TELEVISÃO, MUNDO DA VIDA E MOBILIDADE SIMBÓLICA · REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: ......

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131 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 131-145, nov. 2007 Simone Maria Rocha TELEVISÃO, MUNDO DA VIDA E MOBILIDADE SIMBÓLICA: A FAVELA E SEUS MORADORES NA VISÃO DE ADOLESCENTES 1 Recebido em 29 de agosto de 2006. Aprovado em 27 de fevereiro de 2007. O objetivo deste artigo é discutir sobre o conceito de mundo da vida, relacionando-o à hipótese da mobilidade simbólica com base em uma análise da recepção e discussão da série televisiva Cidade dos Homens (Rede Globo, 2002), feita em grupos focais com adolescentes moradores e não-moradores de favela de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Consideramos grupos focais não apenas uma metodologia qualitativa de pesquisa, mas uma mediação capaz de incentivar a produção de sentido em situações de recepção coletiva e evidenciar processos de questionamento de representações, formação e sustentação de identidades. Nossa hipótese é que, embora as representações exibidas nos media reflitam uma tendência à reprodução de estereótipos, podemos, ainda assim, verificar uma relativa pluralidade nesse ambiente e identificar produções com a explícita intenção de modificar tais estereótipos. Sendo assim, os media representariam uma importante mediação, cuja capacidade de filtrar, mediatizar e enfatizar determinados temas oferece perspectivas, modela imagens e incita a criação de contextos políticos e sociais de interação e debate. Dada a presença significativa dos media na vida social, é nosso propósito mostrar como a televisão e suas mensagens, que tanto colaboram para a cristalização de um estoque de conhecimento, podem contribuir, também, para a problematização e deslocamento de entendimentos previamente formulados. PALAVRAS-CHAVE: mundo da vida; mobilidade simbólica; televisão; adolescentes; favela. I. INTRODUÇÃO Embora saibamos que as representações exi- bidas nos media reflitam uma tendência à repro- dução de estereótipos, não podemos deixar de evidenciar que há uma relativa pluralidade nesse ambiente e identificar produções com a explícita intenção de modificar tais estereótipos. Assim, torna-se possível indagar acerca da contribuição que essas produções podem dar às reflexões em relação ao conhecimento do outro e ao reconhe- cimento de uma possível mobilidade simbólica em relação aos grupos excluídos. Consideramos ex- clusão social como um problema de natureza moral, político e social que leva a uma desvalori- zação simbólica de determinados grupos (DEMO, 2002; OLIVEIRA, 1997; ZALUAR, 1997; 2004). O que acontece quando surgem produtos midiáticos que pretendem desconstruir imagens estereotipadas? Será que eles conseguem desestabilizar configurações já dadas? As pessoas conseguem notar a proposta de um novo padrão de visibilidade dos grupos excluídos? Nas últimas décadas, muitos pesquisadores (BLUMLER & GUREVITCH, 2000; DALGHREN, 1993; NORRIS, 2000; MAIA, 2004; THOMPSON, 1998) vêm evidenciando que parte significativa das relações que os sujeitos estabelecem com o mundo em que vivem – para além de suas interações face a face – tem se realizado através dos media. Sendo assim, eles representam uma importante mediação cuja capacidade de filtrar, mediatizar e enfatizar determinados temas oferece perspectivas, modela imagens e incita a criação de contextos políticos e sociais de interação e debate. Diante de tal fenômeno, nosso propósito aqui seria o de pensar como esse espaço de visibilidade midiática interage de modo significativo com os demais espaços, fornecendo material e recursos 1 Agradeço a Ângela Marques e Rousiley Maia pelas valio- sas sugestões e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de apoio financeiro que tem contribuído para a realização de nossa pesquisa.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 131-145 NOV. 2007

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 131-145, nov. 2007

Simone Maria Rocha

TELEVISÃO, MUNDO DA VIDAE MOBILIDADE SIMBÓLICA:

A FAVELA E SEUS MORADORES NA VISÃO DEADOLESCENTES1

Recebido em 29 de agosto de 2006.Aprovado em 27 de fevereiro de 2007.

O objetivo deste artigo é discutir sobre o conceito de mundo da vida, relacionando-o à hipótese da mobilidadesimbólica com base em uma análise da recepção e discussão da série televisiva Cidade dos Homens (RedeGlobo, 2002), feita em grupos focais com adolescentes moradores e não-moradores de favela de BeloHorizonte e do Rio de Janeiro. Consideramos grupos focais não apenas uma metodologia qualitativa depesquisa, mas uma mediação capaz de incentivar a produção de sentido em situações de recepção coletivae evidenciar processos de questionamento de representações, formação e sustentação de identidades. Nossahipótese é que, embora as representações exibidas nos media reflitam uma tendência à reprodução deestereótipos, podemos, ainda assim, verificar uma relativa pluralidade nesse ambiente e identificar produçõescom a explícita intenção de modificar tais estereótipos. Sendo assim, os media representariam uma importantemediação, cuja capacidade de filtrar, mediatizar e enfatizar determinados temas oferece perspectivas, modelaimagens e incita a criação de contextos políticos e sociais de interação e debate. Dada a presençasignificativa dos media na vida social, é nosso propósito mostrar como a televisão e suas mensagens, quetanto colaboram para a cristalização de um estoque de conhecimento, podem contribuir, também, para aproblematização e deslocamento de entendimentos previamente formulados.

PALAVRAS-CHAVE: mundo da vida; mobilidade simbólica; televisão; adolescentes; favela.

I. INTRODUÇÃO

Embora saibamos que as representações exi-bidas nos media reflitam uma tendência à repro-dução de estereótipos, não podemos deixar deevidenciar que há uma relativa pluralidade nesseambiente e identificar produções com a explícitaintenção de modificar tais estereótipos. Assim,torna-se possível indagar acerca da contribuiçãoque essas produções podem dar às reflexões emrelação ao conhecimento do outro e ao reconhe-cimento de uma possível mobilidade simbólica emrelação aos grupos excluídos. Consideramos ex-clusão social como um problema de naturezamoral, político e social que leva a uma desvalori-zação simbólica de determinados grupos (DEMO,2002; OLIVEIRA, 1997; ZALUAR, 1997; 2004).

O que acontece quando surgem produtosmidiáticos que pretendem desconstruir imagensestereotipadas? Será que eles conseguemdesestabilizar configurações já dadas? As pessoasconseguem notar a proposta de um novo padrãode visibilidade dos grupos excluídos?

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores(BLUMLER & GUREVITCH, 2000; DALGHREN,1993; NORRIS, 2000; MAIA, 2004; THOMPSON,1998) vêm evidenciando que parte significativa dasrelações que os sujeitos estabelecem com o mundoem que vivem – para além de suas interações facea face – tem se realizado através dos media. Sendoassim, eles representam uma importante mediaçãocuja capacidade de filtrar, mediatizar e enfatizardeterminados temas oferece perspectivas, modelaimagens e incita a criação de contextos políticos esociais de interação e debate.

Diante de tal fenômeno, nosso propósito aquiseria o de pensar como esse espaço de visibilidademidiática interage de modo significativo com osdemais espaços, fornecendo material e recursos

1 Agradeço a Ângela Marques e Rousiley Maia pelas valio-sas sugestões e ao Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de apoiofinanceiro que tem contribuído para a realização de nossapesquisa.

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simbólicos que constroem tanto as experiênciasdiretas quanto as indiretas dos indivíduos. Nessamedida, propomo-nos a pensar tal interação a par-tir do conceito de mundo da vida (segundo as con-cepções trabalhadas por A. Schutz e J. Habermas)e da tentativa de relacioná-lo à hipótese da mobili-dade simbólica. Buscaremos evidenciar como nos-sos conhecimentos prévios, e que muitas vezes sãosedimentados pelas mensagens recebidas dos me-dia, podem ser problematizados a partir de repre-sentações e discursos construídos por esses mes-mos meios, desde que apresentem uma propostaque escape aos estereótipos comumente veicula-dos. Em outras palavras, o que queremos eviden-ciar é o modo pelo qual a televisão e suas mensa-gens colaboram tanto para a cristalização quantopara o questionamento de aspectos desse estoquede conhecimentos. Não apenas a televisão, mas,também, o contexto reflexivo de recepção é funda-mental na medida em que é nele que os sentidossão reconstruídos e problematizados.

Para viabilizar nossa proposta, escolhemoscomo grupos focais os quatro primeirosepisódios2 da minissérie Cidade dos Homens (RedeGlobo, 2002). Essa série é uma narrativa ficcionalque aborda a vida de dois adolescentes, sua vida nafavela e os problemas enfrentados, como a violên-cia, a carência material, a falência do ensino públi-co, o preconceito social e racial, entre outros. Nonosso entendimento, esse programa mostra o mo-rador de favela de outro modo, ou seja, de um modomais complexo, que escapa a associações mecâni-cas que ligam violência e criminalidade à favela,sem levar em conta quaisquer outros elementos.Cidade dos Homens possibilita uma outra maneirade pensar, pois cria um novo padrão de visibilidadeque põe em primeiro plano a cotidianidade, os dile-mas do dia-a-dia, a luta diante das dificuldades e aspreocupações de sujeitos comuns, que levam vidas

também comuns3. Na fala de um de seus realiza-dores, tal série tinha um propósito alternativo emrelação ao que vem sendo veiculado. SegundoGeorge Moura, “Quando Cidade dos Homens che-gou à TV a idéia era fazer uma espécie de ‘anti’Cidade de Deus4, ou seja, revelar que na favelaexistem os dramas cotidianos, que não obrigatoria-mente se resumem ao problema da violência gera-do pelo tráfico de drogas. Cidade dos Homens,durante esses anos todos, mostrou isso, ao fazeruma crônica da vida privada dos seus personagensprincipais” (MOURA, 2005).

2 Para o escopo de nossa análise, optamos por trabalharsomente com os quatro primeiros episódios da série, queforam: 1) A coroa do Imperador; 2) O cunhado do cara; 3)O correio; e 4) Uólace e João Vítor. Tal escolha se justificapelo fato de que, nesse primeiro ano, a montagem dos epi-sódios ainda não tinha sido totalmente submetida ao “pa-drão Globo de qualidade” e ambienta suas histórias de modomais relacionado à vida das comunidades. Os demais epi-sódios dos anos subseqüentes apresentavam temáticas taiscomo gravidez na adolescência, uma visita ao presidente darepública, para cobrar mais ações políticas na área socialetc., ou seja, ampliaram para outras dimensões que nãocabiam na discussão aqui proposta.

3 Essa parece ser a “leitura preferencial” dos codificadoresdesse programa: despertar para o fato de que há humanida-de nesses lugares, pessoas comuns e vida em comunidade,crianças e sua ingenuidade e não apenas a “lei do tráfico”, aviolência e a criminalidade. Estamos nos referindo aqui auma das leituras típico-ideais propostas por Stuart Hall(2003) em seu texto “Codificação/decodificação”, quandoesse autor trata do processo de codificação de mensagenstelevisivas e suas possibilidades de construção de signifi-cados (leituras) a serem feitas pelo telespectador. Além daleitura preferencial, aquela cuja interpretação estará de co-mum acordo com os objetivos do codificador, o autor apontaa leitura negociada e a leitura oposicional.4 Longa-metragem exibido em 2001, Cidade de Deus sepassa em um único cenário: o conjunto habitacional deCidade de Deus, zona oeste do Rio de Janeiro. A história édividida em três partes. A primeira, situada no fim dos anos1960, mostra os primeiros anos de existência desse conjun-to habitacional, para onde se mudam duas crianças, Buscapée Dadinho. Buscapé tem 11 anos; seu irmão Marreco for-ma, com os amigos Cabeleira e Alicate, um grupo de bandi-dos conhecido como Trio Ternura, cuja especialidade é as-saltar os caminhões de gás. Dadinho acompanha esse gru-po de marginais e sonha ser como eles. Buscapé, por suavez, não gosta de ter irmão bandido. Quer um futuro dife-rente para sua vida. A segunda parte do filme se passa nosanos 1970. Buscapé continua seus estudos e arruma umemprego num supermercado. Enquanto isso, Dadinho tor-na-se um pequeno líder de gangue com grandes ambições:quer se tornar traficante. Em pouco tempo, Dadinho torna-se o bandido mais perigoso e temido do local, recebe umnovo apelido, Zé Pequeno, e expande seu negócio. A tercei-ra parte, situada no começo dos anos 1980, mostra comoZé Pequeno se transforma em um dos traficantes mais po-derosos do Rio de Janeiro, protegido por um exército arma-do de crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos, até que elecruza o caminho de um trocador de ônibus conhecido comoMané Galinha. Depois de ver sua mulher ser estuprada,Mané Galinha decide se vingar de Zé Pequeno, associando-se a outro traficante local, Sandro Cenoura. Estoura a guer-ra na Cidade de Deus. Nesse meio tempo, Buscapé, quesempre sonhou ser fotógrafo, consegue sua primeira má-quina profissional. Registrar essa guerra será a grande chancede sua vida (VIRTUALBOOKS, s/d).

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II. O PERCURSO METODOLÓGICO: GRUPOFOCAL COMO MEDIAÇÃO

Nossa opção pelo grupo focal foi feita na me-dida em que o consideramos não apenas comouma metodologia qualitativa de pesquisa, mascomo uma mediação capaz de incentivar a produ-ção de sentido em situações de recepção coletivae evidenciar processos políticos dequestionamento de representações, formação esustentação de identidades, reconhecimento, legi-timidade e inserção das questões levantadas porgrupos marginalizados na esfera pública5. Ou seja,não nos interessa apenas passar um trecho de umprograma televisivo e ouvir as opiniões dos parti-cipantes a respeito do que acabaram de ver, mas,sim, ressaltar as ocasiões sociais em que as suashabilidades críticas emergem no momento em quese encontram reunidos para trocar experiências eargumentos acerca de um determinado tema ouassunto. “O grupo focal não é um agregado con-veniente de opiniões individuais, mas uma simula-ção desses contextos comunicativos rotineiros,mas relativamente inacessíveis que nos ajudam adescobrir os processos através dos quais o senti-do é socialmente construído através da fala coti-diana” (LUNT & LIVINGSTONE, 1996, p. 85)

Por isso, acreditamos que seja proveitoso usaro grupo focal para encorajar as pessoas a seengajarem umas com as outras e a expressaremverbalmente suas visões de mundo. Nesse senti-do, em algumas circunstâncias do debate, o papeldo moderador pode aparecer de modo mais con-tundente, visando justamente àqueleencorajamento. Ao adotarmos o grupo focal nes-sa perspectiva, acreditamos estar vinculando-o auma certa concepção da política enquanto ativi-dade cotidiana de construção coletiva dos signifi-cados e sentidos sociais que regem as relaçõesentre sujeitos que, reflexivamente, trocam pontosde vista, de modo a buscar entender o outro, aprópria condição e seu lugar no mundo.

As escolhas metodológicas que guiaram estapesquisa estruturam-se do seguinte modo: comoCidade dos Homens era uma narrativa construídaa partir da visão de seus protagonistas, os adoles-centes Acerola e Laranjinha, procuramos adoles-centes para participar da pesquisa. Em seguida,segundo nosso propósito, procuramos jovens que

já pertenciam a grupos de convivência nas comu-nidades, pois nosso pressuposto era o de que taisgrupos os auxiliavam na construção de sua visãode mundo e evitavam a “construção” de gruposespecificamente para a realização do grupo focal.E, por último, pretendíamos analisar em que medi-da aquela série, que claramente fazia referênciaaos morros do Rio de Janeiro, seria interpretadapor um público, também morador de favela, masde Belo Horizonte. Nossa indagação era a seguin-te: aquela representação poderia ser generalizávelpara outros contextos? Os grupos realizados commoradores de favela foram organizados do seguin-te modo: primeiramente, fizemos o contato comdois grupos: o ECO, no Morro Santa Marta, localonde foi filmada boa parte do primeiro ano da sé-rie, e o núcleo Agente Jovem – que é fruto daparceria de organizações não-governamentais(ONGs) com a Prefeitura de Belo Horizonte, queobjetiva oferecer uma alternativa aos adolescen-tes no período em que não estão na escola – naregião da Barragem Santa Lúcia, em Belo Hori-zonte6. Em ambos os grupos, os adolescentes têmentre 15 e 18 anos. A dinâmica constava de exibi-ção do programa, seguida da discussão orientadapelo roteiro semi-estruturado dividido em três ei-xos: i) o morro e a televisão; ii) os moradores defavela na televisão e iii) é possível uma mobilidadesimbólica que suspenda dicotomias como morroversus asfalto? Foram realizados dois grupos fo-cais em cada favela: em Belo Horizonte, eles con-taram com aproximadamente dez participantescada, e, no Rio de Janeiro, variaram entre três eseis participantes. O registro das opiniões e con-siderações dos adolescentes se deu principalmen-te de três modos: gravação das discussões reali-zadas, depoimentos individuais e registro por es-crito, que, no caso do primeiro grupo realizadoem Belo Horizonte, a maioria preferiu fazer.

Já o grupo realizado com os não-moradoresde favela aconteceu com nove adolescentes, to-dos com 15 anos, estudantes do primeiro ano doEnsino Médio, de um colégio particular na zona

5 Sobre grupo focal, ver Morgan (1997) e Lunt e Livingstone(1996).

6 Nossos encontros iniciais se deram nos meses de agostoe setembro de 2005, nos quais apenas participamos dasreuniões dos respectivos grupos, bem como visitamos al-gumas casas, participamos de eventos culturais para, opor-tunamente, expor o motivo de nossa presença. Depois des-ses contatos, passamos, nos meses de outubro, novembroe dezembro de 2005, a realizar efetivamente os gruposfocais.

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sul de Belo Horizonte, uma região com morado-res de alto poder aquisitivo, e contou com osmesmos procedimentos acima referidos. Nossaindagação, nesse caso, era a seguinte: este grupopercebe alguma diferença na abordagem feita emCidade dos Homens? Para ele, há ou nãoestigmatização e qual seria o seu modo de lidarcom a diferença7? A escolha desse grupo se deuem virtude do nosso interesse em saber comoadolescentes de uma condição socioeconômicadistinta acionam seu conhecimento de fundo parainterpretar essa série. Optamos por realizar a dis-cussão com estudantes de uma escola pelo fatode ser esse um espaço de convivência entre eles,o que já possibilita a construção comum de co-nhecimentos prévios.

III. MUNDO DA VIDA E MOBILIDADE SIM-BÓLICA

Todos nós, no curso de nossa vida diária,deparamo-nos com situações que demandam umesforço interpretativo que norteie nossas ações enosso entendimento do mundo. O conjunto de ex-periências cotidianas, o estoque de conhecimentosque temos à mão, os valores e normas nos quaisfomos socializados e dos quais lançamos mão parasubsidiarem nossa interpretação, é o que autorescomo Alfred Schutz (1979) e Jurgen Habermas(1998) denominaram mundo da vida. Para Schutz,“o ‘mundo da vida cotidiana’ significará o mundointersubjetivo que existia muito antes do nosso nas-cimento, vivenciado e interpretado por outros, nos-sos predecessores, como um mundo organizado.Ele agora se dá à nossa experiência e interpretação.Toda interpretação desse mundo se baseia num

estoque de experiências anteriores a ele, às nossaspróprias experiências e àquelas que nos são trans-mitidas por nossos pais e professores, as quais, naforma de ‘conhecimento à mão’, funcionam comoum código de referência” (SCHUTZ, 1979, p. 72;grifos no original).

Podemos, assim, entender que o mundo da vidanos é dado de antemão pela tradição e pelo traba-lho de construção cognitiva dos que aqui estive-ram antes de nós. Contudo, o mundo da vida étambém o mundo da ação cotidiana, um mundoque se transforma quando aparece uma situaçãoque exige uma problematização de conhecimen-tos até então consolidados. Isso porque “o mun-do da vida cotidiana é a cena e também o objetode nossas ações e interações [...] Assim, trabalha-mos e operamos não só dentro do, mas tambémsobre o mundo” (idem, p. 73). Por isso, é precisoentendê-lo sempre de modo a considerá-lo dentrode um fluxo permanente e mutável de acordo coma situação à qual se enfrenta e que demanda dife-rentes aspectos desse “mundo” na abordagem deuma determinada questão. Mas isso nem sempreocorre de modo coerente e homogêneo, totalmenteclaro e livre de contradições. Se pensarmos quesão os interesses dos indivíduos8 que atuam nadefinição do que eles querem conhecer melhor,que as situações mudam de tempos em tempos,que nem sempre esses indivíduos estão tãoengajados em saber de fato sobre algo, reconhe-ceremos as inúmeras possibilidades deestruturação do estoque de conhecimento. Aindade acordo com Schutz, “O homem, na vida diária[...] tem, a qualquer momento, um estoque deconhecimento à mão que lhe serve como um có-digo de interpretações de suas experiências pas-sadas e presentes, e também determina sua ante-cipação das coisas que virão. Esse estoque de co-nhecimento tem sua história particular. Foi cons-tituído de e por atividades anteriores de experiên-cia de nossa consciência, cujo resultado tornou-se agora uma posse nossa, habitual [...]. Por ou-tro lado, esse estoque de conhecimento à mão nãoé nada homogêneo [...]” (idem, p. 74). Dessemodo, seriam nossas experiências, envolvimentoe interesse numa determinada questão que nos aju-

7 Vale ressaltar que coube à autora deste artigo o papel demoderadora dos grupos focais. Nesta oportunidade, gosta-ria de agradecer às instituições e pessoas que colaboraramde forma efetiva na realização desta pesquisa, tais como: oMovimento Viva Rio, o Grupo ECO (RJ), o Projeto Agen-te Jovem Núcleo Barragem Santa Lúcia (PBH), PedroStrozemberg, Itamar, Flaviana, Lucas, Márcia Maria, Fáti-ma, bem como aos adolescentes que se dispuseram a parti-cipar das discussões e debates realizados. Para o grupofocal realizado no Colégio da zona sul de Belo Horizonte, acooperação da bolsista de Iniciação Científica/UFMG Dé-bora Santos no contato com os adolescentes, no apoiologístico e na negociação com a direção do Colégio foi defundamental importância. Ainda nesse grupo focal, coubeao também bolsista de Iniciação Científica/UFMG AugustoVeloso Leão o papel de observador do grupo. Suas anota-ções foram preciosas e muito me auxiliaram na transcriçãodas fitas do modo mais fiel possível.

8 Sabemos que os interesses nem sempre são predefinidos,mas, sim, são definidos no curso das interações. No senti-do aqui exposto, queremos nos referir àquilo que despertanossa atenção, que nos diz algo significativo e que, portan-to, varia de indivíduo para indivíduo.

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dariam a acionar e estruturar o tipo de conheci-mento que iremos adotar na sua solução9.

J. Habermas também entende o mundo da vidacomo um tipo de conhecimento relativamente pré-reflexivo, o qual os indivíduos tomam como sefosse conhecimento de fundo, que lhes oferecealguma estabilidade, pois, para que ele venha àtona, algo precisa ser tematizado, algum novo sen-tido precisa ser produzido por meio das relaçõesinterpessoais. Para Habermas, “o mundo da vidaé estruturado por tradições culturais e ordensinstitucionais assim como pelas identidades quese originam dos processos de socialização. Poresta razão, o mundo da vida não se constitui emuma organização à qual os indivíduos pertencemcomo membros, nem como uma associação naqual os indivíduos se encontram, nem um coleti-vo composto por participantes individuais. Ao in-vés disso, práticas comunicativas cotidianas, nasquais o mundo da vida está centrado, são nutri-das pelos modos de interação da reprodução cul-tural, da integração social e da socialização. Taispráticas estão, por sua vez, enraizadas nessesmodos de interação” (HABERMAS, 1998, p. 251;grifos no original).

Esses apontamentos teóricos acerca da refle-xão sobre o mundo da vida em Schutz e Habermaslevam-nos a acreditar que este conceito, tal comodesenvolvido pelos autores, explora as experiên-cias diretas.

No que concerne à análise que pretendemosneste artigo, o ponto a ser enfatizado diz respeitoà relação entre o estoque de conhecimento queforma o mundo da vida e as mensagens produzi-das pelos media, em particular pela televisão. Sen-do assim, e considerando que os autores refletemapenas sobre as experiências diretas, um desafiose configura, pois nossa proposta é pensar comoaquelas representações veiculadas nos media, queintencionalmente buscam quebrar certezas já cris-talizadas, podem atuar sobre esse mundo da vida

e promover um tipo de deslocamento chamadopor nós de mobilidade simbólica.

Consideramos mobilidade simbólica10 uma no-ção que traduz um possível deslocamento dossentidos produzidos pelos sujeitos que rompe comuma visão preconceituosa acerca de excluídos, epossibilita uma visão que os toma como sujeitoscomuns, moral e politicamente iguais, com dile-mas e aspirações também comuns. É importanteressaltar que tratamos essa “mobilidade” comouma hipótese, pois sabemos que tal possibilidadeocorre em meio a disputas de poder, a lutas con-tra posições hegemônicas, muitas vezes engen-dradas por ordens do discurso – conceito abor-dado segundo a acepção de M. Foucault (2001) –cuja formação contribui para estabelecer o que é“verdade” e o que é “válido” sobre as coisas, pes-soas, grupos e eventos que fazem parte de umarealidade social. No caso do presente estudo, po-deríamos fazer referência aos discursoshegemônicos que circulam sobre as favelas e seusmoradores, e as várias tentativas de contraposiçãoe superação desses discursos. Isso porque nossopressuposto é o de que, no caso dos moradoresde favela, o imaginário social dominante brasileirointerpreta o “favelado” como um tipo social ho-mogêneo e a favela como lugar de ausência e caossocial11. Nesse sentido, torna-se importante paranós investigar se, através dos media e de suasmensagens, é possível identificar a provocaçãode uma mobilidade simbólica dessa visão de que afavela seria apenas um lugar de ausência e de ex-cluídos, para uma perspectiva em que ela seriaum lugar no qual os sujeitos estabelecem interações

9 A isso, Schutz denomina de relevâncias e nos esclarece:“[...] É o problema em particular do qual nos ocupamosque subdivide nosso estoque de conhecimento à mão emzonas diferentes de relevância para a sua solução e estabe-lece, assim, os limites das várias zonas do nosso conheci-mento mencionadas acima, ou seja, zonas de nitidez e devagueza, de clareza e obscuridade, de precisão e ambigüida-de” (SCHUTZ, 1979, p. 74).

10 Sabemos que se trata de uma profícua reflexão nasCiências Sociais acerca dessa disputa simbólica. O que gos-taríamos de acrescentar à discussão diz respeito à contri-buição que os media podem oferecer nessa negociação desentidos.11 A favela é quase sempre definida pelo que ela não teria:um lugar sem infra-estrutura urbana – água, luz, esgoto,coleta de lixo –, sem ruas pavimentadas e bem delimitadas,globalmente miserável, sem ordem, sem lei, sem regras,sem moral, enfim, o lugar da carência, do vazio, do perigo.Muitos autores (ZALUAR, 1985; 1997; 2004; ALVITO,2003; RINALDI, 2003; ZALUAR & ALVITO, 2003) jáapontaram para essa questão da estigmatização e rotulaçãosofrida por esses indivíduos moradores de favela. Há, paraesses autores, uma espécie de imaginário preconceituoso,alimentado tanto por aqueles que não querem ser associa-dos à favela quanto pelo poder público, como ainda pelosque lá não moram.

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sociais, possuem aspirações de vida, moralidadesque dão sentido e alimentam seus sentimentos depertença a uma comunidade, embora saibamos quemuitas vezes esses mesmos media não contribu-em para essa “mobilidade”.

A seção seguinte traz fragmentos das discus-sões obtidas nos grupos de modo a evidenciar emque medida se dá essa relação entre conhecimen-to de fundo, interação e recepção televisiva. Taisfragmentos intercalam as discussões dos gruposde adolescentes moradores e não moradores defavela.

IV. MUNDO DA VIDA, INTERAÇÃO E RECEP-ÇÃO TELEVISIVA: AS FALAS DOS ADO-LESCENTES

Nossa proposta de investigar a relação que ossujeitos estabelecem entre aspectos de seu conhe-cimento de fundo e a recepção televisiva nos apon-ta para dois níveis de interpretação que muitasvezes se interceptam: o primeiro seria aquele noqual os atores mobilizam um conhecimento defundo compartilhado e construído por experiên-cias concretas; e o segundo nível seria aquele noqual os atores acionam um conhecimento parti-lhado e construído pelos media e por suas repre-sentações. Isso pode ser percebido nos tipos deinterpretação que cada um dos grupos fez da sé-rie. Vejamos o que disseram esses adolescentes12:

“Felipe: Eu acho que eles viviam uma grandedúvida. Eles não sabem se eles querem estudarmesmo ou se eles querem ser traficantes.

Moderadora: Eu gostaria que vocês recupe-rassem em qual momento do programa se fez al-guma menção de que um dia eles tiveram a dúvidade querer ser traficante ou outra coisa.

Renata, Eduarda e Erica: Nenhum.

Moderadora: Então, será que vocês não estãotrazendo algumas noções que já estavam na ima-ginação de cada um e que, a todo momento, elasvêm na nossa cabeça e acabam direcionando onosso olhar?

Luiza: É claro que sim. A gente já vem comaquela idéia de favela.

Paula: Mas é difícil se livrar disso. A gente

escuta, vê o tempo todo que é assim, não vai serde uma hora para outra que a gente conseguemudar.

Moderadora: Deixem-me fazer uma proposta:vamos nos esforçar para voltar para Cidade dosHomens. É claro que nós não conseguimos es-quecer o que já pensamos, mas vamos nos esfor-çar para repensar o que entendemos por moradorde favela a partir disso que a gente está vendoagora.

Joana: Mas, mesmo esse programa mostra arelação com o tráfico, mostra pessoas novas comarmas, menino morrendo.

Luiza: A tendência deles é virar traficante.

Paula: Muitos justificam isso para dar uma vidamelhor para a mãe que trabalhou para criar eles. Eagora eles querem recompensar. Tanto que noFalcão13 todos diziam “um dia, eu vou sair dessavida”. Só que eles morrem antes.

Moderadora: Mas, vamos voltar para Cidadedos Homens. Vocês acham que são essas infor-mações que a gente recebe para dar essa leituraque vocês estão fazendo?

Renata: Não.

[...]

Felipe: Eu acho que a gente vai pensar no quefor passado pra gente. Se passarem que lá eles sematam, a gente vai acreditar que eles se matam.Só agora a gente sabe que, apesar de lá ter trafi-cante, armas, assassinato, lá é também uma co-munidade unida.

13 O documentário Falcão, meninos do tráfico, foi ao arno dia 19 de março de 2006 no programa Fantástico, daRede Globo de Televisão, com duração de 90 minutos.Trata-se de uma narrativa cujo objetivo, segundo seus rea-lizadores, entre eles o rapper MV Bill, era o de despertar ointeresse da sociedade, das autoridades e das instituiçõespara o grave problema social que atinge crianças e adoles-centes moradores das favelas – o envolvimento cada vezmais precoce com o tráfico de drogas. O documentáriochama a atenção por vários motivos, dentre eles: 1) seremas crianças e adolescentes os depoentes e narradores desuas próprias vidas, de seus problemas e de seuenvolvimento com o tráfico; 2) ter sido feito por um mora-dor da favela, o rapper MV Bill, que entra nos barracos,filma aquilo que está “acontecendo” naquele momento eapresenta a questão como se esse documentário pudesseser lido como a “Verdade”, a “Realidade” da vida nas fave-las.

12 Optamos por trocar os nomes dos participantes dosgrupos a fim de preservar sua identidade.

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Paula: A gente sabe pouco que tem projetoslá, essas coisas assim. Que a favela é uma comu-nidade. A maior parte da informação que a gentetem é de violência, então a gente cria uma ima-gem de violência” (Grupo focal, Colégio, BeloHorizonte).

Esse trecho do debate mostra o quanto, ape-sar de estarem diante de uma representação quese pretende diferente daquela corrente, eles re-correm a conhecimentos anteriores e de algumamaneira cristalizados para emitir suas opiniões.

No que diz respeito àqueles que moram na fa-vela, as críticas à série foram contundentes, pois,embora esses adolescentes identifiquem sim, as-pectos de sua realidade, enfatizam, contudo, quea representação é unilateral, posto que não abordaa pluralidade de vivências na favela, como pude-mos constatar no seguinte momento da discus-são:

“Paulo: Não me surpreende, pois o que mos-tra no filme para mim já é uma realidade. Me sur-preenderia se mostrasse outra coisa porque, as-sim, o que mostrou no filme é uma realidade emtermos, foi, no caso, só coisas negativas a respei-to da favela, de uma comunidade. O tempo todopassou tiroteio, parece até que o Morro vive cons-tantemente em guerras, entendeu? E isso não éverdade, a gente também tem muitas coisas boasque acontecem dentro da comunidade. Do jeitoque foi colocado no filme, daqui a pouco a gentevai ter que comprar um guarda-chuva blindado,porque vai ser chuva de bala direto. [...] Sincera-mente, se fosse, se a idéia-base fosse aproximar afavela e o pessoal do asfalto, na minha opinião, euacho que eles fizeram um péssimo trabalho. Por-que não foi bom. Se fosse para aproximar... vocêvê, teve tiroteio, o pessoal na rua para poder as-saltar. Então, a pessoa pensa: ‘É isso o que o pes-soal da favela faz? É isso?’ Aí começam a criticar.

Lili: Eu acho que realmente eles pecaram por-que não mostraram tanto as coisas boas da fave-la. Só que eles falaram que mostraram, por exem-plo, quando aparece o garoto indo pra escola, arelação ali, mas é pouquíssimo. Isso aí é muitopouco. [...] Exageraram o outro lado. Então, aca-bou ficando uma imagem de que favela só temmarginal, que a criança tem contato com acriminalidade muito cedo” (Grupo focal, MorroSanta Marta, Rio de Janeiro)

Se concordamos com o fato de que,

contemporaneamente, cada vez mais nosengajamos num novo tipo de interação, o que signi-fica que o nosso conhecimento e contato com ooutro se dá de maneira crescente por meio dosmedia (LIVINGSTONE, 1998; THOMPSON,1998), podemos afirmar que as narrativas e re-presentações mediáticas são fundamentais paracompor o estoque de conhecimento sobre os lo-cais, as pluralidades etc. Em muitos momentos, afala dos adolescentes não-moradores de favela,quando diziam algo sobre os moradores, era sub-sidiada de modo perceptível por esse conhecimen-to previamente formulado que eles vêm acumu-lando por meio de suas experiências indiretasconstruídas, sobretudo, pelos meios. Afirmavamsaber sobre o outro e isto era claramente feito apartir dos estereótipos. Contudo, essa foi umarelação controvertida, posto que aspectos dosmundos da vida eram acionados e assumiam dife-rentes relevâncias no processo interpretativo decada um. E isso pode ser captado nos dois gru-pos, ou seja, dos que moram e dos que não mo-ram na favela. Entre os que moram:

“Moderadora: Será que vocês já não estão comum ‘pé atrás’ e por isso têm dificuldade de reco-nhecer Cidade dos Homens como uma represen-tação diferente, se nós observamos, por exemplo,que no último episódio – Uólace e João Vítor –não se fez nenhuma referência ao tráfico?

Lucas: Isso que eu ia falar agora. Isso já é au-tomático. A pessoa já procura uma coisa para iden-tificar aquilo que ela vive cotidianamente, enten-deu? Se ela não encontra, ela tenta de algumamaneira mostrar isso de qualquer jeito. E issomostra o quê? Mostra que a gente não está acos-tumado a ver um programa, ver uma minissérie,ver alguma coisa na televisão tentando mostrarnossa realidade. Porque assim, Cidade dos Ho-mens está tentando representar ainda muito pou-co, tem muita coisa que deve ser mostrada, masestá tentando. Assim, está tentando mostrar, masmesmo assim a gente tem muita resistência, sabe?O pessoal vê as coisas, igual eu tô vendo o Carlosfalar, e tenta buscar alguma coisa que justifica elefalar só sobre essa questão da violência.

Mara: Mas, mesmo assim, teria que ter maisespaço na mídia, né? Porque você vê que o pro-grama é de temporada em temporada, a hora queé, dificilmente dá para muitas pessoas assistir.

Lucas: Eu acho que é mais um estigma mes-mo. A pessoa de tanto viver aquilo, ela procura de

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certa maneira, acho que tenta se encontrar na-quela situação mostrada” (Grupo focal, BarragemSanta Lúcia, Belo Horizonte).

Por sua vez, entre os que não moram na fave-la, esse conhecimento de fundo muitas vezes obs-curecia ou dificultava algum entendimento novodaquela situação analisada:

“Felipe: Nas comunidades também, os chefõeslá são vistos mais como justiceiros, porque tudoo que acontece quem resolve são eles. Eles são abase das favelas. Eles mantêm a calma, o contro-le das favelas.

Luiza: Dentro da favela é a lei deles. Vivemcomo se fosse em outra cidade.

Luiza: Eles mandam.

Moderadora: Mas, seria possível ver isto atra-vés desse programa, Luiza?

Luiza: Eu acho porque, na cidade do alto (altodo morro) tinha gangue dando tiro no meio da rua.

Felipe: Lutando por território...

Luiza: E aqui alguém vai impedir eles de faze-rem isso, se eles fizessem isso no meio da rua. Nafavela, ninguém tem o poder de impedir eles defazerem, porque eles mandam, mas aqui tem apolícia” (Grupo focal, Colégio, Belo Horizonte).

Como dissemos anteriormente, os mundos davida não são homogêneos, coerentes nemtampouco imutáveis. É preciso estarmos atentospara os momentos em que fragmentos que com-põem nosso pano de fundo são questionados,problematizados de modo concreto e essaproblematização termina por demandar dos indi-víduos uma nova interpretação do que está sendotematizado. Nesse caso, foram significativas asfalas dos adolescentes que não moram na favelano intuito de ver, em Cidade dos Homens, algumacoisa desse outro que escapasse do modo peloqual ele é comumente estereotipado.

“Eduarda: Eu acho que o programa mostra olado positivo da favela, a solidariedade deles, elestentando se ajudar, a amizade. Mostra que na fa-vela nem todo mundo é bandido, que é cada umpor si lá dentro. O programa mostra que é dife-rente.

Luiza: Mostra a união, eles são unidos... Entreeles, eles são unidos. Eles têm grupos contra. Mas,entre eles tem solidariedade.

Felipe: É mesmo. A gente vê que eles têm so-lidariedade, que eles são mais amigos.

Paula: Mostra que lá não tem assalto.

Luiza: Ele [Acerola] mesmo falou que lá den-tro não tinha assalto” (Grupo focal, Colégio, BeloHorizonte).

As opiniões, entretanto, não eram o tempo todocoerentes. Houve controvérsias entre eles e atémesmo contradições em relação ao que havia sidodito anteriormente. Nesse embate de opiniões,muitas vezes alguns insistiam no seu argumentocomo melhor, solicitando, inclusive, que o colegarepensasse a sua opinião a partir do que ele expu-nha. Portanto, ao mesmo tempo em que se dispu-nham a interpretar Cidade dos Homens sob essaoutra ótica, sempre retornavam àquilo que o seumundo da vida informava sobre os moradores defavela. Nesses momentos, cabia à moderadorauma interferência um tanto mais contundente, nosentido de problematizar falas tão arraigadas.

“Moderadora: O que Cidade dos Homens po-deria oferecer de diferente, para que vocês refa-çam suas opiniões? Vocês viram, por exemplo,que as expectativas, as opiniões, as aspirações deUólace e João Vítor se aproximavam em algunsmomentos...

Eduarda: Eu acho que mostra o lado positivosim. Vocês não lembram daquela hora em que oAcerola está vendendo CD e depois ele faz as con-tas de quantos ele tem que vender para comprar otênis? Então, sabe, está mostrando que ele traba-lha, que ele tenta fazer uma coisa digna para verse ele consegue melhorar a vida dele. Eu acho queo objetivo de Cidade dos Homens é realmentemostrar que não é todo mundo que quer entrarpara o tráfico. Eu acho que o objetivo deles foimostrar o lado positivo, o lado do cotidiano.

Felipe: Eu também acho. Foi mostrar que temalguma alternativa.

Luiza: Eu não concordo. Eu acho que é umoutro mundo completamente diferente do nosso.Isso de vender CD é o que dá para ele ser.

Moderadora: Quando vocês os vêem com amesma vontade de consumir o hambúrguer, porexemplo, de ter o mesmo tênis, você acha que ain-da assim são mundos completamente diferentes?

Luiza: Não são mundos, mas são realidadesdiferentes.

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Ruth: Mas, gente, nós temos que pensar que agente tem valores que eles não têm. Tipo que agente consegue, como eu explico? A gente tem,sei lá, mais noção, a gente sabe que a gente estu-dando, a gente vai conquistar.

Felipe: A gente tem mais informação.

Luiza: E isso é mostrado através dos meninos,do João Vítor e do amigo riquinho dele, que elespodem conseguir isso, que, se eles estudarem, ti-rarem nota boa, podem ser alguém na vida. Já oAcerola e o Laranjinha, eles não vêem a escolacomo um meio de chegar a ser alguém, de conse-guir. Eles têm diferentes modos de interpretar aescola. Os dois grupos de estudantes das diferen-tes classes sociais vêem a escola de jeitos total-mente diferentes.

Joana: É diferente, porque assim 6,50 pra gen-te não é nada, um hambúrguer pra gente tem muitomenos valor do que pra eles. Pra eles é tipo umararidade.

Felipe: Mas eu acho que o programa mostra arealidade. Dá uma fugida de mostrar só a violên-cia e mostra esse outro lado.

Érica: Eu acho que aprofundou mais na vidacotidiana” (Grupo focal, Colégio, Belo Horizonte).

A discussão acima transcrita nos faz percebero quanto os fragmentos do mundo da vida podemser de alguma forma questionados, quando os in-divíduos são chamados a falar sobre uma questãoque passa a ser tematizada pelos media de outraforma. Nosso argumento é o de que representa-ções como essas podem, sim, atuar sobre mun-dos da vida diferenciados e contribuir para umamobilidade simbólica. Contudo, bem sabemos queessa não é tarefa fácil, nem imediata. Se o esto-que de conhecimento nos é dado também pelastradições, por nossos predecessores, e tambémpelo material simbólico fornecido pelos media, quevem sedimentando esse conhecimento, é de sesupor que uma mudança no nível interpretativorepresente um desafio aos conhecimentos de fun-do. É o que podemos perceber nos argumentosdos adolescentes do Colégio em relação ao fatode intepretarem programas, como a referida sé-rie, como uma oportunidade de ver o outro, quenão se conhece diretamente, de uma maneira di-ferente:

“Felipe: Eu acho que diminui muito a discri-minação em relação a eles.

Paula: Mas, se vocês pensarem nisso que agente está vendo aqui, aprofundou um pouco, masainda é muito pequeno, se a gente pensar. A gentesó vai conhecer mesmo quando a gente for lá.

[...]

Ruth: Tem que pensar também que a gente vemvendo isso desde quando a gente nasceu. Não éuma coisa assim: viu um programa, muda suacabeça de uma hora pra outra.

Luiza: Porque isso é verdade. Não se podemudar totalmente a mentalidade. Não é 100% dospivetes que não têm a intenção de roubar. Muitosdeles têm a intenção de roubar. Eu acho que nemtem que mudar a mentalidade, tem que diminuir.Mudar totalmente não.

Felipe: Eu acho que vai demorar muito paramudar o pensamento. Acho que nem nossos fi-lhos vão ainda saber como lidar” (Grupo focal,Colégio, Belo Horizonte).

Um outro exemplo disso foi a recusa dos ado-lescentes moradores de favela de enxergar, em Ci-dade dos Homens, uma proposta diferente do dis-curso hegemônico acerca desse grupo. O que que-remos dizer é que os mundos da vida dos realiza-dores, dos moradores da favela e dos adolescentesde classe média, ainda que possam ter seus senti-dos negociados, desencontraram-se, porque o co-nhecimento de fundo mobilizado para entender aque-la situação representada envolveu experiências quese chocam. Daí o entendimento, por parte dos rea-lizadores, de que mostrar a favela de um modo di-ferente seja expor mães preocupadas com a edu-cação de seus filhos, para que eles não se tornemmarginais, e crianças freqüentando a escola.

E, por outro lado, por parte dos moradores,houvesse uma recusa de reconhecer isso como o“lado positivo” da favela. Diante da pergunta, se asérie, ao mostrar alguma coisa diferente da vio-lência, por exemplo, os garotos indo para a esco-la, preocupados com a avó, a amizade entre eles,não estaria propondo uma outra representação dafavela e de seus moradores, os adolescentes ma-nifestaram seu desacordo, ou seja, para eles, essanão é uma abordagem que mostra o “lado positi-vo da favela”:

“Marcos: Se minha mãe estiver passando mal,é claro que eu vou me preocupar com ela.

Isabele: Eu não acho que esse tipo de preocu-pação demonstra o lado positivo da favela. Eu acho

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que não. Porque, se você pegar qualquer crimi-noso que tá aqui, lógico que se preocupa com amãe. Do mesmo jeito que uma pessoa normal sepreocupa com a mãe. Não acho que existe umlado positivo específico da favela.

Vera: Até quando você falou da amizade entreo Acerola e Laranjinha, que o Laranjinha deu odinheiro para o outro, mesmo assim, a amizadelevou o Laranjinha a fazer uma coisa ruim, que foina boca do tráfico pedir dinheiro.

Lili: O problema é que, da maneira que elesmostram, a impressão que dá é que a maioria domorro é assim, mas não é isso, sabe? É a minoria,entendeu?

Paulo: Até o lado bom, o lado que poderia serbom, foi uma coisa meio... O seguinte: na escola,mostrava eles na escola, mas você viu que nãomostrou em momento nenhum eles assistindo a umaaula decente.

Lili: Sempre tumultuada.

Paulo: Tumultuada, bolinha de papel, o que aprofessora falava não dava certo.

Lili: A professora nem respondia o que elesperguntavam.

Paulo: Professora histérica, gritando. Isso podeser até realidade para algumas pessoas, mas [...]não é só porque mora na favela que se torna umfavelado” (Grupo focal, Morro Santa Marta, Riode Janeiro).

Importante mencionar que esses adolescentesreconhecem a violência, o crime, a pobreza comopresentes em suas vidas. Mas contra-argumen-tam essa realidade com a idéia de que favela não ésó isso e insistem nessa crítica ao programa.Constroem um discurso no qual o principal argu-mento é o de que precisam ser reconsideradospelos demais, a partir de outro prisma. E essa é aluta que enfrentam para construir essa identidadede maneira diferente, ou seja, demandam que osmedia ampliem seus discursos de modo que pos-sam ser vistos como atores sociais moralmentecapazes e iguais politicamente a todos e que dei-xem de representar a favela apenas como um lu-gar violento:

“Lili: Todo dia, toda hora. Quem vê isso pen-sa: ‘Pô, na favela não é mole não. Caramba, nemestudar o moleque pode’.

Paulo: É. O que mostrou no filme é o que

acontece. Mas ele só mostra o lado negativo dafavela.

Carol: Se mostrasse o lado positivo seria atélegal, porque só mostra a criminalidade, como sefosse o dia-a-dia. Não passou os projetos que temna favela, a família, a união, que nem sempre émuita, mas também tem” (Grupo focal, MorroSanta Marta, Rio de Janeiro)

Essa “mobilidade”, no entanto, só pode seranalisada e captada nas interações que os sujeitostravam com o mundo e com os outros. E essasinterações foram claramente reivindicadas tantopelos moradores quanto pelos não-moradores en-volvendo a situação da co-presença, mas tambémuma representação mais negociada por parte dosmedia da complexa vida nas comunidades. Entreos que não moram na favela, esse diálogo mos-trou uma disposição de entrar em contato, cons-truir uma experiência direta com o outro, comopodemos ver por meio da discussão:

“Luiza: De todo modo, nossa visão é superfi-cial, porque a gente não tem muito contato. E se amídia só transmite a violência, a gente só temconhecimento da violência e não é só isso queacontece.

Joana: Mas não adianta só conhecer pela tele-visão. Eu acho que tem que haver algum tipo deinteração para isso acabar.

Ruth: Mas é o primeiro passo e pode até aju-dar.

Felipe: Tinha que ter mais programas comoesse para conscientizar de que a favela não é sóum lugar perigoso, mas que tem pessoas com vidanormal.

Moderadora: Mas, Joana, o que você chamade formas de interação?

Joana: O negócio da interação é assim, a par-tir do momento em que eles têm projeto, isso pre-cisa ser mostrado.

Felipe: Eu acho que a gente, do asfalto, vaipra lá só pra fazer documentário. A gente não passao interesse para eles de uma convivência amigá-vel. Eles pensam que a gente só tem interesse,assim, como se eles fossem tipo uma experiên-cia, que a gente só quisesse ver, analisar, obser-var...

Luiza: Depois, tchau!

Felipe: É. Depois, tchau. Não [se] preocupa

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com eles” (Grupo focal, Colégio, Belo Horizonte).

Assim, pudemos perceber que, embora os gru-pos tenham procedido de modos distintos no quediz respeito à interpretação da série, acreditamosque seria possível pensar na capacidade dos me-dia em colaborar na promoção de uma mobilida-de simbólica, por meio do debate que eles susci-tam, como nos foi revelado pelas interaçõesdiscursivas construídas nos grupos focais. Con-tudo, é preciso ter cautela sobre esse poder damídia de contribuir para essa “mobilidade”, aoquestionar essas representações estereotipadas. Oque queremos dizer é que não compartilhamos deuma visão ingênua sobre o funcionamento e osmodos operatórios dos media, ou seja, temos cla-reza de que trabalham com interesses, rotinas deprodução e enquadramento de temas numa en-cruzilhada de disputas institucionais, comerciais,políticas etc., nem pensamos ser a cena midiáticaum espaço franqueado, livre de quaisquer cons-trangimentos. Bem sabemos que esse caminho deacesso aos media é tortuoso, com diversas bar-reiras e dificuldades.

Contudo, a dificuldade não está só na promo-ção dessa “mobilidade” entre esses mundos da vidaindiretos e mediados. Há também dificuldade emaproximar os mundos da vida onde ocorrem asexperiências concretas dos moradores de favela edos demais grupos da sociedade. Foi o que ale-gou o grupo de adolescentes do Colégio de BeloHorizonte:

“Felipe: eu acho que programas como essepossibilitam uma aproximação entre morro e as-falto.

Ruth: É. Esse é o primeiro passo. Você conhe-cer pra depois interagir. A televisão não resolve. Elamostra e dá vontade na gente de ir lá conhecer.

Felipe: Por isso a gente precisa de mais infor-mação. Quem vai [se] aproximar de uma coisaque você sabe que vai ser assaltado? Acho quetem que ter muita informação desse tipo e dimi-nuir o documentário igual Falcão. Qualquer pes-soa fica chocada pensando que jovens da nossaidade estão morrendo. O que sobreviveu só so-breviveu porque estava preso.

[...]

Moderadora: Vocês disseram que programascomo esse tendem a ser uma janela, mas por si sónão vão conseguir mudar. Se houvesse mais pro-

gramas, vocês acham que pensariam diferente?

Érica: Pensar eu acho que a gente vai, masagir é que é difícil.

Luiza: É como a Ruth falou, tem uma culturaonde a gente nasceu, a gente já está acostumado aver desse jeito.

Joana: Eu acho que muda o jeito de pensarsim, mas a prática é muito difícil. Eu ainda vouter medo se encontrar um grupo de favelado narua. É difícil” (Grupo focal, Colégio, Belo Hori-zonte).

Quando perguntamos o que pensavam acercada violência no morro, a partir do que viram nasérie, o debate ocorrido entre os adolescentesmoradores da favela de Belo Horizonte chamou-nos a atenção. Isso porque esses participantesprocuraram expressar que os episódios mostramuma realidade que lhes causa estranhamento, jus-tamente porque ainda atrelavam-na a uma repre-sentação que não pode ser generalizada, uma vezque permanece ligada ao que o senso comum de-signa como “a favela carioca”:

“Carlos: Bom, aqui é menos, aqui é diferente,aqui é menos perigoso do que lá. Eu estou falan-do menos perigoso assim, menos violento. Lá otráfico é mais pesado do que aqui. Não tem comofalar que não é.

Moderador: Vocês acham que lá o tráfico estámais presente...

Ana: As gangues são mais perigosas. Igual,por exemplo, aqui também tem gangues rivais quenem igual o Morro e lá embaixo, mas não sãotanto assim não. Não pode nem passar, atraves-sar, tem gente que mora lá embaixo e não podesubir aqui em cima. Aqui não tem o comando quetem lá, na boca...

Mara: Mas, eu discordo de vocês dois, por-que o que a gente tá vendo é o que a mídia támostrando, a gente não foi lá, não conviveu umdia lá, para saber como é que é lá. A gente vê aquio que passa na televisão, entendeu?

Carlos: uma coisa que eu queria falar, porqueeu não consegui concluir. A realidade é aquelacomo tá lá. Lógico, que nem você falou, que lánão é tudo aquilo. Mas, vamos convir que temum pouquinho daquilo sim. É lógico que tem seulado beneficente, tem o Criança Esperança, proje-tos...

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Ana: É. Um tráfico mais violento com certezaé. Não tem nem comparação Cidade dos Homenscom aqui. Que nem eu falei que são gangues rivaispior do que aqui na Barragem, no Morro, aqui nafavela. Nossa Senhora! Se eu morasse num lugarigual a esse dali, eu mudava. Igual, por exemplo,na Rocinha, no Rio de Janeiro, é aquela realidademesmo. Porque na Rocinha tem que ter permissãopra tudo, pra entrar, pra sair, até polícia tem que terpermissão pra entrar lá. Toda vez que entra polícialá pra trocar tiro com os bandidos, ou morre a po-lícia ou morrem os bandidos” (Grupo focal, Barra-gem Santa Lúcia, Belo Horizonte).

É importante destacar esta que nos parece seruma questão inusitada: os próprios moradores defavela de Belo Horizonte falam sobre a condiçãodos moradores de favela do Rio pela mediação datelevisão. Tal processo os levou a reproduzir omesmo discurso elaborado pelos adolescentes doColégio, ou seja, viam “a favela do Rio” como umlugar de extrema violência, criminalidade e sobconstante controle do tráfico. Sendo assim, comopoderíamos nos surpreender diante da interpreta-ção dos adolescentes de classe média, que têmum mundo da vida distinto, se aqueles que têmuma condição de vida semelhante reproduzem omesmo discurso?

V. CONCLUSÃO

Se quem está na “favela de Belo Horizonte” fazuma idéia de quem está na “favela do Rio” seme-lhante àqueles que possuem outras referências, estenos parece ser um aspecto relevante, uma vez quenos aponta para a presença significativa dos mediana composição de mundos da vida construídos pelasexperiências indiretas. Por viverem uma condiçãosemelhante aos moradores de favela do Rio de Ja-neiro, poderíamos esperar que os meninos de BeloHorizonte interpretassem de um modo mais nego-ciado aquilo que recebiam pela televisão. Contudo,esses adolescentes, justamente por serem aquelesque vivem em situação semelhante, não fizeramdistinções que fossem satisfatórias. De modo mui-to tímido, procuraram relativizar, destruir a visãohomogênea e fazer questionamentos. Não nego-ciaram sua interpretação com um padrão de visibi-lidade que pretendia ser diferente e isso os levou adizer quase o mesmo que os adolescentes do colé-gio particular.

Podemos perceber, diante dos debates trava-dos, o quanto o mundo da vida guia a interpreta-ção, o enquadramento construído em cada gru-

po, independente de o produto ser aquele que ti-nha como propósito um padrão de visibilidade di-ferenciado em relação ao comumente veiculado.Isso porque este enquadramento está ligado aossentidos dados, previamente formulados, que jávêm sendo sedimentados ao longo da história devida de cada um desses adolescentes.

Ao mesmo tempo, é preciso considerar, demodo cada vez mais sério, a demanda apresenta-da pelos moradores por uma representação quede fato aborde outros elementos da vida na fave-la. É preciso mudar a forma da produção e inovarno que diz respeito aos padrões de visibilidade eenquadramento desse grupo. Acreditamos que, seesse universo for mostrado de forma mais nego-ciada, sem fugir de sua complexidade e de seusdilemas, mas também evidenciando a solidarieda-de e o comum ali existente, os públicos poderãover que a favela é plural, rica e que, se ela temmuitos problemas, várias poderão ser as soluçõesalternativas.

Particularmente, movimentos sociais e ONGsvêm tendo maior conscientização da importânciada mobilização política para que uma ação coleti-va seja bem-sucedida. É comum porta-vozes des-ses movimentos acusarem os discursoshegemônicos dos media de focar apenas na vio-lência e no que a favela tem de pior. Segundo al-guns membros dessas organizações, os media nãose preocupam em mostrar de modo adequado asações comunitárias, a vida em comum levada porpessoas comuns.

Iniciativas como as do grupo Afro-Reggae daFavela de Vigário Geral do Rio de Janeiro, da ONGNós do Cinema (RJ)14, dos vários grupos que cons-

14 Esse exemplo nos parece significativo, pois trata-se deuma ONG que foi formada após as filmagens do longaCidade de Deus, que contou com elenco composto porjovens de comunidades de baixa renda. A “Nós do Cinema”possui vários projetos, entre eles cursos profissionalizantese experiência prática em cinema. Os jovens participam deproduções próprias e estagiam em grandes filmes. Um dosprojetos desenvolvidos é o “Juntando Gente”: “O objetivodesse projeto é reduzir o preconceito social entre diferen-tes classes sociais”. Filmes como Cidade de Deus e o seri-ado Cidade dos Homens e outras produções são utilizadoscomo estímulo para repensar a realidade das favelas e comoesses espaços são retratados pela imprensa e indústria doentretenimento. A partir disso os participantes discutemmitos, preconceitos e estereótipos relacionados ao univer-so das favelas cariocas e da população. Essa iniciativa tem

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troem os sites na internet15, além de muitos outrosmovimentos – como o liderado pelo rapper MV Bill– cada vez mais procuram ocupar o espaço dosmedia para se fazerem presentes e parte integranteda sociedade, falando por si mesmos e reconhe-cendo os problemas com os quais convivem, masprocurando mostrar que nas favelas não existemapenas a violência, a criminalidade e o tráfico dedrogas como única fonte de sobrevivência econô-mica. Muitas dessas iniciativas procuram enfatizara construção cultural e política desses lugares, asalternativas de vida ali existentes (como os cursospré-universitários, as diversas oficinas e cursosprofissionalizantes e várias outras lutas empreendi-das junto ao poder público), contribuindo para re-vigorar o processo de formação dessa identidadecoletiva do modo como julgam mais adequado. Sãoformas que conferem voz a esses sujeitos que sem-pre foram excluídos ou submetidos a toda formade desrespeito. Embora saibamos que essa questãodos possíveis deslocamentos de sentidos produzi-dos pela percepção de ações coletivas seja relevan-te, ela não é o objetivo central deste artigo, postoque tal reflexão demandaria outros aspectos a se-rem discutidos, tais como o dilema entre a identi-dade individual e a identidade coletiva dos morado-res de favelas.

E, por fim, apesar do fato de que, embora amobilidade simbólica não tenha acontecido neces-

sariamente, no caso aqui em questão, gostaría-mos de evidenciar o processo que começa a sergestado, o “colocar em marcha” de um possíveldeslocamento e de uma desestabilização daquelascertezas básicas às quais esses sujeitos recorrempara lidar com o outro. E temos a convicção deque o grupo focal oportunizou justamente isso,ou seja, permitiu a instauração de questionamentosque puderam ser feitos nas instâncias cotidianasde convivência dos sujeitos – como a escola e osgrupos da comunidade – e que, de algum modo,os levou a repensar e, aos poucos, quem sabe, aredefinir o que pensam acerca desse outro, comonos disse a adolescente: “Érica: Agora que a gen-te parou para conversar sim. Porque, muitas ve-zes, quando eu assistia, eu não percebia e nempensava em nada disso que a gente está falandoagora”.

Não podemos negligenciar o fato de que osmeios estão inseridos em âmbitos sociais, cultu-rais, distintos e complexos, e que a interpretaçãoque os sujeitos fazem daquilo que recebem estáancorada nesses contextos. Nesse sentido, torna-se fundamental criar oportunidades de reflexão edebate nas quais se possam negociar esses enten-dimentos, pois, se os sujeitos articulam novossentidos, apenas o fazem quando são chamadospara discutir determinada questão e problematizá-la.

contribuído para promover o diálogo entre “o morro e oasfalto” (NÓS DO CINEMA, 2006).15 Como exemplo, podemos citar o portal Ocupar Espa-ços, uma iniciativa de várias favelas de Belo Horizonte.Segundo informação retirada do portal, “O projeto está

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Simone Maria Rocha ([email protected]) é Mestre em Sociologia da Cultura pela UniversidadeFederal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ) e Professora Adjunta e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Mídia eEsfera Pública na área de Comunicação e Política do Programa de Pós-Graduação em ComunicaçãoSocial da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 227-230 NOV. 2007ABSTRACTS

TELEVISION, LIFE WORLD AND SYMBOLIC MOBILITY: SLUM AND SLUM-DWELLERSFROM TEENAGERS’ POINTS OF VIEW

Simone Maria Rocha

This article discusses the concept of life world, relating it to the hypothesis of symbolic mobilityflowing from analysis of reception and discussion of the television series “City of Men” (Cidade dosHomens”, Rede Globo, 2002) carried out through focal groups with youth, slum-dwellers and non-slum dwellers in Belo Horizonte and Rio de Janeiro. We not only consider focal groups as a qualitativeresearch methodology, but as a form of mediation that is capable of stimulating the production ofmeaning in situations of collective reception, fomenting processes in which representations arequestioned and identities are formed and sustained. It is our hypothesis that although representationsexhibited by communications media tend to reproduce stereotypes, we can still identify a relativeplurality and identify productions that possess an explicit intention to alter such stereotypes. In thisregard, communications media provide an important mediation whose ability to filter, “mediatize”and emphasize certain topics offers perspectives, molds images and incites the creation of politicaland social contexts of debate and interaction. Given the significant presence of communicationsmedia in social life, our proposal is to show how televsion and its messages, which play such afundamental role in cristalizing a stock of knowledge, may also contribute to problematizing anddislocating previously formulated understandings

KEYWORDS: life world; symbolic mobility; television; teenagers; slums.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 233-236 NOV. 2007RÉSUMÉS

TÉLÉVISION, MONDE DE LA VIE ET MOBILITÉ SYMBOLIQUE: LA FAVELA ET SESHABITANTS DANS LA PERSPECTIVE DES ADOLESCENTS

Simone Maria Rocha

L’objectif de cet article est de discuter du concept de monde de la vie en le mettant en rapport avecl’hypothèse de la mobilité symbolique et en s’appuyant sur une analyse de la réception et de ladiscussion de la série télévisée Cidade dos Homens (Cité des Hommes) de la chaîne Globo, 2002.Cette émission se passait auprès de groupes focaux d’adolescents, habitants et non habitants defavela à Belo Horizonte et à Rio de Janeiro. Nous considérons les groupes focaux non seulementcomme une méthodologie qualitative de recherche, mais aussi comme une médiation capable destimuler la production de sens dans des situations de réception collective et de mettre en évidence lesprocessus de mise en question de représentations, de formation et de support d’identité. Bien que lesreprésentations transmises par les moyens de communication reflètent une tendance à la reproductionde stéréotypes, notre hypothèse est que nous pouvons quand même vérifier une relative pluralitédans cet environnement et identifier les productions ayant explicitement l’intention de modifier cesstéréotypes. Les moyens de communication représenteraient donc une importante médiation dont lacapacité à filtrer, à rendre médiatique et à renforcer certains thèmes offre des perspectives, modèleles images et incite à la création de contextes politiques et sociaux d’interaction et débat. Vu laprésence importante des moyens de communication dans la vie sociale, nous avons pour but demontrer comment la télévision et ses messages qui contribuent énormément à la sédimentation d’unstock de connaissance, contribuent aussi à la mise en question et au déplacement d’entendementspréalablement formulés.

MOTS-CLÉS: monde de la vie; mobilité symbolique; télévision; adolescents; favela.

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