empresas de televisão. “A televisão agora se permitia a incluir a imagem dos socialmente excluídos, mas sob o índice do desvio” (SODRÉ, 1984).

O ano de 1969 foi marcado pela tecnologia de transmissões internacionais via satélite, possibilitando a exibição, ao vivo, da chegada do homem na lua. Nesse mesmo ano, estreava, pela Rede Globo, o “Jornal Nacional”, que, segundo Candido de Almeida (1988, p. 22), “atua como embrião da programação de rede, método que apesar de proporcionar a redução dos custos de produção, acarreta a destruição das culturas regionais”.

Em 1971, 70% dos aparelhos ligados no Rio e em São Paulo já pertenciam a famílias de classes C e D e, na década de 80, mais de 20 milhões de aparelhos de televisão estavam presentes em aproximadamente 12 milhões de domicílios. “A TV abocanhava quase 60% das verbas de publicidade, ou seja, mais que todos os outros veículos reunidos” (ALMEIDA, 1988).

O desmembramento da TV Tupi, em julho de 1980, dá origem ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), que tinha como estratégia investir nas classes C e D, e à Rede Manchete, que caminhava no sentido contrário ao do SBT, investindo nas classes AB e AA.

A indústria televisiva foi crescendo progressivamente ao longo dos anos e o Brasil foi considerado, no fim da década de 90, o sexto maior produtor de aparelhos de tevê e o terceiro maior consumidor, perdendo apenas para os Estados Unidos e o Japão. Segundo dados do IBGE de 1990, citados por Patrícia Mello (apud ALMEIDA e ARAÚJO, 1995), “em São Paulo e no Rio de Janeiro, a posse de aparelhos de televisão ultrapassa 90 por cento dos domicílios”.

Em pouco tempo, de acordo com Fanucci (1996, p. 152), a televisão deixou de ser um objeto de luxo dispensável para ser um dos mais cobiçados, por vários motivos:

(...) o fato de chegar às casas como o rádio, isto é, de graça; mostrar a cara dos artistas que o público admirava e, de quebra, oferecer muito mais, como filmes, que antes a gente só via no cinema; apresentar notícias com imagens, futebol, além de uma variedade de espetáculos que prometia se ampliar com o tempo; e, finalmente, pelo fato de dar status.

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As empresas de televisão sentiram então, a necessidade de transgredir os próprios limites. De acordo com Eugênio Bucci (1997, p. 34) “a TV depende de ir sempre além. O seu oxigênio vem de espaços virgens. Espaços já conquistados são espaços estéreis”. Os primeiros indícios dessa busca por novos espaços podem ser observados na criação de programas veiculadores das culturas regionais:

(...) a penetração cada vez maior do veículo no interior do país gerou uma demanda de programação para aquela audiência que não tardou por se manifestar. As manhãs de domingo vieram a se tornar redutos inexpugnáveis da cultura e do noticiário sertanejo através de programas como “Globo Rural” (Globo), “A conquista da Terra” (Bandeirantes), “Manchete Rural”, ou os musicais “Chitãozinho e Xororó” (SBT) e “Tonico e Tinoco”, encabeçados pelas milionárias duplas sertanejas (ALMEIDA,1988).

As estratégias de marketing de televisão, segundo Luiz Guilherme Duarte (1996)

começaram a se afastar de uma audiência de massa, em direção a grupos mais específicos, cujo tamanho reduzido é compensado por uma empatia maior com a programação e os anunciantes.

Essa segmentação da televisão, conforme Duarte (1996) vê os telespectadores como, ao mesmo tempo, complexos e diferenciados demais para serem tratados como massa única, mas homogêneos o suficiente para serem classificados em pequenos grupos. Sodré (2002) ratifica o discurso de Duarte, quando afirma que o sistema televisivo tende a abarcar todas as faixas etárias da audiência.

2 a segmentação televisiva 2.1 Como tudo começou

A televisão vivencia, portanto, nos dias atuais, uma realidade na qual estão inseridas duas tendências bastante distintas: a massificação e a segmentação da sua programação. Renato Ortiz (apud SILVEIRA, 2002) define a programação massificada como a etapa televisiva “monocromática”, por tratar o seu público de forma homogênea, única, e a programação segmentada como a etapa que se assemelha a um caleidoscópio: “com fragmentos produzindo um número infinito de combinações”.

Atendendo aos segmentos da população de maneira particular, com ofertas específicas para cada um deles, a televisão segmentada surge como forma de suprir uma necessidade social e, com isso, ampliar o mercado televisivo:

(...) numa sociedade pluralista, com níveis sociais, econômicos e culturais tão distintos, não há mais espaço para pensar que todos querem ver a mesma coisa ao mesmo tempo. Por conta dessa demanda, a indústria televisiva começa a repensar o modo de produção, tradicionalmente centralizado, e a distribuição de seus produtos padronizados para grandes públicos, feita até hoje de forma unidirecional (HOINEFF apud SILVEIRA, 2002).

As novas tecnologias, a insatisfação de parcelas de telespectadores com a mistura

de gêneros na programação, o desgaste da televisão generalista e o aumento do número de empresas de comunicação com capacidade para produzir programas diversificados, são fatores apontados por Dominique Wolton (apud SILVEIRA, 2002) como responsáveis pelo aparecimento e sucesso da televisão segmentada.

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Para Wolton (op. cit), apesar da televisão segmentada ser massiva, no que diz respeito à quantidade, a audiência deixa de ser massificada:

A televisão fracionada inaugura um modo de reagrupamento que não é nem a comunidade no sentido tradicional, nem a aldeia, nem a corporação, mas alguma coisa mais diáfana, mais leve, mais individualista e que, ao mesmo tempo, é numerosa. Mas um numeroso que não é mais aquele da televisão de massa.

Surge a TV paga, então, para explorar essas fatias do mercado e veicular a

programação segmentada, sempre objetivando um público mais definido, oferecendo temáticas específicas e ampliando o diálogo com os telespectadores, que ganham maior voz, visto que ela é uma opção de compra e deve atender às exigências do seu consumidor.

Dentre as tecnologias de transmissão da TV paga, a TV a cabo se destaca, representando, segundo dados da Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), 60% da preferência do público desse mercado.

2.2 A TV a cabo

A TV a cabo foi a pioneira na produção da comunicação dirigida (narrowcasting),

na qual o consumidor é o seu elemento base e a fidelidade dele é o seu objetivo constante. Por causa dessa interminável busca pela manutenção do seu público, a segmentação na programação e sua constante inovação, que varia de acordo com a aceitação do público alvo, se tornaram a marca e o diferencial da TV a cabo. "A segmentação, na verdade, é a base de toda a filosofia da programação a cabo e a mola propulsora do seu sucesso", afirma Candido de Almeida (1988, p. 53).

A transmissão da TV a cabo é feita por satélite: a emissora aluga um canal em um determinado satélite e, através de uma antena, transmite o sinal de sua programação para todo o território de alcance desse satélite. Os operadores que contrataram a emissora recebem o sinal através de antenas instaladas na cidade, sendo repassado para os assinantes através de cabos coaxiais.

O grupo americano Time-Life, na década de 70, foi o grande responsável pela propagação e pelo sucesso da TV a cabo. Utilizando-se de sua experiência nos gostos e hábitos das pessoas, conquistada através do bem-sucedido trabalho com a revista “Time”, o grupo resolveu alugar, segundo Almeida (1988, p. 56), diversos canais de satélites, alcançando todo o território, passando, dessa maneira, a oferecer seu sinal diretamente aos operadores. Estava criada a HBO (Home Box Office): emissora cuja programação estava baseada exclusivamente na veiculação de filmes recém-lançados nos cinemas e que, conforme Almeida (1988), “disparou no ranking das maiores emissoras de cabo e estabeleceu um corte na história deste mercado”.

A TV a cabo, atualmente, destaca-se por apresentar, além de um grande leque de alternativas de programas e emissoras para as mais diversas faixas etárias, culturas e gostos, opções de serviços como o Home Shopping Network (rede de compras a domicílio), canal de vendas de produtos 24 horas, criado em 1986, e o Pay-per-view (pague por vez) que permite ao assinante solicitar um determinado filme, dentro de uma lista veiculada mensalmente, na data e horário de sua conveniência.

Indiscutivelmente, a TV a cabo veio revolucionar a maneira de se pensar e utilizar a televisão, trazendo uma mudança nos hábitos dos telespectadores e transformando a relação determinista da tevê com o público em uma relação dialógica, na qual o público participa ativamente:

Mais do que nunca, as crianças e os jovens têm agora um leque quase indeterminável de escolhas, razão pela qual alguns autores referem que, bem

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longe de ser um processo exclusivamente passivo, a actividade de ver televisão tem de ser considerada cada vez mais um processo activo, o que, por sua vez, tem implicações de ordem diversa. (SILVA, FONSECA e LOURENÇO, 2002).

2.3 A relação dialógica da TV com os telespectadores

“Os consumidores passivos são espantalhos que caíram em desuso”. Essa

afirmação de Daniel Dayan, citada por Nelson Hoineff no seu artigo “Opções, vontades e pesquisas” (1998)[4], exemplifica muito bem a nova relação que os telespectadores têm apresentado com a indústria televisiva.

A mudança nessa relação teve início com o advento do controle remoto, ou seja, com a doação de um certo “poder” ao telespectador, que agora teria a oportunidade de mudar de programação com um simples toque de botões, sem que fosse preciso se deslocar de sua zona de conforto.

Segundo Milena Silveira (2002, p. 119), em pesquisa realizada em 1994, “nove em cada dez entrevistados costumavam ver TV zapeando[5]”; comprovando, dessa forma, a mudança ocorrida no hábito de ver televisão, o qual era marcado pela fidelidade a uma única programação.

Para Silveira (op. cit), esse novo hábito de zapear faz com que o telespectador acabe construindo a sua programação personalizada, “conquistando, com essa prática, a condição de ‘co-construtor’ do produto final, que, por mais fragmentado que pareça, continua sendo um produto”.

Nessa mesma linha de pensamento, Umberto Eco (apud SILVEIRA, 2002) acredita que com o advento do controle remoto e com a crescente segmentação televisiva foi alterado todo o modo de se pensar a televisão, visto que a tevê emite hoje “pluralidades incontroláveis de mensagens que cada um compõe como quer, com o controle remoto”. Isso não quer dizer que o usuário tornou-se totalmente livre, mas, para Eco, o que mudou foi “o modo como ele é ensinado a ser livre ou controlado”.

A proliferação de operadoras de TV paga, que apresentam um cardápio de quase 100 canais ofertados no Brasil, dentre étnicos, infantis, eróticos, de esportes, séries, filmes, notícias, documentários etc., nos quais estão contidos gêneros como música, moda, entrevistas, viagens, sitcoms (comédias de situação), entre outros, é outro indicador desse avanço no relacionamento público versus tevê, pois propicia ao consumidor uma vasta oportunidade de escolha, como confirma Milena Silveira (2002, p. 115): "(...) a própria multiplicação de ofertas televisivas já abre espaço para uma maior interatividade com o meio, na medida em que o receptor tem maior número de possibilidades de personalizar a sua programação".

A variedade de ofertas na programação, considerada por 68% do público consumidor da TV paga como principal motivo da sua contratação[6], ocasiona também um aumento no grau de exigência do público. “O público já não se deixa seduzir, como antigamente, por programas inteiros, menos ainda pela seqüência deles. O telespectador dá o comando do que está pretendendo ver, no instante em que quiser”, afirma Silveira (2002, p. 76).

Esse novo posicionamento do público, acrescido do grande salto que a TV paga tem dado nos últimos anos, começou a preocupar a TV aberta. De acordo com dados da ABTA do primeiro trimestre de 2005, os canais fechados chegam a aproximadamente quatro milhões de domicílios brasileiros, atingindo, em média, 13 milhões de pessoas. Sem falar no investimento publicitário no meio, que cresceu 61% em 2004.

Diante disso, a extinção do broadcasting[7] televisivo passou a ser considerada pelas grandes redes fazendo com que, segundo Candido de Almeida (1988, p. 15), a condição de agente passivo no contexto da comunicação eletrônica, imposta ao telespectador durante quase meio século, começasse a desaparecer, dando lugar a uma relação bidirecional, obrigando a mídia televisiva tradicional a desenvolver mecanismos alternativos de aproximação com o telespectador.

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A indústria da televisão de massa será grandemente reduzida. É impossível prever o que será a configuração das atuais redes em um par de anos, muito menos em uma década, com a chegada dessa imensa oferta de produtos, ou melhor, de programação (GLEISER apud ALMEIDA e ARAÚJO, 1995).

2.4 A TV Digital

A emergente televisão digital (TVD) promete efetuar mudanças ainda mais

profundas na relação TV versus telespectador e, principalmente, na disputa pela audiência entre as emissoras de tevê aberta e fechada. Ela consiste num sistema de radiodifusão televisiva que transmite sinais digitais em substituição dos analógicos.

O advento dessa nova tecnologia traz consigo diversas possibilidades para o telespectador e para as emissoras como, por exemplo, a oferta de uma imagem mais larga (no formato 16x9) do que a atual (que possui o formato 4x3) e com uma maior resolução, aproximando-se bastante da imagem oferecida pelo cinema.

A TVD dispõe, também, da capacidade de subdivisão de um canal em até treze segmentos diferentes, recurso já utilizado pelas redes de TV por assinatura, principalmente, na transmissão de jogos de futebol, onde os telespectadores, através do controle remoto, podem optar por mudar o ângulo em que vêem a partida e acessar a tela de replay.

Dentre as inúmeras possibilidades e vantagens oferecidas pela TV digital, nas quais não nos deteremos, uma vez que esse não é o objetivo do nosso trabalho, a maior novidade, segundo César Bolaño e Vinícius Vieira (2004, p. 102), é a capacidade de “possibilitar a convergência entre diversos meios de comunicação eletrônicos, entre eles a telefonia fixa e móvel, a radiodifusão, a transmissão de dados e acesso à Internet”.

Essa convergência de meios permite que o telespectador interaja com o sistema de forma muito mais ampla, se compararrmos à interatividade obtida entre a internet e seu usuário.

A chegada do sistema de televisão digital no Brasil é aguardada pelas redes de TV aberta com bastante expectativa, visto que promete revolucionar a assistência de televisão e que dará às redes de tevê aberta a oportunidade de competir igualitariamente (no que diz respeito à tecnologia) com as redes de tevê por assinatura. Com isso, o individualismo será intensificado e, conseqüentemente, as relações interpessoais serão afetadas, principalmente no que diz respeito ao espaço familiar.

2.5 A segmentação na TV aberta

Pensando nessa aproximação com seus interlocutores, a TV aberta lança como

estratégia o uso do computador e do telefone como acessórios na interatividade com o público. Os telespectadores podem, então, participar dos programas através de enquetes, nos sítios dessas atrações, decidindo qual o melhor final para o caso apresentado, escolhendo qual dos candidatos presentes nos reality shows deve ser eliminado, denunciando criminosos, além dele mesmo ter a oportunidade de estar em um desses programas e ter o seu dia de estrela de tevê.

Porém essas ferramentas de interatividade não têm sido suficientes para manter o público de frente à tevê por muito tempo. Em 2004, o alcance diário da TV por assinatura já era de 51% da audiência do meio, e o tempo médio dedicado a ela, diariamente, era de 2 horas e 4 minutos[8]. Para Nelson Hoineff, em seu artigo “A televisão na era da abundância” (2006)[9], "a era da TV massificada está chegando ao fim. É natural que assim seja".

Ao analisarmos a grade programática da televisão aberta observamos que, cada vez mais, ela distancia-se da padronização dos gêneros. Liderada pela Rede Globo de Televisão, que é considerada, atualmente, a maior emissora do Brasil (seu sinal chega a 99,77% dos domicílios com aparelhos de TV do país)[10] e a quarta maior do

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mundo[11], a procura pela elaboração de trabalhos para segmentos específicos se faz presente na programação de todas as emissoras abertas do país, sendo possível detectá-la desde as telenovelas aos telejornais.

2.5.1 Os telejornais

Os telejornais diários estão intrínsecos na rotina diária dos telespectadores, como

afirma Klaus Bruhn Jensen (1997, p. 132): “Ver os informativos está categorizado como algo que pertence às diversas rotinas diárias da jornada trabalhista. É uma atividade que deve ser feita antes que se possa ‘relaxar’ ou ‘sair’”[12].

Esses telejornais apresentam fortes indícios de segmentação no seu conteúdo, com um tratamento diferenciado da notícia, que varia de acordo com o público daquele horário.

2.5.1.1 Telejornal para ser visto antes do trabalho

Nas primeiras horas da manhã, os canais abertos costumam veicular telejornais,

que apresentam os principais fatos ocorridos durante a madrugada, e também suítes dos assuntos noticiados no dia anterior, além de manchetes dos principais jornais impressos do mundo.

Observando os telejornais “Fala Brasil” (Rede Record), “Primeiro Jornal” (Rede Bandeirantes) e “Bom dia Brasil” (Rede Globo), constatamos que esses telejornais são destinados, principalmente, às pessoas que estão saindo para o trabalho, geralmente homens.

Esse fator pode ser observado através de algumas características no formato dos telejornais matinais como, por exemplo, o horário (ajustado de acordo com o horário da capital do Brasil) é anunciado no início e no fim de cada bloco do telejornal ou é exposto na tela, como é o caso do “Primeiro Jornal”.

A previsão do tempo, outro índice importante para quem vai sair de casa, é dada mais detalhadamente do que nos outros telejornais diários, anunciando o clima e a temperatura de cada região do país.

As notícias sobre política predominam nesse horário, destacando-se, na maioria dos jornais analisados, a presença de comentaristas políticos. Isso também pode ser observado através dos links feitos com repórteres em várias cidades do país, dentre as quais Brasília tem maior destaque, com informações sobre o cenário político brasileiro.

A editoria de esporte também recebe uma maior atenção nesses telejornais que transmitem os gols dos jogos da noite passada, contam com a presença de comentaristas esportivos e informam novidades sobre outros esportes. O telejornal “Fala Brasil”, da Record, dedica quase um bloco inteiro para essa editoria, com assuntos como tênis, futebol europeu, ping pong, além do tradicional futebol brasileiro.

Esse jornal, inclusive, destaca-se dos demais jornais analisados pelo fato de ser o telejornal de maior duração. Com aproximadamente uma hora e meia, o “Fala Brasil” busca, ainda que sutilmente, alcançar também as donas de casa que aguardam pelo programa feminino “Hoje em dia” (que tem início logo após o telejornal), através de matérias para esse público.

2.5.1.2 Telejornal para toda a família

Os telejornais apresentados no período vespertino têm como principal

característica a busca pelo entretenimento através da informação, a fim de alcançar o público de maior peso nas tardes: as mães e os filhos, como confirma Klaus Bruhn Jensen (1997, p. 144 e 145): “O aspecto de entretenimento dos informativos parece que está inter-relacionado com os usos contextuais da televisão no lar durante as primeiras horas da tarde”[13].

O “Jornal Hoje”, da Rede Globo, é o único telejornal nacional veiculado no início da tarde, horário do rápido descanso após o almoço. Ele diferencia-se dos demais jornais pelo seu caráter mais leve e familiar.

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Essa peculiaridade é demonstrada na postura dos apresentadores que, vez por outra, lançam um sorriso ao término de uma matéria divertida, um rápido comentário sobre alguma notícia interessante, ou até mesmo um curto papo meteorológico com a repórter responsável pela previsão do tempo.

O estilo amistoso do jornal visa conquistar não só o chefe da família, que veio para casa no seu intervalo de almoço e deseja um noticiário mais leve e relaxante, como também as mães donas-de-casa, com dicas de receitas, educação de filhos etc.

Os filhos também são alvo desse telejornal, visto que é característico do programa veicular matérias do universo dos jovens e crianças, que vão desde reportagens sazonais, com temas como “volta às aulas” e “colônias de férias”, até dicas de empresas para estágios, como escolher o curso certo no vestibular e quais são as novas bandas que estão estreando no mercado.

O caráter familiar também é perceptível nesse telejornal através dos quadros “Seus Direitos” (que ensina ao consumidor como defender seus direitos nos mais variados casos: desde um problema na compra de um brinquedo para o dia das crianças até como se prevenir dos roubos nos hotéis e aviões durante uma viagem de férias) e “Hoje em família” (que aborda como tema central o relacionamento entre pais e filhos).

2.5.1.3 Telejornal do Horário Nobre

Exibidos no horário em que a maioria das famílias se encontra em casa, os

telejornais do horário nobre caracterizam-se por serem os que apresentam as notícias do dia mais completas, com uma cobertura mais ampla, por isso, acabam tornando-se generalistas.

Os principais acontecimentos do Brasil e do mundo são relatados nesses telejornais com mais detalhamento do que os demais, visto que não se detêm na apresentação de matérias direcionadas a um público específico como os jovens e crianças, que raramente são público-alvo de suas matérias.

Diante do que observamos no “Jornal Nacional”, da Rede Globo, no “Jornal da Band”, no “Jornal da Record” e no “Jornal do SBT” (que trazem a marca de suas emissoras nos seus nomes), pudemos perceber que o público adulto é o foco desses telejornais, que têm função mais informativa. São dispensados poucos comentários críticos à notícia por parte dos apresentadores, com exceção de Carlos Nascimento, apresentador do “Jornal do SBT”, que ousa opinar um pouco mais nas matérias exibidas.

Outro fator a ser destacado é o da pauta desses telejornais não oferecerem muitas diferenças entre si, apresentando, geralmente, notícias sobre acontecimentos do dia-a-dia (como acidentes, assaltos, assassinatos, protestos etc.), política, economia, saúde, comportamento, fatos internacionais (onde há, na maioria deles, a intervenção do correspondente internacional), a previsão do tempo, uma matéria mais leve sobre alguma curiosidade, no final da edição, e um rápido espaço reservado para o esporte (também apresentado, na maioria das vezes, no final do telejornal).

2.5.1.4 Telejornal para um público mais crítico

O final da noite é marcado, em todas as emissoras de tevê aberta analisadas, pela

apresentação de um telejornal com as últimas notícias do dia. A segmentação do público nesses telejornais pode ser observada, principalmente, na pauta escolhida para ser apresentada, onde há predominância de termos relacionados à política e economia, e na abordagem dessas matérias, onde especialistas são convidados para darem sua opinião (como é o caso do “Jornal da Globo” onde sempre há um economista ou um cientista político para analisar a situação do país com relação àquele assunto determinado), ou até mesmo os próprios apresentadores comentam a matéria sob uma ótica mais crítica, como é o caso de Carlos Nascimento (apresentador do “Jornal do SBT’ na segunda edição) e Roberto Cabrini (apresentador do “Jornal da Noite”, da Rede Bandeirantes).

Pelo conteúdo do telejornal e a maneira como ele é apresentado ao telespectador, percebe-se que o público-alvo dos jornais “da madrugada” é um pouco diferenciado dos jornais do “horário nobre” pois, segundo José Carlos Aragão, em seu artigo “Nem tudo é

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baixaria” (2004)[14], “(...) as camadas mais baixas acordam cedo a semana inteira e , por isso, vão para cama depois da novela das oito”, confirmando assim os indícios de que o público dos jornais “da madrugada” é de classe mais elevada e, conseqüentemente, com nível educacional e de conhecimento cultural mais elevado, o que requer desses telejornais um teor mais especializado.

Outra característica observada nos telejornais é o fato deles geralmente encerrarem suas edições com alguma matéria cultural ou de esportes. No “Jornal da Globo”, por exemplo, é comum haver a apresentação dos gols dos jogos de futebol realizados naquele dia. Essa característica nos faz crer que, além de buscar um público mais elitista, esse telejornal visa alcançar um público, na sua maioria, masculino.

2.5.1.5 Telejornal regional

Mais um indício da segmentação da tevê aberta é o fato dessas emissoras

reservarem um espaço na sua grade programática para a programação local. Utilizando-se do princípio de aproximação com o público, os telejornais locais

surgem como uma maneira de informar os telespectadores sobre acontecimentos de sua própria região.

Esses telejornais, geralmente, possuem duas edições (manhã e noite) e apresentam, num curto espaço de tempo, as principais notícias do Estado onde estão sendo veiculados. É uma forma de fazer com que o telespectador se veja representado no noticiário do dia.

2.5.2 Os programas de entretenimento

No que diz respeito ao entretenimento, as emissoras abertas apostam em uma

programação mais voltada para os públicos feminino e infantil. Durante a semana, o horário da manhã é totalmente dedicado a eles em todas as emissoras analisadas.

O SBT dedica ao público infantil quatro horas e meia da sua programação matutina com os programas “Sessão desenho” e “A Hora Warner”, nos quais são apresentados desenhos animados variados, e o programa “Bom dia & cia”, apresentado por duas crianças: Yudi Tamashiro (14 anos) e Priscilla Alcântara (10 anos). Neste programa, além de mais desenhos animados, são abordados temas do universo infantil em entrevistas especiais e, ainda, o telespectador pode participar de jogos interativos.

Já a Rede Bandeirantes (Band) aposta todas as suas fichas no público feminino, apresentando, das nove ao meio-dia, os programas “De mãe para Mãe” e “Bem família” que tratam de assuntos do cotidiano das mulheres brasileiras, principalmente as donas-de-casa, como, por exemplo, culinária, educação de filhos, economia doméstica, animais de estimação e jardinagem.

Na mesma linha da Band, a Rede Record também direciona o seu horário diurno para as donas-de-casa. O programa “Hoje em dia” associa, entre outras temáticas, culinária com moda, beleza, artesanato, saúde, decoração e entrevistas. Este programa apresenta um pequeno diferencial do “Bem Família”, da Band, que é o fato de ter flashs jornalísticos durante o programa.

A Rede Globo é a única que divide o seu horário matinal para os dois segmentos: a partir das oito da manhã as mulheres são o público alvo, com o programa “Mais Você”, apresentado por Ana Maria Braga, no qual são apresentados quadros de culinária, variedades, artesanato, saúde, prestação de serviços, entre outros. Às nove e meia da manhã, a veterana em programa infantil, Xuxa Meneguel, comanda o programa “TV Xuxa”, por duas horas e meia, trazendo uma mistura de música, brincadeiras, histórias e desenhos.

No horário da tarde, nota-se uma pequena diferença na programação veiculada: gêneros como filmes, novelas e programas sobre celebridades aparecem na programação, porém, o público-alvo ainda é basicamente o mesmo, exceto pelo modesto aparecimento de gêneros voltados ao público jovem, como é o caso da novela “Malhação” (Rede Globo), que ainda é um mercado pouco explorado pela rede aberta.

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O investimento de toda a programação diurna da TV aberta nos públicos feminino e infantil foi feito estrategicamente, visto que, de acordo com dados do Instituto Marplan Brasil do primeiro trimestre do ano 2000[15] o público feminino é o que mais assiste à TV, correspondendo a 53% dos telespectadores.

Mesmo com as conquistas das mulheres na sociedade ao longo dos anos, José Carlos Aragão, em seu artigo “Nem tudo é baixaria” (idem, p. 27), acredita que a dona-de-casa “que não trabalha e passa as tardes diante da TV, enquanto costura, supervisiona as tarefas escolares ou espera a volta do marido” é o público-alvo da televisão durante a semana.

Já as crianças, de acordo com Manuel Pinto (in PEREIRA, 1998), “iniciam a sua atenção à televisão quando ainda são bebês e desenvolvem o hábito e o gosto de ver ao longo de sua infância”, o que faz delas um público com grande potencial no processo de segmentação da programação televisiva.

Nos finais de semana, o quadro programático é totalmente diferente, uma vez que as famílias encontram-se, em sua maioria, em casa, principalmente as pertencentes às classes mais baixas da sociedade, que têm a televisão como único instrumento de lazer e cultura.

Pensando nisso, a TV aberta, para alcançar todos os membros da família, investe em programas de auditório como “Tudo é possível” e “O Melhor do Brasil”, da Rede Record, “Caldeirão do Huck” e “Domingão do Faustão”, da Rede Globo, “Namoro na TV” e “Domingo Legal”, do SBT, e o “Programa Raul Gil”, da Band. Esses programas geralmente são apresentados durante as tardes e ocupam, em média, de três a quatro horas da programação.

O programa de auditório é um dos poucos gêneros que ainda sobrevivem com uma programação generalista, sendo exibidos apenas nos fins de semana, devido aos motivos já supracitados.

Atualmente, o que podemos observar na grade programática das emissoras no fim de semana é a sua crescente segmentação. Os seriados americanos, uma verdadeira “febre” entre os jovens, dignos de canais inteiros na TV paga, conquistam um espaço significativo na programação do fim de semana das emissoras abertas, principalmente o SBT, que dedica, aproximadamente, seis horas da sua programação à exibição dos seriados e, conseqüentemente, cativa o público juvenil.

As crianças permanecem com seu lugar reservado. Três das quatro emissoras analisadas, exibem desenhos animados no fim de semana. Além disso, as emissoras investem em programas humorísticos específicos para esse público, como é o caso do clássico seriado mexicano “Chaves”, do SBT, que ainda faz sucesso entre o público infantil, e dos “eternos trapalhões” Didi e Dedé.

Renato Aragão, o Didi, encabeça “A turma do Didi”, da Rede Globo, aos domingos, e Dedé Santana participa do humorístico “O Comando Maluco”, do SBT, que também é veiculado aos domingos.

Os amantes do esporte têm lugar cativo na programação de fim-de-semana da TV aberta. Além das transmissões dos jogos de futebol, dos campeonatos de fórmula 1 e tênis, o público desse segmento possui programas dedicados apenas a esse universo, como é o caso do “Esporte Espetacular”, da Globo, do “Terceiro Tempo”, da Record, do “Band Esporte Clube” e do “Show do Esporte”, da Band.

Programas educativos e de ação social iniciam as manhãs de sábado e domingo, enquanto os eróticos e de educação sexual, juntamente com os programas de exibição de filmes, encerram as noites dessa programação que se mostra para nós, meros telespectadores ou estudiosos da comunicação, cada vez mais segmentada.

2.5.3 Os programas religiosos

A programação religiosa é a expressão de outro segmento que está sendo

explorado pela TV aberta: evangélicos, católicos e espíritas estão conquistando seu horário na programação das emissoras.

Nas manhãs de domingo, a Rede Globo transmite ao vivo de seus estúdios no Jardim Botânico a “Santa missa em seu lar”: programa católico destinado à veiculação

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de uma missa celebrada, atualmente, pelo pároco da catedral de São Sebastião, Cônego Aroldo da Silva Ribeiro.

Além da missa, que conta com a participação de corais das paróquias da Arquidiocese do Rio de Janeiro, o programa possui o quadro “Noticiário da Arquidiocese”, no qual são divulgadas as notícias da Arquidiocese carioca.

A “Santa missa em seu lar” tem a duração aproximada de uma hora e objetiva alcançar não só os fiéis que estão impossibilitados de ir à igreja, como toda a comunidade católica do Brasil.

A Rede Record, cujo proprietário é o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Edir Macedo, reserva, em sua grade programática, um amplo espaço para o público evangélico. Diariamente, durante as madrugadas, a Record veicula uma série de cinco programas destinados a esse público.

O programa “Casos reais” é basicamente composto de testemunhos pessoais de vida, ilustrados por atores e narrados pela própria testemunha. É uma maneira de demonstração dos resultados ocasionados pela fé das pessoas.

Na mesma linha do “Casos reais”, o programa “Testemunhos extraordinários” relata fatos sobre pessoas que alcançaram alguma bênção divina.

Já o programa “Em busca do amor”, dedicado aos solteiros que desejam encontrar seu companheiro, mostra imagens de reuniões, realizadas aos sábados nas IURDs de todo o Brasil, denominadas de “Terapia do Amor”, além de testemunhos de pessoas sobre os efeitos produzidos na sua vida sentimental após a participação na “Terapia do Amor”.

O “Fala que eu te escuto”, um dos maiores sucessos de audiência da programação da Igreja Universal, é um programa interativo no qual os bispos da IURD se reúnem para debater um tema específico e conta com a participação do público através de entrevistas nas ruas ou por meio de ligações telefônicas.

Outro programa veiculado pela Record durante as madrugadas é o “Fogueira Santa de Israel” que trata de uma campanha da Igreja Universal, realizado duas vezes ao ano, onde é feita uma releitura dos sacrifícios feitos, para Deus, na época de Cristo. Naquela época, eram feitos sacrifícios de animais, que eram frutos do trabalho das pessoas, ou de algo que se gostava muito.

Na “Fogueira Santa de Israel, os fiéis fazem o sacrifício do fruto do trabalho deles, ou seja, o dinheiro. As pessoas que desejam fazer este sacrifício a Deus, estipulam um valor, que realmente seja um sacrifício para elas, e oferecem a Deus juntamente com um pedido, que é levado pelos bispos da Igreja ao Monte Sinai, onde eles fazem uma oração para que esses pedidos sejam atendidos.

Durante o programa, são esclarecidas as dúvidas das pessoas e veiculados testemunhos de fiéis que alcançaram bênçãos devido ao sacrifício realizado.

Além desses cinco programas, são inseridos flashs durante a programação, denominado de “Palavra amiga do bispo Macedo”, nos quais o bispo Edir Macedo comenta sobre algum trecho da Bíblia.

Aos domingos, a Rede Record, transmite, às oito horas, o “Santo culto em seu lar” diretamente da Catedral Mundial da Fé, no Rio de Janeiro, geralmente realizado pelos bispos Edir Macedo ou Romualdo Panceiro.

Os evangélicos possuem também um espaço diário na programação da Rede Bandeirantes, através do programa “Show da fé”, apresentado pelo missionário da Igreja Internacional da Graça de Deus, Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como R.R. Soares.

O “Show da fé”, exibido durante o horário nobre da emissora, consiste na veiculação de cultos ministrados pelo missionário R.R. Soares, em uma das sedes da Igreja Internacional da Graça de Deus, além de apresentação de alguns testemunhos pessoais (nos mesmos moldes do programa “Casos reais”, da IURD) e de cantores de música gospel.

Único programa espírita da rede de televisão aberta, o “Vamos falar com Deus”, produzido pela Legião da Boa Vontade (LBV), é exibido nas madrugadas da Band, de segunda à sexta-feira.

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Trazendo a visão da espiritualidade ecumênica, o “Vamos Falar com Deus” busca promover a paz e o conforto espiritual através da leitura e explicação de trechos do Evangelho e do Apocalipse de Jesus, realizadas pelo atual diretor-presidente da LBV, José de Paiva Netto.

O programa conta, ainda, com a exibição de vídeos com informações sobre as mais recentes realizações da LBV, que se destaca internacionalmente pelo seu trabalho filantrópico, principalmente na educação, correspondendo, assim, à execução de um dos principais lemas dos seguidores da religião espírita: a caridade.

Outras religiões como o candomblé e a umbanda, ainda restringem-se a pequenos espaços dentro de alguns programas, como os de variedades e de auditório. Esses espaços geralmente são disponibilizados em épocas bem definidas como, por exemplo, no ano novo, quando é quase uma tradição consultas ao tarô, aos búzios, à numerologia, entre outros, para saber como será o ano que está por vir.

2.5.4 Os programas para pequenos segmentos

Outros pequenos segmentos também são alvos da televisão aberta nessa busca

pela ampliação de horizontes. Os caminhoneiros, por exemplo, têm, nas manhãs de domingo do SBT, um programa destinado a eles: o “Siga bem caminhoneiro”.

O programa, apresentado por Alberico Sobreira, traz, em seu formato, reportagens sobre as estradas brasileiras, curiosidades dos trechos, cotações de fretes, segurança nas estradas, além de reportagens mais técnicas.

O “Siga bem caminhoneiro” também incentiva o combate à prostituição infantil e à exploração do trabalho de menores através do quadro “Siga bem criança”, que estimula os caminhoneiros a cooperar no resgate das crianças que estão à beira de estrada.

O SBT aposta também em outro pequeno segmento: os amantes da pesca. Através do programa “Pesca Alternativa”, veiculado às sete e meia da manhã de domingo, o público-alvo do programa pode assistir a matérias de pescaria, que abordam desde a parte técnica aos aspectos turísticos, históricos e culturais das regiões onde são realizadas as pescarias.

A conscientização do respeito à natureza por parte dos praticantes da pesca e o valor das propriedades nutritivas dos peixes são outros pontos bastante abordados pelo programa. O “Pesca Alternativa” reserva ainda, um quadro específico para os telespectadores interagirem com o programa, através do envio de fotos e vídeos das suas próprias pescarias.

A Rede Bandeirantes, por sua vez, decidiu investir num público um pouco mais amplo através do programa de cultura regional denominado “Terra Sertaneja”. O programa é uma mescla de informações sobre agronegócios, música e entretenimento.

Com uma platéia formada por caravanas de vários lugares do Brasil, o “Terra Sertaneja” dispõe de quadros como “Abrindo Caminhos”, que se dedica à apresentação de novas duplas sertanejas, “Parada Sertaneja”, com as músicas sertanejas mais tocadas nas rádios do país e o quadro “Maravilhas do Brasil”, que destaca, a cada semana, um lugar do Brasil, trazendo informações turísticas e curiosidades locais.

Outro quadro bastante interessante do “Terra Sertaneja” é o “Roda de viola” no qual são convidados “cantadores” do interior do Brasil para formar a famosa roda de viola, objetivando o resgate dessa tradição da zona rural brasileira.

A Rede Globo, que já aposta nesse segmento há 27 anos, através do programa dominical “Globo Rural”, resolveu ampliar o investimento na cultura regional com a veiculação semanal do programa, que não é exibido apenas nas manhãs de sábado.

Fazendeiros, agrônomos e trabalhadores rurais têm acesso, através do “Globo Rural”, a informações sobre safras, colheita, plantios, cotações de gado e exemplos de produtores bem-sucedidos. Além de reportagens sobre temas como festividades de comemoração de colheitas e conflitos provocados por abertura de caminhos de tropas.

O “Globo Rural” traz ainda curiosidades como, por exemplo, a matéria sobre o “vestibular para agricultores”, veiculada na edição do dia 19 de março de 2007, além de uma previsão do tempo bastante específica para esse segmento, com informações sobre as temperaturas, a probabilidade e o volume de chuvas.

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Após a exibição da versão dominical do “Globo Rural”, a Rede Globo veicula um programa específico para os amantes e colecionadores de automóveis: o “Auto-Esporte”.

O programa tem no seu formato a intenção de servir de “vitrine” dos “carros dos sonhos” dos consumidores, exibindo desde modelos clássicos, muito admirados por colecionadores, até os modelos mais modernos, apontando as últimas tendências no mercado de carros importados.

Além disso, o “Auto-Esporte” traz informações úteis como dicas de mercado, trânsito, blindagem, pneus e direções, e novidades sobre eventos como o “Salão de Automóveis”, realizado em vários lugares do mundo.

A Globo reserva, também, um espaço na sua programação dominical para os pequenos empresários. O programa “Pequenas empresas & grandes negócios”, que vai ao ar às nove horas da manhã, exibe, essencialmente, reportagens sobre pequenos empresários que obtiveram êxito nos seus negócios, apresentando a estrutura da empresa em questão, quais foram as dificuldades enfrentadas, seus erros e acertos.

O pequeno empresário tem também, no “Pequenas empresas & grandes negócios”, a oportunidade de se atualizar sobre as novas tendências de mercado, quais ramos empresariais estão em alta, além de dicas sobre contratação e treinamento de funcionários e estagiários.

2.5.5 As telenovelas

As telenovelas brasileiras são um capítulo à parte no que diz respeito ao

entretenimento da TV aberta, pois já fazem parte da cultura popular, incorporadas na rotina diária dos brasileiros.

Milena Silveira (2002, p. 52) escreve que as telenovelas brasileiras “confirmaram ser o carro-chefe da programação na maioria dos canais nacionais”. Por isso, decidimos por dar uma atenção especial no estudo da segmentação desse gênero do entretenimento televisivo, assim como já o fizemos com o telejornalismo.

A distribuição das telenovelas nas emissoras ratificam a sua valorização por parte do público, uma vez que ela está presente em diferentes horários do período noturno e também à tarde, com a reapresentação dos seus maiores sucessos, como é o caso da Rede Globo que reapresenta a novela “Da cor do pecado”, no programa vespertino “Vale a pena ver de novo”, especialmente dedicado a essas reapresentações, e do SBT que exibe novamente as novelas “As pupilas do Senhor Reitor” e “O diário de Daniela”.

A novela mexicana “O diário de Daniela” merece destaque em virtude de ser a única telenovela, em exibição, dedicada especialmente ao público infantil. De acordo com o sítio da novela[16], “O diário de Daniela” objetiva “(...) despertar nas crianças sentimentos e atitudes que vão ajudá-las a valorizar o ser humano. A importância da amizade, a solidariedade e o respeito ao próximo são alguns dentre os muitos exemplos que serão mostrados através da história de Daniela e seus amigos”.

A valorização da família também é tema da novelinha, que incentiva, por meio dos personagens de Daniela e sua família, a buscar a união, o amor e a compreensão no contexto familiar.

Outro segmento, descoberto há poucos anos, que tem sido alvo de investimentos das emissoras abertas, nesse gênero, é o público jovem. A Rede Globo foi a pioneira a investir nesse mercado, lançando, nos finais da tarde, o grande sucesso entre os jovens: “Malhação” (como já foi citado anteriormente).

Essa novela tem uma peculiaridade bastante interessante: está há quase doze anos no ar. Devido ao seu grande sucesso, a emissora decidiu por não colocar um ponto final na novela, mas renovar a cada ano os personagens e suas histórias. A novela que começou no contexto de uma academia, hoje é exibida em um colégio, onde retrata os conflitos do universo juvenil.

A mesma fórmula de “Malhação” é utilizada atualmente pelo SBT, que exibe, às 21h, a novela mexicana “A vida é um jogo”, e pela Rede Record, que também discute, na novela “Alta Estação”, as descobertas e aventuras dos jovens através da história de seis amigos, e estudantes universitários, que se deparam com a chegada da maturidade diante das responsabilidades adquiridas nessa fase da vida.

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As novelas da Rede Record, “Bicho do Mato”, do SBT, “A feia mais bela” e da Rede Globo, “Pé na Jaca”, assemelham-se pelo tom humorístico que está intrínseco nas suas tramas. De caráter leve e divertido, nas quais há um misto de aventura, romance e comédia, essas novelas são destinadas a um público generalista, visando alcançar toda a família que, geralmente, encontra-se na espera pela exibição do telejornal do horário nobre.

Após os telejornais, são exibidas telenovelas dedicadas ao público adulto, com tramas mais elaboradas e temas mais reflexivos. A novela da Rede Record, “Vidas opostas”, traz à baila temas bastante discutidos atualmente pelos brasileiros, como é o caso do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, da vida nas favelas e nas cadeias, dos conflitos entre quadrilhas e da corrupção na polícia e no judiciário.

Nessa mesma linha de discussão social, a novela “Páginas da Vida”, da Rede Globo, debate temas como síndrome de down, gravidez na adolescência e adoção. O diferencial dessa telenovela é que ela incorporou a opinião do público à trama, exibindo depoimentos de “pessoas comuns”, no final de cada capítulo, sobre os temas discutidos naquele episódio. É uma maneira inovadora de ampliar a interatividade com o telespectador.

Já a Rede Bandeirantes, no seu reingresso nesse gênero televisivo, investe numa novela mais erudita. “Paixões Proibidas” é uma super produção, fruto da parceria da Band com a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), que ousa atingir os públicos brasileiros e portugueses através de uma trama inspirada nas obras “Amor de perdição”, “Mistérios de Lisboa” e “O livro negro do padre Dinis”, de Camilo Castelo Branco.

“Paixões Proibidas”, a única novela na grade programática da emissora, também é voltada para o público adulto e é mais uma prova de que a segmentação da programação tende a atravessar muitas fronteiras.

3 a (re)organização das famílias em face da segmentação televisiva: estudos preliminares nas famílias pessoenses 3.1 Metodologia

A nossa pesquisa bibliográfica permitiu-nos um maior aprofundamento na história

da televisão brasileira, auxiliando-nos na compreensão do processo evolutivo da programação televisiva, que a cada dia distancia-se mais da padronização original de conteúdos, em busca da segmentação e alcance de públicos mais específicos.

Sítios especializados na história da televisão, assim como os de publicações científicas, como o da “Biblioteca On-line de Comunicação” (BOCC), e jornalísticos, como a “Folha On-line” e o “Observatório da Imprensa”, também contribuíram na construção do nosso trabalho nessa fase inicial.

Após esse processo de mapeamento histórico da programação televisiva brasileira, partimos para a segunda fase da nossa pesquisa: descrever um panorama da segmentação televisiva na tevê aberta. Para isso, fizemos uma varredura do conteúdo programático da tevê aberta, através dos sítios das emissoras. Feito isso, assistimos aos programas veiculados, elaborando um estudo comparativo da programação entre as emissoras, objetivando a demonstração de que a segmentação de conteúdos ocorre também na tevê aberta.

3.1.1 A pesquisa etnográfica

O fenômeno televisivo ultrapassa a simples emissão e recepção de mensagens

através de um aparelho de tevê e, para entendê-lo na sua amplitude, é preciso que seja considerado todo o contexto no qual está inserido.

Nesse sentido, para alcançar o objetivo desejado neste trabalho, decidimos por ir além da análise vertical de dados fornecidos em questionários, uma vez que a observação de opiniões, comportamentos, valores e hábitos são cruciais na análise da organização dos espaços familiares diante do aparelho de tevê.

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Ver televisão é uma atividade construída pela família; não acontece apenas. Os telespectadores não só fazem as suas próprias interpretações dos programas, como também constroem as situações em que a atividade televisiva ocorre (LULL apud PEREIRA, 1998).

Acreditamos ser importante considerar que aquilo que é expresso através de

gestos, olhares e, até mesmo do silêncio, podem significar muito mais do que as palavras faladas, visto que “(...) muitas vezes o que está nas linhas é precisamente o que não se queria dizer” (DEMO, 1992).

Diante disso, a etnografia pareceu-nos o método mais adequado para realização da nossa pesquisa, uma vez que consiste, de acordo com Carmem Lúcia G. de Mattos (2001)[17], na obtenção de “(...) uma descrição densa, a mais completa possível, sobre o que um grupo particular de pessoas faz e o significado das perspectivas imediatas que eles têm do que eles fazem”. Para isso, segundo Mattos (op. cit), é necessário o estudo, pela observação direta, das formas costumeiras de viver do grupo em análise.

Dessa maneira, observamos diretamente os comportamentos e perspectivas demonstrados no dia-a-dia de algumas famílias pessoenses, buscando nos familiarizar com seus membros e participando de suas rotinas.

Observamos seus horários, seus hábitos, suas regras, as disputas pelo direito à tevê e pelo controle remoto, os seus comentários, seus gestos, suas queixas e risadas.

Verificamos como eles se organizam diante do aparelho televisivo, se há interferência da tevê na organização da rotina dos membros da família, se eles realizam atividades paralelas à assistência de tevê e todos os fatores que consideramos importantes, para a descoberta de como a família está organizando os seus espaços, diante da tevê.

Além disso, fizemos uma análise de dados obtidos através de perguntas, feitas ao longo do acompanhamento das famílias escolhidas, que foram realizadas baseadas em pontos previamente definidos em um roteiro (ver apêndice).

Este tipo de postura do pesquisador diante do seu objeto de estudo, é denominado, por Howard S. Becker (1997, p. 47), de “observação participante” que “coleta dados através de sua participação na vida cotidiana do grupo ou organização que estuda”.

A observação participante, para Teresa Maria F. Haguette (2001, p. 72), é um requisito fundamental na compreensão da ação humana, pois permite a observância dos aspectos subjetivos das ações das pessoas pesquisadas.

A renda familiar foi outro fator essencial considerado na nossa análise, pois dela depende a aquisição de um ou mais aparelhos de tevê, o que pode influenciar na organização dos espaços e horários dos membros das famílias diante da televisão.

Além disso, a tevê tem um significado social e uma importância diferenciada em cada classe, uma vez que é comum nas classes de menor poder aquisitivo a televisão ser a única fonte de entretenimento e cultura da família, diferentemente das classes mais altas que têm acesso a outras manifestações culturais, arte e esportes em lugares diferentes.

Diante do exposto, a amostragem escolhida para a análise do fenômeno proposto por nós é constituído por doze famílias de classes sociais diferenciadas, sendo três famílias representativas de cada classe (A, B, C e D) dos bairros: Bessa, Manaíra, Água Fria, Tambaú, Bancários, Cabo Branco, José Américo, Castelo Branco e a favela do Timbó, localizados na cidade de João Pessoa.

A divisão por classes sociais foi feita baseada no critério utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) representado no gráfico abaixo:

CLASSES RENDA

A1 Acima de 10.190 reais

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A2 De 6.210 a 10.190 reais

B1 De 3.822 a 6.209 reais

B2 De 2.150 a 3.821 reais

C De 1.036 a 2.149 reais

D De 479 a 1.035 reais

E Até 478 reais

Fonte: Tabela de 2005 corrigida pelo IPCA de 2005. Para facilitar a nossa pesquisa, adaptamos o padrão utilizado pelo IBGE,

reduzindo-o a quatro classes sociais, como demonstra o quadro a seguir:

É importante destacar, também, que as visitas foram feitas nos dias entre

segundas e sextas-feiras, visto que no final de semana há uma modificação nas rotinas das famílias, o que poderia provocar uma diferença nos resultados obtidos entre, por exemplo, uma família visitada numa terça-feira e uma visitada no domingo.

O critério utilizado para a escolha das famílias a serem visitadas foi a acessibilidade, por dispormos de pouco tempo para execução da pesquisa e para, conseqüentemente, criar uma relação de confiança, na qual a presença do pesquisador não causasse estranheza ou motivasse comportamentos diferenciados aos usuais nos seus cotidianos. Decidimos, assim, por visitar as famílias de pessoas do nosso círculo relacional, como amigos, vizinhos e parentes.

Outro suporte escolhido para nos auxiliar na compreensão da representatividade da televisão para a família foi a fotografia. Através dela, registramos a composição do ambiente em que o aparelho de tevê está situado, pois, de acordo com Jesús Martín-Barbero (1987, p. 240), o lugar que o televisor ocupa na casa, seja ele central ou marginal, “possibilita o estabelecimento de uma topologia simbólica configurada pelos usos de classe”[18].

Em seguida, partimos para uma pesquisa explicativa, na qual analisamos os dados obtidos através da pesquisa etnográfica, juntamente com as informações proporcionadas pelo estudo exploratório da segmentação televisiva e pelas obras estudadas, objetivando explicar como se dá o uso do aparelho televisivo no contexto familiar, buscando a compreensão dessa relação dialética entre a televisão e a família: de que maneira a televisão interfere nos hábitos familiares e qual a contribuição das famílias na segmentação da programação televisiva.

3.1.2 A nomeação das famílias

Visando a preservação da identidade das famílias visitadas, decidimos por nomeá-

las de acordo com sua classe social, seguida de um número (para diferenciá-la das outras famílias da mesma classe).

Exemplo: A família A1 pertence à classe A

CLASSES RENDA A Acima de 6.210 reais B De 2.150 a 6.209 reais C De 1.036 a 2.149 reais D Até 1.035 reais

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No que diz respeito aos membros da família, optamos por nomeá-los segundo o seu papel na casa, seguido da sua idade, objetivando uma melhor identificação, por parte dos leitores, da faixa etária e, conseqüentemente, das suas preferências no que concerne ao tipo de programação.

Exemplo: O pai (45) da família A1 e o seu filho mais velho (22) assistem ao jogo

de futebol juntos.

3.2 A televisão no espaço doméstico Nas últimas décadas, os padrões de convivência e moradia da nossa sociedade

sofreram uma reformulação. Devido a uma série de fatores como a insegurança nas ruas, as dificuldades de locomoção, como o trânsito e a distância, que requerem um gasto de tempo maior, prejudicando o horário de lazer, as pessoas estão optando por uma sociabilidade mais restrita ao contexto do lar.

A reclusão da família ao espaço doméstico faz com que a televisão ganhe uma importância cada vez maior no cotidiano do lar, sendo considerada por muitos quase que como um outro membro da família (GUNTER E SVENNEVIG apud PEREIRA, 1998).

Dessa maneira, a família mostra-se para nós como “o principal contexto em que se realiza a experiência televisiva e em que se constrói o seu sentido” (PEREIRA, 1998, p.65), de tal forma que estudar a televisão é, ao mesmo tempo, estudar a cotidianidade familiar, ou vice-versa (SILVERSTONE apud PEREIRA, 1998).

Nessa convivência limitada ao núcleo familiar, a televisão adquiriu, também, um maior poder na estruturação das rotinas domésticas visto que é considerada, pelos membros da família, como uma importante fonte de lazer, informação e, principalmente, de integração com a sociedade.

Conseqüentemente, mudanças nos hábitos e na topologia da casa começam a ser observadas com maior clareza, como destaca Jesus Gonzalez Requeña (apud MATUCK, 1995) ao analisar as transformações topológicas residenciais causadas pela televisão: “(...) a presença do monitor nos principais espaços domésticos altera a disposição do mobiliário que passa a depender, em considerável medida, de sua adaptação à contemplação televisiva”.

Fabrício Silveira (2002, p. 91) confirma a proposição de Requeña ao afirmar que a disposição dos móveis no espaço doméstico são estrategicamente planejados e calculados em função do local onde a tevê estará posicionada. Segundo ele, os móveis são dispostos observando-se alguns fatores como: “(...) ângulos de visão, cômodos para o maior número possível de espectadores, espaços de circulação, incidências de luz ou quaisquer outras interferências externas”.

Para Fabrício (op.cit), essa interferência do aparelho televisivo na organização dos espaços domésticos alcançou uma proporção ainda maior. Ele sugere que a projeção de móveis, como os racks, e sua popularização nos lares, surgiu com a valorização da tevê nas casas:

Ao que consta, os racks não foram inventados antes dos televisores. E por certo, as estantes de nossos avós, por mais frondosas e por mais bonitas que fossem, em acabamentos tão finos, talhadas em madeiras tão nobres e antigas quantos eles, acomodariam muito mal o aparelho televisor. Parece tão absurdo supor que as mídias impõem cômodos? (SILVEIRA, 2002).

Ao visitarmos as famílias constatamos que a idéia de Fabrício Silveira não é tão

descabida como pode parecer. Observamos que 58,33% das famílias visitadas possuem pelo menos um rack em sua sala de estar.

Acrescido a isso, estão os suportes para tevê, projetados principalmente para as famílias que moram em apartamento ou têm pouco espaço na sua casa, para aqueles

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que desejam colocar a tevê fora do alcance das crianças ou para uma maior comodidade dos membros. Esse tipo de suporte localiza-se (segundo as nossas pesquisas), principalmente, nos quartos das famílias das classes A e B.

3.3 A televisão altera os espaços reservados para a interação familiar

A modificação causada nos espaços domésticos pela tevê não se restringe apenas

aos móveis. Essa mudança no mobiliário do lar reflete também em alterações de hábitos tradicionais. Segundo Requeña, o espaço da vida familiar destinado à comunhão e “à articulação de redes comunicativas intrafamiliares”: as salas de estar e de jantar, “nas quais cadeiras, poltronas e sofás rodeiam suas mesas respectivas traçando círculos ou elipses”, passam por uma transformação com a valorização do televisor no contexto doméstico.

Os âmbitos comunicativos familiares desaparecem, instaurando-se na rede comunicativa intrafamiliar uma intensa tensão centrífuga que aponta para um vértice exterior constituído pelo televisor. Deste modo, a comunicação passa a estruturar-se em torno de um centro – não mais interior ao âmbito familiar – mas sim exterior a ele (MATUCK, 1995).

Durante a nossa pesquisa, observamos que nove das doze famílias possuem uma

tevê na sala de estar, fazendo com que o espaço reservado à comunicação familiar ganhe um “vértice exterior”, como afirma Artur Matuck, que modifica a interação doméstica em pelo menos dois sentidos:

O primeiro diz respeito à interferência dos conteúdos veiculados pela tevê nas pautas das conversações, trazendo à baila temas dos mais diversos gêneros (desde assuntos considerados “fúteis”, como a vida amorosa dos famosos, a acontecimentos sociais, como atentados, protestos e greves) a serem debatidos pelos membros entre si.

Sem desvalorizar outras mudanças, as noites hoje

são dominadas em geral pelo espectáculo da

televisão (...). A conversação não morreu, mas

mudou, incluindo agora um terceiro grupo, o dos

actores, apresentadores e estrelas da televisão,

novos convidados da noite (DUMAZEDIER apud

PEREIRA, 1998).

Outro sentido de mudança proporcionada pela presença da televisão nas salas de

estar e jantar, está na diminuição da comunicação entre os membros. A concentração no que está sendo veiculado pela tevê faz com que o silêncio seja preservado nesse momento, causando irritação entre os membros, caso ele seja quebrado com a discussão de um assunto que discerne do programa em exibição.

A mãe (57) da família A2, durante a nossa visita em sua casa, ao falar das telenovelas, confessou-nos se sentir incomodada pela falta de comunicação que a televisão gerou nas salas de estar (lugar antes reservado para a comunicação intrafamiliar): “A gente chega na casa das pessoas e ninguém dá atenção às visitas pois estão todos concentrados nas novelas”, protesta.

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Nesse caso, a mídia não só afetou a conversação no núcleo familiar como o diálogo com pessoas exteriores ao convívio domiciliar: “A mídia penetra na vida das pessoas, faz parte do conjunto de seus símbolos e atributos, modificando as relações mantidas pelos grupos e civilizações com eles mesmos, com suas histórias e com os outros”, afirma Milena Silveira (2002, p. 63).

Ao analisar os estudos de Mircille Chalvon et al., sobre a televisão como fonte de conflitos familiares, Sara Pereira (1998, p. 69) afirma que Chalvon et al. constataram que a televisão assume um duplo papel:

(...) gera conflitos mas é muitas vezes utilizada para disfarçar, alimenta conversas mas também impõe o silêncio; favorece as relações entre as gerações mais novas, mas também cria ocasiões de reivindicação. Significa isto que sendo a televisão, por vezes, uma concorrente da família e do seu ‘projeto educativo’, noutras ela é uma aliada.

Ou seja, a televisão nas salas de estar e jantar provoca mudanças na comunicação

familiar tanto no sentido de unir como de separar. No que diz respeito à sala de jantar, pudemos observar, dentre as famílias

estudadas, que a estrutura topológica de algumas casas sofreu algumas modificações, como é o caso da família A1, que possui um aparelho de tevê na cozinha, que também é sala de jantar.

Além de estar presente no horário da refeição, a televisão serve também para os momentos de preparação das refeições, limpeza dos pratos, entre outras tarefas domésticas.Outra modificação observada nesse sentido diz respeito à família B2, que uniu a sala de jantar à de estar.

Pudemos observar durante nossa visita à família B2, que o lugar onde os membros da casa se posicionam na mesa no horário das refeições é estratégico: a mãe e a filha sentam-se nas cadeiras posicionadas com o ângulo de visão em frente à tevê (não aparecem na ilustração acima) e o pai senta-se na cabeceira da mesa que está representada na Ilustração 4, onde pode conservar a tradição de que o chefe da casa senta-se à cabeceira da mesa sem prejudicar a assistência de televisão.

Diante do exposto, verificamos que o caráter intimista e privado das salas de estar e de jantar é substituído por um espaço social e público, no qual o elemento externo, a televisão, recebe as atenções dos integrantes da família, provocando mudanças na conversação entre eles, onde situações e personagens públicos passam a fazer parte das suas discussões, reduzindo o intercâmbio de assuntos próprios e particulares do dia-a-dia da família.

3.4 A televisão na intimidade dos quartos

“A forma como uma família se organiza no tempo e no espaço afetará quem vê,

com quem, o quê e quando”. Baseados nessa afirmação de Bryce e Leichter (apud PEREIRA, 1998), acreditamos que a presença da televisão em determinados espaços da casa revela como será feito o uso do aparelho e por quem será feito.

A transposição dos limites das salas de estar, outrora delegados ao aparelho de tevê, traz consigo uma série de mudanças na organização das famílias. A presença desse aparelho nos quartos, inicialmente surgida da idéia de maior comodidade, limita as possibilidades no que diz respeito ao público, tanto espacialmente como na interação entre os membros da família, como afirma Guilherme Orozco (apud FABRÍCIO SILVEIRA, 2002):

Cada lugar abrange possibilidades e limitações para o processo de recepção televisiva, tanto no nível espacial como no nível da interação TV-auditório, facilitando ou inibindo a mobilidade do auditório e a

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liberdade deste para escapar da presença da tela da TV[19].

Ao contrário da sala de estar, que é um lugar comum no domicílio, onde todos têm

acesso, e que é considerado o “ponto de encontro” dos membros da casa, a televisão situada nos quartos, local onde os membros da família desfrutam de uma maior privacidade e intimidade, tende, conseqüentemente, a induzir um maior isolamento dos indivíduos.

A tevê do quarto é geralmente utilizada para a assistência de programações que não são da preferência comum da família. É nela que geralmente os pais assistem os programas destinados aos adultos, ou que as crianças assistem seus desenhos enquanto os jovens assistem à sua programação em outra tevê, etc.

Ou seja, o local em que a televisão é colocada está relacionado também ao uso social que ela terá no contexto familiar. Vejamos o exemplo da família A1: ela possui cinco aparelhos televisivos, sendo quatro deles nos quartos e um na cozinha que também é sala de jantar (ver Ilustração 3). Eles não têm televisão na sala de estar, fator que limita os momentos em que a família se reúne para assistir um programa e faz com que os seus membros se isolem nos seus respectivos quartos para assistirem às programações que desejam nas suas próprias tevês.

O mesmo acontece com a família B3 que possui 4 aparelhos de TV e, apesar de terem uma tevê na sala de estar, a maioria dos membros prefere assistir na comodidade dos seus quartos: “Às vezes, quando eu percebo, eu estou assistindo a mesma programação que a minha irmã está assistindo no outro quarto”, declara a filha mais velha (24) da família B3.

Como podemos ver, a (re)organização dos espaços familiares provocados pela presença da televisão provocaram mudanças não só no que diz respeito ao aspecto físico, (espacial) como também na estrutura organizacional dos seus membros, modificando antigos hábitos, como o costume da família reunir-se no sofá da sala de estar para assistir um mesmo programa, e produzindo novos. Além do isolamento dos membros das famílias que, conseqüentemente, suprimiu o diálogo e a interação familiar.

Verifica-se deste modo uma gradativa desarticulação da estrutura familiar que não forma mais um núcleo integrado de reelaboração do relacionamento de cada um dos seus integrantes com o mundo. Na nova estrutura os integrantes da família dedicam seu tempo livre a uma relação particular exclusiva com a televisão (MATUCK, 1995).

A presença do aparelho de tevê nos quartos e essa (re)organização nos hábitos

familiares possuem raízes mais profundas do que a simples comodidade de poder assistir televisão no conforto do quarto, deitado na cama. Ela deve-se, principalmente, à oferta, tanto das emissoras de tevês fechadas quanto abertas, de uma programação mais segmentada.

Essa segmentação na televisão está gerando um isolamento dos membros da família, assunto que trataremos no capítulo a seguir.

4 A (re)organização das famílias nos espaços domésticos 4.1 Os subsistemas

Como foi visto anteriormente, a televisão, ao longo dos anos, alcançou uma grande

importância para a família. A sua valorização fez com que ela passasse a influenciar na estrutura organizacional do lar, podendo tanto unir como separar os indivíduos no que concerne ao contexto familiar, como apontam os resultados de estudos feitos a esse respeito por Spiegel (apud JENSEN, 1997): “As conclusões mostram, entre outras coisas,

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que a televisão se construiu como um novo recurso cultural que podia tanto dividir como unir as famílias[20]”.

De acordo com Jiani Adriana Bonin (2005)[21], “a família diferencia-se e desempenha suas funções através de subsistemas. Os indivíduos são subsistemas dentro de um grupo familiar”. Esses subsistemas, segundo Bonin, podem ser baseados em vários fatores como sexual, conjugal (formado pelo casal), fraterno e parental (formado por pais e filhos).

Durante a nossa pesquisa, percebemos que a televisão atua na família, na maioria das vezes, através dos subsistemas apontados por Bonin, separando os seus membros, seja por meio dos horários dos programas exibidos ou da disposição dos aparelhos de tevê nos espaços da casa (como vimos no capítulo anterior), em grupos específicos.

Ao longo das nossas visitas às famílias, percebemos que os indivíduos, quando não faziam um uso isolado do aparelho televisivo, organizavam seus espaços e horários diante da tevê, principalmente, através dos subsistemas relacionados ao sexo, à idade, às relações conjugal, fraternal e parental[22].

No que diz respeito ao sexo, constatamos que, na maioria das famílias, as mulheres tendem a agrupar-se na exibição de programas próprios do seu gênero, como é o caso da mãe (44) e filha (16) da família D1 que, quando o pai (46) está assistindo à sua programação na tevê da sala, reúnem-se na televisão do quarto para assistir à novela.

Da mesma forma ocorre com os homens que, geralmente, assistem juntos a exibição dos jogos de futebol (próprios do universo masculino), como é o caso das famílias D1 e D2. “Ah minha filha, quando tem futebol é o pai e os dois filhos em frente à televisão”, declara a mãe (44) da família D1.

Quanto à idade, observamos que os indivíduos que possuem a mesma faixa etária tendem a assistir programações semelhantes. É o que ocorre, por exemplo, na família B1, onde o filho (16) e a filha mais nova (17) assistem juntos à novela juvenil “Malhação”, enquanto a filha mais velha (22) da família não demonstra interesse pelo programa.

O subsistema baseado na relação conjugal é evidenciado, mais explicitamente, nas famílias em que o casal possui uma tevê no seu quarto, o que é o caso dos pais da família A1 que compartilham, entre si, praticamente toda a programação noturna, na qual optam, geralmente, por gêneros como filmes e documentários.

Outro subsistema observado é a relação fraternal. Notamos que, principalmente, aqueles que dividem a mesma televisão, como os filhos mais novos da família C3, tendem, após entrarem em acordo, a assistir juntos a determinadas programações, principalmente às noturnas.

Apesar de não ser tão comum como as relações de sexo e idade, a relação parental é outro modo de subdivisão familiar. Na família A2, o pai (58) e a filha (23) costumam assistir junto a gêneros como seriados investigativos e filmes.

É importante destacar que essa organização não se apresenta de maneira fixa, pois, em se tratando da dinâmica familiar, nada é estático, uma vez que ela vive em uma constante mutação proporcionada pelo ciclo da vida. Cada indivíduo pode pertencer a mais de um subsistema, onde, segundo Bonin (2005)[23], ele desempenhará diferentes habilidades e níveis de poder.

4.2 A segmentação televisiva como agente influenciador da (re)organização familiar

A valorização da televisão no contexto familiar e as conseqüentes transformações

topológicas no espaço doméstico, como as mudanças provocadas nos ambientes de comunicação intrafamiliar (as salas de estar e jantar) e a sua inserção em outros cômodos da casa como os quartos e a cozinha, são fatores impulsionadores da divisão da família em subsistemas como os supracitados.

Porém, é importante abordarmos o principal fator encontrado que atua como gerador dessas mudanças nos usos sociais da tevê pela família, como as transformações provocadas nos seus espaços e hábitos, que é a segmentação televisiva.

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Como pudemos observar durante a primeira parte deste trabalho, a televisão no Brasil, ao longo dos seus 57 anos, foi ganhando cada vez mais espaço na sociedade e no ramo da comunicação social, sentindo, com isso, a necessidade de ultrapassar os seus limites mercadológicos, evoluindo de uma programação padronizada, voltada para um público homogêneo, para uma programação direcionada a segmentos específicos da sociedade.

Com a família, principal contexto de consumo televisivo, não foi diferente, as empresas televisivas investem cada vez mais na produção de programas específicos para cada membro da casa, focalizando em suas funções no espaço doméstico (pai, mãe, filho, avô e avó), e também nas suas faixas etárias (adulto, criança, jovem e idoso) e sexo (homem e mulher).

Os pioneiros a investirem na idéia de explorar segmentos do público desse mercado foram as tevês pagas (ver páginas 16 a 18), produzindo canais específicos para cada segmento, fazendo com que as famílias que têm acesso a esse tipo de tevê sentissem a necessidade de adquirir mais de um aparelho de tevê para suprir a demanda dentro de casa.

Ao observar o crescimento do interesse do público, nesse mercado de tevê segmentada, os empresários das emissoras abertas sentiram a urgente necessidade de direcionar a programação veiculada por suas emissoras para públicos específicos (ver páginas 21 a 33).

Essa movimentação na produção de programas, cada vez mais fracionados por parte das tevês fechadas e abertas, gerou uma transformação organizacional na estrutura familiar, fazendo com que as famílias sentissem a necessidade de (re)organizar-se diante do aparelho televisivo.

Essa (re)organização pode ser feita de duas maneiras: 1) Divisão por aparelhos – As famílias que têm mais de um aparelho em casa,

subdividem-se por aparelhos, seja isolando-se (cada um assiste na sua tevê) ou em subsistemas (conjugal, fraternal, parental, etc.).

2) Divisão por horários – As famílias que possuem apenas uma tevê, organizam-

se e se subdividem através de horários. Por exemplo: as crianças assistem a sua programação pela manhã e o pai assiste à noite.

4.2.1 A (re)organização nas famílias que têm acesso aos sistemas de tevê paga

Nas famílias pessoenses visitadas, pertencentes às classes A e B, que dispunham

de sistemas de tevê paga, percebemos que elas possuem, pelo menos, mais de dois aparelhos de TV, fazendo com que elas se subdividam por aparelhos. Vejamos alguns exemplos:

A família A1, que possui 5 aparelhos de tevê, subdividiu-se da seguinte forma: cada um de seus membros assiste na tevê do seu quarto, sendo que o casal compartilha o mesmo aparelho. Durante nossa visita, percebemos que apenas um programa era assistido por todos os membros da família em um só aparelho (localizado no quarto dos pais): o “Pânico na TV”, programa de humor veiculado pela “Rede TV!”.

Nos demais horários, cada um assiste à sua programação específica individualmente ou em subgrupos, predominando os subsistemas baseados na faixa etária.

A divisão da família A3, por aparelhos de tevê, é ainda maior: não há um programa que a família assista junto. Os filhos assistem juntos a sua programação no quarto (fazem parte da mesma faixa etária), o casal assiste no seu quarto e a televisão da sala é utilizada pelo sobrinho (19).

Diferindo, aparentemente, das outras duas famílias de sua classe social, a família A2 (que possui apenas 3 membros) costuma ver televisão no mesmo espaço (o quarto do casal), devido à afinidade nos gostos da filha (23) com o pai (58). Porém, a mãe (57), que sempre está presente no quarto no horário de assistência de tevê, não presta muita atenção no que está sendo exibido (distraindo-se com livros ou palavras cruzadas)

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e, só assiste, de fato, com a família ao “Pânico na TV” e o seriado “Lost” (da emissora AXN).

Quando deseja assistir à sua programação preferida, a filha (23) muda-se para a sala de estar: “No dia em que tem Roberto Justus eu vou assistir na sala porque ele (o pai) não troca CSI por nada”. A mãe (57) apresenta uma justificativa: “O programa ‘O aprendiz’ não tem muito a ver comigo não, eu acho que para assistir um programa tem que ter alguma coisa a ver com a pessoa”.

As famílias de classe B apresentam traços comportamentais diante da tevê semelhantes aos da classe A. Na família B3, não há um programa que todos os membros assistam juntos, devido às preferências serem diferenciadas: “Quando minha filha (18) vem assistir tevê no meu quarto e eu quero assistir tevê eu vou para a sala porque eu não gosto da mesma programação que ela”, declara a mãe (43) da família B3.

Já na família B2, no horário das refeições, todos os membros assistem juntos ao programa local “Correio Verdade” e, à noite, o programa de variedades da Rede Record, “Programa da tarde”, pois a sala de jantar fica unida à sala de estar (ver ilustração 4). Entretanto, a filha (23) do casal confessa que quando alguém quer assistir outra programação vai para a tevê de um dos quartos.

Outro fator que confirma que a segmentação nos canais e programas influenciaram na (re)organização dessas famílias, é a constatação da preferência dos membros dessas famílias pelos programas veiculados pelos canais fechados. Na maioria dessas famílias, os únicos programas que elas assistem na tevê aberta são os telejornais nacionais e locais.

4.2.2 A (re)organização nas famílias que fazem uso exclusivo da tevê aberta

Nas famílias pessoenses estudadas (classes C e D), que não têm acesso aos

sistemas de tevê paga e se restringem à assistência da programação veiculada pelas emissoras de tevê aberta, verificamos também uma modificação na organização dos seus espaços.

Por terem, na maioria das vezes, a televisão como a principal (ou, muitas vezes, a única) fonte de entretenimento e cultura, a maior parte delas possui mais de um aparelho de tevê. Organizando-se, dessa forma, em subsistemas semelhantes aos encontrados nas classes A e B.

Chamou-nos a atenção o caso da família D1, residente da favela do Timbó, que possui em sua casa três aparelhos televisivos. Ao pesquisarmos dados do IBGE[24], constatamos que essa família não é a única: somente 14,97% das famílias paraibanas possuem apenas um aparelho de tevê em casa. Ou seja, 85,03% dessas famílias possuem em seu domicílio dois ou mais aparelhos de tevê.

Esses dados também apontam que a compra de aparelhos de TV superam a de bens básicos como geladeiras e filtros de água. De acordo com Sara Pereira (1998, p. 24), “(...) o poder que os meios de comunicação social alcançaram – em particular a televisão – é também um factor configurante da situação e um factor estruturante das próprias rotinas familiares que afecta, logicamente, os estilos de vida familiares”.

Dessa forma, com as estruturas das famílias estudadas não poderia ser diferente. A família C1 é um exemplo disso, pois nela há uma divisão, entre seus membros, muito clara de horários: pela manhã, a filha (3) assiste a desenhos, o programa infantil da Rede Globo, “TV Xuxa”, e o clássico infantil da mesma emissora, “O Sítio do Pica-pau amarelo”. À tarde, enquanto a criança brinca, a cunhada (17) assiste à sua programação, que é escolhida, basicamente, por identificação de sexo (programas femininos e de fofocas) ou de faixa etária (novela juvenil da Record “Alta estação”).

No horário noturno, em que o pai (23) de família está em casa, predomina a programação escolhida por ele, que é configurada por telejornais e programas de cunho político. A mãe (24) da família C1 adapta-se em subsistemas relacionados ao sexo (assiste a programas femininos com a irmã (17)) ou conjugal (assiste a telejornais com o marido (23)).

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Os programas assistidos por todos os membros das famílias juntos resumem-se a programas de humor, de variedades ou noticiários locais.

4.2.3 A regulamentação da família na definição de como se dará a sua organização diante da tevê

Segundo Jiani Adriana Bonin (2005)[25]:

A família regula sua territorialidade internamente através de acordos acerca do espaço interno da casa. Aqui entram os acordos físicos e emocionais pelos quais são estabelecidas as fronteiras do mundo social da família e do mundo particular de cada membro.

Os acordos observados nas famílias estudadas são realizados, predominantemente,

de duas maneiras: a primeira está relacionada aos horários da rotina familiar, como podemos ver na família D2: nos horário da manhã e da tarde, o filho mais novo (14) e a mãe (54) dividem o uso da televisão, pois apenas eles estão em casa nesse horário. No final da tarde, o pai (54) e o filho mais velho (23) assistem às suas programações, prevalecendo as preferências do pai (54) (aí entra a segunda maneira, que veremos a seguir), e no final da noite o filho intermediário (20) assiste à sua programação.

A segunda maneira, a mais freqüente nas famílias, está relacionada à posição hierárquica do indivíduo na casa.

4.2.3.1 A posição hierárquica

“Meu marido quando bota num canal ninguém tira não, tem que ser aquilo ali”,

declara a mãe (56) da família C2. “Quando ele chega, ninguém assiste mais nada”, reclama a cunhada (17) do pai

(23) da família C1. “Quando meu marido está em casa, eu deixo que ele escolha a programação já

que ele trabalha o dia todo”, relata (43) a mãe da família B3. Seja de forma impositiva (o pai é o chefe da casa e ele é quem “dita” as regras) ou

de cunho emocional (reconhecimento de que o pai trabalha o dia todo e tem o direito a escolher o que quer assistir), a posição hierárquica na casa é um dos principais fatores que determinam como será feita a organização da família diante do aparelho de tevê.

Esse fator é algo natural das famílias que, em sua maioria quase absoluta, não param para decidir como será feita a organização, quem decidirá qual programação deve-se assistir, mas, sim, acontece de forma espontânea.

No que diz respeito aos subsistemas da casa, a posição hierárquica também é decisiva, como pode ser visto na família A3, onde a irmã mais velha (6) define o que vai ser assistido na tevê que divide com seu irmão (5).

Isso não quer dizer que não haja outro tipo de negociação na definição da programação a ser assistida, como os acordos emocionais entre pais e filhos, irmãos e marido e mulher:

Às vezes painho quer assistir futebol e mainha quer assistir Luciana Gimenez aí ele fica reclamando, mas às vezes tem convidados que até ele se interessa, aí ele fica assistindo, mas tem dias que se ele não pode perder o que ele quer assistir ele vai para a televisão da sala, declara a filha (23) da família B2.

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Como podemos ver, a organização da casa pode variar de família para família, visto que cada família tem seus valores, cultura e suas relações de poder.

Conclusão

Diante do que foi exposto e considerado, ao longo da nossa pesquisa, pudemos

observar que, assim como a valorização do aparelho de tevê no espaço doméstico, a segmentação na programação e canais televisivos estão fazendo com que a família (re)organize seus espaços.

Durante as visitas às famílias pessoenses escolhidas como amostra do nosso trabalho, observamos que, de fato, as famílias estão passando por um processo de (re)organização familiar. Vimos que essa (re)organização se dá, inicialmente, no contexto estrutural dos espaços domésticos, onde a presença do aparelho de tevê na casa modificou a disposição dos móveis que passam a estruturar-se em favorecimento à assistência de tevê.

Observamos, também, que os espaços reservados à comunhão familiar, como é o caso das salas de estar e de jantar, sofreram alterações, por causa da presença do aparelho televisivo em seus espaços, transformando as conversações no seio familiar, seja trazendo assuntos externos às discussões entre os membros da casa ou diminuindo consideravelmente os diálogos.

Outra mudança ocorrida na organização do espaço doméstico deve-se à presença da tevê nos quartos, que limitou ainda mais a interação entre toda a família nos momentos de assistência de tevê. A tevê, no conforto e na intimidade dos quartos, fez com que os horários livres, onde geralmente reserva-se à assistência das programações televisivas, passassem a ser uma atividade solitária ou de apenas alguns membros da família (organizados em subsistemas).

Dessa forma, a clássica cena de toda a família sentada no sofá da sala assistindo à mesma programação está se tornando cada vez mais rara, pois os filhos já não se interessam pela mesma programação que os pais (ou vice-versa), visto que há uma grande oferta de programações específicas para cada público.

Os poucos momentos em que a família se reúne são para assistir programas de caráter genérico como os programas de auditório, de humor e de variedades o que, em boa parte das famílias observadas, ocorre no horário das refeições, ou seja, no horário em que a família já está reunida.

Concluímos então que, quanto maior a importância da televisão para a família, maiores serão as transformações que esse meio ocasionará na sua estrutura, o que é, muitas vezes, preocupante, pois à medida que cada membro se isola, menores serão as possibilidades de comunhão familiar e de intercâmbio de opiniões sobre assuntos próprios do dia-a-dia da família, fazendo com que a televisão seja o único “membro da família” que recebe a devida atenção.

Devemos, porém, levar em consideração que essa relação entre a televisão e a família é construída de forma dialógica, na qual a influência da tevê sobre a organização dos hábitos e espaços familiares vai depender do grau de abertura e de importância dada à tevê pelos membros constituintes de cada família.

Por isso, acreditamos ser importante o desenvolvimento de estudos, por parte de educadores, sociólogos e comunicadores, a esse respeito, para que possamos contribuir socialmente, na busca pela compreensão, com mais profundidade, da importância da tevê na organização das rotinas e espaços familiares.

Notas

[1] Disponível em: http://www.edukbr.com.br. Acesso em 16/5/2006. [2] Disponível em: http://www.tudosobretv.com.br . Acesso em 27/4/2006. [3] Longos intervalos realizados entre um programa e outro para que houvesse tempo para a preparação do estúdio do próximo programa a ser apresentado. [4] Publicado na Folha de São Paulo em: 27/12/1998.

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[5] Expressão dada ao ato da mudança de canal [6] Fonte: IBOPE - 13ª Pesquisa TV por assinatura POP - Out/2004. [7] Estratégia utilizada pelas redes de televisão aberta de fazer uso de uma mensagem dirigida a um universo genérico e despersonalizado. [8] Dados do “Mídia fatos 2005/2006” da ABTA [9] Publicado no sítio do Observatório da Imprensa em 5/12/2006. [10] Portal Brasil [11] Retirado do artigo “Diagnóstico de la comunicación en América Latina: informe nacional de Brasil”, publicado na Revista Latinoamericana de Comunicación Chasqui, n. 73, março, 2002. Disponível em: http://chasqui.comunica.org/difranco73.htm. Acesso em 16/01/07 [12] Tradução de responsabilidade da aluna [13] Tradução de responsabilidade da aluna [14] Publicado no sítio do Observatório da Imprensa em: 10/02/2004. [15] Portal Brasil [16] Disponível em: http://www.sbt.com.br/novelas/odiariodedaniela/. Acesso em 06/02/07 [17] Trecho do artigo: “A abordagem etnográfica na investigação científica”, publicado na revista “INES-ESPAÇO”, n.16, julho/dezembro, 2001. Disponível em: http://www.ines.org.br/paginas/revista/A%20bordag%20_etnogr_para%20Monica.htm. Acesso em 26/11/06. [18] Tradução de responsabilidade da aluna [19] Tradução de responsabilidade da aluna [20] Tradução de responsabilidade da aluna [21] Artigo publicado na revista on-line do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, “Ciberlegenda”, n.15, 2005. Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/jianni3.htm, Acesso em 26/08/06. [22] Vale ressaltar que é possível que existam outras formas de subdivisão da família no que diz respeito ao uso social da televisão. Os subsistemas destacados por nós nesse trabalho foram aqueles que mais predominaram nas famílias pessoenses estudadas. [23] Idem 20. [24] Dados extraídos do PNAD – 2005. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2005/default.shtm Acesso em 13/09/06 [25] Artigo publicado na revista on-line do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, “Ciberlegenda”, n.15, 2005. Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/jianni3.htm. Acesso em 26/08/06.

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* Larissa Santos Beserra é graduada em Comunicação Social pela UFPB, na habilitação de Jornalismo. O presente ensaio consiste na adaptação da monografia de conclusão de curso ocorrida em 2007.

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