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6 domingo, 18 de dezembro de 2005 mais! AB ECONOMIA Eduardo Knapp - 11.mar.2005/Folha Imagem O GRUPO DO DOGMA PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. .............................................................................................. COLUNISTADA FOLHA A pontamentos para um Bra- sil melhor em poucas pala- vras e estilo telegráfico. Um desempenho econômico melhor depende, em larga medida, de iniciativas governamentais, espe- cialmente na área macroeconômica. O governo Lula já consumiu três quartos do seu mandato. O ano que lhe falta será dominado pelas elei- ções. Não haverá grandes iniciativas. O governo não tem tempo nem con- dições políticas nem equipe nem co- ragem para reorientar a economia para o desenvolvimento. Mas poderá ainda fazer alguns ajustes, introduzir algumas flexibili- zações. Existe, sim, a possibilidade de estimular o crescimento da eco- nomia brasileira, que vem registran- do taxas medíocres, muito inferiores ao nosso potencial e às que se obser- vam na maioria das economias emergentes. Trata-se, basicamente, de eliminar os excessos de ortodoxia e alguns exageros da política econômica. A equação juros + dólar Primeira providência: a taxa básica de juro pode diminuir mais rapida- mente ao longo dos próximos me- ses, o que favoreceria a expansão dos fluxos de crédito e da demanda de consumo e de investimento. As con- dições para isso já estão dadas há al- gum tempo: os juros no resto do mundo são muito mais baixos, não há risco de aquecimento excessivo da economia brasileira ou de infla- ção de demanda, a taxa de inflação está em queda, a situação das contas fiscais melhorou e as contas externas do país se mostram sólidas. A teimo- sia e o dogmatismo da direção do Banco Central têm impedido o país de tirar partido dessas vantagens. Segunda: o governo deve induzir alguma depreciação do real em rela- ção a moedas estrangeiras. A valori- zação da moeda brasileira foi longe demais. O real forte tem dois efeitos negativos: a) coloca em risco os ex- celentes resultados das contas exter- nas, pois penaliza as exportações e estimula importações e outros gas- tos no exterior; e b) contribui para o medíocre crescimento da economia, por deprimir a atividade econômica e o investimento nos setores que ex- portam e naqueles que disputam mercados internos com importa- ções. A própria diminuição mais rá- pida dos juros favoreceria a depre- ciação do real. Mais papista que o papa A queda dos juros facilitaria uma terceira providência: a flexibilização da política fiscal. O governo, sempre “más papista que el papa”, vem ge- rando superávits primários bem su- periores às metas fixadas (que já são ambiciosas). Procura, assim, neutra- lizar o efeito da política de juros do Banco Central sobre o déficit e a da dívida pública. Com juros mais civilizados (ou menos selvagens), o governo pode- ria limitar-se a alcançar os 4,25% do PIB [Produto Interno Bruto] fixados como meta para 2006. Haveria um pouco mais de espaço para ampliar os investimentos públicos, reduzir a carga tributária e reforçar os progra- mas de distribuição de renda e com- bate à pobreza. Uma modesta flexibilização da po- lítica fiscal contribuiria, juntamente com juros menores e alguma depre- ciação cambial, para revigorar o crescimento da economia. Ortodoxo, “pero no mucho”! Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e professor da FGV-EAESP (Escola de Adminis- tração de Empresas de São Paulo da Funda- ção Getúlio Vargas). É autor de “O Brasil e a Economia Internacional” (Campus/Elsevier). Funcionários de fábrica de cosméticos em Cajamar, na Grande São Paulo TELEVISÃO CANAIS ABERTOS Eu não passaria nos vestibulares, nossos reitores não passariam nos vestibulares, os professores de cursinhos não passariam nos vestibulares IVANA BENTES .............................................................................................. ESPECIALPARAA FOLHA E spero que em 2006 fique cada vez mais evidente que a televi- são brasileira é uma conces- são do Estado e da sociedade brasileira, e não o contrário, o Esta- do brasileiro e a sociedade reféns da televisão. Sendo concessões públi- cas, as TVs em 2006, além de usarem a concessão para ganhar dinheiro ou como máquina político-eleitoral, poderiam quadruplicar sua contra- partida pública, social, cultural, ex- perimental, educativa, para além do mercado, do lucro e da chantagem política. Como a TV é importante e in- fluente demais para ficar na mão apenas dos executivos, do marke- ting e dos altos índices de audiência, espero que em 2006 seja aberta a cai- xa-preta da TV para os conselhos de ética, à produção independente, à produção regional e exibam na TV aberta o cinema, à videoarte e aos curtas-metragens brasileiros. Espero que o Brasil não perca a oportunidade histórica, com a im- plantação da TV digital, de demo- cratizar o mais poderoso meio de comunicação do país. Dependendo do que for decidido agora, no início de 2006 será possível aumentar e dis- ponibilizar novos canais (multica- nais) para novos atores, movimen- tos sociais, ONGs, favelas, para o ci- nema brasileiro, para os coletivos de arte, as universidades etc. ou manter as emissoras de TV sob o controle dos mesmos, de uma minoria. Democracia interativa Agora, implantar o sistema de alta definição (HDTV) em 2006 só para transmitir a Copa do Mundo da Ale- manha e faturar milhões em anún- cios é um negócio que só as emisso- ras de TV e o ministro das Comuni- cações, Hélio Costa, defendem. Ne- nhuma linha a mais de definição na tela é necessária para ver um jogo de futebol, e interatividade para clicar e comprar produtos na tela da TV não tem nada a ver como democracia participativa! Espero que seja revista a Lei Geral de Comunicação de Massa e que te- levisão, cinema, vídeo, internet e to- da produção audiovisual possam ser finalmente reguladas e regulamen- tadas por um só órgão, a Ancinav (Agência Nacional de Cinema e Au- diovisual). Agência que foi abortada por questões políticas, lobby e pres- são das emissoras de televisão. Espero que, em 2006, todo teles- pectador brasileiro, associação, gru- po, rede, organização tenham direi- to de resposta na TV, podendo ocu- par o tempo necessário, na TV aber- ta ou a cabo, sempre que forem lesa- dos em seus direitos de cidadão. Esteticamente, espero que os nú- cleos de experimentação de novas linguagens cresçam e apareçam, que a interatividade inteligente e os no- vos formatos, como os “reality shows” e games, não se esgotem na sua versão comercial, que se invista em documentários que produzam conhecimento novo, que investi- guem a realidade, e não apenas ilus- trem o que já sabemos com “faits-di- vers” e imagens sensacionalistas. Novo nacionalismo Que os criadores da TV descu- bram a televisão segundo Jean-Luc Godard, Peter Greenaway, The Kit- chen [centro de vídeo, música, per- formance, dança, filme e literatura em Nova York], descubram o docu- mentário experimental e uma nova iconografia para expressar o Brasil que não seja só o nacional-popular, o nacionalismo engessado, o neopo- pulismo, mas as novas imagens e forças, transnacionais, que nos habi- tam e que a TV ainda não conseguiu mapear. Que as imagens das favelas nos te- lejornais não sirvam apenas para produzir o medo, o preconceito, os discursos de repressão e o estado de exceção, imagens e reportagens que legitimam o assassinato diário de fa- velados pela polícia e que produzem um novo conservadorismo que pede a remoção das favelas e a expulsão dos pobres de nosso campo visual. Em 2006, espero que a televisão não faça campanha eleitoral nos seu programas de entretenimento, nos “talk shows”, nos telejornais e que não eleja nem derrube nenhum can- didato a presidente da República. É pedir demais? Ivana Bentes é professora da Escola de Co- municação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de “Joaquim Pedro de Andrade” (ed. Relume-Dumará). LITERATURA SEM FLA-FLU NEM PANELAS JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA .............................................................................................. ESPECIALPARAA FOLHA N os “Estudos de Literatura Brasileira” (Villa Rica), in- dispensáveis para com- preender o percurso de nossa crítica literária e cultural, José Veríssimo costumava incluir um ar- tigo de fôlego no qual dava conta da produção dos últimos anos. No ou- tro extremo, na reedição de “Mito e Arquivo - Teoria da Narrativa Lati- no-Americana”, Roberto González Echevarría confessou sem modéstia que pretendia orientar a produção da prosa de ficção latino-americana. No fundo, os dois projetos se equi- valem. De um lado, o desejo de abar- car o passado recente. De outro, a ambição de colonizar o futuro pró- ximo. No panorama da literatura brasileira contemporânea, destaca- se a (saudável) impossibilidade de reviver tais propósitos. Leitor ne- nhum possui uma visão sintética do muito que se produz. E até o teórico mais confiante sabe que escreve para os cinco leitores do defunto autor. Tal certeza é uma advertência, es- pecialmente no campo (minado) da poesia. Sua produção e recepção permanecem entrincheiradas em ri- validades e intolerâncias, muitas ve- zes iniciadas há décadas! Por isso, todo balanço crítico, em lugar de diálogo, ou seja, divergência levada a sério, estimula paródias, is- to é, duelos velados. Trata-se de im- passe que deve ser superado. Afinal, por meio de um exercício constante de tradução e de experimentação, a poesia brasileira alcançou inegável excelência. Logo, um sofisticado conhecimen- to de autores fundamentais e um considerável domínio técnico se en- contram paradoxalmente constran- gidos pela sobrevivência de velhas capelinhas, no eterno retorno de no- mes e debates —o círculo vicioso tornado método. Na prosa de ficção, a pluralidade das alternativas estéticas desfavore- ce a existência de um modelo crítico dominante —felizmente, aliás. Te- mos assim desde o refinamento de Bernardo de Carvalho à denúncia de Ferréz. E devemos parar de confun- dir crítica com um aborrecido Fla- Flu das letras: a diversidade das op- ções é em si mesmo um valor. Uma mudança desejável: em lugar da proliferação de prêmios, empre- sas privadas poderiam investir em questões estruturais, transformando a cultura do espetáculo em trabalho na esfera anônima do dia-a-dia. Traduções diretas, por exemplo, do árabe (Mamede Mustafa Jarou- che) e do russo (Paulo Bezerra, Ru- bens Figueiredo) assim como edi- ções criteriosas de clássicos ampliam as possibilidades criativas. Outra mudança bem-vinda seria então o pleno reconhecimento da re- levância da tradução para a excelên- cia do sistema literário também no campo da prosa. João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de, entre outros, “Literatura e Cordialidade” (Eduerj). Jochen Luebke - 31.ago.2005/France Presse EDUCAÇÃO SELEÇÃO NATURAL RUBEM ALVES .............................................................................................. COLUNISTADA FOLHA E ntre a multidão dos meus de- sejos para a educação elejo co- mo minha prioridade acabar com os vestibulares. Os vesti- bulares são, a meu ver, a coisa mais estúpida a estragar a educação. Não me importam os vestibulares como processo seletivo para a entrada nas universidades. Importa-me o que eles fazem com todo o processo es- colar que os antecede. Em primeiro lugar, eles são inú- teis. Os supostos saberes exigidos para os exames estão condenados ao esquecimento. Eu não passaria nos vestibulares, nossos reitores não passariam nos vestibulares, os pro- fessores de cursinhos não passariam nos vestibulares. Os especialistas em português tombariam diante dos problemas de física e química. Os professores de física e química tom- bariam diante das questões de análi- se sintática. Memória ruim? Não. Memória inteligente. A memória inteligente sabe esque- cer o que não faz sentido. E a desgra- ça é que as escolas, desde o seu iní- cio, vivem sob a sombra do grande bicho-papão. Quem determina os saberes a serem sabidos são os pro- fessores que preparam as questões para os exames. E então, as questões fundamentais da educação, da for- mação humana dos alunos são en- viadas para o porão. O prazer da lei- tura? Quem pensará que leitura dá prazer quando ela é obrigatória? Não existe forma mais rápida de fazer um aluno detestar a leitura do que fazer dela um dever pelo qual se terá que prestar contas. A apreciação da música, a educação dos sentidos, a curiosidade vagabunda... Tudo é deixado de fora. Tanto sofrimento para nada porque tudo é esquecido. Além de inúteis são perniciosos, porque criam hábitos mentais tor- tos. Para cada pergunta há uma res- posta correta! Mas na vida não é as- sim. E nem na ciência. A ciência se faz com uma infinidade de erros. Sem os vestibulares as escolas esta- riam livres para de fato educar. Mas que processo substituiria os vestibu- lares? Minha sugestão: um sorteio... Loucura? Parece, mas não é. Rubem Alves é educador e psicanalista. Trabalhador arruma TVs de plasma em feira de eletrônicos

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6 domingo, 18 de dezembro de 2005 mais! AB

ECONOMIAEduardo Knapp - 11.mar.2005/Folha Imagem

OGRUPODODOGMAPAULO NOGUEIRA BATISTA JR...............................................................................................COLU NIS TA DA F OLH A

A pontamentos para um Bra-sil melhor em poucas pala-vras e estilo telegráfico. Umdesempenho econômico

melhor depende, em larga medida,de iniciativas governamentais, espe-cialmente na área macroeconômica.O governo Lula já consumiu trêsquartos do seu mandato. O ano quelhe falta será dominado pelas elei-ções. Não haverá grandes iniciativas.O governo não tem tempo nem con-dições políticas nem equipe nem co-ragem para reorientar a economiaparaodesenvolvimento.

Mas poderá ainda fazer algunsajustes, introduzir algumas flexibili-zações. Existe, sim, a possibilidadede estimular o crescimento da eco-nomia brasileira, que vem registran-do taxas medíocres, muito inferioresao nosso potencial e às que se obser-vam na maioria das economiasemergentes.

Trata-se, basicamente, de eliminaros excessos de ortodoxia e algunsexagerosdapolíticaeconômica.

Aequação juros+dólarPrimeira providência:a taxabásica

de juro pode diminuir mais rapida-mente ao longo dos próximos me-ses,o que favoreceria a expansão dosfluxos de crédito e da demanda deconsumo e de investimento. As con-dições para isso já estão dadas há al-gum tempo: os juros no resto domundo são muito mais baixos, nãohá risco de aquecimento excessivoda economia brasileira ou de infla-ção de demanda, a taxa de inflaçãoestá em queda, a situação das contasfiscais melhorou e ascontas externasdo país se mostram sólidas. A teimo-sia e o dogmatismo da direção doBanco Central têm impedido o paísdetirarpartidodessasvantagens.

Segunda: o governo deve induziralguma depreciação do real em rela-ção a moedas estrangeiras. A valori-zação da moeda brasileira foi longedemais. O real forte tem dois efeitosnegativos: a) coloca em risco os ex-celentes resultados das contas exter-nas, pois penaliza as exportações eestimula importações e outros gas-tos no exterior; e b) contribui para omedíocre crescimento da economia,por deprimir a atividade econômicae o investimento nos setores que ex-portam e naqueles que disputammercados internos com importa-ções. A própria diminuição mais rá-pida dos juros favoreceria a depre-ciaçãodoreal.

MaispapistaqueopapaA queda dos juros facilitaria uma

terceira providência: a flexibilizaçãoda política fiscal. O governo, sempre“más papista que el papa”, vem ge-rando superávits primários bem su-periores às metas fixadas (que já sãoambiciosas). Procura, assim, neutra-lizar o efeito da política de juros doBanco Central sobre o déficit e a dadívidapública.

Com juros mais civilizados (oumenos selvagens), o governo pode-ria limitar-se a alcançar os 4,25% doPIB [Produto Interno Bruto] fixadoscomo meta para 2006. Haveria umpouco mais de espaço para ampliaros investimentos públicos, reduzir acarga tributária e reforçar os progra-mas de distribuição de renda e com-bateàpobreza.

Uma modesta flexibilização da po-lítica fiscal contribuiria, juntamentecom juros menores e alguma depre-ciação cambial, para revigorar ocrescimentodaeconomia.

Ortodoxo,“peronomucho”!

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista eprofessor da FGV-EAESP (Escola de Adminis-tração de Empresas de São Paulo da Funda-ção Getúlio Vargas). É autor de “O Brasil e aEconomia Internacional” (Campus/Elsevier).

FuncionáriosdefábricadecosméticosemCajamar,naGrandeSãoPaulo

TELEVISÃOCANAISABERTOSEunão

passarianosvestibulares,nossosreitoresnãopassariamnosvestibulares,osprofessoresdecursinhosnãopassariamnosvestibulares

IVANA BENTES..............................................................................................E SPE CIA L PARA A FOLH A

E spero que em 2006 fique cadavez mais evidente que a televi-são brasileira é uma conces-são do Estado e da sociedade

brasileira, e não o contrário, o Esta-do brasileiro e a sociedade reféns datelevisão. Sendo concessões públi-cas, as TVs em 2006, além de usarema concessão para ganhar dinheiro oucomo máquina político-eleitoral,poderiam quadruplicar sua contra-partida pública, social, cultural, ex-perimental, educativa, para além domercado, do lucro e da chantagempolítica.

Como a TV é importante e in-fluente demais para ficar na mãoapenas dos executivos, do marke-ting e dos altos índices de audiência,espero que em 2006 seja aberta a cai-xa-preta da TV para os conselhos deética, à produção independente, àprodução regional e exibam na TVaberta o cinema, à videoarte e aoscurtas-metragensbrasileiros.

Espero que o Brasil não perca aoportunidade histórica, com a im-plantação da TV digital, de demo-cratizar o mais poderoso meio decomunicação do país. Dependendodo que for decidido agora, no iníciode 2006 será possívelaumentaredis-ponibilizar novos canais (multica-nais) para novos atores, movimen-tos sociais, ONGs, favelas, para o ci-nema brasileiro, para os coletivos dearte, as universidades etc. ou manteras emissoras de TV sob o controledosmesmos,deumaminoria.

Democracia interativaAgora, implantar o sistema de alta

definição (HDTV) em 2006 só paratransmitir a Copa do Mundo da Ale-manha e faturar milhões em anún-cios é um negócio que só as emisso-ras de TV e o ministro das Comuni-cações, Hélio Costa, defendem. Ne-nhuma linha a mais de definição natela é necessária para ver um jogo defutebol, e interatividade para clicar ecomprar produtos na tela da TV nãotem nada a ver como democraciaparticipativa!

Espero que seja revista a Lei Geralde Comunicação de Massa e que te-levisão, cinema, vídeo, internet e to-da produção audiovisual possam ser

finalmente reguladas e regulamen-tadas por um só órgão, a Ancinav(Agência Nacional de Cinema e Au-diovisual). Agência que foi abortadapor questões políticas, lobby e pres-sãodasemissorasdetelevisão.

Espero que, em 2006, todo teles-pectador brasileiro, associação, gru-po, rede, organização tenham direi-to de resposta na TV, podendo ocu-par o tempo necessário, na TV aber-ta ou a cabo, sempre que forem lesa-dosemseusdireitosdecidadão.

Esteticamente, espero que os nú-cleos de experimentação de novaslinguagens cresçam e apareçam, quea interatividade inteligente e os no-vos formatos, como os “realityshows” e games, não se esgotem nasua versão comercial, que se invistaem documentários que produzamconhecimento novo, que investi-guem a realidade, e não apenas ilus-trem o que já sabemos com “faits-di-vers”e imagenssensacionalistas.

NovonacionalismoQue os criadores da TV descu-

bram a televisão segundo Jean-LucGodard, Peter Greenaway, The Kit-chen [centro de vídeo, música, per-formance, dança, filme e literaturaem Nova York], descubram o docu-mentário experimental e uma novaiconografia para expressar o Brasilque não seja só o nacional-popular,o nacionalismo engessado, o neopo-pulismo, mas as novas imagens eforças, transnacionais, que nos habi-tam e que a TV ainda não conseguiumapear.

Que as imagens das favelas nos te-lejornais não sirvam apenas paraproduzir o medo, o preconceito, osdiscursos de repressão e o estado deexceção, imagens e reportagens quelegitimam o assassinato diário de fa-velados pela polícia e que produzemum novo conservadorismoquepedea remoção das favelas e a expulsãodospobresdenossocampovisual.

Em 2006, espero que a televisãonão faça campanha eleitoral nos seuprogramas de entretenimento, nos“talk shows”, nos telejornais e quenão eleja nem derrube nenhum can-didato a presidente da República. Épedirdemais?

Ivana Bentes é professora da Escola de Co-municação da Universidade Federal do Riode Janeiro e autora de “Joaquim Pedro deAndrade” (ed. Relume-Dumará).

LITERATURASEMFLA-FLUNEMPANELASJOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA..............................................................................................E SPE CIA L PARA A FOLH A

N os “Estudos de LiteraturaBrasileira” (Villa Rica), in-dispensáveis para com-preender o percurso de

nossa crítica literária e cultural, JoséVeríssimo costumava incluir um ar-tigo de fôlego no qual dava conta daprodução dos últimos anos. No ou-tro extremo, na reedição de “Mito eArquivo - Teoria da Narrativa Lati-no-Americana”, Roberto GonzálezEchevarría confessou sem modéstiaque pretendia orientar a produçãodaprosadeficçãolatino-americana.

No fundo, os dois projetos se equi-valem. De um lado, o desejo de abar-car o passado recente. De outro, aambição de colonizar o futuro pró-ximo. No panorama da literaturabrasileira contemporânea, destaca-se a (saudável) impossibilidade dereviver tais propósitos. Leitor ne-nhum possui uma visão sintética domuito que se produz. E até o teórico

mais confiante sabe que escreve paraoscincoleitoresdodefuntoautor.

Tal certeza é uma advertência, es-pecialmente no campo (minado) dapoesia. Sua produção e recepçãopermanecem entrincheiradas em ri-validades e intolerâncias, muitas ve-zes iniciadashádécadas!

Por isso, todo balanço crítico, emlugar de diálogo,ou seja, divergêncialevada a sério, estimula paródias, is-to é, duelos velados. Trata-se de im-passe que deve ser superado. Afinal,por meio de um exercício constantede tradução e de experimentação, apoesia brasileira alcançou inegávelexcelência.

Logo, um sofisticado conhecimen-to de autores fundamentais e umconsiderável domínio técnico se en-contram paradoxalmente constran-gidos pela sobrevivência de velhascapelinhas, no eterno retorno de no-mes e debates —o círculo viciosotornadométodo.

Na prosa de ficção, a pluralidadedas alternativas estéticas desfavore-ce a existência de um modelo crítico

dominante —felizmente, aliás. Te-mos assim desde o refinamento deBernardo de Carvalho à denúncia deFerréz. E devemos parar de confun-dir crítica com um aborrecido Fla-Flu das letras: a diversidade das op-çõeséemsimesmoumvalor.

Uma mudança desejável: em lugarda proliferação de prêmios, empre-sas privadas poderiam investir emquestões estruturais, transformandoa cultura do espetáculo em trabalhonaesferaanônimadodia-a-dia.

Traduções diretas, por exemplo,do árabe (Mamede Mustafa Jarou-che) e do russo (Paulo Bezerra, Ru-bens Figueiredo) assim como edi-ções criteriosasdeclássicosampliamaspossibilidadescriativas.

Outra mudança bem-vinda seriaentão o pleno reconhecimentodare-levância da tradução para a excelên-cia do sistema literário também nocampodaprosa.

João Cezar de Castro Rocha é professor deliteratura comparada na Universidade doEstado do Rio de Janeiro e autor de, entreoutros, “Literatura e Cordialidade” (Eduerj).

Jochen Luebke - 31.ago.2005/France Presse

EDUCAÇÃOSELEÇÃONATURALRUBEM ALVES..............................................................................................COLU NIS TA DA F OLH A

E ntre a multidão dos meus de-sejos para a educação elejoco-mo minha prioridade acabarcom os vestibulares. Os vesti-

bulares são, a meu ver, a coisa maisestúpida a estragar a educação. Nãome importam os vestibulares comoprocesso seletivo para a entrada nasuniversidades. Importa-me o queeles fazem com todo o processo es-colarqueosantecede.

Em primeiro lugar, eles são inú-teis. Os supostos saberes exigidospara os exames estão condenados aoesquecimento. Eu não passaria nosvestibulares, nossos reitores nãopassariam nos vestibulares, os pro-

fessores de cursinhos não passariamnos vestibulares. Os especialistas emportuguês tombariam diante dosproblemas de física e química. Osprofessores de física e química tom-bariam diante das questões de análi-se sintática. Memória ruim? Não.Memória inteligente.

A memória inteligente sabe esque-cer o que não faz sentido. E a desgra-ça é que as escolas, desde o seu iní-cio, vivem sob a sombra do grandebicho-papão. Quem determina ossaberes a serem sabidos são os pro-fessores que preparam as questõespara os exames. E então, as questõesfundamentais da educação, da for-mação humana dos alunos são en-viadas para o porão. O prazer da lei-tura? Quem pensará que leitura dáprazerquandoelaéobrigatória?

Não existe forma mais rápida defazer um aluno detestar a leitura doque fazer dela um dever pelo qual seterá que prestarcontas. A apreciaçãoda música, a educação dos sentidos,a curiosidade vagabunda... Tudo édeixado de fora. Tanto sofrimentoparanadaporquetudoéesquecido.

Além de inúteis são perniciosos,porque criam hábitos mentais tor-tos. Para cada pergunta há uma res-posta correta! Mas na vida não é as-sim. E nem na ciência. A ciência sefaz com uma infinidade de erros.Sem os vestibulares as escolas esta-riam livres para de fato educar. Masque processo substituiria os vestibu-lares? Minha sugestão: um sorteio...Loucura?Parece,masnãoé.

Rubem Alves é educador e psicanalista. TrabalhadorarrumaTVsdeplasmaemfeiradeeletrônicos